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Disciplina: História do Direito – Turma: Direito - 1º Semestre – 2011.

Prof. Wellington Amorim

Importância da História do Direito

A importância da nossa disciplina reside na função que tem, a História do


Direito, de estabelecer os pontos de contato entre instituições jurídicas de
diferentes fases da vida em sociedade.

Nesta perspectiva, é possível compreender que, se o Direito, como um dos


elementos que integram a sociedade em sua ação dinâmica, está sujeito a
influências que o modificam, também nele se distinguem – ora mais, ora
menos acentuadamente – resíduos ou sinais de suas origens.

No entanto, para que possamos compreender o real alcance e a importância


da História do Direito, é fundamental, antes de qualquer coisa, que
afastemos a idéia ultrapassada da história como ciência apenas narrativa,
sem as ligações entre os fatos e suas conseqüências e sem a análise
sistemática das significações e reflexos na vida das sociedades.

Objetivo da disciplina História do Direito

O nosso objetivo ao estudarmos a História do Direito é o de nos tornarmos


capazes de analisar as instituições jurídicas no tempo e no espaço.

Pretendemos nos tornar, ainda, capacitados à realização de um estudo do


Direito comparado, traçando na medida do possível, um paralelo entre um
determinado instituto antigo e sua versão moderna.

Acreditamos que essa conexão entre o passado e o presente nos conferirá


instrumentos para o exercício da crítica social.

I – A Escrita e o Direito

1. A Escrita como meio de Comunicação.

É por todos nós sabido que o homem percorreu, na caminhada evolutiva,


um longo caminho até chegar ao momento em que conseguiu comunicar-se
por gestos e pelas primeiras palavras, momento este em que se voltou para
a possibilidade de consignar essa comunicação por meio dos signos
(símbolos) reveladores das mensagens que desejava transmitir.
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O Prof. Antonio Carlos Wolkmer, na sua obra o Direito nas Sociedades


Primitivas, ensina que a escrita está diretamente ligada à criação das
cidades e mesmo ao desenvolvimento das sociedades em geral.

Sendo assim, é possível assinalarmos que o estudo da escrita é composto de


duas fases:

a) Pictografia – representada pelo pictograma (ou mitograma) do


homem pré-histórico, constituindo-se de desenho figurativo que
exercia a função de comunicação. Significa a representação do
objeto por sua imagem, como no exemplo das cavernas, onde foram
descobertas gravuras talhadas pelo homem pré-histórico.

Obs.: O que percebemos é que, atualmente, os desenhos ainda são um


importante meio de comunicação, como por exemplo as placas de
silencio nos hospitais, em que vemos o desenho de uma enfermeira
fazendo o gesto característico ou mesmo no que se refere às placas de
trânsito.

b) Logografia – que representa um primeiro estágio de evolução da


escrita. Neste momento, o homem precisou exprimir mais idéias e,
sendo assim, as imagens foram adquirindo maior simplificação. Já
não representam, mas, apenas dão a idéia do objeto. É o momento
em que o signo gráfico passa a representar uma palavra. A
logografia está subdividida em duas espécies:

b.1) Ideograma (ou morfeograma) – encontramos nesta forma de


escrita o hieróglifo, o cuneiforme, o chinês. Nesta fase as idéias são
representadas por meio de sinais que reproduzem objetivos
concretos, ou seja, transferem por meio de sinais a idéia que desejam
transmitir. Já não verificamos mais o objeto, mas sim a sílaba inicial
do nome do objeto, por exemplo.

Os hieróglifos, usados no Egito Antigo, representam o ideograma, e


revelaram a evolução pela qual passou a escrita, posto que no estágio
inicial eram meramente pictogramas, mas, com o passar do tempo,
tornaram-se ideogramas para, afinal, constituírem fonogramas.
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Houve situações em que o ideograma foi tão estilizado que o sinal


não se parecia em nada com o objeto, tornando a escrita abstrata, ou
seja, sem ligação com a coisa, como o que ocorre com os caracteres
cuneiformes (em forma de cunha, ponta), utilizados na antiga
Mesopotâmia pelos assírios.

No caso da escrita chinesa, o que se mostra é que ainda é ideográfica


(desenho estilizado), mas já bastante diferente da coisa que
simboliza. Este forma de escrita utiliza milhares de caracteres e
escreve-se de cima para baixo e da direito para a esquerda.

b.2) Fonograma – passível de ser encontrada entre os povos fenício,


árabe, grego e latino. É a grafia do som, fase final da evolução da
escrita, revelando-se por intermédio de civilizações que se
destacaram na atividade comercial e deram origem aos alfabetos.

Os fenícios eram comerciantes e, por isso mesmo, práticos.


Terminaram com o ideograma, inventaram o alfabeto, composto de
22 (vinte e dois) sinais representando os sons.

Os árabes criaram seu próprio alfabeto, da direita para a esquerda em


linha. Até hoje o usam, como se pode constatar na bandeira da
Arábia Saudita.

Os gregos adaptaram o alfabeto fenício e sua cultura o levou a


Roma. A escrita latina que usamos é simples evolução dos
caracteres gregos e fenícios.
Obs.: O que percebemos, diante do que fora posto acima, é que a
possibilidade de representar os sons da fala por meio de sinais
convencionais, hoje tão comuns para nós, foi uma grande conquista do
espírito humano.

A linguagem constitui um grande marco de evolução do espírito humano,


uma vez que permite uma precisa comunicação entre os homens, tornando-
se vital para a convivência humana. Não existe sociedade sem comunicação
e, por isso mesmo, sem linguagem.

2. Surge o Direito
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Do mesmo modo que a linguagem, os direitos foram surgindo a medida em


que as civilizações originárias atingiram o momento necessário ao seu
desenvolvimento.

Ultrapassado o estágio da força física, da qual se valia na caverna e nas


primeiras organizações gregárias, o homem sentiu a necessidade da criação
do Direito. Significa dizer que o homem, ao passar a viver em grupos,
formando uma comunidade, embora ainda embrionária, sentiu a
necessidade de disciplinar a sua própria conduta, traçando normas de
respeito aos direito de cada um.

A palavra oral já não era suficiente para disciplinar seus atos.

As formas pactuais não cercavam de garantias as suas relações econômicas


e políticas. O medo e o interesse desvirtuava o testemunho como
expressão da verdade.

Desse modo, em função da vida em sociedade e com o objetivo de evitar o


caos e a anarquia, surge o Direito exatamente como fixador de regras de
conduta, dotadas de coercibilidade. Pois, da mesma forma como não há
sociedade sem linguagem, não é possível a sua existência sem Direito.

Sendo o Direito o espelho das sociedades que vão se formando no tempo e


no espaço, os velhos direitos tiveram alguns pontos de universalidade,
tendo em vista que uma inspiração superior presidiu, de forma igualitária, a
elaboração de certas normas costumeiras.

É por esta razão que, muitas vezes, encontramos regras comuns entre as
diversas legislações antigas e os artigos e parágrafos dos códigos atuais, já
que os direitos dos povos equivalem ao seu tempo e se explicam no espaço
de sua criação.

II – O Direito dos Povos sem Escrita

Nos primórdios da civilização humana não havia a escrita, entretanto não


podemos dizer que não houvesse um Direito, ainda que insipiente, neste
momento da história da humanidade.

O estudo dos direitos dos povos sem escrita, apesar das dificuldades,
constitui o melhor meio para nos darmos conta do que pode ser o direito
dos povos da Europa na sua época pré-histórica. Este estudo representa o
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objeto dos trabalhos de etnologia jurídica que analisam os aspectos


jurídicos das sociedades contemporâneas ou antigas que não conheciam a
escrita.

1. Aspectos gerais do Direito dos Povos sem Escrita.

As principais características dos direitos dos povos sem escrita podem ser
definidas, como pontua John Gilissen:

a) por não serem direitos escritos, os esforços de formulação de regras


jurídicas abstratas são bastante limitados. Observe-se que mesmo os
escritos como o Código de Hamurabi, praticamente não possuíam
regras abstratas, sendo praticamente uma compilação de casos
concretos;

b) como cada comunidade tinha o seu próprio costume, pois vivia


isolada, praticamente sem contato com outras comunidades, há
grande diversidade nesses direitos;

c) a diversidade acima apontada acaba por ser relativa. Tendo em vista


que a base de organização social humana era semelhante, há
inúmeras coincidências entre os vários direitos que surgem. Mas as
diferenças também existem, influenciadas por vários itens, como
clima, recursos naturais, número de indivíduos, etc.;
d) Direito e religião ainda estão umbilicalmente entrelaçados. Como há
grande temor em relação aos poderes sobrenaturais, é ainda difícil
distinguir o que vem a ser regra religiosa e o que vem a ser regra
jurídica. Não existe distinção entre religião, moral e direito, estando
essas funções sociais bastante interligadas e confundidas;

e) São direitos ainda em formação, em gestação, longe das instituições


que conhecemos e que são definidas nos sistemas romanistas ou do
common law, que estudaremos adiante. Não há definição do que é
justiça, regra jurídica, etc.

Alguns autores defendem que nesse estágio não podemos falar em


regras jurídicas, em direito propriamente dito. É o caso de Marx e
Engels, por exemplo, que consideram o direito ligado ao Estado, e
afirmam não existir direito nos grupos sociais que não atingiram o
estágio de organização estatal.
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Atualmente, admite-se caráter jurídico dos povos sem escrita, levando-


se em conta que existiam meios de constrangimento para assegurar o
respeito às regras de comportamento.

2. Fontes

Característica corrente dessa fase do direito, a fonte pode ser considerada


quase exclusivamente o costume, ou seja, a forma tradicional de viver em
comunidade, as normas estabelecidas consensualmente pelos membros do
grupo, ainda segundo o ensinamento de Gilissen.

A obediência ao costume era assegurada pelo temor dos poderes


sobrenaturais e pelo medo da opinião pública, especialmente o medo de ser
desprezado pelo grupo em que se vivia. Naquela época, um homem fora do
seu grupo, vivendo isoladamente, podia considerar-se fadado à morte.

As penas normalmente impostas neste momento histórico eram:

a) morte;
b) penas corporais;
c) banimento (exclusão do grupo social).

Outras fontes do direito dos povos sem escrita são:

a) regras de comportamento impostas por quem detinha o poder


(primórdios das nossas leis atuais);

b) precedente judiciário: os que julgavam, mesmo que


involuntariamente, tinham tendência de aplicar aos litígios soluções
dadas anteriormente a conflito semelhantes;

c) provérbios e adágios (poemas, lendas, etc.).

3. Direito como origem familiar

A história do direito, auxiliada pela etnologia jurídica, também estuda os


diferentes tipos de estrutura familiar e social que se podem reconstituir. É
com base nesse estudo, muitas vezes confrontado com o modo de vida e
organização social dos povos ainda hoje existentes que desconhecem a
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escrita, como os índios nas Américas e os aborígenes na Austrália, que


podemos reconstituir as instituições criadas por esses povos, base da
organização jurídica.

O casamento é uma das instituições mais arcaicas e mais permanentes,


sobrevivendo com intensidade ainda em nosso tempo. É a reunião mais ou
menos estável entre duas pessoas de sexos diferentes. Já nas sociedades
primitivas o incesto era proibido, sento tratado como verdadeiro tabu.
Quem o praticasse poderia sofrer sérias sanções, inclusive a pena de morte.
Nessa época a poligamia, união de um homem com mais de uma mulher,
era freqüente, a poliandria, casamento de uma mulher com mais de um
homem, era praticamente inexistente.

- O Clã

Independentemente do sistema adotado pela sociedade chega-se sempre,


pela ampliação dos laços consangüíneos, à formação de grupos
relativamente extensos – os clãs. É neles que há origens comuns, e dessa
forma, identidade cultural, o que facilita a unificação.
O culto aos antepassados era um dos principais itens de união entre as
famílias, já que reforçavam laços. O desenvolvimento e mesmo a
sobrevivência dos membros das famílias acabavam dependendo da coesão
dos seus membros e da relação de confiança estabelecida dentro dos
respectivos clãs.

O clã acabou por ser considerado uma unidade. Se alguém atacasse um


membro do clã, todos se sentiam atacados, e a revolta era contra o clã ao
qual pertencia o agressor, e não contra a pessoa física específica que
cometera o mal – a vingança era comum a todos.

Nos clãs já surgem inúmeras instituições de direito privado, como o


casamento, a sucessão do chefe, a adoção, etc.

- A Etnia

Como regra, os clãs que se enfrentavam, por proximidade, normalmente


possuíam nome comum, mesma memória, consciência de grupo, costumes
próprios, a mesma língua.
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Considerando que a vingança gera vingança, deixar que os próprios clãs


resolvessem suas pendências podia levar grupos inteiros ao extermínio.
Percebendo essa inconseqüência, alguns grupos abdicavam de aplicar a
própria vingança e colocavam essas decisões nas mãos de membros dos
vários clãs que compunham determinado grupo. Surge com isso uma
comunidade com espectro mais amplo que o clã, que é comumente
denominada etnia – é o início da formação de um Estado.

Uma justiça unificada limita a solidariedade ativa e passiva das famílias e


dos clãs. Gradualmente as vinganças privadas prejudiciais às etnias, que
significam o seu enfraquecimento ou mesmo a sua destruição, são
substituídas por novas regras, como a lei de talião, que visava reparar o
dano impondo o mesmo prejuízo ao agressor.

A Justiça adotada pelas etnias confia freqüentemente nas forças


sobrenaturais para solucionar os conflitos. Uma das espécies de prova que
recorria ao sobrenatural era a ordália, ou seja, na falta de certeza sobre um
delito, e sendo uma pessoa acusada de tê-lo cometido, atirava-se essa
pessoa na correnteza de um rio. Caso sobrevivesse, era intervenção divina
e isso provava a inocência. Caso não, estava demonstrada a culpa.

A etnia constitui a estrutura sociopolítica superior, agrupando número


indeterminado de clãs. Caso a junção de clãs não obedeça a esse processo,
com certeza os conflitos surgirão com muito mais facilidade. Exemplo
disso são os atuais Estados africanos que, após a Segunda Grande Guerra,
deixaram de ser colônias dos países europeus, mas cuja divisão de
fronteiras não respeitou as linhas divisórias das várias etnias. O resultado é
evidente: guerras e genocídios sem fim.

4. O Direito das Coisas

Como os clãs são considerados um todo coletivo, a propriedade privada


demora bastante a aparecer no estudo das sociedades primitivas. A
individualidade é bastante restrita, estando o homem ligado aos membros
do seu clã.

Da mesma forma que o indivíduo se sente ligado aos membros do clã, este,
como um todo, o considera como sua parte, estendendo ao conceito de
indivíduo aquilo que a ele se liga mais estreitamente, como é o caso das
armas, dos frutos colhidos, da canoa, etc.
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Além de os pertences possuírem caráter sagrado, sendo por isso


invioláveis, sob pena de sanções sobrenaturais, também não diziam respeito
ao indivíduo, mas à linhagem, ou mesmo ao clã do qual fazia parte.
Portanto, os bens eram em princípio inalienáveis.

Com a morte de um indivíduo, muitas vezes o que lhe pertencia era


enterrado ou queimado com ele. Em tempo de vacas magras as
necessidades econômicas falam mais alto do que certos misticismos, o que
faz com que os membros de determinados clãs permitam que os
sobreviventes herdem determinados objetos, como armas e alimentos.
Surgem com isso as primeiras formas de sucessão de bens – mais um
instituto jurídico.

Nos povos primitivos os bens de consumo, especialmente os alimentos,


foram precocemente alçados à condição de alienáveis, ficando evidente que
a propriedade mobiliária precedeu de longe a propriedade imobiliária. Isso
porque para os primitivos o solo era sagrado, tido como a sede de forças
sobrenaturais, já que era nele que ficavam os restos mortais dos
antepassados.

O chefe não era considerado proprietário do solo, sendo ele pertencente a


toda a comunidade. Mesmo que as parcelas fossem repartidas pelo chefe
entre as famílias, isso era por um curto lapso temporal. Depois da colheita,
por exemplo, toda a terra voltava a pertencer ao clã como um todo. Por
isso afirma Gilissen que não existia apropriação por prescrição aquisitiva,
ou seja, qualquer que fosse a duração da detenção de uma parcela, ela devia
sempre retornar à comunidade. O solo, cultivado ou não, pertencia ao
chefe da terra e, por ele à comunidade. A terra era evidentemente
inalienável, sobretudo a estrangeiros.

Nas etnias que permaneceram nômades o desenvolvimento da propriedade


comum era privilegiado, porque o rebanho era considerado pertencente a
todos. Já nas etnias em que ocorreu a sedentarização, com a colheita dando
lugar à agricultura, houve uma tendência natural à individualização das
coisas, contribuindo para a solidificação da propriedade privada.

Com a sedentarização dá-se início à distinção entre terras comuns cujo uso
pertence à comunidade, como as florestas e pastos, e as parcelas cultivadas
pelas famílias. Surge com isso, a noção de propriedade familiar, depois
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individual do solo, e ao mesmo tempo a de sucessão imobiliária e de


alienação de imóveis. É o começo da distinção, cada vez maior, entre ricos
e pobres, já que a apropriação do solo leva a desigualdades sociais e
econômicas.

Motivos da desigualdade econômica:

a) partilhas sucessórias;
b) diferenças de fertilidade;
c) acidentes meteorológicos;
d) entusiasmo no trabalho, etc.

Como desigualdades econômicas implicam necessariamente desigualdades


sociais, acabam por surgir classes sociais cada vez mais distintas e uma
hierarquização da sociedade. O mundo passa a ser dividido em classes
sociais.

O próximo passo é o recrudescimento dos agrupamentos sociais, que tem


como resultado a formação das cidades. Junto com o adensamento
populacional que surge com as cidades, vem a necessidade de fiscalização,
de recenseamento, ao mesmo tempo que a troca de informações é
acentuada. A simples transferência oral de informações não é mais
suficiente, há a necessidade de registrar os fatos – surgindo, conforme já
mencionado a escrita.
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O Direito na Antiguidade – As primeiras civilizações

I – Introdução

Iniciaremos, a partir daqui, uma análise das sociedades antigas que foram,
ao longo do tempo, desenvolvendo a idéia de cidades e, conseqüentemente,
de uma organização social mais elaborada, até chegarem a um direito
escrito.

Necessário se faz, destacar, que os fatores históricos que permitiram a


passagem das formas arcaicas de sociedade para as primeiras civilizações
da Antigüidade foram:

a) surgimento das cidades;

b) invenção e domínio da escrita;

c) advento do comércio.

Os mais antigos documentos escritos de natureza jurídica apareceram,


cronologicamente falando, de acordo com a seguinte classificação:

a) por volta de 3.000 a.C., no Egito e na Mesopotâmia;

b) por volta de 2.000 a.C., com os Hititas, Fenícia, Israel, Creta e


Grécia;

c) por volta de 1.000 a.C., Grécia e Roma dominaram, até quase todos
estes países forem reunidos no Império Romano, durante os cinco
primeiros séculos d.C. Mais a oriente, a Índia e a China conheceram
também o nascimento de seus sistemas jurídicos nessa época.

1. Os Direitos Cuneiformes

Conceito: Conjunto de direitos da maior parte dos Povos do Oriente


Próximo da Antigüidade, que se serviram de um processo de escrita,
parcialmente ideográfico, em forma de cunha.
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Não podemos dizer que haja um direito cuneiforme único, mas sim, um
conjunto de sistemas jurídicos de períodos e regiões diferentes, com certa
unidade, como por exemplo, direitos das diversas regiões da Suméria, da
Acádia, da Babilônia, da Assíria, de Mitanni, de Uraru e também de centros
mais próximos do Mediterrâneo, como Alalakh e Ugarit. Mais ao norte, na
Turquia atual, formou-se, no segundo milênio, o vasto reino dos Hititas.

Estão compreendidos como Povos do Oriente Próximo, o Egito a


Mesopotâmia e os Hebreus.

Sinteticamente, podemos dizer, sobre as características desses povos, o


seguinte:

a) Egito – Não nos transmitiu até agora nem código, nem livros
jurídicos, mas foi a primeira civilização da humanidade que
desenvolveu um sistema jurídico que se pode chamar individualista;

b) Mesopotâmia – foi a região que conheceu as primeiras formulações


do direito. Os Sumérios, os Acadianos, os Hititas, os Assírios,
redigiram textos jurídicos que se podem chamar de “códigos”, os
quais chegaram a formular regras de direito mais ou menos abstratas;

c) Hebreus – situados entre Egito e Mesopotâmia, não atingiram um


grande desenvolvimento do direito, mas registraram na Bíblia, o seu
livro religioso, um conjunto de preceitos morais e jurídicos que
foram perpetuados, através da influência direta no direito canônico e
no direito dos muçulmanos.

As diferenças entre Mesopotâmia e Egito, no tocante aos aspectos


geográficos, políticos e econômicos, influenciaram profundamente os
institutos jurídicos dessas civilizações. Sendo assim, urge traçarmos as
diferenças e semelhanças entre estes povos.
- No que concerne à Geografia, temos o seguinte:

Ambas as civilizações se formaram em torno dos rios Tigre, Eufrates e


Nilo.

- Semelhanças:
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Ambos os povos se beneficiaram por um solo propício à agricultura e à


navegação fluvial, essencial para o transporte de mercadorias e sofisticação
do comércio.

- Diferenças:

a) Quanto ao Nilo: apresentava períodos de cheia e recuo das águas


previsíveis e estáveis, o que irá influenciar na religião egípcia,
principalmente quanto a imortalidade do faraó e sua associação com
a divindade;

b) Quanto ao Tigre e Eufrates: eram rios instáveis, levando ao


entendimento de que a monarquia representa a luta de uma ordem
humana, com todas as suas ansiedades e fragilidades, para se
integrar ao universo.

- No aspecto Político, podemos descrever:

No Egito – desenvolveu-se uma monarquia unificada, composta por um


poder central bastante definido, representado pelo faraó.

Na Mesopotâmia – as civilizações eram baseadas na organização em


cidades-estado.

- Quanto a Economia, temos:

O comércio era o elemento fundamental tanto na consolidação da


civilização Egípcia quanto da Mesopotâmia, sendo que as cidades desta
última dependiam bem mais do comércio que o Egito, o que diferenciará o
desenvolvimento do direito privado nessas duas civilizações.
- Semelhanças:

Ambas possuem como elementos comuns o cultivo de alimentos e a


navegação fluvial.

- Diferenças:
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Egito – tinha abundância de vários materiais, tais como, ouro, cobre,


marfim, etc. Entretanto, não possuía madeira e, para suprir tal necessidade,
recorria à importação do Líbano.

Mesopotâmia – apresentava carência de minerais, com exceção do cobre, o


que gerava dependência muito maior em relação ao comércio.

Após este pequeno quadro descritivo que traçou as semelhanças e


diferenças básicas entre estas duas civilizações, vejamos agora, com mais
detalhes alguns aspectos fundamentais de cada uma delas.

2. Egito

Civilização das mais notáveis, o Egito nasceu da união de tribos nômades


ou seminômades, atraídas pela riqueza do Nilo.

Quase quarenta séculos contam a história da civilização do Nilo que se


inicia a muito mais de 3.000 a.C. Localizada na África Setentrional, tem
como limites o Mar Mediterrâneo ao norte, a Líbia a oeste, o Sudão ao sul e
o famoso Mar Vermelho, por onde fugiram os hebreus do jugo egípcio, a
leste.

Sendo cortado, em seu território, pelo Rio Nilo por aproximadamente mil
quilômetros, a civilização egípcia foi favorecida por suas cheias regulares,
que deram ensejo a que as aldeias e tribos se estabelecessem em suas
margens, já que os refluxos das águas fertilizavam o solo viabilizando,
assim, excelentes colheitas.

O faraó, concentrava em suas mãos, todo o poder político, sendo divinizado


e até confundido com o próprio deus. Cabia a ele, o faraó, garantir a
ordem, a soberania do Egito e a prosperidade do povo.
O povo egípcio não foi dado às codificações, entretanto, a história dá conta
de que os costumes foram superados rapidamente por um direito escrito,
promulgado pelos faraós, como a sua principal fonte.

A sociedade egípcia se estratificava rigidamente em quatro classes


diferentes:

1ª - a classe sacerdotal.
2ª - os guerreiros.
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3ª - os escribas.
4ª - os artífices e camponeses.

2.1 – O Direito Egípcio

O Direito egípcio, primava em parte pelos costumes, de cunho místico e


legal ao mesmo tempo, pois emanava de um faraó, sacerdote, juiz e deus
pessoa.

Acrescente-se que, ao lado do Direito costumeiro, existiram corpos de lei,


de Direito substantivo e de Direito Adjetivo, orientados de acordo com a
vontade e a determinação do soberano.

Neste sentido, os historiadores acentuam que, para os egípcios, dentre


muitas outras coisas, o rei era o senhor do Direito, isto é, a encarnação e a
fonte de toda ordem e saber jurídicos, que castiga os malvados e protege os
débeis.

Entretanto, a concentração de poder, nas mãos do faraó que limitava muito


a propriedade de terra, com que a nobreza feudal desaparecesse,
propiciando que a pequena propriedade se disseminasse pelos territórios
egípcios. Este fenômeno possibilitou uma convivência interessante com a
possibilidade de o poder ser descentralizado e, sendo assim, as cidades
mais distantes acabaram por adquirir mais autonomia em relação ao
governo central do faraó.

O rei, nesta sociedade, governava com seus funcionários. Os chefes dos


departamentos de administração formavam um verdadeiro “Conselho de
Ministros”, presidido por um “vizir”, espécie de chanceler.

Os funcionários eram agrupados em departamentos específicos, como


finanças, registros, domínios, obras públicas, irrigação, culto, intendência
militar, dentre outros. Assim como temos atualmente, estes funcionários
eram remunerados e havia a possibilidade de ascensão às mais altas
funções, seguindo rigorosa carreira administrativa.

Os tribunais, já existentes na sociedade egípcia, representavam outro


elemento administrativo e eram organizados, obviamente, pelo rei.
O processo judicial se dava na forma escrita, ao menos em parte, o que
pode ser demonstrado pelo fato de, junto a cada tribunal encontrar-se
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instalada uma chancelaria, encarregada da conservação dos atos judiciários


e dos registros de estado civil.

Importante mencionar que nenhum texto legal do período antigo do Egito


chegou ao conhecimento do homem moderno. Porém, são inúmeros os
excertos de contratos, testamentos, decisões judiciais e atos administrativos
encontrados até o momento. Além do mais, ainda temos de levar em conta
a grande quantidade de referências indiretas às normas jurídicas em textos
sagrados e narrativas literárias.

Vejamos agora, alguns dos institutos jurídicos desenvolvidos pela


civilização Egípcia:

2.1.1 – Codificação

Como já mencionado, não há certeza, entre os historiadores sobre se o povo


egípcio desenvolveu um direito codificado ou não. Entretanto, o que
importa, na verdade, é que os egípcios tiveram um direito extremamente
evoluído, comparado até mesmo com o direito romano, em vários aspectos,
com a nota de que o direito romano só se desenvolveu mais de dois mil
anos depois.

2.1.2 – Direito dos Contratos

A maioria dos historiadores considera a lei como a principal fonte do


direito egípcio, superando os costumes. Era promulgada pelo rei, depois de
receber parecer de um “Conselho de legislação”.

O direito privado, entre os egípcios ganhava autonomia e os contratos eram


celebrados livremente entre os cidadãos, e deveriam ser, obrigatoriamente,
escritos. Num primeiro momento, os contratos eram celebrados e
redigidos, diretamente pelas partes contraentes, mas, com o passar do
tempo, passaram a ser redigidos pelos chamados escribas, uma vez que
colocavam sua assinatura para validar o documento. Este procedimento
representou o embrião do que hoje temos como escritura pública.
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O direito dos contratos era muito desenvolvido, sendo possível identificar,


documentos atestando a existência de atos de venda, de arrendamento, de
doação, de fundação, dentre outros.

2.1.3 – Direito de Família

A sociedade egípcia já estava bastante desenvolvida no que se refere ao


direito de família e não apresentava sinais de solidariedade clânica. Logo,
todos os habitantes eram considerados iguais perante o direito, sem
privilégios.

A organização familiar era semelhante à atual, sendo composta por pai,


mãe e filhos menores.

Uma das características interessantes, da família egípcia é que marido e


mulher eram colocados em situação de igualdade, além do que todos os
filhos, tanto filha como filho, eram considerados iguais, inexistindo o
direito de primogenitura, bem como qualquer privilégio relativo à
masculinidade.

Após atingirem certa idade os filhos ganhavam a emancipação, o que os


diferenciava dos romanos, pois nesta sociedade, os filhos somente recebiam
a emancipação se fosse concedida pelo patriarca, o “pater-femilias”.

Importante mencionar, ainda, que na sociedade egípcia, se admitia, por


vezes, o casamento entre irmãos, com o objetivo de manter puro o sangue
real. Isso explica a rápida degenerescência das diversas famílias dinásticas.

2.1.4 – Direito Testamentário

Havia total liberdade para realizar testamentos, ressalvado o caso de


reserva hereditária a favor dos filhos.

2.1.5 – Direito Reais ( Coisas)


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A alienação de bens, tanto imóveis quanto móveis era permitida.


Predominava a pequena propriedade. Havia, segundo os historiadores,
grande mobilidade de bens, tendo em vista que os recenseamentos eram
periódicos.

2.1.6 – Direito Penal

Se compararmos o direito penal egípcio com outros períodos da


Antigüidade, este não aparece de modo algum severo, apesar de também
prever penas cruéis, como trabalhos forçados, chicotadas, abandono aos
crocodilos, dentre outras.

Obs.: O denominado Regime Senhorial, que surgiu a partir da V dinastia,


houve mudanças no direito egípcio, acompanhadas de grande retrocesso.
No direito público havia ingerência total de uma oligarquia baseada na
nobreza sacerdotal, além de hereditariedade dos cargos e diversas formas
de imunidade. No direito privado o retrocesso não foi diferente, com o
reforço do poder paternal e marital, desigualdade no domínio das
sucessões, com privilégios para os primogênitos e para os homens. Os
contratos tornaram-se escassos.

Foi nesse período que o Egito entrou no regime de economia fechada,


enquanto as províncias se separaram do poder central. Somente no século
XVI a.C, com a XVIII dinastia, o sistema jurídico voltou a se assemelhar
ao do Antigo Império.

3. Mesopotâmia

Mesopotâmia é uma palavra grega: mesos (meio) + potamós (rio), e


designa a vasta região entre os rios Tigre e Eufrates. Atualmente, nesta
região, ficam os países Iraque e Kuwait.

A propósito, é possível encontrar civilizações da região da Mesopotâmia,


desde o ano 4.000 a.C.
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O direito tem, nesta civilização, grande desenvolvimento, sendo de lá os


registros mais antigos de documentos legislativos escritos, principalmente
na forma de códigos.

As civilizações, como já o dissemos, eram divididas em cidades-estado,


onde cada uma possuía a sua divindade, havendo enorme diversidade
étnica, mas com civilizações aparentadas. A relação entre esses povos foi
facilitada pela adoção de uma única língua nas relações diplomáticas,
também considerada uma língua culta, a acádica. É o mesmo que se dá
atualmente com a língua inglesa.

A história política desses povos determina que ocorreram constantes


alterações em relação a qual cidade predominava sobre as demais. Com
isso, cada vez que ocorria alternância de poder, ocorria tentativa de impor
costumes e demais normas, inclusive as jurídicas aos povos dominados.

Sendo assim, o direito alterava-se mais rapidamente do que em outras


regiões, permitindo seu rápido desenvolvimento. O que muito contribuiu
para isso foi o fato de esses povos utilizarem uma única língua nas relações
diplomáticas, conforme já o dissemos.

Os principais povos que habitavam a região dos rios Tigre e Eufrates nesse
período estudado eram os sumérios, os acadianos, os babilônicos e os
assírios.

3.1 – O Direito na Mesopotâmia

Uma das características do direito nessas civilizações é a codificação que,


entretanto, não deve ser confundida com o modelo que temos atualmente,
pois não representavam mais do que uma compilação de casos concretos,
sendo quase um relato deles.

Não havia a característica que marca os códigos, a partir de Napoleão


Bonaparte, ou seja, a divisão em uma parte geral e outra especial. Naquela
época as leis ainda não possuíam as características da abstratividade e
generalidade, tão habituais aos sistemas jurídicos contemporâneos.

O espírito dos códigos dessa época, influenciou os gregos que, por


conseguinte, foram a grande inspiração dos romanos.
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Vejamos alguns exemplos:

a) Código de Ur-Nammu (cerca de 2040 a.C.) – surge na região da


Suméria (Baixa Mesopotâmia), sendo considerado o documento
legislativo mais antigo da história do direito, sendo que já vestígios
de textos anteriores, mas que ainda não foram descobertos. Do
mesmo período conservam-se milhares de atos e atas de julgamento.

Suas normas apresentam o perfil dos costumes reduzidos a escrito,


ou então, de decisões anteriormente proferidas em algum caso
concreto. Essa será a tônica de todos os códigos da antiguidade.

Traz normas predominantemente ligadas ao direito penal – nesse


código já é possível perceber a importância, que não deixará de
crescer, concedida pelas cidades-estado da Mesopotâmia às penas
pecuniárias, em detrimento da lei de talião. Como exemplo, é
possível citar o item 8 do Código de Ur-Nammu:

“8. Um cidadão fraturou um pé ou uma mão a outro cidadão


durante uma rixa pelo que pagará 10 “ciclos de prata”. Se um
cidadão atingiu outro cidadão atingiu outro com uma arma e lhe
fraturou um osso, pagará uma “mina” de prata. Se um cidadão
cortou o nariz a outro cidadão com um objeto pesado pagará dois
terços de “mina”.”

b) Código de Eshnunna (cerca de 1930 a.C.) – continha cerca de 60


artigos, sendo uma mistura entre direito penal e civil, o que
futuramente caracterizará o Código de Hammurabi.

É possível encontrar institutos relacionados ao direito de família e


principalmente à responsabilidade civil. Vejamos o que dizem os
arts. 5 e 56:

“5. Se um barqueiro é negligente e deixa afundar o barco, ele


responderá por tudo aquilo que deixou afundar.”

“56. Se um cão é perigoso, e se as autoridades da Porta preveniram


seu proprietário e este não vigia o seu cão, e o cão morde um
cidadão e causa a sua morte, o proprietário do cão deve pagar dois
terços de uma mina de prata.”
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c) Código de Hammurabi, rei da Babilônia (cerca de 1694 a.C.) – foi


descoberto por arqueólogos apenas em 1901. Atualmente o
documento legal, gravado em pedra negra, encontra-se no Museu do
Louvre, em Paris. Juntamente com o Código, inúmeras tábuas de
argila coma reprodução do texto também foram encontradas. Tudo
indica que eram utilizadas pelos aplicadores do direito, na época,
denominados práticos.

São 282 artigos em 3.600 linhas de texto. O Código de Hammurabi


e outros textos relacionados à prática jurídica que datam da mesma
época indicam a existência de um sistema jurídico extremamente
desenvolvido, sobretudo no domínio do direito privado, e mais
particularmente quando se refere aos contratos.

Várias modalidades de contratos e negócios jurídicos são inseridas


no Código. Isso não é por acaso, já que os povos da Mesopotâmia
praticavam amplamente o comércio, sendo necessário regular essas
transações.

Uma punição que permeia o Código é a lei de talião, amplamente


utilizada por todos os povos antigos. Consiste em uma retaliação a
algum ato praticado, onde a pena para o delito é equivalente ao
dano causado, ou seja, a punição é impor ao criminoso o mesmo
sofrimento causado pelo crime. É o famoso “olho por olho, dente
por dente”.

No final do texto consta a seguinte inscrição: “Hammurabi, rei do


direito, sou eu a quem Samas oferece as leis”. Esta frase demonstra
que as leis são de origem divina, inspiradas por Deus, e não dadas
por Deus, como no caso dos hebreus.

Vejamos agora, alguns dos institutos jurídicos desenvolvidos pelas


civilizações mesopotâmicas:

3.1.1 – Direito dos Contratos

Os mesopotâmicos, graças ao desenvolvimento da economia de troca e das


relações comerciais, criaram a técnica dos contratos, que posteriormente
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seria sistematizada pelos romanos. Exemplo disso é que eles praticavam


com desenvoltura:

a) a venda – inclusive a venda a crédito;

b) o arrendamento – das instalações agrícolas, de casas, arrendamento


de serviços, etc.;

c) o depósito;

d) o empréstimo a juros;

e) os títulos de crédito – à ordem, com a cláusula de reembolso ao


portador. Isso era importante para garantir a atividade dos
mercadores.

3.1.2 – Direito de Família

O sistema familiar era monogâmico e patriarcal, embora fosse admitido o


concubinato. Alguns elementos surpreendentemente modernos marcam a
delimitação do direito de família no Código de Hammurabi. Vejamos
alguns exemplos:

a) a mulher, dotada de personalidade jurídica, mantém-se proprietária


de seu dote mesmo após o casamento, e tem liberdade na gestão de
seus bens;

b) é prevista a possibilidade de repúdio da mulher pelo marido, mas a


recíproca é igualmente verdadeira. Caso a mulher alegue má
conduta do marido pode propor ação para retornar a sua família
originária, levando de volta o seu patrimônio;

c) o casamento era o que chamamos hoje de regime de comunhão de


bens.

3.1.2.1 – Adoção
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O Código de Hammurabi previa, com detalhes, o instituto da adoção,


estipulando as conseqüências jurídicas da ruptura do vínculo entre adotante
e adotado.

3.1.2.2 – Sucessão

Havia limitações ao poder de dispor sobre o patrimônio, especialmente se


isso ocorresse em detrimento de algum dos filhos sobreviventes.

3.1.3 – Direito Penal

O Direito Penal era bem mais severo que o direito egípcio, com previsão de
pena máxima para muitos casos. A pena de morte era largamente aplicada
(fogueira, forca, afogamento, etc.)

A mutilação era infligida de acordo com a natureza da ofensa. Um item já


previsto naquela época era a receptação. A pena era aplicada tanto para o
autor do roubo como para o receptador.

O Código de Hammurabi é, na realidade, uma grande compilação das


normas e costumes da época. Retrata inclusive as desigualdades sociais,
diferenciando as penas que eram dadas para cada um dos segmentos, ou
seja, homens livres, subalternos e escravos.

Abaixo, transcrevemos alguns artigos do Código de Hammurabi:

“1. Se alguém acusou um homem, imputando-lhe um homicídio, mas não


se pôde convencer disso, o acusador será morto.”

“3. Se alguém em um processo se apresenta como testemunha de acusação


e, não prova o que disse, se o processo importa perda de vida, ele deverá
ser morto.” (falso testemunho).

“7. Se alguém, sem testemunhas ou contrato, compra ou recebe em


depósito ouro ou prata ou um escravo ou uma escrava, ou um boi ou uma
ovelha, ou um asno, ou outra coisa de um filho alheio ou de um escravo, é
considerado como um ladrão e morto.” (receptação).

“22. Se alguém comete roubo e é preso, ele é morto.”


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“129. Se a esposa de alguém é encontrada em contato sexual com um


outro, se deverá amarrá-los e lançá-los n’água, salvo se o marido perdoar
à sua mulher e o rei a seu escravo.”

“134. Se um homem desapareceu e se não há o que comer na sua casa, a


sua esposa poderá entrar na casa de um outro; essa mulher não é
culpada.”

“195. Se um filho agrediu o seu pai, ser-lhe-á cortada a mão por altura
do punho.”

“196. Se alguém vazou um olho de um homem livre, ser-lhe-á vazado o


olho.”

4. Hebreus

Os hebreus são semitas que viviam em tribos nômades, conduzidas por


chefes. Retornam do Egito, o denominado êxodo, por volta do século XII
a.C., instalando-se na Palestina, entre os hititas e os egípcios. O êxodo,
fuga do povo hebreu da perseguição e da escravidão faraônica no Egito, foi
comandado por Moisés, grande líder e legislador.

O direito hebraico é um direito religioso, embasado em uma religião


monoteísta, bastante diferente dos politeísmos que vigoravam na
antiguidade.

Dessa forma, o direito é dado por Deus ao seu povo, sendo, portanto,
imutável. Só a Deus é permitido modificá-lo, concepção que
reencontraremos nos direitos canônico e muçulmano. Os intérpretes, os
rabinos, podem interpretá-lo adaptando-o á evolução social, mas sem
modificar os fundamentos básicos.

A Bíblia hebraica é um livro sagrado, no qual constam as bases jurídicas do


povo hebraico. Divide-se o Antigo Testamento em três partes:

a) Pentateuco – tem para os judeus o nome de Thora, ou seja, a “lei


escrita” revelada por Deus. A Thorá é atribuída a Moisés, sendo
composta de cinco livros: Gênese, Êxodo, Levítico, Números e
Deuteronômio;
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b) Profetas – que aborda principalmente o aspecto histórico;

c) Hagiógrafos – com enfoque nos costumes e tradições.

O Código da Aliança, que consta no Êxodo, possui grande similaridade


com as codificações mesopotâmicas, especialmente com o Código de
Hammurabi. A Bíblia, além de fonte formal do direito, também ainda é a
principal fonte histórica para conhecimento do povo hebreu.

4.1 – O Direito Hebreu

Os hebreus criaram três tribunais, cada um com funções específicas;

a) Tribunal dos Três – julgava alguns delitos e todas as causas de


interesse pecuniário;

b) Tribunal dos Vinte e Três – recebia as apelações e os processos


criminais relativos a crimes punidos com a pena de morte;

c) Sinédrio (Tribunal dos Setenta) – era a magistratura suprema dos


hebreus, sendo composto por setenta juízes. Tinha como
incumbência interpretar as leis e julgar senadores, profetas, chefes
militares, cidades e tribos rebeldes;

A organização policial irá exercer influências até hoje. Dividiam eles suas
cidades em quatro partes, sendo que cada uma era inspecionada por um
Prefeito de Polícia. É a mesma lógica dos nossos atuais distritos policiais.

Vejamos agora, alguns dos institutos jurídicos desenvolvidos pela


civilização hebraica:

4.1.1 – Direito de Família

Possuía estrutura patriarcal, sendo vitalício o pátrio poder, com o pai


respondendo pelos atos ilícitos que porventura os filhos praticassem.

As filhas podiam ser vendidas como escravas pelos pais, havendo também
a possibilidade de servidão por dívidas. Já os filhos das escravas
pertenciam ao dono destas.
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4.1.2 – Casamento

Comprava-se a futura esposa, cujo valor podia ser pago em dinheiro ou em


serviços. Caso a mulher fosse repudiada, voltava para a sua família. Já o
homem não podia ser repudiado, havendo um único caso de punição, que
era o adultério com mulher casada – nesse caso a ofensa era contra o
marido desta.

4.1.3 – Sucessão

Entre filhos o único que tinha direito a herança era o primogênito. As


mulheres não tinham direitos sucessórios.

4.2 – Direito Penal

O sistema penal dos hebreus era profundamente dominado pela razão


religiosa. O apedrejamento era o modo comum de se aplicar a pena capital.
Arrancavam as roupas do condenado, exceto uma faixa, que lhe cingia os
rins. Depois a primeira testemunha o arremessava ao solo, do alto de um
tablado com dez pés de altura. E a segunda testemunha, lançando uma
pedra, queria atingi-lo no peito, bem acima do coração. Se este ato não lhe
desse a morte, as outras pessoas ali presentes o cobriam de pedradas, até o
momento da morte do condenado.

Cumprida a sentença, o cadáver era queimado ou dependurado numa


árvore. Saliente-se que uma só testemunha não levava à pena de morte.

Os delitos previstos na Lei Mosaica são normalmente classificados da


seguinte forma:

a) delitos contra a divindade – idolatria, blasfêmia, não guardar o


sábado, etc.;

b) delitos praticados pelo homem contra seu semelhante – lesões


corporais, homicídio, dentre outros;

c) delitos contra a honestidade – adultério, sedução, etc.;


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d) delitos contra a propriedade – furto, roubo, falsificação, etc., sendo


punidos normalmente com penas pecuniárias;

e) delitos contra a honra – falso testemunho, calúnia, dentre outros.

Penas – era admitida a pena de morte contra delitos graves, sendo


executada por meio da lapidação (apedrejamento, fogo, decapitação, dentre
outros). Outras penas eram a prisão, a flagelação, excomunhão, pena de
talião, etc.

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