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RESUMO:
A cidade de Aragarças foi implantada em 1943, para servir de base avançada de operações para uma nova
instituição, a Fundação Brasil Central (FBC), criada também naquele ano, com a finalidade servir de
instrumento de ação do governo federal sobre a região Centro-Oeste do país. Esta região encontrava-se,
ainda na época, esparsamente povoada e precariamente integrada ao restante do país. Habitavam-na,
entretanto, numerosos grupos indígenas. A implantação da nova cidade levou em conta um projeto
urbanístico, especialmente para ela concebido, segundo o ponto de vista de que deveria vir a exercer
funções “civilizadoras” e, bem assim, de coordenação dos movimentos de expansão em direção ao oeste
do país, de atividades econômicas e culturais então próprias das regiões litorâneas brasileiras. A nova
cidade foi dotada de infra-estruturas e serviços urbanos básicos, além de outras comodidades da vida
moderna, o que a tornava singular em relação a todas as demais povoações da região.
INTRODUÇÃO
A cidade de Aragarças foi fundada em 1943, a fim de que viesse a servir de base avançada
para as atividades da instituição denominada Fundação Brasil Central (FBC), constituída também
naquele ano, com a finalidade de desbravar1 e colonizar vastas áreas das regiões Centro-Oeste e
Janeiro, então Capital federal. Foi a primeira instituição constituída, no Brasil, para servir de
Aragarças localiza-se a 15o 15’ latitude sul e 52o 15’ longitude oeste, na sub-região Sudoeste
cidade deriva dos nomes dos cursos de água que se reúnem naquele ponto, o rio Araguaia e seu
*
O presente texto foi apresentado, em versão ligeiramente diferente desta, nas IV Jornadas Nacionales Espacio,
Memoria e Identidad, promovido pela Universidad Nacional de Rosario, realizado em Rosário (Argentina), entre
4 e 6 de outubro de 2006. Os anais do evento foram publicados em CD.
*
Doutora em História pela Universidade Federal Fluminense, professora e pesquisadora da Unidade
Universitária de Ciências Sócio-Econômicas e Humanas, da Universidade Estadual de Goiás.
1
Essa palavra era usada, na época, no sentido de “devassar” ou “explorar” terras desconhecidas.
A elaboração deste trabalho baseia-se em uma pesquisa mais ampla, a respeito da
trajetória histórica da FBC, em que se toma como principal fonte o conjunto de documentos
produzidos e/ou reunidos por esta instituição, ao longo de sua existência (cerca de 25 anos),
e orais, etc); matérias publicadas em periódicos editados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE).
sumariamente.2 Parte-se nele, por um lado, da compreensão de que o Estado, tal como se
assim, tem como principal função a defesa de tais interesses, tomados em seu conjunto -
Parte-se, por outro lado, do ponto de vista de que, para a evolução regular do sistema, o
que implica na sua contínua reprodução, é condição indispensável a progressiva ampliação das
constituem-se em elemento fundamental, visto que são, ao mesmo tempo, pré-condição, parte
2
As noções a seguir expostas foram formuladas com base em diversos autores filiados à tradição do pensamento
marxista, entre eles: V. I. Lênin (1987), J. Hirsch (1990), M. Folin (1977) e J. Lojkine (1986).
2
privilegiadas para a penetração do modelo econômico capitalista, em regiões anteriormente dele
excluídas. Para que possam alcançar maior eficácia no cumprimento desta função, as cidades
necessitam adquirir uma série de requisitos, que somente podem ser providos mediante o uso de
materiais e técnicas de produção próprios deste modelo econômico, em seu estágio coevo de
próprio lócus da produção capitalista (e, portanto, de reprodução contínua do capital) e, de outro,
a base de apoio sobre a qual seu raio de influência se expande sobre o território.
brasileira de intervenção do Estado sobre o território, oferecendo respostas, ainda que não
funções de curto prazo para as quais foi implantada? b) que efeitos de longo prazo resultaram de
sua presença naquele território? c) tais efeitos guardam relação com as bases materiais e/ou
República Nova,3 período também chamado de Era Vargas.4 Iniciou-se, naquela ocasião, um
federal de governo. Eliminava-se, deste modo, o caráter federativo da União brasileira, definido
na primeira Constituição republicana do país (de 1891) e, bem assim, a natureza dita liberal-
3
Edgar Carone (1974), por exemplo, usa essa denominação com referência ao período 1930-1937.
4
José Murilo de Carvalho usa essa expressão em sentido amplo, como o período entre 1930 e 1964, visto que a
define tomando como critério a relação entre a pessoa do presidente da República e as elites militares. Segundo
ele, a morte de Getúlio Vargas, em 1954, não teria interrompido um processo que se iniciara com a ruptura
ideológica entre Vargas e os militares, quando o presidente passou a acionar um novo ator político, o
operariado, pois, a partir de então, o combate teria sido travado contra sua herança - ou o seu “fantasma” -,
representada por Juscelino Kubitschek e João Goulart. Conforme esse autor: “Em 1964, travou-se a batalha final
que deu a vitória à facção militar anti-Vargas e a seus aliados civis, abrindo-se um novo ciclo político no país.”
(1999:56)
3
política centralizadora, criaram-se diversos ministérios e numerosas outras instituições, algumas
no âmbito dos ministérios, mas diversas delas vinculadas diretamente ao Chefe do Governo.
Esta concentração de poder no âmbito do Executivo federal teve relação com ideologias
então em voga no exterior - o caso das idéias fascistas, na Europa -, mas ancorava-se, também,
primeiras décadas do século XX, notadamente, entre as elites ilustradas do meio militar.
após a chamada Revolução de 1930, em razão do apoio que ofereceram ao movimento político
então vitorioso, encetado por segmentos dissidentes das oligarquias civis anteriormente no poder.
na época, de média patente. Entre estes ex-rebeldes, achava-se João Alberto Lins de Barros,
designado, ao instalar-se o novo governo encabeçado por Getúlio Vargas, para ocupar o cargo de
ditatorial do Estado Novo. Seguiu-se a isto uma campanha, veiculada pela imprensa, denominada
pública nacional, sobretudo após o ingresso do Brasil na segunda Grande Guerra, ao lado dos
países aliados. Sob o novo regime, João Alberto iria enfeixar, em suas mãos, extraordinária gama
4
Aquela campanha foi acompanhada por uma série de medidas, tomadas pelo governo
federal, algumas delas em conjunto com governos estaduais ou com a iniciativa privada, no
país, até então escassamente povoadas e precariamente integradas às áreas litorâneas brasileiras.
Estas medidas guardaram relação com uma doutrina então em voga, tanto na Europa
semipovoadas e/ou economicamente mal aproveitadas do planeta deveriam ser ocupadas por
nações mais capacitadas que suas atuais detentoras, a fim de que fosse promovida uma
econômicas de tais territórios, “em benefício dos povos”. (Varjão,1989:53-54) Mas aquelas
necessidade que se via, tanto no meio empresarial urbano como entre os grupos
Durante o tempo em que o Brasil esteve participando da segunda Grande Guerra (1942-
1945), João Alberto Lins de Barros exerceu uma excepcional gama de poderes, em função dos
decorrência dos quais o Brasil veio a ingressar na guerra, ao lado dos Estados Unidos; ministro
5
FBC; além de outros. Foi na função de coordenador da Mobilização Econômica que baixou a
Portaria No. 77, de 3 de junho de 1943, pela qual ficava determinada a organização da Expedição
Roncador-Xingu, entidade logo depois tomada como de “interesse militar” – Decreto No. 5.801,
de 8 de setembro de 1943.
A Expedição teria como tarefa o estabelecimento de uma rota terrestre, aérea e de rádio-
telégrafo entre as cidades do Rio de Janeiro e Manaus. A urgência desta medida decorria da
navegação marítimo-fluvial era o único modo possível de se alcançar a região Norte do país, bem
O plano a ser executado pela Expedição consistia em, a partir de uma base de apoio
instalada em Uberlândia (estado de Minas Gerais), então ponto final da estrada de ferro Mogiana,
construir uma rota terrestre composta de um trecho de rodovia e outro de estrada carroçável –
por caminhões, equipamentos automotores de grande porte ou veículos de tração animal -, entre
esta cidade e a margem direita do rio Tapajós, a partir de onde, por via fluvial, alcança-se Manaus.
Ao longo desta rota, a expedição deveria instalar inúmeros postos de apoio à aviação, dotados de
Para viabilizar o cumprimento da missão para qual foi criada a Expedição, João Alberto e
pessoal técnico em construção de estradas, pontes e outras obras de arte, a médicos, topógrafos,
6
etc. Para comandar a expedição, foi nomeado o tenente-coronel Flaviano de Matos Vanique, até
levas, acharam-se reunidos em Uberlândia. Nesta localidade, já antes se havia estabelecido uma
sofisticada base de apoio, cuja função inicial seria prover o abastecimento dos grupos
expedicionários, tanto os que iriam atuar no primeiro trecho da rota, entre Uberlândia e a região
do alto rio Araguaia (onde a este se junta o rio das Garças), em Goiás, como os que, a partir daí,
Havia já uma estrada, aberta pela iniciativa privada, entre Uberlândia e o ponto a ser
atingido pela Expedição, na margem esquerda do rio Araguaia. Em realidade, diversos trechos da
estrada existente não passavam de trilhas abertas por particulares, para o tráfego de carros de bois
e tropas de muares, as maneiras mais comuns pelas quais, na época, fazia-se o transporte de
cargas, em todo o estado de Goiás. Muito raramente, algum caminhoneiro (em geral, também
comerciante) aventurava-se a trafegar com seu veículo por aquelas paragens, sobretudo nos
últimos trechos da via. Os rebanhos de gado bovino, na época, a mercadoria de exportação por
excelência do estado de Goiás, transportados por seus próprios meios, seguiam principalmente
abrigos para si próprios e para os materiais destinados à Expedição, também um precário campo
de pouso para aviões. No trajeto, passaram por diversos aglomerados urbanos do estado de
Goiás, alguns deles já tradicionais – Santa Rita do Paranaíba (atual Itumbiara), Rio Verde e Rio
Bonito (atual Caiapônia) -, outros ainda meros arraiais – Monte Alegre, Bom Jesus e Ibotim (atual
7
A localidade escolhida, em razão de suas boas condições de salubridade, para servir de
base avançada à Expedição, possuía já algumas construções rústicas, habitadas por uma pequena
primeiras edificações permanentes da base de Aragarças, o novo nome por ele próprio dado
àquela localidade. Na ocasião, ali se erigiu um monumento, sob a forma de uma cruz esculpida
em madeira, o qual seria inaugurado a seguir, mediante cerimônia solene, a fim de que viesse a
representar o “marco zero” da rota a ser aberta até a margem direita do rio Tapajós, a oeste do
5.878, de 4 de outubro de 1943 -, para atuar na zona a ser percorrida pela Expedição. Tratou-se
da Fundação Brasil Central (FBC),6 instituição que além de tomar para si a missão antes àquela
atribuída, tinha por objeto, segundo seus estatutos – aprovados pelo Decreto No. 17.274, de 30
Ocidental, notadamente as dos altos rios Araguaia e Xingu.” Assumiu a presidência do novo
A FBC constituiu-se como entidade de dupla natureza jurídica. Conforme seus estatutos,
ela seria, de uma parte, instituição de direito público e, de outra, instituição de direito privado.
Graças a esta dupla condição, ela pode, por um lado, constituir e conservar um vasto quadro de
5
Boletim Geográfico, fevereiro/1945, p. 1549.
6
Um artigo de nossa autoria acerca da trajetória histórica da FBC acha-se relacionado na Bibliografia, ao final
deste trabalho. (Maciel,2005).
8
pessoal estável, remunerado com verbas do orçamento da União brasileira e, por outro, organizar
sociedades empresariais (duas limitadas e duas anônimas), além de explorar numerosos outros
negócios, tanto industriais como dos serviços. Ademais, a ela foi entregue, em regime de
Tocantins – seu trecho inicial fora inaugurado em 1905. E a FBC conservaria sua dupla natureza
jurídica, ao longo de sua existência - até 1968 -, com um pequeno interregno, no começo dos
anos de 1950.7
Os investimentos empresariais realizados pela FBC foram de grande monta. Duas das
álcool; foram elas: a Usina Central Sul-Goiana e a Usina Fronteira. A primeira foi instalada no
município de Rio Verde, no estado de Goiás (onde se acha a atual cidade de Santa Helena) e a
segunda instalou-se no município de Frutal, no estado de Minas Gerais. As duas outras empresas
enlatados, bebidas, combustíveis, etc. Esta empresa instalou diversos armazéns, ao longo da rota
entre Uberlândia e Aragarças. A Companhia de Navegação foi criada para atuar na exploração
dos serviços de transporte, pelo rio Amazonas e seus principais afluentes da margem direita, no
duas primeiras, após sucessivas crises, foram transferidas à iniciativa privada, enquanto que as
simplesmente. Apesar de tudo isto, foram grandes os benefícios que trouxeram, ao estado de
Goiás, as duas empresas que atuaram em seu território. A usina Sul-Goiana, instalação industrial
7
O atributo de entidade de direito privado foi-lhe retirado pelo decreto no. 29.176, de 19/1/1951, decisão
revogada pelo decreto nº. 29.835, de 1/8/1951.
9
modelo, no ramo de sua atuação, na nova condição de empresa estritamente privada, segue
perfeitamente a um dos objetivos de sua criação; isto é: produzir, na população regional, hábitos
de consumo monetarizado, fator que, do ponto de vista das autoridades da FBC, teria como
modernização dos modos de vida da população interiorana.8 A Estrada de Ferro Tocantins (EFT)
esteve sob a administração da FBC entre 1944 e 1968, quando esta foi extinta. Localizava-se no
estado do Pará e estendia-se ao longo da zona encachoeirada do rio Tocantins – área atualmente
alagada, em decorrência da instalação, ali, da Usina Hidrelétrica de Tucuruí. Esta ferrovia, não
obstante o crônico estado de insolvência financeira em que se achou, ao longo desse tempo,
prestou relevantes serviços às economias das regiões banhadas pela bacia Araguaia-Tocantins -
dos estados do Pará, Maranhão, Goiás e Mato Grosso -, possibilitando o comércio entre estas
herdara da Expedição Roncador-Xigu e em atividades dela derivadas, levadas a efeito nas regiões
dos estados de Goiás, Mato Grosso e Pará, próximas à rota projetada entre Uberlândia e o rio
Tapajós, onde hoje se acha a cidade de Jacareacanga. Acompanhando esta rota, a FBC construiu,
além das cidades de Aragarças e Xavantina e do núcleo urbano de uma colônia agrícola em Vale
dos Sonhos (origem da atual cidade do mesmo nome), numerosas estradas de rodagem9 e campos
atualmente do mesmo nome. E, na execução das atividades concernentes a essa imensa área
8
Cite-se, a respeito deste ponto, João Alberto: “Penso que integrar aquelas populações brasileiras na civilização
para que elas se aproveitem das conquistas modernas incorporadas à nossa existência e tão imprescindíveis a
todo ser humano, é um dever primordial.” Boletim Geográfico, junho/1945, p. 1889.
9
Entre outras, Jataí-Aragarças, Aragarças-Baliza, Aragarças-Xavantina, Aragarças-Poxoréu, Piranhas-
Arenópolis, Xavantina-Cachimbo, Xavantina-Garapu, Xavantina-Cachoeira, Caiapônia-Rio do Peixe, Rio
Verde-Santa Helena de Goiás.
10
Em Aragarças, Cabroá, Caiapônia, Xavantina, Capitão Vasconcelos, Centro Geográfico (hoje, em território do
Parque Indígena do Xingu), Creputiá, Cururu, Diauarum, Flexal, Garapu, Ilha do Bananal, Campo dos Índios,
Koluene, Pindaíba, Piranhas, São Félix do Araguaia, Cachimbo, Tanguro, Vale dos Sonhos e Jacareacanga.
10
territorial, o papel desempenhado pela cidade de Aragarças, a principal base de apoio de que
Em junho de 1945, o coronel Mattos Vanique esteve na cidade do Rio de Janeiro, ocasião
em que concedeu entrevista à imprensa, contando episódios da marcha que vinha conduzindo,
pelo interior do Brasil. Nesta época, a base de Aragarças já se achava instalada e iniciavam-se as
primeiras edificações de uma base secundária, às margens do rio das Mortes, afluente do Araguaia
pelo lado esquerdo. Ponto de apoio para o avanço de uma nova etapa da marcha, em direção ao
rio Xingu, a esta base deu-se o nome de Xavantina, em homenagem aos índios xavantes, até
então senhores das terras daquela zona. Acerca deste ponto, veja-se depoimento de um jornalista
“Entre as regiões mais bárbaras do Brasil está o vale do Araguaia, onde perdura em
diversos afluentes e mesmo em distendidos trechos de suas margens um mundo bruto e
indevassado. Aí dominam até hoje tribos de índios absolutamente arredados dos olhos
dos cristãos, pois que nos recessos de suas amplitudes nem os catequistas, nem os
aventureiros penetraram.” (Silva, 1948: 21)
Naquela etapa da marcha da expedição não houve encontro com os xavantes, até a época,
tenazes defensores de seu território. Desta feita, em vez de oferecer combate, os xavantes
optaram por recuar para outras áreas do vale do Araguaia.11 Quanto às condições em que se
“Base de Aragarças já não existe. Onde ontem estavam as choças dos garimpeiros,
ergue-se hoje a cidade de Aragarças... Hoje, ela tem eletricidade, campo de aviação,
olaria de onde saem os tijolos, as manilhas e as telhas da novel cidade, além de uma
serraria que em breve atenderá não só Aragarças como todas as regiões circunvizinhas.
[...] Nosso primeiro cuidado foi o de escolher local para um campo de pouso em
Chavantina, (sic) que já tem uma pista de 1.250 metros... Já estão em funcionamento a
olaria e a serraria. Construímos também um curtume...”12
11
As relações entre os membros da Expedição e os numerosos grupos indígenas que habitavam as regiões por ela
percorridas são descritas no livro dos irmãos Orlando e Cláudio Villas Boas, A Marcha para o Oeste, 1994 e
também no texto Memórias de Orlando e Cláudio Villas Boas: trinta e dois anos de vida na selva, narrados por
Orlando a José Marqueiz, publicado na coletânea organizada por Valdon Varjão, intitulada Aragarças: portal da
Marcha para o Oeste, 1989, pp. 147-162.
12
Jornal A Noite, edição de 13/julho/1945.
11
Entre os dias 23 e 25 de junho daquele ano de 1945, o presidente da República Getúlio
Vargas, acompanhado de grande comitiva, esteve na região do Araguaia, em visita às duas bases
recém instaladas, de Aragarças e Xavantina. Fazia parte da comitiva o então ministro da Guerra, o
general Gaspar Dutra, personagem que, no ano seguinte, assumiria a presidência do Brasil, já
então, sob regime constitucional e democrático. O general Dutra era natural do estado de Mato
avanço que se realizava, no sentido de se levar “civilização” às regiões agrestes de seu estado
natal.
Na época, uma outra frente de trabalho avançava pela via já antes existente, entre
Uberlândia e Aragarças, de cerca de 800 quilômetros. Por ela, a FBC construiu uma rodovia, a
primeira digna deste nome, em Goiás. Nesta rota, a FBC instalou bases em Rio Verde e em
Caiapônia. Em Rio Verde, além da Usina Central Sul-Goiana, já mencionada, a FBC instalou uma
pouso e instalou, na zona rural do município, uma olaria e uma moderna caieira (esta, na
localidade de Vila Maria), as primeiras indústrias destes ramos, de toda aquela região goiana.
Naquele ano de 1945, João Alberto falou à imprensa, acerca do empreendimento de que se
ocupava:
população local de garimpeiros e aos forasteiros que chegavam, vindos em busca de trabalho, de
sempre lotadas -, constituiu-se em problema. A região sudoeste de Goiás era então ocupada por
fazendas esparsamente localizadas, nas quais se praticavam uma agropecuária para auto-consumo,
13
Jornal do Brasil, edição de 21/janeiro/1945.
12
achando-se despreparadas, portanto, para a produção imediata de excedentes comercializáveis. O
vale mato-grossense do Araguaia era habitado por grupos indígenas, arredios a contactos com
permaneceria na presidência da FBC até 1947. Neste último período, todavia, sua atuação deixou
de ser efetiva, visto que se achava em missão diplomática no exterior. Em janeiro de 1948, tomou
posse neste cargo outro militar, o general Francisco Borges Fortes de Oliveira, que veio a
Pereira Lima, nomeado por Getúlio Vargas, eleito presidente da República no ano anterior, desta
vez, pelo voto popular. O novo presidente da FBC tinha a intenção de transferir a sede da
instituição, da cidade do Rio de Janeiro para Aragarças. Embora esta medida não tenha se
Antes do mais, cite-se, destas atividades, o início da construção da ponte, hoje denominada João
Alberto, sobre o rio Araguaia. Obra de grande porte e complexidade técnica, somente viria a ser
14
Jornal do Brasil, edição de 21/janeiro/1945.
13
região Centro-Oeste, inaugurou-a, nesse ano, o então presidente da República, Juscelino
Kubitschek.
Entre as obras executadas durante a gestão Pereira Lima, cite-se ainda as seguintes: uma
vila residencial, com 50 casas; um hospital, com capacidade para 70 leitos (o primeiro, em todo o
vale do rio Araguaia); uma escola primária; uma escola em nível ginasial; um hotel; um templo
usina hidrelétrica; uma estação de tratamento de água; uma central telefônica (rede local) - as três
últimas, com suas respectivas redes de distribuição. Ainda nesta gestão, o aeroporto foi dotado de
passageiros, a fim de que pudesse receber aviões de carreira e, bem assim, da Força Aérea
Baliza ano anterior -, elaborado em conformidade com um projeto urbanístico concebido por
encomenda da FBC, a uma empresa sediada na cidade do Rio de Janeiro, a Urbs Construções e
Urbanismo Ltda. O projeto urbanístico e o código de obras tinham por objeto o ordenamento
particulares, visto que havia uma grande demanda de terrenos urbanos para esta finalidade. As
extensão futura da cidade, embora não levantadas, caracterizavam-se, segundo o plano, por uma
15
Fundação Brasil Central, Administração Arquimedes Pereira Lima, Plano de Urbanização de Aragarças, p. 3.
Este documento e também o Código de Obras editado pela Prefeitura Municipal de Aragarças acham-se
guardados, juntamente com o restante do acervo documental da FBC, no Arquivo Nacional – Coordenação
Regional do Distrito Federal.
14
topografia bastante regular, “com ondulações e pequenos talwegs”. A planta cadastral então
“Aragarças da atualidade compreende uma parte edificada nas condições das cidades de formação
garimpeira, com casas de palha e barro, ruas sem alinhamento..., um núcleo industrial composto de olaria,
oficinas, cooperativa, máquina de beneficiamento de arroz, usina de força e luz e almoxarifado geral; outra
parte consistente de núcleo residencial e instalação de aeroporto; e uma quarta parte composta de estaleiro,
serraria e [unidade] agro-pecuária. Esses elementos foram dispostos, salvo o primeiro, segundo um plano
pré-estabelecido [em 1943, por orientação de João Alberto].”16
O plano diretor geral de Aragarças, então concebido, compreendia uma área a ser
ocupada em 50 anos. Desta, a porção a ser edificada em 20 anos é que foi detalhada. Ela
compreendia 2 mil lotes urbanizados, prevendo-se a sua ocupação e uso por cerca de 10 mil
habitantes. Esta parte abrangia toda a rede viária, assim como a distribuição dos espaços livres e
Prefeitura, “na medida das necessidades, sua adaptação no sentido de não prejudicar o
que é o centro administrativo e avenidas radiais, buscando em geral os pontos de acesso à cidade,
ou interligação dos elementos funcionais do plano.”18 Os elementos funcionais são aqueles que
definem as correntes de tráfego mais intenso. São eles que determinam as condições da rede
16
Trecho do Plano de Urbanização acima citado, p. 4.
17
Idem, p. 13.
18
Op.cit,loc.cit.
15
se achavam já construídos também um núcleo residencial, um pequeno porto e uma estação
geradora de energia elétrica; c) o conjunto edificado originalmente chamado Barra Goiana, onde
sobre o rio Araguaia. Outros elementos determinantes das correntes de tráfego, considerados no
evoluíam concomitantemente à elaboração do plano, como explicam seus autores: “O... projeto
de urbanização de uma cidade nova e em plena evolução, como Aragarças, em que as obras
correm paralelamente com os projetos... não pode, como é usual, ser elaborado por completo
A área da antiga Barra Goiana, agora denominada Bairro Popular, caracterizava-se por
uma elevada densidade demográfica e concentrava a maior parte do comércio local. Nesta área, as
marcante, visto que, no futuro, seria ponto obrigatório de passagem para as estradas que
demandariam a Cuiabá, capital de Mato Grosso, e ao norte deste estado, via Xavantina: “duas
Pelo traçado definido, todas as vias de tráfego constituir-se-iam de duas mãos e seriam
dotadas de adequadas seções transversais. Os elementos funcionais seriam interligados por vias
“... as vias principais foram tomadas com 30 (trinta) metros de largura, em duas mãos,
com refúgio central ajardinado, ou vias de 23 (vinte e três) metros, com a Avenida
Perimetral, cuja capacidade de tráfego é a mesma da via de 30 (trinta) metros. Essa
seção menor foi adotada visando não sacrificar a parte existente da Barra, onde o
grande número de prédios comerciais nos leva a essa redução. As vias secundárias
foram tomadas em 15 (quinze) metros de largura.”21
19
Carta do dirigente da firma Urbs Engenharia ao presidente da FBC, datada de 7 de março de 1952. Faz parte
do acervo da FBC guardado no Arquivo Nacional – Coordenação Regional do Distrito Federal.
20
Plano de Urbanização de Aragarças, já citado, p. 10.
21
Idem, ibidem.
16
O plano incluía uma Avenida-Parque, de 60 metros de largura, que iria se constituir em
cinturão verde da cidade. Além de sua função distribuidora do tráfego, esta via faria ligação entre
pois a zona non-edificandi, o Parque Zoológico e Botânico, Parque Municipal, bosque e Parque do
rio Rolas.”22 Pelo plano, o aeroporto seria circundado por vias marginais arborizadas, prevendo-
se sua futura transferência para outro local e a transformaçâo de sua área atual em um parque, a
ser loteado parcialmente. Na parte edificada entre os parques e a zona non-edificandi, previa-se a
estas, interpostas nas áreas residenciais. O tratamento paisagístico a ser dado às praças era o
seguinte: “uma distribuiçâo assimétrica de árvores de portes variáveis, sobre gramados simples, às
As zonas non-edificandi, por seu lado, deveriam ser “vegetadas” (sic) com árvores da região,
praças das zonas residenciais e os parques deveriam ser dotados de pequenos play-grounds. O
problema, uma vez que a topografia “sempre suave, com declive para o rio Araguaia, bem como
pequenos talwegs, como o do rio Pombas, permite que o esgotamento pluvial natural dispense
22
Idem, ibidem.
23
Idem, p. 11.
24
Idem, ibidem.
17
A questão dos serviços de utilidade pública seria equacionada de imediato, mediante a
adoção de uma série de providências, entre as quais, a ultimação das obras de uma estação de
tratamento de águas e da rede para sua distribuição. No concernente ao esgoto sanitário, a opção
de uma rede de esgotos sanitários que, como a rede de galerias de águas pluviais, não ofereceria
problemas, graças à topografia da área edificada da cidade, inclinada em direção ao rio Araguaia.
Na época, Aragarças era servida de energia elétrica produzida por um grupo de geradores
Achava-se em estudo, porém, a construção de uma usina hidrelétrica que viria a solucionar o
problema, duradouramente. Naquela época, a coleta de lixo em Aragarças era já feita por veículos
então em andamento, por outro lado, a instalação de uma estação telefônica, com vistas ao
elementos do projeto urbanístico a ser executado, como, por exemplo, à locação da rede viária,
meios fios, que melhor definam os alinhamentos... [medida que] orienta a demarcação dos
lotes.”25 O plano de urbanização também continha conselhos com vistas ao adensamento das
construções, evitando-se, assim, a ampliação da área a ser servida por infra-estruturas e serviços
urbanos básicos: “... seria aconselhável ir sendo lançados por setores... Um primeiro setor deveria
compreender a estrada de Ibotim até a perimetral que passa em frente a Vila Presidente Vargas e
Hotel... O Bairro Popular pode ser dividido em dois setores, separados pelo Centro Social.”26 O
25
Idem, p. 16.
26
Idem, ibidem.
18
plano continha, ainda, conselhos em relação à apropriação e destinação dos recursos financeiros
“Ao lançar a venda os terrenos ora loteados ficam os proventos com a Fundação. Esses
lotes, entretanto, têm determinado valor em face das obras públicas a serem realizadas.
Seria justo... pensar-se em um convênio segundo o qual parte dos resultados da venda
dos lotes caberia a Municipalidade... destinada a obras de urbanização... Poderá ainda
ficar a cargo da Fundação... o ônus das obras de urbanização, como proprietária da área
loteada, mediante condições a serem estabelecidas com a Municipalidade.”27
Planta apensa ao Plano Diretor de Urbanização de Aragarças – 1953
27
Idem, ibidem.
19
CONSIDERAÇÕES FINAIS
produtivos em escala mundial. Sua prática correspondeu à exigência disso decorrente, de re-
contingentes, conforme conjunturas políticas transitórias - isto não impediu, todavia, que
Pode-se dizer, entretanto, que a cidade de Aragarças, planejada e construída para lhe
servir de principal base de operações, prestou-se bem ao desempenho das funções dela esperadas,
ao longo do tempo em foco neste trabalho, quais sejam: servir de base de apoio às ações de
28
Plano SALTE – Saúde, Alimentação, Transporte e Energia (1948-1951); Plano de Metas (1956-1961); Plano
Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social (1963-1965); Plano de Ação Econômica do Governo – PAEG
(1964-1966).
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Plano de Valorização Econômica da Amazônia
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A FBC recebeu recursos financeiros da Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia
(SPVEA), ao longo da existência desta instituição – 1953-1966.
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Correio Aéreo Nacional (CAN); servir de modelo de cidade moderna – logo seguido por outras,
natural de rotas entre diferentes regiões brasileiras, veio a constituir-se em núcleo de apoio,
estado de Mato Grosso. Neste território, graças à ação do órgão que a substituiu, a
resultado pode ser observado nos dias de hoje; isto é: uma economia de base empresarial, em
atividades por ela executadas, sobretudo nas rotas em que atuou mais intensamente, em direção
norte, pelo vale mato-grossense do rio Araguaia, e em direção noroeste, em demanda ao rio
Tapajós, passando pela região do alto rio Xingu e, assim, atravessando largas extensões dos
estados de Mato Grosso e Pará. Todas essas cidades, atuais centros de apoio ao desenvolvimento
Apesar de tudo isto, esta cidade, passado o seu impulso inicial de crescimento, estagnou-
se, contrariamente ao que veio a ocorrer com Barra do Garças, atualmente, o mais importante
centro urbano do leste mato-grossense - isto é: centro bancário, comercial, industrial, de serviços
educacionais (inclusive de ensino superior), etc. Para explicar tais ocorrências, várias hipóteses
podem ser aventadas. Pode bem ser que, tal como ocorreu com outros centros urbanos
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planejados do Brasil, o planejamento, a regulamentação e o controle da ocupação e uso do solo
urbano, pelo Estado (em suas diferentes esferas), tenham servido de obstáculos à livre iniciativa
de indivíduos e de empresas, quanto aos modos de se construir e exercer atividades nas cidades.31
Um outro fator que, bem provavelmente, veio conferir maior atração à cidade de Barra
do Garças, foi o fato de, em Aragarças, o solo constituir-se em propriedade da FBC, visto que
esta instituição, ao longo do tempo em causa neste trabalho, jamais ter instituído algum
mecanismo que pudesse facilitar a alienação plena de seus terrenos urbanos. Em razão disto, a
ABSTRACT:
The town of Aragarças was implanted in 1943 to serve as an advanced operational base for a new
institution, The Fundação Brasil Central (FBC), also established in that year, the objective of which was to
serve as a tool for the action of the federal government on the country’s Center-Western Region. In that
time, the region was still sparsely populated and precariously integrated into the rest of the country.
However, a large number of indigenous groups dwelt in the place. The implantation of the new town took
into account a customized urban project, according to the point of view which should come to perform
“civilizing” roles, as well as the coordination of westbound expansion movements of economic activities
then typical of Brazilian coastal cities. The new town was supplied with basic infra-structures and urban
services, in addition to other facilities of modern life, which rendered it singular in relation to all the other
settlements in the region.
BIBLIOGRAFIA
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Estudamos o caso de Goiânia (cidade planejada para servir de Capital para o estado de Goiás) em nossa
pesquisa para tese de doutoramento, intitulada Goiânia (1933-1963): Estado e capital na produção da cidade,
defendida na Universidade Federal Fluminense, em 1996.
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