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Resumo
Neste artigo, tem-se como objetivo situar a discussão sobre a crise da
modernidade na teoria social contemporânea em um contexto de risco ambiental
global. Primeiramente, faz-se menção às transformações globais ocorridas da
metade do século XX até o início do corrente século. A seguir, coloca-se o
debate sobre a inserção da questão ambiental nas ciências sociais e as visões
de Anthony Giddens e de Ulrich Beck sobre reflexividade e sociedade de risco.
As conclusões indicam que, embora esses autores tenham apontado o alto
potencial de destruição na sociedade de risco, eles mantêm uma postura de
certa forma otimista quanto à emergência dos valores pós-materiais de respeito
à vida e de preservação das espécies. Isso fica claro nas propostas de Giddens
de uma política radical (ou realismo utópico) ou na constatação de Beck sobre
a perspectiva da crítica ativa, isto é, da consciência reflexiva das pessoas em
relação aos riscos ambientais na modernidade tardia.
Palavras-chave
Sociedade de risco; crise ambiental; reflexividade.
Abstract
This paper aims to present a short discussion about the modernity crisis as it
has been taken in contemporary social theory, in the context of global
*clitia@cpovo.net
Introdução
Neste trabalho, tem-se como objetivo situar, de maneira sucinta, a discus-
são, na teoria social contemporânea, sobre a crise da modernidade, expressa
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Contudo Giddens (1994) ressalva que o neoliberalismo se mostra contraditório, no sentido
de que, por um lado, é hostil à tradição, no seu afã de conquistar novos espaços para o
mercado; por outro, depende da manutenção da tradição "(...) pela legitimidade que ela tem
e por sua ligação ao conservadorismo naquilo que diz respeito a nação, religião, gênero e
família" (Giddens, 1994, p. 15).
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Vários autores consideram a globalização um processo multidimensional, sendo que, para
Viola e Leis (2001), ela englobaria seis dimensões principais e inter-relacionadas: econômi-
ca, política, militar, ecológico-ambiental, cultural e social. A dimensão econômica da globalização
comporta, ainda, as seguintes subdivisões: comercial, financeira, produtiva e tecnológica.
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Em palestra proferida em 21.03.95, em Porto Alegre, David Harvey referiu-se à temporalidade
como algo socialmente construído, assinalando a gradual introdução das medidas de tempo
ao longo da história: a hora no século XIII, o minuto no século XIV e o segundo já no século
XVIII, sendo essas medidas de controle do tempo fundamentais para o modus operandi do
capitalismo.
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Conforme Giddens, a “democracia das emoções” é fundamental para o avanço da democra-
cia formal e pública. Como ele salienta, “(...) os indivíduos que têm bom conhecimento de seu
feitio emocional e que são capazes de se comunicar de forma efetiva com os outros, numa
base pessoal, são, provavelmente, bem preparados para as tarefas amplas e para as
responsabilidades da cidadania” (Giddens, 1994, p. 23).
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À guisa de lembrete, pode-se enumerar uma longa lista de ocorrências graves afetando o
meio ambiente a partir da segunda metade do século XX: o smog de Londres, em 1952, que
causou a morte de 1.600 pessoas e provocou um grande debate público sobre a qualidade
do ar nas grandes cidades britânicas; o acidente na plataforma Torrey Canyon, da British
Petroleum, no Mar do Norte, em 1967; a contaminação em massa por mercúrio no Japão, que
se evidenciou em 1968, no porto de Minamata; os outros graves acidentes causadores de
contaminação tóxica ou nuclear em Seveso, Itália (1976), Three Mile Island, EUA (1979),
Bophal, Índia (1984) — este responsável por 2.500 mortes imediatas —, Love Canal, EUA
(1984), Vila Socó, Brasil (1984) e Chernobyl (ex-URSS), em 1986; além de vários derrama-
mentos de petróleo ocasionados por acidentes diversos nas últimas décadas.
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Pesquisadores vinculados à sociologia urbana e geógrafos costumam colocar essa distin-
ção em termos de ambiente natural (natureza para Giddens) e ambiente produzido, aquele
que é ocupado pela presença humana, podendo distinguirem-se dois tipos de ambiente
produzido: o rural e o urbano.
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Podem-se mencionar aqui os rituais transculturais de comunidades ecológicas de vários
continentes, como as ecovilas.
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A liderança “em círculo”, praticada na comunidade (ecovila) de Findhorn, Escócia, incluindo
medidas inovadoras de tomadas de decisão e de resolução de conflitos, é um exemplo
dessa contribuição.
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Na Economia, o enfoque do meio ambiente surgiu, a princípio, através das subdisciplinas
relativas à economia agrícola e à economia dos recursos naturais nos anos 40 do século XX.
Já nas décadas de 50 e 60, desenvolveu-se a economia ambiental, baseada na visão
neoclássica e, fundamentalmente, entendendo os problemas ambientais como o resultado
da insuficiente generalização do sistema de preços para os “bens e serviços” providos pela
natureza. Muito mais recentemente, a economia ecológica tem tentado vincular questões
ambientais e econômicas, encarando a realidade econômico-ambiental do ponto de vista
sistêmico.
educação, etc., extrapolando, dessa maneira, a restrita área das ciências bioló-
gicas.
A própria Ecologia, surgida como ciência na segunda metade do século
XIX, tem adquirido autonomia, reconstruindo seu objeto de estudo e, dessa
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A Ecologia, como ciência, apresenta três leis fundamentais, que, através de visões
sistêmicas, têm sido levadas às ciências sociais: (a) todos os seres ou organismos são
dos principais eixos da política e das instituições culturais das sociedades avan-
çadas” (Buttel, 2001, p. 29-30).
Como resultado desse enfoque e interesse acadêmico, vinculado a uma
crescente conscientização da sociedade sobre a “visão de mundo ocidental do-
minante”, que diz respeito ao progresso humano medido apenas em termos
materiais, Buttel aponta para o fortalecimento de um “novo paradigma ecológi-
co”, imbuído de uma ética que se contrapõe à visão de progresso material irrestrito
e irresponsável. Esse novo paradigma, portanto, configura-se na articulação de
valores pós-materiais, como a prudência e a sobriedade ecológica, a ênfase na
qualidade de vida e a preocupação com riscos ambientais (Buttel, 2001).
Ainda nesse contexto, Buttel (2001) evidencia o fato de que o ambientalismo
consiste, fundamentalmente, em um produto social. Certas questões, que até
há algumas décadas atrás não seriam consideradas como pertinentes à temática
socioambiental, como a mobilização de populações nativas contra a destruição
de florestas tropicais, são atualmente contempladas dentro do tema.
Sobre o conceito de risco, ligado de maneira estreita às preocupações
ambientais, ele ocupa, correntemente, uma posição central na teoria social con-
temporânea pela ênfase dada por Giddens e Beck a essa questão, para enten-
der as transformações e os limites da modernidade. Como os autores enfatizam,
as questões ecológicas não se reduzem a uma preocupação com o “ambiente”,
como algo alheio à vida social, mas como uma esfera que é penetrada e
reordenada pela ação humana. Dessa maneira, eles afirmam que
“(...) se houve um dia em que os seres humanos souberam o que era
a 'natureza', agora não o sabem mais. Atualmente, o que é 'natural'
está tão intrincadamente confundido com o que é 'social', que nada
mais pode ser afirmado como tal, com certeza” (Beck; Giddens; Lash,
1997, p. 8).
Pode-se indagar, no entanto, qual a razão de se atribuir um papel tão cen-
tral, na teoria social, ao conceito de risco, ao que Guivant (2000) replica, com
base na argumentação de Giddens e Beck:
“(...) porque na sociedade da alta modernidade os riscos emergem
como produto do próprio desenvolvimento da ciência e da técnica,
com características específicas: são globais, escapam à percepção
e podem ser localizados na esfera das fórmulas físicas e químicas e,
por tudo isto, é difícil fugir deles. São riscos cujas conseqüências, em
geral de alta gravidade, são desconhecidas a longo prazo e não podem
ser avaliadas com precisão” (Guivant, 2000, p. 287).
Referências
BECK, U. Risk society and the provident state. In: LASH, S.; SZERSZYNSKI,
B.; WYNNE, B. Risk, environment and modernity. London: Sage Publications,
1996.
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Giddens (1997) e Beck (1996) assinalam duas formas de risco: o risco dado, calculado,
implícito nas sociedades ainda coordenadas pela tradição, e o risco imprevisível (como o
problema do aquecimento global).