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Revista
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Coordenação deste número
Rui Jacinto
Alexandra Isidro
Apoio à Coordenação
Ana Margarida Proença
Impressão
Marques & Pereira, Lda
Edição
Centro de Estudos Ibéricos
Rua Soeiro Viegas, 8
6300-758 Guarda
cei@cei.pt
www.cei.pt
ISSN: 1646-2858
Depósito Legal:
dezembro 2021
RUI JACINTO*
*
Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Território e Centro de Estudos Ibéricos.
Territorialidades,
Paisagens,,
Comunidades::
uma Arqueologia
do devir
TERRITORIALIDADES, PAISAGENS,
COMUNIDADES: UMA ARQUEOLOGIA
DO DEVIR
RAQUEL VILAÇA
Novembro de 2021
EM TORNO DOS II-I MILÉNIOS A.C.
NA BEIRA RAIANA (PORTUGAL CENTRAL).
REPRESENTAÇÕES MATERIAIS E
IMAGINADAS, FRENTES E RETAGUARDAS,
NUM MOVIMENTO PERPÉTUO
RAQUEL VILAÇA*
*
Univ Coimbra, Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Instituto de Arqueologia, CEAACP. rvilaca@fl.uc.pt
A autora não escreve segundo o Acordo Ortográfico de 1990.
1
A versão inglesa deste texto estará disponível no livro resultante do Colóquio Internacional Romper fron-
teiras, atravessar territórios. Identidades e intercâmbios durante a Pré-história recente no interior norte da
Península Ibérica (Porto, 23-24 de Setembro de 2021, CITCEM - Grupo de investigação “Território e Paisagem”),
coordenado por Maria de Jesus Sanches, Helena Barbosa e Joana Teixeira.
16 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
Fig. 1.
A. Delimitação da área do Grupo Cultural Baiões/ Santa Luzia
(segundo SENNA-MARTINEZ et al., 2011, fig. 1, adaptado);
B. Localização dos populi da Beira Interior (segundo SILVA, 2005, mapa 7)
Fig. 1.
C. Dispersão dos achados cerâmicos relacionados com Cogotas I. Zona Nuclear (mancha mais
escura) e Zona de Contacto (mancha mais clara) (segundo ABARQUERO MORAS, 2005, fig. 20,
adaptado)
Fig. 2.
A. Serra do Ralo (Celorico da Beira) (vista aproximada de Oeste/Sudoeste),
com indicação do local de achado das estelas
B e C. Estelas 1 e 2 de Pedra da Atalaia (fotos de Danilo Pavone)
20 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
longo dos III, II e I milénios a.C., desde logo pela insuficiência dos dados numa
ampla região com imensos vazios que fragmentam qualquer narrativa inscrita
no tempo linear.
Mas a tese, que tem como lastro distintas evidências empíricas resultantes
na sua esmagadora maioria de projectos próprios, ou de colaboração, focou-
-se em particular nos finais do II milénio a.C. e inícios do seguinte. Já antes,
uma das conclusões a que se chegara foi a de que se teria verificado uma
ausência de continuidade ocupacional entre o Bronze Médio e o Bronze Final
e entre este e a I Idade do Ferro, pelo menos nas áreas central e meridional da
Beira Interior mais intensamente exploradas (VILAÇA, 1995). Sublinhamos que
esta última consideração se reportava à I Idade do Ferro e não à Idade do Ferro
em termos genéricos. E, evidentemente, essas observações encontravam-se
condicionadas pelo estádio dos nossos conhecimentos da altura.
Questionava-se então se teria havido uma concentração populacional com
2
novos núcleos habitados, criados ou não de raiz, se esses povoados permane-
ceriam nos mesmos territórios dos do Bronze Final, ou se teria havido ocupa-
ção de novas terras antes não valorizadas (VILAÇA, 1995: 423). Por outras pala-
vras, ponderava-se se as descontinuidades na ocupação de povoados seriam
também acompanhadas por uma ruptura do modelo de ocupação do espaço.
O problema colocava-se ainda na definição de balizas cronológicas, na medi-
da em que se desconheciam testemunhos a nível arqueográfico caracterizadores
de uma I Idade do Ferro. Essa indefinição foi contornada através de um conceito
de recurso, logo provisório, o de “Proto-história Antiga”, que se aplicou às si-
tuações claramente anteriores aos sécs. V-IV a.C., mas não indiscutivelmente
inseríveis no Bronze Final, i.e., sécs. XII-IX a.C. (VILAÇA, 2000: 174, 176).
As questões para as quais este texto procura agora algumas respostas é
se existem motivos para manter as ideias antes expressas, se aquele perfil
culturalmente multifacetado deve ser reforçado ou reconsiderado, se é ou não
sustentável separar um Bronze Final de uma I Idade do Ferro, se o Bronze Final
emerge sem elos explícitos e directos de ligação à fase que o precedeu, se
prevalecem rupturas ou continuidades, seja em termos específicos dos lugares
habitados, seja do povoamento mais geral.
As respostas avançam-se já e argumentam-se a seguir.
Sim, a emergência de sítios do Bronze Final parece poder continuar a colo-
car-se num cenário sem pré-existências ocupacionais, ou, a terem-se verifica-
do — como já antes se reconheceu —, mediaram muitos séculos de abandono,
quer dizer, essas ocupações não são sequenciais. Não só não se conhecem
novidades inequívocas que alterem este quadro, como parece verificar-se
idêntico fenómeno no Norte da Beira Interior conforme transparece de síntese
recente (CARDOSO, 2014: 93).
2
Conceito utilizado de modo generalista e englobando situações muito distintas, correspondendo, tão-só a
lugares onde se viveu.
EM TORNO DOS II-I MILÉNIOS A.C. NA BEIRA RAIANA (PORTUGAL CENTRAL)
23
Raquel Vilaça
Sim, justifica-se falar numa I Idade do Ferro na região, para a qual existem
evidências empíricas a valorizar — vejam-se em especial os casos de Vila do
Touro (Sabugal), Cabeço das Fráguas (Guarda) e Cachouça (Idanha-a-Nova) —,
pelo que aquele conceito provisório perdeu o seu prazo de validade, ou, a
manter-se, que seja tão-só como reserva para situações dúbias. Este é um dos
campos mais ingentes da Proto-história da Beira Interior. A título de exemplo
entre essas evidências empíricas podem ser referidas as "cerâmicas peinadas"
de Vila do Touro (em estudo) e da Cachouça (VILAÇA, 2007), ou as cerâmicas
de fabrico a torno de matriz orientalizante deste último sítio (Vilaça e Basílio,
2000), ou as fíbulas de tipo Alcores e de tipo Bencarrón daquele primeiro (PON-
TE et al., 2017).
E sim, há motivos para continuar a defender, e reforçar, a ideia de que na
Beira Interior desenvolveram-se dinâmicas sociais multifacetadas com abertura
transcultural e transregional, e na longa diacronia, para as quais é agora possível
aduzir novos elementos que se estendem pela Idade do Ferro adentro.
Antes de passarmos à fundamentação, que privilegiará, como referimos no
início, apenas determinadas categorias de cerâmicas, importa lançar um breve
olhar sobre alguns dos traços naturais da região e da sua individualidade; impor-
ta porque lhes reconhecemos papel especial nos processos de inter-acção, de
“fronteirização”, das comunidades beirãs, as residentes e as de passagem.
Os traços geo-estratégicos da Beira Interior e a sua caracterização encon-
tram-se sistematizados em distintos trabalhos da autora (v.g. VILAÇA, 1995:
66-74; 2013a: 193-196), pelo que salientamos aqui apenas algumas linhas de
força: i) o posicionamento no interface litoral/ interior, entre o mundo atlântico,
a continentalidade mesetenha e, a sul, a “frente” peninsular mediterrânea; ii) a
partilha de territórios onde quase se tocam as bacias dos principais rios ibéri-
cos (Douro e Tejo) que correm em direcção ao Atlântico ocidental; iii) a orienta-
ção cruzada entre aqueles eixos fluviais — nascente/ poente — e os respectivos
afluentes — sul/ norte e norte/ sul; iv) o profundo contraste geomorfológico, com
planaltos e planícies a perderem-se de vista, com serras e montanhas rasgadas
por passagens naturais que se convertem em “corredores de circulação”; v) a
existência de cabeços isolados moldados pelo granito, que emergem amiúde,
consubstanciando expressivos marcadores referenciais, frequentemente antro-
pizados; vi) a diversidade e complementaridade de recursos de montanha, de
floresta, de planície, dos rios, proporcionando alimento e materiais de constru-
ção; vii) a particularidade ao nível de outros recursos estratégicos com repercus-
são trans-regional, em concreto os principais elementos da paleta de minerais
metálicos, aluvionares ou não: estanho, sobretudo (v.g. ribeira da Gaia, Guarda
e Alto Zêzere), cobre (v.g. Quarta Feira, Sabugal, Vila Velha de Ródão), ouro (v.g.
Alto Zêzere, Erges, Águeda), chumbo (v.g. Almofala, Figueira de Castelo Rodrigo)
e ferro (v.g. Salvador, Penamacor).
24 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
Estes sete eixos que configuram na nossa visão o perfil da Beira Interior
enquanto região global, mas com toda a sua heterogeneidade interna, não
poderão ter deixado de se repercutir nas comunidades que aí habitaram e na
sua autonomia, bem como nas pessoas que nela se movimentaram em dis-
tintas direcções e, evidentemente, com ritmos de intensidade muito variável.
3
Optámos por manter a designação espanhola, distinguindo assim essas cerâmicas, da Idade do Ferro, das
cerâmicas “penteadas” calcolíticas; evitam-se equívocos, não raros quando alguns autores se referem a
cerâmicas penteadas sem as ilustrarem.
EM TORNO DOS II-I MILÉNIOS A.C. NA BEIRA RAIANA (PORTUGAL CENTRAL)
25
Raquel Vilaça
Muito recentemente, foi possível fazer uma re-avaliação genérica das cerâ-
micas de “tipo proto-Cogotas” e “Cogotas I” na Beira Interior, a propósito do
estudo do sítio de Caria Talaia (Sabugal), com ocupação atribuível a meados
da segunda metade do II milénio a.C. e onde se recolheu, entre outros, um
expressivo recipiente de provável origem alógena (Fig. 3) (VILAÇA et al., 2020,
com bibliografia específica).
que se estendem deste modo algo difuso e abrangente, mas não aleatoria-
mente, através da Beira Interior.
4
Veja-se sobre o assunto síntese recente (VILAÇA, 2020).
5
Para o Cabeço das Fráguas não existe informação disponível, referindo-se genericamente a sua presença
(SANTOS e SCHATTNER, 2010: 103).
30 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
É nesta região Centro/ Sul da Beira Interior que se manifesta uma quarta
categoria de cerâmicas de excepção, as cerâmicas de ornatos brunidos ou de
“tipo Lapa do Fumo”.
EM TORNO DOS II-I MILÉNIOS A.C. NA BEIRA RAIANA (PORTUGAL CENTRAL)
35
Raquel Vilaça
São 9 os sítios para os quais existem dados seguros, todos de altura e vin-
culados a contextos habitacionais (COIXÃO, 2000; OSÓRIO, 2005; SOARES, 2019:
19; VILAÇA, 1995; 2007). É sobre alguns deles que neste momento trabalhamos,
designadamente sobre os dados aportados pelas escavações realizadas em
Vila do Touro e outros sítios sabugalenses, sendo possível vislumbrar, desde
já e em termos da sua distribuição, um modelo que mimetiza o traçado para
EM TORNO DOS II-I MILÉNIOS A.C. NA BEIRA RAIANA (PORTUGAL CENTRAL)
39
Raquel Vilaça
4. EM RETROSPECTIVA
Numa visão global e valorizando os dados cerâmicos como marcadores
identitários e de contacto que prefiguram territórios estilísticos, poderemos
entrever a existência de duas tendências genéricas.
Uma é a abertura da Beira Interior à Meseta ocidental expressa num “so-
pro” muito dilatado no tempo, o mais dilatado e aparentemente sem grandes
rupturas, desde a 1ª metade do II milénio a meados do I milénio a.C., pelo me-
nos. Cerâmicas “proto-Cogotas”, “Cogotas I” e “a peine” constituem as mate-
rialidades dessa conexão, desse processo de fronteirização. Este é também o
movimento mais abrangente em termos territoriais, rasgando as próprias fron-
teiras internas da Beira Interior (onde há matizes distintos sendo que, a sul,
são mais esbatidos) e rompendo-as a norte, para além Douro. Sítios como a
Fraga dos Corvos (Macedo de Cavaleiros) (LUÍS, 2013; REPRESAS, 2013, SENNA-
-MARTINEZ, neste livro) ou a Foz do Medal (Vale do Sabor) (GASPAR et al., 2014)
contribuem para ampliar territórios estilísticos afins.
Outra tendência reafirma esse acolhimento cultural, que estende e di-
versifica os elos de aproximação da Beira Interior à Beira Central, daquela
ao Tejo, à Extremadura e Andaluzia ocidental e, por estas vias, ao mundo
mediterrâneo. Esta abertura mais tentacular intensifica-se (sem se iniciar) na
transição do II para o I milénios a.C. e é particularmente visível em torno e a
sul da linha de montanhas da Cordilheira Central, onde tão bem e também
estão presentes recursos de estanho e de cobre. Assim, enquanto as cerâmi-
cas de âmbito “Cogotas I” se manifestam de norte a sul da região em análise,
as de “tipo Baiões”, de “tipo Lapa do Fumo” e de “tipo Carambolo” parecem
EM TORNO DOS II-I MILÉNIOS A.C. NA BEIRA RAIANA (PORTUGAL CENTRAL)
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Raquel Vilaça
ser mais “selectivas” na sua distribuição territorial. Mas não só. Estas dis-
tintas categorias, embora não se encontrem sistemática e simultaneamente
associadas entre si a nível local, não deixam de se entrelaçar a uma escala
regional (Fig. 14).
É nesta segunda tendência que se deverão enquadrar as primeiras cerâ-
micas de fabrico a torno de timbre “orientalizante”, de momento circunscritas
Fig. 14. Áreas de enlace das cerâmicas tipo Proto-Cogotas/ Cogotas I, de tipo Baiões, de tipo
Carambolo e peinadas na Beira Interior.
42 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
à Cachouça (VILAÇA e BASÍLIO, 2000; VILAÇA, 2007). Ainda que um sítio por si
só diga pouco, não deixa de ser notório que é o mais meridional e mais próxi-
mo das franjas daquele mundo peninsular temperado pelo Mediterrâneo que,
nesta região, nos convida ao exercício de um olhar bifocal, da Extremadura ao
Baixo Tejo, ou vice-versa. De novo, e mais uma vez, olhando sempre para lá
das fronteiras da Beira Interior.
Embora se reconheçam estas duas tendências genéricas, nenhuma delas
pode ser dissociada da ênfase colocada pelas comunidades nos contextos
domésticos, na casa, nos lugares de habitação, como centro de actividades
produtivas e de sociabilidade, como referenciais identitários e marcadores ter-
ritoriais na longa diacronia abordada neste texto.
Em outros referenciais (v.g. a metalurgia, as estelas e suas técnicas, as ar-
mas do Côa) seria possível — é possível — reconhecer essa multiculturalida-
de da Beira Interior, uma região arraçada, onde dificilmente se vislumbram
fronteiras, mas se entreveem expressivos processos de fronteirização filtrados
pelo poder agenciador das comunidades beirãs e das “outras”, em função do
6
devir do tempo e do movimento perpétuo de todas elas.
AGRADECIMENTOS
A Marcos Osório, a José Luís Madeira, a Inês Soares, pela ajuda nos ele-
mentos gráficos.
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119-131.
6
Movimento Perpétuo, título da primeira obra do Poeta António Gedeão, pseudónimo de Rómulo de Carvalho
(1956, Coimbra: Atlântida editora) e também do disco (1971) do grande Guitarrista e Compositor Carlos Paredes
https://www.youtube.com/watch?v=0sVryi7Nuf4
EM TORNO DOS II-I MILÉNIOS A.C. NA BEIRA RAIANA (PORTUGAL CENTRAL)
43
Raquel Vilaça
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Sabugal], pp. 293-318.
Resumo:
Vinte anos passaram desde a publicação da primeira síntese onde a autora defendeu para
a Beira Interior a existência de processos de hibridez cultural durante o Calcolítico e o Bron-
ze Final. Em textos posteriores o assunto foi aprofundado e a argumentação consolidou-se
com o estudo de novas evidências empíricas e o cruzamento de distintas metodologias. Essas
evidências, de natureza e valor muito variável — cerâmicas, matérias e materiais exóticos,
tecnologia, marcadores territoriais, etc. —, permitiram, ao mesmo tempo, criar a ideia de um
mundo marchetado durante a Pré- e Proto-história daquela região, um mundo de fronteiras
indefiníveis, ou só vagamente perceptíveis. São fronteiras fluídas, de elevada permeabilidade,
e sempre imaginadas. No limite podem não existir.
Entretanto, dados mais recentes, alguns só parcialmente publicados, que ampliaram também
a escala cronológica, legitimam um novo inquérito no sentido de avaliar se tais evidências são
convergentes com a tese então defendida, reforçando-a, ou se, pelo contrário, apontam para
a conveniência da sua revisão. Este texto centra-se num período de cerca de mil anos, entre
meados do II e meados do I milénio a.C., e numa região, ela própria fronteira política e natural,
mas porosa, onde são notórios os contrastes geomorfológicos e mais subtis as manchas e os
vazios de povoamento. Como entendê-los?
Abstract:
Twenty years have passed since the synthesis in which the author first defended the existence
of cultural hybridization processes during the Copper and Late Bronze Age was published.
EM TORNO DOS II-I MILÉNIOS A.C. NA BEIRA RAIANA (PORTUGAL CENTRAL)
47
Raquel Vilaça
Further papers have reapproached the issue, solidifying the argumentation, either through
the study of new empirical data or the application of innovative and distinct methods. This
data, of variable nature and significance – ceramics, exotic materials and artifacts, technology,
territorial markers, etc. –, allowed, at the same time, to create the idea of a patchwork-like
world during the regional Pre and Protohistory. A world of undefinable or vaguely perceptible
borders. These borders are fluid, highly permeable and always imagined. They might not even
have existed.
Meanwhile, more recent data, some only partially published, that has magnified the chronological
scale, requires us to inquire and evaluate if these evidences are convergent with the defended
thesis, reinforcing it, or, on the contrary, point to the necessity of its revision.
This contribution is focused on a period of around a thousand years, between the middle of
the II and of the I millennium BC, in a region that while simultaneously a political and a natural
border, is permeable enough to human mobility, and where even though the geomorphological
contrasts are clear, the settlement distribution patterns remains. How to understand them?
Key words: Beira Interior (Central Portugal); Bronze Age/Iron Age; Ceramics; Cultural hybridi-
zation; Borders/Fronteirisation
TRANSPONDO O ERGES. O DELINEAR DE
UMA ABORDAGEM TRANSFRONTEIRIÇA
À PAISAGEM PROTO-HISTÓRICA ENTRE O
TEJO E O SISTEMA CENTRAL
PEDRO BAPTISTA*
1. NOTA PRÉVIA
Em projetos de investigação de âmbito territorial, a questão da definição da
área de estudo é das primeiras que se levanta e que importa responder quanto
antes. E aqui não deixa de ser paradoxal que a arqueologia, ciência que estuda o
passado, esteja tão profundamente ancorada no presente. Mas não é surpreen-
dente – também a prática arqueológica é um resultado do tempo da sua agência.
Dizemos que está ancorada no presente porque sistematicamente se têm
compartimentado estudos em função de limites administrativos atuais; nós pró-
prios o fizemos no âmbito da nossa tese de Mestrado, tendo então reconhecido
que a ausência de dados geográficos do lado espanhol limitava em muito os
resultados obtidos (BAPTISTA, 2019, pp. 95-96). Mesmo assim, confessamos que
quando nos foi feito o desafio de abordar a Alta Extremadura conjuntamente
com a Beira Interior no âmbito do nosso projeto de Doutoramento, hesitámos.
Colocavam-se diversas questões sobre a exequibilidade do mesmo – qualidade
e compatibilidade de dados geográficos, acesso a informação arqueológica, au-
torizações para a realização de trabalhos de prospeção, etc.
No entanto, face às temáticas que pretendíamos abordar, intimamente rela-
cionadas com a mobilidade humana e a reconfiguração da paisagem durante a
Proto-história, insistir em manter este limite administrativo contemporâneo sig-
nificava transpô-lo no tempo, com toda a carga anacrónica que isso acarreta.
Com efeito, a fronteira que atualmente separa Portugal de Espanha na beira
raiana materializa se no curso do rio Erges. Nascido na Serra da Malcata, corre
em direção a sul ao longo de cerca de 50 km até à sua foz na margem direita do
Tejo. Embora decalque um limite natural, esta fronteira não é mais do que uma
construção antrópica, definida e mantida desde finais do séc. XIII.
*
Instituto de Ciências Arqueológicas, Departamento de Arqueologia Pré-histórica, Universidade Albert Ludwigs
Freiburg / CEAACP, Universidade de Coimbra. pedro-esb@hotmail.com
50 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
De certa forma, podemos afirmar que ainda que separe Portugal e Espanha,
não separa as regiões da raia – o afastamento geográfico em relação ao resto
do próprio país acaba por conduzir a uma maior proximidade entre comunidades
“de fronteira”, partilhando-se tradições, festividades e inclusive uma identidade
comum (cf. AMANTE, 2010, pp. 103-106; 2014, pp. 419-420, acerca da discussão
teórica em casos de estudo da Beira Interior Norte, e Rovisca, 2010, acerca das
práticas de contrabando na raia de Idanha-a-Nova).
1
Estas práticas , partilhadas entre ambos os lados da fronteira, testemunham
a discrepância entre as decisões de um estado e a agência da sua população,
resiliente neste caso a quase oito séculos de História. Mas mais do que isso,
dizem-nos muito sobre a natureza da própria fronteira e o seu papel no território;
o Erges é um rio de características torrenciais, de caudal reduzido no estio e
elevado durante a época das chuvas, mas mesmo então de travessia possível em
zonas como Monfortinho, Salvaterra do Extremo e Segura.
Assim, despindo o Erges dos significados que o devir histórico mais recente
lhe encarregou de suportar, encontramo-nos perante não um obstáculo intrans-
ponível, mas sim um dos muitos afluentes da margem direita do Tejo, dentro de
um território que importa então caracterizar para melhor compreender as comu-
nidades que o habitaram há cerca de três milénios.
2. O TERRITÓRIO
A nossa área de estudo corresponde à Beira Interior (Centro e Sul) e à Alta
Extremadura (Norte), corporizada na bacia hidrográfica norte do Tejo, desde Vila
Velha de Ródão até ao limite com a província de Toledo, e adicionalmente o con-
celho do Sabugal, já inserido no limite ocidental da plataforma da Meseta. Desde
logo, ocupa uma posição na Península Ibérica que, apesar de interior, lhe confere
um papel central no contacto entre diferentes regiões bem definidas, como são
a costa atlântica, a Meseta, o Alentejo e os vales do Guadiana e Guadalquivir
(MARTÍN BRAVO & GALÁN, 1998, pp. 305-306).
Os seus limites são assinalados por acidentes geográficos significativos e es-
truturais a nível ibérico, como são o caso do Sistema Central, a norte, e do rio
Tejo, a sul. Longitudinalmente, são as Talhadas-Muradal, a Gardunha e a Serra da
Estrela, a ocidente, e a fronteira com a província de Toledo, através de um pro-
longamento da Serra de Gredos para sul, a oriente, que fecham a área de estudo.
Mais do que limites artificiais – como são todos os que definem uma área de
estudo – são obstáculos que condicionam a mobilidade e/ou a visibilidade e que
1
De notar que além do contrabando, prática quase mitificada na raia e que detém um contexto histórico
muito específico durante o séc. XX, existiam festividades no verão que reuniam populações dos dois lados
da fronteira, por exemplo, em Monte Fidalgo e Cedilho (informação gentilmente cedida por Pedro Fonseca).
TRANSPONDO O ERGES. O DELINEAR DE UMA ABORDAGEM TRANSFRONTEIRIÇA
51
À PAISAGEM PROTO-HISTÓRICA ENTRE O TEJO E O SISTEMA CENTRAL _ Pedro Baptista
fazem com que o movimento seja canalizado através de portelas e vaus especí-
ficos que os permitam superar.
Fig. 1. Vista da área de estudo a partir do Miradouro da Serra das Talhadas (Proença-a-Nova)
e em direção a leste (Fotografia de Mário Monteiro).
2
Utilizaremos doravante os termos de I Idade do Ferro / Ferro Inicial por os considerarmos mais apropriados
para a designação deste período cronológico, já que se encontram desprovidos de uma conotação exógena
logo à partida.
TRANSPONDO O ERGES. O DELINEAR DE UMA ABORDAGEM TRANSFRONTEIRIÇA
55
À PAISAGEM PROTO-HISTÓRICA ENTRE O TEJO E O SISTEMA CENTRAL _ Pedro Baptista
Posto isto, a transição para o Ferro Inicial continua a ser uma das grandes
questões em aberto, sendo muito reduzido o número de sítios conhecido que se
possam atribuir a esta cronologia. Com base nos dados dos territórios em redor,
as tipologias de assentamento diversificam-se e há uma aproximação a espaços
mais discretos na paisagem, próximos de cursos de água e com acesso a terras
com maior potencial agropecuário.
É certo que a partir do século VII, são claras as alterações de fundo que
estão em marcha e que conduzem ao abandono de sítios no final da Idade do
Bronze – por vezes definitivo como é o caso do Castelejo (Sabugal), Monte
do Frade (Penamacor), Alegrios e Moreirinha (Idanha-a-Nova) (VILAÇA, 1995, p.
423); por vezes com reocupações durante a II Idade do Ferro, como é o caso do
Cabeço da Argemela (Fundão / Covilhã) e, com base em recolhas de superfície,
da Quinta da Samaria (Fundão / Covilhã), Tapada das Argolas e Covilhã Velha
(Fundão) (VILAÇA et al., 2000, p. 193). Igualmente testemunho de um processo
de mudança em marcha é a ocupação do Cabeço das Fráguas (Guarda / Sabu-
gal) apenas a partir da fase derradeira do Bronze Final (séc. VIII a.C.) (SANTOS
& SCHATTNER, 2010).
São assim poucos os sítios que apresentam uma continuidade na ocupação
entre o Bronze Final e o Ferro Inicial. Excluindo desta discussão os sítios locali-
zados no extremo ocidental da Meseta, do lado português, apenas a Cachouça
(Idanha-a-Nova), El Perñuelo (Ceclavín) e La Muralla (Valdehúncar) é que se en-
quadram neste cenário.
Entre estes, apenas a Cachouça foi alvo de escavações arqueológicas, reve-
lando uma estratigrafia muito afetada e com mau estado de conservação, não
permitindo uma definição clara dos seus níveis de utilização (VILAÇA, 2007a, p.
67). Ainda assim, identificou-se cerâmica a torno cinzenta e cerâmicas penteadas
de âmbito mesetenho (VILAÇA, 2007a, p. 68), testemunhando uma vez mais o
carácter de confluência deste território entre a Meseta e o Sudoeste. E, com as
devidas reservas a que o registo estratigráfico nos obriga, não podemos deixar
de assinalar que estes materiais convivem com outros de fabrico manual em
tudo semelhantes aos que marcam os contextos do Bronze Final.
Do lado espanhol, os sítios de El Periñuelo e de La Muralla foram apenas alvo
de prospeções. Tratam-se de ocupações ainda em lugares destacados na pai-
sagem, cuja ocupação mais antiga é testemunhada ora por cerâmicas manuais
com perfis típicos do Bronze Final (PAVÓN SOLDEVILA, 1998, p. 284), ora por taças
carenadas e brunidas (MARTÍN BRAVO, 1995, pp. 156-157), respetivamente. Já do
Ferro Inicial, aponta-se cerâmica penteada e a torno e, no caso de Periñuelo,
alguns vestígios de adobes.
Com efeito, as ocupações atribuíveis ao Ferro Inicial na Alta Extremadura, a
norte do Tejo, remetem-nos, na sua maioria, para lugares ainda destacados na
paisagem, cujo amuralhamento não fez mais do que colmatar as lacunas entre
56 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
3.2. METALURGIA
3
Tipo I de CELESTINO PÉREZ e SALGADO CARMONA, 2011.
58 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
4
Recentemente, os monumentos de São Martinho foram alvo de uma abordagem mais exaustiva que procura
relacionar alguns dos seus elementos com a tradição megalítica e várias influências do III ao II milénio a.C.
(cf. BUENO RAMÍREZ et al., 2019-2020).
TRANSPONDO O ERGES. O DELINEAR DE UMA ABORDAGEM TRANSFRONTEIRIÇA
59
À PAISAGEM PROTO-HISTÓRICA ENTRE O TEJO E O SISTEMA CENTRAL _ Pedro Baptista
passado – e aqui coloca-se uma questão fundamental: este passado era seu,
enquanto comunidades ou seu, do território que agora habitavam?
Isto porque desconhecemos em absoluto de que forma foi praticada esta rea-
propriação dos lugares e monumentos – terá sido mantida, de forma continuada,
de geração em geração ao longo de séculos, ou com hiatos temporais significa-
tivos que apagassem a sua memória e significados originais?
De resto, a questão não fica mais clara quando olhamos para os suportes
reaproveitados. Primeiro, porque também nestes casos se podem ter mantido
no seu lugar de origem. Segundo, porque, nas estátuas-menir de São Martinho,
os motivos mais antigos estão integrados de tal forma na composição que nos
levam a questionar se foram feitos “de raiz” no Bronze Final, assimilando e re-
concebendo arcaísmos de carácter local, ou se se tratam efetivamente de reutili-
zações (VILAÇA et al., 2004, p. 160). E terceiro porque casos como os do Telhado,
com uma preparação tão intensiva da superfície a gravar, podem testemunhar a
destruição de uma primeira fase de gravação; algo em sintonia com os contextos
onde se integram as gravações atribuídas ao Bronze Final no complexo de arte
rupestre do Tejo que recorrem sempre a painéis já gravados (GOMES, 2010, pp.
497-499; BAPTISTA, 2019, pp. 32-33 e 103)
Além deste carácter evocativo temporal, as estelas de guerreiro deste ter-
ritório perfilam igualmente afinidades a nível do seu contexto espacial, recor-
rentemente associado a corredores de circulação e portelas. Por um lado, a sua
distribuição espacial revela que estamos perante comunidades cujas vivências
não se cingem aos seus povoados; elas conhecem, vivem e reivindicam estes
territórios, explorando-os e circulando por eles, em contacto com outras regiões
e comunidades (BAPTISTA, 2019, pp. 37-41). Por outro, atrevemo-nos a dizer que
no quadro da mobilidade humana, ao assinalar onde as travessias são possíveis
e constituindo autênticos marcadores espaciais, parecem assinalar simultanea-
mente zonas de fronteira e de encontro entre diferentes unidades territoriais
(VILAÇA & BAPTISTA, 2020, pp. 29-30).
Mas cada história é uma história e daqui se depreende igualmente que coe-
xistiram durante os mesmos períodos e num mesmo território alargado diferen-
tes estratégias de ocupação, expressas na história singular e individual de cada
um destes sítios; história essa que só pode ser devidamente caracterizada com
recurso a escavações arqueológicas ou abordagens mais focadas que valorizem,
dentro da unidade, a diversidade.
À luz do estado atual dos conhecimentos, são várias as problemáticas em
aberto e questões que se levantam.
Na sequência do que foi explanado no ponto anterior, a disparidade no esta-
do de investigação entre a Beira Interior e a Alta Extremadura será das proble-
máticas mais significativas. Em termos quantitativos, do levantamento preliminar
que possuímos para o nosso projeto, contamos com 88 ocorrências do Bronze
Final no lado português e apenas 30 no lado espanhol, das quais apenas uma
ínfima minoria foi alvo de escavações arqueológicas.
Para a I Idade do Ferro, a discrepância é menos acentuada, mas reflete um
estado de investigação ainda mais incipiente. São apenas 5 e 7, respetivamente,
embora do lado português todos eles tenham sido identificados com base em
escavações.
No que toca ao Bronze Final, não há motivos para crer que esta discrepância
se deva a um povoamento menos intensivo do lado espanhol ou uma forma de
ocupação do espaço diferenciada, desde logo se tivermos como representativos
os dados das prospeções intensivas realizadas em Campo Aruañelo (GONZÁLEZ
CORDERO, 2015).
TRANSPONDO O ERGES. O DELINEAR DE UMA ABORDAGEM TRANSFRONTEIRIÇA
61
À PAISAGEM PROTO-HISTÓRICA ENTRE O TEJO E O SISTEMA CENTRAL _ Pedro Baptista
5
Neste sentido, no âmbito do nosso projeto de Doutoramento , desenvolvi-
6
do em articulação com um projeto de investigação internacional dedicado às
estelas de guerreiro, propusemo-nos a desenvolver um ensaio de Arqueologia
da Paisagem regional sistemático e multiescalar, cuja linha orientadora se pauta
pela análise das relações estabelecidas entre comunidades indígenas e exóge-
nas e de que forma estas se manifestaram na reconfiguração do território, desde
o Bronze Final até ao Ferro Inicial.
Mas a compreensão das dinâmicas de reconfiguração identitária e territorial
por parte das comunidades indígenas só pode resultar de necessária postura
aberta, alicerçada numa perspetiva diacrónica e multiescalar, que em termos la-
tos, na nossa abordagem, radica da análise de três aspetos:
a) o quadro de povoamento e exploração do território, testemunhado pelo
registo arqueológico e a sua distribuição espacial;
b) os contactos vigentes, intra e interterritoriais, testemunhados pela cultura
material e pela circulação de matérias-primas, tecnologias e ideias;
c) a rede de corredores de circulação que atravessa a área de estudo e a re-
laciona com as regiões em redor, através de pontos específicos de travessia
dos rios e cordilheiras montanhosas, extrapolada através do registo arqueo-
lógico e das características do território com recurso a análises espaciais.
5
“Mundos em movimento, paisagens em transformação: dinâmicas de (re)configuração territorial na Beira
Interior e na Alta Extremadura entre o Bronze Final e o Ferro Inicial”, orientado pela Prof. Doutora Raquel
Vilaça (Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra).
6
“As estelas ibéricas da Idade do Bronze Final: iconografia, tecnologia e a transferência de conhecimento entre
o Atlântico e o Mediterrâneo”, coordenado pelo Doutor Ralph Araque Gonzalez (Universidade de Freiburg),
financiado pela Deutsche Forschungsgemeinschaft DFG (AR 1305/2-1).
TRANSPONDO O ERGES. O DELINEAR DE UMA ABORDAGEM TRANSFRONTEIRIÇA
63
À PAISAGEM PROTO-HISTÓRICA ENTRE O TEJO E O SISTEMA CENTRAL _ Pedro Baptista
Por sua vez, a determinação da proveniência das estelas será feita com base
em análises petrográficas, cujos resultados serão comparados com afloramentos
rochosos no território envolvente.
Com base numa análise da distribuição espacial das estelas de guerreiro e
da disponibilidade geológica da sua matéria-prima, tem-se defendido que os
lugares de procura e exploração dos blocos pétreos se encontram nas imedia-
ções dos seus lugares de implantação (VILAÇA E OSÓRIO, 2017). Neste sentido,
64 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
5. NOTAS FINAIS
O nosso conhecimento acerca da Proto-história das regiões da Beira Interior
portuguesa e da Alta Extremadura espanhola conta com uma significativa base
empírica, fruto dos trabalhos e estudos desenvolvidos ao longo das últimas dé-
cadas.
Ainda assim, existem várias linhas de investigação possíveis, com focos, ob-
jetivos e metodologias próprias que permitem o seu aprofundamento. A que es-
colhemos seguir assume um carácter transfronteiriço, diacrónico, interdisciplinar
e necessariamente holístico.
Começámos este texto com uma alusão à arqueologia enquanto “ciência que
estuda o passado ancorada no presente” e rematamo-lo retomando essa mesma
ideia.
De facto, à semelhança dos dias de hoje, as comunidades que no início do I
milénio a.C. habitaram o interior da Península Ibérica experienciaram um período
de acelerada mudança, onde diferentes mundos “colidem”, marcados por novas
gentes, novos materiais e tecnologias, e novas ideias e cosmologias. O resultado
das suas escolhas marcou o seu devir histórico e lançou as bases para o que se-
ria o quadro socio-identitário que os romanos aqui viriam a encontrar, rompendo
em definitivo com o passado pré-histórico e iniciando o que seria de facto uma
nova era.
AGRADECIMENTOS
Ao Mário Monteiro, pela cedência da Figura 1, e ao Pedro Fonseca, pela par-
tilha de informações relativas aos costumes e festividades das comunidades de
Monte Fidalgo e Cedilho.
TRANSPONDO O ERGES. O DELINEAR DE UMA ABORDAGEM TRANSFRONTEIRIÇA
65
À PAISAGEM PROTO-HISTÓRICA ENTRE O TEJO E O SISTEMA CENTRAL _ Pedro Baptista
À Professora Raquel Vilaça, pelo convite para participar neste dossier temáti-
co e pelas revisões e sugestões que muito enriqueceram este texto.
À Deutsche Forschungsgemeinschaft DFG, no âmbito do financiamento do
projeto AR 1305/2-1.
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Resumo:
Dos dois lados da fronteira que atualmente separa Portugal de Espanha desenha-se um ter-
ritório partilhado entre a Beira Interior e a Alta Extremadura. Apesar das afinidades culturais
durante, pelo menos, o Bronze Final serem já reconhecidas desde a década de ’90, estas
regiões nunca foram alvo de uma abordagem arqueológica comum.
Neste sentido, apresenta-se de forma preliminar um projeto de investigação transfronteiriço
em curso sobre as dinâmicas de reconfiguração territorial durante a Proto-história Peninsular
nestes territórios, valorizando a sua posição de charneira entre várias regiões da Península
Ibérica, as suas singulares características naturais, e a riqueza e diversidade do seu registo
arqueológico.
Abstract:
From both sides of the border between Portugal and Spain, a territory shared by the Beira
Interior and the Alta Extremadura takes shape. It's somewhat surprising that these two regions
were never the focus of a joint, cross-border, archaeological approach; especially when we
consider that since the '90s their cultural affinities during (at least) the Late Bronze Age have
been recognized.
In this sense, we present a preliminary overview of an ongoing cross-border research project
regarding the territorial reconfiguration dynamics during the Peninsular Protohistory in these
territories. Through this, we intend to highlight its central position between several regions
of the Iberian Peninsula, its singular natural features, and the diversity of its archaeological
record.
*
Município do Sabugal e CEAACP. arkmarcos@hotmail.com. ID ORCID: https://orcid.org/0000-0003-4340-461
1
Temática sobre a qual versa a nossa Tese de Doutoramento, orientada pela Doutora Raquel Vilaça e Doutora
Helena Catarino da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
70 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
(FARNELL 1993: 361-362). Não há espaço sem experiência vivencial, o que implica
ação, e esta envolve sempre movimento (VILAÇA E BAPTISTA 2020: 15).
A mobilidade é indissociável da natureza do ser humano, estando presente
em todas as esferas da realidade humana, ao longo do tempo, mas não é um
processo tangível, afigurando-se como um fenómeno de difícil definição. Ela é
universal, pois todos se movem, mas é variável porque o fazem a escalas dife-
rentes e com múltiplas formas de expressão, que coexistem e se articulam entre
si e os pontos fixos (VAN DOMMELEN 2014: 480; BAPTISTA 2019: 7).
Mas é sempre um movimento com propósito, constituído pelas deslocações
realizadas pelos indivíduos no seu território ou com as comunidades das áreas
vizinhas, com objetivos próprios, articulados de forma complexa entre a esfera
social, económica e cultural (ADEY 2010: 34-35).
O ser humano sempre exerceu domínio sobre os terrenos que acede e ex-
plora. Ao percorrer a extensão máxima do seu território, o homem, tal como os
animais, constrói formas de posse e pertença com significados sociais próprios
(FERNÁNDEZ MARTÍNEZ E RUIZ ZAPATERO 1984: 59). Ainda que não nos possamos
esquecer que o Homem utiliza o território e os seus recursos, maximizando-os de
acordo com o mínimo esforço possível, não devem ser descartadas as situações
de índole ritual em que é manifesto não ter sido este preceito privilegiado e jus-
tamente o seu contrário (BINFORD 1988: 216; VILAÇA 1995: 66).
Por fim, dando ênfase ao papel das outras faculdades sensoriais desvalo-
rizadas pelo pensamento científico ocidental, achámos que seria fundamental
integrar nesta abordagem o alcance auditivo que é possível obter a partir de um
núcleo habitado.
A boa ou má visibilidade dos sítios arqueológicos tem sido demasiadamente
priorizada, esquecendo o contributo que os restantes sentidos deram para as
estratégias de povoamento (LUND 1998; HAMILAKIS et al. 2002; KELMAN 2010;
MILLS 2014; KOLLTVEIT 2014: 74). Contudo, embora o ser humano adote a visão
como instrumento privilegiado, esta capacidade sensorial está dependente de
um conjunto de condicionantes, especialmente de luz (GIBSON 1950: 1). Por isso,
a força da visão desvanece ao anoitecer, quando os outros sentidos ganham pre-
ponderância e resta-nos apenas a capacidade auditiva (tal como a olfativa), que
é a última a fechar-se, ao adormecer, e é também a primeira a despontar, quando
acordamos (SCHAFER 1977: 11; SKEATES 2010: 8).
A faculdade da audição tem sido uma dimensão perdida do enfoque tradicio-
nal às sociedades antigas, mesmo sabendo que o som aporta informação social
e cultural sobre os seus emissores. Elas praticavam inúmeras atividades notur-
nas de caça e de vigilância, onde a audição era imprescindível (SCHAFER 1977: 11).
Raramente os lugares habitados pelo homem estão isentos de som, pois ele
está presente em todos os aspetos da vida comunitária, desde o discurso falado
às tarefas diárias, onde se produziam informações acústicas fundamentais para
as relações sociais (WATSON E KEATING 1999: 325; MILLS 2010: 181 e 184).
74 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
um local habitado, e são, por agora, suficientes para retirar algumas ilações no
confronto entre os modelos reproduzidos informaticamente e a realidade huma-
namente experimentada no terreno. Os outros assentamentos, por insuficiência
de tempo e por diversos condicionalismos geográficos, não foram sujeitos a es-
tes ensaios.
Não iremos detalhar aqui a metodologia, os resultados e as contrariedades
sentidas em cada exercício, pois isso ficará para o estudo mais aprofundado que
iremos apresentar posteriormente, mas apenas pretendemos descrever suma-
riamente os procedimentos básicos realizados.
Para calcular a área mais facilmente acessível em torno dos primitivos nú-
cleos de ocupação humana, existiam alguns métodos tradicionais que foram
sendo melhorados com o recurso à tecnologia SIG.
Para a delimitação do território acessível encontra-se o conceito agregado de
distância e intervalo de tempo, cuja premissa é que uma área acedida em pouco
tempo será, naturalmente, mais facilmente controlada, explorada e defendida
(VITA-FINZI E HIGGS 1970: 7).
FRONTEIRAS AUDITIVAS, VISUAIS E LOCOMOTORAS NA DEFINIÇÃO DOS TERRITÓRIOS DAS SOCIEDADES DO I MILÉNIO A.C.
77
Marcos Osório
forma aleatória, tendo apenas em consideração as zonas que seriam mais propí-
cias à experimentação, pela menor presença de estruturas antrópicas recentes.
Posteriormente, em ambiente SIG, fez-se a ligação de todos os pontos de
marcha obtidos dentro da escala definida, assinalando a área perimetral de iso-
cronas alcançada no mesmo espaço de tempo (Fig. 5).
Desta forma pudemos, em primeiro lugar, validar os resultados informáticos,
se eles se aproximam da realidade prática, obtendo igualmente uma ótima per-
ceção da paisagem, dos marcos naturais e das estruturas humanas atuais, das
dificuldades de circulação, dos declives, do potencial hídrico, da vegetação, da
presença de animais selvagens, que nos permitiram ter um conhecimento pro-
fundo da realidade envolvente ao povoado, que geralmente nunca se chega a
realizar, no decurso da escavação arqueológica dos sítios.
efetivo era o som como meio de comunicação e qual o seu impacto no ambiente
circundante.
Da mesma forma que se criam bacias de visão digitais (viewsheds), admiti-
mos que também se pudessem produzir bacias de propagação sonora (sound-
sheds: DÍAZ-ANDREU et al. 2017: 196) que delimitam a extensão máxima onde a
voz humana ou qualquer dispositivo sonoro pode ser escutado, numa determi-
nada paisagem.
Conhecem-se alguns algoritmos computacionais que intentam definir a área
de impacto auditivo de uma determinada fonte sonora, inclusivamente em con-
textos antigos (MLEKUZ 2004; MILESON 2018: 714). A mancha obtida é uma fer-
ramenta útil para determinar o papel do som no entorno dos núcleos antigos
estudados, mas este cálculo requer alguns procedimentos complexos, que de-
pendem de variáveis difíceis de estimar, em que a distância é apenas uma deles,
juntamente com o tom e a potência da fonte de ruído (MLEKUZ 2004).
Ora, era muito difícil simular informaticamente a experiência passada, dado
que na zona onde desenvolvemos os nossos exercícios práticos não possuímos
registos paleoambientais que permitam reconstruir esse contexto físico original.
Como solução alternativa ao procedimento informático, optámos pelo exercício
de experimentação prática e de perceção sensorial no terreno, permitindo obter
uma «consciência da experiência viva» (JIMÉNEZ PASALODOS 2012: 444).
Foi com base neste princípio que partimos para a marcação no terreno das
isófonas esquemáticas dos núcleos populacionais estudados, assinalando o limi-
te máximo auditivo de contato entre o interior e a periferia do povoado, através
de testes que validassem essas trocas de sons no entorno do cabeço habitado,
com recurso a instrumentos similares aos usados no passado.
Para testar a audição tivemos que estabelecer uma fonte sonora humana,
posicionada no topo do povoado que, para além da voz e do assobio (meios de
comunicação comuns entre as comunidades ancestrais, a curta e a média distân-
cia) (LUND 2010: 237), recorreu a um dispositivo sonoro semelhante aos antigos
aerofones, feito a partir de um corno de bovino.
No exercício de campo, as emissões sonoras desenrolaram-se pela constante
sequência de voz, assobio e aerofone, pelo mesmo indivíduo, para dar maior
uniformidade dos resultados, projetando o som desde o interior do recinto, com
vários recetores no exterior. Os testes tiveram de realizar-se, naturalmente, em
períodos de bom tempo, evitando dias nublados ou ventosos.
As equipas recetoras fizeram trajetos radiais em torno do assentamento, dis-
tanciando-se ou aproximando-se da fonte emissora, para tentar obter a posição
exata em que o som era audível, registando a audição dos sons provenientes do
povoado e dando a respetiva resposta vocal. Os limites de propagação sonora
foram assinalados por GPS na cartografia digital, definindo assim a área máxima
audível na envolvência dos sítios estudados. No final, conectaram-se os pontos
FRONTEIRAS AUDITIVAS, VISUAIS E LOCOMOTORAS NA DEFINIÇÃO DOS TERRITÓRIOS DAS SOCIEDADES DO I MILÉNIO A.C.
81
Marcos Osório
Fig. 3. Mapa dos pontos georreferenciados dos testes de audição realizados no entorno
do povoado de São Cornélio (Sortelha, Sabugal)
Fig. 4. Mapa dos pontos georreferenciados dos testes de deteção e identificação visual
de indivíduos nas proximidades do povoado de São Cornélio (Sortelha, Sabugal)
84 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
voz humana. Não esperávamos que a figura humana isolada fosse visualmente
pouco distinguível, enquanto o som vocal ainda se mantinha reconhecível, ape-
sar das barreiras topográficas. O limite sonoro de audição e compreensão de
palavras não fica pois aquém do espaço onde é possível o reconhecimento dos
indivíduos, antes quase se sobrepõe.
Se tivermos em consideração a distinção entre a visibilidade defensiva (de
ameaças humanas e animais) e o controlo visual das atividades dos elementos
da comunidade, verificamos que estes factos testados parecem ser prejudiciais
para quem vigia o povoado, pois o invasor tenderia a manter-se silencioso, antes
de ser detetado visualmente, ao passo que já seria fundamental para efeitos de
segurança dos elementos da comunidade, em atividades no exterior do espaço
habitacional, mesmo quando a perda de contacto visual era substituída pelo con-
tacto sonoro.
Para além desta visibilidade curta, temos aquela que permite atingir uma ex-
tensão de área mais distante do que o território que se escuta. Em alguns casos
ela pode chegar aos territórios das comunidades vizinhas, como acontece no
São Cornélio, onde a visibilidade máxima vai para além do aro de proximidade
e acessibilidade de uma comunidade, imiscuindo-se em terras das restantes co-
munidades. Esta visibilidade intrusiva é de pouca resolução, mas existia e permi-
tia obter algumas informações sobre as comunidades vizinhas, instalando-se em
locais elevados como este.
Fig. 6. Fotografia da vertente sudeste do cabeço de São Cornélio, assinalando os limites de 15,
30 e 60 minutos de marcha, em linha reta
4. TERRITÓRIOS MULTISSENSORIAIS
Tendo em consideração o que foi exposto, ficou patente a necessidade de
conjugar sistematicamente estes três âmbitos de perceção na demarcação de
qualquer área de ação em torno dos núcleos de povoamento pré e proto-histó-
rico – definindo aquilo que denominámos como um sensorious catchment ― de
88 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
menor controlo por parte da comunidade. Cremos que este círculo compreende
a extensão territorial distante do povoado entre 3 e 4 km.
Estas áreas, assim definidas, podem constituir, agora, um novo paradigma
na compreensão das diferenças de apropriação e controlo dos territórios, com
base em fatores de audição, visualização e acessibilidade da paisagem destes
povoados.
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Resumo:
Neste artigo realizou-se uma abordagem à problemática da definição dos limites das áreas de
influência ou territórios das sociedades do II e I milénio a.C., das quais não possuímos qual-
quer outra informação, a não ser o atual meio ambiental onde o sítio se encontra. Desta forma,
o autor defende a necessidade de realizar exercícios práticos com vista a definir esses limites,
pela repetição dos mesmos gestos e apropriação do território envolvente, por meio de três
âmbitos de reflexão e prática: a deslocação pelo terreno, a visibilidade obtida desde o local
habitado e o espaço auditivo obtido desde esse ponto. A conjugação destas três ferramentas
físicas e sensoriais permite propor categorias de proximidade que intentam delimitar o espaço
vivido, explorado e apropriado por essas comunidades proto-históricas.
Abstract:
This paper presents an approach made to the problem of defining the limits of the areas of in-
fluence or territories of societies from the 2nd and 1st millennium BC, of which we do not have
any other information, except the current environment where the site is located. In this way, the
author defends the need to carry out practical exercises to define these limits, by repeating the
same gestures and appropriating the surrounding territory, through three areas of reflection
and practice: the displacement through the terrain, the visibility obtained from the inhabited
place and the auditory space obtained from that point. The combination of these three physical
and sensory tools allows us to propose categories of proximity that intend to delimit the space
experienced, explored and appropriated by these protohistorical communities.
*
Arqueólogo. Fundação Côa Parque. luisluis@arte-coa.pt
1
Embora o início da descoberta esteja datado de finais de 1992 (REBANDA 1995), existe nos arquivos da Fundação
Côa Parque uma fotografia de campo da rocha 1 da Canada do Inferno com a data de 20 de novembro de
1991.
96 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
2
Esteves (REBANDA 1995: 8). É por esta altura que se divulga a descoberta da
arte do Côa e se inicia o debate e a luta pela sua preservação. Na sua sequência,
na primeira publicação relativa à arte do Côa, o ciclo artístico do Ferro já surgia
referido, embora não ocupasse mais do que dois parágrafos (REBANDA 1995: 14).
Enquanto as equipas de investigação se concentravam no estudo dos pai-
néis paleolíticos nas imediações da barragem, alguns fozcoenses iniciavam por
sua conta a prospeção de áreas mais distantes. Para montante, Adriano Ferreira
descobriria em janeiro de 1995 as gravuras paleolíticas da Quinta da Barca e
Fig. 1. Arte rupestre do Vale do Côa na Idade do Ferro e respetivo contexto arqueológico.
2
Nesta publicação estes achados são dados como os primeiros, o que é contradito pelo que se expôs
anteriormente.
NO LIMIAR. DIFERENTES ESCALAS DE ANÁLISE DA ARTE DA IDADE DO FERRO NO LIMITE OCIDENTAL DA MESETA
97
Luís Luís
Penascosa. Para jusante, nos vales tributários do Douro mais próximos de Vila
Nova de Foz Côa, José Constâncio descobriria logo a seguir as gravuras da Idade
do Ferro de Vale de Cabrões (REBANDA 1995: 8).
O facto da esmagadora maioria das rochas atribuídas ao Ferro se situarem
fora da área submergida pela barragem, associado à particular importância da
descoberta da primeira arte humana em contexto de ar livre, fez com que esta
arte não tenha entrado na polémica da preservação da arte do Côa, marcando
igualmente a história da sua investigação até aos dias de hoje.
3
Estes valores correspondem à base de dados da Fundação Côa Parque à data de 5/5/2021, fruto dos trabalhos
de prospeção arqueológica, da responsabilidade de Mário Reis.
de Cima), mas sobretudo nos íngremes e encaixados vales que descem desde o
planalto do limite ocidental da Meseta ibérica (~400 m) até ao fundo dos vales
(~120 m) (Vale de José Esteves, Vale de Cabrões, Vale do Forno), pois é aí que as
superfícies de diáclase têm condições naturais para a sua exposição ao longo do
processo de encaixe fluvial.
Este facto não explica porque é que toda a arte rupestre do Côa se situa es-
magadoramente em vertentes voltadas a sudeste (mais de 50% no caso da arte
do Ferro), este e sul (22% e 11%, respetivamente). Se a orientação da estrutura
tectónica determina a orientação dos painéis, eles serão expostos tanto para SE,
como para NW. No entanto, a presença da arte sidérica nas vertentes voltadas
a NW é residual (-10%), o que se relaciona com a preservação da superfície dos
painéis pós-exposição, por ação da água e colonização vegetal em áreas um-
brias de baixa exposição solar (AUBRY, LUÍS & DIMUCCIO 2017). Ainda assim, a arte
4
proto-histórica é mais frequente nestas zonas umbrias do que que a azilense ,
que só se preserva nestas áreas em condições microtopográficas excecionais.
Este dado explica-se pelo facto da arte azilense ter um tempo de exposição aos
elementos 20 vezes superior ao da arte do I milénio a.C., encontrando-se mui-
to mais degradada. Esta diferença fundamental explica também porque é que
a arte do Ferro se encontra geralmente em áreas mais altas e vertentes mais
íngremes do que as fases mais antigas da arte paleolítica. Este dado é aparente-
mente contraditório com o facto de que o encaixe fluvial determina a exposição
das superfícies a gravar, pelo que as superfícies expostas mais recentemente se
encontrarão no fundo do vale. Sendo verdadeira, esta realidade contrasta com
a natureza da erosão das vertentes, que, fruto da ação da gravidade (toppling),
é mais acentuada no topo da vertente e em áreas mais declivosas, diminuindo a
sua preservação a longo termo.
Apesar dos contínuos avanços na prospeção (REIS 2012, 2013, 2014), esta
arte mantém-se em grande medida desconhecida. A título de exemplo, refira-
-se que o relatório que fundamentou a decisão da preservação da arte do Côa
publica apenas um painel gravado com arte sidérica (Penascosa 14) e um detalhe
de um outro (Vermelhosa 1), com a representação da sobreposição de um cava-
leiro da Idade do Ferro a uma cabra azilense (ZILHÃO 1997: 33 e 406). Este exem-
plo explica a secundarização do estudo desta arte em face da arte paleolítica.
Os únicos trabalhos arqueológicos especificamente dedicados ao seu re-
gisto e estudo não foram além da notícia preliminar (ABREU et al. 2000). Tem-
-se vindo a realizar, desde os tempos do Centro Nacional de Arte Rupestre
(1997-2007), um relevante trabalho de decalque dos painéis gravados, embora
secundarizado pelo estudo da arte paleolítica. Maioritariamente inéditos, en-
contram-se desenhados integralmente cerca de cinco dezenas de painéis com
4
Fase final da arte paleolítica do Vale do Côa, datada de entre os 12 000 e os 10 0000 antes do presente.
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Esta característica serviu aliás para contrariar a cronologia paleolítica então recentemente acabada de atribuir
ao cavalo de Mazouco (Jorge et al., 1981), que viria mais tarde a ser confirmada com a descoberta do Côa.
102 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
em perspetiva zenital (SANTOS et al. 2012: fig. 21), típica da iconografia sidérica
peninsular (BLANCO GARCÍA 1997), ainda desconhecida no Vale do Côa. Para além
dos motivos, também o estilo com que foram executados corresponde generica-
mente às representações do Côa.
A deposição das placas no fosso norte do sítio foi datada dos séculos II a I
a.C. (SANTOS et al. 2012). No entanto, a natureza secundária dos contextos onde
foi identificada e a fase preliminar do estudo em que se encontram dificulta a sua
datação precisa, para além de uma localização genérica entre o Bronze Final e
os primeiros séculos da nossa Era (NEVES & FIGUEIREDO 2015: 1602).
Se a iconografia que discutimos se encontra multiplicada por diferentes su-
portes e materiais por toda a Península Ibérica, pouco conhecemos do contexto
primário da utilização desta arte móvel. A exceção serão as lajes do Castro de
Formigueiros (Samos, Lugo). Neste povoado fortificado, datado de entre o séc. III
a.C. e o I d.C., foram identificadas seis lajes de xisto gravadas com dois cavalos,
três peixes e um conjunto de motivos geométricos, nomeadamente círculos (sim-
ples, radiados e com decoração labiríntica). Todos estes motivos, que apresen-
tam evidentes semelhanças na arte do Côa (nomeadamente no tratamento inter-
no dos peixes da Vermelhosa 3), encontravam-se gravados em lajes de xisto que
definiam um pavimento de um pátio entre duas casas e num banco adossado a
uma das construções em torno desse pátio. Estas manifestações foram datadas
de uma fase tardia da ocupação do povoado (CAMESELLE, VILASECO VÁZQUEZ &
BLASZCZYK 2009).
Ainda antes dos trabalhos do Sabor, conheciam-se já na região alguns acha-
dos de uma arte proto-histórica móvel em contextos domésticos, embora des-
contextualizados.
As gravuras do povoado de Yecla de Yeltes (Salamanca) foram identificadas,
tanto em suportes fixos de granito, como em blocos desta mesma rocha que
fazem parte das muralhas (MARTÍN VALLS 1983). Entre as representações figura-
tivas, dominam os zoomorfos, interpretados como cavalos, sobretudo pelo facto
de dois deles surgirem montados, um dos quais no que se afigura um contexto
de caça (inscultura 12). Não se identificam cervídeos machos. Entre os motivos
geométricos destacam-se os círculos labirintiformes e espiralados. A semelhança
estilística entre estas representações e alguns dos petróglifos galegos poderá
suscitar alguma dificuldade na atribuição cronológica. Contudo, o facto de a ocu-
pação conhecida do povoado datar de entre a II Idade do Ferro e a Romanização
parece ser um forte argumento para a sua restrição cronológica. Por outro lado,
chamamos a atenção para que, apesar da natureza mais grosseira do traço e de
um menor detalhe figurativo, as representações apresentam fortes semelhanças
com algumas das representações do Côa, e até com os círculos labirínticos do
castro de Formigueiros. Atribuímos as diferenças estilísticas (traço grosso e me-
nor detalhe) à diferente natureza do suporte, pois, enquanto as representações
NO LIMIAR. DIFERENTES ESCALAS DE ANÁLISE DA ARTE DA IDADE DO FERRO NO LIMITE OCIDENTAL DA MESETA
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que temos vindo a tratar se inscrevem em rochas de grão fino (xisto), o suporte
de Yecla de Yeltes é granítico, cujo grão grosso impossibilita qualquer detalhe.
Mais próximo do Côa e já em ambiente xistoso, foi identificada no Olival dos
Telhões (Vila Nova de Foz Côa), em contexto de escavação, uma placa com a re-
presentação de dois zoomorfos numa pequena placa, interpretados como cavalos
(COSME 2008). Se o estilo aproxima estas representações da arte de que vimos
tratando, já o contexto arqueológico as afasta, pois, a placa foi identificada num
muro datado do séc. III/IV d.C. Tratar-se-á assim de um contexto secundário, pre-
sunção reforçada pela existência de ocupações romanas anteriores no sítio e pela
sua proximidade do Monte do Castelo, onde se supõe uma ocupação pré-romana.
Mais fortuito foi o achado das duas placas do Paço (Vila Nova de Foz Côa).
Apesar de fragmentada, a mais decorada apresenta dois cavaleiros com lanças,
um deles com caetra, dois peões com lanças e punhal e dois zoomorfos de cau-
da curta, profundamente gravados (LUÍS 2016). O contexto do achado dificulta
uma datação, mas o sítio, localizado na vertente norte do castelo de Foz Côa, é
conhecido desde há longa data pela presença de vestígios de ocupação romana
(Leal 1886).
Finalmente, refira-se o achado de um seixo de quartzito no Alto das Malhadas
(Vila Nova de Foz Côa), no Monte Meão, já em contexto granítico, com vestígios
de ocupação pré-romana, que apresenta um conjunto de traços geométricos
gravados (REIS 2014: 26-27).
6
Refira-se o excecional caso da rocha do Vale de Junco (V.N. de Foz Côa) gravada na xistosidade e que foi
atribuída à Idade do Ferro, apesar dos seus motivos não encontrarem paralelos próximos na arte do Côa
(PINA & REIS 2014).
7
Note-se que os quatro painéis de arte rupestre em Crestelos se encontram nas paredes do fosso 1 (SILVA,
XAVIER & FIGUEIREDO 2016: 70), o que nos leva a supor que tenham sido expostos no momento da sua
escavação. Desta forma, sendo natural, o seu suporte foi disponibilizado naquele local pela ação humana,
aproximando-se assim da arte móvel.
NO LIMIAR. DIFERENTES ESCALAS DE ANÁLISE DA ARTE DA IDADE DO FERRO NO LIMITE OCIDENTAL DA MESETA
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Luís Luís
Para além dos sempre discutidos limites étnicos, o rio Côa parece marcar, a
sul do Douro durante o I Milénio a.C., o limite ocidental de um conjunto de mate-
riais arqueológicos passíveis de serem interpretados como marcadores étnicos,
como as cerâmicas “a peine” e Cogotas I (VILAÇA 2005) e os berrões (ÁLVAREZ-
-SANCHÍS 2004).
vasos à cabeça (Vermelhosa 3), uma prática etnograficamente feminina, mas que
aqui surge em figuras masculinas (LUÍS 2008: 420 contra REIS 2021).
Estes homens são guerreiros que surgem a praticar as atividades típicas des-
ta classe: combater e caçar. A caça é ao veado e faz-se a cavalo, com o auxílio
de cães, correspondendo à atividade do aristocrata quando não combate, a sua
atividade principal. Esse combate faz-se a pé, em duelos de lança e escudo, bem
exemplificado na literatura clássica, como a forma por excelência de resolução
de conflitos sem combate generalizado (Ilíada 3, 86-94; Apiano, História Romana
6, 53), ou como forma de homenagem aos grandes chefes mortos (Apiano, His-
tória Romana 6, 75; Tito Lívio, Ab Urbe Condita 28, 21). Em plena Meseta Norte, o
cerco de Intercatia, relatado por Apiano (6, 53) esclarece-nos quanto à natureza
das figuras armadas a cavalo. De facto, não existe qualquer exemplo de combate
a cavalo, apesar dos cavaleiros surgirem retratados brandindo lanças e escudos,
de braços abertos, e até aparentemente de pé sobre o dorso do cavalo, “numa
posição ousada” (NEVES & FIGUEIREDO 2015: 1601). Estas representações são me-
ras exibições de poder, à maneira dos índios das planícies norte-americanas,
onde o guerreiro exibe a sua força e destreza, ofendendo e desafiando o adver-
sário para o verdadeiro combate, a pé (LUÍS 2008: 421).
Uma percentagem importante das representações humanas do Côa, mas
também do Sabor, apresentam o que chamámos de cabeças em forma de bico
de pássaro. Estas representações ornitocefálicas remetem-nos para uma mitolo-
gia de raiz céltica. O diadema de Mones (Piloña, Espanha) e a sua interpretação
(MARCO SIMÓN 1994) afiguram-se-nos como a chave para a compreensão des-
tas representações e de grande parte da iconologia desta arte, cujo exemplo
maior no Côa é a rocha 3 da Vermelhosa. Exatamente na zona de confluência das
águas das canadas, que descem do planalto do limite ocidental da Meseta, com
o rio Côa e o Douro, assistimos à representação do trânsito aquático dos guer-
reiros heroicizados pela morte em combate, a caminho da Imortalidade. O limiar
entre os mortos e vivos é o último limiar da arte do Côa e do Sabor, no limite
ocidental da Meseta. Estamos perante a catábase, o caminho do guerreiro e seus
companheiros psicopompos para o Outro Mundo (cavalo, cão, aves necrófagas
e peixes anádromos) (LUÍS 2009a: 233-234). Desses companheiros, a arte móvel
do Castelinho apresentou-nos a primeira figura em perspetiva zenital, como se
a víssemos cá de cima. No limiar entre este mundo e o outro, a arte espelha as
duas realidades (OLMOS 1996), e por isso nos surgem também figuras espelha-
das, de forma evidente no Vale de José Esteves 18 (Fig. 3).
Estas figuras alertam-nos para que, se a fronteira é um limite (limes), ela é
também ponto de ligação, um território defronte (frontaria) (COELHO 2004). A
ligar o território dos vivos e dos mortos, o nosso e o dos outros, encontramos
cenas como a monomaquia da Vermelhosa 3. Ela remete para uma iconografia
comum na Península: La Osera (ÁLVAREZ-SANCHÍS 2004: 310), Tona (Sanmartí i
110 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
Fig. 3. Figura espelhada do Vale de José Esteves 18 (foto e desenho de André Santos).
Grego, 2007, fig. 10), Numância (SOPEÑA 2005: 375) e particularmente Las Rue-
das (Valhadolid) (SANZ MÍNGUEZ 1997: 86-88). A maçã naviforme do punhal do
túmulo 32 de um guerreiro nesta necrópole vaceia foi decorada com duas cenas
espelhadas de duelo, idênticas à monomaquia da Vermelhosa (aí associadas a
javalis, aves e animais em perspetiva zenital). Ora, como um espelho, ligando o
centro e o limite da Meseta Norte, os mortos e os vivos, no maior detalhe e com-
plexidade da representação do Côa, vamos encontrar, na cintura do guerreiro
de maiores dimensões, a representação de um punhal com maçã igualmente
naviforme, como o de Las Ruedas (Fig. 4). A 250 quilómetros de distância, a cena
contida no punhal contém o mesmo tipo de punhal.
Esta ideologia guerreira atinge assim o auge da autorreferência. No entanto,
por baixo desta superestrutura ideológica, começamos a descobrir outras rea-
lidades arqueológicas. Até aos dados arqueológicos do Baixo Sabor, tínhamos
“apenas uma sociedade de guerreiros, que não comeram, não viveram, nem
morreram, mas apenas gravaram nas paredes” (LUÍS 2008: 438). As escavações
arqueológicas mostraram-nos que, para além dos guerreiros, houve homens e
mulheres que trabalharam a terra, cultivaram, comeram e guardaram cereais,
que também gravaram em pequenas placas, abandonadas nos locais onde vive-
ram. Desenha-se assim um panorama mais complexo, mais próximo da realidade
histórica, que ao mesmo tempo se subordina a uma mesma ideologia expressa
graficamente, mas que, por outro lado, a desmonta, ao mostrar-nos uma realida-
de muito mais diversificada. A continuação dos estudos e trabalhos arqueológi-
cos ajudar-nos-á a franquear o limiar último do seu conhecimento.
NO LIMIAR. DIFERENTES ESCALAS DE ANÁLISE DA ARTE DA IDADE DO FERRO NO LIMITE OCIDENTAL DA MESETA
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Luís Luís
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Resumo:
Analisa-se a relação entre a arte rupestre do Côa e o território envolvente a diferentes escalas,
a partir de uma perspetiva de fronteira. Partimos da sua relação com os territórios de explora-
ção, integrando a arte móvel recentemente identificada no Baixo Sabor. Esta arte móvel vem
trazer para a esfera do povoado a iconografia da arte rupestre, que, devido a condicionantes
geológicas, se afasta deles.
Seguimos para uma interpretação da localização desta arte da Idade do Ferro no extremo
ocidental da Meseta Norte, que coincide com o limite de outros materiais arqueológicos, suge-
rindo limites culturais mais alargados.
Finalmente, atingimos a paisagem mental do domínio da ideologia, que parece perceber-se a
partir de uma iconografia relacionada com a heroicização dos guerreiros e o mundo da morte.
Palavras-chave: Vale do Côa; Baixo Sabor; Arte rupestre; Arte móvel; Paisagem.
116 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
Abstract:
This text analyses the relation between the Côa Valley rock art and the surrounding landscape
at different scales, from a border perspective. We begin by its relationship with exploitation
territories, integrating the recently discovered Lower Sabor’s portable art, which transports
to the settlement the rock art iconography that, due to geological constraints, is located far
from them.
We move to the analysis of the placement of this Iron Age rock art at the edge of the Iberian
Northern Plateau, coinciding with other archaeological materials, suggesting broader cultural
limits.
Finally, we achieve the mental landscape expressed by ideology, gathered from its iconogra-
phy expressing warrior heroization and the otherworld.
Key words: Côa Valley; Lower Sabor; Rock art; Portable art; Landscape.
LOS TEMAS FIGURATIVOS DEL ARTE
RUPESTRE PALEOLÍTICO EN LA PENÍNSULA
IBÉRICA: ESTUDIO ESTADÍSTICO Y
MODELOS DE DISTRIBUCIÓN
MIGUEL GARCÍA-BUSTOS*
1. INTRODUCCIÓN
La actividad gráfica desarrollada durante el Paleolítico es una de las mani-
festaciones culturales más importantes del Homo Sapiens. La falta de restos
arqueológicos, en comparación a otras etapas de la humanidad, hace del arte
paleolítico un medio idóneo a partir del cual aproximarse a la incipiente capaci-
dad cognitiva del ser humano, al desarrollo cultural y social de los pueblos caza-
dores-recolectores, las redes de intercambio y la difusión territorial de diferentes
innovaciones técnicas o formalismos.
Precisamente este último punto ha experimentado en los últimos años un
gran crecimiento, convirtiéndose en uno de los temas más populares y prolíficos
de la actualidad. Sin embargo, no fue hasta los años 90’ cuando se considera
el potencial del arte paleolítico para el estudio del territorio desde el punto de
vista arqueológico. Esta irrupción vino pareja a la introducción de estudios in-
terdisciplinares y aplicaciones de nuevas técnicas con las que abordar aspectos
marginales, aunque complejos, como la mentalidad simbólica o las relaciones
sociales (ORDOÑO 2008).
Esa década supone el pistoletazo de salida para un cada vez mayor número
de estudios que ponen el foco en la relación entre la actividad gráfica paleolítica
y el territorio. Dicha relación se ha abordado de diversas maneras: mediante el
estudio de la técnica (GARATE 2006; RIVERO 2010), a través de las convenciones
y formalismos (BOURDIER 2010, 2012, 2013; BOURRILLON et al. 2012; FRITZ et al.
2007; GARATE et al. 2020; HERNANDO 2011a, 2011b; PETROGNANI Y ROBERT 2019;
RIVERO 2009; SAUVET 2019a, SAUVET et al. 2013) o desde el punto de vista de la
difusión del arte mueble (CATTELAIN 2005; FUENTES et al. 2019; RIVERO Y ÁLVARE-
Z-FERNÁNDEZ 2009; VILLAVERDE 2005).
*
Universidad de Salamanca. Becario por el Programa VIII Centenario de Retención de Jóvenes Talentos. Este
trabajo se ha realizado bajo la financiación de la Universidad de Salamanca y la Fundación Salamanca Ciudad
de Cultura y Saberes. miguelgarbus@usal.es.
118 Iberografias Revista de Estudos Ibericos
El estudio del territorio también se ha abordado desde uno de los más im-
portantes criterios de análisis de este fenómeno artístico: la temática represen-
tada. Si algo caracteriza al arte paleolítico es la restricción iconográfica, que se
traduce en una “escasa variabilidad y una gran uniformidad a nivel europeo”
(Rivero 2020: 229). Entre los motivos figurativos se pueden distinguir animales,
la mayoría mamíferos, y antropomorfos. Como tendencia general, el artista esco-
gía los mismos temas para llevar a cabo su actividad, aunque no los representa
en igual porcentaje (PAILLET 2017; RIVERO 2020; SAUVET 2019b). Este hecho, que
se extiende regularmente durante todo el Paleolítico superior, hace pensar que
se trata de una norma establecida por los grupos cazadores-recolectores, tal y
como defienden corrientes interpretativas como el estructuralismo (e.g. LAMING-
-EMPERAIRE 1962; LEROI-GOURHAN 1958, 1965).
En palabras de M. Lorblanchet: “les choix des animaux figurés est influencé
par les données chronologiques, les impératifs culturels particuliers à chaque
groupe, la spécialisation des sites et le mode d’expression artistique, mobilière
ou pariétale” (LORBLANCHET 1995: 49). Si se sigue la interpretación de este últi-
mo autor, entonces es posible hablar de “varias zonas de repartición” temática
(PAILLET 2017: 72) y la posibilidad de que representen una “marca identitaria”
(SAUVET 2019a: 194) de un tipo de territorio o demarcación geográfica cultural.
A. Leroi-Gourhan (1965, 1984), A. Roussot (1984) o G. Sauvet (SAUVET 1988;
SAUVET Y SAUVET 1979; SAUVET Y WLODARCZYK 1995, 2000-2001) son los ejemplos
más notables de autores que llevaron a cabo un estudio de las distribuciones
geográficas de los temas paleolíticos representados. El trabajo de este último
autor es posiblemente de los más importantes ya que ha podido demostrar me-
diante un gran corpus y un análisis estadístico que se trata de un sistema jerar-
quizado cuyos valores temáticos fluctúan en función de la cronología y la zona
geográfica (SAUVET 1988, 2018; SAUVET Y SAUVET 1979; SAUVET Y WLODARCZYK
2000-2001).
Para el caso particular de la península ibérica apenas existen publicaciones
que recojan sistemáticamente sus representaciones figurativas. En los trabajos
de A. Leroi-Gourhan y G. Sauvet, dicha península forma parte de una base de
datos geográficamente extensa donde se incluyen otros territorios como, por
ejemplo, los Pirineos franceses o la Dordoña. Sin embargo, este marco geográ-
fico no aparece como tal sino bajo una diferenciación entre el Cantábrico y el
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