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NOVO NEGÓCIO
A Editora Nobel tem como objetivo publicar obras com qualidade editorial e gráfica,
consistência de informações, confiabilidade de tradução, clareza de texto, impressão,
acabamento e papel adequados.
Para que você, nosso leitor, possa expressar suas sugestões, dúvidas, críticas e eventuais
reclamações, a Nobel mantém aberto um canal de comunicação.
O DESAFIO DE UM
NOVO NEGÓCIO
Ficção empresarial cujos
personagens se envolvem
com a realidade de uma
nova empresa, desde a sua
criação até o sucesso
Tradução
David Aparício Köhler
Esta edição tornou-se possível mediante acordo com a
Warner Books, Inc., New York, U.S.A., com todos os direitos reservados.
98-3817 CDD-813.5
É PROIBIDA A REPRODUÇÃO
Nenhuma parte desta obra poderá ser reproduzida, copiada, transcrita ou mesmo transmitida por meios
eletrônicos ou gravações sem a permissão, por escrito, do editor. Os infratores serão punidos pela Lei
nº 5.988, de 14 de dezembro de 1973, artigos 122-130.
1
Todos os apelidos estão, de alguma forma, relacionados à pré-história, aos Homens das cavernas.
Redmeat significa Carne vermelha; Spider é Aranha; Stoney é Pedregoso; Neonderthal é um tro-
cadilho com as palavras neon, tubo luminoso utilizado em painéis promocionais, e Neanderthal,
raça primitiva presumivelmente antecessora do homem moderno, termo também usado nos EUA
para designar uma pessoa primitiva, estúpida; Cave babe é, no caso, Garota das cavernas; Leprechaun
significa Duende, figura do folclore irlandês geralmente representada por um anão velho que
revela a localização de um pote de ouro a quem conseguir agarrá-lo; Leper, por sua vez, é Leproso,
ou pessoa relegada ao ostracismo pelo comportamento, opiniões ou caráter socialmente inaceitá-
vel; Bonehead é a pessoa tola, ridícula, estúpida; Snake significa Cobra; Wildman é Homem
selvagem, bárbaro; Cave Queen é a Rainha da caverna (N. do T.).
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Urbanavich e Lisa Ooga-Booga MacAllister. Gwen Shavinsky, a recepcionista e
secretária do grupo, graciosa e afetadamente aceitou Cavebabe. Artie O’Connor,
o vendedor, insistiu para que todos o chamassem de Leprechaun, embora os
leprechauns aparentemente nada tivessem a ver com cavernas e, finalmente, ape-
sar de todo seu esforço, o apelido foi abreviado para Leper. Da mesma forma,
John Leek, o engenheiro do grupo, aquele que mantinha todos os equipamen-
tos eletrônicos em ordem, quis ser chamado “Chefe”, como em “engenheiro-
chefe”. Mas John era inegavelmente um sabichão e todos o chamaram de “Boner”,
o mesmo apelido que tinha antes que a história de caverna começasse, que na
verdade era uma abreviação de Bonehead. Em certa época, houve Gente da
Caverna com os nomes de Snake, Wildman, Ug e Cave Queen — mas, com o
tempo e as oportunidades, eles se foram.
Michael DiGabriel nunca recebeu realmente um apelido da Caverna,
mas mesmo antes dos apelidos pegarem, seu pessoal ocasionalmente o chama-
va de “Pai”. Isso não se devia apenas ao fato de ele dirigir o grupo, mas tam-
bém porque sempre se sentava à cabeceira da mesa nas reuniões, era sempre
ele quem recebia a conta do almoço e, nas filmagens distantes, sempre dirigia
a perua. Então, seu apelido era “Pai da Caverna”, mas não pegou muito bem.
Depois de um ou dois dias voltou a ser apenas “Pai” ou, na maior parte do
tempo, “Mike”. Algumas vezes ele se sentiu um pouco chateado com isso,
mas, afinal de contas, era ele o chefe. Tinha que aceitar que o clube era dos
outros, e não dele.
Tanny Zoelle também nunca teve um nome da Caverna. Tanny chegou
muito depois do auge dos apelidos e estava trabalhando com eles há cerca de
um ano. Ela se mudou de Nova York para lá, junto com a mãe, para criar seu
filho. Mas “Tanny” era um nome exótico o suficiente para desestimular a inven-
ção de um apelido da Caverna. “Tanny”, de fato, era uma adaptação de Tansy2,
um nome que sua mãe grega adorava e que ela própria mal tolerava, e não tinha
nada a ver com a cor de sua pele. De fato, era virtualmente uma piada. Com
exposição normal ao sol, sua pele tinha realmente uma tonalidade marrom como
uma noz, mas ela passava tanto tempo trabalhando na Caverna e em outros
locais fechados que, na maior parte do tempo, sua pele era de um branco-
pálido, ou até meio azulada.
Por seis meses a Caverna virou uma completa mania para os que trabalha-
vam ali. Era como um culto. Havia camisetas. Havia festas. Havia uma pintura
mágica de Caverna nas paredes dos corredores mais ao fundo, produto da mo-
notonia de sessões de edição que duravam a noite inteira. E claro que havia um
vídeo, produzido nas folgas entre os trabalhos dos clientes.
2
Planta com flores amarelas (N. do T.).
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Diversas vezes “Papai” DiGabriel teve que estabelecer limites. Como quando
queriam pendurar estalactites de papel-machê no teto da sala de controle, e
também quando, apesar do padrão de vestir na Caverna ser informal, ele teve
que banir o uso de camisetas do “Povo das Cavernas” durante o horário comer-
cial em que clientes e outras pessoas pudessem aparecer. Na maior parte do
tempo, entretanto, Michael deixou que eles continuassem. Ele sabia, intuitiva-
mente, que precisavam disso. Eram, na maioria, jovens. Trabalhavam por lon-
gas horas naquele porão. Eles investiam livremente sua criatividade e energia
em projetos gritantemente comerciais e inimaginavelmente chatos. Eles preci-
savam de um nome legal para si mesmos.
De qualquer forma, a mania afinal se esgotou. As festas depois do expe-
diente tornaram-se comuns, a maioria das camisetas ficou nas gavetas, e muitos
dos apelidos da Caverna evoluíram. Spider e Stoney permaneceram, mas
Cavebabe virou apenas Babe e Redmeat, nas conversas, era freqüentemente
abreviado para Red. Leper tornou-se Lep, para o alívio de Artie O’Connor.
Boner também permaneceu. Depois do ressentimento inicial, John passou a
gostar de ser chamado assim3, porque, embora ligeiramente obsceno, empresta-
va conotações sexuais que de outra forma faltavam à sua reputação. Mesmo
assim, apesar desses ajustes, e da menor intensidade, a Caverna pegou. Mesmo
agora, anos depois, a identidade do lugar e do grupo permanece.
***
— Você ligou para o Barney? — perguntou Michael a Tanny Zoelle.
Ela terminou um enorme bocejo antes de responder: — Sim. Ele não
estava muito contente com você.
— O que ele disse?
Ela improvisou uma imitação de Barney Tillman, um dos clientes da em-
presa: — Temos a agenda cheia hoje! Tenho gente esperando por você agora! —
Tillman ficava nervoso com quase tudo, mesmo nas melhores circunstâncias.
— Eu disse a ele que estaríamos lá assim que possível.
— Bem, então vamos.
Saíram da Caverna em torno das oito e meia, com Michael dirigindo a
perua, como sempre. Spider e Redmeat estavam atrás, onde sentaram com os
olhos vidrados, tentando acordar. Tanny, na frente, mantinha-se acordada len-
do o script, a Ikki presa entre suas pernas. O resto do equipamento estava atrás.
Era hábito não se falarem muito durante as manhãs, e com a tensão
decorrente de começarem tarde, dessa vez estavam mais quietos que o nor-
mal. Michael mantinha seus olhos no carro à frente, e as duas mãos no volan-
3
Boner também significa ereção (N. do T.).
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te. Cruzando o rio, ele os conduziu para fora da auto-estrada nove, correndo
pelo trânsito entre os faróis.
O movimento da perua dificultava a leitura de Tanny, e de qualquer forma
ela estava entediada. Eles estavam a caminho de mais uma gravação institucional.
Os programas institucionais constituíam o arroz com feijão do negócio de pro-
dução de vídeo, e a maioria deles era tão excitante quanto o termo sugeria.
Então ela colocou de lado o script e olhou para Michael. Ele estava correndo
mais que habitualmente, e geralmente ele corria mais que os outros carros. Ela
imaginou que uma conversa poderia relaxá-lo, fazê-lo correr menos, e então
perguntou: — Como estava a ensolarada Califórnia?
— Bem — disse Michael, ao mesmo tempo em que desviava a van de um
carro fazendo a conversão para a direita, passando a centímetros dele e sem ao
menos tirar o pé do acelerador.
Ela suspeitava que a conversa poderia revelar-se um erro tático, mas deci-
diu continuar: — Você não morou lá?
— É, em outra vida.
— E gostava? — Era uma pergunta boba, mas ela estava apenas tentando
fazê-lo falar.
— Sim, muito, eu simplesmente adorava a Califórnia —, respondeu ele
automaticamente. — Nem dá para falar tudo de bom que existe lá. — Ele
estava ultrapassando uma caminhonete enquanto falava, para poder mudar para
a pista da direita antes de alcançar o carro adiante deles, que estava parado
esperando para virar à esquerda. — Especialmente Los Angeles.
Michael conseguiu ultrapassar a caminhonete e Tanny começou a respirar
novamente.
— Foi lá que aprendi a dirigir. — Ele disse.
— Onde?
— Los Angeles. — Ele piscou para ela e sorriu.
Ela gostou do sorriso dele. Ele era um cara bonito, pensou, como um
homem mais velho. Ela suspeitava que Michael estivesse ao redor dos quarenta
anos, mas há alguns anos ele devia ser um gato. Agora ele tinha uma leve
protuberância acima da linha da cintura, sua face apresentava rugas e seu espes-
so cabelo preto tinha fios cinzentos. Ainda assim, tinha boa aparência. Seu
rosto apresentava uma qualidade escultural. Tinha mãos bem-formadas, dignas
de um modelo. Sua pele era de um tom mediterrâneo quente (com mais cor que
a dela). Além disso, ele ficava muito bem de terno — embora o daquele dia,
sendo o mesmo do dia anterior, estivesse menos alinhado.
Não que ela desejasse algum envolvimento romântico com ele. Bem, para
ser perfeitamente honesta, o pensamento passou por sua mente um par de ve-
zes, secretamente. Mas estava fora de questão. Ele era bem uns dez anos mais
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velho, e era o chefe. Além de tudo, era casado. Ainda assim, havia uma química
entre eles praticamente desde o dia em que ele a contratou.
— E então como foi tudo? — Ela perguntou.
— Realmente bem. Quer saber? Comparado com o que podemos fazer na
Caverna, esse lugar foi uma... Jornada nas Estrelas. — Ele havia passado a véspe-
ra em um dos grandes palácios mundiais da tecnologia de vídeo, criando a
abertura e os efeitos para o programa que estariam gravando naquele dia. —
Embora não tivesse nada para você fazer.
— Por quê?
— Sem câmeras. Fizemos tudo com computadores e imagens eletrônicas.
Ela fingiu estar aborrecida. — Ah, grande coisa.
— Realmente, foi maravilhoso.
Ela fez uma voz infantil: — Você quer dizer totalmente quente ou o quê?
Ele olhou para ela com falso desdém. — Quente? “Quente” é anos 80!
Ninguém mais fala assim.
— Então como se fala?
— Não sei. Agora dizem...
— Legal —, respondeu Redmeat, saindo de sua letargia no banco de trás.
— Eu pensei que “legal” era anos 60 —, disse Tanny.
— Não ‘bacana’ era anos 60 —, disse Spider. — Legal era, acho, anos 50.
— Ei pessoal —, disse Michael. — Logo, logo “legal” terá passado e será
“bacana” novamente. — Tudo é, vocês sabem, parte do grande ciclo cósmico.
A densa vizinhança da cidade tinha sido agora substituída pelo subúrbio, e
eles começaram a passar por diversas ruas com casas amplas e bem-cuidadas e
shopping centers. Então o lado direito da rua abriu-se em um parque com
prédios modernos de concreto e vidro, ao fundo de um imenso gramado. No
centro do gramado havia um grande retângulo de mármore sobre um pedestal
contornado por arbustos decorativos. Gravado no mármore, em letras formais
de estilo romano, lia-se: ELECTRICAL & ELECTRONIC EQUIPMENT
CORPORATION, também conhecida como Três-E.
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Archie Bunker significa um operário com pouca instrução formal, opiniões ultraconservadoras,
racistas e machistas (N. do T.).
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— Toda a noite?
— Não. Acabei em Chicago.
Ela largou sua bolsa. — O que você estava fazendo lá?
— Não sei! Havia uma enorme tempestade sobre Dallas e deu tudo erra-
do. Perdi minha conexão e me largaram em Chicago. Tive sorte de encontrar
um quarto num motel.
— Você poderia ter telefonado.
— É, poderia, mas você não teria atendido. — Era verdade. Ela sempre
desligava o telefone à noite, antes de ir para a cama.
Ela tirou o casaco e chutou os sapatos. Ela certamente era, se não bonita,
pelo menos uma mulher muito atraente. Loira natural; olhos azuis-claros um
pouco pequenos (usava lentes de contato) e pele clara; malares altos, com um
rosto um pouco comprido; um bonito nariz arrebitado; lábios grossos e um
corpo malhado em três sessões semanais de aeróbica, além do tênis. Regan pen-
sava em seu corpo como longe da perfeição: os lábios grossos demais; as coxas
também muito grossas, mas Michael não concordava.
— Você poderia ter deixado uma mensagem na secretária.
— Regan, minha linguagem naquela hora teria derretido a fita.
— Ou ao menos um correio de voz no escritório.
— Eu telefonei para o escritório, você não recebeu o racado? E por falar
em...
— Não mude de assunto. — Ela colocou as mãos nas cadeiras. — recado
apenas informava que você telefonou, não onde esteve durante toda a noite.
— Então você não estava preocupada comigo. Estava preocupada apenas se
eu tinha me divertido ou não.
Um pequeno sorriso de divertimento esboçou-se nos lábios de Regan, e
assim que Michael o viu soube que qualquer perigo real tinha passado. Ela
cruzou os braços no peito de um modo que levantou os seios, gesto que lembra-
va a Michael sua professora primária quando queria mostrar desaprovação.
— E então? — Regan perguntou.
— Então o quê?
— Divertiu-se na Cidade dos Ventos?
— Oh, sim. Peguei um par de colegiais e levei-as para o quarto.
— Espero que tenha usado camisinha.
— Acho que, realmente, gastamos uma ou duas dúzias.
Ela pulou para cima da poltrona e levantou a mão como que para dar uma
palmada nele, mas ele segurou seu pulso e puxou-a para cima de si. — Você...
— Ela tentou com a outra mão, mas ele a agarrou também. — É melhor que
esteja mentindo.
— Estou. Não usamos nenhuma camisinha.
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Isso provocou-a novamente. Ela livrou uma mão e a levantou para bater,
mas ele aparou com o braço.
— Estou rompendo com você! — Ela disse.
— Você quer dizer que ainda não tinha rompido?
Ela tentou levantar-se, mas ele a segurou em seu colo.
— Me larga.
— Você vai ser boazinha?
— Boazinha? Você é quem anda aprontando com colegiais.
— Eu estava apenas brincando, querida. — Seu tom era sério e tranqüilo.
Ele escorregou a mão por baixo da saia dela, acariciando a coxa. — Você sabe
que havia apenas uma mulher em minha mente ontem à noite.
— É, então por que não ligou?
— Por que não liguei? Porque sabia que você estava ocupada.
— Ah, ocupada com que?
— Ocupada com outros homens.
Um novo olhar iluminou seus olhos. — Oh, sim. Todos aqueles homens. É.
— Quantos foram ontem? — Ele perguntou.
— Quantos?
— Aposto que você os pegou no clube de tênis, não foi?
Ela estava entendendo, mas não disse nada. Ele a puxou para mais perto e
começou a beijar seu pescoço. E disse: — Aposto que você vestiu a sua malha de
lycra, foi ao clube e deixou todos os treinadores pegando fogo.
— Como você sabe?
— Tenho meus meios.
Ela se inclinou e beijou-o na boca. Ele estava desabotoando a roupa dela.
— Então, quantos foram? Dois? Três?
— Quatro. — Ela disse.
— Quatro!
— Pelo menos. — Ela mordia carinhosamente sua orelha.
— Aposto que você fazia com três enquanto o outro olhava.
Ela sussurrou na orelha dele. — Sim.
Ele observou os dedos dela, com suas unhas vermelhas pintadas com per-
feição, desabotoando a sua camisa. — Então vocês... fizeram no clube ou vie-
ram para cá?
Ela sussurrou em seu ouvido: — Fomos ao Ás de Paus.
Ele teve que segurar o riso. Eles faziam piadas com o Ás de Paus, um motel
de alta rotatividade na estrada interestadual. — Você provavelmente fez os trei-
nadores pagarem.
— Claro.
Ela levantou a saia e montou nas pernas dele, tirando a blusa.
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— Você foi para o quarto do trapézio ou da cama d’água em forma de
coração? — perguntou ele.
— Não, para a suíte do chicote e correntes. — Ela puxou as alças do sutiã
e desabotoou-o.
— Quem ficou com o chicote, você ou eles?
— Adivinhe!
— Mostrando seu estilo de gerência, heim? O que diriam de você em
Wharton?
— Fique quieto e faça.
Eles terminaram no chão, com as roupas jogadas ao redor. Quando aca-
bou, ele apoiou a cabeça na coxa direita dela e acariciou seus cachos loiros. Ela
ficou lá deitada olhando para o teto e depois de um minuto disse: — Você
realmente sabe apimentar.
— De vez em quando.
Ela se ergueu e se apoiou nos cotovelos. — E por falar em pimenta, o que
você está fazendo para o jantar?
— O que estou fazendo? Não sei. O que você tirou do freezer ontem à
noite?
— Eu não tirei nada. Eu esperava que você tirasse alguma coisa.
— Eu não estava em casa ontem à noite, querida.
— Bem, você chegou cedo em casa.
Ele sentou-se de costas para ela. Estava claro que a lua-de-mel acabara.
— Vamos sair — ele disse.
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O dia transformou-se em um fim de tarde agradável e raios alaranjados de
sol atravessavam as árvores e atingiam o carro.
Eles ficaram em silêncio por um momento, e então Regan disse: — Você
devia ver o Cubo hoje, a partir do momento em que Bromman estabeleceu o
tom. Foi como uma grande competição de machos entre os principais executi-
vos. Eles iam correndo ao escritório de Bromman se vangloriar de quantos car-
gos poderiam cortar. ‘Eu posso cortar três mil’; ‘eu posso cortar cinco mil em
minha divisão’; ‘eu posso cortar seis mil e já no próximo trimestre!’.
Michael balançou a cabeça. — Quando vão anunciar isso?
— Não sei. Em breve. Ouvi hoje que gostariam de agendar a divulgação
de forma a causar o máximo impacto positivo no valor das ações.
— Impacto positivo?
— Claro.
— Vocês estão demitindo vinte e cinco mil pessoas e isso é uma boa notícia?
— Com certeza. A empresa vai economizar quase um bilhão de dólares
por ano com a medida.
— Economizar dinheiro, o imperativo econômico nacional! Qualquer coisa
pode ser justificada desde que se economize dinheiro! Se a Três-E quer econo-
mizar dinheiro, por que não vendem uma parte do terreno que usam como
gramado lá no escritório central?
— Seriam apenas uns poucos milhões. E, de qualquer forma, vender terre-
no não é economizar dinheiro.
— Por que não?
— Terra é um ativo, pessoas são despesas.
— Como é?
— Você não conhece contabilidade?
— Alguma coisa.
— Michael, se você vende terras, convertendo em dinheiro, e depois gasta
o dinheiro para cobrir despesas com salários, os ativos da empresa são reduzi-
dos. Você está perdendo dinheiro.
— E se despedir pessoas você estará ganhando dinheiro? Isso faz sentido?
— Se as vendas estiverem constantes ou em declínio, então o único meio
de crescer é pela redução de despesas.
— E acontece que as pessoas constituem a despesa mais fácil de cortar.
— Bem, o que você faria?
— O que eu faria? Tentaria abrir novos mercados. Se o bolo está ficando
menor, então asse um novo. Se as pessoas não puderem ser produtivas nos car-
gos atuais, então treine-as e coloque-as para trabalhar em alguma outra coisa,
algo para tornar o bolo maior.
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— É mais fácil dizer do que fazer. Você estaria somando as despesas com
treinamento às da folha de pagamentos, sem mencionar o investimento neces-
sário para desenvolver um novo mercado, e todas essas despesas prejudicam a
última linha do balanço.
— A curto prazo prejudica o balanço, e Wall Street não tolera isso!
— Não são apenas os financistas. Muitos pequenos investidores são preju-
dicados quando os rendimentos declinam.
— Uh-hum, certo. Os pequenos investidores, todas aquelas pobres viúvas
e os pensionistas aposentados lá fora esperando por seus cheques de dividendos
chegarem pelo correio para que possam comprar comida de cachorro. É por
isso que Bromman quer demitir vinte e cinco mil pessoas. Eu sabia que tinha
que ter uma razão.
— Por que você está tão incomodado? — Ela perguntou.
— Por que você não está incomodada?
— Antes de se tornar tão moralista, olhe no espelho. Tenho mais de mil
ações da Três-E. Se elas subirem, nós estaremos melhor. E sobre os nossos outros
investimentos? — Ela estava sendo boazinha, dizendo “nossos”. A maioria do
dinheiro era dela, para começar. — Nós temos dinheiro no mercado de ações.
Você gostaria de conservar uma ação se ela não estivesse rendendo?
— Eu não tenho problemas com qualquer pessoa que ganhe dinheiro.
Quero dizer, todos gostam de ganhar dinheiro. Wall Street gosta de ganhar
dinheiro. Os empregados gostam de ganhar dinheiro. Hal Bromman gosta de
ganhar dinheiro. Por que tem que ser uma proposição tipo ganha-perde? Por
que não pode ser uma situação ganha-ganha?
— Porque se os empregados ganharem mais os investidores ganham me-
nos, e vice-versa. É simples assim.
— Mas por que tem que ser assim? Por que não pode ser que nos bons
tempos todos ganhem um pouco mais e nos tempos ruins todos — inclusive
Bromman — apertem os cintos?
— Eu não estou ganhando menos. E você sabe que os sindicatos nunca
concordariam com isso. Então, por que Bromman deveria?
— Acho que é esse o problema, não é? Todo mundo está apenas olhando
para si mesmo.
— Epa, o dinheiro que eu ganho para a empresa é que paga o meu salário.
— Sim, eu sei que é assim. Mas, por um momento, vamos dizer que o
pagamento não fosse uma quantia fixa. Vamos dizer que fosse variável. Se
você olhasse para o seu contracheque e visse que está menor, não iria começar
a fazer perguntas? Você não iria tentar se esforçar mais? Você não procuraria se
envolver mais? E se depois disso o pagamento aumentasse, isso não o faria
querer trabalhar ainda melhor? Pense a respeito disso. E se não existisse re-
34
muneração ou salário? E se todos ganhassem uma porcentagem do faturamento
líquido? Então todos iriam querer que a empresa fosse lucrativa, certo?
O Red Hart Inn apareceu na estrada, ao longo de uma curva. Enquanto
ele fazia a conversão para entrar no estacionamento de cascalho, sua mulher
estava dizendo: — Michael, você está sonhando. Veja, você gostaria que o seu
pagamento fosse variável?
— Se eu soubesse que sempre teria um emprego desde que a empresa
existisse; e se eu acreditasse que os números relatados fossem honestos; e se a
gerência me permitisse fazer o melhor trabalho que pudesse...
— É uma porção de “Ses”, Michael. Além disso, eu não sei o que iria
mudar. Se fizéssemos isso na Três-E — não que algum dia isso possa acontecer
— significaria apenas que todos ganhariam menos.
— Então todos estariam comprometidos com o faturamento, não estari-
am? — Ele desligou o motor, mas os dois ficaram sentados no carro por uns
momentos. — Tudo o que estou perguntando é: Por que o trabalho, a gerência
e os acionistas não podem ter os mesmos incentivos?
— Michael, o barco está afundando porque há gente demais nele. Alguns
têm que descer.
— E a Três-E vai jogar alguns deles no mar.
— Para que os outros possam sobreviver.
— Por que não construir mais barcos?
A questão apenas irritou-a. — Michael, todos esses pobres coitados a quem
você está dando tanta importância não se importam nem um pouco com a
empresa. Eles não se importam com os clientes. Eles com certeza não se impor-
tam com os investidores.
— Bem, por que deveriam? — Disse ele. — É justamente disso que estou
falando!
— Olhe, eu não gosto da idéia de demitir pessoas, mas a idéia de não
demiti-los é pior. — Ela abriu a porta. — Se você jogá-los no mar, eles vão
aprender a nadar. Pessoalmente, não vou perder meu sono por isso.
Não, Michael pensou, aposto que não.
O Red Hart estava lotado, com ombro tocando ombro nas proximidades
da porta. O canto do bar estava completamente abarrotado. O maître infor-
mou-os que a espera para a sala de jantar era de quinze a vinte minutos, mas que
havia lugares reservados disponíveis no bar. Ótimo.
Ele os conduziu e Michael viu que o bar na realidade não estava tão lotado
quanto parecia. Havia de um lado um par de bancos vazios. Ninguém estava
sentado neles. Assim que se sentaram, Michael viu — e ouviu — a razão disso.
Bob Garvey, cigarro em uma mão e um drinque na outra, estava na outra
ponta com uma dupla de ex-gerentes da QRM. Eles estavam em mangas de
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camisa, gravatas afrouxadas ou sem gravatas. Pelo jeito, eles já estavam lá havia
algum tempo.
— ... E aquele bastardo, você sabe muito bem que ele vai receber seus dez
milhões este ano. Se você somar, é o que ele recebe, entre salário, benefícios,
bônus e vantagens. Em um ano ruim, um ano de prejuízo, é o quanto ele ga-
nha. O baixinho filho da puta.
Garvey estava falando em voz alta e não havia dúvidas quanto a quem se
referia. Um pouco mais sóbrio, um dos ex-gerentes disse alguma coisa que
Michael não pôde ouvir.
— Ofereci cortar meu próprio pagamento, se ele fizesse o mesmo. Contei
isso? Eu ofereci...
Um dos gerentes disse alguma coisa e o outro riu. Uma risada de raiva.
— Eu disse. — Garvey continuou. — Aceitaria um corte no meu paga-
mento mesmo que ele não aceitasse o mesmo para ele. Você sabe o que ele disse?
Ele disse: Eu já estou lhe dando isso.
Regan sabia o que estava acontecendo, mas fingia estar absorvida na leitu-
ra do menu. Michael sentiu uma cutucada sob a mesa. Não era uma cutucada
de flerte.
— Estou imaginando se não devemos sair —, Regan murmurou.
— Por quê? Ele está apenas aliviando a tensão —, disse Michael. — Eu
provavelmente estaria fazendo a mesma coisa nessas circunstâncias.
O garçom veio e anotou o pedido de bebidas. Quando Michael olhou em
direção ao bar novamente, parecia que Garvey e os outros dois lastimosos esta-
vam se aprontando para sair. Regan pareceu aliviada. Mas alguns minutos de-
pois, Garvey voltou. Ele tinha ido apenas até a porta para se despedir. Ele to-
mou seu assento, olhou em volta e os viu.
Ele veio, com o copo em uma mão e se movendo devagar para não entre-
laçar as pernas, como os bêbados fazem quando estão tentando manter a pose.
— Bem, Bem...
Regan ficou tensa. Michael também não estava relaxado.
— Você sabe, eu ia à casa dele, mas tem aquela.. aquela, sabe, cerca enor-
me ao redor e eu nunca conseguiria falar com ele. O filho da puta vive como o
ditador de uma república de bananas, você sabia? Então talvez você possa trans-
mitir minha mensagem.
— Acho que não nos conhecemos —, disse Regan.
— Ao diabo que não nos conhecemos. Você sabe muito bem quem eu
sou. Você estava naquelas reuniões no inverno passado... na primavera, sei lá.
Ele colocou seu rosto próximo ao dela. — Você é uma das contadoras de miga-
lhas do Bromman lá no Cubo, portanto, não me diga que não sabe quem eu
sou, certo?
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Regan estava se desviando de seu hálito. Michael pôs a mão no ombro de
Garvey para afastá-lo, mas Garvey, apesar de todos os drinques que aparente-
mente tomou, não se moveu.
— Sr. Garvey, acho...
— E quem é esse? Seu namorado?
— Ela é minha esposa —, respondeu Michael. — Agora afaste-se, por
favor.
Garvey se endireitou. — Oh, sim, você é aquele cara do filme, do vídeo.
Vocês dois são casados? Não é de admirar que você consiga tantos negócios
conosco. É como funciona, não?
De todas as coisas que Garvey poderia ter dito, ele escolheu aquela com a
maior probabilidade de tirar Michael do sério. — Não, não é assim que funci-
ona, seu bundão. Não comigo. Eu não administro meus negócios assim.
Regan estava se esticando, procurando a garçonete. — Senhorita! — E
Michael tentava levantar-se, mas o espaço era estreito e ele não conseguia se
levantar completamente e Garvey não se mexia. Aparentemente não se sentin-
do insultado, Garvey calmamente pôs uma mão no ombro de Michael.
— Certo, minhas desculpas. Eu bebi um pouco, como você provavelmen-
te pode ver, e não estou no melhor dos humores, certo? Eu só quero que sua
esposa aqui transmita uma mensagem para Hal Baby. Você poderia fazer isso
para mim? Afinal de contas, é você quem administra os números que me mata-
ram, que deixaram duas mil e trezentas pessoas sem emprego, ao menos você
pode entregar uma merda de um recado, não pode? Eu quero que você diga
àquele monte de...
A garçonete apareceu. — Posso ajudá-la?
— Este homem precisa de um táxi —, disse Regan.
— O senhor terá que sair —, disse a garçonete.
— Diga àquele lixo que ele tirou a única coisa de minha vida que ainda
importava. Perdi minha esposa. Perdi meus filhos. Minha esposa está morta e fui
péssimo com ela. Meus filhos cresceram e agora eles estão sendo detestáveis com
os deles, como eu fui com eles. Sei que você não dá a mínima, mas é verdade.
Você diz ao filho da puta que eu não trabalhei sessenta horas por semana, ferrando
a minha família por vinte e sete anos, apenas para ser jogado fora como se fosse...
como...
O maître chegou para ajudar a garçonete. — Cavalheiro, nós chamamos a
polícia e agora o senhor tem que...
Garvey virou-se de repente e, intencional ou acidentalmente — seria difí-
cil saber— seu antebraço atingiu a garçonete e ela esparramou-se no piso sujo
feito de pranchas em estilo antigo do Red Hart.
— Hei! — Michael gritou.
37
Mas em um instante Garvey perdeu toda a beligerância. Sua boca perma-
neceu aberta e ele se inclinou para a garçonete que, lívida devido ao choque,
levantava-se. Ele estendeu a mão para ajudá-la, dizendo: — Oh, sinto muito!
Sinto muito mesmo! Não pretendia fazer isso, realmente não. Nunca bati numa
mulher, jamais. Seus lábios começaram a tremer. — Você está bem? Me descul-
pe, eu...
Michael agora estava em pé e perto de Garvey, ouvindo-o dizer repetida-
mente a mesma coisa. Oh, Deus, ele pensou. Então, gentilmente tomou-o pelo
braço, e Garvey deixou-se conduzir. — Vamos, Bob. Por aqui.
Michael conduziu o homem amedrontado pela saída dos fundos, descen-
do pelo hall e passando pelo toalete masculino e pela cozinha. Mas antes de
chegarem ao toalete, Garvey inclinou-se para a parede e pôs tudo para fora,
esparramando aquilo tudo pelo chão.
Quando estava melhor, Michael ajudou-o e levou-o para fora. Garvey sen-
tou-se na escada dos fundos, a cabeça entre os joelhos e esperaram cinco ou dez
minutos. Michael estava inseguro quanto a deixá-lo até que um táxi ou a viatu-
ra da polícia chegasse. Mas nenhum deles apareceu.
Garvey por fim levantou-se. Deu alguns passos, virou-se, tirou a carteira,
pegou todo o dinheiro e deu-o a Michael. — Você poderia, por favor, acertar a
minha conta? Desculpe-me... Pague-os por tudo e fique com o troco. Ele tinha
dado a Michael mais de cem dólares. Então, ele começou a andar em direção a
um Lincoln.
— Espere um minuto —, disse Michael — eu vou levá-lo.
— Não, estou bem. Minha cabeça está clara agora. Eu vou conseguir.
Garvey entrou no carro, deu marcha à ré, e foi embora. Michael ficou
olhando, guardou o dinheiro no bolso e voltou para dentro. O vômito já tinha
sido limpo. A garçonete estava de volta a seus afazeres como se nada tivesse
acontecido. Todo mundo estava comendo novamente. Até Regan. Ela tinha
uma salada em sua frente.
— Onde você esteve? — Perguntou ela, zangada.
— Eu estava só... ajudando-o a sair. Vejo que você se adiantou e fez o
pedido.
— Bem, o que você esperava que eu fizesse?
A garçonete veio. Ela explicou que o gerente estava pedindo desculpas e
queria oferecer o jantar como cortesia para eles. Michael apenas pediu uma
cerveja e a conta de Bob Garvey no bar. Ele acertou a conta e mandou a garço-
nete dividir o resto do dinheiro com o maître. Ela lhe ficou muito agradecida.
Era tão jovem e bonita, provavelmente uma colegial, trabalhando para ir à esco-
la e ter um futuro melhor.
38
Inverno
No começo do inverno o negócio de vídeo institucional em Bridgeford esta-
va, senão morto, comatoso. O trabalho para a Três-E, que constituía mais da
metade dos negócios de um ano típico para o grupo de produção de Michael,
cessou. Um ano antes, Hal Bromman havia anunciado a grande reorganização
corporativa da Três-E, que estava se aprofundando cada vez mais, e nenhuma das
divisões da empresa estava fazendo nada até que a reorganização se completasse.
O distribuidor do Buick entrou em concordata em novembro. Ele dificil-
mente poderia ser considerado uma conta principal, mas representava dinheiro
com regularidade, que agora tinha acabado.
Na metade de dezembro o cronograma no escritório de Michael estava
limpo, como se tivesse sido lavado. Ele normalmente esperava uma queda nos
negócios nesse mês, mas sempre havia uns poucos projetos que apareciam ou
que tinham sido adiados para o início do ano novo. Sempre, até agora.
A cada manhã, quando Michael entrava na Caverna, encontrava o ‘Povo
da Caverna’ sentado pelo estúdio, tomando café e batendo papo. Assim que ele
aparecia eles começavam a se mexer. Diversas vezes Michael teve vontade de
levantar a voz, mas o fato é que não havia quase nada para eles fazerem.
Então Michael chamou todo o Povo da Caverna para uma reunião no
estúdio e disse: — Tenho um importante projeto para todos vocês. Quero que
seja o melhor trabalho que vocês já fizeram. Quero que vocês façam um progra-
ma de vídeo para vender nossos serviços, do Grupo de Produção de Vídeo, ao
resto do mundo. Quero que mostrem o gênio criativo do grupo.
— Oh, disse Tanny Zoelle —, mostrando que entendeu o recado —, acho
que isso significa que não podemos gastar nada.
— Você entendeu —, disse Michael. — Não há orçamento para isso,
portanto, sejamos brilhantes.
Enquanto isso, durante aquelas primeiras semanas de inverno, Michael
passou o tempo fazendo coisas que detestava: telefonemas frios, apresentações
de vendas a empresas de sua área de mercado e relatórios de fim de ano para a
agência. Telefonemas frios significavam tentar falar com pessoas que na maior
39
parte das vezes não queriam falar com ele, e ele conseguia fazer dois ou três
desses telefonemas antes que um nó se formasse em seu estômago. As apresen-
tações de vendas eram algo que Michael normalmente apreciava (elas realçavam
seu lado teatral), mas os clientes em potencial eram normalmente pequenas
empresas longe da cidade, e Michael passou a metade de dezembro dirigindo
entre tempestades de neve para falar com alguém que, no fim, dizia: — Nossa,
eu não o deixaria vir até aqui se soubesse que é tão caro. Acho que se precisar-
mos de um vídeo teremos que pedir ao Jim que o faça com sua câmera domés-
tica. E os relatórios para a agência eram terríveis, porque os números eram
terríveis, e mesmo inflando as projeções tanto quanto possível, Michael temia o
que aconteceria quando Lyle Beekstra e os outros poderosos da agência lessem
esses relatórios.
Michael voltou para a Caverna por volta das duas e meia. Quando chegou
ao escritório, encontrou um bilhete no assento de sua cadeira. Mesmo sem lê-
lo, Michael soube que era de Lyle Beekstra. Aquela era a forma de Lyle deixar
mensagens. Ele as colocava nos assentos das cadeiras das pessoas, o que sempre
irritou Michael.
O bilhete dizia: M.D. — Procure-me o mais rápido possível — L.B.
Michael pendurou o sobretudo, amassou o bilhete e jogou-o com força no
cesto. Errou e simplesmente deixou-o no carpete.
Michael desceu para o vigésimo segundo andar e passou pelas portas de
carvalho e pela fachada de mármore cinza com letras douradas em alto relevo:
BARKES & COLLWIN PROPAGANDA. Ele disse alô para Laura, a recepcio-
nista, e seguiu para o fundo. Lyle estava lá, sentado à sua mesa com um número
do Advertising Age aberta. Michael bateu. Lyle olhou com frieza para cima. Ele
era um homem alto, magro, só ossos — uma vez, em uma reunião de staff, ele
levantou os braços para alongar-se e ao mesmo tempo respirou fundo, de forma
que todos ao redor da mesa puderam ver suas costelas aparecendo sob o puro
tecido branco da camisa — com um rosto estreito, cabelos vermelhos como
pimenta e óculos lembrando uma coruja, com armação de tartaruga. Ele estava
em mangas de camisa e usando seus famosos suspensórios vermelhos, uma moda
dos anos oitenta que ele insistia em preservar.
— Você queria me ver? — Michael perguntou da porta, desejando que o
que Lyle quisesse falar fosse algo que levasse apenas alguns segundos. Sua espe-
rança se desfez.
44
— Entre e sente-se —, disse Lyle, que se levantou e fechou a porta. —
Você provavelmente sabe do que se trata.
Michael encolheu os ombros, não querendo ser voluntariamente arrastado
para alguma coisa que temia. Lyle suspirou e sentou novamente atrás da sua mesa,
inclinou-se para a frente e entrelaçou os dedos em cima do risque-rabisque.
— Bem, o assunto é o faturamento —, disse Lyle pacientemente. — Ou a
falta dele, em seu caso. Como você está em termos de perspectivas de negócios?
— Temos algumas oportunidades em vista.
— Então, sugiro que você as agarre rapidamente. No mês passado, seu
grupo fechou no vermelho. E já faz muito tempo que você está apenas um
pouco acima do ponto de equilíbrio.
— Eu sei disso. Por outro lado, você não ajudou nem um pouco ao elevar
os débitos relativos às despesas indiretas no meio do ano.
— Você não é diferente dos outros gerentes de grupo. Eles têm a mesma
carga que você.
— Não. Não realmente. Que tal os custos de aluguel? Seu espaço aqui em
cima vale trinta e dois dólares o metro quadrado. Meu espaço no subsolo vale
nove dólares o metro quadrado. Mas você utiliza a mesma média para todos, o
que faz com que os grupos de propaganda pareçam mais lucrativos. E os cha-
mados “custos executivos”? Eu sou atingido todos os meses com despesas admi-
nistrativas que operacionalmente nada têm a ver com meu grupo. Não é de
admirar que estejamos no vermelho.
Lyle agiu como se estivesse cansado. — Nós já passamos por isso antes,
Mike. A questão nesse momento é o faturamento. Se você tivesse faturamento,
sua cota nos custos da agência não importaria.
— Lyle, toda esta região está no meio de uma recessão e a Três-E não está
gastando no momento. O que mais você gostaria que eu fizesse?
— Se você não pode gerar receita, então você vai ter que cortar os custos
de modo equivalente —, disse Lyle. — Você sabe o que isso significa, não?
— Eu já cortei as horas de free lance...
— Não! Você deveria estar tomando outras providências! Ele suspirou de
desgosto. — Quero que você faça o oposto. Você precisa eliminar seu pessoal
em tempo integral e usar mais free lancers. Com free lancers não temos que
pagar assistência médica. Não temos que pagar benefícios. Se eles tiverem mai-
ores taxas diárias do que o staff permanente, qual o problema? Podemos repas-
sar os custos para o cliente. E temos muito mais flexibilidade para ajustar o staff
à carga de trabalho. Mike, já discutimos isso um mês atrás. Por que você não fez
nada a respeito?
Michael desviou o olhar em direção à janela, para a cidade. — Porque não
é desse jeito que eu quero administrar meu grupo.
45
— Acho que você não tem muita escolha agora. Lyle se inclinou para trás
em sua cadeira e suspirou novamente, com maior tolerância dessa vez. — Estou
saindo amanhã para a reunião gerencial da agência em Hilton Head. Quando
voltar, na segunda-feira, quero a lista de suas reduções de staff, suficientemente
profundas para trazer seu grupo de volta ao azul. Ok?
— Lyle, se você pudesse apenas me dar mais um mês ou dois...
— Em outro mês ou dois, se a situação não tiver melhorado, nós teremos
que fechar seu grupo completamente. Eu lamento, mas é como são as coisas.
— Eu tenho um bom pessoal lá embaixo. O melhor da cidade, Lyle. Se
deixar eles irem...
— O rosto de Lyle começou a ficar vermelho como um morango. —
Mike, estou perdendo a paciência! Ou você faz os cortes no staff ou não estará
mais gerenciando o grupo de produção. Posso ser mais claro que isso?
Michael simplesmente levantou e se dirigiu para a porta.
— E mais uma coisa —, disse Lyle. Isso é estritamente confidencial. Você
não deve deixar que ventile uma palavra sobre demissões para ninguém. Está
entendido?
— Por quê? Por que não posso dar a eles ao menos um aviso?
— Porque eu disse que não! Lyle pegou a Advertising Age e a jogou, desajei-
tadamente, em direção a uma cadeira no canto, mas as páginas abriram e ela
caiu no chão. Lyle se controlou. — Porque é a política, Mike. Porque é como as
coisas são feitas. Porque quando as pessoas sabem que não têm nada a perder...
Apenas mantenha a boca fechada, Ok?
Michael saiu. Sentia os olhos de Lyle nas costas de sua camisa. No elevador
estava sozinho e, ao descer, disse em voz alta a si mesmo. —Não aguento mais
este lugar.
Ele estava colocando suas coisas em uma caixa de papelão da Xerox quan-
do Tanny Zoelle entrou.
— Mike, o que está acontecendo? Por que há um segurança ao lado da
porta?
Ele olhou diretamente para o rosto dela. — Lamento. Tentei fazer o que
pude. Eles estão acabando com nosso grupo.
Ela arregalou os olhos e não conseguiu dizer nada por um momento. En-
tão sua expressão mudou e ela olhou para ele com mais raiva do que ele jamais
vira nela, e com desprezo. — Você sabia o tempo todo, não sabia?
— Eu não sabia! — ele gritou para ela.
— Você tinha que saber! Você é o encarregado!
Ele lutou para manter a paciência. — Quem você pensa que eu sou, Deus
ou alguém parecido? Eu pensei que no máximo Beekstra me faria cortar uma ou
duas pessoas. Eu não sabia que ele tentaria me fazer despedir todos vocês.
Ela olhou como se quisesse dizer mais, mas não falou ou não pôde falar.
Ao invés disso, virou e saiu.
Michael rapidamente encheu a caixa com as poucas coisas com que se
importava. Ele pegou tudo, olhou ao redor por alguns segundos, com a caixa
sob um braço, sua maleta na outra mão, ele saiu.
Stoney, Redmeat, Spider e Boner estavam agora no hall fora do estúdio.
Tanny deve ter-lhes contado.
— Foi bom ter trabalhado com todos vocês —, disse ele, evitando seus
olhares. — Lamento que termine desse jeito. Boa sorte a todos vocês.
Redmeat levantou o braço para mantê-lo no lugar, mas não para apertar-
lhe a mão. — Espere um minuto, Mike.
Michael abaixou o rosto. — Eu não posso falar agora.
Ele foi andando. Eles o seguiram até a porta próxima à mesa de Babe,
onde estava o segurança.
— Alto —, disse o segurança, dando um passo, bloqueando o caminho e
apontando para a caixa: — Eu tenho que checar isto.
61
Michael o deixou abri-la.
— Dia curto, hein? — Disse o segurança. Então, retirou uma fita de
vídeo da caixa: — O que é isso?
— É minha fita pessoal. Ele tinha clipes dos melhores programas que
produziu e dirigiu, que precisava para conseguir outro emprego.
— Não posso deixá-lo sair com isso —, disse o segurança. — Isso parece
propriedade da B e C.
Michael podia sentir os olhos dos outros nele. E disse: — Dê-me a fita.
— Ela tem que ser verificada. Você pode voltar depois para apanhá-la.
— Saia do meu caminho. Antes do segurança se mover, Michael o empur-
rou e passou, batendo em sua coxa com a maleta.
— Hei, senhor! Isso é agressão! — disse o segurança. — Eu poderia detê-
lo por agressão!
Michael abriu violentamente a porta e saiu para o hall, quase de encontro
com Artie O’Connor.
— Mike, Hei, Mikey! Consegui uma! Consegui uma venda! O hospital
quer que filmemos um vídeo para eles!
Michael passou raspando nele, que estava feliz feito um cachorrinho.
No estacionamento, quando tirou as chaves para abrir o carro, Michael
percebeu que suas mãos estavam tremendo. Ele pôs sua maleta e a caixa no
porta-mala do carro e resolveu caminhar, imaginando que precisava se acalmar
antes de dirigir.
Era o fim da hora do rush, e ele andou pelas ruas entre uma multidão de
pessoas descendo dos ônibus, correndo para o trabalho. Ele continuou andan-
do, subindo por uma avenida, descendo o próximo bulevar, seguindo o rio
onde o sol frio brilhava, e de volta para as sombras dos edifícios de escritório.
Ele andou por uma hora.Todos já estavam no trabalho, exceto ele. Virando a
esquina, encontrava-se na rua Mccagheny, ao lado do rio. Parou e olhou a água
verde. O rio se agitou à sua frente, mas ele viu o Oceano Pacífico, como tinha
visto do Píer de Santa Mônica, o primeiro lugar em que esteve depois de se
mudar para Los Angeles. Michelle, sua primeira mulher, estava perto dele, em-
bora não a tivesse encontrado há mais de um ano. Ele a viu sorrindo, sua face
jovem e fresca, com os olhos semicerrados devido ao brilho do sol, simplesmen-
te feliz por estar com ele. Ele se virou e olhou em direção à cidade grande e às
alturas escuras ao longe. Eu vou chegar lá, ele disse a si mesmo. Ele gesticulou,
apontando a costa curvada na direção de Malibu, e disse a Michelle: — Nós
vamos morar lá algum dia. — Ela passou o braço em torno de sua cintura. Ele
ainda podia sentir os dedos dela, limpos e finos, o esmalte liso das unhas quan-
do ele pôs sua mão sobre a dela, a pressão suave de seu quadril quando ela o
abraçou no píer. Ela realmente acreditava nele. Ele se virou e ali estava.
62
Ele viu o vapor branco de sua respiração contra a água marrom. Ocorreu-
lhe que deveria pular. Deu um passo indeciso na direção da ponte da rua Sete,
quando uma lufada de vento desceu pelo vale, não que fosse para detê-lo, pas-
sando cortante por ele. Aquilo já era suficiente. Seu rosto estava doendo, de tão
frio que estava. Ele virou para as quadras desagradáveis e duras da cidade, cru-
zou a rua, e voltou para o meio delas.
No caminho para o carro, passou pelo Nick’s. Olhando pela vitrine, pen-
sando em uma xícara quente de café, ele viu algo que nunca tinha notado em
todos os seus anos de trabalho no centro da cidade. O bar estava aberto.
Agora ele estava olhando para dentro de seu copo, para a vodca clara,
prateada, perguntando-se: Que diabos vou fazer?
Ele olhou para fora, para as pessoas na rua e sentou em seu banco, sentin-
do-se apartado do mundo geral das pessoas que viviam dias normais.
— Eu construí aquele negócio, disse a si mesmo.
Mas você não o possuía, respondeu uma voz. Você o construiu para eles, não
para si mesmo. Esse foi o seu erro. Você agiu como se fosse seu, mas não era.
— Eu não fui o único, ele respondeu.
— Sim, agora você está completamente ferrado.—
— Então o que vou fazer?
— Tome outro drinque. Está no script, não? Você perde o emprego, e deve,
supostamente, embebedar-se. Mais tarde pense o que fazer com o restante da vida.
Vá em frente e seja tolo.
Ele pediu outra bebida e Lou silenciosamente o serviu. Ele estava pensan-
do em Tanny e nos outros, imaginando quantos deles ele jamais veria novamen-
te. Estava pensando neles quando Redmeat passou, virou-se, veio direto para a
vitrine, colocou as mãos sobre as sobrancelhas e olhou para dentro. Atônito por
vê-lo, Michael apenas ficou lá sentado. Redmeat virou novamente, e foi embo-
ra pelo mesmo caminho de onde viera, deixando no vidro a marca de suas mãos
e rosto. Michael fez menção de alcançá-lo, mas se deteve. Não, ele realmente
não queria falar com ninguém no momento. Sentou-se novamente.
Mas Redmeat tinha visto Michael. Um minuto depois, todos eles entra-
ram pela porta do Nick’s: Redmeat na liderança, Tanny, depois Stoney, Spider e
Boner. Todos, exceto Babe e Artie, os dois que foram mantidos.
— Sim, é ele! Red exclamou. — Eu achei que fosse você.
— Nós vimos seu carro —, Boner disse —, e então sabíamos que você
ainda estava na cidade.
— Eles se reuniram em torno dele, e Michael lamentava ao mesmo tempo
em que estava muito feliz por vê-los. — Ei, Lou...
Os seis foram para o canto do bar e quando todos bebiam alguma coisa,
Michael levantou sua cerveja. — Bem... não sei o que dizer. Lamento.
63
Redmeat ergueu o copo. — Pessoal da Caverna para sempre.
— Certo —, disse Michael. — Ao Pessoal da Caverna para sempre.
Eles bateram os copos e beberam.
Houve um silêncio durante dez, quinze segundos, e então todos começa-
ram a falar. Michael sentiu medo e preocupação em suas vozes, tons de queixa e
raiva. Ele olhou para Tanny, e parecia que faltava algo nela. E faltava: a câmera.
Em qualquer lugar em que fossem, ela sempre trazia a câmera de vídeo com ela,
inclusive ao restaurante quando a equipe almoçava, deixando-a sobre a mesa ou
em uma cadeira livre entre eles. Isso era uma prática antiga em seus hábitos de
trabalho. Agora, faltando a câmera, parecia quase como se ela tivesse perdido
um pedaço do corpo.
Ela estava próxima dele, emburrada. Ela olhou diretamente para ele e dis-
se, sem muita emoção: — Ainda estou brava com você.
— Por que você está brava com ele? — Redmeat perguntou-lhe.
— Porque ela acha que eu estava escondendo —, Michael respondeu. —
Ela pensa que eu sabia o tempo todo que as demissões estavam a caminho.
— Ei, ele foi demitido da mesma maneira que nós —, Redmeat disse a
Tanny. — Se eles iam fazer isso, não contariam a ele mais do que a nós.
— Sim, exceto pelo fato de eu não ter sido demitido —, disse Michael. —
Eu pedi demissão.
— Você pediu demissão? — Perguntou Tanny.
— Não, tecnicamente acho que Beekstra me demitiu. Eu não concordaria
com o que eles decidiram em Hilton Head. Então ele me demitiu.
Ele contou a eles toda a história, os detalhes. Não tinham contado nada a
eles. O responsável pelos Recursos Humanos tinha descido alguns minutos de-
pois de Michael sair, dado a eles o aviso legal, mas nenhuma das razões.
— Mas você teve a chance de ficar —, Tanny disse a Michael.
— Sim, eu, Babe e Artie. Que time formaríamos.
A risada começou devagar e aumentou.
— Lamento —, disse Tanny a Michael, com uma mão na manga de sua
camisa.
— Esqueça.
— Bem —, disse Redmeat —, tivemos bons tempos na Caverna.
— Fizemos alguns bons trabalhos também —, disse Stoney. — Quero
dizer, considerando...
— Talvez atuemos juntos como free lancers ou alguma coisa parecida —,
disse Spider.
— Não eu —, disse Redmeat. — Eu não vou ser free lancer.
— O que você vai fazer? — Perguntou Tanny.
Redmeat encolheu os ombros. Ele não sabia. Nenhum deles sabia.
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Michael olhou cada um dos rostos, subitamente quis apenas sair, sair dali
e ir para casa, dormir por um ano ou dois e depois começar de novo, fazendo
alguma coisa completamente diferente. Ocorreu-lhe que essa poderia ser real-
mente a cena final para ele. Sua ligação com a carreira cinematográfica, que ele
havia perseguido por tantos anos, estava rapidamente morrendo. Quantas vezes
naqueles anos ele tinha se comprometido e feito as pazes com seu desaponta-
mento, se comprometido e feito as pazes? Tudo para acabar assim.
— Droga, eu poderia matá-lo —, disse ele em voz alta, e todas as cabeças
viraram para ele. Todos sabiam que se referia a Lyle Beekstra.
— Eu não queria matá-lo —, disse Redmeat —, mas gostaria de surrá-lo
até ele se borrar.
— Eu seguro e você bate—, disse Tanny.
A idéia de Tanny segurando Lyle Beekstra durante uma briga pareceu mui-
to engraçada a todos, exceto para Michael.
— Acho que devemos apenas pendurá-lo na janela do escritório pelos seus
suspensórios vermelhos —, disse Tanny.
— Hei, sim, isso é ainda melhor —, disse Spider. — É... sabe... não vio-
lento. Mas amedrontador.
— Não, não —, disse Stoney. — Vocês sabem o que eles dizem, não? Não
enlouqueçam, mas acertem as contas.
— E como devemos fazer isso? — Michael perguntou, ainda enlouquecido.
— Eu sei —, disse Tanny. — Vamos voltar, roubar o equipamento e co-
meçar nosso próprio estúdio.
— E como isso vai nos deixar quites com Beekstra?
— Bem, vamos ganhar milhões de dólares e, então, não terá mais impor-
tância.
— Certo —, disse Redmeat —, e então poderemos contratar um pistoleiro
que estoure Beekstra.
Uma grande gargalhada.
— Sabe —, disse Tanny, — poderíamos alugar equipamentos.
Em seguida ficaram quietos, todos tendo os mesmos pensamentos.
— É verdade —, disse Stoney. — Poderíamos alugar equipamentos.
— Desculpe —, disse Spider —, mas como vamos pagar para alugar tais
equipamentos?
— O papai aqui cuidará disso —, disse Redmeat, batendo no ombro de
Michael. — Ele sempre fica com a conta.
Outra risada, menor.
— E se juntássemos nosso dinheiro? — Perguntou Tanny.
— Que dinheiro? — Perguntou Redmeat. — Você quer dizer os nossos
cheques do auxílio desemprego?
65
— Beekstra disse que todos nós vamos receber um mês de indenização.
— Mesmo que aluguemos uma câmera e um aparelho de vídeo e algumas
luzes, e o estúdio? — Perguntou Boner. — E a pós-produção?
— Poderíamos alugar a sala ‘Fora do ar’ do Canal Sessenta e seis.
— Mesmo no Canal Sessenta e seis, não estamos falando de centavos.
— Ei, espere um minuto —, disse Tanny. — Que tal a Caverna?
— O que tem ela?
— Se Beekstra está fechando o grupo de produção, aquele espaço deve
ficar disponível para alugar.
— Você quer dizer —, disse Redmeat —, que poderíamos procurar o
proprietário do edifício e ver se podemos alugar a Caverna?
— Quem mais vai alugá-la? Não é exatamente espaço próprio para o
comércio.
— Quanto custaria? Spider perguntou.
— Nove dólares o metro —, disse Michael.
— O metro?
— Metro quadrado. Você aluga espaço comercial por metro quadrado. A
Caverna mede cerca de quinze por dezoito metros, cerca de duzentos e setenta
metros quadrados. A nove o metro quadrado, dá algo em torno de vinte e sete
mil dólares por ano, ou... — Michael fez as contas de cabeça. — Dois mil e
duzentos e cinqüenta por mês.
A cifra os intimidava.
— Eles aceitam Visa? — Perguntou Redmeat.
— Na verdade, nove o metro está bastante bom para o centro da cidade — ,
disse Michael.
— Bem, tem que ser —, disse Tanny. — É um porão frio, úmido.
— Sim, mas podemos pagar? — Perguntou Redmeat.
— Claro que podemos pagar —, disse Tanny. — Apenas temos que cobrar
de acordo, como em qualquer negócio. Certo, Mike?
— Espere um minuto —, disse Michel. — Vocês estão falando sério?
— Mike, eu preciso trabalhar —, disse Tanny. — Tenho um filho e minha
mãe para sustentar. O que devo fazer? Ser garçonete?
— Estou com ela —, disse Stoney. — Tenho família. Tenho que arrumar
alguma coisa rápido.
— Vou dizer uma coisa —, disse Redmeat. — Eu não quero ser free lancer.
Não quero aquela chateação.
Boner, sentado quieto em uma ponta, hesitantemente levantou a mão. —
Estou com vocês, se me quiserem.
— E você, Spider? — Tanny perguntou.
— Claro. Por que não?
66
Michael estava surpreso.
— Que tal você, Michael? — Tanny perguntou.
— Bem... dadas as alternativas...
— Ok, então é unânime. — Afirmou Tanny. — Vamos fazer!
— Espere —, disse Michael. — Você está esquecendo um pequeno deta-
lhe: Não temos nenhum cliente. Quero dizer, podemos alugar algum equipa-
mento, podemos falar com a imobiliária encarregada do aluguel da Caverna.
Mas até conseguirmos alguns clientes, não temos um negócio.
— E a Três-E? E o Barney Tillman? — Perguntou Tanny.
— A Três-E é cliente da Barkes & Collwin.
— E daí? Se não podemos roubar os equipamentos, por que não roubar
um cliente ou dois?
Michael coçou o queixo. — Não sei se seria ético.
— Dane-se a ética! — Disse Redmeat. — Beekstra acabou de nos colocar
na rua! Será que foi ético?
Michael pensou por um momento. — Acho que poderia telefonar para
Tillman. Ele se levantou e pôs a mão no bolso. — Alguém tem uma ficha?
Eles procuraram em seus bolsos e carteiras. Michael pegou a ficha de Tanny,
porque ela foi mais rápida e estava mais perto. Ele se dirigiu ao telefone público
ao fundo, próximo ao banheiro. Discou o número de Tillman, que ele sabia de
cor.
— Sim, eu soube —, disse Tillman. — Acabei de falar com Lyle ao telefone.
— Bem, como se sente a respeito?
— Como me sinto? Posso lhe dizer que não estou feliz. Não estou nem um
pouco feliz. Ele telefona, sem ter dado nenhum aviso de que alguma coisa esta-
va acontecendo, e anuncia o que fez! Ele não poderia ter me avisado com
antecedência? Eu não sei.
— Você não tem que tolerar esse tipo de coisa.
— Eu sei que não! Posso fazer todo o trabalho internamente! O que estou
mesmo tentado a fazer, exceto que ... bem, eles não são muito bons.
Michael inspirou, sentiu o ritmo de seu coração, e disse: Eu posso produ-
zi-lo para você.
— O quê?
— Eu posso fazer o vídeo para você.
— Como?
— Decidi formar minha própria empresa de produção. Você pode conti-
nuar comigo e nunca perder uma jogada. A estimativa de preço que lhe dei na
sexta-feira ainda vale. E você sabe que eu faço um bom trabalho.
— Sim, eu sei —, disse Tillman vagamente. — Diga-me uma coisa... você
estava planejando isso?
67
— Absolutamente não.
— Então como vai produzi-lo? Onde vai editá-lo? Você não tem equipa-
mento, tem?
— Vamos alugar o equipamento. Temos bons contatos com uma série de
vendedores. Tenho certeza de que não será problema —, disse Michael, espe-
rando que fosse verdade. — Se tivermos problemas, faremos a edição no Canal
Sessenta e Seis.
— Quem é “nós”?
— Todo o pessoal de minha equipe. Eles estão comigo.
— Isso seria bom —, disse Tillman. — Não ter que trazer alguma outra
pessoa às pressas, quero dizer. Mas se você tiver que usar o Canal Sessenta e Seis,
seus custos não serão maiores?
— Se forem maiores, engoliremos a diferença.
— Eu... Eu tenho que pensar —, disse Barney. — Tem um número de
telefone em que possa encontrá-lo?
Michael não queria passar a ele o número de um telefone público. —
Posso lhe ligar de novo em uma hora ou duas?
— Veja só! Esse é o meu problema! Você nem mesmo tem um telefone, tem?
— Barney, terei todos esses detalhes resolvidos em alguns dias. Posso lhe
ligar de novo em torno das duas ou duas e meia?
— Vou estar numa reunião a maior parte da tarde. Telefone no fim do dia.
— Ótimo. Conversaremos no final do dia.
Todos os olhos estavam em Michael quando ele retornou ao bar.
— O que ele disse? — Perguntou Tanny.
— Está pensando a respeito. Tenho que telefonar de novo mais tarde.
— Ele está pensando? Nada mal para começar —, disse Redmeat.
— Será no final do dia ou talvez só amanhã cedo que saberei alguma coisa
—, disse Michael. — Ouçam, vamos acabar de beber. Sugiro a todos vocês irem
para suas casas. Amanhã cedo, todos que quiserem tomar parte nisso vão me
encontrar aqui para o café da manhã — no lado do Vicki, não no bar. Digamos,
às nove horas. Se Barney nos der o trabalho, então montaremos um negócio e
iremos trabalhar. Se não, acho que poderemos ir para o Prédio da Administra-
ção Estadual dar entrada nos papéis do seguro desemprego.
Aparentemente todos concordaram. Redmeat então levantou sua caneca.
— Um brinde antes de irmos —, disse ele. — Pela salvação da Caverna!
— Sim, salvem a Caverna —, disse Spider.
— À Caverna —, disse Michael.
Stoney foi o primeiro a sair. Depois, Boner. A seguir, Redmeat e Spider.
Ele prometeram estar lá na manhã seguinte. Finalmente, ficaram apenas Michael
e Tanny no bar.
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Ela pareceu estar esperando até que os outros se fossem, e quando estavam
sós, disse a Michael: — Lamento ter ficado brava com você.
— Está tudo certo.
— Eu não tinha entendido... Sabe, realmente, estou orgulhosa por você
ter resistido.
— Ah. Bem... foi só o jeito como aconteceu, só isso.
Eles ficaram quietos por um momento.
— Então acho que você não é mais o meu chefe —, disse Tanny.
— Não, acho que não.
— Sabe, acho que não devia lhe contar isso... — Ela estava balançando no
banco. — Mas já que você não é mais o meu chefe... eu meio que estive apaixo-
nada por você. Depois que começamos a trabalhar juntos.
Para Michael, a confissão foi um choque quase tão grande como se estives-
se sendo queimado.
— Eu sei que parece tolo —, disse ela. — Paixão! Eu, aos trinta e cinco
anos. Mas é o que aconteceu.
— Um-hum —, disse Michael.
— Mas já passou.
— Oh. A surpresa transformou-se em desapontamento. Ainda assim, ele
se sentiu compelido a dizer alguma coisa agradável. — Eu sempre achei você...
legal. Muito legal. Claro que nunca poderia admitir isso, porque...
— Porque estávamos trabalhando juntos.
— Certo.
— E além disso você é casado.
— Mas eu sempre a achei muito especial.
— Obrigada. — Seus olhos castanhos estavam brilhando suavemente en-
quanto ele falava, e então endureceram. Ela se aprumou no banco. Uma mão
gorda prendeu-se ao ombro de Michael.
— Aí estão vocês! Alguém se importaria de me contar o que está aconte-
cendo? Era Hoona. — Eu acabei de passar na Caverna, e as únicas pessoas lá
eram Babe e um cara trocando as fechaduras.
Michael olhou para Tanny. O momento de conseqüências imprevisíveis
tinha passado. Ele disse a Hoona: — Fomos ‘desativados’ esta manhã.
— Eu sei disso! — disse Hoona. — Babe estava limpando a mesa. Ela
disse que todos vocês foram despedidos e que estavam mudando a ela e ao
O’Connor para cima.
— É exatamente essa a história. Nós todos entramos pelo cano.
— Não posso acreditar nisso —, disse Hoona.
— Bem, é melhor ir andando —, disse Tanny. Ela tomou um último gole
de vodca, colocou o copo ainda com meia dose sobre o balcão e o afastou. Ela
69
fez menção de pegar a carteira da bolsa, mas Michael disse: — Não, é por
minha conta.
— Tem certeza? Bem... até amanhã de manhã.
Ela saiu, e Hoona disse a Michael: — Por que eu não causo mais esse efeito
sobre as mulheres? Ele tomou o assento que ela ocupara e pegou um envelope
nove por doze. — Quero saber o que devo fazer com isso.
— O que é isso?
— O novo script para o banco. Você não se lembra? Tínhamos uma reu-
nião agendada com Gingway a uma e meia.
Michael agora lembrava. — E o seu script está bom?
— Que pergunta! Claro que está bom. Eu voltei ao tema do “A-okei” que
eles gostaram tanto, mas só o usei sete vezes. Eu contei.
Michael pegou o envelope e o abriu. Tirou o script e disse: — Ei, sabe de
uma coisa?
— O quê?
— Barney Tillman não é o único cliente que eu poderia roubar.
— O que você quer dizer?
A última coisa que Michael fez antes de sair do centro da cidade e ir para
casa foi telefonar para Barney Tillman.
— Tenho que lhe confessar —, disse Tillman —. Estou me sentindo entre
a cruz e a caldeirinha. Essa situação é muito desconfortável. Ele parecia estar em
pânico. — Eu quero dizer que, pelo amor de Deus, esse programa envolve Hal
Bromman!
— E é exatamente por isso que você deveria deixar-me produzi-lo. —
Michael decidiu que era hora de ser agressivo. — Este não é o momento de
trabalhar com algum artista da Costa Leste. Eu já trabalhei antes com Hal
Bromman. Hal se sente bem comigo. Se você deixar a agência fazer o vídeo, eles
vão enviar alguém que não sabe sequer as informações básicas sobre a Três-E.
— Ok, sim, você está certo —, Tillman admitiu. Ele suspirou ao telefone.
— Conversei com Dale e ele disse que a decisão era minha. — Ele fez uma
pausa. — Vou ficar com você.
Michael sentiu-se levitar. Ficar com você, ele repetiu mentalmente, e fe-
chou os olhos. Sim. Obrigado.
— Vamos fazer um bom trabalho para você, Barney.
— Mike, não posso tolerar nenhum erro nesse projeto, não com Bromman
envolvido. Realmente, meu emprego poderia estar em jogo.
— Barney, não se preocupe. Tudo vai ficar bem. Vou me cercar de todas as
garantias.
— Espero que sim.
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Depois de um minuto Regan voltou para a cozinha, aparentemente refei-
ta. — Tudo o que quero saber é o seguinte: Como você vai levantar o capital
para começar esse negócio?
— Saquei dez mil dólares como antecipação em dinheiro de meu cartão
de crédito.
— Jesus, fica cada vez pior!
— Eu precisava de dinheiro rápido!
— Dezenove e meio por cento de juros, Michael! Você foi realmente es-
perto.
— Será por apenas alguns meses.
— E por quanto tempo você acha que dez mil dólares vão durar com o
aluguel, seis pessoas na folha de pagamento e mais todas as outras despesas?
— Ok, o.k. Vou precisar mais. Imaginei que poderia vender alguns fundos
mútuos para conseguir o dinheiro.
—Uma ova que vai. Você não vai usar um centavo do meu dinheiro para isso.
— É meu dinheiro também!
— Não, não é —, disse ela calmamente. — Temos um acordo pré-nupcial.
Ou você não lembra?
Ele se enfureceu. Era a primeira vez que ela jogava isso na sua cara.
— Você disse que seria nosso dinheiro.
— Não importa o que eu disse. Não vou deixar você jogá-lo fora.
— Não estou jogando fora, estou começando um negócio!
— Não, com meu dinheiro não.
— Então vou vender o Porsche —, disse ele finalmente. O Porsche ainda
estava exclusivamente no nome dele. — E vou pegar o resto emprestado em
meus cartões de crédito.
Não, não havia nada que ela pudesse fazer para detê-lo. Ela fez uma cena,
esfregando a testa como uma mãe cansada. — Michael, estou tentando ser
racional. Estou tentando ficar calma. Ouça o que eu digo. Está claro que você
não pensou inteiramente nisso. Você não tem um plano de negócios, você não
tem um plano de marketing, você não tem capital suficiente...
— Fui despedido esta manhã! O que você quer que eu faça?
— O que todo mundo que perde o emprego faz —, disse ela. — Procure
outro!
— Não. Por que deveria? Eu consegui dois clientes. Consegui mais de cem
mil dólares em negócios. Por que deveria me humilhar por um emprego ven-
dendo seguros de vida?
— Está certo. Se você vai fazer isso, então pelo menos faça uma coisa
direito. Não contrate essas pessoas. Administre o negócio como único proprie-
tário e contrate as pessoas de que precisar como free lancers.
77
— Não. Era isso que Beekstra queria.
— Michael, você sabe o que vai acontecer? Se você contratar todas essas
pessoas, vai gastar todo o seu dinheiro antes de saber o que o atingiu! Você fez
uma análise de equilíbrio para essa empresa?
— Uma o quê?
Ela suspirou. — Uma análise de equilíbrio. Você a usa para determinar o
nível de vendas em que o negócio passa do lucro ao prejuízo.
— Não, Regan, ainda não fiz isso.
— Minha opinião, Michael, é que você está agindo impetuosamente.
— Regan, eu tenho clientes e tenho boas pessoas. Vou resolver o resto à
medida que caminhar.
— Então você estará sem dinheiro, estará enterrado em dívidas até as ore-
lhas, e assim que o dinheiro acabar todo mundo vai pular fora. Você é quem
está se comprometendo, não eles. Eles vão fugir e você ficará lá, encalhado e
com tudo o mais.
Ele não respondeu. Havia pontos válidos no que ela dizia.
— Michael, do jeito que as coisas estão indo, não tenho idéia se terei
emprego daqui a seis meses.
— Você não percebe? — Ele explodiu. — É por isso que estou fazendo
isso. Assim, posso tomar minhas decisões. Assim tenho algum controle sobre
meu futuro. Estou dizendo, esse negócio vai funcionar. Eu o construí uma vez,
e posso reconstruí-lo. Só que dessa vez eu serei o dono.
Ela ficou sem argumentos. — Vejo que não adianta tentar trazê-lo de
volta ao juízo. Olhe, eu trouxe trabalho para fazer em casa. Estou subindo.
Ela pegou sua maleta e foi até a porta da cozinha antes de se virar: não se dê ao
trabalho de fazer o jantar para mim. Agora não estou com fome e mais tarde
arranjo alguma coisa.
Ele fechou o Chianti, pegou um copo do armário, colocou algumas pedras
de gelo e serviu-se de três dedos de Stolichnaya. Foi para a garagem e entrou no
Porsche. Ele apenas sentou-se atrás do volante, e ficou ali bastante tempo, be-
bendo e pensando. Quando a vodca tinha acabado e ele estava com frio, saiu.
Ele aqueceu o jantar no microondas, e a seguir foi para a sala íntima. Pegou um
bloco de rascunho e começou a redigir um anúncio de jornal.
Eram nove horas quando o telefone tocou.
— Oi, é a Tanny. Estou interrompendo alguma coisa? Acabo de colocar
Jason na cama, e tinha que saber. Como foi?
— Estamos no negócio —, disse Michael.
— Certo! sim! — disse ela.
No final todos ficaram, apesar a decisão de ter levado meia hora. Redmeat
entrou logo depois de Tanny. Ele simplesmente não queria ter que procurar
outro emprego e também não queria ser free lancer. Stoney, para surpresa de
Michael, foi o seguinte. Ele apenas disse: — Conte comigo —, sem exigir mai-
or persuasão e sem dar explicações. Boner quis saber que tipo de equipamento
ele teria para trabalhar, e Michael assegurou-lhe que poderia ter o que quisesse,
dentro das possibilidades financeiras. Spider foi o durão. Ele simplesmente não
sabia o que fazer. Seis meses de desemprego não soava tão mal para ele. Spider
tinha um cunhado na Flórida que afirmava poder encaixá-lo para trabalhar em
construção. Além disso, seu crédito era terrível. Ele não sabia como conseguir
todo o dinheiro de que precisava para entrar. Michael disse a ele que o barco
estava partindo. Se quisesse fazer parte da equipe, era melhor embarcar imedia-
tamente. Quanto ao dinheiro, se utilizasse sua indenização da agência, ele po-
deria fazer menores retiradas do que o resto do pessoal até quitar a dívida.
Spider embarcou e os seis pediram o café da manhã.
Não tendo verdadeiramente jantado na noite anterior, Michael pediu o
café do Nick Faminto, que incluía waffles, ovos, bacon, torradas, lingüiça e
uma generosa porção de batatas fritas com cebola, bem crocantes. Era um dia
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para unanimidades, e os outros cinco pediram o mesmo — até Tanny, que
comeu apenas uma pequena porção, dando o restante a Redmeat.
Todos estavam com alto astral naquela manhã. Concordaram que Stoney
se encarregaria do vídeo “A-okei”, uma vez que este deveria entrar rapidamente
em produção. Redmeat e Spider trabalhariam com ele no planejamento e orga-
nização. Boner procuraria no comércio por equipamentos usados. Tanny e
Michael lidariam com os aspectos empresariais da abertura da empresa — en-
contrar um contador, procurar um advogado, cuidar dos serviços de infra-es-
trutura, solicitar linhas telefônicas e assim por diante.
Depois do café eles se separaram, combinando se encontrar novamente no
Nick’s na sexta-feira de manhã, no mesmo horário e na mesma mesa, se estives-
se disponível. Michael e Tanny foram visitar algumas lojas no centro da cidade,
à procura de computadores e aparelhos de telefone, e depois tomaram cami-
nhos diferentes.
Michael chegou em casa à tarde. Ele tinha acabado de entrar quando o
telefone tocou.
— Alô?
— É o Lyle Beekstra.
Michael gelou. — Sim?
— Se você pensa que vai se dar bem com isso, está muito enganado.
— Se dar bem com o quê?
— O roubo da Três-E e do Bridgeford National Bank.
— Eu não roubei nada. Eles escolheram livremente a mim e a meu pessoal
para produzir os vídeos para eles.
— Seu pessoal?
Michael ficou surpreso com o quanto Lyle realmente sabia. — Sim. Todos
os que você despediu ontem. Estamos todos juntos novamente. Formamos a
DiGabriel Vídeo Produções.
— Bem... Não importa. Michael, parece que você esqueceu o acordo que
assinou anos atrás.
— Que acordo?
— O acordo que proíbe os membros da agência de fazer negócios com
os clientes por seis meses após o encerramento do vínculo com a Barkes &
Collwin. Todos os vice-presidentes e gerentes de contas têm que assinar esse
acordo. E tenho uma cópia com sua assinatura exatamente aqui na minha
frente —, disse Lyle.
Uma onda de choque percorreu o corpo de Michael. Ele então se lembrou
do acordo.
— Se você insistir nessas contas, a Barkes & Collwin vai mover uma ação
judicial contra você —, disse Lyle.
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— E vou fazer o mesmo —, contra-atacou.
— Por qual motivo?
— Procedimentos impróprios de demissão. A situação ontem foi muito
mal conduzida. Acho que o advogado encontraria alguns pontos interessantes
para sustentar um processo contra a agência e quem sabe arrancar um milhão
ou dois.
Lyle não disse nada por um segundo. Bom! Ele provavelmente balançou
um pouco.
— Você não pode nos impedir de ganhar a vida depois de nos colocar na
rua do jeito que colocou —, disse Michael. — E você não pode impedir que os
clientes exerçam o direito de escolher o fornecedor com quem se sintam mais à
vontade. Eu não saí voluntariamente, e não saí com a idéia de levar negócios
comigo. Você quer me processar? Ótimo. Nós também vamos processá-lo. E
não apenas isso, eu vou chamar os jornais, vou chamar as emissoras de TV.
Vamos construir uma história para eles. É isso que fazemos para viver, você
sabe. Nós criamos imagens. Bem, você vai ter que gastar mais dinheiro para
reparar sua imagem e pagar os advogados do que jamais ganhou com um par de
projetos de vídeo.
— Você quer o banco? Pode ficar com ele —, Lyle disse finalmente. —
Eles são um saco e de qualquer forma nunca ganhamos dinheiro com eles. Mas
se você pensa que vai tirar qualquer parte da Três-E desta casa, pode se preparar
para as conseqüências.
— Barney Tillman me deu o trabalho ontem à tarde.
— Uh-hum. Bem, vamos ver —, disse Lyle. E riu com sarcasmo: — En-
tão você contratou todas aquelas pessoas?
— Não exatamente. Eles se juntaram a mim como sócios.
— Sócios? Todos? Você é mais burro do que eu pensei que fosse, Mike.
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por ele. Realmente havia alguma coisa entre nós quando estávamos juntos. De-
pois ele teve que viajar a trabalho e....
Ele teve chance com muitas... bem, teve mais do que chance. Tenho certe-
za de que teve muitas outras. Sabe, uma vez terminei um excelente relaciona-
mento com um homem ótimo porque calhou de Patrick estar na cidade. Ele
iria embora, sabe, para o Afeganistão, Tailândia ou Somália. Três, seis meses no
máximo. Agora ele está na Bósnia. Sei apenas porque vejo os créditos de suas
fotos no Time.
Ele sumia e então me telefonava. Ou vinha a Nova York ou eu ia encontrá-
lo. Uma vez fui a Paris. Em outra ocasião, a Buenos Aires. Dançamos tango. —
Ela moveu a cabeça e os braços em uma pose. — Ele era realmente bom de
cama. Tinha que ser, com toda a prática que tinha.
— Depois que me passou gonorréia — oh, a propósito, sabe como desco-
bri? Patrick viajou para Moçambique ou Cambodja, um dos dois, e eu, pela
décima vez, imaginei que tinha acabado. Então comecei a sair com outro ho-
mem, e ele, coitado, me acusou de ser infiel. Depois disso comecei a ficar preo-
cupada se não tinha pegado AIDS dele, mas os testes deram negativo. Aquele
filho da ... Ele sempre teve sorte. Ele me contou sobre as vezes em que quase
morreu, mas nunca teve nada que não pudesse ser curado com antibióticos ou
descanso.
— Você quis engravidar ou foi acidente? — perguntou Michael.
Como se quisesse ignorar a pergunta, ela disse: — Sabe, uma vez um gru-
po de guerrilha colocou-o de joelhos com uma AK-47 apontada para a cabeça
dele, e ele conseguiu se safar na conversa, Jesus, que chance eu poderia ter?
— Nós nos encontramos por alguns períodos, ao longo de cinco anos. En-
tão jurei que tinha acabado completamente. Não estava com ninguém naquela
época, e então parei de tomar a pílula. Uma noite, ele me telefonou do aeroporto
Kennedy. Desliguei o telefone, mas ele veio mesmo assim. Durante o primeiro
mês eu fiz com que usasse camisinha. Então ele começou a falar em casamento.
Voamos para a Irlanda, para encontrar a família dele. Bem, você não encontra
contraceptivos muito facilmente na Irlanda, e é lógico que ele não levou nenhum.
Eu pensei: se acontecer, aconteceu. Afinal de contas, vamos nos casar.
Foi um fiasco. A família dele me tratou como se fosse uma prostituta.
Houve discussões. Íamos ficar três semanas, mas voltamos depois de duas. No
dia em que voltamos, Pat recebeu um telefonema. Era um de seus informantes
com uma dica de que Sadan Hussein estava concentrando tropas na fronteira
do Kuait. Ele partiu e, uma semana depois, percebi que minha menstruação
estava atrasada. Sabe o que é engraçado? Eu nem ao menos pensei que estivesse
grávida. Pensei que fosse um trauma normal, devido à sua partida. No segundo
mês, eu já sabia. O único problema é que não conseguia encontrá-lo. Finalmen-
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te, eu estava no quarto mês, e ele ligou de Riad. Ele ficou realmente furioso, e
disse: Se você tiver esse bebê, nunca mais vai me ver. Disse isso mesmo. Acho
que foi isso que me curou.
— Pensei em abortar. Tenho que admitir, mesmo considerando que ele é
um doce de garoto, que às vezes penso que deveria ter ido em frente com o
aborto. Havia muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo. Ganhei alguns prê-
mios, mas minha carreira não estava me levando a lugar algum, nada lucrativo
ou mesmo seguro. Um rendimento garantido estava cada vez mais difícil, e eu
estava cansada de mendigar oportunidades. Estava cansada de Nova York. O
lugar em que vivia era praticamente uma favela, e a cada ano ficava mais perigo-
so. Meu pai estava morrendo, e telefonei para minha mãe que, inacre-
ditavelmente, ofereceu apoio. Ela me disse: a decisão é sua, mas se for ter o
bebê, você não poderá criá-lo decentemente na cidade, não com o que ganha.
Ela estava certa. Ela disse: por que você não volta e encontra um emprego por
aqui? Foi isso que fiz. Voltei a Bridgeford, meu pai morreu e eu tive Jason um
mês depois.
— Pat me ligou uma vez, de Londres, e perguntou como eu estava me
arranjando. Nem sei como ele conseguiu me descobrir aqui.
Ela chegou à creche às cinco e meia. Havia um aviso preso à porta, comu-
nicando aos pais que o pagamento relativo ao mês seguinte estava vencendo.
Antes de pegar Jason ela foi ao escritório de Maxine, e preencheu um cheque de
quatrocentos e noventa e seis dólares.
Sempre que Tanny preenchia o cheque da creche ela pensava: Lá vai o
aluguel. Um apartamento decente, com dois quartos, e estacionamento, bem
mobiliado, custava a partir de quinhentos dólares nos subúrbios de Bridgeford.
Assim ela, mentalmente, sempre comparava o pagamento da creche ao aluguel
que teria que pagar para sair da casa da mãe. Pode ser que, quando Jason chegar
ao primeiro ano do ensino fundamental ela possa mudar, mas é duvidoso.
O aluguel, provavelmente, estará na casa dos quinhentos e cinqüenta ou
seiscentos dólares até lá, mais as taxas. E ainda haverá os trezentos dólares que
ela paga à mãe. Ela não poderia sair e parar de pagar à mãe, pois sua mãe não
teria outra forma de se manter. Na melhor hipótese, talvez pudesse diminuir de
trezentos para duzentos, o que seria suficiente, presumindo que as taxas de
serviços, como eletricidade e gás, permanecessem nos mesmos níveis de agora.
Jason estava zangado e irritado quando ela o pegou na sala das crianças de
três anos. Ele estava falando cada vez melhor, mas, quando estava de mau hu-
mor, ela tinha dificuldades para entendê-lo, especialmente quando estava cho-
ramingando. Depois de prendê-lo à sua cadeirinha e, já a caminho de casa, ele
choramingava de forma tão irritante que ela perdeu a paciência.
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— Jason, qual é o problema?
Finalmente ela conseguiu arrancar dele. Cathy o havia empurrado e ele a
empurrara também. Mas Cathy, a pequena dedo-duro, o denunciara e ele foi
para o castigo.
Seu coração apertou-se por ele. Era um grande problema para o seu
mundinho, pois mesmo aos três anos de idade a vida pode se mostrar injusta.
Ela estava pensando numa forma de consolá-lo, quando Jason avistou o
McDonald’s na esquina. — Batata frita! Mamãe, batata frita!
Cathy tinha sido esquecida, mas uma nova crise surgiu. — Não é sábado,
Jase. Lamento. O ritual de todo sábado era ir ao supermercado e comprar um
“lanche feliz” no McDonald’s.
— Cheeseburger, mamãe, por favor, por favor!
— Certo, certo. — Ela sabia que não era certo, mas mesmo assim cedeu.
— Só desta vez.
Se ela não podia protegê-lo das brutalidades dos coleguinhas de classe e da
negligência dos funcionários da creche, ao menos poderia comprar-lhe um ham-
búrguer com batatas fritas. Por enquanto.
A casa de sua mãe ficava na Rua Betty, o nome da mulher do loteador. Era
uma área com casas construídas durante os anos cinqüenta, a maioria das quais
era agora habitada por aposentados ou pessoas próximas da aposentadoria, como
a Sra. Krynos.
Era uma vizinhança de verdade, pois havia pessoas em três ou quatro casas
em cada direção que se conheciam. Eles conheciam a situação. Todos sabiam
que a mãe de Tanny não dirigia, mas se a Sra. Krynos precisasse de uma carona
até o médico no meio do dia, os Haggarts ou os Peleskys a levariam. Tanto que,
durante tantos anos de hipocondria, a mãe de Tanny jamais teve que pegar um
táxi para ir ao médico. A Sra. Crabtree, geralmente, telefonava antes de ir a
alguma loja para verificar se Helen precisava de alguma coisa. Se o Toyota de
Tanny estivesse com um ruído estranho, chamava o filho de Colson, Joey, para
dar uma olhada. Estamos nos anos noventa, e ainda não existe nenhuma gangue
nas proximidades da Rua Betty.
Comparado ao East Village, onde Tanny tinha morado em Nova York, a
Rua Betty era cem vezes melhor para a educação de Jason. Mas quase todos os
dias, quando Tanny entrava com o carro e olhava para a casa em que cresceu,
sentia-se deprimida.
A casa era simples. Uma pequena área na frente, uma área maior e cercada
aos fundos. Fazia décadas que o vendedor de proteções laterais de alumínio
havia passado lá pela última vez. Os arbustos todos precisavam ser podados, e a
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calçada de concreto, que ninguém usava, estava completamente rachada. Den-
tro havia três pequenos quartos, uma salinha, uma copa-cozinha pequena e um
banheiro. O porão inteiro havia sido transformado em um misto de lavanderia
e sala de reunião da família. Havia garagem para um carro. Não que Tanny
quisesse necessariamente mais que isso. Ela queria apenas sua própria casa.
Chegando à porta, as três ou quatro horas seguintes, de todas as noites,
eram um caos, com Tanny no meio, tentando invocar a ordem e preservar a
sanidade. Naquela noite sua mãe lançou-lhe um olhar acusador, assim que viu
os arcos dourados na sacola. Enquanto Tanny tentava explicar, Jason mudou o
canal da televisão, do Clube 700 para desenhos animados, o que provocou
reprimendas da avó e levou-o a procurar seu carro de bombeiros a fricção e a
empurrá-lo, ruidosamente, para a lateral já toda arranhada do aparelho de TV,
com a mãe dando-lhe uma palmada no traseiro e a mãe dela se arrastando para
a cozinha e perguntando repetidamente se macarrão com queijo não seria um
alimento mais saudável para o neto do que o que estava na sacola do McDonald’s.
Todo dia era a mesma luta, com Jason solicitando atenção total enquanto a mãe
precisava de alguém para conversar, depois de passar o dia inteiro sozinha.
— Mamãe —, disse Jason na mesa do jantar, enquanto a avó conversava
sobre suas verrugas (as novas). — Mamãe...
— O quê?
— Olha! — Ele derrubou o copo de leite, a maior parte em seu prato,
ensopando o hambúrguer, as batatas fritas e também o macarrão com queijo.
— Oh —, disse Tanny, — Que maravilha.
A avó não entendeu o que o comentário tinha a ver com suas verrugas.
91
— Oi, Barney. É Michael DiGabriel. Só queria informá-lo sobre o nosso
novo número de telefone. Você quer anotar?
— Sim.
Michael ditou o número, mas já estava sentindo alguma coisa diferente
em Tillman.
— Eu, ah, precisava mesmo falar com você —, disse Tillman.
— Ótimo. Como está a aprovação do script?
— Bem. Quero dizer, haverá as modificações de costume. Vou ter que
reescrever alguns trechos.
— Podemos encontrar-nos amanhã? Vou ver se consigo achar o nosso
redator de scripts.
— Não, acho que não será necessário.
— Ah, Barney, já tratamos disso antes. Você é um bom redator, não me
interprete mal, mas já chegamos antes à conclusão de que é melhor deixar que
um profissional...
— Mike, tive uma reunião com Dale Mazursky hoje de manhã, e temos
um problema. Quer dizer, eu não tenho nenhum problema, mas Dale tem. E,
ah... bem, lamento, mas fomos instruídos a trabalhar com a Barkes & Collwin
de Nova York para produzir o vídeo.
— Michael sentiu o sangue subir. Ele não conseguia dizer nada.
— Como você sabe —, disse Barney —, era você minha escolha para
produzir esse trabalho, mas... passaram por cima de mim.
— Entendo.
— Espero que isso não o atinja demais. Logicamente, pode cobrar-nos
pelo tempo e pelas despesas que teve com o projeto até agora. Tenho certeza
de que haverá outros projetos adiante, e certamente suas cotações serão bem-
recebidas.
— Certo.
— Então mantenha contato —, disse Tillman. — Novamente, lamento.
Não havia nada que eu pudesse fazer.
— Certo.
Michael colocou o fone no gancho e procurou um lugar para colocar o
aparelho, mas não tinha, não tinha mesa e nenhum outro lugar para o telefo-
ne. Deixando o aparelho sobre o carpete, sentou-se e se encostou na parede.
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Era o que Michael havia suspeitado. Com uma vodca na mão, ele foi para
as grandes janelas da sala de estar. Estava escuro, e ele viu a própria sombra
sobre a neve no jardim.
— Você deveria ter previsto que isso aconteceria —, ela continuou. —
Francamente, é mais do que meio embaraçoso, pois sou sua mulher. Com cer-
teza não aumentou meus pontos no Cubo.
— E o que eu deveria ter feito, querida?
— Você não deveria ter começado a empresa. Ao menos não da forma que
começou. Você não pode simplesmente roubar um projeto grande, de prestígio,
da Barkes & Collwin e não esperar qualquer repercussão.
A nova Caverna ainda não tinha uma cafeteira. Então, na manhã seguinte,
Michael parou no Nick’s.
Ele estava no balcão, esperando para pedir, quando uma voz ao seu lado
direito disse: — Como estão os negócios de propaganda ultimamente?
Era Bob Garvey, sentado à frente de seu Café Nick Faminto, e com o
jornal da manhã aberto sobre o braço.
— Não estou mais trabalhando para a Barkes & Collwin —, disse Michael.
— Eles, ah, me liberaram. A mim e a maior parte de meu grupo.
— Oh, lamento saber —, disse Garvey. — Onde você está trabalhando
agora? Imagino que tenha um trabalho ou não estaria na cidade tão cedo.
— Abri uma empresa própria de produções de vídeos.
— Abriu?
— Sim. Nós até conseguimos o nosso antigo espaço no outro lado da rua.
— Bem. Bom para você. Sério. Desejo a maior sorte.
— Obrigado. Vamos mesmo precisar.
— Por quê?
Michael olhou direto para Garvey, o que não tinha feito até aquele mo-
mento. Garvey tinha se virado em sua cadeira giratória, e sua atitude indicava
que ele estava querendo ouvir.
A garçonete ainda estava ocupada com alguns clientes habituais no outro
lado do balcão. Michael sentou-se. — Pensando bem, você pode se identificar
com isso: A Três-E acaba de me ferrar muito bem ferrado...
Ele contou a Bob Garvey o que tinha acontecido. Quando terminou, ti-
nha pedido e dado conta de um café completo. Ao comer as últimas batatas
fritas, que tinha guardado para o fim, ele admitiu: — Não sei o que fazer agora.
— Ele olhou para Garvey. — Você é um executivo experiente, um consultor.
Algum conselho?
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— É bom você conseguir novos projetos com urgência.
— Sem brincadeiras, Sherlock.
Garvey sorriu. Ambos sorriram.
— Ou conseguir mais trabalho —, disse Garvey —, ou arcar com o prejuízo
e acabar com tudo agora.
— Assinei um contrato de aluguel. Estou devendo um monte de dinheiro.
— Então sua decisão está tomada. — Garvey pegou o cheque, juntou
uma nota de um dólar que tirou da carteira como gorjeta e se levantou. — Se
souber de alguém que precise de seus serviços, aviso.
— Obrigado.
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— E os outros? — Perguntou Spider, que ouvira a pergunta antes de se
afastar.
Michael imaginou que em nome da ética seria melhor ser flexível naquele
momento. — Sim, vou fazer um cheque para todos que precisarem de dinheiro.
— E quem não precisava?
Naquela noite estava exausto. Ele acabou o Stoly e começou a trabalhar
em Popov. Adormeceu em sua poltrona Archie Bunker e acordou às três da
manhã, não com dor de cabeça, mas com dor nas costas. A dor de cabeça o
atingiria pela manhã. Quando o rádio começou a tocar às seis, seu corpo se
recusava a mover-se. Mas ele tomou banho e foi para a cidade.
Entrou no Nick’s jurando que seus dias de vodca estavam acabados. Quando
sentou, Garvey lhe disse que parecia um morto-vivo.
— Acho que estou pegando uma gripe.
— Eu ia lhe telefonar mais tarde, se não o encontrasse esta manhã... — Ele
pegou a carteira e tirou um cartão comercial, e o colocou sobre o balcão ao
alcance de Michael. — Isso o fará sentir-se melhor. Carl Jenks. Conversei com
ele ontem sobre a Industrial Automation.
A Industrial Automation era a outra empresa, dentre as 500 maiores da
revista Fortune, que tinha sede em Bridgeford. Eram antigos fabricantes de
máquinas-ferramentas, e mais recentemente tinham entrado na área de robótica,
com resultados variáveis.
Eu já trabalhei para a Industrial Automation —, disse Michael. — Não
ultimamente, embora deva ter falado com o encarregado de marketing três ou
quatro vezes no mês passado.
— Carl é o chefe de serviços de assistência ao cliente. Seu pessoal instala e
dá manutenção às máquinas que a I.A. fabrica. Eles estão em todo o mundo.
De qualquer forma, lançaram um robô no ano passado que se tornou um pesa-
delo para a manutenção. Carl e eu chegamos à conclusão de que a maioria dos
problemas é causada pelos clientes que não seguem certos procedimentos ao
fazer a manutenção. Eu disse: por que você não faz um vídeo para ensinar aos
técnicos como fazer exatamente o que devem fazer? Carl achou uma ótima
idéia. Ele mesmo ia fazer o vídeo. Se vai produzir o vídeo, certifique-se de que
ele seja realmente comunicativo. E é aqui que você entra. A não ser que esteja
ocupado demais...
Michael pegou o cartão. — Vou telefonar-lhe imediatamente.
— Bom. Ele tem pressa. Aqui entre nós, acho que ele está mais preocupa-
do com rapidez do que em conseguir um preço baixo.
— Obrigado —, disse Michael.
— Não há de quê.
97
— Bob, posso lhe oferecer uma comissão por indicar o cliente, ou qual-
quer outra coisa?
Garvey balançou a cabeça. — Você não me deve nada. Apenas faça um
bom trabalho para o Carl, se ele o contratar.
Michael pegou a conta de Garvey. — Ao menos deixe-me pagar o seu café
da manhã.
Garvey encolheu os ombros, e então se inclinou para a frente, dizendo em
voz baixa: — Vou contar uma coisa. Estou disposto a ajudar qualquer um que
tenha sido ferrado pela Três-E.
110
Primavera
Quanto tempo tem a empresa?
— Abrimos em janeiro. Três meses. Bem, quase quatro meses agora. —
Michael estava nervoso. Ele percebeu que se inclinava para a frente, e já estava
quase em cima da mesa do responsável pelos empréstimos do BNB, Ted Polleck.
Polleck não sorria nem mostrava desagrado, mas continuava a examinar as
folhas de papel, um balanço e uma demonstração de resultados, que Michael
lhe tinha passado por sobre a mesa. Era a primeira reunião que tinham e se as
roupas constituíam uma indicação, Polleck parecia ser qualquer coisa, menos
moderninho. Ele usava uma camisa branca com colarinho puído, e sua gravata
parecia saída de uma loja de antiguidades. Ele provavelmente estava na casa dos
trinta anos, mais novo do que Michael. Há três semanas Michael perguntou a
Patrícia quem, na divisão de empréstimos comerciais, era de fácil trato. Ela fez
algumas indagações e retornou a ligação, indicando o nome de Polleck. Talvez
tenha sido uma vingança dela.
— O que isso significa “vídeo produções”? Comerciais, vídeos de rock?
— Produzimos alguns comerciais de TV. Quero dizer, podemos produzir.
Não que tenhamos produzido desde que abrimos a empresa. Na verdade, pro-
duzimos o programa ‘A-okay!’ com Herb Gingway. Michael esperava que isso
pudesse quebrar o gelo.
Polleck levou um minuto para entender. — Oh, foi você que fez aquilo?
— Sim, foi nosso primeiro trabalho. Um dos primeiros. Fizemos outros
depois desse, é lógico.
— O Sr. Gingway estava bem no filme —, disse Polleck.
Isso era o que a maioria das pessoas dizia, se mencionassem qualquer coisa
sobre o vídeo ‘A-okay!’, que fora remetida aos clientes comerciais e também
exibida para os empregados do banco em março e abril passados. Na verdade,
era um filme maçante, mas Stoney tinha feito um bom trabalho com a ilumina-
ção, e Gingway realmente estava bem, e isso parecia ser o ponto de principal
importância para as pessoas que importavam.
— Por que você quer um empréstimo?
111
— Equipamentos. Precisamos comprar mais equipamentos.
— Então vocês precisam comprar alguns... o quê? Alguns videocassetes ou
câmeras ou...
— Não, veja, já temos os equipamentos essenciais para produção: uma
câmera, gravador, luzes, microfone, tripé. Alugamos tudo isso, mas precisamos de
equipamentos que nos permitam fazer nossa própria pós-produção. Sabe, edição.
— Uh-hum.
— Aqui... — Da pasta em seu colo, Michael retirou uma lista e tentou
deslizá-la pela mesa do funcionário do banco. — Esta é a lista dos equipamen-
tos que pretendemos comprar.
Polleck olhou rapidamente e franziu as sobrancelhas.
— Veja, eu poderia explicar... — Michael respirou e obrigou-se a se acal-
mar. — Nós realmente precisamos dispor de um conjunto de edição...
— Um o quê?
— Um conjunto de edição — um sistema que nos permita fazer nossa
própria edição com todos os efeitos necessários.
— Isso totaliza mais de um quarto de milhão de dólares em equipamentos
—, disse Polleck.
— Certo. E, acredite ou não, fui realmente muito econômico quando
elaborei a lista. Poderíamos certamente gastar muito mais do que isso, se acres-
centássemos alguns enfeites.
— Uh-hum.
— Mas fiquei com o que achei absolutamente essencial. Veja, para produ-
zir vídeo de alta qualidade técnica, precisamos de equipamentos de uma pole-
gada ao invés de três quartos de polegada ou Super VHS.
Michael podia ver pelo rosto de Polleck que nada disso tinha qualquer
significado para ele.
— Veja, o padrão de qualidade para as emissoras era o vídeo de duas pole-
gadas, mas foi reduzido para uma polegada. Agora, o formato de três quartos de
polegada é o antigo padrão industrial, mas é como um dinossauro do negócio.
E o formato Super VHS é um VHS de alta qualidade, mas muito limitado em
termos do que se pode fazer...
Polleck não estava mais tentando olhar para ele. Polleck não se importava.
— Portanto, o formato de uma polegada é o mais indicado profissional-
mente, porque pode fazer interface com tudo...
— Você disse que alugou sua câmera e todas as outras coisas. Por que você
não alugou tudo o que precisava?
— Pensei em examinar a possibilidade de comprar o equipamento de edi-
ção. Sabe, ao menos analisá-la. — Isso era torcer a verdade, pois todas as pro-
postas para alugar os equipamentos foram recusadas.
112
— Sua empresa é uma sociedade? Polleck perguntou, tendo voltado à fo-
lha do balanço.
— Sim, mas pensamos em transformá-la em uma sociedade anônima logo
mais. — Michael disse isso esperando que Polleck pudesse achá-los mais profis-
sionais, ou sérios, ou sei lá, se fossem uma sociedade anônima. Mas Polleck
estava dizendo que não com a cabeça.
— Seria melhor, do ponto de vista de um empréstimo, se continuasse
como uma simples sociedade.
— Por quê?
— Bem, como sociedade os sócios são pessoalmente responsáveis pelas
despesas da empresa. Podemos estimar seus bens pessoais e acrescentar na conta
até certo ponto. Se for uma sociedade anônima, normalmente não podemos
fazer isso —, disse Polleck. — O problema é que sua empresa não tem ativos.
— Bem, eu não diria que não temos ativos. Como disse, temos algumas
luzes de estúdio e os microfones sem fio e o tripé...
— Mas não ativos do tamanho do empréstimo que você está pedindo —,
explicou Polleck. — Se o banco emprestar dinheiro a você, preferimos ver ativos
valendo consideravelmente mais do que o valor do empréstimo. Michael estava
pensando numa resposta, mas Polleck achou que era falta de entendimento. —
Porque se sua empresa afundar, os ativos podem ser vendidos para recuperar o
dinheiro que o banco emprestou a você. Se a empresa é uma sociedade, os ativos
pessoais dos sócios também podem entrar em jogo, se necessário.
— Eu realmente não acho que isso seria necessário —, disse Michael.
— Sim, bem... — Polleck olhou para o balanço. — Quantos sócios tem a
firma?
— Seis.
O número surpreendeu Polleck de tal forma que ele mudou sua expressão.
— É... um bocado. Para uma empresa tão nova.
Do jeito que Polleck reagiu, Michael entendeu que ‘um bocado’ queria
dizer ‘ruim’.
Em defesa, Michael disse: — Veja, tínhamos trabalhado juntos na Barkes
& Collwin e foi por princípio que incluímos todos... Quero dizer, a idéia é que
somos todos proprietários da empresa, então nos anos ruins todos dividem os
sacrifícios e nos anos bons dividimos os ganhos.
Polleck olhou Michael como se ele estivesse falando uma língua diferente.
Uma língua estrangeira, talvez como russo.
— Você trouxe o seu plano de negócios?
— Ah, bem, veja, — disse Michael, intercalando um sorriso, — temos
estado tão ocupados tocando o negócio, que ainda não tivemos tempo de fazer
um plano de negócios. Mas planejamos fazer o plano, quero dizer, um dia...
113
Polleck colocou os relatórios financeiros de Michael sobre a mesa e em-
purrou-os com as pontas dos dedos, como se não quisesse mais ser importuna-
do por eles, relaxou os ombros, recostou-se em sua cadeira de couro. — Espero
que você não se importe se falar francamente.
— Não, por favor, fale.
— Mike, você nos procurou muito cedo. É de certa forma muito cedo
para você contrair um empréstimo. Certamente, conosco é muito cedo. O
Bridgeford National Bank é conhecido como uma instituição conservadora.
Por outro lado, não temos tido o tipo de problemas que muitos outros enfren-
tam. Agora, não estou dizendo que você não vai conseguir o empréstimo com
algum outro credor, mas as probabilidades são bem remotas. Mesmo se seu
cadastro for aprovado para um empréstimo, é melhor olhar direito onde está
entrando, porque os termos vão refletir os riscos, e neste momento você repre-
senta um alto risco.
— Espere um minuto, por que diz isso? — perguntou Michael.
— Primeiro, você não tem história.
— Mas eu tenho mais de vinte anos de experiência em produção de vídeo
e filmes profissionais.
— Sua empresa não tem história. Segundo, você tem muitos sócios que, se
ainda não são, podem vir a ser muito difíceis de manejar ao longo do caminho,
e levar a problemas.
— Temos um contrato social.
— Terceiro, você tem poucos ativos, e pouca receita.
— Bem, se pudéssemos conseguir um empréstimo, poderíamos comprar
alguns equipamentos e conseguir mais trabalho e todos seriam felizes.
— Mike, a função deste banco não é financiar novas empresas.
— Não entendi.
— Nós, da área de empréstimos comerciais, emprestamos dinheiro para
empresas estabelecidas que pretendam se expandir. Esse é o nosso principal
papel. Se você está aqui depois de apenas três meses, precisando de dinheiro
para comprar equipamentos, pode-se dizer que sua empresa está descapitalizada.
Você e seus sócios têm que ir mais fundo nos próprios bolsos, ou têm que
encontrar algum investidor externo. Ou talvez você tenha um tio rico que con-
corde em ser seu avalista pessoal — em outro banco, não no BNB. — Polleck
olhou para o relógio. — Tenho uma reunião dentro de alguns minutos, mas se
pudesse apenas dar um ou dois conselhos...
— Por favor, fale.
— Antes de tudo, monte um plano de negócios — não para mim, não para
outro credor, mas para vocês mesmos. Depois, consiga um bom desempenho por
um ou dois anos. Três seria ainda melhor. Depois volte e conversaremos.
114
— Pretendemos ir um pouco mais rápido do que isso.
— Sim, bem, se daqui a um ano estiver indo muito bem — como, por
exemplo, se a receita for três ou quatro vezes as despesas e retiradas — então
talvez possamos nos mover um pouco mais rápido.
Michael se levantou. — Então, em outras palavras, quando estivermos
indo tão bem que não precisemos mais do dinheiro, devemos voltar e conversar
com vocês.
— Parece que é assim que sempre funciona. — Ele empurrou os relatórios
financeiros sobre a mesa em direção a Michael.
Michael entendeu a dica, e abriu sua pasta. — Bem, de qualquer forma,
muito obrigado por seu tempo.
Ted Polleck estendeu-lhe a mão. — Boa sorte.
123
único dinheiro que recebemos foi do BNB, que arredondando chega a vinte. O
resto é o que os contadores chamam de “contas a receber”, o que significa que o
dinheiro nos é devido, mas ainda não o recebemos. Ok? Então você soma esses
dois números — vinte mil em dinheiro recebido das vendas e cinqüenta mil de
capital inicial — e você chega a setenta mil dólares. É esse o total de dinheiro
que entrou no negócio desde que começamos.
— Ainda é uma bela soma de grana. Para onde foi tudo isso? — Insistiu
Redmeat.
— Aluguel, para começar. Dois mil e quinhentos por mês. Pagamos dois
meses adiantados, mais os três meses que estamos aqui. O que dá...
— Doze mil e quinhentos —, disse Boner.
— Então teve a câmera e o gravador da Sunset Leasing. Estamos pagando
dois mil e seiscentos e trinta e quatro paus para o Krebs todos os meses, mais os
dez por cento que pagamos adiantados. Os móveis de escritório, que custam
cento e quarenta e um por mês, bem barato considerando o resto. Há o apare-
lho de fax — quinhentos e tanto — e a copiadora, outros mil e oitocentos. As
linhas de telefone fixo mais o telefone celular nos custam entre duzentos e tre-
zentos por mês. Mais os dois computadores, a conta de eletricidade, e assim por
diante. Mais a Babe, que tem custado mil e quinhentos por mês em salários
mais impostos e seguros. E nós. Pagamos a nós mesmos mais de vinte e quatro
mil desde que começamos.
— Ok, ok. —, disse Redmeat com impaciência —, quanto no total joga-
mos fora?
— Em termos gerais, cerca de noventa e cinco mil. Embora eu não disses-
se que jogamos fora. Não é como se tivéssemos dado uma grande festa ou qual-
quer coisa do gênero.
— Noventa e cinco? — Perguntou Boner, apontando para sua calculado-
ra. — Como é possível? Nós tínhamos apenas setenta para gastar.
— Certo —, disse Michael. — Estamos cerca de vinte e cinco mil no
vermelho.
— No vermelho? O que isso significa? Perguntou Tanny.
— Devemos mais de dez mil para o canal Sessenta e Seis pelo uso da ilha
de edição. Devemos ao Hoona oitocentos e trinta pelos scripts. Também estamos
um mês atrasados no leasing da câmera, que é de cinco mil, duzentos e sessenta
e oito por mês. E temos uma pilha de contas de abril em minha mesa, que não
pudemos pagar, totalizando cerca de mil e quinhentos paus.
Boner apertou o sinal de igual com a ponta do dedo. — Você está certo.
Mais de vinte e cinco mil. — Ele olhou para eles. — No vermelho.
Tanny segurou a cabeça. Redmeat balançou a sua e disse: — Eu não fazia
idéia...
124
— Onde você esteve nas últimas semanas? — Michael perguntou a ele. —
Eu disse que o dinheiro estava apertado!
— Eu sabia que estava mal. Mas não sabia que estava tão mal assim!
— Por que ainda estamos sentados aqui? — Perguntou Stoney. — Acabou.
Mike você está nos dizendo que estamos quebrados. Então que seja. Estamos
acabados.
— Não. Não estamos acabados —, insistiu Michael. — Estamos em mau
estado, com as costas na parede, mas não podemos parar agora.
— Mike, você está sonhando! Não temos trabalho. Não temos dinheiro.
Estamos afundados em dívidas até o pescoço. Então, acabou!
— Detesto admitir —, disse Redmeat —, mas acho que ele está certo. Acho
que deveríamos acabar com isso e seguir em frente. O que mais podemos fazer?
— Ficar firmes até sermos pagos. Buscar mais negócios. Imaginar meios
de fazer o negócio funcionar. Veja, a Industrial Automation nos deve um bom
dinheiro. Assim que esse dinheiro sair, devemos ficar bem por algum tempo.
Stoney virou os olhos. — Oh, sim. Por quanto tempo?
Como se estivesse na escola, Boner levantou a mão. — Posso fazer uma
pergunta? Eu não entendo. Como a I.A. pode nos dever todo esse dinheiro e
não pagar? Como podem fazer isso conosco?
— É —, disse Redmeat —, não podemos processá-los ou fazer alguma
coisa?
— O processo legal —, disse Michael —, move-se devagar e não vale a
pena. Muito antes de chegar à corte já teríamos sido pagos e não teríamos um
caso. Além disso, se tentarmos processá-los, ou mesmo se fizermos muita pres-
são, nunca mais receberemos encomendas deles. E os bastardos sabem disso. É
por isso que agem assim. O que consegui saber é que nos próximos dois meses
deveremos receber o dinheiro.
— E como vamos viver até lá? — perguntou Redmeat.
— Não sei, Red. De algum jeito temos que nos segurar.
— Não eu —, disse Stoney. — Estou fora disso. Mesmo se recebermos.
Não consigo sobreviver com o que estamos levando para casa. Então, até logo.
— Ele se levantou.
— Espere um minuto! — disse Michael.
— Estou saindo. — Ele olhou para eles, um por um. — Alguém mais? Eu
quero dizer, isso é loucura.
— Steve, isso não é um trabalho em que você pode simplesmente se demi-
tir. É uma sociedade. Você não pode simplesmente sair.
Mas, com um sorriso no rosto, Stoney foi para a porta.
— Ei, você assinou um acordo como todos nós. Estamos todos no mesmo
barco. Você não percebe? Eles podem vir atrás de nós pelo dinheiro.
125
— Eles que se ferrem. E você também. Estou fora.
Michael, exasperado, observou-o sair, como os outros também observa-
vam. A porta do estúdio abriu e ainda não tinha fechado quando Spider se
levantou da mesa.
— Onde você pensa que está indo?
— Stoney está certo, Mikey. Isso é besteira. Eu vou para a Flórida.
Spider segurou a porta antes de ter fechado e a abriu com tanta força que
formou uma pequena brisa. Quando ela bateu ao se fechar, Spider já estava na
esquina.
— Eu não vou fechar, — disse Michael rapidamente aos três restantes. —
Não sei sobre o resto de vocês. Não posso forçá-los a virem trabalhar aqui de
manhã. Mas eu não vou fechar.
Redmeat olhou para o tampo marrom da mesa, inerte, riscado, marca-
do, e disse: — Mike, eu acho que a coisa mais esperta a fazer é terminar a
sociedade, concordar que acabou, e quando o dinheiro sair, acertamos com
todos a quem devemos, dividimos o que sobrar, se sobrar, e seguimos nossos
caminhos separados.
— E fazer o quê?
— Não sei. Talvez possamos administrar as coisas como, você sabe, uma
associação livre de free lancers ou algo assim.
— Red, você é quem não queria ser free lancer. Não lembra? E você,
Tanny, pelo que me lembro, não queria acabar como garçonete de coquetéis.
Boner, acho que você é que tem as melhores perspectivas de emprego de todos
nós. Você sempre pode entrar para o reparo de aparelhos de televisão. E eu,
acho que vou ser corretor de imóveis, ou de seguros de vida! É isso aí!
— Não, eu fico. Por um lado, tenho muito dinheiro aqui para fugir. Meu
nome está em muitos pedaços de papel. Mas essa não é a razão mais importante
de eu permanecer. Ouçam-me: no último inverno juntamos nosso dinheiro e
compramos uma oportunidade. A oportunidade não estava livre de risco, e
acredito que fui franco com vocês quanto a isso. Neste momento a situação
parece realmente ruim. Mas a carruagem não parou. Ela ainda é nossa. Ainda
temos a oportunidade. Saia agora, e ela se foi. Se ficarmos juntos, podemos
encontrar um jeito de fazer isto funcionar.
Ele olhou de um para outro de seus parceiros, mas viu apenas dúvidas e
desilusão em seus olhos.
— Acho que tenho que pensar a respeito —, disse Redmeat.
— Por que não consideramos a situação por um dia —, sugeriu Tanny. —
Vamos voltar ao assunto amanhã. Talvez as coisas pareçam melhores.
Os três remanescentes levantaram-se e saíram. Tanny, ao passar, pôs a mão
no braço de Michael e esfregou-o levemente. Depois de saírem, Michael ficou
126
sozinho sentado no estúdio. Ele queria levantar e ir para casa, ou ao menos à sua
sala, mas não tinha energia. Então ficou lá sentado por cinco, dez, vinte minu-
tos. Ficou sentado, simplesmente olhando as cadeiras vazias. Finalmente con-
venceu-se de que tinha forças para se levantar. A última coisa que fez antes de
ir para casa foi esvaziar o balde da mesa de Babe.
Ele temia ir para casa. A primavera não tinha derretido o gelo dos senti-
mentos entre ele e sua mulher. Eles se viam e falavam apenas alguns minutos a
cada dia, quando o faziam. Ela estava fora da cidade a maior parte do tempo.
Imediatamente depois da reorganização, sua carga de trabalho diminuiu, mas
em questão de semanas ela estava trabalhando pelo mesmo número de horas de
sempre. Tenho que trabalhar tantas horas porque sou muito importante, era o que
sua atitude sugeria. Em qualquer dia havia cinqüenta por cento de chances dela
estar viajando. Quando estava na cidade, saía de casa entre seis e sete da manhã
e normalmente retornava entre oito e nove da noite. Os fins de semana iam do
início da tarde dos sábados até o meio da tarde dos domingos. Eles não faziam
sexo. Nos últimos quatro meses Michael tinha sido perversamente fiel. A única
vez que fez amor foi com Tanny Zoelle.
Normalmente, quando Michael e Regan falavam um com o outro, a con-
versa girava sobre assuntos como lavanderia, listas de compras, manutenção dos
carros, os aspectos práticos de suas vidas. O tom dela, nas ocasiões em que
perguntava como o negócio estava indo, deixava aparente que ainda achava que
ele era um idiota por começar um negócio do modo como começou. Ele daria
a ela as boas notícias. Agora teria que contar que o negócio falhou. Que ele
tinha falhado.
Sim, Regan, você estava certa, ele pensou. E Stoney, e Spider, e Lyle Beekstra e
Ted Polleck e todos os outros. Você estava certa e eu fui um idiota. Me ferrei. Ele se
torturou com tais pensamentos durante todo o caminho até Deerfield.
O Lexus estava na garagem quando ele chegou em casa. Perfeito, ele pen-
sou. Ela tinha que resolver não trabalhar até tarde justo naquela noite. Ele subiu
para tirar o terno e a encontrou na cama. Ela era uma protuberância sob as
cobertas, com as costas para a porta. Estava quieta e em silêncio, e ele pensou
que estivesse dormindo. Ele pendurou o paletó, tirou a gravata, começou a
desabotoar a camisa. Ouviu-a fungar. Ele espiou e viu que seus olhos estavam
abertos, vidrados e vermelhos nos cantos.
— Você está bem?
— Não.
— Está doente?
Ela disse alguma coisa que ele quase não pôde ouvir.
127
— O quê?
— Estão cortando meu cargo —, ela disse mais alto.
Seus dedos pararam assim que chegaram ao último botão de baixo.
— Eles ofereceram alguma outra coisa?
— Não. Estou sendo cortada.
Um monte de sentimentos passaram por ele em poucos segundos. O pri-
meiro foi preocupação. Por que, querido Deus, isso tinha que acontecer agora?
Como vamos pagar as contas? Então ele se sentiu bravo com ela, se sentiu superior.
Agora ela sabe como é. É bom para ela. Depois ele sentiu tristeza. Você vai ter que
ser legal com ela, não importa como ela o tratou. Apenas porque ela agiu como uma
puta não quer dizer que tenha que ser estúpido. O trabalho era tudo para ela.
Tudo isso se passou silenciosamente. Um momento depois ela se virou,
não o encarou diretamente, mas levantou-se sobre o cotovelo. — Eles vão me
dar um pacote de indenização. Muito bom, acho. Inclui um ano de pagamento.
Não é como se fôssemos parar na rua. Devemos ficar bem.
Então ela balançou as pernas sobre a borda da cama e se sentou.
Ela apertou os punhos e bateu nos joelhos. — Mas depois de tudo que fiz
por eles!
Michael sentou-se na cama perto dela, e a abraçou. Ela se encostou nele e
colocou a mão em sua perna. Depois de um minuto, ele deitou na cama, e ela se
encolheu e repousou a cabeça no ombro dele. Não chorou, mas ficou assim por
algum tempo. Enfim, ele achou que ela havia adormecido e tentou sair de de-
baixo dela, mas ela acordou.
— Você quer jantar? — Perguntou.
— Não. Quero apenas dormir. Apenas me deixe dormir.
Ele a cobriu e terminou de se trocar. Ele desceu e aqueceu seu jantar no
microondas. Então tomou uma vodca on the rocks, e esperou que ela levantas-
se. De certa forma, estava aliviado. De certa forma, sentia-se obrigado a omitir
o próprio desastre.
Ela dormiu, ou ao menos ficou na cama, toda a tarde. Michael foi para a
sala, abriu sua maleta e tirou o livro sobre plano de negócios. Sentou-se em sua
poltrona reclinável e começou a ler. Isto é, tentou ler, mas a maior parte do
tempo ele pensou, bebeu e ficou preocupado. Sua mente corria entre as possibi-
lidades e não chegava a lugar algum.
Lá pelas dez horas Tanny finalmente tinha colocado Jason na cama, ajuda-
do a mãe no banho, limpado a cozinha e a sala, e agora começava um tempo só
seu. Abriu o armário mais alto e tirou da prateleira de cima o maço de Marlboro
e fósforos.
128
Ela pegou o cinzeiro sob a pia, sentou-se à mesa e tirou um cigarro do
maço. Riscou um palito de fósforo. Ao deixar sair de sua boca a fumaça, com a
cabeça inclinada para trás, a própria fumaça subia em forma de novelo até o
teto desbotado, manchado e com fendas.
Era essa a única hora do dia em que fumava. Sentava-se à mesa, fumava, e
deixava a mente vagar livremente contendo preocupações, contrariedades e fan-
tasias. Noite após noite, ela se permitia tais pequenos pecados ao ficar só, senta-
da na diminuta cozinha. Depois ela lavava o cinzeiro, colocava tudo de volta no
lugar e ia para a cama.
Algumas vezes imaginava Michael lá, à mesa, fumando com ela, apesar
dele não fumar e apesar de ele provavelmente não gostar dessa idéia. Ela gostava
de imaginar os dois conversando e fumando e eventualmente indo juntos para
a cama. No momento, entretanto, na maior parte do tempo, ela só pensava em
como as coisas estavam indo mal. Se a empresa afundasse, e tinha quase certeza
de que isso ocorreria, o que ela poderia fazer? Não tinha idéia. A preocupação
acompanhou-a durante toda a noite.
De volta à Caverna, Michael se dirigia na frente dos outros para a porta, mas
encontrou a entrada parcialmente bloqueada por uma escada. A parte inferior de
um homem de botas e macacão os saudava. Baldes e ferramentas cobriam o chão.
Babe estava atrás de sua mesa, agora em nova posição, e quando Michael entrou
ela sorriu maliciosamente e estendeu a mão, com a palma para cima.
Michael também sorriu. — Já está consertado?
— Não, estará.
— Bem, está perto. — Ele tirou a carteira. Quando colocou a nota de um
dólar na mão dela, acrescentou: — Bom trabalho.
Eles decidiram, como não tinham nada melhor a fazer, que continuariam
a conversar sobre a empresa, e então sentaram-se em volta da mesa.
— O que vocês acharam das três estratégias citadas por Bob Garvey? —
Perguntou Michael.
143
— Achei que a segunda, conseguir negócios em outras cidades, não faz
muito sentido —, disse Redmeat. — Não para nós. Não estamos conseguindo
trabalho suficiente nem aqui em Bridgeford, como vamos conseguir em outras
cidades onde ninguém nos conhece?
— Concordo —, disse Michael. — Que tal as outras duas?
— A terceira foi a que mais me chamou a atenção —, disse Redmeat. —
Vamos imaginar o que vai ser a próxima grande novidade e oferecê-la antes de
qualquer outro.
— É, ela me atraiu também —, disse Tanny.
— E a mim também —, disse Boner.
Michael estava de certa forma surpreso com isso, mas resolveu deixá-los
prosseguir um pouco. — Ok, então quais são as tendências?
— Em vídeo?
— Em qualquer coisa na qual, em tese, poderíamos ser competentes.
— Vídeo digital —, disse Boner. — Efeitos gerados por computador.
— É —, disse Tanny —, mas se não podemos comprar um sistema de
edição em uma polegada, certamente não podemos tocar nesse tipo de sistemas
também.
— Ok, mas vamos continuar —, disse Michael. — O que mais está acon-
tecendo?
— Toda a atividade de vídeo doméstico —, disse Redmeat. — Câmeras,
VCRs, antenas parabólicas, cabo.
— Certo.
— Jogos de computador —, disse Tanny.
— Ei, agora você está falando de verdade —, disse Boner. Ele era, como
todos sabiam, um aficionado por jogos de computador. — Isso seria realmente
demais, produzir jogos de computador.
O entusiasmo de Boner deu a Michael uma idéia. — É, vamos conversar
sobre isso por um momento. O que vocês gostariam de fazer? Quero dizer, se
tivéssemos escolha, qual seria o meio de ganhar a vida que vocês escolheriam?
— Como disse, eu gostaria de produzir jogos de computador —, disse
Boner. — Ou ao menos realizar os testes preliminares.
— E você, Tanny?
— Eu gostaria... — ela começou. Encontrou coragem. — Se você quer
saber minha primeira escolha, gostaria de ser uma artista de vídeo. Do tipo que
comecei a ser, quando morei em Nova York. Ou, além disso, gostaria de traba-
lhar como fotógrafa em filmes para cinema. Ou ao menos em filmes para a
televisão. Ou qualquer outra produção visual criativa que não seja propaganda
ou vídeos institucionais, embora, obviamente, prefira qualquer uma dessas op-
ções a ser garçonete, por exemplo.
144
— Ok. Red?
— Eu gostaria de ser engenheiro chefe de áudio em algum estúdio de
gravação supercolossal, de alta tecnologia. Ou gostaria de ser produtor de al-
gum dos melhores artistas de jazz.
— Uh-hum —, disse Michael. A resposta de Redmeat mostrou mais am-
bição do que Michael teria atribuído a ele. — Isso é interessante.
— Ou —, Redmeat continuou —, que diabos, já que estamos sonhando.
Gostaria de ser um milionário. Construir meu próprio estúdio, lançar minha
própria marca. É o que faria se tivesse dinheiro.
— E você, Mike? — Perguntou Tanny.
— Eu? Bem, estou cansado de blá, blá, blá. Cansado de vídeos institucionais.
Eu costumo pensar que gostaria de dirigir novamente — filmes ou televisão,
não a merda que fazemos. Mas não teria que ser isso. Acho que poderia ser qual-
quer tipo de programação criativa, alguma coisa visual, contanto que tivesse en-
tretenimento ou valor cultural. Sabe, não seria ótimo produzir alguma coisa que
vendesse por seus próprios méritos? Sabe, um programa que as pessoas quisessem
ver, ao invés de comerciais nos quais as pessoas nem prestam atenção.
— Talvez seja isso que devemos fazer —, disse Tanny. — Parece que todos
nós queremos fazer projetos criativos. Então, por que não podemos?
— Dinheiro —, disse Michael. — Estamos sempre voltando a isso. Preci-
samos de dinheiro para o desenvolvimento.
— E que tal a Internet? — Sugeriu Boner.
— O que tem ela?
— A Internet está indo cada vez mais para a área gráfica e de vídeo. Se você
está procurando por uma tendência, que tal?
Então Redmeat disse: — Que tal multimídia?
— Como CD-ROMs?
— Apresentações em multimídia —, disse Redmeat. — Esse tipo de coisa
estaria mais em nossa linha, e é a próxima onda do futuro, você sabe.
— Quem seriam os clientes? — Perguntou Michael.
— Não sei. A Três-E. Ou a I.A. O mesmo tipo de clientes que temos
agora. Sabe, podíamos fazer aquelas apresentações de vendas que rodam em
computadores portáteis. Acrescentando vídeo, gráficos, áudio, tudo.
— Em outras palavras —, disse Tanny —, uma apresentação institucional
com outro nome. Pensei que queríamos escapar desse tipo de coisa!
— Opa, espere —, disse Michael. — Talvez haja algumas possibilidades aí.
— Sabe —, disse Boner —, podemos comprar alguns computadores mui-
to bons por muito menos do que custaria instalar uma ilha de edição de uma
polegada.
— É, mas é isso mesmo que queremos fazer? — Perguntou Tanny.
145
— Não —, disse Michael —, mas talvez esse tipo de coisa seja a ponte à
qual gostaríamos de chegar. Entramos em multimídia com clientes corporativos
e, se formos bem-sucedidos, usamos o dinheiro que gerarmos para desenvolver
nosso próprio tipo de programação. Vídeo interativo, ou jogos, ou quem sabe
programações educacionais.
— Isso não seria tão mau —, disse Tanny.
— É —, disse Redmeat.
— Além disso —, disse Michael —, não posso pensar em ninguém em
Bridgeford que esteja fazendo multimídia no momento. Não ainda, pelo me-
nos. O Canal Sessenta e Seis com certeza não está. Will Churik não está. Se
você olhar em todos os estúdios de arte da cidade, mesmo Dick Fritz, nenhum
deles está com multimídia ainda.
— Então, por que não nós? — Perguntou Boner.
— Michael franziu as sobrancelhas. — O problema, como sempre, é tem-
po e dinheiro. Haverá uma curva de aprendizado — e não sabemos agora com
qual inclinação. Vamos ter que desenvolver um programa demonstrativo —
tanto para aprendermos como montar uma dessas apresentações, como para
mostrar aos clientes.
— Mike, se não fizermos algum movimento em qualquer direção —, disse
Tanny —, não sairemos do lugar.
Michael pensou por um momento, e então disse: — Você está certa, va-
mos ao menos dar uma olhada nisso. Boner... eu gostaria que você assumisse
isso. Quero que você aprenda tudo o que puder ser aprendido sobre multimídia
o mais rápido que puder.
— Certo.
— Imagine como podemos colocar um vídeo na tela de um computador,
e tudo o que precisamos, tecnicamente, para fazer acontecer. Enquanto isso...
Ele olhou para Redmeat. — Talvez você possa ajudá-lo.
— Certamente.
— E Tanny, que tal se eu e você nos concentrarmos nas vendas? Nós temos
que conseguir sem falta e rapidamente um grande projeto de vídeo que nos
permita atravessar o verão. Sua ajuda seria útil.
— Sem dúvida, vou ajudar —, disse ela —, mas o previno, não entendo
muito de vendas.
— Ensino você à medida que as fizermos —, disse Michael. — E gostaria
que todos nós empregássemos algum tempo todos os dias das próximas sema-
nas montando um plano de negócios. Talvez nos sentemos todas as manhãs por
cerca de uma hora, ou talvez no final das tardes. Gostaria que tivéssemos um
plano com a concordância de todos. Nada rebuscado, nada muito elaborado,
mas um plano para nós mesmos que delineie para onde queremos ir e como
vamos chegar lá. Ok? Vamos montá-lo.
146
A porta do estúdio abriu e Babe apareceu. — Desculpe-me, Mike. A se-
cretária de um senhor chamado Willard está ao telefone. Ela disse alguma coisa
sobre um cheque que estaria pronto.
A porta da Caverna estava fechada. Michael pegou sua chave e abriu para
que entrassem. Babe havia ido embora.
— Dane-se ela! — Disse Michael. Justo quando pensei que estava conse-
guindo fazer com que entendesse. — Ele se virou para Tanny. — Vou ter que
despedi-la. Detesto fazer isso, mas... — Louco de raiva, ele balançou a cabeça.
— O que você acha?
Tanny não respondeu. Michael estudou a expressão de seu rosto, que esta-
va em algum ponto entre expectativa e travessura.
147
— Qual o problema?
— Nada.
— Bem, é melhor telefonar ao Krebs.
— Só um minuto... — Ela apertou o botão na maçaneta, trancando a
porta.
— O que você está fazendo?
Ela se aproximou dele, escorregou as mãos por dentro de seu paletó e
deixou-as suavemente em sua cintura, inclinando a cabeça para cima. — Você
quer saber o que acho? Acho você fabuloso.
— É? — Murmurou ele.
— Uh-hum.
— Acho que o amo —, disse ela, com as mãos se movendo pelo corpo
dele. — Acho que gostaria de ter você dentro de mim, apenas mais uma vez.
— A seguir eles ficaram se beijando desesperadamente. Lábios, língua, em
todos os lugares — na boca, bochechas, pescoço, testa, sobrancelhas, orelhas —
e as mãos de um explorando de forma selvagem o corpo do outro. Quando
terminaram as preliminares, apenas se abraçaram e se apertaram um contra o
outro.
— Onde? — Perguntou Michael.
Ela pegou a mão dele, puxando-o pelo corredor. — Vem...
Ela o puxou para dentro da sala de controle e fechou a porta. Sem maiores
explicações, abriu o fecho da cinta dele. Cada um despiu o outro, abrindo fivelas,
desabotoando, desatando as roupas do outro — como se estivessem competindo
para deixar o outro nu. Quando estavam nus, com satisfação, pressionaram seus
corpos novamente, beijaram-se outra vez, agora mais lentamente.
Tanny começou a beijá-lo, formando um caminho pela frente do corpo
dele e parando apenas quando estava de joelhos. Ela pegou o membro dele na
boca, e Michael ficou com os pés ligeiramente abertos, acariciando os cabelos
dela, olhando para ela e para o que fazia. Observando-a, sentindo o que estava
sentindo, cada suspiro era como um gole de licor.
Ela ficou nisso por cerca de um minuto, mas em ambos havia um sentido
de imediatismo, da necessidade de se mover rapidamente e seguir em frente,
para não perder a oportunidade. Então ela se levantou e o puxou, desta vez não
pela mão, para o sofá de clientes. Ela se deitou, com um pé no carpete e outro
suspenso, bem acima do encosto do sofá.
— Eu tinha a fantasia de fazermos isso aqui, neste lugar —, sussurrou ela.
Ele se ajoelhou entre as pernas dela e posicionou-se cuidadosamente so-
bre ela.
— Eu o amo, Michael —, sussurrou ela ainda mais baixo no ouvido dele.
Ele apenas a beijou. A seguir, com um movimento, penetrou-a.
148
Dirigindo para casa, começou a sentir-se culpado. Quando entrou na co-
zinha a casa estava quieta. Ele passou cinco minutos lá parado, sem decidir
nada, apenas em pé no meio da cozinha, como se uma força invisível o estivesse
impedindo de subir para o quarto, onde suspeitava que sua esposa estivesse.
Finalmente ele a ouviu.
— Michael? É você?
— É, sou eu.
Nada mais. Ela só queria saber. Ele se serviu de vodca. Já tinha tomado
uma depois de tudo, no Nick’s. Mas agora ele realmente queria, quase conscien-
temente, amortecer aquela estranha mistura de emoções, culpa, desejo sexual e
prazer. Com o copo na mão, subiu.
A televisão estava na Oprah, a única fonte de luz no quarto. Regan esta-
va na cama, assistindo. Ela quase não olhava para ele. Com poucas exceções,
era aí que ele iria encontrá-la ao voltar para casa, todos os dias durante todo o
mês ou quase.
149
Verão
163
com o cliente veterano ou experiente, porque o cliente deve ter algum conhe-
cimento para apreciar a oferta.
— Como isso se aplicaria à minha empresa —, perguntou ele.
— Depende de seu cliente. Se você estiver vendendo para o departamento
interno de áudio e vídeo ou para alguém de marketing que tenha feito um
monte de vídeos antes, então você deve mandar uma carta oferecendo um ser-
viço grátis. Não sei o quê, talvez um script ou alguma outra coisa grátis.
— É caro demais.
— Bem, qualquer coisa. Por outro lado, você diz em seu plano que quer
entrar em multimídia. No momento, é uma área relativamente nova, provavel-
mente está no mesmo ponto em que estava a TV corporativa dez ou quinze
anos atrás. As pessoas não vão ter muita experiência e estarão procurando al-
guém que lhes mostre o caminho. Por um especialista...
— Então oferecemos...
— Conhecimento grátis. Talvez você deva escrever um artigo para alguma
revista profissional sobre algum aspecto da multimídia. Lógico, você tem que
convencer a revista a publicá-lo e mostrar suas credenciais. Então poderá conse-
guir cópias do artigo e enviar para clientes em potencial. Ou, talvez, deva escrever
um pequeno livro com o título Multimídia de A a Z, ou então fazer um disquete
e o distribuir. Ou também pode montar um evento, como um seminário.
— Uh-hum. É uma idéia.
— De qualquer forma, posicione-se como especialista. — Ela se recostou,
relaxando ao falar. — Claro que também há todo tipo de ramificações. Se estiver
lidando com novatos, terá que enfatizar o trabalho de distribuição pessoal, e terá
que cobrar proporcionalmente. Terá que considerar em seu preço a curva de apren-
dizado dos clientes. Existem muitas questões a considerar. Quem vai fornecer os
computadores portáteis nos quais as apresentações serão exibidas? Quem vai ins-
talar o software? Quem vai ensinar os vendedores a usar a multimídia diante dos
clientes? Se pegar o serviço, você terá que fazê-lo e tudo isso será fator de custo.
— Em poucos anos será diferente. A multimídia será conhecida, e você
estará tentando estabelecer relacionamentos com usuários experientes, especial-
mente aqueles que lhe oferecerem trabalhos repetitivos. Será como foi com o
videocassete. Há dez ou doze anos eu estava numa reunião gerencial e ninguém
sabia como inserir a fita no aparelho de videocassete. — Ela começou a rir. —
Verdade! Colocavam a fita ao contrário e o aparelho continuamente a cuspia de
volta! Fui eu que percebi e resolvi o problema, e você sabe como sou com deta-
lhes técnicos! E eram gerentes da Três-E! Provavelmente eu tinha o menor salá-
rio na sala e...
Ela parou ali, no meio da sentença, como se alguém tivesse puxado o fio
da tomada. Cinco, seis segundos se passaram.
164
— Qual o problema —, perguntou Michael.
Os cantos de sua boca se retraíram, e o rosto dela se transformou, como se
fosse uma velha menininha. Três ou quatro lágrimas escorreram dos olhos de
Regan. — Quero o meu emprego de volta!
Ela se despedaçou, e Michael ficou sem saber o que fazer.
— Eu o quero de volta! — Continuou dizendo, e: — Não é justo!
Michael foi, finalmente, capaz de alcançá-la do outro lado da mesa. —
Vem cá.
Ela contornou e sentou no colo dele. Ele a abraçou e acariciou sua pele
através do robe — com algum vigor, pois isso era assustador para Michael. Ele
nunca a tinha visto tão fragilizada.
— Eu fiz tanto para eles —, dizia ela. — Não é justo.
— Eu sei —, disse ele. — Você vai ficar bem. Você vai encontrar outro
emprego.
— Onde?
— Não sei, mas você vai encontrar. Você é uma mulher muito esperta.
Ele puxou gentilmente a cabeça dela para seu ombro.
Michael foi furtivo em relação à criação do evento. Isto é, ele fez com que
os outros tivessem a idéia. A partir do que sua mulher havia dito, ele deduziu
que uma boa estratégia para conseguir novos clientes em potencial deveria ter
por base: atrair os inexperientes, oferecendo conhecimento grátis, e atrair os
compradores veteranos, oferecendo um serviço grátis.
Conforme tinha sido estabelecido no plano de negócios, o principal meio
para eles crescerem seria alcançando empresas menores. As pessoas nas empre-
sas menores, raciocinou Michael, não teriam especialistas no staff para ajudá-
las com coisas como vídeo e multimídia. Eles seriam, provavelmente, menos
experientes. (Ou, ao menos, teriam mais probabilidade de necessitar ajuda e
assessoria externa). Portanto, algo como um seminário, ele pensou, deveria
ser atrativo.
166
Mas ele permitiu que os outros chegassem à idéia por si mesmos. De fato,
a semente original da idéia foi de Babe. Um dia, estavam todos sentados no
estúdio, fazendo um brainstorming sobre formas de promover o negócio. No
brainstorming, disse-lhes Michael, qualquer idéia, não importando quão estúpi-
da pareça, é válida. A intenção era conseguir muitas idéias, depois reduzir e
escolher entre as melhores. Todos os outros estavam fazendo sugestões sobre
formas diferentes de anunciar (fazer uma mala direta, colocar um anúncio no
jornal, pôr um anúncio na revista da cidade, ou nas páginas amarelas), quando
Babe levantou a mão, hesitante.
— Tenho uma idéia. Por que não fazemos uma festa e convidamos todo
mundo que conhecemos?
— Ok —, disse Michael. E, ah, como isso nos ajudaria?
— Bem, no último lugar em que trabalhei, antes de ir para a Barkes. Eram
esses caras que vendem ações.
— Corretores de ações? — Perguntou Michael.
— É, acho que é isso que diziam ser. De qualquer forma, estavam sempre
dando festas. Eles as chamavam “seminários”, mas na verdade eram coquetéis.
Então pensei que talvez pudéssemos fazer isso.
— Ei —, disse Michael —, realmente não é má idéia.
Ele foi ao quadro e escreveu: “Festas/Seminários”.
Babe assumiu uma posição mais alta na cadeira, enquanto Tanny deu uma
olhada que parecia dizer: Você deve estar brincando.
Depois de vinte minutos, entretanto, estavam conversando sobre que tipo
de seminário deveriam oferecer, porque sempre voltavam à idéia de Babe. Ou
antes, Michael sempre os conduzia de volta a ela.
Discutiram as questões táticas: deveriam cobrar ingresso para cobrir as
despesas? Quando deveria ser o seminário e onde? Quanta informação deve-
riam passar?
A última questão foi a que causou a mais acirrada discussão. Se eles divul-
gassem informações demais, não estariam cortando o próprio pescoço? Não
estariam transformando clientes em potencial em clientes auto-suficientes?
— Não podemos dizer tudo o que sabemos. É impossível —, disse Michael.
— Temos anos de experiência.
— Não, em multimídia não temos —, disse Redmeat.
— Daqui a um mês, quando acontecer, saberemos mais do que qualquer
outra pessoa. Além disso, temos talento, o que eles nunca terão.
Eles estabeleceram três pontos básicos: o seminário deveria ser gratuito,
divertido e curto. Sendo “grátis” e “divertido”, ajudaria a atrair as pessoas, que
era o ponto principal. Sendo “curto” deixaria os verdadeiros clientes em poten-
167
cial querendo mais. Assim haveria abertura para futuros seminários, se o pri-
meiro fosse bem-sucedido, e ajudaria a abrir a porta para contatos mais sólidos.
Mantiveram a duração do seminário em uma hora e meia. Longo o suficien-
te para que valesse a pena a viagem, mas suficientemente curto para que os pre-
sentes não se sentissem trabalhando em benefício do grupo que os convidou. E
haveria um presente no final: ingressos grátis para qualquer um dos filmes em
exibição no Cineway naquela tarde. Venha ao seminário e assista à matinê.
Foi essa a razão de terem escolhido um sábado. Negociaram muito com
todos os cinemas, e o Cineway ofereceu o melhor negócio: ingressos ao custo de
matinê, e teriam que pagar apenas pelos ingressos realmente utilizados.
Enviaram convites a cerca de duzentas pessoas, e oitenta apareceram. Já
teriam considerado o evento um sucesso se apenas a metade disso tivesse com-
parecido.
Foi bom porque, para eles, o investimento foi do tipo em que se aposta a
empresa. A montagem do evento estava custando quase dois mil dólares —
muito dinheiro, dada a situação de caixa. E isto apenas em relação ao que tive-
ram que desembolsar, pois se o tempo deles fosse incluído... bem, nenhum
deles queria pensar sobre o verdadeiro custo.
Passaram uma grande parte de junho e metade de julho preparando tudo.
Apenas a compilação da lista de pessoas levou mais de uma semana, mesmo
com quatro deles trabalhando. Michael e Tanny folhearam sistematicamente as
páginas amarelas, pegando os nomes e números de telefone das empresas que
poderiam ser clientes em potencial. Hoona e Babe telefonaram para cada em-
presa para conseguir os nomes dos contatos. Depois de enviarem os convites,
telefonaram para cada pessoa na lista para confirmar se vinham. Nesse meio
tempo, Boner e Redmeat mergulharam na multimídia, aprendendo tudo o que
podiam a respeito. Tinham aptidão técnica e não era difícil para eles, mas ti-
nham apenas algumas semanas para se tornarem especialistas. Foi um aprendi-
zado autodidata relâmpago, e esssa era a prova.
Michael fez a abertura com uma visão geral, de vinte minutos, sobre como
montar uma apresentação de vídeo/multimídia — o processo que começa com
o estabelecimento de objetivos, elaboração do script, gravação, edição e transfe-
rência do vídeo editado para cassetes ou para um computador. Em seguida ele
apresentou Tanny que mostrou-lhes as técnicas básicas de câmera e dicas sobre
produção. Isso levou meia hora, sendo que dez minutos foram empregados para
explicar as vantagens do uso de equipamento profissional em vez de câmeras
vídeo de pessoal. Fizeram um pequeno intervalo, e concluíram com uma dis-
cussão sobre multimídia e como fazer para que um vídeo seja reproduzido em
um computador.
168
— Alguns de vocês —, disse Michael, ao fazer o encerramento —, devem
achar que temos uma intenção não declarada ao montarmos esse evento de
hoje. Bem, nós temos. Francamente, gostaríamos de conhecê-los melhor. Nossa
mensagem comercial é simples. Muitos de vocês ficarão satisfeitos em realizar
internamente sua própria produção de vídeo, e isso está ótimo para nós. Mas,
de tempos em tempos, vocês podem querer produzir alguma coisa especial ou
um pouco mais sofisticada. Talvez precisem de ajuda com a edição, ou talvez
queiram acrescentar alguns efeitos especiais. Ou talvez estejam muito ocupados
e desejem que alguém realize toda a produção. Esperamos que vocês pensem em
nós quando tais ocasiões surgirem.
É isso. Há refrescos e um lanche leve esperando por vocês e, enquanto
estiverem lanchando, ficaremos felizes em conversar individualmente e respon-
der a suas perguntas. Então, se quiserem assistir à matinê, podem se dirigir a
qualquer uma das salas de exibição. Nós já compramos os bilhetes para vocês,
portanto, divirtam-se.
Babe era cabeça dura. Michael estava determinado a fazer, naquele verão,
com que a mulher valesse mais do que pagavam a ela ou a demitiria. A reunião
da Três-E era um teste para ambos: para Babe e para ele mesmo.
170
Ele tinha que enfrentar uma batalha em duas direções. Uma era contra os
hábitos profundamente arraigados de Babe: seu hábito de agir como secretária
burra, sua falsa incapacidade, seus pequenos jogos manipulativos para escapar
da responsabilidade, sua deliberada desconsideração, sua preguiça. A outra frente
era uma guerra particular contra sua própria raiva.
Toda vez que Babe se fazia de boba, toda vez que errava, toda vez em que
não fazia alguma coisa que devia fazer, Michael ficava louco. Era natural. Entre-
tanto, para gerenciar de uma forma que pudesse transformá-la, ele tinha que se
colocar acima de sua própria fúria. Toda vez que ela lhe perguntava alguma
coisa estúpida, os monstros dentro dele queriam atacar e pisotear até reduzi-la a
uma sangrenta massa disforme.
Ela misturava as coisas, algumas vezes errava totalmente, mesmo quando
checava com ele a cada dez minutos. Em certo momento, ela confundiu os
números para as acomodações nos hotéis, errando por uma margem de dezesseis
quartos. A carta de confirmação para o serviço de limusines no aeroporto con-
tinha datas erradas. Ela informou a um fornecedor de alimentos que havia sido
contratado, quando ele, de fato, nem sequer tinha apresentado uma cotação
para o serviço.
Michael teve que conter seus próprios sentimentos. Muitas vezes pergun-
tou a si mesmo por quê. Por que não deixar que os monstros a atacassem? Por
que não explodir e gritar? Por que não esmagar o ego dela, pequeno e tolo, sem
piedade? Mas, em cada vez, uma outra voz, mais calma, talvez um pedaço de
Deus remanescente em seu interior, dizia: Você tem que dar uma chance a ela.
De qualquer forma, se gritasse, ele nunca a encontraria onde queria que
ela estivesse. Ele perderia e teria que demiti-la. Ela recuaria e se fecharia em sua
muda estupidez sem fazer nada, e ele teria que demiti-la e, pior, teria que, em
dado momento, começar de novo com outra pessoa.
Além disso, Babe estava correspondendo. Ele encontrou o erro sobre os
hotéis antes, mas arrumou as coisas de tal forma que ela teve que checar nova-
mente os números, o que fez com que ela encontrasse o próprio erro. Ele fez a
mesma coisa com a carta para o serviço de limusines. Ela aos poucos foi se
comprometendo com a inteligência. Ele apontou a impropriedade dela com o
fornecedor de alimentos, mas a seguir conversou sobre o que fazer. Ele fez com
que ela telefonasse novamente ao fornecedor, e fez com que ela enfrentasse o
problema. Ele perdeu outra aposta de um dólar.
Ele estava sempre transformando respostas em perguntas. Ao invés de di-
zer a Babe o que fazer, Michael perguntava como exatamente ela tinha planeja-
do fazer. Não era tão ineficiente quanto podia parecer — embora não se pudes-
se ter certeza com a mesma rapidez, por exemplo, se se desse uma ordem a ela.
Chegou o dia em que Michael estava em sua sala e a ouviu falar ao telefone com
171
um dos gerentes de hotel. Devido ao tamanho do grupo, eles não poderiam
fazer reservas para todos num único hotel e tiveram que dividir entre o Marriott
e o Hilton.
Havia silêncio na Caverna e Michael ouviu Babe dizer: — Sabe, o Mark
do Marriott disse que ofereceria café ao nosso grupo. Bem, se eles podem ofere-
cer, não vejo porque vocês também não possam.
Ela está jogando um contra o outro, ele pensou, e eu nem mesmo falei com ela
sobre isso. Ele olhou em direção ao teto branco e sussurrou: Sim!
Ele começou a sentir um prazer quase paternal pelas pequenas conquistas
dela, quando ela saiu de sua cadeira e andou para o centro da sala, dizendo ao
Hilton: — Bem, se você não vai oferecer o café, eu simplesmente terei que me
entender com o Ramada.
— Bom —, ele disse a ela —, isso foi realmente muito bom. Eu vou me
certificar que a Três-E saiba por que não vai ter que pagar o café da manhã para
duzentas pessoas.
Contudo, ensinar Babe foi apenas uma pequena parte daquele verão.
A Exerific ficava em White Falls, e para chegar lá, eles tiveram que passar
pela velha fábrica da Três-E. Era um lugar enorme, do tamanho de alguns hangares
de avião encostados um no outro. Tinha aquela palidez opaca, escurecida, de
um lugar outrora movimentado e que agora estava abandonado. As ervas dani-
nhas já estavam crescendo pelas rachaduras do concreto do estacionamento, e
os painéis de madeira cobrindo as janelas estavam começando a se deteriorar.
Uma cerca mal instalada cercava o perímetro, e as placas da imobiliária estavam
afixadas nela.
Tanny ia no Chrysler Imperial modelo 1973 de Hoona, que estava um
pouco mais apresentável que seu Toyota, mas o ar condicionado do velho carro,
naquela manhã quente de verão, não estava funcionando com toda eficiência.
Hoona ligou a ventilação no máximo, mas Tanny ainda estava transpirando.
Ela usava o mesmo vestido que usou no funeral de seu pai, o melhor que pos-
suía. Ela ia com as pernas abertas, tentando ventilar o máximo possível todo o
náilon que usava, esperando que não houvesse uma mancha molhada em seu
vestido quando finalmente saísse daquele banco de vinil.
Michael juntou os dois, esperando que se apoiassem mutuamente. Eles se
apresentariam como uma dupla. Tanny deveria fazer a maior parte das pergun-
tas, enquanto Hoona deveria tomar notas. Mas ela já se sentia como se estivesse
sendo tutelada por Hoona, e se ressentia com isso. E Hoona parecia estar enca-
rando a visita como um simples passeio pelo campo.
A Exerific ficava num prédio de concreto de um único pavimento, afasta-
do do centro, quase fora da cidade, sem quase nada em volta além de plantações
172
de milho. Mas havia carros estacionados nos dois lados da estrada. Hoona teve
que estacionar a van entre eles, pois todas as vagas para visitantes estavam ocu-
padas e não havia outro lugar mais perto. Depois de chegarem à recepção, en-
contraram ao menos cem pessoas preenchendo formulários, enfileiradas nos
degraus, movimentando-se de um lado para o outro. Quando finalmente che-
garam à mesa da recepcionista, automaticamente ela lhes deu os formulários
como se eles quisessem candidatar-se a um emprego.
— Não, estamos aqui para uma reunião com Ken Sonders —, disse Tanny.
— Ele está esperando vocês?
— Sim, está. Desculpe, mas o que é tudo isso?
— O departamento de pessoal publicou um anúncio no jornal de hoje —
, disse a recepcionista. — Temos uma vaga para operador de empilhadeira.
Uma semana depois eles tinham montado uma gambiarra para demons-
trar a idéia.
Tanny e Redmeat saíram da cidade e encontraram uma alameda quieta e
reta. Alugaram uma cadeira de rodas, e Tanny sentou na cadeira com a câmera
no ombro e o gravador no colo enquanto Redmeat a empurrou pela alameda
(uma forma barata de realizar gravações em movimento com suavidade, sem
solavancos, dispensando o aluguel de um carrinho específico e todo o aparato
de uma Steadicam). Red empurrou até perder o fôlego, cerca de oitocentos
metros. O único problema foi que tiveram que fazer a gravação três vezes, por-
que os carros sempre paravam para perguntar se eles precisavam de ajuda.
No estúdio, com um fundo infinito azul, eles colocaram uma bicicleta de
corrida sobre rolamentos. A bicicleta estava suspensa a partir do teto, por fios, e
os rolamentos sob os pneus estavam ligados de forma que, ao pedalar, girava
não só a roda traseira, mas também a da frente. Michael vestiu-se como ciclista,
com capacete e calção, e usou um número nas costas. Subiu na bicicleta e peda-
lou em velocidade constante, enquanto Tanny e Redmeat gravaram a partir do
ponto de vista de um ciclista que estivesse atrás. Na apresentação, usando um
switcher e uma técnica chamada chroma key, eles combinariam as duas imagens:
de Mike na bicicleta e da estrada no campo para fazer com que parecesse que
havia uma corrida em andamento.
Enquanto isso, eles tinham pedido a Ken Sonders que lhes emprestasse
uma bicicleta ergométrica da Exerific. Boner montou uma caixa que controla-
ria a velocidade de reprodução da fita de vídeo proporcional à velocidade da
179
polia da bicicleta ergométrica. Ele comprou um transdutor, um dispositivo que
converte o movimento da polia girando em um sinal elétrico, e com um cabo
acoplou o transdutor no eixo da polia à caixa de controle. A caixa de controle,
então, comandaria o reprodutor de vídeo, fazendo com que a fita passasse rápida
ou lentamente. Isso foi possível com algumas pequenas adaptações no reprodutor
profissional que usavam. Então, quanto mais rápido alguém pedalasse, mais rápi-
do giraria a polia e mais rápido o reprodutor passaria a fita. Se pedalasse mais
lentamente, o reprodutor de vídeo também diminuiria a velocidade da fita, simu-
lando a mudança de velocidade. Eles colocaram um grande monitor à frente da
bicicleta ergométrica e, lá estava: chamaram o sistema de videobike.
A primeira vez em que Michael experimentou, ficou fascinado. — Uáu,
isso é ótimo. Uma bicicleta virtual.
Em velocidades baixas a imagem piscava, pois percebia-se cada um dos
quadros da imagem do vídeo, mas Boner afirmava que poderia suavizar eletro-
nicamente o efeito.
— Sabe, isso pode levar a muitas possibilidades —, disse Michael.
— Oh, sim —, disse Tanny. — Seria possível simular uma corrida pelo
parque Yosemite, ou pela praia, ou através dos Alpes.
— Visualmente, poderia ser qualquer trecho linear —, disse Boner. —
Qualquer paisagem em que pudéssemos fazer uma tomada contínua, de ponto
a ponto.
— É —, disse Michael —, pensando nos aspectos técnicos envolvidos. —
Conseguir essa gravação perfeitamente contínua pode ser, vamos dizer, um de-
safio. Mas não é impossível.
— Nem teria necessariamente que ser um passeio pelo campo —, disse
Tanny. — Poderia ser um passeio pela cidade. Através de Paris. Ou por
Manhattan.
— É, para saber quanto você poderia durar antes de ser atropelado por
um táxi.
— Isso! Inventar um jogo! É!
— Que tal uma perseguição entre polícia e bandidos? — Disse Redmeat.
— E se simulássemos a Tour de France?
— É, isso seria demais!
— Bem, vamos com calma, devagar com o andor —, disse Boner. — Para
fazer uma corrida ao invés de apenas um passeio pelo parque, teríamos que
processar mais de um sinal de vídeo. Porque seria necessária uma fonte de vídeo
para o cenário, mais uma alimentação para cada um dos corredores. Para isso
seria necessário um processamento muito maior, mais inteligência artificial para
os competidores virtuais. Seria definitivamente um desafio! — Ele fez uma pau-
sa. — O que não significa que não possa ser feito, é lógico.
180
Ainda sentado na videobike, Michael colocou a mão no queixo e ficou lá
pensando por um momento. — Se eles gostarem, vamos pedir ao advogado que
faça uma carta para que eles e nós assinemos deixando claro que possuímos
todos os direitos sobre a videobike, inclusive o nome. Qualquer hardware ou
software que criemos para isso será de nossa propriedade, e não deles.
Num dia daquele verão quando Michael chegou à sua casa encontrou sua
mulher na sala de estar com o nariz enfiado num livro e a mesinha para o café
lotada com mais livros, todos com a monótona e barata capa dura típica de
livros de biblioteca, com inscrições em tinta branca, assim como pilhas de
cópias de artigos de revistas. O livro à sua frente tinha o título Aplicações
Pneumáticas Básicas e Avançadas.
— O que está acontecendo, você está cansada de romances?
— O headhunter me telefonou hoje. Tenho uma entrevista para um em-
prego.
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— Excelente! Qual é a empresa?
Ela lhe disse o nome, mas Michael não a conhecia. O negócio principal da
empresa é equipamentos pneumáticos, mas eles também estão envolvidos em
movimentação de materiais e extrusão de alumínio.
— Legal.
— Guarde o comentário até ouvir a faixa salarial.
— Qual é?
— Mais do que eu ganhava na Três-E.
— Muito legal.
— O cargo está vago há quase um ano. O cargo seria o de vice-presidente
de marketing. Bons benefícios. Muitas viagens, o que, você sabe, não me excita
mas também não me aborrece. Eles têm alguns negócios internacionais interes-
santes. E eles vão oferecer um acordo em que, se não conseguirmos vender a
casa em seis meses, eles a comprarão de nós.
O contentamento de Michael cessou. — Mas onde fica essa empresa?
— Cleveland. E não fique emburrado.
— Desculpe-me, Regan, mas por que você está considerando um trabalho
como esse?
— Cleveland tem alguns subúrbios muito bonitos.
— Estou certo que tem, mas eles ficam em Cleveland. O que significa que
não estão em Bridgeford. Você não está esquecendo que eu tenho compromis-
sos aqui?
— O que você espera que eu encontre em Bridgeford? Quero dizer, uma
vez que você descarte a Três-E... Michael, ninguém por aqui vai oferecer nada
que pudesse me interessar. Eu teria que esperar anos pelo tipo de trabalho que
quero.
— Tenho uma empresa aqui que eu estou tentando tocar!
Agora ela lançou o olhar: Seja sério. — Meu salário inicial teria seis dígitos.
— Se você me der alguns anos, posso chegar a ganhar essa quantia —,
disse ele.
— Nós não temos alguns anos! Não podemos sustentar esta casa, Ok?
Não depois que meus benefícios acabaram. Você entendeu?
— Honestamente, Regan, estamos na iminência de alguma coisa, sabe,
realmente boa...
— Você está tocando uma operação proletária. Vamos encarar. É proletá-
ria, Ok?
Ele piscou para ela. — Eu não a chamaria proletária.
Ela se levantou, sem retrucar, apenas contornou o sofá, virou as costas para
ele como se estivesse se controlando para não explodir, o que realmente fazia.
Finalmente ela disse: — Você percebe que se tivermos que vender esta casa ao
183
preço corrente do mercado, pode ser que não consigamos cobrir o saldo da
hipoteca?
— Temos que viver nossas vidas em torno de um pagamento de hipoteca?
— O que mais vamos fazer?
— Ah, lógico, só trouxemos esse porque era mais fácil de transportar. Você
gostaria de um maior?
— Lógico.
— Vou anotar —, disse Tanny.
— Então, quem vai ser nosso contato principal? — Perguntou Michael.
Era uma pergunta arriscada, devido às implicações políticas, mas ele deci-
diu fazê-la. Tecnicamente, Markovic deveria ser o contato principal deles, por-
que era ela a encarregada das providências gerais para a exposição. Mas foi Sonders
quem deu a idéia.
— Espere um minuto —, disse Markovic. — Você não vai conversar com
a Barkes & Collwin antes de decidirmos sobre uma das propostas?
Sonders olhou para Tucker e Tucker finalmente falou: — Eles já não apre-
sentaram as idéias deles?
187
— Sim, mas pedimos algumas modificações e eles ficaram de retornar —,
disse Markovic.
— Não gostamos do que eles trouxeram —, esclareceu Sonders. — Foi
por isso que pedimos modificações.
— Ainda assim, devemos a eles e a nós mesmos a oportunidade de ver
como ficou, sabe, antes de tomarmos uma decisão.
— Obviamente, isso é com vocês —, disse Michael. — Mas tenho que
adverti-los que se querem isso em tempo para a exposição, realmente temos que
tomar providências agora. Já estamos apertados quanto ao prazo.
Tucker assentiu e então olhou para Markovic. — Vou ser honesto com você.
Não gostei da Barkes & Collwin. Quem era aquele cara que eles enviaram?
— Barney Tillman —, disse Markovic.
— É, ele não me impressionou muito bem —, disse Tucker. — E parece-
ram terrivelmente caros. — Ele olhou para Tanny. — A propósito, quanto isso
vai custar?
— Vai ficar dentro de seu orçamento.
— E quanto é isso? Perguntou Tucker.
— Podemos fazer por cerca de cento e vinte —, disse Michael.
Markovic pulou ao ouvir a cifra. — Mas não é esse o nosso orçamento.
Está um pouco acima do orçamento.
Sonders veio em defesa. — Eu disse cem mil como parâmetro.
— Bem, espero que saia de seu orçamento, não do meu —, disse Markovic.
— Uma grande parte da despesa é a produção de vídeo —, explicou
Michael. — Porque planejamos gravar na Nova Inglaterra com a folhagem de
inverno e o investimento em produção é alto. Se gravarmos localmente...
Tucker acenou com a mão. — Não, assim está bem. Sei quanto custa para
se gravar comerciais de televisão. É por isso que não os gravamos com tanta
freqüência nesta empresa. Presumi que o custo disso seria similar.
— De fato —, disse Michael —, você pode facilmente gastar meio mi-
lhão, um milhão ou mais num comercial para uma rede de televisão.
— Certo —, disse Tucker —, então você está nos oferecendo um bom
negócio. É isso que está querendo dizer?
— Estamos tentando —, disse Michael.
— Certo, mas deixe-me fazer outra pergunta: Qual seria o custo para
vocês fazerem o mesmo tratamento em vídeo para todos os nossos produtos?
— Todos os seus produtos?
— Não apenas para a Bike-a-Rific —, disse Tucker —, mas também para
o Ski-Rific, para treinamento em corridas de cross-country; o Stair-Rific, simu-
lador de escadaria e nosso Row-a-Rific, a máquina de remo.
Tanny sentiu-se ligeiramente tonta.
188
— Bem —, disse Michael —, vamos nos sentar à mesa que eu vou pegar a
minha calculadora.
À medida que os outros começaram a se dispersar, ouviu-se a voz resfolegante
de Babe: — Posso... posso parar agora?
— Não —, brincou Tucker. — Você está fazendo um serviço tão bom,
que acho que deveria continuar.
189
Eles entraram no Motel Ás de Paus aproximadamente às duas horas, e
pegaram um quarto nos fundos para que o carro não fosse visto da estrada.
Tanny era uma mulher selvagem — Ela ficou por cima e cavalgou-o. Gozou
como um homem — rápido — e o abraço apertado dela ao chegar ao clímax
levou-o às alturas quando ela gozou. Mas não era suficiente. Ela continuou
em cima, cavalgando-o agora gentilmente, mantendo-o dentro dela e duro. A
segunda vez foi devagar e demorou. E foi barulhento, quando ela finalmente
chegou ao ponto. Ela gemia, pulava em cima dele, tudo estava pulando e
tremendo, os seios, o cabelo dela, a cama, e ela chegou lá antes dele. Ele
deixou que ela descansasse em cima dele por um minuto, depois mudou de
posição e penetrou-a por trás. Ela tinha feito a maior parte do esforço, e ele
ainda tinha muita energia. Ele despendeu a energia bombando dentro dela,
olhando para baixo, para as costas nuas e para as mãos e a cabeça dela no
travesseiro. Quando terminou, ele cuidadosamente deitou por cima, seu pei-
to sobre as costas dela, apoiando a maior parte do peso nos cotovelos. Ele
beijou a parte de trás do pescoço, e o rosto dela, e então percebeu que ela
estava quase adormecida. Ele rolou para o lado, afastou-se e eles dormiram
juntos, se encostando, até que o telefone celular, no bolso do paletó de Michael,
começou a tocar.
— Não atenda —, resmungou Tanny.
— Não, é melhor atender. — Ele pulou da cama e agarrou o paletó do
encosto de uma cadeira, e puxou o telefone. — Nunca se sabe. — Apertou o
botão. — Alô, Archangel Visual.
— Michael?
— Sim.
— Oi, é Peter Chechman da Três-E.
— Sim, Peter, que posso, ah, o que posso fazer por você?
— Tem alguma coisa em vista.
— Oh?
— Um projeto. Um possível projeto. Estava pensando se seria possível nos
encontrar.
— É lógico. Quando?
— Bem, o mais rápido possível. Estou saindo esta noite e vou viajar por
quase duas semanas. Então seria bom encontrá-lo esta tarde, se der para encai-
xar em sua agenda.
— Uh... sem problemas. Posso passar aí esta tarde, se você quiser.
— Seria ótimo. Não tenho nenhuma reunião agendada para o resto do
dia, e vou trabalhar em meu escritório. Apenas ligue para o meu ramal quando
190
chegar à recepção, que eu providencio para que você suba.
— Estarei aí em aproximadamente quarenta e cinco minutos.
Ele desligou o telefone e o colocou de volta no bolso do paletó. Virou-se e
olhou para ela, nua; pernas ligeiramente abertas; o triângulo de pelos negros;
pele branca e quente; a barriga pequena; peitos pequenos com grandes bicos
morenos; braços ao lado do corpo; dedos ligeiramente curvados; cabelos pretos
longos e espalhados pelo travesseiro; seu rosto bonito; seus olhos castanhos olhan-
do para ele.
191
— Sim. Melhoria de desempenho.
— Eu pensava que esse trabalho fosse de Bromman.
Peter riu. — Sim, bem... realmente, é trabalho de todos. Mas isso não
importa. O que eu realmente sou é um promotor. Supostamente devo promo-
ver idéias, comportamentos, programas, incentivos — qualquer coisa que ajude
a transformar este paquiderme, este mamute industrial em uma empresa ágil,
esperta como um cavalo de corrida, apta a crescer, em termos de ganhos, e
continuar crescendo durante o século XXI.
— Qualquer coisa que eu puder fazer para ajudar...
— Conhece o Grupo Comercial de Eletrônicos?
— Um dos cinco grupos de negócios formados pela nova organização. É
composto pelo que era a Divisão de Circuitos Impressos e a Divisão de Con-
troles Digitais.Bom! Ao menos não tenho que explicar tudo isso a você. De
qualquer forma, eles estão promovendo uma grande conferência em Atlanta
em novembro próximo. Acabei de descobrir. Sem querer. Estão convidando
gerentes de suas operações em todos os lugares — por todo o país e mesmo do
exterior.
— Para discutir sobre?
— Grupos de trabalho autogeridos. Você sabe o que é?
— São grupos de trabalhadores administrados por eles mesmos. Não de-
pendem de um supervisor para tomarem as decisões do dia-a-dia.
Chechman acenou positivamente. — Está suficientemente perto. De qual-
quer forma, sou um grande fã dos grupos autogeridos. Estamos quase conven-
cendo Bromman, eu diria que ele está noventa por cento convencido, de que
devemos adotar grupos de trabalho. Mas fazer com que o resto da empresa ande
nessa direção é outra história. Você não pode empurrar uma coisa como essa
garganta abaixo das pessoas. Se tentar, eles vão tomar providências para que a
idéia nunca seja bem-sucedida. Você tem que envolver as pessoas, de forma que
a idéia se torne algo que elas queiram fazer. Ok?
— Então o GCE está fazendo uma conferência sobre grupos de trabalho.
O que é ótimo. O problema, um dos problemas, é que eles estão convidando
apenas o próprio pessoal. Você sabe, o resto da empresa que se dane.
— O segundo problema é que eles só estão convidando gerentes. Você não
pode implementar grupos de trabalho só com gerentes. Tem que envolver os
trabalhadores. É essa a idéia. Mas é muito caro, para não mencionar que é
inteiramente impraticável enviar tanto trabalhadores quanto gerentes para
Atlanta. Então eles só estão mandando os gerentes.
— Então temos o terceiro problema. Não haverá qualquer follow-up. Pelo
que posso dizer, não. Eles vão gastar centenas de milhares de dólares para levar
esses gerentes de avião, e vão deixar os gurus fazerem o trabalho. Eles vão
192
incentivá-los com a idéia de grupos de trabalho, mandá-los para casa e nada vai
acontecer. Por quê? Porque quando voltarem ao trabalho, quando estiverem
prontos para fazer alguma coisa, terão esquecido a maior parte do que foi dito
na conferência. Eles não terão as informações críticas naquele momento.
A frustração tomou conta dele, e Chechman inclinou a cabeça para trás,
permanecendo assim um momento até recuperar o controle.
— Estou nesta empresa há vinte e dois anos —, disse ele. Vi isso acontecer
muitas e muitas vezes. Presume-se que pela razão de as pessoas terem sido ex-
postas a uma boa idéia, a idéia foi implementada.
— Tipo da abordagem evangélica —, disse Michael. — Traga as pessoas
ao templo, motive-as com religião, e eles serão automaticamente bons cristãos.
— É isso! — Disse Chechman. — É exatamente isso. Então, alguns anos
depois, alguém percebe que é um pouco mais complicado do que presumiram.
De qualquer forma...
— Finalmente, fui capaz de conseguir alguém que os convencesse a me
deixar gravar os trabalhos. Dessa forma, podemos ao menos mostrar às pessoas
que não foram convidadas o que aconteceu.
— Ok, sem problemas —, disse Michael. — Posso gravar toda a conferên-
cia para você, do começo ao fim, embora... — Ele parou.
— O quê?
— Bem, espero não estar atirando em meu próprio pé ao mencionar isso,
mas se tudo que você precisa é um registro do evento, o departamento de
audiovisuais da Três-E... — A voz de Michael silenciou, porque Chechman já
estava balançando a cabeça.
— Não —, disse ele. — Não, nosso pessoal de AV não vai fazer isso. Eu
me vali deles no passado, em diversas ocasiões. Eles são bons para, sabe, filmes
sobre solda a arco e coisas similares. Preciso que isso seja mais do que um regis-
tro do evento, como você colocou. Preciso que isso venda as idéias dos grupos
de trabalho.
— Ótimo, não precisa dizer mais nada —, observou Michael. Foi um jogo
calculado mencionar o departamento interno de AV, pois sentiu que devia mos-
trar que tinha o melhor interesse de Chechman em mente. Agora ele estava em
suas mãos. — Deixe-me mencionar algumas coisas que me ocorreram, enquan-
to você falava. Embora, talvez, você não queira segui-las, ou talvez não haja
verba suficiente para segui-las. Mas deixe-me expô-las e você será o juiz.
— Antes de tudo, você vai ter todas essas pessoas, essas pessoas dispendiosas
que compõem a gerência, indo para a conferência. Qual será o conhecimento
que terão sobre grupos de trabalho autogeridos quando chegarem?
— A maioria não saberá muito. É por isso que eles vão à conferência —,
disse Chechman.
193
— Por que não pisar no acelerador? Por que não tentar ensinar a essas
pessoas um pouco antes de chegarem? Se eles aparecerem sem saber nada, vão
apenas ficar lá, sentados como uma turma de crianças comportadas à frente do
professor. Se adiantarmos a eles as idéias básicas do conceito, ao menos alguns
aparecerão prontos para fazer perguntas inteligentes, enquanto estiverem na
conferência...
— Enquanto os especialistas estiverem diante deles, ao invés das pergun-
tas surgirem quando já estiverem no avião retornando para casa —, disse
Chechman. É, gosto disso.
— Agora, não estou dizendo que tem que ser um vídeo. Poderia ser um
folheto ou qualquer outra coisa. Mas poderíamos montar um vídeo de cinco
minutos, que cobrisse o básico: o que é grupo de trabalho autogerido? Por que
é importante? O que o conceito significa em termos de seu trabalho no dia-a-
dia? Esse tipo de coisa.
— Então eles assistem ao vídeo e captam o principal da idéia.
— Certo. E uma vez que tiver o vídeo, poderá usá-lo novamente, depois
que a conferência terminar. Você pode encomendar algumas cópias extras, e se
cruzar com alguém que não sabe nada sobre grupos de trabalho, poderá enviar
uma cópia pelo correio.
— Gosto disso. Estava planejando fazer um memorando, mas isso é me-
lhor.
— Quanto à conferência, podemos gravá-la do início ao fim, mas acaba-
remos com horas e horas de filme. Agora, podemos editar tudo em, digamos,
um programa de uma hora. Seria um bom primeiro passo. Mas outra coisa que
você poderia fazer é criar um banco de dados em multimídia sobre grupos de
trabalho.
— Um banco de dados em multimídia? O que você quer dizer com isso?
— Um banco de dados multimídia passaria em um computador, ao invés
de passar num aparelho de vídeo. Teria videoclipes, mas também teria textos e
gráficos, talvez fotografias, como num livro. Nós organizaríamos todo o mate-
rial sobre grupos de trabalho de forma hierárquica. As pessoas poderiam come-
çar com uma visão geral e obter informações detalhadas sobre o que lhes inte-
ressar.
— Então teria mais do que um vídeo da conferência?
— Certo, poderia ser um tratado completo sobre o assunto. Talvez tivesse
uma meia dúzia de casos sobre grupos de trabalho. Talvez tivesse testemunhos
em vídeo de pessoas que pertençam a esses grupos. Talvez contratássemos al-
guns atores e estabelecêssemos um exercício de simulação. De fato, poderíamos
transformar a simulação num jogo ou torná-la interativa. Em outras palavras,
seria como um jogo tipo role-playing em computador, exceto que o assunto
194
seria grupos de trabalho. Faria com que as pessoas se envolvessem ativamente, ao
invés de apenas fazê-las permanecerem lá como espectadores.
— Tanto poderia ser em CD-ROM como pela rede de computadores.
— Intranet —, disse Chechman. — Muito interessante.
Essa foi uma das primeiras vezes em que Michael ouviu o termo “intranet”,
mas não deixou que isso o detivesse. — Podemos fazer de qualquer forma.
Algumas partes contrataríamos, como programação ou computação gráfica. Mas,
com segurança, posso produzi-lo para você.
— Quanto custaria uma coisa assim?
— Bem, por que não planejamos o que será necessário para fazer o traba-
lho com a melhor qualidade possível? Vou estimar o custo, e se acabar saindo
caro demais, podemos tirar alguns enfeites. Ou você poderá reservar uma verba
do orçamento do ano que vem para o projeto.
— Para dizer a verdade —, disse Chechman —, provavelmente não temos
verba para o que você está sugerindo. — Ele novamente pressionou as pontas
dos dedos e assumiu uma expressão pensativa, contraindo as sobrancelhas. —
Por outro lado, as idéias que você trouxe são boas. — Ele colocou o dedo no
queixo e olhou para o teto por alguns segundos, e disse: — Vamos fazer assim:
colocaremos alguns parâmetros. Se conseguirmos montar um projeto sério e
que seja eficaz como meio de ensinar as pessoas e vender a elas a idéia de grupos
de trabalho... bem, de alguma forma, vou arranjar o dinheiro para levá-lo adi-
ante.
Nada aconteceu. Eles tentaram por meia hora e ele não conseguia uma
ereção. Ele não estava certo se queria ou não, mas tinha medo de não querer.
Finalmente, depois de uma estimulação oral, ele foi suficientemente homem.
Depois disso, ele passou a ter problemas para dormir à noite. Não era
apenas porque a Caverna tinha de um dia para outro ficado com excesso de
trabalho. Claro, eram suas preocupações com Tanny e com sua mulher, com o
que aconteceria se ela ficasse mesmo grávida. Aproximadamente às três da ma-
drugada de uma noite ele chegou a uma decisão.
Ele decidiu contar a ela, e perguntou se poderia falar com ela depois do
trabalho. Ela estava ocupada com os preparativos para a Exerific e ele não queria
interrompê-la. Ela lembrou-o de que tinha que pegar o Jason na creche, mas
disse que telefonaria para a Sra. Haggart, para ver se ela poderia pegá-lo. Uma
hora depois ela enfiou a cabeça pela porta entreaberta do escritório dele para
dizer que sim, ela poderia tomar um drinque ou o que fosse. Quando os outros
saíram naquele dia, ele fechou a porta e foram para a rua.
— Está uma linda tarde —, disse ele. — Vamos andar ao longo do rio.
— Certo.
196
Eles andaram silenciosamente pela Avenida Truman, escura pela sombra
dos prédios. O sol interpunha faixas douradas nos vãos dos prédios ou ruas
perpendiculares. Em algum ponto, quase inconscientemente, ele escorregou
sua mão na dela. Quando chegaram ao fim da Avenida Truman, alcançaram o
ar livre, quente e brilhante, e lá estava o rio.
Michael localizou um banco vago, de frente para a água. Ele a conduziu
para lá e sentou-se com ela, sua mão ainda segurando a dela. Por um minuto,
nada disse. Ele tinha brincado com as palavras durante toda a tarde, experimen-
tando várias formas, tanto que agora não sabia como começar.
— Existe alguma coisa sobre o que você queria falar? — Tanny perguntou.
— Sim, há. — Ele olhou por mais um longo momento para o rio verde e
brilhante. Então disse: — Tanny, você sabe que eu amo você.
Ela apertou a mão dele. — Eu também amo você.
— Eu queria que você soubesse disso. Eu realmente amo você.
Ela sorriu e encostou a cabeça no ombro dele. Então ele mudou de posição
para ver melhor o rosto dela.
— Aconteceu —, disse ele. — Sei que não deveria, mas aconteceu. Imagi-
no que porque trabalhamos juntos, porque somos sócios e tudo, apenas ficou
mais forte.
— Temos passado juntos por um bocado de coisas —, disse Tanny. —
Sinto como se você fosse o meu melhor amigo.
Ele abaixou os olhos. — Obrigado. Eu sinto a mesma coisa.
Ela alcançou o rosto dele e ajeitou alguns fios de cabelo soltos sobre a
orelha e os colocou de volta no lugar, dizendo: — Penso em você todas as
noites. Penso em como seria ter você do meu lado, apenas estar com você...
— Eu também penso em você, mas... bem, você sabe a situação.
— Oh, Michael. Eu sei que é duro para você. Sei que vai ser duro, quero
dizer, deixá-la. Mas vou ajudá-lo. De todas as formas que puder. Qualquer coisa
que você precisar... — Ele tinha abaixado os olhos novamente. — Realmente,
estarei ao seu lado. Vamos superar.
— Não.
— O quê? Qual o problema?
— Não, Tanny. Acabou. Tenho que terminar. Lamento.
Foi como se ele fosse uma cobra que a tivesse acabado de picar. Ele viu isso
no rosto dela.
— Não quero magoar você, mas... Você sabe que se eu não fosse casado,
pediria você em um minuto. Mas casei com Regan. Em muitos aspectos deseja-
5 WASP: White Anglo-Saxan Protestant significa Anglo Saxã, Branca e Protestante (N. do T.).
197
ria não ter casado. Mas casei com ela e a amo. Talvez não tanto quanto amo
você, mas casei com ela antes. Ela é arrogante, ela é uma WASP5 esnobe, mas
precisa de mim, especialmente agora que perdeu o emprego. De qualquer for-
ma, ela quer um bebê, Tanny, e se ficar grávida e eu a deixar, bem, não consigo
ver como isso pode terminar bem.
Tanny tinha cruzado as pernas e virado o corpo, afastando-se dele no ban-
co, mas Michael continuou falando, apenas pondo para fora.
— Eu simplesmente não poderia lidar com um divórcio no momento.
Simplesmente não poderíamos. Financeiramente eu não poderia. Emocional-
mente eu não poderia. Além disso, casei com ela. Você sabe como sou a respeito
de compromissos com as pessoas. Provavelmente sou um dos poucos... De qual-
quer forma, sinto que tenho que continuar com ela. Não é que queira machu-
car você. Nunca faria isso intencionalmente.
O corpo dela teve uma pequena convulsão. Ele imaginou que ela estivesse
chorando, e estava. Ele colocou a mão no braço dela.
— Por favor não chore.
Ela pulou como uma mola retesada. — Tire suas mãos horríveis de mim!
— Ela saiu do banco — e ele a seguiu de perto, cada passo sincronizado com os
passos dela. Dois, três, quatro passos, então ela se virou e o encarou. — Seu
merda miserável! — Gotas de saliva e lágrima pingaram em sua camisa e grava-
ta. — Dane-se você no inferno! Afaste-se de mim! — Ela começou a andar a
passos largos novamente, e ele ainda a seguiu, embora alguns passos atrás. Qua-
tro, cinco, seis passos. Novamente ela se virou. — Você me pediu para ficar
depois do trabalho! Você me trouxe até aqui para isso? Por que diabos você não
me contou antes?
Com menos energia, ela começou novamente, mas não tão rápido, e não
foi tão longe. Parou e olhou para o rio. — Meu Deus, eu sou tão burra. Vocês
são tão mentirosos. Primeiro Tony, depois Pat. Agora você. Deus, odeio todos
vocês.
Ele estava louco para abraçá-la, mas estava com medo. — Tanny, pare.
— Pare você! Se você não fizesse amor com ela, ela não ficaria grávida!
Aposto que não pensou nisso, pensou?
Ela foi andando de novo. Dessa vez ele deixou que fosse. No meio do
caminho para a rua ela se virou e ele ainda permanecia no mesmo lugar.
— Se você tocar em mim novamente vou processar você! — Ela gritou
alto, mais alto que o ruído do tráfego, suficientemente alto para que toda
Bridgeford ouvisse.
198
Outono
— Ok, vamos lá! Todo mundo a postos! Estamos perdendo a luz! —
Michael abaixou o megafone e olhou o sol de outono com os olhos
semicerrados. A luz estava simplesmente perfeita, tanto o matiz quanto o
ângulo, e não duraria mais de meia hora. Estavam nas montanhas e as folhas,
com a luz dourada do sol, resplandeciam suaves tons amarelos, vermelhos e
marrons nas encostas. — Cara, gostaria que pudéssemos usar filme. Vídeo
não vai fazer jus a essas cores.
Tanny, que estava sentada no Jeep, resmungou alguma coisa que não de-
notava entusiasmo. Michael decidiu ignorar, pois ela tinha estado mal-humorada
durante todo o dia.
— Como eles estão lá embaixo? — Ele perguntou a Hoona. — Estão
prontos?
Hoona pegou o walkie-talkie e conversou com Babe, que estava embaixo,
do outro lado da ponte coberta. Todos estavam lá para essa gravação, menos
Boner. Ele estava na Caverna, trabalhando na parte técnica da videobike e aten-
dendo os telefones.
— Ela está dizendo que agora há tráfego na estrada e que o Oficial Bradley
quer deixar os carros passar.
— Não, temos que fazer isso agora. Diga-lhe para falar para o Oficial que
precisamos de mais dez minutos, e então ele pode deixar o trânsito passar.
Eles estavam usando uma estrada asfaltada de duas pistas que descia con-
tornando a encosta da colina e abruptamente cruzava o rio, por uma ponte
coberta.
— O Oficial Bradley diz que temos que deixar o trânsito passar —, disse
Hoona.
— Diga-lhe que é tarde demais, os ciclistas já estão descendo. — Michael
virou-se. — Ciclistas, assumam a posição agora! Vamos!
Eles tinham contratado o Clube de Ciclismo de Berkshire para que os
membros comparecessem com suas bicicletas, de capacetes e com números afi-
xados às costas.
199
Michael pensou melhor e disse a Hoona: — Diga a Babe para levar o
Oficial Bradley para o lado e, ah, dizer que não vamos nos esquecer dele.
Ele pensou que não seria bom contrariar o Oficial, apesar de estarem pa-
gando uma pequena taxa para que a estrada fosse fechada enquanto gravavam.
Pensando em fazer um esforço para animá-la, ele virou-se para Tanny.
— Eu não pareço o Coppola? “— Diga ao Oficial que não nos esquecere-
mos dele”.
— Para o Coppola eles teriam fechado todas as estradas do estado —,
murmurou ela.
— Babe quer saber o que você estava querendo dizer —, informou Hoona.
— Hora extra —, disse Michael. — Ok, comece.
Ele subiu na lateral do Jeep, na frente do qual montaram uma Wescan, um
equipamento sofisticado que parecia um grande e redondo globo ocular. A
Wescan serve para eliminar vibrações e permite tomadas estáveis de objetos em
movimento. Custa algo na casa de meio milhão de dólares, mas tinham alugado
esta em Nova York.
O Jeep tinha vindo de Bridgeford, grátis (emprestado pelo irmão de
Redmeat). Ele não tinha capota, exatamente o que precisavam. Michael podia
ficar em pé atrás, segurar-se no ‘santo antônio’ e ter uma visão completa, tanto
da ação quanto do monitor de vídeo — e, como não estavam usando o som
ambiente, podia dar instruções pelo megafone. Mais tarde acrescentariam o
áudio, com ruído de pneus de bicicletas e música.
Redmeat estava dirigindo o Jeep, e ao seu lado estava Herman, o operador
da Wescan incluído no valor do aluguel. O monitor estava seguramente afixado
entre eles. Michael ficou atrás de Redmeat, e Tanny foi relegada ao assento de
trás, onde exercia a função de diretora-assistente, ligando e desligando o grava-
dor de vídeo de uma polegada e fazendo anotações em uma prancheta sobre
cada tomada. Completamente ocupada.
— Ok, ciclista líder, vai! — Ele contou mentalmente até três. — Ciclista
número 2, vai! — Contou novamente. — Ok, agora todos os outros ciclistas. E
lembrem-se de se espalharem desta vez. Vão!
Eles já tinham feito a gravação de diversas formas. Eles fizeram uma dúzia de
tomadas só com a estrada vazia sem ciclistas. O plano era usar uma dessas grava-
ções como fundo e então adicionar eletronicamente, pelo computador, os ciclis-
tas. Assim, a perspectiva e as posições relativas dos corredores estariam corretas.
Agora estavam gravando os ciclistas em diversas seqüências e posições. Depois,
durante a pós-produção, escolheriam a melhor seqüência e uma empresa da
Califórnia removeria a estrada, as árvores, as montanhas, e o céu. Então combi-
nariam a gravação perfeita da estrada como fundo com a gravação perfeita dos
ciclistas em primeiro plano, e o cliente, esperavam, ficaria maravilhado.
200
— Solte a fita —, disse Michael.
— Rodando.
Michael esperou até que a última bicicleta estivesse a uns vinte metros à
frente na estrada, e então bateu no ombro de Redmeat. — Agora.
Redmeat acelerou, e a seguir segurou, o melhor que pôde, para manter a
velocidade constante em trinta e oito quilômetros por hora. Era nessa veloci-
dade que eles alcançariam e ultrapassariam todos os ciclistas ao chegarem na
ponte coberta. As primeiras gravações foram desastrosas, com os ciclistas sa-
indo na frente e acabando antes da câmera. Então, quando Michael finalmen-
te conseguiu que eles reduzissem a velocidade, o Jeep passou todos os ciclistas
e acabou com muita vantagem. Agora Michael achava que eles estavam bem
sincronizados.
Eles foram estrada abaixo, com Michael gritando instruções pelo megafone,
chamando a atenção dos ciclistas pelo número em suas costas ou pela roupa que
usavam.
— Número quarenta e sete, permaneça à esquerda! Vamos passá-lo pela
direita! Número doze, vamos passá-lo pela esquerda! Vamos, faça parecer que
está numa corrida! Incline-se para a frente! Pedale com ânimo!
Tudo estava indo bem, até que Michael exclamou: — Oh, merda, o que
eles estão fazendo lá? Eram dois pedestres à beira da estrada. Aparentemente,
tinham acabado de sair da floresta, e pararam para observar o que pensaram ser
uma verdadeira corrida de bicicletas.
— Devemos cortar? Perguntou Tanny.
— Não, continue rodando. — Ele levantou o megafone. — Ei vocês,
batam palmas! Vamos, aplaudam!
Com uma expressão confusa no rosto, os dois atenderam ao pedido.
— Isso! Continuem aplaudindo, continuem aplaudindo! Obrigado!
Saíram da curva, e lá estava a ponte coberta digna de um cartão postal, e
restava apenas um ciclista para ser ultrapassado.
Ok, encoste nele! Um pouco mais rápido, um pouco mais! Ciclista líder,
estamos ultrapassando pela esquerda!
Ultrapassaram-no, dez metros antes de mergulharem na caverna escura da
ponte coberta e emergirem do outro lado, onde, esperando por eles, estavam o
Oficial Bradley, Babe e meio quilômetro de trânsito parado, encabeçado por
uma pick-up.
— Corta —, disse Michael.
Enquanto o trânsito passava, Michael olhou de novo para a montanha, ima-
ginando se valeria a pena uma nova tentativa. Mas agora as sombras estavam
muito longas, muito profundas. Ele pegou o megafone. — Ok, terminamos.
201
— O que isso significa? Perguntou Babe.
— Significa “vamos dar o fora daqui.”
Michael pegou o walkie-talkie de Babe e disse a Hoona para trazer a van
para baixo. Babe começou a entregar envelopes com cheques aos ciclistas e aos
oficiais de polícia que administraram o trânsito. Redmeat estava desconectando
cabos e enrolando-os para que fossem empacotados. Michael o ajudava, quan-
do notou que Tanny havia desaparecido. Ela tinha se afastado deles. Michael a
viu perto da ponte, sentada no guard rail, de costas para eles, olhando para
baixo, para a correnteza do rio.
Ele foi até ela. Tinha uma questão técnica, e queria esclarecê-la com ela.
Quando a alcançou, viu que ela estava com os olhos molhados e zangada.
— Qual o problema?
— Nenhum.
— Você está bem?
— É, estou ótima —, disse ela, mas não virou o rosto para ele.
Ok, chega disso, ele pensou. — Bem, vamos nos arrumar e sair daqui.
Temos que pegar o avião.
— Só preciso ficar sozinha um minuto.
Ele decidiu deixá-la só. Acabaram de carregar a van e estavam quase pron-
tos quando Tanny se juntou a eles.
Boner dormiu até o meio da tarde. Quando acordou, ligou o seu compu-
tador do quarto de hóspedes, e escreveu um pedido de ajuda técnica. Espalhou
o pedido em vários grupos de discussão na Internet e em alguns fóruns dos
serviços comerciais on-line.
Em vinte e quatro horas tinha recebido dúzias de respostas, de conselhos
gerais a uma sugestão para que aceitasse Cristo em sua vida, passando por cur-
rículos de cursos para desempregados. Uma das respostas sugeria que ele verifi-
ca-se em uma das chat rooms ou salas de bate-papo virtual da América OnLine,
nas quais cyberpunks da multimídia podiam normalmente ser encontrados. Sem
muita esperança Boner encontrou a sala em questão.
Esperou por uma chance de entrar na conversa em andamento, e relatou
seu problema. A princípio foi ignorado. Depois alguém sugeriu que ambos
208
mudassem para outra “sala” menos lotada, em que pudessem ter uma conversa
privativa. Durante quarenta e cinco minutos Boner teve uma longa conversa
online com alguém cujo nome na Internet era “FM”, digitando suas observa-
ções e lendo as dele, ao aparecerem na tela do monitor. FM fazia perguntas
inteligentes e detalhadas, e finalmente pediu que Boner lhe enviasse pelo modem
o programa da videobike.
210
— Dois programadores de software, que ele vai indicar, além dele mesmo.
Ele quer vinte mil para cada programador. Trinta mil seria o pagamento dele —
, disse Tanny. — Ele diz que eles vão ter que trabalhar muito, algo como dezesseis
a dezoito horas por dia, para acabar a tempo.
— Jesus. O total está bem acima de cem mil.
— Bem, você pediu opções. A meu ver, existem três. Uma, devolvemos o
dinheiro para a Exerific.
— O que os deixa na mão —, disse Michael. — E também não nos deixa
numa posição muito boa.
— Dois, nós os convencemos a aceitar alguma coisa mais simples. Uma
apresentação básica em multimídia ou vídeo.
— O que não os deixará muito felizes, uma vez que estão esperando pelo
que prometemos.
— Ou três, aceitamos a proposta de FM.
— Ele garante os resultados?
— Ele disse que sim, ao menos o que se refere ao próprio trabalho. As
outras despesas não são problema dele.
Michael se levantou e andou em volta de sua mesa por um minuto. —
Estou querendo enforcar Boner no próprio cinto. Ele não poderia fazer isso. Ele
deveria ter dito alguma coisa.
— Mas ele não disse, e aqui estamos.
— O que você acha? — Michael perguntou a ela.
— Eu voltaria à Exerific e admitiria nosso erro. Estamos atolados até o
pescoço.
Michael pressionou as pontas dos dedos uns contra os outros e pensou um
momento. — Não, se esse cara diz que pode resolver o problema, acho que
devemos seguir em frente. Não ganhamos nada se voltarmos à Exerific e recu-
sarmos o negócio. De fato, todos perdem. Vendemos a eles a idéia, e temos que
honrar.
— Mas isso vai realmente comer o nosso lucro. Eu nem mesmo sei se
vamos ganhar algum dinheiro com o projeto.
— Vou falar com... qual é o nome dele? FM? Vou falar com ele e tentar
convencê-lo a fazer por menos. E temos que nos certificar de que seremos os
proprietários quando estiver pronto. Acho que há mais aqui do que apenas uma
exposição. Eu realmente acho que podemos ter alguma coisa aqui se pudermos
fazer com que funcione.
Gary Lio conduziu seu Jaguar pelo Wilshire Boulevard, virou na entrada
do estacionamento próximo de seu prédio e estacionou na sua vaga. Ele não era
alto, tinha aproximadamente um metro e setenta, e era esguio, mas não bonito.
211
Sua cabeça era meio achatada, e parecia um pouco grande para o corpo. Seus
cabelos castanho-claros eram curtos. Seus olhos eram pequenos e estreitos, o
nariz, afilado, os lábios pareciam talhados a navalha. Ele tinha a pele bronzeada,
devido ao fato de ser proprietário de diversos salões de bronzeamento. Gostava
de ternos italianos e gravatas claras de seda, com desenhos extravaganes, como a
verde e lilás que usava naquele dia.
Apesar de tantos anos na Califórnia, ele ainda tinha um jeito de andar
nova-iorquino — rápido, sem parar e sem olhar para ninguém— e onde quer
que fosse, parecia que antes dele chegava o aviso de que todos deveriam sair da
frente. Ele entrou e pegou o elevador para o último andar. Saudando-o, ao
passar, estava a fachada de mármore cor de laranja com as letras douradas de
bronze: LIOCO, INC.
Ele estava a ponto de abrir a porta da frente quando alguma coisa na
fachada chamou sua atenção. Alguma coisa estava diferente. Ele ficou lá um
minuto, tentando descobrir o que era. Eram as plantas. Antes havia samam-
baias e outras belas folhagens — Gary não sabia os nomes — e agora elas ti-
nham sido substituídas por cáctus.
A recepcionista, Deana, uma jovem de vinte e dois anos, estonteantemen-
te bonita, estava à sua mesa. Gary entrou e disse a ela: — O que aconteceu com
as plantas?
O rosto dela pele clara, perpetuamente imperturbável, momentaneamen-
te ensombreceu-se. — O senhor está se referindo...
— Estou falando sobre os cáctus, ou o que for. Quero saber o que aconte-
ceu às samambaias.
— Eu não sei. O jardineiro as trocou.
— Bem, telefone e faça com que ele volte aqui. Quero que volte a ser
como era. Quem ele pensa que é, trocando sem falar comigo?
— Não sei. Ele disse alguma coisa sobre o senhor ter cortado o pagamento
dele e que os cáctus necessitam menos cuidados.
— Bem, você telefona e diz àquele idiota para voltar aqui, e se ele me
cobrar dobrado, está despedido!
Gary dirigiu-se ao escritório. Sua secretária, Marquita, estava à sua mesa
próxima à porta e, ao passar, ela lhe disse: — Regan DiGabriel está esperando
você.
— Quem? Oh, certo, certo.
Gary entrou apressado e lá estava Regan, vestindo um tailleur branco for-
mal, e blusa de seda azul clara, sentada no sofá. Ela levantou quando ele entrou,
e estendeu a mão. Gary Lio olhou-a de cima a baixo e deu um grande sorriso.
— Regan! Bem-vinda à Los Angeles! — Ele disse. — Venha e sente-se.
Marquita!
212
Marquita apareceu placidamente à porta.
— Eu gostaria de um suco de morangos com gelo e, como você já sabe,
meia colherzinha de mel —, disse Gary. — Regan, você gostaria de alguma
coisa?
— Certamente. Quero o mesmo, mas sem mel.
— Temos uma pequena cozinha nos fundos, com uma dessas máquinas de
suco —, explicou Gary. — Muito populares por aqui. De qualquer forma, você
está pronta para começar a trabalhar?
— Absolutamente.
— Ótimo. Vou começar com algumas informações básicas sobre a LioCo,
depois trataremos do problema em questão. Como você sabe, comecei com
leasing e vendas de equipamentos médicos. Comprei uma das empresas para
quem vendia, e acabei vendendo a empresa para a Três-E com... bem, com um
lucro bem interessante. No momento, a LioCo tem investimentos em diversas
pequenas e médias empresas, principalmente, mas não exclusivamente nas em-
presas médicas — de saúde — de condicionamento físico. Por exemplo, temos
algumas propriedades no sul da Califórnia e no centro do Colorado. Você e seu
marido esquiam?
— Sim, esquiamos.
— Bem, acontece que a LioCo possui um alojamento de esqui muito
bonito em Vail, e algumas vezes permitimos que empregados e amigos da em-
presa o utilizem. Se estiver interessada podemos, sabe, fazer uma reserva para
vocês.
— Obrigada, talvez possamos acompanhar você e sua mulher algum dia.
— Bem, eu e alguma amiga talvez. Não sou casado.
— Verdade? Estou surpresa.
— Bem, eu fui. Quatro vezes, na verdade. Nenhum casamento durou.
Marquita entrou trazendo o suco de morango gelado.
De qualquer forma —, disse Gary —, nosso foco principal aqui na LioCo
é, teria que dizer, a saúde humana. Temos uma empresa que aluga software
médico para computadores. Temos uma pequena parcela em um conglomerado
de biotecnologia. Temos um interesse menor numa franquia de um centro de
condicionamento físico chamado Viking Torch. Você poderá ler mais a respeito
deles mais tarde.
— Eu já li —, disse Regan.
— Oh? Ótimo. Bem, um de nossos maiores investimentos é a Lio Athletics,
uma empresa que fundei para vender acessórios esportivos. Os pesos para ginás-
tica Day-Glo, por exemplo. Você ri, mas é um dos campeões de vendas. Mais
monitores de batimentos cardíacos a bateria para corredores, esse tipo de pro-
dutos.
213
— Bem, há três anos abrimos o capital da Lio Athletics, retendo uma
participação de vinte por cento. Durante os últimos dezoito meses, entretanto,
a rentabilidade está caindo. Minha intuição, que sei muito bem ser a verdade, é
que a gerência não estimulou o crescimento das vendas tão agressivamente como
eu fiz quando administrava a empresa pessoalmente. Infelizmente, não tenho
mais autoridade para simplesmente entrar e fazer as mudanças necessárias. Te-
nho que montar um caso para o conselho e o conselho tem que votar... bem,
para fazer o que tem que ser feito.
— Bem, é aqui que você entra, Regan. Quero que você faça uma análise
completa, objetiva, que leve a um relatório extenso e baseado em números du-
ros que sustente a minha posição. Normalmente eu não meto o nariz em assun-
tos administrativos do dia-a-dia, mas não estou disposto a ignorar a situação e
deixar que meu investimento desça pela descarga da privada, perdoe-me a ex-
pressão. Tenho aprovação do conselho para que você entre e converse com to-
dos que quiser, faça as perguntas que quiser. Marquita!
Marquita apareceu.
— Você está com o arquivo que montamos sobre a Lio Athletics pronto
para a Regan?
— Está aqui —, disse Marquita.
— Ótimo —, disse Gary. — Regan, vá e encontre uma sala em qualquer
lugar e leia esse documento por inteiro. É um documento grande, deve levar a
maior parte do dia. Então à noite, no jantar, vou explicar com quem você vai
deverá conversar e que perguntas deverá fazer. Não esqueça o suco de morangos.
Ele observou Regan sair. Assim que ela virou o corredor, ele sentiu a velha,
familiar, quase incontrolável excitação. A coceira, como chamava. Gary Lio
olhou o relógio e tomou uma decisão. — Marquita!
Ela apareceu novamente.
— Peça que alguém fique na recepção e diga a Deana para vir aqui.
Sem qualquer expressão, Marquita assentiu e desapareceu. Um minuto
depois Deana apareceu na porta. Gary acenou para ela. Ela trancou a porta
atrás de si e foi em sua direção enquanto ele tirava a carteira.
— Só uma rápida.
— Certo. Como você quer?
— Você sabe do que gosto quando estou com pressa.
Ele pegou uma nota de vinte e colocou na mão dela.
— Gary...
— O quê?
— Você sabe o quê. É trinta.
— Não tenho um desconto pela freqüência?
— Você já tem esse desconto.
214
Ele abriu a carteira para que ela visse. — Tudo que tenho é cinco e outra
de vinte. Ainda não fui ao banco.
Ela pegou a outra de vinte. — Eu devolvo o troco.
Gary virou os olhos. Ela se virou para que ele abrisse o zíper do vestido
dela. O vestido caiu de seus ombros no carpete. Ela deu um passo para fora
dele. Como dançarina que tinha sido, ela dobrou as notas e as prendeu sob a
liga. Ajoelhou-se na frente dele e abriu suas calças.
— Quarenta e nove anos de idade e ainda insaciável —, disse Gary. —
Quantos outros caras podem dizer isso, hein? Mmm. Éee. A propósito, você
telefonou ao cara das plantas sobre os cáctus?
Deana tirou o pênis da boca. — Sim, telefonei.
— O que ele disse?
Novamente ela o removeu. — Disse que tentaria passar amanhã.
— Bem, você telefona a ele novamente e diz que estou enfurecido e que o
quero aqui hoje. Ou terei simplesmente que cancelar o contrato dele.
Uma terceira vez. Ela disse: — Veja, você está ficando mole. Você quer isso
ou não?
Ele ficou quieto enquanto ela fazia seu trabalho. Três minutos depois, Gary
balançou e caiu em sua cadeira giratória para se recuperar. Ele fechou o zíper das
calças. Deana apanhou o vestido e foi para o armário de bebidas de Lio para
lavar a boca com Absolut.
— Não se esqueça de telefonar para aquele cara novamente —, ele disse a
ela quando saía. — E não se esqueça dos dez que me deve! — Gary Lio esfregou
as mãos. — Certo, o que temos a seguir?
Não estava em ordem até às onze, mas Tanny jantou camarões grelhados,
aspargos frescos com molho holandês e salada. Boner preferiu um bife. Ele
contou a ela que era apenas a terceira vez em que ia a mais de cento e cinqüenta
quilômetros de Bridgeford. Ele quase tinha entrado para a marinha, mas seus
pais o tinham convencido do contrário, e assim ele foi para a escola técnica. Ela
o deixou falar e continuar falando, enquanto ficava sentada, bebia seu vinho e
deixava-se envolver por sua renovada fé na humanidade.
Depois do jantar ela voltou ao quarto e a luz vermelha no telefone piscava.
A mensagem era que Michael tinha telefonado.
— Bem, não fique preocupado —, disse ela quando retornou a ligação
—, tudo está sob controle novamente.
— Você quer dizer que as coisas ficaram fora de controle em algum mo-
mento?
220
Ela contou para ele o que tinha acontecido e ficou satisfeita por ele ter
ficado tão enfurecido quanto ela a respeito do erro.
— Como eles puderam cometer uma burrada dessas? — quis ele saber. —
Bem parece que você conseguiu ajeitar as coisas. Escute, se tiver qualquer coisa
que eu puder fazer, telefone. Não importa a hora.
Ela se sentiu segura apenas por ter conversado com ele. Sentiu que tinha,
ao menos, um aliado. Ela se acomodou na cama outra vez e, assim que o fez, o
telefone tocou.
Era Andy Murphy. — Ocorreu algum problema?
— O problema que existia não existe mais, porém não graças a você —,
disse ela. Então começou a espremê-lo, e concluiu com: — E você vai ter que
arcar com o custo de tudo isso. Escutou? Foi um erro seu, por culpa sua, você
não estava por perto para corrigi-lo e vai ter que pagar o conserto!
Ela o ouviu dar um longo suspiro do outro lado. — Senhorita Zoelle, se
houve um erro, me desculpe! Para ser honesto, não estou muito familiarizado
com o seu estande. Não é uma desculpa, apenas um fato. Estou atendendo uma
outra pessoa cuja sogra faleceu na semana passada, e temos três exposições acon-
tecendo simultaneamente em Chicago neste fim de semana. Montamos o display
da Exerific hoje de manhã, e passamos o resto do dia no McCormick Place,
onde estou agora. Há alguma coisa que possa fazer pela senhorita esta noite?
Ela pensou. — Não, como já disse, arrumei outro fornecedor para fazer o
reparo.
— Certo. Novamente, desculpe. Não sei o que dizer a respeito do custo,
pois é uma decisão que não estou autorizado a tomar. Vou conversar com meu
chefe. Um de nós vai passar por aí durante a exposição e vamos analisar isso.
Vou passar o número de meu pager, para o caso de necessitar alguma outra
coisa. Basta entrar em contato.
— Boa idéia. Por que eu não tinha esse número desde o início?
Tanny tentou cochilar, mas não conseguiu. Aproximadamente às dez e
meia ela desceu para a área de exposição, para checar como estava indo, e nada
tinha sido feito. Às onze horas não havia qualquer sinal de Jack Steetz ou qual-
quer outra pessoa. Ela fechou os olhos e começou a rezar silenciosamente.
Eram cerca de onze e quinze e o tempo tinha virtualmente parado. Por
que ela tinha ido jantar? Que coisa idiota para se fazer, ela falou para si mesma.
Não devia ter deixado que ele saísse de sua frente até que o trabalho estivesse
pronto.
E pelo que tinha dito ao Murphy, a responsabilidade não era mais dele.
Como ela pôde fazer isso a si mesma?
Às onze e quarenta e cinco ela foi ao banheiro e vomitou os camarões e
aspargos. Por alguns segundos depois disso, se sentiu bem.
221
Procurou um telefone público e tentou o pager de Murphy. Enquanto
esperava que ele retornasse o chamado, preparou um discurso humilde e conci-
liador. Mas ele não ligou de volta.
Já bem depois de meia-noite ela desistiu e voltou ao estande da Exerific
pensando no que diria ao cliente de manhã, e lá em frente ao display estava um
carrinho com três painéis revestidos com tecido azul royal. Três homens de
macacão estavam removendo os painéis com problemas.
— Aí está você —, disse Jack Steetz, vendo Tanny e sorrindo para ela.
222
Ao passar pelo saguão do hotel, Glen Sorensen, o presidente da Exerific,
estava lá, em pé, parecendo um diamante num colar formado por vendedores
de terno. Ken Sonders, Mindy Markovic e Tucker também estavam lá. Todos
com uma expressão feliz no rosto.
— Oi, olá! — Disse Tanny. — Bom dia!
Sorrindo continuamente, ela apertou as mãos de todos. Ela já tinha se
encontrado com Sorensen durante o desenvolvimento do projeto, mas Tucker,
de qualquer forma, a apresentou novamente. Depois de algumas gentilezas,
Sonders puxou-a para o lado.
Ele parecia tenso. — Eu ainda não tive chance de ver o estande. Está tudo
pronto para começar?
— Tudo instalado.
— Ótimo. Estamos esperando que um cliente venha juntar-se a nós, e
então vamos passar pela área de exposição no caminho para o café da manhã.
— Vejo-o lá, então. — Disse Tanny.
Ela desceu para a área de exposição e, ao chegar ao estande viu que Boner
estava com uma caixa de controle para fora, no chão. Tinha tirado a tampa, seu
equipamento de teste estava perto e as pontas de prova em suas mãos, enquanto
observava o movimento dos ponteiros no mostrador. Ela apressou-se, correndo
tanto quanto seus saltos permitiam.
— Que diabos você está fazendo? — perguntou ela.
— Acho que um dos circuitos de clock está danificado.
— O cliente vai estar aqui em um minuto!
— O vídeo estava tremendo!
— Por que não estava tremendo ontem à noite?
— Não sei!
— Com licança. — Três pessoas muito bonitas, um homem e duas mu-
lheres, em roupas de ginástica, estavam em pé ao lado de Tanny. — Somos da
Unbelievable Models. Acho que foi você que nos contratou.
— Só um minuto! — Tanny disse com nervosismo. — Fiquem esperando
naquela área! — De volta a Boner: — Eu preferia ter o vídeo tremendo do que
toda a coisa desmontada!
— Pensei que tivesse tempo até as nove!
— Eles estão a caminho daqui agora!
— Merda —, disse Boner. O que era surpreendente, pois Boner quase
nunca falava palavrões.
— Tanny começou a recolocar a tampa.
— Não ainda. Tenho que ajustar os jumpers.
Tanny procurou alguma outra coisa para fazer. — As outras máquinas
estão Ok?
223
— Pelo que sei, sim.
Ela ligou as outras duas máquinas, chamou dois dos modelos e gritou: —
Subam e comecem a pedalar!
Tanny olhou para o corredor. Lá vêm eles, um amontoado de ternos com
a cabeça grisalha de Sorensen no meio.
— De quanto tempo você precisa? — Ela perguntou a Boner.
— Não sei. — Disse ele. Então pensou e disse: — Três ou quatro minutos.
Seis ou sete seriam fantásticos.
Ela deu outra olhada para o corredor. Eles estariam lá em menos de um
minuto. Boner ainda tinha ferramentas pelo chão, o monitor estava branco e
não havia garantia de que a coisa funcionasse ao ser ligada. O que ela poderia
fazer? Correr e cair desfalecida no chão, debatendo-se como se estivesse tendo
um ataque? Não, ela teve como que uma visão deles pisando em seu corpo
inerte. Ela olhou pelo estande, procurando qualquer coisa que pudesse ajudar.
Viu então a bolsa que continha a câmera VHS.
Ela tinha trazido essa câmera simplesmente para fazer uma gravação do display
que pudesse ser usada para promover o serviço deles mesmos. (Vê? Esse é o tipo
de trabalho que fazemos. Não preste atenção naquele homem fazendo reparos!).
Ela pegou a câmera da bolsa e foi pelo corredor apressadamente, apesar dos saltos.
— Oi! —, ela chamou a atenção deles. — Vamos gravar este momento
para a posteridade!
— Não seria melhor se estivéssemos todos na frente do estande? — Per-
guntou Sonders.
— Não, não! Exatamente neste lugar em que vocês estão está perfeito!
Uma bela cena com a exposição inteira ao fundo! — Ela já estava com a câmera
no ombro e gravando. — Assim. Sorriam todos! — Ela observava os segundos
passando no visor da câmera, que pareciam correr em câmera lenta, enquanto
sua mente voava. — Sr. Sorensen, talvez o senhor pudesse apresentar todo o
pessoal.
Querendo ser gentil, Sorensen virou-se para o cliente. — Bem, ah... eu
gostaria de apresentar Sam Felix, presidente da Fit-N-Fun, o franchising de
clubes de saúde que mais cresce na América...
Tanny passou um minuto desse jeito. Ela percebeu, no rosto de Sonders,
que ele estava ficando irritado, mas ela ainda tinha que mantê-los aí alguns
minutos e estava ficando sem idéias.
— Sr. Sorensen, eu poderia gravar uma cena com o senhor sozinho, por
favor?
— Ora, vamos —, Sorensen resmungou.
Mas Tanny já estava afastando Glen Sorensen dos outros. — Só vai levar
224
alguns segundos... ali, sim. Ela levantou a câmera novamente. — Como o se-
nhor é simpático, Sr. Sorensen!
— Obrigado. A propósito, pode me chamar de Glen. Estamos entre ami-
gos, aqui.
— Bem, Glen —, ela disse baixinho e sem parar de sorrir —, vou lhe
pagar um jantar no restaurante de sua escolha se você conduzir o grupo ao
estande pelo caminho mais longo.
O rosto de Sorensen abriu-se em um largo sorriso e ele começou a rir. —
Eu estava percebendo que você tentava nos atrasar!
— É só porque tivemos uma dificuldade técnica de última hora, e não
quero que você e seu cliente se sintam embaraçados.
— De quanto tempo você precisa?
— Três ou quatro minutos seria absolutamente maravilhoso.
Sorensen afastou o punho e olhou o relógio. — Dou a você cinco minu-
tos. Ele passou o braço pelos ombros dela num abraço paternal, conduziu-a de
volta ao grupo e disse: — Vou dizer-lhes o que vou fazer. Estou tão confiante de
que a Exerific tem o melhor display da exposição que vamos passear pelos estandes
dos concorrentes para vocês constatarem como são fracos comparados ao nosso.
Ele soltou Tanny, dando uma piscadela, e conduziu o grupo através do
corredor para o lado esquerdo. Tanny achou que Sorensen havia sido condes-
cendente, mas no momento não podia pensar nisso.
— Quando isso acabar... — ela resmungou consigo mesma, voltando para
o estande. Quando isso tiver terminado, ela prometeu a si mesma, não vai mais
querer trabalhar com exposições, nada a ver com videobikes, e, se depender
dela, nada a ver com gerenciamento.
Três minutos depois, a Nova Inglaterra estava em todas as três telas e Boner
tinha guardado as ferramentas. Os modelos estavam fazendo a parte deles. Quan-
do Sorensen, Sam Felix e os vendedores chegaram, tudo estava perfeito.
— Mas o que é isso? — Perguntou Felix. — A imagem é maravilhosa! Faz
você se sentir como se estivesse lá!
Felix experimentou pessoalmente a videobike. Quando saiu, foi até
Sorensen.
— E então? Quando vocês vão lançá-las no mercado? — Perguntou ele.
— No mercado? Oh, elas são apenas para a exposição. Não, não temos
planos de produzir nada como isso. Seria caro demais.
Seja o que for que Boner tenha visto, não teve maiores conseqüências. As
máquinas trabalharam quase à perfeição. Tanny concluiu que a causa da tremi-
da no vídeo tinham sido os nervos de Boner.
Enquanto isso, todos que os viam o display da Exerific ficavam curiosos e
225
atraídos. O pessoal da Exerific era todo gentilezas e sorrisos: — Ei, gostaria de
experimentar? O preço é só um cartão comercial. Vamos, experimente.
Nem todas as reações eram positivas: — Era só o que faltava —, disse uma
mulher —, outra distração de alta tecnologia, custando uma fortuna.
— Alguma coisa que não podemos comprar —, disse o companheiro.
— Isso é o que deve ser feito como fruto da imaginação! — queixou-se um
homem.
Tanny começou a pensar nessas pessoas como puritanas, para quem os
exercícios tinham um certo significado religioso.
Mesmo alguns membros da equipe de vendas da Exerific tinham reclama-
ções. — Desvia a atenção do produto! — Queixou-se um gerente de vendas. —
Todo mundo está olhando para a tela, não estão notando as características da
Bike-a-Rific!
Mas todos que passaram pararam para olhar. Eles ficavam lá, encantados,
na beirada do estande, como as pessoas na calçada de uma loja de utensílios
domésticos nos dias dos primeiros aparelhos de televisão. Algumas pessoas até
aplaudiam e gritavam quando o ciclista cruzava a linha de chegada. Havia sem-
pre muita gente, próxima ao display — e a multidão se auto-alimentava, pois as
pessoas paravam para ver o que as outras estavam olhando.
Tanny levou Sonders para o corredor, pediu que ele olhasse para os dois
lados e disse: — Você percebe que a Exerific está atraindo a maior multidão
entre todos os expositores? É incrível.
Sonders ainda estava resmungando sobre as dificuldades técnicas, mas,
um pouco mais tarde, quando Sorensen veio novamente, Tanny viu que Sonders
chamou Sorensen para o corredor e disse: — Glen, você percebe que estamos
atraindo mais gente do que qualquer outro expositor?
— Incrível —, disse Sorensen.
O único problema era que o pessoal da Exerific estava apavorado pelo fato
de ter que lidar com computadores, vídeos e com toda a parafernália técnica.
Esse era o trabalho do pessoal contratado para ajudar.
— Quero ter um de vocês por perto o tempo todo —, Sonders disse a
Tanny. — Apenas para o caso de... bem, só por precaução.
Então Tanny assumiu o primeiro plantão e mandou Boner de volta para a
cama. No final da manhã daquele primeiro dia ela estava quase dormindo em
pé — cansada ao ponto da insensibilidade — quando se virou e quase trombou
com Jack Steetz.
— Opa —, disse ele, pondo a mão no ombro dela. — Como vai?
— Estou me sentindo um zumbi num filme de George Romero.
— Acho que, então, é melhor não convidá-la para jantar.
— Não, especialmente hoje à noite.
226
— Que tal depois? O seu caderninho de danças já está lotado para toda a
exposição?
Estava surpresa. Ela estudou o rosto dele por um momento. Ele não é de se
jogar fora, concluiu. — É um convite de negócios ou pessoal?
— Bem... a empresa vai pagar a conta, mas não posso dizer que seja de
negócios.
— Nesse caso, que tal amanhã à noite?
Ele pegou um cartão comercial e circundou um número para o qual ela
deveria ligar. — Se você não puder, avise-me. Se não ligar, eu a encontro no
saguão às sete horas. — Quase saindo, ele acrescentou: — Sabe, acho que você
conseguiu montar um dos melhores displays da exposição. Então ele se inclinou
e disse no ouvido dela — Mas não conte aos meus clientes.
Ela ficou morrendo de cansaço ainda por uma hora ou quase. Duas vezes
ela quase caiu no sono. Boner chegou para rendê-la a uma hora da tarde. Ela foi
para o quarto e nem mesmo tirou a roupa. Adormeceu três segundos depois de
se deitar.
8
Loop (the Loop) é o nome dado à principal área comercial de Chicago (N. do T.).
229
— Hum.
— Quando disseram a ele que essas eram apenas para a exposição e que
não havia planos para produzi-las para vender, o cara ficou meio aborrecido. Ele
é meio esquisito, para falar a verdade. O pessoal da Exerific chegou mesmo a
falar para ele se mandar. De forma gentil. Então, quando ele estava indo embo-
ra, eu fui até ele, me apresentei e lhe contei que fomos nós que desenvolvemos
o projeto. Bem, ele me deu o cartão e disse que queria falar com você quando
chegasse. Ele disse que estava indo ao museu de arte esta manhã, mas ele tem
que falar em um almoço aqui, então estará de volta, provavelmente, às onze.
Michael começou a telefonar para o quarto de Ullman às dez e meia e,
finalmente, conseguiu um retorno às dez e cinqüenta e cinco. Ullman, satisfeito
com o contato, disse a Michael que esperasse perto dos elevadores, que ele
desceria imediatamente. Depois de seis ou sete viagens do elevador, lotado de
pessoas, um gigante loiro, com um peito enorme, abaixou a cabeça para sair do
elevador.
— Você é Olaf Ullman? — Perguntou-lhe Michael.
— Você é o homem do vídeo?
— Sim, sou.
A mão de Michael perdeu-se na palma de Ullman quando se cumprimen-
taram. Viram duas cadeiras estofadas desocupadas e se sentaram. Sem qualquer
demora, Ullman começou a falar sobre ele mesmo. Ele se descrevia como um
treinador de treinadores. Tinha PhD. em psicologia esportiva, e era sócio de
uma academia.
— Onde? — Perguntou Michael.
— Na parte baixa de Manhattan. Perto de Wall Street —, disse Ullman.
Ele tinha um pouco de sotaque, e “Wall Street” saiu mais como “Vahl Street”.
— Michael fez que entendeu.
Você sabe qual foi a minha reação quando vi pela primeira vez a máquina
que você construiu? — Continuou Ullman. — Disse para mim mesmo. Sim!
Sim! Eles a montaram! Eles materializaram a minha idéia! Porque eu mesmo
concebi esse mesmo produto há dez anos. Mas há dez anos era muito... — Ele
gesticulou vagamente com as mãos. — Muito difícil tecni-ca-mente montar
alguma coisa como essa. Agora, vocês fizeram! Fantástico! Ele se inclinou e
aproximou seu rosto anguloso do de Michael. — Você sabe qual é a parte da
anatomia mais importante, no que se refere a exercícios? É, claro, a mente! Se
você puder condicionar a mente para acreditar no que está fazendo, então todo
o resto acontece. Mas se ignorar o papel da mente, então o exercício é muito
difícil. Muito, muito difícil — mesmo impossível para muitas pessoas.
— Sim, eu sei o que você quer dizer —, disse Michael.
230
— Toda a minha carreira foi uma luta — uma guerra! — contra os
nazistas do exercício —, disse Ullman. — Você sabe do que estou falando? —
Ullman ficou rígido. — Hum - doz! Hum - doz! — Ele estendia o braço direi-
to repetindo saudações no estilo do Terceiro Reich, e carregando no próprio
sotaque. — Focês dodos prrezizam vazer ezerzíus zemprre to messmo cheito. Ou
cerrão fuzilados!
Ullman relaxou. — Realmente, é assim que muitos na área têm aborda-
do a questão. Rigidez! Conformidade! Não é de se admirar que tantas pessoas
não consigam se exercitar. E se rebelem! Não, eu digo que o exercício deve
alimentar o espírito humano, não esmagá-lo sob expectativas falsas e confor-
midade rígida!
— Sim, agora vejo o que você está querendo dizer —, disse Michael.
— O exercício é uma jornada para a liberdade! — Ullman senrenciou,
com o punho cerrado. — E essa máquina que você criou proporciona a habili-
dade para simular a verdadeira jornada, para que a mente possa acreditar me-
lhor no que está fazendo. É maravilhoso! Maravilhoso! Agora, diga-me, quais
são os planos para o futuro?
— Bem, construímos as videobikes especificamente para a exposição, mas
eu realmente tinha pensado em vendê-las como produto.
— Quanto?
Michael hesitou. — Eu ainda não tenho uma lista de preços, mas estava
pensando que, provavelmente, teríamos que cobrar cerca de seis mil cada uni-
dade, para que fosse lucrativo.
Ullman não estava muito satisfeito. — Bem... parece demais. Você não vai
conseguir vender muitas a seis mil, devo alertá-lo quanto a isto.
— Esse preço seria apenas para as primeiras. Depois, poderíamos baixar o
preço.
— Certo, certo, as primeiras sempre custam mais. Posso compreender
isso. O que os seis mil incluem?
— Tudo. Monitor, disk drive, videodiscos, a própria bicicleta.
— Não, não, não venda dessa forma. Não inclua a bicicleta. Todo mundo
tem bicicletas. Venda apenas a parte de vídeo. Assim vai baixar o preço. Mas
certifique-se de que conseguirá adaptar sua máquina às bicicletas que já estão
em uso no mercado. Então, agora estamos falando de cinco mil. Isso inclui a
instalação?
— Poderia incluir.
— Suponha que eu encomendasse uma agora. Quando iria recebê-la?
— Em alguns meses. Mas não vendo só uma.
— Por quê?
231
— Porque apenas uma não é suficiente para que se pague —, disse Michael.
— Teria que ter uma encomenda de ao menos cinco unidades para cobrir os
custos.
Ullman estalou os dedos, que pareciam troncos de árvores. — Cinco... a
cinco mil?
— Sim.
— Incluindo instalação?
— Ok.
Ele balançou o corpo para frente e para trás. — É... parece um pouco caro.
— Não, de jeito nenhum. Não, se considerar que sua academia seria a
primeira do mundo a usar a Archangel videobike —, disse Michael.
— O que mais?
Michael riu. — Temos um redator muito bom em nossa empresa. Vou
pedir a ele que produza um texto e outros tipos de materiais promocionais
sobre a videobike, citando você e sua academia, sem qualquer custo adicional.
Ullman assentiu. — Você vai produzir outros videodiscos para a máquina?
— Se houver encomendas suficientes para justificar. Eu teria que vender
muitas máquinas para isso, ao menos quinhentas ou quase —, disse Michael.
— Mas se fizer novos discos, lhe ofereço cópias gratuitamente, por até um ano.
— Quero que a manutenção esteja incluída.
Michael balançou a cabeça. — Não, vou lhe oferecer uma garantia básica
cobrindo a manufatura do equipamento — não a bicicleta, mas o que vende-
mos — por até um ano. É o mais longe a que chegarei.
Ullman sorriu. — Assim está bom. — Ele estendeu a mão. — Vou ter que
conversar com meu pessoal, mas considere vendido. Quero cinco delas.
Tanny acordou pela primeira vez quando Jack estava saindo, aproximada-
mente às três e meia da madrugada. Ela ouviu a fechadura da porta abrindo,
abriu os olhos e viu a silhueta dele contra a luz amarelada do corredor. Então o
quarto ficou escuro novamente e ela teve dois pensamentos: Ele foi legal, e eu
nunca mais o verei novamente.
A segunda vez que acordou foi aproximadamente às oito e meia, quando a
camareira bateu à porta. Ela a dispensou e colocou na porta a etiqueta de NÃO
PERTURBE. Ela voltou para a cama e adormeceu segundos depois.
Na terceira vez acordou sozinha. Para sua surpresa, passava das dez horas.
Não que se importasse, pois ela não tinha que descer para a exposição até o
meio-dia. Ela se virou e ficou curtindo a preguiça. Teve recordações da noite
anterior. Sorriu, ao lembrar de Jack entrando apressadamente na farmácia na
State Street, enquanto ela esperava no táxi, se sentindo indecente. Sentiu a
habitual mistura de culpa e tristeza por saber que seria somente por uma noite,
232
mas tinha sido uma noite divertida e a tristeza não ofuscava a satisfação de ter
dormido com ele. Pena que ele não morava em Chicago, e ela estava em
Bridgeford.
Ela tomou um banho demorado, e aos poucos foi tendo uma sensação
maravilhosa, como não se sentia há meses. Ela se enrolou nas macias toalhas
brancas do hotel e secou o cabelo. Ligou o rádio enquanto fazia a maquiagem.
Dançou um pouco enquanto passava o vestido. O telefone tocou.
— Oi, sou eu.
— Você acabou de chegar?
— Não, já cheguei há algum tempo —, disse Michael. — Tenho grandes
novidades. Você vai descer logo?
— Daqui a pouco. Você quer subir?
Ah, por que tinha dito isto? Assim que as palavras saíram de sua boca, ela
desejou não ter dito nada.
— Quero, se não for inconveniente.
— Hum... me dê cinco minutos.
Agora ela tinha que se arrumar voando. Arrumou as cobertas da cama;
juntou a roupa de baixo e enfiou-as apressadamente na mala; encostou a porta
do banheiro; vestiu-se, lutando para fechar o zíper de trás. Ele bateu à porta
exatamente quando ela estava calçando os sapatos.
— Como foi em Atlanta?
— Nada mal —, disse Michael. — Acho que estamos bem com o Pete, e
eu já estou ouvindo comentários de pessoas próximas deles, o que significa que
poderemos receber algumas encomendas no ano que vem.
— Ótimo.
— É, mas a notícia realmente boa é esta: acabei de receber uma encomen-
da de cinco — ouça bem, cinco — videobikes de um guru da ginástica que tem
uma academia em Manhattan.
— Oh, Michael, isso é fantástico, que bom para você!
— Bom para todos nós. Tanny, foi a venda mais fácil que eu já fechei.
— Você vai contar para a Exerific?
— Acho que deveria.
A preocupação passou pelo rosto de Tanny. — Não tenho certeza de como
eles vão reagir ao saberem que você vendeu o sistema que os tornou tão bem-
sucedidos na exposição.
Michael encolheu os ombros. — O sistema é nosso. Além do mais, não o
estamos vendendo a um concorrente deles.
— Nós todos vamos jantar com Ken hoje à noite. E talvez com Glen, se
ele puder, mas eu duvido. Vamos ver se você está certa ou não.
233
— Então... — Ele se esparramou numa cadeira perto da janela. — Você já
começou a pensar no que gostaria de fazer depois que a exposição terminar?
— Eu gostaria de sair por uma semana. Depois disso... qualquer coisa que
tenha que ser feita.
— Como você se sentiria envolvendo-se com o marketing e as vendas da
videobike? — Perguntou Michael.
Tanny balançou a cabeça, mas sorriu. — Não acho que eu tenha queda
para fazer isso.
— Ora, vamos. Alguém tem que fazer.
— Quanto eu teria que viajar?
— Provavelmente muito.
— Não posso, Michael. Não posso fazer isso com Jason. Ou com minha
mãe. Posso sair por alguns dias de cada vez, mas não acho que seja certo tornar
isso um hábito. Já é suficientemente ruim ter que trabalhar em tempo integral.
Sou tudo o que ele tem e tenho que estar disponível para ele.
— Entendo. — Disse Michael. Ele deu um longo suspiro e expirou lenta-
mente pela boca. — A questão é que temos uma oportunidade real aqui. Eu
sinto isso. Tenho sentido o tempo todo que a videobike pode ser o pulo do gato
que estamos querendo. Mas temos que nos esforçar.
— Por que você mesmo não cuida do assunto?
— Eu cuidaria, mas estou preso cuidando da Três-E. Foi bastante duro
conseguir a conta de novo. Não posso ignorá-los agora. Não até que a videobike
realmente decole.
— Não sei porque Babe me disse isso —, disse Tanny —, mas há aproxi-
madamente um mês ela me disse que gostaria de tentar vendas.
— Ela me disse a mesma coisa. Adoraria tentar mas, para dizer a verdade,
ainda não confio completamente nela. Ela melhorou muito mas... simplesmen-
te não acho que ela consiga dar conta.
— Bem, tem o Hoona.
— É, certo. Ele bebe, fuma, pesa cento e quarenta quilos. Perfeito para
vender um produto para ginástica.
Tanny riu. — Não sei o que dizer. Os únicos que sobraram foram Red e
Boner, e nenhum deles quer trabalhar com vendas.
— É tão frustrante. — Queixou-se Michael. — Aqui estamos com o que
pode nos tornar milionários, e não temos a pessoa certa para capitalizar a opor-
tunidade.
O telefone tocou. Tanny foi até o criado-mudo, entre as duas camas de
casal, e atendeu. — Ok, mande-o subir.
— Quem era?
234
— O chefe da portaria. Recebi algum tipo de encomenda. Ele está man-
dando um mensageiro trazer.
— Isso me lembra —, disse Michael —, que tenho que telefonar para a
Caverna, só para checar. Posso usar seu telefone?
Enquanto ele telefonava, Tanny estava na frente do espelho passando ba-
tom. Estava pensando como era bom os dois conversarem assim. Suas relações
estavam lentamente voltando ao normal. Eles quase não se viram no mês ante-
rior, pois ela teve que trabalhar feito louca para que a videobike ficasse pronta e
ele esteve ocupado com a Três-E. Ela não podia ficar com raiva dele para sem-
pre, e não queria. Então foi legal conversar sobre negócios, no quarto dela.
Ela observou o rosto dele e se voltou para o outro lado. Ele estava olhando
alguma coisa sob o criado-mudo. Ele estava com o fone na orelha, mas estava
vendo alguma coisa e seu rosto tinha a mais triste das expressões. Ela deu um
passo adiante, para tentar ver o que ele estava olhando, e viu as camisinhas
usadas e os envelopes de papel azul metalizado no fundo do cesto de lixo, de
resto vazio, debaixo do criado-mudo.
— Obrigado, Babe. Telefono para ele mais tarde —, dizia Michael. — É,
tenho o número dele. — Ele desligou.
A princípio ia fingir que não tinha visto nada, mas Tanny, que sentia a pele
se aquecer ao corar, disse: — Lamento, você não deveria...
— O quê? Não, está Ok. — Ele tentou sorrir. — Parece que você teve
uma noite divertida ontem.
Seguiu-se um momento desconfortável de silêncio. E então o mensageiro
bateu na porta.
Tanny pegou um dólar da bolsa. O mensageiro segurava uma caixa longa
e estreita de papelão, envolta com uma fita de seda cor-de-rosa, o tipo de caixa
que todos sabem o que contém. Michael a viu.
— Ei, nos encontramos de novo lá embaixo no estande da Exerific —,
disse Michael. — Desça quando estiver pronta.
Ele saiu rapidamente. Com a caixa na mão, Tanny tentou convencer-se de
que o que ele tinha visto foi o que ele merecia. Mas sua satisfação foi curta e falsa.
Ela se sentou na cama e esforçou-se para prestar atenção na caixa.
Rosas brancas, cabos longos. Uma dúzia. Eram bonitas, tinham sido envia-
das por Jack.
235
ela estava lá, em sua mente. Indo para casa percebeu que tinha pensado até que
as brasas do antigo amor poderiam, de alguma forma, transformar-se em reno-
vadas chamas na Cidade dos Ventos.9 Não era para ser. Nunca mais aconteceria.
No quarto dela, a fantasia acabou.
Agora ele tinha apenas a mulher, e estava verdadeiramente preocupado
que talvez nem ela ele conseguisse manter. Regan não era uma dona de casa.
Michael não conseguia entender por que tinha aceitado o desejo aparente dela
de se tornar mãe em tempo integral e mulher de negócios apenas em meio
período. Ele a conhecia, e deveria saber que os papéis tinham que ser invertidos
para que Regan ficasse satisfeita com sua vida.
O projeto para Gary Lio estava quase terminando. Tinha sido bom para
Regan e ruim para o futuro do casamento, pelo que Michael podia perceber. O
projeto levou-a a querer voltar ao trabalho. Ele tornou-a importante novamen-
te, o pagamento foi bastante bom e fê-la voltar a um mundo em que ela era
forte. Mas em Bridgeford as oportunidades do mercado de trabalho ainda eram
escassas e assim permaneceriam por anos. Provavelmente nada no nível dela
apareceria. Se Lio ou qualquer outra pessoa oferecesse a ela um trabalho em
tempo integral ela poderia muito bem partir. Essa era a preocupação de Michael.
Se ela partisse, ele teria perdido Tanny sem motivo.
É engraçado como a mente funciona. Uma idéia que tinha ocorrido a
Michael meses atrás, e que tinha esquecido, de repente voltou quando estava a
caminho de casa. Voltou com tal força e urgência que parecia completamente
nova.
Na Caverna, assim que todo o equipamento da exposição tinha retornado,
Michael pediu a Redmeat se ele podia emprestar a van e se o ajudaria a carregar
as videobikes.
9
Chicago, Illinois (N. do T.).
236
— Sim. Vá em frente, experimente.
Ela passou uma perna acima do selim. Ele mostrou como ligar e demons-
trou os diferentes controles de vídeo. Ao começar a pedalar ela teve a mesma
reação que todo mundo.
— Isso é legal —, disse ela. — Muito melhor do que ficar olhando para o
nada ou tentando ver TV. Ao menos faz você pensar que realmente está indo a
algum lugar. Nós vamos ficar com esta?
— Você gostaria?
— Quanto custa?
— Quanto você acha que deveria custar?
— Não sei. Alguns milhares, suponho. Não podemos ficar com uma de
graça?
— Não. Não por enquanto. Regan, você não acreditaria nas reações que as
pessoas tiveram em Chicago. Nós fomos o ponto alto da exposição. — Ele
estava deliberadamente aumentando a velocidade. — As pessoas vieram me
perguntar se montaríamos algumas para elas.
— E o que você disse?
— Já aceitei uma encomenda. Estou pensando em entrar pesado no ne-
gócio.
— Quem vai montá-las para você? Quero dizer, você não entende nada de
manufatura.
— Tenho algumas pessoas em mente, e pretendo conversar com elas. —
Na verdade, ele já tinha conversado com Bob Garvey, mas como sabia que
Garvey não era uma das pessoas preferidas de Regan, não quis mencionar o
nome dele.
— Que tal o seu cliente, Exer... alguma coisa? Eles não entrariam no negó-
cio com você?
— A Exerific não está interessada.
— Não está interessada?
— Tivemos um jantar em Chicago com o presidente da empresa e as
principais pessoas do marketing. Eu esperava conseguir arranjar algum tipo de
joint venture com eles. Um dos caras, Tucker, estava me apoiando, até que
Glen, o presidente, disse que não estavam interessados, Glen dizendo que os
modelos mais vendidos são os mais baratos, e eles se deram mal em diversas
ocasiões, tentando vender produtos com todo o tipo de acessórios. O que me
causa algumas dúvidas, para falar a verdade. Por outro lado, eles são mecânicos.
Você fala em “realidade virtual” ou em “vídeo” ou “computadores” eles entram
em pânico.
237
— Bem, mesmo que você conseguir alguém para montá-las para você,
quem vai vendê-las?
Michael sorriu. — Fico feliz que tenha perguntado.
Um mês depois Regan estava em Los Angeles e Babe estava com ela. Esta-
vam indo pela estrada I-405, em direção a Orange County, onde ficava
Trimlimbs, supostamente uma academia exclusiva.
Depois de Regan ter concordado em entrar para a Archangel como direto-
ra de marketing da videobike, a primeira pessoa para quem telefonou foi Gary
Lio. Seu projeto para ele tinha ido bem. Ela descobriu que ele era muito exigen-
te e temperamental, mas nada que não tivesse encontrado muitas vezes antes na
Três-E. Quando ela terminou o relatório final, Gary transmitiu-lhe seu maior
cumprimento: “Super!” Ele tinha um cheque pronto para ela antes de ela tomar
o avião de volta a Bridgeford.
Ainda assim, quando ela telefonou para ele sobre a videobike, Gary deu a
ela uma resposta desapontadoramente fria. Ele concordou em se encontrar com
ela, mas pelo seu tom ela podia dizer que ele não estava nem um pouco ansioso.
Como tinham que ir para a Costa Oeste de qualquer forma (todos concorda-
vam que esse era um produto que, a princípio, não poderia ser vendido por fax
ou telefone. A venda tinha que ser feita pessoalmente), Regan marcou outros
compromissos. Depois de trinta ou quarenta telefonemas, ela conseguiu agendar
meia dúzia de reuniões para a semana em que estariam em Los Angeles e outras
três ou quatro em San Diego para a semana seguinte.
Coisa boa. Regan telefonou do hotel perto do aeroporto na manhã da
reunião, apenas para confirmar, e Marquita desculpou-se e informou que os
planos de Gary havia mudado de repente. Ele não estaria disponível, mas tenta-
ria agendar alguma coisa para outro dia naquela semana. Isso foi na segunda-
feira, e na quinta-feira eles ainda não tinham se encontrado. O primeiro com-
promisso sobre a videobike em San Diego seria no sábado. Regan estava furiosa,
mas nada podia fazer.
No primeiro dia em Los Angeles Regan viu que Babe era fraca como co-
piloto. Então Regan assumiu o papel e Babe passou a dirigir. Ela também não
era a melhor motorista do mundo, concluiu Regan, mas era melhor dirigindo
do que dando indicações. Regan tinha um mapa das ruas da Grande Los Angeles
aberto sobre as pernas e com a unha vermelha do indicador traçava sua rota. —
Você já, já terá que ficar na pista da direita.
Babe mudou para a direita, provocando uma ruidosa buzinada da pick-up
ao lado delas.
— Regan, você deve me dizer quando esiver Ok!
238
— Bem, você deve olhar!
— Não estou acostumada com um carro tão grande!
De fato, ela não estava dirigindo um automóvel, mas uma Ford Explorer,
que tinham alugado devido ao espaço para carga. A videobike ocupava muito
espaço.
As duas mulheres não gostavam uma da outra. Para economizar dinheiro,
elas estavam dividindo o mesmo quarto, e isso não ajudava. À noite, elas janta-
riam juntas em silêncio, mal se falando, e então voltariam para o quarto, e Babe
iria imediatamente para a cama, viraria de costas e fingiria dormir, ou usaria
alguma desculpa para sair. Na noite de terça-feira, Babe tinha saído às oito e não
tinha voltado até quase três — Regan soube disso porque estava acordada quan-
do Babe bateu na porta. (Regan trancara a fechadura).
— Onde você esteve? — Regan perguntou a ela.
Babe não respondeu, apenas tirou a roupa e caiu na cama, deixando a
resposta para a imaginação de Regan. No dia seguinte, Babe parecia um zumbi,
e quase as matou ao fazer uma conversão à esquerda com o trânsito fluindo.
Nada tinha dado muito certo para elas. Cada visita tinha sido muito pare-
cida com as demais: muito interesse e entusiasmo, até saberem o preço. Essa era
a principal objeção: cinco mil dólares a unidade, um preço muito alto para os
clientes com quem estavam falando.
Entretanto, não poderiam reduzir o preço. Não apenas os componentes
individuais eram caros — como comprar um computador pessoal econômico —
mas os custos de vendas seriam altos. Precisava de duas pessoas para levar a máqui-
na de um lado para o outro e colocar na frente dos compradores em potencial,
uma para montar e demonstrar o equipamento e uma para falar com o cliente.
— Você a vê? — Perguntou Regan.
— Vejo o quê?
— A academia! Fica a duas quadras adiante à esquerda.
Babe cruzou a estrada e entrou no estacionamento, parando na primeira
vaga livre que ficava a uns quinze metros da entrada. Elas saíram e Regan abriu
a porta de trás com sua chave, tirou sua maleta, e começou a andar.
— Desculpe-me princesa —, disse Babe. — Eu gostaria de uma mão aqui,
se você não se incomodar.
— Vou entrar para me certificar de que o gerente está pronto para nos
receber.
— E como posso tirar isso daqui sozinha?
Regan voltou para a Explorer, colocou a maleta no chão. No fundo estava
a bicicleta ergométrica, seguramente presa em um carrinho vermelho para que
pudesse ser transportada mais facilmente. Atrás dela, no interior escuro, estava
a caixa azul de equipamentos, contendo o monitor, reprodutor de discos e a
caixa de controles, assim como os cabos e suportes.
239
Ao se aproximar para ajudar Babe a levantar a bicicleta ergométrica e o
carrinho, Regan disse: — Este é seu trabalho.
— Você quer que eu machuque as costas?
Elas puseram a bicicleta no chão. Regan colocou as mãos na cintura. —
Não, eu não quero que você machuque as costas, mas se não pode fazer seu
trabalho, então volte para Bridgeford! Seu trabalho é me ajudar e se não pode
fazê-lo, vou contratar outra pessoa.
Babe imitou Regan, colocando as mãos na própria cintura. — Você é uma
cadela!
— O quê? O que você disse?
— Não é de admirar que ele a tenha traído.
Regan congelou, boca aberta, por quase dois segundos. — Quem?
— Quem você acha?
O olhar de Regan desviou-se de Babe, e Babe então entendeu o que tinha
feito.
— Lamento —, disse Babe. — Imaginei que você já soubesse...
A mão de Regan ergueu-se e atingiu o rosto de Babe.
— Eu não dormi com ele! — Gritou Babe.
— Quem, então?
— Tanny! — Disse Babe. — Todo mundo sabia. Ninguém disse nada,
mas todo mundo sabia o que estava acontecendo. Eu só pensei que ele tivesse
contado a você... ou que alguém tivesse...
O ar estava frio, mas em sua raiva Regan estava transpirando. Ela de re-
pente sentou-se na maleta, que se inclinou quando ela colocou seu peso, e quase
perdeu o equilíbrio. Uma mulher bem vestida, que aparentemente era cliente
da academia, vinha entre os carros estacionados, observando a cena.
— Acho que agora acabou —, disse Babe —, como que para reparar o
dano. — Sei que agora ela está saindo com um cara chamado Jack.
Regan respirou diversas vezes e recuperou o fôlego. Levantou-se. — Te-
mos um compromisso...
— Você quer que eu faça? — Perguntou Babe. — Quero dizer, há alguma
coisa que eu possa fazer?
— Não, você já fez o suficiente.
Juntas, as duas mulheres levaram as peças da videobike, com os saltos de
Regan batendo no asfalto, e os tênis de Babe sem fazer qualquer barulho. Na
entrada, Regan segurou a porta aberta para ela.
— Obrigado —, disse Babe friamente.
Lá dentro, Regan dirigiu-se a uma recepcionista adolescente: — Oi, tenho
uma reunião com o Sr. Burkett.
— Ele não está.
240
— Ele volta logo? Temos uma reunião agendada.
— Oh, bem, acho que ele não volta mais hoje. Deixe-me conferir. — Ela
pegou o telefone e verificou com o escritório. — Lamento, mas ele já foi embo-
ra. Deixe-me ver se alguma outra pessoa pode atendê-la. — Novamente ela
pegou o telefone. Então disse a Regan: — Brandy vai falar com vocês. Ela é uma
das assistentes de gerência.
Elas esperaram dez minutos por Brandy. Enquanto isso, Babe montou a
videobike lá mesmo, perto da recepcionista. Finalmente uma mulher alta e
muito magra apareceu. — Oi, sou Brandy, a gerente-assistente. Como posso
ajudá-la?
Regan deu instruções e explicou tudo sobre a possível reunião.
— Oh, lamento —, disse Brandy. Ela riu nervosamente e agitou as mãos.
— O Sr. Burkett teve algum tipo de emergência familiar.
— Bem, talvez você pudesse nos conceder um momento para demonstrar
a videobike...
— O quê?
— A videobike —, repetiu Regan, com traços de nervosismo transparecendo
em sua voz. — É o último avanço em tecnologia de exercícios.
— Deixe-me demonstrar —, Babe disse sem nenhuma preparação.
Ela suspendeu a perna sobre o assento, mas Brandy balançou a cabeça. —
Não, não é necessário. Acho que entendi. É como ver televisão enquanto você
pedala.
— É mais do que apenas televisão, Brandy. É completamente interativo
—, disse Regan.
— Uh-hum.
— Babe olhou para Regan como se dissesse: Você está perdendo tempo.
— Quanto essa coisa de vídeo custa?
— Você não gostaria de experimentar primeiro? — Perguntou Regan.
— Diga-me agora —, disse Brandy —, porque se for caro não tem senti-
do... sabe, há me pessoas esperando.
— Quatro mil, novecentos e noventa e nove dólares por unidade —, disse
Regan.
Brandy quase perdeu o fôlego. — Por isso? Você está brincando.
— Descobrimos que o vídeo faz uma grande diferença na motivação.
Brandy gesticulou com a mão. — Nossos clientes já são muito motivados.
Eles têm que ser, com os preços que pagam.
Regan virou-se para Babe. — Puxe o plugue.
— Quero dizer, realmente —, disse Brandy —, eu pensei que talvez, sabe,
se custasse uns cem dólares como um acessório ou alguma coisa assim...
— Cem dólares? — Disse Regan. — Uns cem dólares? Você é de Ohio?
241
Brandy levantou-se. — Sandusky. O que isso tem a ver com o nosso as-
sunto?
Enquanto voltavam a um Holiday Inn próximo ao aeroporto no trânsito
de fim de tarde, Babe disse: — Vamos ser honestas, senhora DiGabriel. Não
estamos nos dando muito bem.
— Concordo cem por cento.
— Acho que gostaria de ir para casa.
— Ótimo, você pode telefonar para a companhia aérea quando chegar-
mos ao quarto.
— Você vai conseguir alguém para ajudá-la em San Diego?
— Com certeza eu me arranjo.
— Acho que ela o seduziu. Não sei se faz diferença ou não...
— Não faz.
— Ele realmente é um homem legal.
— Ele é uma grande merda.
— Por favor, não conte a ele que fui que lhe contei.
Regan inclinou a cabeça para trás, contra o encosto. A essa altura, ela
simplesmente não ligava mais.
— Por favor, ele tem sido muito bom para mim —, continuou Babe.
— Não vou contar para ele —, Regan resmungou.
Quando elas estacionaram do lado do Holiday Inn, Babe começou a abrir
o bagageiro. Elas estavam trazendo a videobike para o quarto todas as noites,
por segurança. Mas Regan disse: — Deixe aí. Espero que seja roubada.
No quarto, Babe telefonou para a companhia aérea. Acontece que tinha
um lugar num vôo noturno de longa distância partindo em algumas horas.
Babe fez uma reserva. Regan estava aliviada. Ela não tinha certeza de como
passaria a noite se elas tivessem que ficar juntas. Ela perguntou a Babe se preci-
sava de uma carona até o aeroporto, mas Babe disse que ia pegar um ônibus
direto. Tanto melhor.
Enquanto Babe arrumava as malas, Regan telefonou e encomendou uma
salada de lagostas e uma garrafa de Chardonnay. O serviço de quarto chegou
exatamente quando Babe estava para sair. Babe esperou até o homem ter ido
embora, e então disse: — Lamento.
— Está bem. Pode ir. E, Babe, não conte aos outros sobre o que aconte-
ceu. Diga apenas que você machucou as costas. Vou tratar desse assunto do meu
próprio jeito, no momento em que eu considerar apropriado. Certo? Tenha
uma boa viagem de volta.
Babe parecia satisfeita com isso. — Bem, boa sorte.
Regan tomou um copo de vinho e disse em voz baixa para a porta fechada:
— Eu vou pegar vocês. Vou pegar todos vocês.
242
Eles não queriam que ela entrasse para a empresa. Ela sabia disso. Michael
conversou com eles a respeito do assunto. Ele tinha convencido os outros que
ela não iria receber um salário, trabalharia por uma comissão mais reembolso de
despesas. Ela receberia trinta por cento do bruto em cada venda que concluísse.
Mas Michael contou a ela o ressentimento deles, pois achavam que ele de algu-
ma forma estivesse ganhando dobrado: ganhando sua parcela da receita, que era
a maior de todos eles, e beneficiando-se com a porcentagem dela, presumindo
que ela realizasse as vendas. Bem, isso ia mudar, ela prometeu solenemente.
No meio de seu segundo copo o telefone tocou. Ela pensou em não aten-
der, mas ele continuou tocando. Ela não sabia o que diria se fosse Michael.
— Alô?
— Regan? Gary Lio! Lamento nosso desencontro no início da semana,
mas você sabe que essas coisas acontecem, e hum... De qualquer forma, na
segunda-feira eu não sabia que você era famosa!
— O que você disse?
— Talvez você ainda nem saiba que é famosa. Não é o seu produto que
está na capa da Fitness Week? Qual é o nome, a videobike?
— Da edição desta semana?
— Da edição que chegou hoje. Nós somos anunciantes, e acho que rece-
bemos no escritório alguns dias antes de todo mundo. De qualquer forma, é
uma bela cereja em cima do bolo.
— Obrigada. — Ela sabia que Hoona estava tentando convencer o editor
de Fitness Week (que, por acaso, tinha visto a videobike em Chicago) de que a
máquina era uma novidade que merecia uma reportagem. Uma semana antes
de Regan sair de Bridgeford, Hoona afirmou que a história estava na pauta, mas
que não sabia quando seria publicada — e também não havia nenhuma proba-
bilidade de a videobike aparecer na capa.
— Eu ainda não vi —, disse ela. — A cobertura é ampla?
— Algumas páginas. Escute, por que não nos encontramos? Faço uma
cópia para você.
— Eu realmente não sei. Aconteceram algumas coisas e meus planos estão
meio suspensos no momento...
— Que tal esta noite? Adoraria vê-la novamente. O que me diz?
Ela disse sim, não devido à história da revista, não pela videobike, mas
porque bem no fundo ela não queria ficar sozinha. Uma hora e meia depois ela
estava fazendo a conversão da Wilshire e entrando no estacionamento ao lado
do prédio de Gary Lio. Ao entrar na vaga, um homem de origem hispânica
apareceu à janela. Ela o reconheceu. Era Enrique, um dos empregados de Lio.
— O Sr. Lio disse que você precisaria de ajuda para levar alguma coisa?
243
Ela deixou que Enrique cuidasse da videobike. Lá em cima, Gary Lio
cumprimentou Regan. Ele usava uma camisa branca, abotoaduras de ouro e
uma chamativa gravata vermelha e laranja. Ele mostrou um número da Fitness
Week e deu a ela um exemplar. Era uma bela história de duas páginas, com fotos
e citações de Olaf Ullman, que eram quase endossos — mais a foto na capa.
Michael, ela notou com irritação, fora extensivamente citado.
Um minuto depois, suando, Enrique empurrava a videobike para dentro
do escritório de Gary e o ajudou a montar. Regan desculpou-se. Sem Babe, ela
não tinha certeza de como montá-la. Mas Gary e Enrique imaginaram como
fazer, sem problemas. — Parece que este conector vai aqui, e temos que ligar...
ligamos isso, ligamos aquilo, e... aí está.
Regan, com grande entusiasmo, fez uma demonstação. Gary também ex-
perimentou.
— Muito interessante, muito interessante —, disse Gary.
Ele fez perguntas. Regan se esforçou para se concentrar. Ela nem ao menos
estava tentando vender. Finalmente Gary perguntou a Regan se ela estava se
sentindo bem.
— Sim, estou bem. É só que passei... um dia verdadeiramente ruim. Des-
culpe-me. O que você estava perguntando?
— Estava imaginando se há planos para acrescentar um monitor embuti-
do para o ritmo cardíaco. Mas não importa. Tenho uma superidéia. Por que não
vamos saborear um maravilhoso jantar juntos? Apenas relaxar um pouco. Sabe,
trabalhamos juntos esses meses, mas não tive a oportunidade de realmente
conhecê-la como... como pessoa. Vamos apenas esquecer o mundo dos negócios
por algumas horas e aliviar um pouco a tensão.
— Isso é exatamente o que preciso —, disse Regan —, sorrindo pela pri-
meira vez desde que chegou.
— Certo, então. Vamos deixar tudo aqui como está. Mais tarde nos preo-
cuparemos com isso.
Eles já estavam no elevador quando Gary disse. — Oh, droga. Espere aqui
um minuto. Esqueci algo.
Ele voltou para dentro e encontrou Enrique. — Telefone para o Freddy
Wing e diga-lhe para vir. Combinei com ele uma hora atrás e ele está esperando
o recado. Provavelmente já serão dez horas, quando eu a trouxer de volta. E
você fique com ele até ele acabar. Não o quero espionando nada além do que
deve espionar. Ok? — Ele deu um tapinha nas costas de Enrique. — Ok, bom
homem.
Gary correu de volta para o elevador. — Certo, vamos embora.
246
— Lamento muito.
— Não é nada. Vou contar um segredo. De vez em quando, eu pegava
uma de minhas ex-mulheres me traindo. Então sei pelo que você está passando.
Será que você aceitaria um conselho de um velho profissional? Descobri com a
experiência que, para lidar com corações partidos, a melhor coisa a fazer é agitar
até não agüentar mais.
Regan não pôde resistir e riu.
— É sério. Vamos a algum clube noturno.
— Não... Realmente, tenho que voltar ao meu hotel.
— Ora, vamos! O que você vai fazer, voltar para o quarto e assistir televi-
são? Não tem nada de bom esta noite, confie em mim. Vamos, ouça o Dr. Lio!
Sei que esta não é a melhor noite da sua vida, mas vamos sair daqui. Vamos
deixar que a cidade nos entretenha por um tempo.
— Bem...
— Já sei!
— O quê?
— Encontrar algumas celebridades!
— Onde?
— Alguns clubes, pontos que conheço. Vamos, vamos sair daqui e agitar.
Regan abriu os olhos às nove e meia na manhã seguinte. Ela estava sozinha
numa enorme cama de carvalho com dossel, deitada entre lençóis de seda pre-
249
tos. Ela se espreguiçou com luxúria e sentiu o estímulo sublime da seda em sua
pele nua. O que estava fazendo ali? Onde estava... Ela pulou da cama e disse em
voz alta para si mesma: — Oh, meu Deus, o que eu fiz?
Ela prestou atenção ao que sentia entre as pernas. Sim, eles certamente
tinham feito, e ela estava completamente desprotegida. Começou a se punir.
Como ela pôde ter permitido isso?
Lembrou-se de Gary Lio e do que tinham feito. Então descobriu que não
apenas Gary Lio tinha sumido, mas suas roupas também. Ela estava totalmente
nua, e, que ironia, estava com a aliança de casamento no dedo.
Ela andou pelo quarto, procurando, mas tudo que encontrou foram seus
brincos e braceletes de ouro no criado-mudo. Ela usou o banheiro de Gary.
Tinha um bidê. O boxe era revestido de mármore branco.
Então ouviu uma suave batida na porta. Regan correu para a cama e se
cobriu com os lençóis de seda preta. — Quem é?
Uma mulher pequena, magra, de pele morena, entrou no quarto carregan-
do uma bandeja de vime. Na bandeja havia uma xícara de café, pires, guardana-
po de linho, colher de prata, um delicado açucareiro e um pote de creme, e um
pequeno buquê de amores-perfeitos num pequeno vaso de cristal.
— Olá, imagino que você queira tomar café.
— Sim! — Regan sentou-se. — Sim, por favor.
— Ou prefere chá? Eu posso trazer.
— Não, café está bom. Muito obrigada.
— Eu, Rosa. Você...
— Regan.
— Oh, gosta do velho presidente?
— Não, não exatamente. Desculpe-me, mas onde está o Gary?
— Ele joga golfe.
— Ok. Você, por acaso, sabe o que aconteceu com minhas roupas?
— Eu limpo —, disse Rosa, ajeitando a bandeja no colo de Regan. — Fica
pronta daqui um pouquinho.
Durante tudo isso, o lençol escorregou e um dos seios de Regan ficou
exposto. Mesmo desviando os olhos, Rosa reajustou o lençol, preservando a
intimidade de Regan.
— Oh... muito obrigada —, disse Regan.
— Não há de quê. O desjejum logo estará pronto. Trago para cá?
— Claro, por que não?
— Gary volta ao meio-dia. Ele pediu que espere. Aproveite até lá, Ok?
Quando Rosa saiu, Regan ajeitou-se de novo no travesseiro. A seda em sua
pele era quase demasiadamente agradável. Ela saboreou o café, muito bom.
250
Pelas janelas do quarto ela podia ver o azul brilhante do Pacífico. Onde deveria
estar agora? Ela nem fez muito esforço para lembrar. De qualquer forma, era
tarde demais.
253
— É.
Ele ficou quieto novamente por um momento, e depois disse: — Tenho
que fazer algumas viagens nas próximas duas semanas. Pode ser que consiga dar
uma passada em Bridgeford. Sabe, ficar por uma noite. O que você acha?
— Acho que seria simplesmente maravilhoso.
Quando Tanny contou à sua mãe sobre a visita de Jack, ela perguntou
onde Jack iria ficar. Em um motel, Tanny disse a ela. Por que ele ia ficar num
motel? A mãe quis saber. Por que Jack não poderia ficar lá, na casa deles?
— Porque —, disse Tanny —, acho que gostaríamos de dormir juntos, e
para falar a verdade não acho que nos sentiríamos confortáveis com você por
perto.
A mãe dela piscou os olhos três ou quatro vezes. — Bem, vou para a cama
cedo.
Então ocorreu o milagre de, apesar de toda a conversa da mãe de Tanny
sobre a moral cristã fundamentalista, Jack dormir na cama de Tanny — e com
Tanny — sob o teto da mãe dela. Jack trouxe a Jason um novo caminhão de
bombeiros, mas Jason ignorou-o. Ao invés disso ele observou Jack por algumas
horas, e então expressou sua aprovação perguntando-lhe se ele queria brincar
com os caminhões.
Ainda assim, quando Jack saiu, Tanny não tinha grandes esperanças. Ela
tinha visto seu rosto quando ele olhou ao redor durante sua visita, olhou para a
casa, para a cidade, para a vida dela. O olhar em seu rosto dizia: isto é um buraco.
Quando ela não teve notícias dele por alguns dias, ela aos poucos foi concluin-
do: É isso. Ele não vai voltar.
Então ela voltou do trabalho para casa uma noite e a mãe dela, toda entu-
siasmada, saudou-a na porta. — Veja! Veja o que chegou para você hoje!
Ela apontou para o vaso. Eram vermelhas dessa vez.
Cedo, como sempre, Michael foi para a cidade. O céu azul e sem nuvens
do outono tinha se tornado cada vez mais o cinza indefinido do início do inver-
no. Ao andar pela rua, Michael sentia o ar de novembro, úmido e frio, como se
a neve estivesse a caminho. Ele foi para o Nick’s, desabotoou e pendurou sua
capa de chuva e sentou-se próximo do mais novo sócio da Archangel Produ-
ções, Bob Garvey.
Inicialmente Michael tinha se aproximado de Bob simplesmente para
engajá-lo como consultor. Logo no início das conversas, entretanto, ficou claro
que a Archangel não tinha dinheiro para pagar alguém do quilate de Bob. Mas,
ainda assim, eles continuaram conversando — casualmente e, normalmente,
no café da manhã. Quanto mais Bob ouvia sobre a situação, mais intrigado
254
ficava com as possibilidades. Não apenas as possibilidades em termos da
videobike, mas a idéia de uma segunda chance. Para ele mesmo. Ele viu não
apenas a oportunidade de construir e gerenciar uma operação com potencial
considerável desde os alicerces, mas também a chance de não terminar sua car-
reira com um fracasso.
Uma tarde, Bob telefonou e convidou Michael para um drinque. Eles
se encontraram no Nick’s, no lado do Lou, e no meio da primeira dose
Michael percebeu que estava em uma negociação — que Bob estava dando
dicas evidentes de que queria tomar parte na ação. Demorou algum tempo
até que Michael entendesse os motivos de Bob. Mas Michael não precisava
saber dos motivos para compreender intuitivamente que se tratava de algo
que deveria apoiar. Durante a segunda dose, já estava certo de que Bob
entraria na empresa. A questão era com quanto entraria e qual a parcela da
empresa teria em troca do capital investido. Depois da terceira dose, ambos
foram para casa, cada um pensando que tinha negociado bem com o outro,
cada um deles com medo de ir além e ceder demais no calor da negociação.
Eles apertaram as mãos no final do café da manhã do dia seguinte. Bob
teria uma participação de vinte e cinco por cento da firma, em troca de um
investimento em dinheiro correspondente a quinze por cento dos ativos
circulantes da empresa. A diferença seria considerada investimento com o tra-
balho. Depois de terminar o projeto de consultoria que estava em andamento,
Bob iria trabalhar para a Archangel em tempo integral. Ele seria responsável
pelas áreas de produção e serviços da videobike. Além disso, foi acertado que a
Archangel se transformaria em anônima assim que possível, e que cada sócio
receberia uma quantidade de ações correspondentes a seu investimento inicial.
Se a videobike fosse um sucesso, Bob poderia aumentar sua participação, acu-
mulando até trinta e cinco por cento das ações da empresa, com a permissão
dos outros acionistas.
Em poucas semanas ficou claro a todos que Michael tinha feito um bom
negócio. Bob estava planejando a futura produção da videobike com maestria e
de uma forma que Michael e os outros não tinham possibilidade de organizar
por si próprios. Melhor ainda, agora os dois homens viam um ao outro como
amigos.
— Como vão as coisas? Michael perguntou ao se sentar.
Bob empurrou um exemplar do jornal da manhã por sobre o balcão. O
jornal estava dobrado, aberto na página de negócios. Bob apontou com o indi-
cador uma manchete. — Você viu isso?
255
BARKES FECHA ESCRITÓRIO DE BRIDGEFORD
PERDA DA CONTA DA TRÊS-E É O MOTIVO
256
Você entende o que estou falando? Existem muitas possibilidades nisso. Que-
ro ligar esses fanáticos em rede, de forma que as pessoas — possivelmente em
lugares diferentes — possam competir umas com as outras. Eu já tive algumas
conversas com donos de lojas de videogames e estou sentindo que há um forte
interesse por parte deles. Mas vamos precisar de alguns especialistas na parte
gráfica logo, logo, e não me refiro a técnicos, mas artistas. Tanny está se me-
xendo quanto a isso, mas realmente precisamos de alguém que venha e seja
rápido...
— Espere um minuto. O que aconteceu com sua esposa?
— Bem, não tenho tido notícias dela e ninguém sabe onde ela está.
— Isso não é bom.
— Não, não é. Finalmente reservei um tempo ontem e pressionei Babe
para que me contasse o que aconteceu lá realmente.
— E?
Michael virou o rosto.
Bob colocou a mão nas costas de Michael. — Ei, calma. O que está acon-
tecendo?
Michael suspirou profundamente. — Eu tive um caso com Tanny Zoelle
na última primavera. Ou ela teve comigo. Não, não posso jogar a culpa em
Tanny. A culpa foi minha.
— Bem, acabou agora, não?
Michael olhou para ele.
— É —, disse Bob —, Eu também ouvi alguma coisa. Há meses.
Michael afastou o olhar. — Então ocorreu que Babe e minha mulher tive-
ram uma discussão em Los Angeles e Babe jogou isso na cara dela.
— E agora Regan está sumida.
— Eu não sei o que fazer —, disse Michael. — Eu não sei se chamo a
polícia ou se dou mais um tempo ou o quê. Fiz com que Babe telefonasse para
as pessoas no itinerário dela. E descobrimos que Regan cancelou todos os com-
promissos em San Diego. É só por isso que não estou mais preocupado ainda.
Não é que ela não apareceu, ela realmente cancelou todos eles. Fico imaginando
se o problema é que ela só precise de algum tempo sozinha.
— Bem, se houver alguma coisa que eu possa fazer...
— Obrigado. Sabe, eu realmente não estou em pânico com isso. Imagino
que se alguma coisa realmente ruim tivesse acontecido, a esta altura eu já sabe-
ria... Vou dar mais um dia ou dois, e então, se não tiver notícias dela, talvez
procure um detetive particular ou alguma coisa assim.
— Detesto perguntar —, disse Bob —, mas o que acontece com nossa
empresa em geral e à videobike em particular se ela se divorciar de você?
257
— Nada grave, espero. Ela não se juntou a nós como sócia, como é o seu
caso. O que temos é apenas um contrato simples de prestação de serviços com ela.
— É, mas e se ela der entrada no pedido de divórcio, ela não pode lutar
pela sua parte na empresa?
Michael abaixou a cabeça. — Nem quero pensar nisso.
— Bem, espero que tudo fique bem.
— E que tal os circuitos integrados e as placas de circuito impresso? Como
está indo essa parte?
— As placas entram em produção esta semana. Eu vou congelar o desenho
dos substratos dos circuitos integrados hoje ou amanhã o mais tardar. Qual é a
nossa posição de caixa? Eu tenho que pagá-los logo.
— Não é ruim —, disse Michael. — Na semana passada tínhamos quatro-
centos mil.
Bob ficou duro. — Ela não tem acesso a isso, tem?
— Jesus Cristo! —, Disse Michael, tendo um sobressalto e derramando o
café. Então ele se lembrou. — Não, não, está tudo bem. Ela não pode assinar
cheques. — Ele pegou um punhado de guardanapos e limpou o café. Ele deu
um tapinha no braço de Bob. — Cara, não me assuste desse jeito!
— Você está abalado e muito nervoso.
— Estou abalado e nervoso.
— Não vai comer nada?
— Não, só tomo o café.
— Você já derrubou todo ele... É, droga, temos que ir trabalhar.
— Certo. É tudo que me resta.
— Oh, pare de se culpar. Ao menos lhe resta alguma coisa.
No último dia de novembro, Michael teve uma reunião pela manhã com
Peter Chechman na Três-E. Ele levou Chechman para almoçar e voltou para a
cidade à uma e meia. Babe lhe disse, quando entrou, que Tanny queria falar
com ele.
— Recebi um telefonema meio estranho agora há pouco —, Tanny lhe
disse. — Uma mulher telefonou e perguntou se fabricamos a videobike, e de-
pois fez uma porção de perguntas. Ela perguntou de você. Perguntou os preços.
Perguntou quem eram os principais clientes da videobike. Respondi, honesta-
mente, que ainda não tínhamos vendido muitas unidades. Quando perguntei
quem ela era, ela quis manter a identidade em sigilo e só disse que trabalhava
para uma grande empresa de renome nacional. A última coisa que ela pergun-
tou foi se daríamos desconto para uma encomenda grande.
— E o que você disse?
258
— Diga-me quantas quer encomendar e depois podemos conversar.
— Bom. Ela deixou algum número de telefone?
— Não, não deixou. Quando perguntei, ela apenas disse que alguém pro-
vavelmente iria fazer contato conosco. Despediu-se e desligou.
— É estranho. Me informe se ela ligar de novo.
Tanny estava se virando para sair quando Babe apareceu.
— Uma mulher está ao telefone dizendo que alguém chamado Sam Felix,
da Fittings International, deseja falar.
Tanny arregalou os olhos. — Não é Fittings. O nome é Fit-N-Fun
International. — Ela se voltou para Michael. — A Fit-N-Fun é o maior cliente
da Exerific. São eles que compraram as duas bicicletas em Los Angeles.
Michael pegou o telefone. — Alô?
— O Sr. Sam Felix vai falar. Por favor, um momento.
A linha ficou muda por cinco ou seis segundos. Michael olhava para lá e
para cá, gesticulando para que Tanny se sentasse.
— Mike? Sam Felix. Como vai?
Nossa, é como se fôssemos velhos amigos, pensou Michael. — Bem, Sam, e
você, como vai?
— Bem, muito bem. Deixe-me ligar o viva-voz. — A qualidade do áudio
mudou. — Ainda aí, Mike?
— Ainda aqui, Sam.
— Mike, deixe-me apresentar algumas pessoas que estão comigo em meu
escritório. Primeiro, Joel Goldstein, que é vice-presidente e diretor de operações
dos centros de condicionamento. Susan Abercrombie, nossa vice-presidente de
marketing. Troy Sullivan, nosso vice-presidente de finanças. Gloria Pellagrini,
que trabalha para nossa agência de propaganda. E alguém que acho que você
conhece, Olaf Ullman, que é consultor e um velho amigo meu.
— Alô, Mike!
— Olá, Olaf —, disse Michael. — Como estão as videobikes?
— Estamos esperando que você faça novos videodiscos!
— Então o que posso fazer por todos vocês? — Perguntou Michael.
— Mike, você não tem idéia de como foi difícil localizar você! Tentei
encontrá-lo através da Exerific e, bem, foi só por conhecermos Olaf que con-
seguimos o seu número. Mas, pelo que sei, sua empresa é a criadora da
videobike. Bem, alguns de nós aqui na Fit-N-Fun estamos bastante impressi-
onados com ela. Nós a vimos em andamento na academia do Olaf e acho que
pode haver interesse dos próprios clientes da Fit-N-Fun. Diga-me, qual é sua
a disponibilidade?
— Não entendi, poderia repetir?
— Quantas você tem em estoque?
259
— De quantas você precisa?
— Bem, ah, isso depende do acordo que fizermos quanto à entrega.
— Não sei se estou acompanhando. De quantas você precisaria e quando
precisaria delas?
— Que tal quatrocentas unidades em primeiro de janeiro?
— Bem... hum, me desculpe por um segundo. — Michael colocou a mão
sobre o fone, olhou para Tanny e disse: — Eles estão falando de quatrocentas
unidades. Acho que vou desmaiar.
11
EPROM - Erasable and Programable Read Only Memory, um tipo de circuito integrado que, uma
vez conectado ao circuito elétrico, funciona como memória apenas de leitura, mas que pode ser
programada e apagada através de técnicas especiais (N. do T.).
261
— Não posso fazer isso. Tenho certeza de que Michael já sabe que alguma
coisa está errada.
— Então você diz a ele que quer voltar. Diga-lhe que pensará em dar uma
segunda chance. Então, uma noite, você trabalha até tarde. Depois que todo
mundo tiver saído, você faz uma cópia do código-fonte.
— Não sei —, disse Regan.
— Regan, nós não vamos roubar o código —, disse Gary. — Nós simples-
mente queremos olhar o código de forma que possamos chegar à nossa própria
versão, legal, que não viole nenhum copyright ou patente. É tudo. Uma vez que
saibamos como eles o fizeram, podemos contornar as questões legais e mesmo
chegar a uma versão melhorada. Mas temos que ter o código-fonte para fazer
isso, e se não o tivermos — bem, há pouco sentido em prosseguir, porque não
teremos vantagem.
Regan levou isso em consideração.
Gary se inclinou para a frente e colocou sua mão nas dela. — Estamos
torcendo as regras? É, talvez. Mas estamos agindo de forma que no fim possa-
mos fazer a coisa certa! De qualquer forma... você disse que queria ir à forra,
não disse? Bem, isso vai ser muito mais lucrativo do que pedir uma pensão.
Algumas vezes as coisas dão certo. Tudo deu certo com Michael e Hoona.
Eles voaram para San Diego, pegaram um táxi para a locadora de caminhões,
271
preencheram a papelada e estavam a caminho. Chegaram ao depósito antes de
ele fechar, lidaram com mais papelada, e uma empilhadeira carregou as fontes
de alimentação para o caminhão. Sem problemas.
De bom humor, eles foram para a Interstate 5. Nem mesmo o trânsito de
Los Angeles estragou seu humor. Eles chegaram a Long Beach e passaram a
noite no Queen Mary. Tomaram algumas cervejas com o jantar, mataram o
tempo, fizeram uma excursão pelo navio e foram dormir cedo.
De manhã, encontraram o agente importador. Houve alguma demora,
mas apenas umas poucas horas. No começo da tarde os monitores já estavam na
carroceria do caminhão, e eles estavam na estrada de acesso ao porto, indo para
o leste.
Desde o tempo em que morou em Los Angeles, Michael tinha associado
fracasso e acontecimentos ruins a essa cidade. Ele ia para lá com freqüência, mas
nunca gostou do lugar, nunca. Agora, dirigindo em direção ao interior, com
Hollywood à esquerda e o centro da cidade à direita, ao pegarem a curva que os
levaria para o leste, ele sentiu como se sua vitória estivesse enfim ali adiante,
além de Pomona.
Isso. Ela assinou e fez uma cópia para si mesma. Mas a copiadora causou
problemas, pois levou dois minutos para encontrar o botão para ligar escondido
na parte de trás. Em seguida escreveu um bilhete pessoal a Michael, comuni-
cando que o casamento havia acabado. O advogado dela entraria em contato.
Ela colocou o bilhete e a carta de demissão oficial na mesa dele, olhou o relógio
e descobriu que tinha menos de duas horas para seu avião decolar.
Ela foi para o estúdio e ligou o computador que Boner chamava de “servi-
dor”, e nem se importava com o que isso quisesse dizer. Ela ligou o monitor e
observou a tela. A primeira coisa que apareceu foi uma caixa de diálogo cinza
com a frase:
Por favor, digite a senha.
A senha, que ela sabia por observar os dedos de Boner no teclado diversas
vezes, era “Godzilla”.
Ela digitou “Godzilla” e pressionou enter.
274
A inicialização continuou. A tela usual da área de trabalho do Windows
apareceu no monitor. Bom, finalmente tudo estava correndo bem.
Ela encontrou o ícone para o software de backup e deu um duplo clique.
Não foi difícil encontrar o software entre os menus que apareceram. Ela seleci-
onou o diretório “VB” e “Todos os arquivos”, e assinalou a caixa “Incluir
subdiretórios”. Ela abriu a bolsa, pegou um pequeno disquete que tinha com-
prado, tirou da embalagem e a inseriu na abertura existente na frente do servi-
dor. Ela pegou novamente o mouse e clicou no botão marcado “Iniciar backup”.
Outra caixa de texto cinza apareceu na tela, em que se lia:
Você solicitou acesso a um arquivo protegido. Por favor, digite a senha.
Ótimo, isso novamente, pensou ela, digitando “Godzilla”.
Uma nova caixa apareceu:
Senha inválida. Digite novamente.
Vagarosamente, cuidadosamente, ela digitou de novo “Godzilla”. E de novo,
a segunda caixa apareceu:
Senha inválida. Digite novamente.
Ela se recostou na cadeira e sentiu o coração batendo no peito. Então teve
uma idéia: Talvez o computador quisesse a senha em letras maiúsculas. Ela pres-
sionou “Caps Lock”, digitou “GODZILLA” e pressionou enter.
O computador apitou. Uma caixa de texto vermelha apareceu com as fra-
ses:
Acesso negado. Programa encerrado. Contate o operador do sistema.
Ela ouviu o som de discagem em um telefone multi-seqüencial, cujo signi-
ficado lhe escapou. O que o computador estava fazendo?
Com o mouse ela fechou a caixa vermelha e então abriu o gerenciador de
arquivos. Se ela não podia fazer uma cópia de todos os arquivos do diretório,
talvez pudesse apenas copiar os principais arquivos de que precisava. É, isso
funcionaria. Mas a mesma coisa aconteceu. Ela tentou uma série de possibilida-
des no espaço em branco na tela e acabou com a caixa vermelha informando:
Acesso negado...
— Merda! — Disse Regan. Boner nunca mencionou nada sobre uma se-
gunda senha.
O telefone começou a tocar. Ela o ignorou. Deixe que o serviço de atendi-
mento cuide do assunto. Ela sentiu que começava a transpirar. Alguns minutos
depois, permanecia sentada tentando imaginar o que fazer, quando ouviu a
porta da frente abrir e o tilintar de chaves. Ela correu para o hall.
— Quem é? — Gritou ela.
— Segurança!
Ela saiu. Um guarda de aparência paternal estava perto da mesa de Babe.
— Sim?
275
— Acabei de receber, lá em cima, um telefonema de um cara. Ele disse que
vocês estavam com algum tipo de problema nos computadores aqui em baixo e
que eu deveria verificar.
— Não, está tudo bem! Eu trabalho aqui. Eu, ah, acho que eu mesma
resolvi.
— Oh. Bom. Porque, para dizer a verdade, eu não ia saber o que fazer.
Qual é o seu nome, para que possa dizer a ele?
— Regan DiGabriel.
— Ok. — O guarda se virou e saiu.
— Obrigado por vir verificar! — Ela gritou para ele.
— Não há de quê.
Ela sentiu pânico. Devia ter acionado alguma coisa que fez com que o
computador fizesse uma ligação através do modem para FM ou Boner ou talvez
mesmo para Michael. Eles saberiam que alguma coisa estava acontecendo e que
ela estava envolvida. Ela tentou engolir, mas sua boca estava seca. Por alguns
momentos ela pensou em abandonar todo o plano e simplesmente cair fora.
Não, ela não poderia fazer isso. Ela tinha que conseguir o software. Voltou
ao servidor. Ela olhou para ele, praguejou, esperneou. Ela se forçou a pensar.
Onde iriam guardar a segunda senha? Tinha que haver algum registro. Nin-
guém, nem mesmo um gênio dos computadores confiaria tal coisa à memória.
Estava provavelmente escrita numa folha de papel, e essa folha de papel esta-
ria... onde?
Ela se virou para a mesa de Boner. Revirou os papéis e bilhetes tipo “Post-it”,
e não encontrou nada. Tentou abrir a gaveta dos lápis, mas estava trancada. Ela
procurou nas gavetas abertas, mas depois de cinco minutos de procura, a única
coisa notável que encontrou foi uma cópia da Penthouse escondida por trás das
pastas.
Droga, o tempo estava se esgotando! Ela foi para a mesa de FM. A gaveta
dos lápis abriu facilmente. Ela vasculhou seu conteúdo: elásticos, etiquetas para
disquetes, uma foto de uma mulher de bermudas (provavelmente a namorada),
uma calculadora científica, um Discman Sony e uma tira de papel dobrada.
Os dedos dela agarraram a tira de papel, desdobraram e, estava escrito em
tinta preta com letra de forma: CAPTKIDD.
Ela se sentou na frente do teclado. Seguiu novamente o processo para fazer
a cópia de backup. Quando a caixa de texto cinza apareceu na tela digitou
“CAPTKIDD”. Um novo box de diálogo apareceu na tela, perguntando: “Você
tem certeza, Companheiro?”
Regan estudou as palavras. Companheiro? Ela concluiu que tinha que ser
algum tipo de piada entre FM e Boner. Ela clicou no botão “sim”. A tela ficou
branca imediatamente. Então abriu-se uma nova janela, indicando que o pro-
276
cesso de backup estava em andamento. Com certeza, a luzinha verde no drive
de fita estava acesa. Em um canto da nova janela, uma caixa indicava: “Tempo
restante: 37 minutos”.
— Oh, não! — Regan olhou o relógio. Ela não tinha idéia que levaria
tanto tempo. Ia ficar muito perto da hora de embarcar. Durante os trinta e sete
minutos ela andou de um lado para o outro, irritada, na frente do computador,
e observou a pequena linha vermelha que mostrava o progresso do backup
movendo-se muito devagar da esquerda para a direita.
Finalmente apareceram na tela as palavras: “Backup completo”. Ela retirou
a fita do drive, colocou na bolsa, desligou o computador. Ela tinha que sair de
lá rápido. O avião estaria decolando em menos de uma hora. Ela correu porta
afora, e nem mesmo a trancou. Correu para o carro, voou pela estrada interes-
tadual, rezando para que não fosse parada por um guarda. Quando ela entrou
correndo no estacionamento do aeroporto de Bridgeford, tinha menos de quin-
ze minutos.
Regan entrou no avião quando eles estavam para fechar a porta. Ela tinha
reservado um assento na primeira classe. Acomodou-se e, pela primeira vez em
semanas, tentou relaxar. O comissário de bordo era simpático e trouxe um copo
de vinho branco.
Em algum ponto sobre as montanhas Rochosas, ela se lembrou. Tinha
deixado a caixa com os ROMs no assento traseiro do carro dela.
283
estacionarem suas carretas, quando não havia muito barro. Além de um posto
de gasolina com lanchonete perto da estrada, não havia mais nada. Além do
motel, as duas pistas de asfalto seguiam por entre uma vasta planície ondulada,
com grama alta e campos de milho. Planície que se estendia pelo horizonte,
aparentemente levando a lugar nenhum.
Tanny fez a conversão e os pedriscos estalaram sob os pneus. Ela estacio-
nou perto do escritório, na ponta da perna esquerda do U. Babe olhou com
uma expressão de horror para o motel e os arredores e disse: — Deus, como
alguém pode viver aqui?
— Como você pode ver —, disse Tanny —, não são muitos.
O plano era usar um dos quartos, dos onze que estavam alugando (o que
não representava nem mesmo a metade da capacidade total do Big Buffalo),
para depósito de materiais, dois para a montagem, um para estoque de produ-
tos acabados, e os demais como dormitórios. Todos tinham seu próprio quarto,
já que eram baratos: dezenove dólares cada um.
Duas horas depois, Redmeat chegou. Eles compraram algumas latas de
refrigerantes em uma máquina próxima do escritório e conversaram um pouco
no quarto de Tanny. Tudo tinha ido bem para Redmeat, exceto por uns peque-
nos problemas. Ele tinha se perdido em Baltimore e tinha sido abordado pelos
membros de uma gangue, que queriam saber o que levava no caminhão. Eles
chegaram a segui-lo por algumas quadras (por sorte, estavam a pé), e ele tinha
atravessado alguns sinais vermelhos para se livrar deles. Admitiu que ficou um
pouco assustado.
Almoçaram na lanchonete do posto de gasolina cuja comida era terrível e
disseram que nunca mais comeriam ali a não ser que estivessem mortos de
fome. De volta ao motel, cada um foi para o seu quarto e dormiu. Não havia
nada para se fazer até que os outros chegassem.
Tanny estava quase dormindo quando o telefone perto de sua cama tocou.
Era Jack.
— Oi, como vai? Não sabia se você já tinha chegado, mas decidi tentar.
Tanny se sentou, meio excitada e contente por ele ter ligado. — Você está
no trabalho?
— É meu horário de almoço.
— Como você está?
— Solitário.
— Ah. Também sinto sua falta.
— E então, como está indo?
— Babe acha isto uma grande aventura. Ela nunca tinha feito nada igual.
Ela só tinha ido a mais de vinte quilômetros de Bridgeford uma vez em toda a
vida.
284
— Verdade?
— É, ela é como uma criança. Se ela não fosse tão cabeça-de-vento, não sei
nem o que dizer. De qualquer forma, dois dias na cabine de um caminhão com
ela... estou contente que tenha acabado. Pobre Boner. Ele vai ficar com ela toda
a viagem até a Virgínia. Oh, Jack, essa foi boa! Fomos escoltadas por todo o
Missouri por cerca de quinze jamantas! Era um verdadeiro comboio.
— Por quê? O que estava acontecendo?
— Eles estavam verificando as duas “andorinhas” de fora do pedaço! Babe
estava adorando. Eu estava meio incomodada no início, e depois pensei: e daí?
Pisquei para um deles.
— Não?!
— Verdade.
Eles conversaram assim por quase uma hora antes de Jack se convencer de
que tinha que voltar ao trabalho. Ela levou quase dez minutos para fazer ele
desligar, pois ele queria tanto ficar com ela, era o que dizia. Quando finalmente
conseguiu que ele desligasse, ela estava atordoada com tanta adoração a longa
distância.
Ela queria dormir, mas não conseguia, e concluiu que estava muito excita-
da depois do telefonema de Jack. Ela puxou o outro travesseiro para junto de si,
fingindo que era ele.
Ela acordou com vozes e agitação. Redmeat e Babe estavam lá fora conver-
sando com FM, Boner e Bob Garvey. Os garotos do Texas tinham chegado.
Tinham trazido com eles uma caixa de cerveja Lone Star — bem, meia
caixa ao chegarem. Todos estavam com uma. Não era uma cerveja especialmen-
te boa, mas era autêntica.
Assim que terminaram a primeira rodada e estavam discutindo onde po-
deriam renovar a provisão, pois a Lone Star logo terminaria, um caminhão saiu
da estrada. Michael, é lógico, estava ao volante.
A primeira coisa que Hoona disse, depois de descer da cabine foi: — Não
tinha idéia de que este país fosse tão grande! — A segunda coisa que disse foi:
— Aquelas cervejas estão geladas?
Ele pegou duas, abriu uma e a passou para Michael. Abriu a outra.
Michael levantou sua cerveja. — Bem, estamos todos aqui.
— Conseguimos —, disse Boner.
Em pé entre os caminhões, bebendo cerveja no estacionamento do Big
Buffalo, todos estavam meio chapados e contentes de ver os outros, contentes
em se soltar um pouco. Estavam conversando, fazendo piadas, contando histó-
rias. Então Michael olhou ao redor.
— Onde está Regan?
285
Todos os rostos permaneceram impassíveis.
— Não sei —, disse Tanny.
— O vôo dela deveria chegar à uma hora da tarde —, disse Michael. — Já
passa das cinco. Ela tem que estar aqui.
— Ela não telefonou —, disse Babe.
Michael foi ao escritório para reconfirmar, mas não havia qualquer mensa-
gem para eles. Ele pegou a chave para seu quarto, entrou e telefonou para a
Caverna, mas foi atendido pelo serviço de recados sem obter qualquer notícia
de Regan. A secretária eletrônica atendeu quando ele telefonou para casa. Ele
digitou o código, mas a única mensagem era do corretor de ações de Regan,
perguntando quando deveria enviar os formulários. Meio estranho.
— Talvez ela tenha perdido o vôo —, sugeriu Redmeat quando Michael
voltou para jundo dos outros.
— Ela não perderia —, disse Michael —, e se perdesse certamente teria
telefonado e deixado uma mensagem de qualquer jeito.
— Não há nada que possamos fazer no momento —, disse Bob. — Vamos
comer alguma coisa. Talvez tenhamos alguma notícia quando voltarmos.
Havia uma churrascaria a oito quilômetros na estrada. Lá dentro, caras
com botas e chapéus de caubói. Eles encomendaram outra rodada de drinques
e bifes mal passados e bem passados. Todos comeram bifes, mesmo Tanny, que
normalmente não comia carne. Até ela gostou quando o dela chegou. Bob Garvey
afirmou que o dele foi o melhor bife que comeu em toda a sua vida. Tanny se
lembrou, vendo o grupo que formavam, dos velhos tempos, quando eram ape-
nas uma equipe de vídeo. Eles saíam pela estrada e, quando a noite chegava,
comiam juntos e se divertiam. Ela pensou um pouco em família — uma família
boa, não necessariamente aquela em que havia crescido. Então ela olhou para
Michael e ficou triste.
Michael estava claramente desatento durante todo o jantar. Ele participa-
va um pouco da conversa, e novamente se distraía um minuto depois. Uma vez
ele se levantou para telefonar para o Big Buffalo de um telefone público.
Quando voltaram para o motel, ainda não havia notícias de Regan. Michael
tentou novamente telefonar para a Caverna e de novo ligou para casa.
Os outros estavam jogando cartas no quarto de Bob Garvey. Michael en-
trou e disse: — Preciso que alguém me leve até o aeroporto. Vou voltar para
Bridgeford. Alguma coisa deve ter acontecido. Estou realmente preocupado.
— Com ela ou conosco? — Perguntou Bob.
— Com todo mundo.
Ele pegou o último vôo de Kansas City para Chicago devido a um cance-
286
lamento, pois estava em lista de espera. Do aeroporto O’Hare, ele conseguiu
um lugar numa pequena linha aérea que fazia a ponte até Bridgeford com um
Fokker. Ele andou até o estacionamento e entrou em seu Porsche. Se tivesse
olhado ao redor antes de entrar, poderia ter visto o Lexus de Regan, estacionado
uma rua adiante.
Ele dirigiu para casa. Era quase meia-noite quando pressionou o controle
remoto para abrir a porta da garagem. Ele notou que o carro dela não estava lá.
Quando entrou na casa, já esperava pelo que encontrou. Essa possibilidade
tinha-lhe ocorrido enquanto estava voando para Bridgeford. Ainda assim, foi
como se a vida estivesse sendo drenada de seu corpo ao andar de um cômodo
vazio para outro.
Terminou no quarto. Ela tinha deixado os colchões sem os lençóis, sobre o
carpete. Michael desabou sobre eles. Ele queria dormir, qualquer coisa para
evitar a situação que estava enfrentando. Ao invés disso, ele se manteve em
movimento.
O telefone, pela falta do criado-mudo onde normalmente ficava, também
estava apoiado sobre o carpete, próximo dos colchões. Ele pegou o fone e cha-
mou o serviço de auxilio à lista. Então discou o número do vizinho.
— Alô, Cathy? É Michael DiGabriel, seu vizinho. Eu a acordei? Lamento
terrivelmente, mas é uma emergência. Minha mulher, parece...que se mudou.
Uh-hum. Oh, você falou com ela? Ela disse para onde estava indo? Los Angeles.
Bem, não devo ter problemas para encontrá-la. Ela disse mais alguma coisa,
qualquer coisa sobre... Não, é uma completa surpresa. Realmente, não tinha
idéia. Sim, bem, obrigado. Sim, eu informo quanto... quanto eu... conseguir.
Obrigado, Cathy. Boa noite.
Ele rolou para fora do colchão, levantou-se, desceu, abriu a porta da gara-
gem, entrou no Porsche. Ele queimou os pneus no asfalto do beco sem saída.
12
Hackers são usuários de computadores que tentam invadir sistemas alheios sem autorização (N. do T.).
288
a passar no dia seguinte. Foi a humilhação final. Regan gritou ao telefone. Deana
desligou na cara dela.
O guarda permitiu que ela chamasse um táxi. Ela disse ao motorista para
levá-la ao aeroporto. Depois de chegar, ela não tinha idéia do que fazer ou para
onde ir. Ficou sentada por duas horas perto do local da bilheteria do aeroporto,
sem conseguir tomar qualquer decisão. Em um momento ela começou a cho-
rar, a soluçar abertamente. Centenas de pessoas passavam por ela.
Finalmente ela decidiu ir para casa, não para Bridgeford, mas para a casa
dos pais em Connecticut. Quando tentou reservar um lugar, entretanto, não
havia nenhum disponível a não ser que ela quisesse tentar a lista de espera. A
culpa era dos feriados.
— Bem, há um vôo partindo amanhã, com uma escala em Kansas City.
— Não! Não quero ir via Kansas City.
— Bem... todo o resto está completamente lotado.
Regan finalmente saiu do balcão de reservas. Ela saiu e pegou o primeiro
transporte de cortesia dos hotéis que passou. Ele a levou para o Best Western.
Era noite. As luzes estavam apagadas e as cortinas fechadas. Ela estava
acordada na cama com as cobertas cobrindo a cabeça. Tinha passado a maior
parte da tarde assim, embora em um momento tivesse atirado as cobertas para
o lado e andado com raiva pelo quarto. No fim dormiu por quatro ou cinco
horas. Não tinha comido nada durante todo o dia. Estava faminta, mas não
queria encarar ninguém, nem mesmo o garçom do serviço de quarto.
Ela tentou não pensar. Procurou apenas ficar lá na cama. Desejou não ter
um cérebro. Em algum momento tentou convencer-se de que tinha ficado lou-
ca. Seria bom estar louca. Se estivesse louca, poderia perder o contato com a
realidade. Então não teria que encarar o que tinha feito. Que bom, ser uma
incapacitada mental. Poderia ser perdoada. Poderia jogar a culpa de tudo na
insanidade. Talvez pudesse, simplesmente, ficar ali mesmo até que as autorida-
des fossem notificadas, e profissionais amistosos, carinhosos, competentes, vies-
sem para levá-la a um lugar onde pudesse se tratar.
O telefone tocou. Como prova irrefutável da ação persistente da sua sani-
dade, ela pegou o telefone e atendeu.
— Onde estão os ROMs? — A voz de Michael estava dura, porém calma.
Regan apenas segurou o fone por três ou quatro segundos.
— Não desligue na minha cara, Regan. Eu posso ir até aí, portanto, é
melhor me ajudar...
— Estão no banco de trás do meu carro —, disse Regan —, com a voz se
exaurindo.
— E onde está o seu carro?
289
— No aeroporto. Estacionamento de longo período. Mais ou menos no
meio.
Michael suspirou. — Obrigado.
— Lamento.
— Por que você fez isso?
— Não quero falar sobre isso. Vou ficar louca se falar.
— Regan —, disse ele —, por que você não volta para casa?
— Não posso.
— Por que não?
— Não quero mais continuar casada com você.
— Bem, também não acho que queira continuar casado com você, mas
você parece estar num estado lastimável, e não gostaria de que algo realmente
ruim acontecesse com você.
Isto a fez chorar novamente.
— Vamos, docinho, apenas volte para casa e vamos pensar no que fazer.
— Não. Vou para a casa da minha mãe.
— Você poderia ir para Kansas City.
— Eu não acho.
— Ainda preciso de alguém que me ajude com o caminhão —, disse ele.
Não houve resposta.
— Certo. Eu tenho que ir. Você tem certeza de que está no banco traseiro?
— Se não estiverem, então eu não sei onde estão.
— Diga alô para sua mãe por mim.
— Michael?
— O quê?
— Nada. Boa sorte.
— Se cuide.
291
ques dos caminhões e os organizaram. E ao receberem o telefonema de Michael,
estavam prontos.
Por volta do meio-dia, ouviram sinos de trenó. Bob Garvey abriu a porta.
Lá estava Papai Noel, chacoalhando um cabresto de rena.
— Hô, hô, hô! Feliz Natal! — Papai Noel entrou e começou a distribuir
chicletes e salva-vidas. — Hô, hô, hô! Digam-me, alguém conhece uma Tanny
Zoelle?
— Bem aqui, Papai Noel —, disse Tanny. Ela sabia que era Jack.
— Bem, Papai Noel tem uma surpresa muito especial para ela!
Tanny levantou-se. — Vocês nos perdoam por um minuto?
— Suspenda o pagamento dela! — Disse FM. — Ela é uma desertora!
Tanny levou Jack para o seu quarto.
— Jack, o que você está fazendo aqui?
Ele deu um grande abraço de Papai Noel, tirou a barba e a beijou. — Eu
pensei em fazer uma surpresa para você —, disse ele.
— Bem, você fez. Mas estamos trabalhando. Temos que continuar com
isso até acabar. E o pior é que está faltando uma parte. A mulher do Michael o
deixou, acabamos de descobrir. Ao menos assim parece, e... estou feliz em ver
você.
— Eu sei que você está trabalhando. Depois de falarmos ontem, eu sim-
plesmente não quis esperar mais. Tenho mais férias do que posso gozar, então
resolvi sair pelo resto do ano. Apenas queria ficar com você... E dar-lhe isto.
De seu saco de Papai Noel ele tirou uma pequena caixa, revestida de velu-
do. Tanny olhou para ela antes de pegar. Olhou para ela por mais um momento
antes de abrir. Uma pedra sobre uma aliança de ouro. Seus grandes olhos casta-
nhos ficaram enormes quando ela viu a jóia. Por alguns segundos, ficou perdida
olhando para as facetas. — É maravilhoso —, ela conseguiu dizer.
— Você quer casar comigo?
Quando o táxi chegou no Big Buffalo, a uma e meia da tarde, Michael não
teve qualquer recepção imediata. Ele saiu e estava pagando, com a caixa de
ROMs firme entre os pés para impedir que uma rajada de vento a levasse, quan-
do a porta de um dos quartos abriu.
Bob Garvey deu um passo para fora e disse: — E por falar em produção
just-in-time...
Michael entrou na fábrica improvisada. Os outros estavam sentados às
mesas, trabalhando numa linha de montagem para a produção de caixas de
controle.
— Bem-vindo à nossa oficina —, disse FM.
292
— Alguém trouxe o molho? — Perguntou Michael, levantando a caixa de
ROMs. — Eu trouxe os chips13!
Houve risos e gritos. Bob Garvey tirou Boner da linha, entregou-lhe os
ROMs e o mandou para o outro quarto, para inserir os chips nos aparelhos
semiprontos.
Michael estava olhando por sobre os ombros deles, perguntando como
estava indo o trabalho e quando esperavam terminar, quando finalmente notou
um rosto novo. — E quem é este?
Ele estava sentado perto de Tanny, trabalhando na linha como os outros.
— Eu acho que vocês dois ainda não se encontraram —, disse Tanny. —
Este é o Jack. Ele é meu... ele é meu noivo.
Eles apertaram as mãos. — Muito prazer —, disse Jack.
— É. Parabéns.
— Ele acabou de chegar, faz apenas uma hora —, disse Tanny. — Então o
colocamos para trabalhar.
— Vamos ver —, disse Michael, pegando a mão esquerda dela. Tanny
levantou-se, e estendeu a mão. — Uáu. Que pedra. Que bom para você.
Ele realmente deu um jeito de parecer verdadeiro. Por um momento deu a
impressão que iam se abraçar, mas isto não aconteceu.
— E então qual foi a história com a Regan? — Perguntou Redmeat.
Michael abriu a boca, mas não saiu nenhum som. Ele fez um gesto, e
então virou de costas. Finalmente ele conseguiu dizer —, É uma longa história.
Depois eu conto para vocês. — Ele saiu do quarto para o ar livre.
Redmeat o seguiu. — Ei, você está bem?
— Preciso me deitar um pouco —, disse Michael. — Não consegui dor-
mir muito bem a noite passada.
Redmeat colocou a mão no bolso de seu jeans e deu a ele a chave de seu
quarto. — Aqui. Uma das camas nem sequer foi tocada.
Michael dormiu o resto da tarde. Acordou com a mão de Tanny sobre seu
ombro e o rosto dela sobre o dele.
— Mike... vamos, acorde. Já estamos de saída.
— Quem?
— Todos nós. Estamos deixando o motel. Acabamos tudo e os caminhões
estão carregados.
13
Chip significa uma lâmina muito fina. A palavra tanto pode ser usada para alimentos (batatas fritas
em fatias finas, por exemplo), como para lâmina de material semicondutor que sustenta um
circuito integrado (como os ROMs - Memórias apenas de leitura - em questão). No caso, a frase
sugere um trocadilho entre as duas acepções da palavra (N. do T.).
293
— Por que agora?
— Tem uma grande tempestade a caminho. As previsões falam em sete a
dez centímetros de neve nesta região, mas muito mais ao norte. FM e Hoona já
saíram. Eles vão deixar Denver para depois, vão cortar para o sul pelo norte do
Texas até Albuquerque. Temo que você vá pegar a pior parte, na rota do norte.
Michael sentou-se.
— Jack e eu conversamos sobre isso —, disse Tanny. — Ele vai com você,
ao menos até Chicago.
— Não, eu não preciso...
— Mike, você precisa de alguém.
— Não ele.
— Não há ninguém mais.
— É... — Michael ficou em pé.
— Amanhã, quando estiver de volta a Bridgeford, vou dar alguns telefo-
nemas e ver se algum dos free lancers pode encontrar você em algum lugar da
sua rota.
Lá fora a neve caía pelo ar cinzento. Nuvens brancas saíam pelo escapa-
mento dos três caminhões restantes, com os motores em marcha lenta. No
quarto de Bob Garvey ocorria uma discussão de última hora sobre logística.
Michael juntou-se a eles, enquanto Tanny devolvia as chaves para o escritório.
Ele sentiu como se Bob estivesse no comando, e como se ele estivesse ali apenas
por acaso, mas Michael não se importava, dadas as circunstâncias. Conversa-
ram por alguns minutos, e então chegou a hora de partir.
Redmeat e Bob foram os primeiros. Michael estava olhando para eles ao
saírem, e virou-se exatamente a tempo de ver Boner quase bater a traseira de seu
caminhão no motel. Babe gritou para ele parar, o que ele fez quando faltavam
três centímetros para bater. Babe acenou adeus, e Michael, pela primeira vez em
décadas, se benzeu.
Ele subiu no quarto caminhão e o levou até o escritório. Tanny subiu.
— Onde está Jack? — Perguntou Michael. — Ele não vai conosco?
— Ele levou o carro de volta para o aeroporto. Vou encontrá-lo. Você tem
que pegar a Interestadual Vinte e Nove em direção ao norte de qualquer forma,
e... além disso, eu queria algum tempo com você.
Tendo dito isso, ela se calou. Michael não fez qualquer comentário. Ele
estava ocupado, dirigindo mas havia uma outra razão.
— Lamento pela Regan —, Tanny disse finalmente. — Sei que a culpa é
minha.
— Não culpe ninguém além de mim mesmo —, disse Michael.
— Para onde ela foi?
294
— Não quero falar a respeito dela, para ser franco. O impacto ainda não
me atingiu totalmente, e não quero que atinja.
A neve ainda não cobria o concreto. Via-se no céu azul-escuro, a leste, o
brilho do entardecer. Devido à tempestade que chegava, o céu a oeste estava
cinza-escuro.
— Tenho que dizer isso —, ele disse a ela. — Nunca vou lamentar a nossa
aproximação.
— Nem eu.
— Então você ama esse cara? — Ele perguntou a ela.
— Sim. Muito.
— Bom. Então a empresa conseguiu alcançar ao menos um resultado po-
sitivo durante este ano.
Ela pensou sobre isso. — É verdade. Se não fosse pela empresa, eu nunca
teria ido a Chicago.
Ele se inclinou e beijou-lhe a face.
— Chega mais para perto —, disse ele, estendendo o braço. — Pelos
velhos tempos.
Então ela deixou-se escorregar para perto dele. Ele passou o braço pelos
ombros dela. Ela apoiou levemente a mão esquerda sobre a perna dele. O anel
de diamante parecia novo e fresco. Eles seguiram pela interestadual juntos, des-
se jeito, sorrindo como recém-casados.
295
Solstício de
inverno
No terceiro dia depois do Natal, dois anos depois, Michael DiGabriel
estava no escritório dele lendo as novas páginas do script de Hoona. Estava
tentando se concentrar com a porta fechada. Ele ouviu um barulho vindo de
fora, muita conversa, e pensou ter ouvido a voz dela, mas achou que não. Então
ouviu novamente, levantou-se e abriu a porta.
— Veja quem veio nos visitar —, disse Babe.
Lá estava Tanny. Ele congelou e olhou para ela. Ela estava mais gorda. O
cabelo dela mais cinza, mesmo depois de apenas dois anos. Os seios, também,
estavam maiores do que ele podia se lembrar. Ela estava segurando, perto do
seio esquerdo, um bebê em traje de neve azul.
— Oi, olá —, disse Michael.
— Oi.
— E quem é este com você?
— Este é Jack Júnior.
Jack Júnior olhou para Michael com seu rostinho corado, com seus peque-
nos olhos escuros. Jack Júnior não ficou muito impressionado.
— Entre por um minuto, vem ver minha nova toca —, disse Michael a ela.
— Uáu. Legal. E veja a vista que você tem agora. Ela foi à janela para dar
uma olhada no centro de Bridgeford e no Rio Maccagheny. — Melhor do que
antes.
— Você sabe de quem era este escritório? Lyle Beekstra. — Gesticulou ele,
mostrando o espaço. — Eu estava em pé ali quando ele me despediu.
Ela bateu no braço dele. — Ao vitorioso o espólio da guerra.
— Desde que ele possa pagar o aluguel. — Ele foi para trás de sua mesa e
disse: — Sente-se.
— Não posso ficar muito. Minha mãe ficou com o Jason. Eu só vim para
a cidade para me livrar um pouco dela.
— E então, como é a vida em Chicago?
— Boa —, disse Tanny. — Realmente boa. Compramos uma casa nova
296
no ano passado. É legal, mas é um pouco longe da cidade. Jack está trabalhando
muitas horas por mês, e a distância não torna as coisas mais fáceis. Eu gostaria
que ele tirasse férias. Ele deve vir para se reunir a nós amanhã. A propósito...
você parece bem. Parece que você perdeu peso.
— Tenho feito um monte de testes na videobike.
— E como a videobike está indo?
— Realmente bem. Fechamos negócios com as três principais franquias e
estamos perto de fechar com mais duas. E vamos lançar uma versão para o
consumidor, para poder ligar no aparelho de televisão. Bob Garvey está admi-
nistrando tudo isso.
— E como está o Bob?
— Está bem. O escritório dele é perto do aeroporto. Ele tem cerca de
cinqüenta pessoas na folha de pagamento. É responsável por todo o hardware,
tanto o desenvolvimento quanto a produção.
— Vocês ainda são amigos?
— E por que não deveríamos ser?
— Porque os dois precisam ser cachorrões.
— É, bem... nós nos entendemos. Bob agora é presidente-executivo.
— E você?
— Você quer saber qual é o meu título? “Presidente do Conselho e Czar da
criação”.
Tanny riu. — Você está falando sério?
Para provar, ele pegou um de seus cartões comerciais de uma bandeja so-
bre a mesa e deu-o a ela.
— Isso é ótimo —, disse ela. — Então vocês estão indo bem?
Ele hesitou. — Estamos ganhando um monte de dinheiro. Estamos do-
brando a cada ano. As vendas no primeiro ano foram de mais de um milhão.
No segundo ano passaram de dois milhões. Este ano passamos de quatro mi-
lhões. Para o próximo ano oito milhões é uma possibilidade real. E nossa renta-
bilidade sobre esse faturamento tem sido bem satisfatória.
— Uáu! Então você não está mais dirigindo o caminhão?
Michael riu. — Não, há muito tempo não fazemos isso. Com o sorriso
apagando, ele viu passar rápido, num flash, a viagem inteira: os flocos de neve
caindo, as cidades, as luzes dos carros em sentido contrário, sua própria mão
bombando gasolina, as pessoas olhando-o instalar as máquinas, um céu perfei-
tamente azul depois da tempestade, o oceano. A última parada foi em Newport,
Rhode Island, ele tinha estacionado o caminhão fora da cidade e andado pela
praia gelada, olhado para as mansões ao longo da costa coberta de neve e para a
água azul-escura até o vento queimar seu rosto, sentindo o intenso prazer de ter
cumprido a tarefa e de estar sozinho.
O sorriso se foi, e ele perguntou: — Você está trabalhando?
297
— Não, não no momento. Devo procurar alguma coisa em um mês ou
dois, só para manter-me bem.
— Nós temos vagas, aqui.
— Não... acho que não.
— Você saiu cedo demais, Tanny. Se o produto continuar fazendo sucesso
por mais um ano ou dois, todos os sócios originais vão estar bem por toda a
vida. Eu já cheguei lá. Se decidir vender minhas ações, posso sair por aquela
porta e só ficar assistindo jogos pelo resto da vida.
— Que bom para você. Entretanto, não consigo enxergar você como um
aposentado de pijamas — disse ela. — Bem, se tivesse ficado, eu provavelmente
não teria tido este aqui. — Ela levantou um pouco o bebê.
Os dois sorriram um para o outro. Houve um silêncio. Michael abriu a
boca e estava quase falando “eu sinto sua falta”. Mas justo neste momento Jack
Júnior começou a chorar.
— Desculpe-me — você não se importa, não é? — Perguntou ela. Ela
levantou a blusa. Era a hora de Jack Júnior se alimentar no seio dela.
— Nada que você não tenha visto antes, certo?
— Verdade. — Ele se permitiu olhar para ela, e queria muito dizer que
gostaria que as coisas tivessem sido diferentes, que desejava que a vida tivesse
um botão de retrocesso, que pudéssemos editar nossos erros, deixando-os de
fora, que o diamante no dedo dela fosse dele, e até a criança — mas enquanto
ele estava juntando tudo isso em sua mente houve um silêncio e, para preencher
esse silêncio, Tanny perguntou: — E os outros, como estão indo?
— Hum... bem, ok. A velha gangue está se saindo bem. Hoona ainda está
bebendo e fumando, fumando e bebendo. Ele tem um ataque do coração espe-
rando por ele, mas seus scripts ainda são bons. Babe é minha assistente, e agora
também uma das acionistas. E Redmeat está indo bem. Ele se casou, você pro-
vavelmente já sabe.
— Eu soube. Recebi um convite, mas não pudemos vir.
— Boner está trabalhando com o grupo de Bob Garvey. Não estou certo
se o ego dele se recobrou desde que admitimos FM. E FM tornou-se um dos
principais elementos para a nossa operação. Eu gasto um terço de meu tempo
tentando gerenciá-lo. Mesmo assim, tenho sorte quando consigo saber o que
está acontecendo.
— Você está fazendo algum trabalho para a Três-E?
— Nada há mais de um ano. Dissemos adeus a eles. Você ouviu sobre a fusão?
— É, alguma coisa. Não é grande novidade em Chicago.
— Bem, Bromman tinha que fazer alguma coisa. O certo é que ele cortou
a organização até os ossos, e então o monstro não tinha mais músculos para
fazer nada. Ele cortou as perdas deles, mas não estava fazendo a empresa crescer.
Há rumores de que o conselho estaria pronto para colocá-lo na rua.
298
— E... por falar em Três-E, você tem notícias da Regan?
— Você nunca imaginaria onde a encontrei. Eu estava no aeroporto O’Hare,
tendo que esperar duas horas pelo próximo vôo. Então estava observando as
pessoas e ali estava ela, passando bem na minha frente. Quase não a reconheci,
mas chamei pelo nome e ela parou. Andei com ela até o portão de embarque.
— E como ela está passando?
— Está trabalhando com vendas. Conseguiu um emprego numa grande
empresa de telecomunicações. Suspeito que o pagamento seja bom, mas é um
passo atrás para ela. Ainda está morando com a mãe em Connecticut. Está
namorando um corretor de ações, divorciado. Disse que fez tratamento para a
depressão, e que está fazendo terapia há mais de um ano. Ela disse que seu
terapeuta ajudou-a a ver como tinha raiva dos homens, ou alguma coisa assim.
Nós só tivemos alguns minutos para conversar, pois o embarque para o vôo dela
já estava aberto quando chegamos ao portão. Ela disse que me telefonaria qual-
quer dia, mas não telefonou.
Tanny balançou a cabeça. — Lamento.
— Por quê?
— Ainda me sinto responsável.
— Eu não culpo ninguém além de mim mesmo. O que está feito, está
feito.
Jack Júnior adormeceu. Tanny o acomodou, cobriu-o e colocou-o no om-
bro. — Um corretor de ações, hein, é, parece combinar com ela.
— Para dizer a verdade, estou contente que ela esteja namorando alguém.
— Então eu vou ter que provocar a Babe para saber dos detalhes ou você
vai me contar?
— Contar o quê?
— Como está sua vida amorosa?
— Você está olhando para ela —, disse Michael, abrindo os braços para o
escritório. — Minha mulher e minha amante.
— Você não está se encontrando com ninguém?
— Não tenho tempo.
— Eu não acredito em você —, disse ela.
Ele abriu as mãos. — O que posso dizer?
— Que você ainda está magoado.
Ele pensou nisso. — Sim... talvez esteja.
O telefone tocou. — Foi feita a maquiagem? Certo, eu desço logo. — Ele
desligou e se virou para Tanny. — Eu tenho que descer para a Caverna. Por que
você não vem junto? Vai poder dar um alô ao Red.
— Ótimo.
Ele saiu da sala na frente. Tanny despediu-se rápido de Babe e seguiu Michael
para o elevador.
299
— Este é o nosso próximo grande risco —, disse Michael.
— O que é?
— Vai ser um filme interativo.
— Verdade?
— Você entende o que eu quero dizer com isso? É como um videogame
passando no computador, mas o espectador participa e determina o desfecho.
— Qual é o tema?
— Um romance.
— Verdade?
— Hoona e eu desenvolvemos o script em parceria.
— Os dois românticos.
— Eu conheço o tipo de história, mesmo que não funcione comigo. De
qualquer forma, conseguimos fechar um acordo com um dos maiores distribui-
dores de jogos. FM já escreveu o programa. Esperamos ter o produto nas prate-
leiras no próximo inverno.
No subsolo ela se sentiu estranha, caminhando pelo corredor que lhe era
familiar, na velha Caverna. Mas estava contente em ver que o estúdio novamen-
te parecia um estúdio, com luzes e uma câmera montada em um pedestal, um
monitor, uma equipe. Sob as luzes estavam dois atores, um homem e uma
mulher em roupas inglesas do século dezenove.
Michael levou-a à sala de controle. Redmeat estava à mesa de som e deu a
ela um grande alô. Além dele havia outras pessoas cujo papel lhe parecia fami-
liar, mas as pessoas eram estranhas para ela. Estavam se preparando para gravar,
e ela só pôde conversar com Redmeat por alguns segundos. Ele a convidou para
sentar atrás dele, no sofá de clientes.
— Estamos prontos? — Perguntou Michael. — Vamos começar.
Gravaram uma tomada de cena, mas Michael visivelmente não estava sa-
tisfeito com o resultado. Ele pressionou o botão de comunicação. — Estou
saindo.
Sem nem mesmo olhar para Tanny, ele saiu da sala de controle e entrou no
estúdio. Exatamente quando eles estavam para gravar de novo, Jack Júnior co-
meçou a chorar. Tanny ficou com medo que ele chorasse alto e estragasse o
trabalho deles, e por isso despediu-se de Redmeat falando baixinho. Michael
ficou no estúdio e não a viu sair.
— Rode a fita —, disse ele pelo microfone.
Naquele inverno a mãe de Tanny quebraria a bacia e morreria em conse-
qüência do acidente três meses depois. Depois que a casa da mãe fosse vendida,
Tanny não teria mais motivos para voltar a Bridgeford.
— Agora lembrem-se, vocês dois. Eu quero determinação —, disse Michael
para os atores. — Ação...
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Faça sua própria
PESQUISA DE MERCADO
Paul Hague e Peter Jackson
E
ste livro é como a gravação de uma conversa em cinco
capítulos. No primeiro, o autor desfaz de vez quaisquer
dúvidas sobre a importância das finanças numa empresa,
tranqüilizando interlocutor e leitor ao afirmar e demonstrar que
as finanças não são algo tão difícil de se entender. No segundo a
conversa gira em torno da necessidade de aumentar a fatia de
clientes. O terceiro capítulo, é todo ele dedicado aos colabora-
dores. Sem eles não há produção, negócios, resultados, lucros.
Já no quarto e no quinto capítulos, o consultor-escritor envolve
o empresário e os seus colaboradores na conversa sobre a neces-
sidade de refletir muito e de planejar sempre a fim de que o
futuro não os pegue desprevenidos.