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SUMÁRIOS DESENVOLVIDOS

2008/2009

PARTE IV
O DIREITO CONSTITUCIONAL DO ORDENAMENTO JURÍDICO
___________________________________________________________

CAPÍTULO 3º
Individualização e análise de algumas categorias de actos legislativos
I – Leis da Assembleia da República

Sumário

1. Categorias de leis com referência expressa na Constituição

1.1. Leis constitucionais

1.2. Leis orgânicas

1.3. Leis de bases

1.4. Leis de autorização

1.5. Leis estatutárias

1.6. Leis de enquadramento

2. Leis reforçadas – delimitação material

2.1. O critério da parametricidade aferido por um processo judicial de fiscalização

2.2. O critério da parametricidade específica

2.3. O critério da forma e especificidades procedimentais

2.4. O critério da “maioria reforçada”

2.5. O critério da parametricidade geral

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1. Categorias de leis com referência expressa na Constituição

A Constituição faz uma expressa alusão a algumas categorias de leis da


Assembleia da República que, pela sua especial relevância no ordenamento jurídico-
constitucional português, justificam uma referência especial.

1.1 Leis constitucionais

Comecemos pelas leis constitucionais. Revestem a forma de lei constitucional “os


actos previstos na alínea a) do art. 161.º” (cfr., CRP, art. 166.º, n.º 2) ou, por outras
palavras, designam-se por leis constitucionais as leis que aprovam as revisões da
constituição. Estas leis, em número de sete até ao momento (LC 1/82, LC 1/89, LC
1/92, LC 1/97 e LC 1/200, LC 1/2004 e LC 1/2005), e que obedecem ao
procedimento previsto nos artigos 284.º e seguintes, são publicadas no jornal oficial
Diário da República (cfr., art. 119.º, n.º1, a)).

1.2. Leis orgânicas

Leis orgânicas são leis de competência reservada absoluta da Assembleia da


República (reserva de parlamento), que obedecem ao critério da tipicidade, isto é,
apenas revestem a forma de lei orgânica aquelas que a CRP expressamente tipifica
como tal. São as leis sobre as matérias previstas nas alíneas a) a f), h), j), primeira
parte da alínea l), q) e t) do artigo 164.º e no artigo 255.º da CRP (cfr., art. 166.º, n.º
2). Não sendo transparente o significado jurídico-constitucional destas leis, é seguro
que as leis orgânicas têm um valor reforçado, desde logo por indicação expressa da
Constituição (cfr., CRP, art. 112.º, n.º 3). As leis orgânicas dispõem de dimensões
orgânico-procedimentais específicas, são votadas obrigatoriamente pelo plenário da
Assembleia da República (e não em comissões como sucede com a generalidade das
leis) – reserva de plenário (art.168º/4); carecem de aprovação, na votação final
global, por maioria absoluta dos deputados em efectividade de funções (art. 168º/5);

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exigem uma maioria qualificada para a superação do veto político do Presidente da


República (concretamente dois terços), o que manifesta a exigência de um largo
consenso parlamentar; gozam de um regime especial no que respeita à possibilidade
de requerer a sua fiscalização preventiva, já que esta se alarga também (ou seja, para
além da competência do Presidente da República) ao Primeiro-Ministro e a um quinto
dos Deputados à Assembleia da República (cfr., CRP, art. 278.º, n.º 4) – alargamento
da legitimidade processual activa. As leis orgânicas capturam toda a matéria a
regular, ou seja, beneficiam da exclusividade ratione materiae, o que implica uma
reserva total quanto aos assuntos que lhes pertence regular.

1.3. Leis de bases

As leis de bases ou de princípios são leis consagradoras dos princípios vectores ou


das bases gerais de um regime jurídico, deixando a cargo do Governo o
desenvolvimento desses princípios ou bases (através de decretos-leis de
desenvolvimento). O texto constitucional sugere, em várias normas, a existência de
leis de bases no ordenamento jurídico português. Vejam-se os artigos relativos à
competência legislativa reservada da Assembleia da República (artigos 164.º e 165.º).
Quer o artigo 164.º, quer o 165.º se referem a leis de bases. No que respeita ao 164.º,
vejam-se a 2.ª parte da alínea d) (“bases gerais da organização, do funcionamento, do
reequipamento e da disciplina das Forças Armadas”) e a alínea i) (“bases do sistema
de ensino”). Já no que respeita à matéria de competência relativa referimos as alíneas
f) (“bases do sistema de segurança social e do serviço nacional de saúde”), g) (“bases
do sistema de protecção da natureza, do equilíbrio ecológico e do património
cultural”), n) (“bases da política agrícola, incluindo a fixação dos limites máximos e
mínimos das unidades de exploração agrícola”), t) (“bases do regime e âmbito da
função pública”), u) (“bases gerais dos estatutos das empresas públicas e das
fundações públicas”), z) (“bases do ordenamento do território e do urbanismo”). Em
matéria de competência legislativa do Governo alude-se, outrossim, às leis de bases
quando, no artigo 198.º, n.º 1, alínea c), se dispõe que compete a esse órgão “Fazer
decretos-leis de desenvolvimento dos princípios ou das bases gerais dos regimes
jurídicos contidos em leis que a eles se circunscrevem”. Nestas referências, em termos
de direito constitucional positivo, não devemos esquecer o preceituado genericamente

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na norma relativa aos “actos normativos”, isto é, o artigo 112.º, em especial o n.º 2
que faz expressa referência aos decretos-leis que “desenvolvem bases gerais dos
regimes jurídicos”. Como já se compreende, a lógica inerente a este tipo de leis – as
leis de bases – é da existência de vários níveis de competência legislativa da
Assembleia da República, sendo claro que se, por vezes, o parlamento reserva para si
a densificação total do um determinado regime jurídico, em outros casos, entendeu o
legislador constituinte que “basta” um nível de densificação intermédio ou mesmo um
nível “mínimo” de definição das “bases gerais” de um determinado regime. Com este
princípio de reserva legislativa de bases gerais desejou-se, então, assegurar uma
intervenção legislativa primária da Assembleia, mas, ao mesmo passo, e sem
necessidade de autorização legislativa, permitir a intervenção do Governo nessa
mesma matéria. Embora as leis e os decretos-leis via de regra tenham igual dignidade
hierárquica, este tipo de leis (as leis de bases) constitui uma das excepções à regra
geral, já que estas adquirem primariedade material e hierárquica, com a
correspondente subordinação dos decretos-leis de desenvolvimento (cfr., a este
propósito o artigo 112.º, n.º 2 e o artigo 198.º, n.º 1, alínea c) já referidos). Esta
subordinação do acto legislativo emanado pelo Governo ao acto legislativo da
Assembleia tem dado origem, nos últimos anos, a vários acórdãos do Tribunal
Constitucional, no sentido determinar a qualificação do vício da desconformidade do
decreto-lei em relação à lei de bases..

1.4. Leis de autorização

Um outro tipo de leis com valor reforçado são as chamadas leis de autorização ou
de delegação. Mediante este tipo de actos, a Assembleia da República habilita o
Governo a emanar actos legislativos em matéria da sua reserva relativa de
competência legislativa (cfr., CRP, artigo 165.º CRP). Assim, o objecto das leis de
autorização deve coincidir com a função legislativa do Parlamento (excluindo-se as
autorizações em funções de fiscalização ou políticas do parlamento, mesmo quando
estas últimas assumam a forma de lei) e o seu destinatário é o Governo ou (depois da
revisão de 1989) as assembleias legislativas regionais (cf. art. 227º/1c). Há, como já
se vê, pelo menos duas semelhanças entre as leis de autorização e as leis de bases,

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abordadas no ponto precedente. Com efeito, (1) nenhuma delas esgota a


regulamentação legislativa sobre a matéria que versam e (2) ambas carecem de uma
posterior intervenção legislativa do Governo, condicionando essa intervenção.
Contudo, trata-se de dois tipos de leis diferentes, cuja distinção merece ser feita desde
já. A lei de bases altera ela mesma a ordem jurídica, estabelecendo as bases de um
determinado domínio jurídico enquanto que a lei de autorização, embora contenha
normas jurídicas com efeitos externos (por isso se diz que ela tem carácter normativo-
material, não sendo apenas “normas sobre a produção jurídica”), intervém
atenuadamente no ordenamento jurídico. Além disso, a lei de bases fica suspensa,
aguardando o desenvolvimento legislativo do Governo, ao passo que a lei de
autorização caduca se não for utilizada ou esgota-se nessa utilização. Acresce que a
lei de autorização permite ao Governo que legisle apenas uma vez sobre o assunto,
enquanto que no caso de lei de bases o Governo pode alterar o desenvolvimento
legislativo que deu à lei. As matérias relativas às leis de autorização são as da
competência relativamente reservada da Assembleia e as leis de bases podem surgir
em qualquer domínio, salvo, naturalmente, naquelas em que a matéria é reservada à
Assembleia em toda a sua extensão. Por último, refira-se que enquanto que a lei de
autorização é um requisito de intervenção legislativa do Governo em matéria
reservada à Assembleia, a lei de bases só é pressuposto da actividade legislativa do
Governo quando versar matéria pertencente a essa área.

1.5. Leis estatutárias

1. Leis estatutárias

Os estatutos das Regiões Autónomas são leis da Assembleia da República sujeitas


a um procedimento legislativo especial (cf. art. 226º/1, 2 e 3). A lei estatutária deve
ser aprovada pela Assembleia da República com base no projecto elaborado pela
Assembleia Legislativa Regional. São claramente leis reforçadas tendo em conta: (1)
a especificidade procedimental; (2) o carácter paramétrico em relação a diplomas

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emanados dos órgãos de soberania (arts. 280º/2 c e d e 281º/d), e em relação a normas


constantes de diplomas regionais (arts. 280º/2b, 281º/1c) e; (3) ainda a maioria
qualificada para aprovação das disposições relativas a matérias que integrem o poder
legislativo das Regiões. Por isso, a lei estatutária, enquanto vigora, só pode ser
alterada por outro acto legislativo dentro do esquema procedimental estabelecido para
a revisão dos estatutos (art. 226º/4). Existe uma reserva de lei estatutária imposta
pela Constituição, ou seja, existe um âmbito material que deve ser reservado aos
estatutos e só a eles, como são as competências e atribuições das Regiões Autónomas
(arts 227º, 232º), o sistema de governo regional, incluindo os órgãos de governo
próprios e estatuto dos seus titulares (arts. 231º e 234º) e a delimitação das Regiões
Autónomas em relação a outras pessoas colectivas territoriais (cf., arts. 227º/m e n,
229º e 232º).

As leis estatutárias, na qualidade de leis ordinárias intraconstitucionais, devem


estar, sob pena de inconstitucionalidade, em conformidade com as regras e princípios
da Constituição. Há, pois, um esquema relacional hierárquico entre a Constituição e
as leis estatutárias. Diferentemente, porém, do que acontecia em relação a textos da
Constituição, anteriores à revisão de 1997, os estatutos devem, hoje, observar os
regimes específicos reservados a duas importantes leis com âmbito regional: as leis
relativas à eleição de deputados para as Assembleias Legislativas das Regiões
Autónomas (art. 226º/1) e a lei de finanças regionais (art., 227º/1j, e art. 229º/3).

1.6. Leis de enquadramento

A última categoria concreta de leis da Assembleia da República a que nos vamos


referir é a de leis de enquadramento, ou leis-quadro (na sua designação tradicional).
São leis que estabelecem os parâmetros jurídico-materiais estruturantes de um
determinado sector da vida económica, social e cultural. Apesar de uma possível
aproximação entre este tipo de leis e as leis de bases elas não se confundem, já que
não se limitam a estabelecer as bases e remeter o seu desenvolvimento para ulteriores
actos legislativos, mas fixam as regras e os princípios de um regime jurídico

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estruturante que, naturalmente, deverão ser respeitado por actos legislativos


concretizadores desse regime. Têm, por isso, uma índole material diferente. O caso
mais conhecido entre nós é o da lei de enquadramento do orçamento do Estado. Um
outro exemplo pode ver-se o artigo 296.º, relativo à lei-quadro das reprivatizações.

2. As leis reforçadas

Ainda em matéria de leis da Assembleia da República cabe uma importante


referência para uma categoria heterogénea prevista no nosso ordenamento jurídico-
constitucional – as leis reforçadas. Não há um único critério para a definição das leis
com valor reforçado precisamente pela já apontada nota de heterogeneidade destas
leis. Assente-se, no entanto, na seguinte ideia: algumas das leis acabadas de estudar
(leis orgânicas, leis de autorização, leis de bases e leis estatutárias) são leis reforçadas.
Uma boa caracterização deste tipo de leis obriga não só à leitura do texto
constitucional mas a uma posterior “decantação” dos critérios possíveis para a
classificação de uma lei como lei com valor reforçado. A Constituição enuncia quatro
critérios no n.º 3 do artigo 112.º: (1) leis orgânicas (para o conceito de lei orgânica
vide supra); (2) aprovação por maioria de dois terços; (3) pressuposto normativo
necessário de outras leis; (4) aquelas que por outras devam ser respeitadas. A CRP
enuncia, pois, quatro critérios para a identificação das leis com valor reforçado. Uma
delimitação material deste tipo de leis leva-nos a apontar os seguintes critérios:

2.1. O critério da parametricidade aferido por um processo judicial de


fiscalização

O critério da parametricidade aferido por um processo judicial de fiscalização:


trata-se de um critério comum a todas as leis com valor reforçado. Todas elas
beneficiam de um processo judicial que, a fim de assegurar o seu valor paramétrico,
possibilita a desaplicação ou a eliminação de outras leis que com elas sejam
desconformes (cfr., CRP, arts. 280.º/2/a) e 281.º/1/b)). Este critério, de extrema
importância no que se refere ao desvalor jurídico-constitucional judicialmente

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controlável, não nos permite, no entanto, proceder a uma individualização deste tipo
de leis.

2.2. O critério da parametricidade específica

O critério da parametricidade específica: uma lei é reforçada relativamente a


outra quando, como estipula o texto constitucional, é “pressuposto normativo
necessário” à disciplina estabelecida por esse outro acto legislativo. É claramente a
relação entre uma lei de autorização e um decreto-lei autorizado, uma lei de bases e
um decreto-lei de desenvolvimento, a lei de enquadramento do orçamento do Estado e
a lei anual do orçamento do Estado ou das Regiões Autónomas. A consequência
evidente deste valor paramétrico é a capacidade derrogatória, isto é, são leis que
podem revogar sem poderem por esses actos “subordinados” serem revogadas.

2.4. O critério da forma e especificidade procedimentais

O critério da forma e especificidade procedimentais: neste caso o carácter


reforçado é conferido pelo facto de determinadas leis exigirem, à luz da CRP, uma
forma e um procedimento específicos de feitura. É o caso das leis orgânicas que são
leis de reserva total da AR (competência exclusiva absoluta), têm reserva de plenário;
exigem uma maioria qualificada para a superação do veto político do Presidente da
República e gozam de um regime especial nos processos de fiscalização preventiva da
constitucionalidade, traduzido no alargamento da legitimidade processual activa.

2.5. O critério da “maioria reforçada”

O critério da “maioria reforçada”: algumas leis são reforçadas porque é mais


exigente a maioria requerida para a sua aprovação. Cabem neste âmbito, e por
articulação entre o n.º 3 do artigo 112.º e o n.º 6 do artigo 168.º, as leis sobre (1) voto
dos emigrantes nas eleições presidenciais; (2) lei definidora dos círculos eleitorais; (3)
eleição para a Assembleia da República, nomeadamente na fixação do número de

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deputados; (4) restrições do exercício de direitos por militares e agentes militarizados;


(5) sistema e método de eleição para os órgãos deliberativos das autarquias locais.

2.6. O critério da parametricidade geral

O critério da parametricidade geral: trata-se de um critério residual apontado no


texto constitucional (cfr., parte final do n.º 3 do artigo 112.º) que pretende abarcar as
exigências de compatibilidade com um conjunto indeterminado de actos legislativos
como os estatutos das regiões autónomas, a lei das finanças regionais, a lei das
grandes opções dos planos.

PALAVRAS-CHAVE
- conceito de lei constitucional
- lei estatutária
- lei orgânica
- lei de autorização
- lei de bases
- lei de enquadramento
- sentido e caracterização das leis com valor reforçado

SUGESTÕES DE ESTUDO
J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, Coimbra, 7.ª ed.,
p. 747-787.
CARLOS BLANCO DE MORAIS, Curso de Direito Constitucional, Coimbra Editora, 2008.

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