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Iberografias43-vfinal14Junho.

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IBEROGRAFIAS

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PAISAGENS
E DESENVOLVIMENTO RURAL

Coordenação:
Rui Jacinto

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IBEROGRAFIAS

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Coleção Iberografias
Volume 42

Título: Paisagens e Desenvolvimento Rural


Coordenação: Rui Jacinto
Apoio à edição: Ana Margarida Proença
Autores: Adriana Rangel de Souza Silva; Amarildo Augusto Oliveira; Ana Dalva de Oliveira Santos Neto; Ana Paula Novais Pires
Koga; Antonio Nivaldo Hespanhol; Daniel Boyano Sotillo; Diogo Laércio Gonçalves; Elaine Santos; Giampietro Mazza; Humberto
Yamaki; Idelvone Mendes Ferreira; Javier Dóniz-Páez; José Antônio Baptista Neto; José Januário; José Luis Domínguez Álvarez;
Juliane Maistro; Lía Fernández Sangrador; Lucas Ferreira Rodrigues; Manuel Francisco Bandeira; Manuela Delrio; Margarete
Cristiane de Costa Trindade Amorim; Maria Madalena Ferreira; Marilia Teresa Lima do Nascimento Neto; Messias Modesto dos
Passos; Mônica Pereira dos Santos; Paola Verri de Santana; Rejany Ferreira dos Santos; Renan Ricardo Galdino Inácio; Rogério
António de Castro Coelho; Rosangela Hespanhol; Rui Jacinto; Salvatore Lampreu; Thais Helena Gonçalves

Pré-impressão: Âncora Editora

Capa: Tiago Melo | Âncora Editora


Fotografia: Inés García Ruiz

Impressão e acabamento: Locape - Artes Gráficas, Lda.

1.ª edição: Junho de 2022


Depósito legal n.º x

ISBN CEI: 978 989 8676 32 0


ISBN: 978 972 780 817 5

Edição n.º 41042

Centro de Estudos Ibéricos


Rua Soeiro Viegas n.º 8
6300-758 Guarda
cei@cei.pt
www.cei.pt

Âncora Editora
Avenida Infante Santo, 52 – 3.º Esq.
1350-179 Lisboa
geral@ancora-editora.pt
www.ancora-editora.pt
www.facebook.com/ancoraeditora

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A opção ou não pelas regras do novo acordo ortográfico é da responsabilidade dos autores.

Apoios:

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PAISAGENS E DESENVOLVIMENTO RURAL 7
Rui Jacinto

I. DINÂMICAS DA PAISAGEM E INJUSTIÇA AMBIENTAL: GEODIVERSIDADE, BIODIVERSIDADE E


ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO

Levantamentos Fitossociológicos na raia divisória São Paulo-Mato Grosso do Sul, Brasil: 11


uma análise de remanescentes florestais, através das pirâmides de vegetação
Diogo Laércio Gonçalves; Messias Modesto dos Passos

Processos de degradação na dinâmica da paisagem: estudo de voçorocas no 29


município de Ouvidor (GO)
Lucas Ferreira Rodrigues; Idelvone Mendes Ferreira

Diagnóstico-Prognóstico das obras compensatórias e mitigatórias da UHE de Porto 45


Primavera para os municípios da raia divisória São Paulo – Mato Grosso do Sul
Messias Modesto dos Passos; Diogo Laércio Gonçalves; Juliane Maistro

Restauração Ecológica em propriedade rural na Área de Proteção Ambiental do 79


Córrego Timburi, Município de Presidente Prudente-SP
Thais Helena Gonçalves

Brasil: incertezas na indústria extrativa no Amazonas 95


Paola Verri de Santana

No tabuleiro estratégico da “economia verde” a exploração do lítio no Brasil e em Portugal 115


Elaine Santos

A Educação Ambiental na perspectiva da interdisciplinaridade: o que revelam os 125


professores sobre suas práticas pedagógicas no ensino fundamental em suas
unidades escolares em Porto Velho-Ro-Amazonia Ocidental-Brasil
Amarildo Augusto Oliveira; Maria Madalena Ferreira

As paisagens urbanas e rurais e a formação das ilhas de calor em ambiente tropical 143
continental
Margarete Cristiane de Costa Trindade Amorim

II. PATRIMÓNIO NATURAL E TURISMO

São Salvador (1925), Silêncio e poder nas margens do rio Paranapanema 157
Humberto Yamaki

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Conservación del patrimonio natural, cultural en inmaterial de Sanabria desde los 167
movimientos sociales rurales. Caso de la Asociación Cryosanabria
Daniel Boyano Sotillo

SISTUR: da teoria à aplicabilidade na geração de recurso natural em produto turístico 175


Renan Ricardo Galdino Inácio

O turismo na região litoral Centro, Sul e Leste de Angola – visões e estratégias a partir 187
do potencial do corredor do Lobito
Manuel Francisco Bandeira; José Januário

Propuesta de georruta por La Geria (Lanzarote, España): una experiencia entre 205
volcanes y vinos
Javier Dóniz-Páez; Salvatore Lampreu

Trilho do Corgo em Faiões – No Vale da história e da memória 221


Rogério António de Castro Coelho

III. DESENVOLVIMENTO RURAL: AGRICULTURA, SEGURANÇA ALIMENTAR E POLÍTICAS PÚBLICAS

La dinámica geodemográfica en la raya luso-salmantina: implicaciones en tiempos 235


de pandemia
Lía Fernández Sangrador

Território em movimento. Fazenda Taveiras e distrito de Cerrado: uma leitura sobre 255
a apropriação do Cerrado Goiano
Mônica Pereira dos Santos

Desarrollo rural sostenible transfronterizo. Hacia una gobernanza contra la despoblación 269
José Luis Domínguez Álvarez

O vinho em Mamoiada (Sardegna–Itália). Entre enoturismo e territorialização 285


Giampietro Mazza; Manuela Delrio

Histórias atravessadas pelos canais da transposição do Rio São Francisco: uma análise 305
nas Vilas Produtivas Rurais Captação e Baixio dos Grandes, Cabrobó, Pernambuco, Brasil
Ana Paula Novais Pires Koga; Messias Modesto dos Passos

Políticas públicas e o uso de agrotóxicos na olericultura em Lumiar – Região Serrana 321


do Rio de Janeiro
Ana Dalva de Oliveira Santos Neto; Marilia Teresa Lima do Nascimento Neto; Rejany
Ferreira dos Santos; Adriana Rangel de Souza Silva; José Antônio Baptista Neto

Desmonte das políticas de segurança alimentar e seus efeitos nos municípios que 331
integram a região de Dracena, Estado de São Paulo, Brasil
Rosangela Hespanhol; Antonio Nivaldo Hespanhol

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Paisagens e desenvolvimento rural

Rui Jacinto1

O livro que se dá à estampa resulta da XXI edição do Curso de Verão, realizada entre os
dias 6 e 10 de julho de 2021, subordinada ao título “Novas fronteiras, outros diálogos: coo-
peração e desenvolvimento”2. Esta iniciativa emblemática que o Centro de Estudos Ibéricos
(CEI) realiza ininterruptamente faz duas décadas, a par doutros eventos que promove
anualmente, responde diretamente a uma missão que tem como foco o Conhecimento, a
Cooperação e a Cultura. O Curso de Verão, ao apostar na difusão de informação sobre os
territórios e as culturas ibéricas, afirmou-se como uma importante iniciativa de cooperação
territorial que honra o compromisso do CEI com os espaços mais débeis e excluídos.
A edição de 2021, que decorreu virtualmente, contou com cerca de 350 partici-
pantes, dispersos por vários pontos do país e do estrangeiro, e a apresentação de cerca
de 80 comunicações por investigadores de diversas nacionalidades. O elevado número
de participantes e de comunicações permitiram organizar um evento que contou com
várias Conferências3, Mesas Redondas4, um Forum5 e múltiplos Painéis6 envolvendo
1
Centro de Estudos Ibéricos (CEI)
2
https://www.cei.pt/cv/programacao-2021.html.
3
Conferências: 1. A charneca: memória, paisagem e património (Jorge Gaspar, Portugal); 2. Paisaje y
Patrimonio (Josefina Gómez Mendoza, Espanha); 3. O grito e a explosão do território brasileiro: desi-
gualdades e seletividades socioespaiais. Debates urgentes (Maria Adélia Souza, Brasil); 4. O Ensino
Superior em Cabo Verde: cooperação e desenvolvimento territorial (Judite Nacimento, Cabo Verde).
4
As Mesas Redondas estruturam-se em torno de quatro temas fundamentais: I. Paisagens e Patrimónios
com intervenções de Lúcio Cunha; Alipio de Celis; António Campar de Almeida; Antonio Campesino; II.
História Local, História Ibérica, História Pública -Território, Memória, Identidade (Rita Costa Gomes;
7 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

Diego Piay Augusto e Patricia Argüelles Álvarez; Irene Sánchez Izquierdo; Antonieta Pinto e António Prata
Coelho; Arsenio Dacosta); III. Cooperação e Desenvolvimento (Valentín Cabero; Victor Casas; António Pedro
Pita) IV. Coesão Territorial (Rui Jacinto; Lorenzo López Trigal; João Ferrão).
5
Forum “As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa” (Intervenções de: Lúcio Cunha; Dirce
Suertegaray; José Maria Semedo; Rui Jacinto; José Borzacchiello da Silva; Inês Macamo Raimundo; Maria
Fernanda Delgado Cravidão).
6
Painéis: 1. Geodiversidade, biodiversidade, ordenamento do território, moderado por Lúcio Cunha; 2.

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uma rede de investigadores, que se vai alargando, oriundos de universidades de dife-
rentes países. Além de Portugal e de Espanha, de Cabo Verde, Angola e Moçambique,
houve inúmeras intervenções do Brasil que fizeram desta edição a mais participada e
mais internacionalizada de sempre. A realização virtual devido à pandemia implicou
substituir os tradicionais Trabalhos de Campo por documentários que coincidiram com
os quatro temas das mesas redondas.
A presente edição reúne vinte e um textos relativos a comunicações apresentadas
e que abordam temas que vão ao encontro das atuais agendas tanto da investigação
como da ação, isto é, das preocupações das políticas públicas com incidência territo-
rial. As áreas de investigação repartem-se por diferentes regiões, especialmente do Brasil
(14), englobando outros países como Espanha (4), Portugal (2), Angola (1) e Itália
(1). Embora abordem problemáticas relativamente diversas, as afinidades temáticas que
evidenciam permitiu estruturar a sua apresentação em tornos de três coordenadas fun-
damentais: dinâmicas da paisagem e injustiça ambiental, tratando de matérias como a
geodiversidade, a biodiversidade e o ordenamento do território; património natural e
turismo, onde fica patente a importância dos recursos locais na promoção dos territórios
e na organização da visitação quer a nível regional como local; desenvolvimento rural,
destacando as condições sociais nos campos, a importância da agricultura e o papel das
políticas públicas na segurança alimentar.
Importa agradecer a preciosa colaboração dos autores dos textos cujo contributo au-
menta um património coletivo que o CEI dignifica ao promover a sua difusão.

Dinâmicas da paisagem e injustiça ambiental (António Campar de Almeida); 3. Recursos naturais e educa-
8 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

ção ambiental (Messias Modesto dos Passos); 4. Património e turismo (Maria Fernanda Delgado Cravidão);
5. Património, patrimonialização, memória (António Pedro Pita); 6. Agricultura e desenvolvimento rural
(Rosangela Hespanhol); 7. Rural, segurança alimentar, políticas públicas (María Isabel Martín Jiménez);
8. Cidade e evolução urbana (Valentin Cabero); 9. Cidade, paisagem e imagem urbana (Rui Jacinto); 10.
Literatura e leituras do território (Cristina Robalo-Cordeiro); 11. Dinâmicas económicas e sociais (David
Ramos Pérez); 12. Temas pós-coloniais (Ivaldo Lima); 13. Políticas públicas e sistemas de saúde (María
Isabel Martín Jiménez); 14. Governação e movimentos sociais (José Borzacchiello da Silva).

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I. DINÂMICAS DA PAISAGEM
E INJUSTIÇA AMBIENTAL:
GEODIVERSIDADE, BIODIVERSIDADE
E ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO

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Levantamentos Fitossociológicos na raia
divisória São Paulo–Mato Grosso do Sul,
Brasil: uma análise de remanescentes flores-
tais, através das pirâmides de vegetação

Diogo Laércio Gonçalves1


Messias Modesto dos Passos2

Introdução

A produção do espaço geográfico e a transformação da paisagem caminham juntos ao


longo da história da humanidade. Não obstante, a ação antrópica acelera estes impactos
sobre o ambiente natural, mudando estes cenários ao introduzir suas culturas, áreas ur-
banas, grandes obras da engenharia moderna etc. Neste ínterim, as paisagens naturais são
lentamente “sufocadas” e “isoladas” pelo “desenvolvimento” da sociedade, restringindo-se
em apenas alguns enclaves fragmentados.
No caso da Raia Divisória: São Paulo e Mato Grosso do Sul, geograficamente loca-
lizada em uma faixa de transição de dois biomas brasileiros: Mata Atlântica e Cerrado,
este processo não foi diferente. Do ponto de vista da sua fisionomia, o rio Paraná, sempre
exerceu a função de divisão territorial e ligação no contexto das relações econômicas, em
especial a agricultura e pecuária, entre os respectivos entes federados brasileiros.
Outro fator de extrema relevância nesta ligação, se dá pela construção da Usina
Hidrelétrica Engenheiro Sérgio Motta, concluída em 1999 pela Companhia Energética de
São Paulo, alagando uma área de 2.250km², sendo a maior parte no território sul-mato-
-grossense. Estas notórias transformações ocorridas nos últimos anos, implicaram não só
na diminuição da cobertura vegetal para o setor agropecuário, como também ameaçando
11 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

o futuro da fauna e flora local, em razão da fragmentação dos habitats.

1
FCT-UNESP, Presidente Prudente, São Paulo, Brasil
diogo.goncalves@unesp.br
2
FCT-UNESP, Presidente Prudente, São Paulo, Brasil
mmpassos86@gmail.com

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Para este trabalho, considerando este mosaico paisagístico formado por diversos geo-
complexos que constituem a área delimitada, chamaremos de Raia Divisória, a porção
bem delimitada envolvendo: parte do sudoeste do estado de São Paulo e do sudeste do
estado do Mato Grosso do Sul, formada por um conjunto de bacias hidrográficas no alto
curso do rio, tendo como epicentro os municípios de Rosana no Estado de São Paulo e de
Anaurilândia no Mato Grosso do Sul, devido sua localização geográfica na qual se consti-
tui numa região de contato imediato entre os dois estados.
Como foco central, iremos analisar a estrutura vertical da cobertura vegetal de al-
guns remanescentes florestais pela representação de modelos gráficos de pirâmides de
vegetação na Raia Divisória São Paulo-Mato Grosso do Sul, Brasil, por meio de le-
vantamentos fitossociológicos feitos ao longo da área, na transição dos biomas: Mata
Atlântica-Cerrado (Figura 1)

Figura 1 – Localização da Raia Divisória SP-MS


12 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

O método fitossociológico, constitui-se em algumas etapas fundamentais caracte-


rizadas por: o reconhecimento prévio da composição do geocomplexo em estudo (solo,
rocha-mãe, clima, relevo etc.) através de mapas, imagens orbitais ou aerofotografias; o
inventário das associações vegetais (distribuição das espécies, abundância-dominância

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e sociabilidade, composição dos estratos vegetais); o grau de interferência/influência
antrópica no lote analisado e a sistematização dos dados em fichas de campo, que
posteriormente podem ser transformadas em modelos gráficos como as pirâmides de
vegetação.
Em suma, a fitossociologia fornece tanto para a ecologia como para a geografia física
através da biogeografia ferramentas importantes do ponto de vista teórico-metodológico,
através de práticas de campo e modelos gráficos (a exemplo das pirâmides de vegetação)
que contribuem para o entendimento da estrutura da paisagem e do grau de antropização
no meio ambiente em questão.
Veremos, portanto, neste trabalho, a análise através de levantamentos fitossociológicos
realizados em quatro pontos distintos da Raia Divisória, sendo dois próximos ao Parque
Estadual Morro do Diabo em Teodoro Sampaio (maior reserva florestal da região) e ou-
tros dois no epicentro raiano em Rosana e Anaurilândia. Estes resultados fazem parte de
uma pesquisa de doutorado iniciada em 2017 e concluída em 2020 pelo autor intitulada:
Políticas Ambientais na Raia Divisória SP-PR-MS: estudo das áreas potenciais para a cria-
ção de corredores ecológicos3.

Procedimentos Metodológicos

A preparação para os levantamentos, consiste na escolha prévia das áreas indicadas por
meio de imagens de satélite atuais. Com a coleta das coordenadas de cada local escolhido,
é feita a validação em campo e a descrição da composição florística presente nos lotes
analisados. No campo, os lotes são escolhidos de acordo com a disponibilidade de acesso,
principalmente no caso de áreas privadas. Seguindo a metodologia de Bertrand (1966),
escolhe-se um terreno que represente o estado médio da formação vegetal em estudo deli-
mitando um raio de 10 metros dentro do lote.
Para a identificação das espécies em campo, contamos com o apoio de dois mateiros
que prestavam serviços à Companhia Energética de São Paulo (CESP) dentro do Viveiro de
Mudas de Porto Primavera, na coleta de sementes de dois Bancos Ativos de Germoplasma,
criados pela CESP para o reflorestamento de áreas na região, como medida compensatória
a construção da hidrelétrica, com espécies de Cerrado e Mata Atlântica.
13 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

A identificação e classificação das espécies, é registrada na ficha biogeográfica que


leva em consideração uma escala global proposta por Braun-Blanquet (1951), que esti-
ma os níveis de abundância/dominância e de sociabilidade sendo estes representados na
tabela 1 e 2.
3
Disponível em < http://hdl.handle.net/11449/194383>

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ABUNDÂNCIA/ DOMINÂNCIA
+ planta esparsa com um valor de cobertura muito pequeno (raros exemplares)
1 abundante, mas com um baixo valor de cobertura (não superando 10%)
2 muito abundante, mas com baixa cobertura (entre 10% a 25%)
3 cobrindo entre 25% a 50%
4 cobrindo entre 50% a 75%
5 cobrindo acima de 75%

Tabela 1 – Percentuais de abundância/dominância.

SOCIABILIDADE
+ Planta rara ou isolada
1 Indivíduos isolados
2 Agrupados em 2 ou 3
3 Crescimento em grupos
4 Crescimento em pequenas colônias; manchas densas pouco extensas.
5 População contínua; manchas densas

Tabela 2 – Relações de Sociabilidade.

Com o preenchimento das informações em campo por meio da ficha biogeográfica,


utilizou-se a metodologia descrita em Bertrand (1966) que consiste na elaboração de
um modelo de representação para os dados de abundância/dominância e sociabilidade,
através da construção de pirâmides de vegetação.
Trata-se de um gráfico estrutural e dinâmico que leva em consideração os aspectos
fisionômicos: altura, densidade, estratificação e composição florística, bem como os as-
pectos dinâmicos como o estado de equilíbrio e o senso de evolução. Desta forma, esta
representação simples e didática, permite à título de comparação avaliar as formações
vegetais em determinados geocomplexos e mosaicos de paisagem.
A representação da pirâmide de vegetação também deve incluir outros componentes do
geossistema, tais como a litologia da área e o tipo de solo, além de possíveis inclinações em
14 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

decorrência da estrutura do relevo local. Soma-se a isto, a ficha biogeográfica de análise (onde
são estabelecidas as porcentagens de abundância/dominância e relações de sociabilidade, des-
tacadas anteriormente) a análise da ação antrópica dentro e/ou no entorno do lote levantado.
Sua construção é composta por três etapas: a primeira é a criação da base onde serão
inseridas as representações do perfil vertical e estrutura litológica do terreno além do

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solo e espessura da camada orgânica de húmus ou serrapilheira. Em seguida, é elabo-
rado a composição dos estratos seguindo a ordem presente na ficha biogeográfica do
menor para o maior. A espessura do estrato é definida a partir dos níveis de Abundância/
Dominância de cada estrato, já a cor representante indica a Sociabilidade de cada estrato.
No final, insere-se as informações gerais do lote baseadas na cartografia temática da
área de estudo já levantada, tais como: litologia, solo, clima, geomorfologia, inclinação
do terreno, altitude, domínio bioclimático, coordenadas geográficas, além de imagem de
satélite da área para a visualização aérea do lote em geral. A construção gráfica de todas
as etapas foi realizada no software Corel Draw, especifico para desenho vetorial.

Resultados e Discussões

Ao todo foram analisados quatro lotes nos Estados de São Paulo e Mato Grosso do
Sul, entre os anos de 2017 e 2019. Procurou-se elencar neste sentido, aspectos distintos
da vegetação raiana representados nas observações de campo através da análise da estru-
tura vertical da vegetação em fichas biogeográficas e pirâmides de vegetação.
O primeiro lote registrado no dia 12 de maio de 2017 está localizado em uma
área de Formação Pioneira com influência fluvial e/ou lacustre em área de várzea do
rio Paranapanema no município de Teodoro Sampaio-SP próximo ao Parque Estadual
Morro do Diabo, mas especificamente na área de exploração de argila da Cerâmica Vera
Cruz. Esta região da Raia abriga tanto do lado paulista como no paranaense, extensas
áreas de exploração de argila dada pela presença expressiva de Argissolos Vermelho-
Amarelo Eutrófico (PVAe).
Por se tratar de uma área de exploração de argila, a ação antrópica tanto na área
como no entorno é constante. Há uma estrada carreadora dentro do lote, provavelmente
fruto de uma área aterrada para atingir outros pontos de exploração de argila ao longo
dos alagados de várzea formados pela dinâmica do rio Paranapanema. Ademais, notou-
-se a presença de barcos, áreas de queimadas (fogueiras) e lixo próximas à beira do rio,
provavelmente pela ação de pescadores ou banhistas no entorno, onde há uma pousada
que recebe turistas frequentemente (Pousada Pouso da Garça).
A altitude no ponto é próxima à cota do rio Paranapanema neste trecho, com 254
metros. Ressalta-se que neste ponto o Paranapanema possui um dos poucos trechos de
15 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

leito regular na Raia estando à jusante da UHE Taquaruçu. De maneira geral, a compo-
sição florística do lote apresenta pouca diversidade de espécies distribuídas apenas nos
estratos: herbáceo-rasteiro, subarbustivo e arbustivo. Trata-se de uma vegetação primária
típica de terrenos recentes com constante influência fluvial e/ou lacustre, especialmente
pelo dinâmica sazonal do rio Paranapanema.

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Devido à ausência dos estratos arborescente e arbóreo, não há a ocorrência de húmus
(serrapilheira) no lote. Além disso, dado o grau de antropização no lote, a vegetação
apresenta-se de forma ruderal. A maior diversidade de espécies é dada pelo estrato herbá-
ceo-rasteiro, especialmente pela presença do Brachiaria (Capim Brachiaria) e Eichhornia
crassipes (Aguapé), cobrindo entre 10 a 25% do lote, com crescimento em grupos, pe-
quenas colônias ou manchas densas pouco extensas, encontrando-se em progressão.
O estrato subarbustivo, também apresenta características parecidas com o anterior,
destacando-se pela presença expressiva de espécies como: Indigofera tinctoria (Anil) e
Panicum maximum (Capim Colonião). A sociabilidade do estrato é marcada pelo cresci-
mento em grupos, população contínua e manchas densas. Já a abundância/dominância
no lote tem a mesma representatividade do estrato herbáceo-rasteiro (entre 10 a 25%).
No estrato arbustivo, temos a menor diversidade florística com apenas três espécies ca-
talogadas, sendo estas: Melia azedarach (Santa Bárbara), Peschiera fuchsiaefoila (Leiteiro) e
Trema micrantha (Candiúva). A abundância/dominância do estrato não representa mais do
que 10% em relação ao lote, enquanto que a sociabilidade é marcada por indivíduos isolados
não ultrapassando 5 metros de altura. Apresentaremos a seguir, o mosaico de imagens (figura
2) mostrando a caracterização geral do lote e das áreas em seu entorno, bem como a sua
representação por meio de pirâmide de vegetação (figura 3)
16 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

Figura 2 – Mosaico de imagens da estrutura interna e arredores do lote nº 01

A: Área da Cerâmica Vera Cruz com depósito de lenhas ao lado B: Trecho de várzea onde o rio Paranapanema aden-
tra formando pequena lagoa C: Estrada carreadora em área de aterro da Cerâmica Vera Cruz D: Visão geral do lote.
Fotos: Trabalho de Campo (2017)

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Figura 3 – Pirâmide de Vegetação do lote nº01

O segundo lote também registrado no dia 12 de maio de 2017, está locali-


zado próximo ao Assentamento Rural Dona Carmem, em Teodoro Sampaio-SP,
no baixo curso da bacia hidrográfica do ribeirão Cuiabá próximo à sua foz no rio
Paranapanema. A área em questão figura na margem esquerda do ribeirão, na divisa
com o município de Mirante do Paranapanema. A composição florística no lote é
composta por menos de 10 espécies, porém, apresentando equilíbrio em todos os
estratos, tratando-se de um fragmento de floresta secundária com forte perturbação
antrópica em seu entorno.
A litologia da área indica uma das poucas regiões de afloramento basáltico da
Formação Serra Geral (K1βsg) com cobertura pedológica de Argissolo Vermelho
Distrófico (PVd). O terreno é relativamente plano apresentando menos de 5% de
17 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

inclinação. No que se refere à presença de húmus/serrapilheira a ocorrência é mínima,


exibindo uma quantidade significativa cascalhos, especialmente seixos, no horizonte
subsuperficial. Não há foco de erosão no lote em questão, todavia, o entorno é mar-
cado principalmente pela presença de pastagem onde foi possível encontrar alguns
pontos de erosão e assoreamento em afluentes do ribeirão Cuiabá.

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Na área da foz com o rio Paranapanema é comum a presença de pescadores que
têm acesso pela estrada que corta o Assentamento Rural Dona Carmem, à margem
esquerda do ribeirão. Em conversas informais com assentados do entorno, nota-se
que a principal atividade desenvolvida no local é a pecuária leiteira, além da pre-
sença de algumas áreas de agricultura familiar, sobretudo de: hortaliças, mandioca e
abóbora. Por se tratar de uma área de desapropriação relativamente recente, datada,
de 2008, boa parte dos lotes ainda se encontrava em fase de instalação, possuindo
assim, a presença de muitos materiais de construção tais como: tijolo, cascalho, de-
pósito de seixo etc.
A presença da pastagem ao redor, bem como da estrada carreadora que liga o
assentamento até a margem do ribeirão Cuiabá, faz com que a área do lote apresente
pouca diversidade. No estrato arbóreo, a presença da espécie Lonchocarpus muehlber-
gianus (Maçaranduba) é marcante, sendo que foi possível observar aproximadamente
40 espécies em alturas que variam entre 10 a 13 metros, cobrindo mais de 50% do
lote e distribuindo-se em populações contínuas. Devido ao seu sombreamento, o cres-
cimento de outras espécies é limitado, sendo a única espécie diferente encontrada no
estrato arbóreo a Brosimum gaudichaudii (Mamica-de-cadela).
No estrato arborescente, a presença da espécie Pterogyne nitens (Amendoim-do-
Campo) foi a mais notada, distribuindo-se em exemplares com aproximadamente 7 me-
tros de altura, agrupando-se em grupos de dois ou três exemplares, porém, com baixo
valor de cobertura, não ultrapassando 10% do lote. A distribuição dos exemplares desta
espécie, apresenta característica peculiar com muitos galhos entrelaçados, bem como al-
guns ninhos de cupins bem desenvolvidos.
O estrato arbustivo, por sua vez, apresentou apenas um exemplar de Brosimum
gaudichaudii (Mamica-de-cadela), de aproximadamente 4 metros, enquanto no su-
barbustivo, houve a presença de mais espécies, especialmente a: Coutarea hexandra
(Murta-do-mato) e da palmeira Syagrus romanzoffiana (Jerivá). Por fim, o estrato her-
báceo-rasteiro, apresentou somente dois exemplares de Lonchocarpus muehlbergianus
(Maçaranduba) e de Myrciaria tenella (Cambui), ambos estratos, no entanto, com o
baixo percentual de cobertura, assim como no estrato anterior.
O mosaico de imagens da figura 4 a seguir, mostra uma visão geral do lote nº2,
registrado em trabalho de campo, bem como a pirâmide de vegetação (figura 5) em
18 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

sequência:

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Figura 4 – Mosaico de imagens da estrutura interna e arredores do lote nº 02

A: Entorno do lote com a presença de pastagem e focos de erosão e assoreamento. B: Composição do estrato
arborescente com a presença de galhos entrelaçados C: Serrapilheira contando com muitos cascalhos (seixos)
D: Exemplar de Lonchocarpus muehlbergianus (Maçaranduba), expressiva no estrato arbóreo.
Fotos: Trabalho de Campo (2017)
19 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

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Figura 5 – Pirâmide de Vegetação do lote nº02

O lote nº 03 fica no lado sul-mato-grossense, sendo uma área de reflorestamento


iniciada em 2001 pela CESP. Próximo à única estrada que dá acesso ao lote, existe uma
propriedade rural cuja principal atividade é a pecuária extensiva e, portanto, o uso da
terra é destinado predominantemente à pastagem.
Devido ao acesso restrito ao local, a atividade antrópica tanto no lote como nos arre-
dores é relativamente baixa, sendo seu desenvolvimento acompanhado constantemente
pela CESP desde sua implementação em 2001. Em seu conjunto, o lote apresenta dinâ-
mica estável, com progressão nos estratos: arbóreo e subarbustivo. A composição florís-
tica do lote, remete a uma área ecótono entre os biomas da Mata Atlântica e Cerrado,
20 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

pensada propositalmente pela equipe da CESP.


A maior parte das espécies são de Mata Atlântica, especialmente no estrato arbóreo onde
temos: Anadenanthera colubrina (Angico-Branco) e Peltophorum dubium (Canafístula), além
de espécies recorrentes nos dois biomas como: Albizia hasslerii (Farinha Seca) e Acacia polyphylla
(Monjoleiro). O estrato arbóreo apresenta-se bem desenvolvido com espécies atingindo até

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18 metros de altura aproximadamente, e cobrindo mais de 50% do lote com sociabilidade
distribuída entre dois ou três indivíduos, apresentando-se em evolução progressiva.
O estrato arborescente por sua vez, apresenta menor diversidade florística com
relação ao estrato anterior com espécies típicas do ecótono Mata Atlântica/Cerrado,
tais como: Peltophorum dubium (Canafístula), Nectandra saligna (Canelinha) e
Mabea fistulifera (Canudo-de-Pito). No geral abundância/dominância do estrato é
relevante, porém, com baixo valor de cobertura não superando 25% do lote em si.
A maior parte dos indivíduos encontram-se isolados, o que configura baixo grau de
sociabilidade. Todavia, a dinâmica do estrato apresenta-se em equilíbrio.
No estrato arbustivo, a diversidade florística e dinâmica do estrato é muito próxima
ao anterior, diferindo-se apenas pela presença de espécies como: Gochnatia polymorpha
(Candeia) e Zanthoxylum sp. (Mamica-de-Porca), além de apresentar maior grau de so-
ciabilidade com indivíduos agrupados entre dois ou três. Em alguns exemplares deste
estrato, foi possível observar a presença de cupins.
Já o estrato subarbustivo é o que contém maior diversidade florística (6 espécies),
bem como do número de indivíduos (27). O destaque é pela presença da espécie fru-
tífera Citrus × limonia (popularmente conhecida como Limão-Rosa ou Cravo) típica
do Cerrado, além do Ricinus communis (Carrapateiro ou Mamona), agrupando-se na
mesma configuração do estrato arbustivo, porém, com baixa abundância/dominância
não superando 10% do lote. Diferentemente do estrato anterior, a dinâmica do subar-
bustivo encontra-se em progressão.
Por último, o estrato herbáceo-rasteiro apresentou-se com baixa abundância/domi-
nância, entretanto, com dinâmica em equilíbrio e sociabilidade dos indivíduos distri-
buídas em manchas densas pouco estendidas em especial da espécie Panicum maximum
(Capim Colonião), que se alastrou pelo lote muito provavelmente pela proximidade com
a área de pastagem da propriedade rural ao lado, porém, sem prejudicar o desenvolvimen-
to das demais espécies.
A presença de húmus (serrapilheira) é significativa com cerca de 6 cm de espessura,
sendo composta por folhas e pequenos galhos em decomposição. O mosaico de imagens
da figura 6 a seguir, mostra uma visão geral do lote nº 03 bem como a pirâmide de ve-
getação (figura 7) em sequência:
21 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

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Figura 6 – Mosaico de imagens da estrutura interna e arredores do lote nº 03

A: Propriedade Rural ao lado do lote B: Estrada de acesso restrito da CESP C: Visão interna do lote nos estratos:
arbustivo, subarbustivo e herbáceo-rasteiro D: Visão interna do lote nos estratos: arbóreo e arborescente.
Fotos: Trabalho de Campo (2019)
22 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

Figura 7– Pirâmide de Vegetação do lote nº03

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O último lote, localiza-se na área de reflorestamento da CESP na margem paulista do rio
Paraná, próximo à antiga área de escritórios da UHE Engenheiro Sérgio Motta em Rosana.
Assim como no lote anterior, o acesso à área é restrito para a equipe de meio ambiente da
CESP, onde o desenvolvimento do reflorestamento é acompanhado constantemente bem
como é feita a coleta de sementes semanalmente no Banco Ativo de Germoplasma (BAG)
localizado ao lado do lote. Apesar da diferença de apenas um ano com relação à área de reflo-
restamento da margem sul-mato-grossense, o lote em geral possui maior diversidade florística,
bem como progressão em todos os estratos analisados.
A ação antrópica no lote também é baixa, e assim como no lote anterior, as adja-
cências conta com áreas de pastagem para pecuária extensiva. Notou-se algumas marcas
de patas e fezes deixadas pelos bovinos, o que indica que, eventualmente, algum tipo de
animal de criação escapa e transite, sobretudo nas estradas carreadoras de uso exclusivo.
Ademais, observou-se a presença de alguns focos de queimadas no entorno, fato este
que chamou atenção dos técnicos da CESP que ficaram de apurar quais foram as causas
deste incidente.
Quanto à composição dos estratos, percebe-se uma grande diversidade florística típica
de Floresta Estacional Semidecidual especialmente nos estratos superiores. A diversidade
em questão é dada pela distribuição maior da área de reflorestamento do que a anterior.
Na parcela observada, o estrato arbóreo apresenta-se em progressão com espécies atingindo
até 15 metros de altura destacando-se pela presença da espécie Anadenanthera macrocarpa
(Angico-Branco). O estrato ocupa a maior parte do lote com sociabilidade das espécies
agrupando-se em dois ou três indivíduos.
No estrato arborescente, a diversidade de espécies também se faz presente contendo al-
gumas mais recorrentes a exemplo da Luehea candicans (Açoita-Cavalo) e Acrocomia aculeata
(Macaúba ou Coco-de-Espinho). Esta última, uma espécie de palmeira muito comum na
região, cujo fruto é constituído por pequenos cocos agrupados em cachos. Seu uso é desti-
nado tanto para consumo humano, como para a extração de seu óleo para uso industrial.
A abundância/dominância do estrato figura entre 25% a 50% do total do lote, enquanto a
sociabilidade dos indivíduos é determinada pelo crescimento em grupos.
Já no estrato arbustivo, a espécie mais recorrente foi a Trichilla catiguá (Catiguá) com
espécies até 6 metros de altura além da Chorisia speciosa (Paineira) e da Inga uruguensis
(Ingá-Açu). A abundância/dominância do estrato, no entanto, apresentou-se com baixa
23 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

cobertura no lote em si (entre 10% a 25%), com espécies agrupadas em grupos de dois
ou três indivíduos. Enquanto isto, o estrato subarbustivo conta com menos diversidade
de espécies, contendo apenas a Luehea candicans (Açoita-Cavalo) e Allophylus edulis (Chal-
Chal), ambas distribuídas em grupos, mas com baixo valor de cobertura, não superando 10%
do lote.

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O estrato herbáceo-rasteiro por sua vez, conta com a presença significativa da espécie trepadeira
Cissampelos andromorpha (Cissampelo), sendo indeterminado a quantidade de indivíduos dis-
tribuindo-se em manchas densas, porém, com baixo valor de cobertura com relação a totalida-
de do lote. Assim como no lote anterior, devido à proximidade da área de pastagem observou-se
a presença do Panicum maximum (Capim Colonião).
A presença de húmus (serrapilheira) foi mais expressiva do que o lote anterior, com
cerca de 10 cm de espessura com folhas e galhos em decomposição. O mosaico de imagens
abaixo (Figura 8), mostra a caracterização do lote e sua área de entorno. Posteriormente,
apresentamos a pirâmide de vegetação (Figura 9):
24 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

Figura 8 – Mosaico de imagens da estrutura interna e arredores do lote nº 04

A: Estrada de acesso restrito da CESP B: Queimada na área do BAG ao lado do lote C: Visão interna do lote nos
estrato herbáceo-rasteiro D e E: Visão interna do lote nos estratos: arbóreo e arborescente.
Fotos: Trabalho de Campo (2019)

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Figura 9 – Pirâmide de Vegetação do lote nº04

Considerações Finais

A análise da flora local, especificamente nos fragmentos florestais dispostos ao longo


da Raia Divisória São Paulo e Mato Grosso do Sul, através de levantamentos fitossocio-
lógicos e sua representação gráfica disposta pelas pirâmides de vegetação, nos mostra um
panorama característico do complexo geográfico e paisagístico no qual este tipo de vegeta-
ção se insere, permitindo análises e discussões mais profundas acerca do atual estágio desta
vegetação e as perturbações existentes no seu entorno em decorrência da ação antrópica.
Desta forma, este trabalho se presta não só para uma análise da paisagem na Raia
Divisória como também numa perspectiva geral, apresentar a aplicação desta metodolo-
gia e suas potencialidades no estudo dos geofacies e geocomplexos .
25 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

Cabe salientar que anteriormente à sua ocupação a Raia Divisória ocupava uma das
maiores reservas de Mata Atlântica interiorizada na porção paulista além de uma extensa
área de transição para o bioma do Cerrado na porção sul-mato-grossense que tem sido
ameaçada constantemente pelo desenvolvimento econômico, sobretudo, da expansão do
setor agropecuário, principalmente, desde meados do século XX.

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Como resultado deste processo boa parte da vegetação foi suprimida, dando lugar
para a pastagem e culturas temporárias em especial, a cana-de-açúcar. Atualmente, a
Mata Atlântica na Raia encontra-se disposta em pequenos fragmentos florestais ao longo
da região, além da maior reserva florestal da área: o Parque Estadual Morro do Diabo
com 338,5 km². Na porção sul-mato-grossense, o Cerrado é representado especifica-
mente pelas reservas legais existentes em propriedades rurais e das Áreas de Preservação
Permanente (APP) ao longo dos cursos d’água afluentes do rio Paraná, em consonância
com o Código Florestal Brasileiro.
Algumas experiências de reflorestamento ocorreram, especificamente nas úl-
timas duas décadas, como obras compensatórias à construção da Usina Hidrelétrica
Engenheiro Sérgio Motta (popularmente conhecida como Porto Primavera) em Rosana,
subsidiadas pela extinta Companhia Energética de São Paulo (CESP), no qual se con-
centra a análise dos levantamentos fitossociológicos dos dois últimos lotes em Rosana
no Estado de São Paulo e Anaurilândia no Mato Grosso do Sul. Soma-se a isto, ações de
secretarias de meio ambiente dos municípios paulistas e sul-mato-grossenses, projetos
ambientais de Organizações Não-Governamentais (ONGs), bem como a própria ade-
quação ao Código Florestal Brasileiro por parte dos proprietários de imóveis rurais de
ambos os estados.
Neste contexto, espera-se que a partir desta metodologia de análise da paisagem a
partir da estrutura vertical da vegetação remanescente, possamos oferecer os subsídios
necessários para o entendimento da fisiologia da paisagem e do grau de antropização
no geocomplexo em questão, trazendo o debate para uma efetiva implementação de
um planejamento ambiental que, somados à participação da comunidade local, possam
conduzir ao desenvolvimento sustentável na Raia Divisória, de forma descentralizada e
participativa.

Resumo
O presente trabalho tem como intuito principal fazer uma análise da estrutura vertical da
cobertura vegetal de alguns remanescentes florestais pela representação de modelos gráficos de
pirâmides de vegetação na Raia Divisória São Paulo-Mato Grosso do Sul, Brasil, por meio de
levantamentos fitossociológicos feitos ao longo da área, na transição dos biomas: Mata Atlântica-
Cerrado. A metodologia inclui trabalhos de campo ao longo dos anos de 2017 e 2019 onde
26 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

foram analisados em quatro lotes distintos da Raia os parâmetros de: abundância/dominância e


sociabilidade de acordo com Braun-Blanquet (1951). Neste contexto, a análise da estrutura verti-
cal da vegetação, foi realizada a partir da composição dos estratos vegetais distribuídos em quatro
grupos principais: arbóreo, arbustivo, herbáceo-rasteiro. Inicialmente foram analisados dois lotes
no município de Teodoro Sampaio, no Estado de São Paulo, próximo ao Parque Estadual Morro
do Diabo. Posteriormente, foram feitas análises nos municípios de Rosana e Anaurilândia na

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transição entre os estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, respectivamente. Para a identifi-
cação das espécies, utilizou-se o apoio técnico da Companhia Energética de São Paulo (CESP),
que disponibilizou a equipe de mateiros que realizam trabalhos de reflorestamento e coleta de
sementes para o Horto Florestal de Rosana. As informações colhidas em campo foram cataloga-
das na ficha biogeográfica, contando com a composição das espécies por estrato, e as informações
referentes à presença de serrapilheira, o tipo de clima, solo e estrutura litológica, além dos aspec-
tos antrópicos dentro e no entorno do lote que compõem a dinâmica deste conjunto. Por fim,
os dados foram compilados por meio de representação gráfica em pirâmides de vegetação feitas
no software CorelDraw, utilizando a metodologia de Bertrand (1966). A partir desta análise,
pretende-se contribuir para o entendimento da estrutura da paisagem e do grau de antropização
no geocomplexo em questão.
Palavras-Chave: Remanescentes Florestais, Levantamentos Fitossociológicos, Pirâmides de
Vegetação, Análise da Paisagem

Abstract
The main purpose of this work is to analyze the vertical structure of the vegetation cover of
some forest remnants through the representation of graphic models of vegetation pyramids in
Raia Divisória São Paulo-Mato Grosso do Sul, Brazil, through phytosociological surveys carried
out throughout of the area, in the transition of biomes: Atlantic Forest-Cerrado. The methodo-
logy includes fieldwork throughout 2017 and 2019 where the parameters of abundance/domi-
nance and sociability were analyzed in four different lots of Raia, according to Braun-Blanquet
(1951). In this context, the analysis of the vertical structure of the vegetation was carried out
from the composition of the plant strata distributed into four main groups: arboreal, shru-
bby, and creeping herbaceous. Initially, two lots were analyzed in the municipality of Teodoro
Sampaio, in the State of São Paulo, near the Morro do Diabo State Park. Subsequently, analyzes
were carried out in the municipalities of Rosana and Anaurilândia in the transition between
the states of São Paulo and Mato Grosso do Sul, respectively. To identify the species, technical
support was used from the Companhia Energética de São Paulo (CESP), which provided a team
of woodsmen who carry out reforestation and seed collection work for the Horto Florestal de
Rosana. The information collected in the field was cataloged in the biogeographic file, including
the composition of species by stratum, and information regarding the presence of litter, the type
of climate, soil and lithological structure, in addition to the anthropic aspects within and around
the lot that make up the dynamics of this set. Finally, the data were compiled through graphical
representation in vegetation pyramids made in CorelDraw software, using the methodology of
Bertrand (1966). From this analysis, it is intended to contribute to the understanding of the
27 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

landscape structure and the degree of anthropization in the geocomplex in question.


Keywords: Forest Remnants, Phytosociological Surveys, Vegetation Pyramids, Landscape
Analysis

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Referências Bibliográficas

Bertrand, Georges, Pour une étude géographique de la végétation – Revue géographique des
Pyrénées et du Sud-Ouest, tome 37, fascicule 2,. pp. 129-144, 1966
Braun-Blanquet, J. – Fitosociologia : bases para el estudio de las comunidades vegetales
(Pflanzensoziologie: Grundzüge der Vegetationskunde, 1951) – Tradução espanhola por H.
Blume Ediciones. Rosario, Madrid, 1979
Gonçalves, Diogo Laércio. Políticas Ambientais na Raia Divisória SP-PR-MS: estudo das áreas
potenciais para a criação de corredores ecológicos – Tese (Doutorado em Geografia) Faculdade
de Ciências e Tecnologia, Universidade Estadual Paulista, Presidente Prudente-SP, 2020.
Lacoste, Alain e Salanon, – Eléments de Biogéographie et d’écologie – Université Nathan
Information Formation, França, 1969
____________, Biogeografía – Editora Oikos-Tau, Barcelona-Espanha, 1973.
Passos, Messias Modesto dos – Biogeografia e Paisagem.-2 ed. Maringá:[s.n.], 2003.
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Processos de degradação na dinâmica
da paisagem: estudo de Voçorocas no
município de Ouvidor (GO)

Lucas Ferreira Rodrigues1


Idelvone Mendes Ferreira2

Introdução

Nos estudos da dinâmica da paisagem, dentre os maiores problemas enfrentados pelo


homem atualmente, e que merecem atenção especial e medidas urgentes por parte de
Governos, população humana e comunidade científica, destaca-se a degradação quanto ao
udo da terra e a consequente erosão dos solos, considerando que tratam-se de graves alte-
rações na dinâmica da paisagem, podendo acarretar em danos que, na maioria das vezes,
se tornam irreversíveis se não tratados corretamente.
Nesse contexto, o objetivo deste trabalho é apresentar considerações sobre a dinâmica
da paisagem e o uso do solo como influência direta em processos de degradação do am-
biente, como o processo de formação de Voçorocas, utilizando-se como lócus a área do Alto
Curso da Bacia Hidrográfica do Ribeirão Ouvidor, no município de Ouvidor, Sudeste do
Estado de Goiás, Brasil, onde já existem processos de voçorocamentos em andamento.
Assim, foi realizado estudos que investigaram as alterações no contexto da paisagem
local e a evolução do processo erosivo, identificando possíveis mecanismos formadores,
visando a proposição de possíveis sugestões para a contenção e a interrupção dos mecanis-
mos de degradação que vêm afetando a paisagem local, bem como mecanismos visando a
restauração da referida área.
29 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

O motivo que culminou no desenvolvimento desta pesquisa foi a necessidade


de que problemas ambientais derivados de degradação ambiental tenham maior
1
Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Geografia – IGEO/UFCAT
lucas.ufg01@gmail.com
2
Professor Associado do Instituto de Geografia da Universidade Federal de Catalão (UFCAT)
idelvone_ferreira@ufcat.edu.br

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visibilidade enquanto fatores de riscos, evitando-se problemas futuros maiores. Além
da necessidade de se buscar compreender mais a respeito da dimensão que o tema
proposto abrange, aliada a falta de estudos locais mais aprimorados sobre a temática –
processos erosivos superficiais e formação de voçorocas, afim de sugerir possíveis ações
mitigadoras para a reparação na dinâmica da paisagem local, por meio de proposições
de métodos paliativos a curto prazo, e corretivos a médio e longo prazos, culminando
em oportunidades de estudos que agreguem valor para a preservação ambiental no
espaço local.

Caracterização da área em estudo

A área foco compõe a Bacia Hidrográfica do Ribeirão Ouvidor, localizada no Sudeste


do Estado de Goiás, Brasil, que de acordo com Freires (2019), possui área de captação de
517 km², e aproximadamente 108km de perímetro. Compondo essa paisagem, o local da
pesquisa faz parte da poção média, próxima ao final do Alto Curso e início do Médio Curso
da referida Bacia Hidrográfica, áreas essas onde existem atividades antrópicas quase similares
às exintentes na área da cabeceira no Alto Curso, porém com atividades reduzidas (Figura 1).
30 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

Figura 1 – Localização e limites do município de Ouvidor (GO) – Brasil


Fonte: Município de Ouvidor-GO (2017). Org.: FREIRES, A. S. (2019).

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O processo de voçorocamento está localizado na área de um manancial tributário do
Ribeirão Ouvidor, que se torna palco das atividades em estudo referentes as degradações,
fazendo parte de um conjunto de uma rica rede de disponibilidade hídrica pertencente
que compõem o território do Município de Ouvidor (GO), como é possível observar na
Figura 1.
Considerando a presença de atividades de Mineração e as consequentes atividades
de adequação de Barragens de Rejeitos, como as existentes nas cabeceiras de drenagens
presentes na área do Alto Curso do Ribeirão Ouvidor, o local estudado também apresenta
atividades ligadas ao Agronegócio e a Silvicultura de Eucalipto, atividades essas, mesmo
que agressivas, se fazem presentes de forma menos enérgica, como pode ser observado na
Figura 2, tendo a presença do Ribeirão Ouvidor margeando a divisa dos municípios de
Catalão e Ouvidor, no Sudeste do Estado de Goiás, Brasil.

Figura 2 – Dinâmica do uso do solo no município de Ouvidor (GO/Brasil) – 2018


31 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

Fonte: Base cartográfica – Imagem Landsat 8 221/72 (2018). Organização: FREIRES, A. S. (2019).

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), constantes


do Censo Socioeconômico (2017), o município de Ouvidor possui uma área de 413,78

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km², ou 41.378 hectares, sendo que cerca de 24.731 hectares pertencem a estabeleci-
mentos agropecuários, representando mais da metade da superfície total do Município,
as quais são destinadas exclusivamente para esta prática agrícola (IBGE, 2017), sendo
que cerca de 52% dessa área do Município é para uso em pastagens, e com a agricultura
e silvicultura com, respectivamente, cerca de 4,2% e 4,1% (IBGE, 2017). A partir do
recorte espacial feito, as primeiras impressões a serem notadas decorrem do uso do solo
para a produção agropecuária de produção animal, especificamente a bovinocultura e
seus potenciais impactos socioambientais negativos no local, agredadas as demais ativi-
dades do agronegócio.

Considerações Teóricas

Epistemologicamente, Voçoroca ou boçoroca é um fenômeno geológico que consiste


na formação de grandes buracos de  erosão  causados pela água da chuva e intempéries
em solos onde a vegetação não protege mais o solo, que fica cascalhento e suscetível de
carregamento por enxurradas. A voçoroca torna o solo pobre, seco, quimicamente morto e
nada fecundo. Conforme Navarro (2013), os termos “voçoroca” e “boçoroca” têm origem
no termo Tupi antigo ybysoroka, que significa “terra rasgada” (yby, “terra” + sorok, “rasgar-
-se, romper-se” + a, sufixo nominal).
O conhecimento da interação entre as particularidades do sistema natural e do sistema
antrópico permite identificar àquelas características responsáveis pela dinâmica da paisa-
gem, como também identificar suas fragilidades ambientais e sociais, elementos essenciais
para a gestão de uma paisagem, mais especificamente as áreas de Bacias Hidrográficas, na
concepção de serem as melhores Unidades de Planejamento (AMORIM; OLIVEIRA,
2008), em uso na Ciencia Geográfica.
No que diz respeito a paisagem, Bertrand (2004) a define como sendo uma determi-
nada porção do espaço resultante da interação dialética, dinâmica e instável entre compo-
nentes físicos, biológicos e ação antrópica, que a torna um conjunto único e indissociável.
O referido autor ainda frisa sobre o conceito que a paisagem, portanto, não é a simples
soma de elementos geográficos incoerentes, mas sendo o resultado dos diversos elementos
e ações que a compões e nela intervêm, considerando que a paisagem
32 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

[...] não é a simples adição de elementos geográficos disparatados. É, em uma


determinada porção do espaço, o resultado da combinação dinâmica, portanto
instável, de elementos físicos, biológicos e antrópicos que, reagindo dialeticamente
uns sobre os outros, fazem da paisagem um conjunto único e indissociável, em
perpétua evolução. (BERTRAND, 2004, p. 141).

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Nesse raciocínio, Christofoletti (1998 apud AMORIM; OLIVEIRA, 2008), assim
como Bertrand (2004), atribui ao termo paisagem a ideia de ser um conceito chave para
a Geografia, uma vez que possibilita compreender a dinâmica da superfície terrestre, para
muitos tido como o espaço/objeto de estudo da Geografia, como um sistema ambiental,
físico e socioeconômico, em complexa inter-relação, funcionamento e dinâmica com os
elementos físicos, biológicos, geográficos, sociais e econômicos, refletido na cultura local e/
ou regional, possibilitando a compreensão das diferentes complexidades e fenômenos que
se interagem na superfície terrestre.
Nessa acepção, Bertrand (2004) entende que a paisagem é o resultado da combinação
dinâmica, e em perpétua evolução, que contempla tanto os elementos naturais, quanto
os elementos construídos pelo homem, formando o patrimônio paisagístico da coletivi-
dade, e entendendo esse resultado como produto, uma estrutura determinada, que pode
ser mensurada, quantificada e qualificada. A paisagem, portanto, não pode ser configu-
rada como uma realidade imóvel, uma vez que a presença do homem, por meio de sua
ação tecnificada sobre os componentes paisagísticos, produz efeitos de sua própria cultura/
atividade.
Torna-se evidente, então, que ao longo de muitos anos a paisagem vem sofrendo trans-
formações para fins de desenvolvimento humano, principalmente quanto aos aspectos
socioeconômicos e culturais. As alterações na paisagem, derivadas de ações antrópicas, assu-
mem proporções alarmantes em várias regiões do globo e no Brasil. A retirada da cobertura
vegetacional natural de uma determinada paisagem para uso da terra em atividades agrope-
cuárias, de mineração ou silviculturas, geralmente, rompe o equilíbrio natural local e pode
iniciar processos de erosão diversos e que culminam em diferentes impactos socioambientais.
Decorrentes dessas práticas, há muito tempo, vem-se observando no Brasil, em especial
na região do Cerrado, a utilização de práticas agropecuárias inadequadas, como o uso da
terra para plantio de forma contínua, queimadas em áreas de preservação ambiental, uso
indiscriminado das águas, retirada das vegetações ciliares que protegem as águas, entre outras
ações agressivas, que podem ocasionar sérias consequências ambientais negativas, como a
formação de sulcos e ravinas, muitas vezes culminando em voçorocamentos, onde os sedi-
mentos erodidos e carreados vão causar impactos em áreas periféricas e a jusante. Esses pro-
cessos de degradação da paisagem podem criar voçorocas, sendo elas “[...] a maior evidência
da degradação das terras.” (ANDRADE; PORTO CARRERO; CAPECHE, 2005, p. 1).
33 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

Sendo iniciado o processo de voçorocamento, portanto, decorrente de uma utilização


inadequada da terra, por práticas não recomendadas, por excesso de uso da terra ou de
forma natural, o processo erosivo “[...] começa sob a forma de erosão laminar que perma-
nece imperceptível durante os primeiros estágios”, indicando uma “[...] fase mais crítica de
paisagem desequilibrada, surgindo o fator antrópico como agente catalisador” (MACEDO

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et al., 1998, p. 1). A somatória desses impactos pode desencadear desequilíbrio locais, que
podem afetar toda uma região, muitas vezes sendo inreversiveis os impactos.
Nessa concepção, esses processos de voçorocamentos geralmente são comuns na pai-
sagem quando há degradação dos sistemas de drenagem superficiais decorrentes de usos
inadequados do solo, frequentemente localizadas em locais desprotegidos e/ou degrada-
dos, como margens de estradas, áreas de cultivos, áreas de mineração, áreas com solos
susceptíveis à erosão natural, entre outros impactos (ANDRADE; PORTO CARRERO;
CAPECHE, 2005).
Assim esses processos degradacionais, em geral, são gerados pelo aprofundamento e
alargamento de ravinas, ou erosão causada por escoamento superficial concentrado, dando
origem a sulcos profundos e longos, que corroem a paisagem onde ocorrem, tendo como
características gerais possuírem paredes laterais íngremes, terem fundos chatos, e geral-
mente com um fluxo de água que corre no seu interior, durante determinados períodos. A
depender do seu avanço, as voçorocas podem atingir o lençol freático em profundidade,
passando a drenar a área afetada (SUERTEGARAY, 2008), constituindo-se num processo
erosivo acelerado e de instabilidade nas paisagens afetadas.
Quanto sua classificação, FLEURY (1983, apud CARNEIRO; PAULO; MELO,
2014) classifica as voçorocas em:
• Voçorocas mortas ou inativas, que são aquelas que sua evolução cessou ou foi
reduzida;
• Voçoroca viva ou ativa, que está em constante progressão;
• Voçorocas isoladas, onde se tem várias voçorocas separadas por espaços de terra;
Voçorocas múltiplas, onde existem várias e próximas entre si;
• Voçoroca seca, quando a erosão não atinge o lençol freático;
• Voçoroca úmida, quando a erosão mantém um fluxo d’água permanente no fundo
da valeta.

Dentre os tipos citados, pode-se notar que as voçorocas

[...] constituem a forma de erosão mais severa e se desenvolvem melhor onde há


um horizonte C muito profundo e um solum de pequena espessura. A decapitação
de todo o solum em alguma parte da encosta, geralmente nas partes mais baixas,
34 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

expõe o horizonte C à intensa remoção de partículas e, por solapamento, a voçoroca


cresce rapidamente no material pouco coerente desse horizonte, culminando com a
perda do solo como um todo. As suas dimensões e a extensão dos danos que pode
causar estão intimamente relacionadas com o clima, topografia do terreno, gênese do
solo, forma de manejo e classe de solo. (MACEDO et al., 1998, p. 1).

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Ainda trabalhando sobre o conceito de voçoroca e os inúmeros danos que elas podem
causar à dinâmica da paisagem local, Lopes e Guerra (2001) trazem que o termo ‘voçoroca’
pode ser compreendido como sendo uma escavação ou rasgão na terra, que as vezes expõe o
lençol subterrâneo.
Apesar disso, sabe-se que “[...] as voçorocas possuem um prazo de maturidade e senili-
dade” (ANDRADE; PORTO CARRERO; CAPECHE, 2005, p. 2). Assim, esse processo,
depois de algum tempo de evolução,

[...] pode ser reduzida a disponibilidade de material a ser erodido, além do fato
de que, quando diminui a taxa de incisão, a vegetação tende a se estabelecer dentro
da voçoroca, o que normalmente acaba por estabilizá-la em longo prazo. Isto não
quer dizer que as voçorocas não mereçam especial atenção por parte do homem, mas
só aponta para o fato de que, independente da intervenção antrópica, as voçorocas
sempre existiram, evoluíram e entraram em senilidade, sendo que as mesmas são
também grandes responsáveis pela formação dos vales e encostas que vemos no rele-
vo atual (ANDRADE; PORTO CARRERO; CAPECHE, 2005, p. 2).

Assim, a voçoroca é um processo erosivo semisuperficial de massa/sedimentos, face aos


fenômenos global das erosões superficiais presentes na superfície terrestre e ao consequente
desmonte de maciços de solos dos taludes, ao longo dos fundos de vale ou de sulcos rea-
lizados no terreno pelos agentes erosivos, principalmente decorrentes das águas pluviais.
Entretanto, independentemente da implantação de projetos de revegetação e estabili-
zação natural, essas áreas degradadas se encontram parcialmente protegidas por suas ações
independentes, e que geralmente necessitam de ações antrópicas especificas e planejadas
para sua contenção definitiva e recuperação.

Procedimentos metodológicos

Para a elaboração deste trabalho foram utilizados, inicialmente, embasamentos teórico


bibliográficos que trabalham a temática proposta, a partir de estudiosos como Ferreira
(1996), Bertrand (2004), Guerra (2006), Suertegaray (2005), Andrade, Portocarrero e
Capeche (2005), Silva et al. (2005) e Freires (2019), entre outros, abordando a paisagem
35 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

regional e/ou local, como palco de dinâmicas constantes de fenômenos onde se desenvol-
vem elementos físico-ambientais pelos usos socioeconômicos e consequências dos mesmos.
Após a pesquisa bibliográfica, foi realizada a pesquisas documental sobre o uso do solo
na região, dos quais foram consultados órgãos como IBGE, Instituto Mauro Borges (IMB)
e produções regionais/locais do Município, para extração de conteúdos sobre a área de

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estudo referente ao uso do solo e qualquer material de relevância para a pesquisa do ponto
de vista de uso do solo e mapeamentos existentes para compreensão da dinâmica local.
Realizadas as pesquisas bibliográficas para compreensão do conteúdo sobre o local, foram
realizadas pesquisas de campo de cunho qualitativo, que constituíram em visitas em campo para
coleta de materiais e recursos na forma de imagens e fotografias, que auxiliaram o mapeamento
das áreas de voçorocas, e serviram como registros e para apoio a pesquisas futuras e para a análise
correspondente ao uso do solo e das consequências do movimento de antropização local.
Por último, foram analizados os pressupostos teórico-metodológicos e os resultados obti-
dos em campo, passando as respectivas análises que possibilitaram a redação final deste texto.

Resultados e Discussões

Neste trabalho buscou-se compreender a complexidade de trabalhar em uma área com


alteração em função das atividades vinculadas ao agronegócio e a mineração e com grande
proximidade a zona urbana da cidade de Ouvidor. Com uma área extensa, e de grande
atividade local, a Bacia Hidrográfica do Ribeirão Ouvidor sofreu e vem sofrendo modifi-
cações ao longo dos anos, principalmente devido ao grande movimento socioeconômico
na área de sua abrangência, mais especificamente em seu Alto Curso.
Por meio da análise da Carta de Dinâmica do uso do solo no município de Ouvidor
(GO/Brasil) – 2018, apresentada na Figura 2, pode-se visualizar que a área se encontra sob
condições de grande alteração no contexto atual, onde ao longo da Bacia do Ribeirão Ouvidor
e seus tributários, percebe-se que há atividades intensas de silvicultura (Eucalipto) e do agro-
negócio, principalmente de criação de gado bovino e cultivo de grãos, como milho e soja.
No contexto da área analisada, o tributário em estudo está localizado próximo a zona
urbana da cidade de Ouvidro, na porção ao final do Alto Curso do Ribeirão, próximo a
ponte que interliga os municípios de Ouvidor e Catalão, pela via “Estrada Velha”. Este tri-
butário, que por sua vez é o foco da análise, cuja área vem sofrendo alteração na paisagem
pela ação antrópica, que culminou no surgimento de uma voçoroca como resultante dos
processos de degradação na área da bacia. Também foi observado que o manancial em es-
tudo está sendo utilizado de forma indiscriminada para atividades de irrigação de lavouras
nas proximidades, principalmente de atividades de produção hortifrutegangeiras.
Percebe-se, ainda, que existem áreas com fragilidades físico-químicas, configuradas
36 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

por solos mais arenosos sobre embasamento siltoso, expostas a processos erosivos e a lon-
gos períodos sem manejo adequado, e que tem sido utilizadas da mesma forma pelo setor
agrosilvipastoril durante os últimos quatorze anos ininterruptos (de 2006 a 2020), acar-
retando em degradação e assoreamento dos cursos de menores portes, de acordo com as
imagens do Google Earth, expostas nas Figuras 3 e 4.

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Nesse processo perceptivo, a Figura 3, datada de maio de 2006, aponta a área do manan-
cial, o tributário do Ribeirão Ouvidor, que em suas vertentes à montante está sendo ocupada
de forma irregular. Observando a Figura 3, pode-se ver que na área de capitação e respectiva
vertente da bacia paralela à GO-330 existe, assim como em grande parte na extensão do
Ribeirão Ouvidor, áreas de Silvicultura, destinadas a remoção/corte para alimentação das cal-
deiras pertencentes à Industria Mineradora local, que estão com atividades/uso desde 1985.

Figura 3 –Tributário do Ribeirão Ouvidor (GO) no início do Médio Curso – 2006


Fonte: Google Earth (2006). Org.: RODRIGUES, L. F. (2021).

37 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

Figura 4 – Área de tributário do Ribeirão Ouvidor localizado no Alto Curso – 2021


Fonte: Google Earth (2021). Org.: RODRIGUES, L. F. (2021).

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Atividades relativas ao Agronegócio, como pastagens cultivadas e cultivo de grãos,
também estão presentes na área, considerando o mesmo período supracitado, e acom-
panham as atividades que alteram a paisagem na área do manancial e bacia do Ribeirão
Ouvidor, como um todo na área do Alto Curso.
Na Figura 4, pode-se perceber algumas alterações na paisagem contextual, como o
avanço de cultura anuais, à montante, para um pequeno barramento feito para capitação
e irrigação dessa atividade no Ponto A, constante da referida figura. Observa-se também o
aparecimento de uma caixa de empréstimo no Ponto B, provavelmente feita de forma irre-
gular, na vertente oposta a GO-330, e evolução da vegetação primária dentro da voçoroca.
Considerando as imagens visualizadas nas Figura 3 e 4, pode-se notar uma considerável
capacidade regenerativa da vegetação primária na área do manancial, mesmo havendo gran-
de ação de antropização em seu espaço. Segundo Silva et al. (2005), em pesquisas realizadas
na área da Bacia do Ribeirão Ouvidor, isto ocorre devida a menor atividade antropica em sua
área, apontando melhores capacidades regenerativas ao longo da área do Alto Curso.
Com fatores de alterações menos degradantes, o local, por meio de sua capacidade na-
tural de regeneração, conseguiu estabilizar de forma natural o desenvolvimento da voçoroca,
tornando-a, de acordo com a Classificação de Voçoroca de Fleury (1983, apud CARNEIRO,
PAULO, MELO, 2014), do tipo Inativa, onde os fatores de desenvolvimentos são reduzidos, e
sua evolução é mínima, sendo superados pela vegetação pioneira interna nas vertentes e fundo
da Voçoroca. Como pode ser visualizado na Figura 4, o aumento de espécies de vegetação ras-
teira locais (espécies típicas do Cerrado), possuindo até mesmo espécies de grande porte em seu
interior, como pode ser constatado na Foto 1, localizada no ponto D da Figura 4.
38 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

Foto 1 – Voçoroca em estado de estabilização natural na área


do Alto Curso do Ribeirão Ouvidor (GO/Brasil) – junho de 2021
Fonte: Trabalho de campo (2021). Foto: Rodrigues, L. F. (Junho/2021).

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Apesar de apresentar locais com boa estabilização, existem locais, como áreas a
montante, que necessitam ainda de atenção especial e tecnificada, pois localizam-se
abaixo de um barramento realizado para captação de água para irrigação de plantio
de soja localizado no Ponto A, conforme a Figura 4. Esse barramento possui um “la-
drão de água”, que não possui vegetação para mitigar os possíveis impactos gerados
pelas alterações quanto ao uso do solo, como em todo a área do manancial, com solos
expostos e permitindo o desenvolvimento livre da Voçoroca, que vem utilizando do
caminho preferencial das águas pelo “ladrão” para se desenvolver em direção ao barra-
mento, oferecendo riscos de instabilidade, como mostra a Foto 2, este localiza-se no
Ponto C na Figura 4.
Com o desenvolvimento da voçoroca pelo caminho preferencial das águas do “ladrão do
barramento”, desenvolve-se também a preocupação com o avanço do processo erosivo sobre
o próprio barramento, como mostra a Foto 3, sendo o ponto A na Figura 4, e a possibilidade
de causar rompimento e destruir a contenção das águas, com possibilidades de danos am-
bientais e sociais pelo volume acumulado, com consequente destruição da vegetação e ativa-
mento acelerado do desenvolvimento da voçoroca na parte estabilizada por causas naturais.

39 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

Foto 2 – Processo erosivo em área a montante do Ribeirão Ouvidor, abaixo do Barramento de Água utilizada
captação para irrigação – junho de 2021
Fonte: Trabalho de campo (2021). Foto: Rodrigues, L. F. (2021).

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Foto 3 – Barramento construído em tributário do Ribeirão Ouvidor
e utilizado para captação de água para irrigação – junho de 2021
Fonte: Trabalho de campo (2021). Foto: Rodrigues, L. F. (2021).

Considerando o volume das ações antrópicas e uso indiscriminado do solo na região


do manancial na área do Alto Curso do Ribeirão Ouvidor, evidenciada neste estudo ini-
cial, pode-se considerar que está ocorrendo uma estabilização quanto a evolução da voço-
roca de forma natural, apesar da continuidade do uso intensivo do solo em curso na região.
No entanto, é importante salientar que, independentemente dessa estabilização natu-
ral, ainda há necessidade de implementar medidas mitigadoras de contenção e prevenção,
bem como a implementação de um planejamento adequado em relação ao uso do solo,
limitação do uso das águas para atividade agricolas, implementar projetos de replantio
de espécies nativas, entre outras ações correlatas visando amenizar os impactos negativos
constatado na área.
Há, portanto, em locais pontuais e críticos na área do Alto Curso do Ribeirão
Ouvidor necessidade de disciplinamento das águas, com o devido manejo mais adequa-
do de acessos de pessoas e animais, retaludamento das vertentes, replantio de vegetação
nativa local para diferentes controles do fundo, vertentes e cabeceira da voçoroca, assim
40 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

como a recuperação das áreas de amortecimento dos processos naturais de cunho climá-
ticos, com as espécies vegetacionais, como aponta Ferreira (2015), além de outras ações
que se fizerem necessárias ao longo do trabalho de recuperação do local, culminando
com um processo eficiente de Educação Ambiental da coletividade humana envolvida
nesse contexto.

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Considerações preliminares

Esta pesquisa revigora a necessidade de chamar e apontar ações mitigadoras socioam-


bientais para locais que necessitam de atenção do Poder Público e da sociedade humana
organizada em ações para a gestão do uso solo e/ou da terra dentro de seus limites, evi-
denciando situações de alerta e descrevendo atividades degradacionais e suas respectivas
consequências, visitando locais com processos de degradação, como possível resultantes de
uma má gestão ou monitoramento quanto ao uso do solo na área estudada.
O desenvolvimento, assim como a estabilização de forma natural do local estudado,
mostra fragilidades do sistema natural que cumpre a paisagem na área do Alto Curso da
Bacia Hidrográfica do Ribeirão Ouvidor, mas também mostra a capacidade de recupera-
ção de áreas com avançado grau de degradação, apenas com a redução de atividades degra-
dantes, se comparado ao início das atividades antrópicas na área do Alto Curso, revela-se
então que há meios de recuperar essas áreas com melhor efetividade, se também forem
empregadas técnicas mecânicas, se bem planejadas, que potencializarão o fator natural de
regeneração local.
Assim, termina-se esse estudo afirmando que é necessário uma reflexão mais ampla
sobe a questão, e que se comece a adotar técnicas mais apropriadas para melhor gestão de
riscos das suas áreas e o consequente uso do solo, e com uma fiscalização adequada, bem
como incorporar culturalmente técnicas adequadas para melhorar o uso do solo, discipli-
namento das águas, manutenção e preservação de vegetação natural de forma estratégica,
afim de evitar perdas advindas dos movimentos de massas por degradação e perda da qua-
lidade e quantidade das águas superficiais e subsuperficiais.

Resumo – O presente artigo busca apresentar considerações sobre a dinâmica da paisa-


gem e o uso do solo como influência para a formação de processos de degradação da paisagem
tipo Voçorocas, utilizando como lócus a Bacia Hidrográfica do Ribeirão Ouvidor, município
de Ouvidor, Estado de Goiás, Brasil, por meio de um estudo que investigou os processos de
alterações na paisagem local e a evolução dos processos erosivos decorrentes, identificando
possíveis processos formadores, propondo possíveis sugestões para contenção e a interrup-
ção dos processos de degradação da paisagem local. O motivo que culminou na escrita deste
artigo foi a necessidade de compreender mais a respeito da dimensão que o tema proposto
abrange, aliada a falta de estudos locais sobre essa temática, para sugerir possíveis melhorias e
41 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

para a reparação da dinâmica da paisagem local, a partir de métodos paliativos a curto prazo,
e corretivos a médio e longo prazo e fazendo deste uma oportunidade de estudo que agregue
valor à preservação ambiental na área do Município. Para isso, foram utilizados inicialmente
os embasamentos bibliográficos que trabalham a temática proposta, a partir de estudiosos
como Bertrand (2004), Guerra (2006), Suertegaray (2005), Andrade, Portocarrero e Capeche

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(2005), Silva et al (2005), Freires (2019), entre outros, abordando a paisagem do Cerrado
como palco da dinâmica antrópica intervencionista constante, onde se desenvolvem elementos
físico-ambientais decorrentes desses usos socioeconômicos. Num segundo momento foi reali-
zada pesquisa de campo, que consistiu em visitas em campo para coleta de materiais e aquisi-
ção de recursos cartográficos como imagens, mapas, fotografias, realização de mapeamento da
voçoroca, entre outros, e pesquisa de dados secundários no Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE), documentos municipais, entre outras fontes. Decorrentes dessas etapas,
foi possível observar e constatar que os processos erosivos afetaram a paisagem local, sendo
urgente a implementação de medidas mitigadoras.
Palavras–chave: Dinâmica da Paisagem. Degradação ambiental. Voçorocas. Ouvidor (GO).

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iberografias42.indb 43 17/06/2022 18:00:32


iberografias42.indb 44 17/06/2022 18:00:32
Diagnóstico-prognóstico das obras com-
pensatórias e mitigatórias da UHE de Porto
Primavera para os municípios da raia divi-
sória São Paulo–Mato Grosso do Sul

Messias Modesto dos Passos1


Diogo Gonçalves2
Juliane Maistro3

Introdução

Os termos “regiões fronteiriças”, “espaços fronteiriços”, “raia transfronteiriça” são pouco utiliza-
dos pela geografia brasileira. Utilizamos as unidades administrativas, as microrregiões propostas pelo
IBGE; são mais práticas, sobretudo, quando há necessidade de se trabalhar com dados estatísticos.
No quadro de programas de desenvolvimento local e regional da União Europeia
(Interreg – Programa de Cooperação entre Regiões – ; Feder – Fundo Europeu de
Desenvolvimento Regional etc.) é dada atenção especial às áreas de fronteiras: Portugal-
Espanha; Espanha-França etc.
Ademais, as “fronteiras” são raias, isto é, áreas de intergradação nas quais os processos
se manifestam segundo uma lógica de descontinuidade objetiva da paisagem ou, ainda, se-
gundo uma impermeabilidade muito acentuada entre as parcelas do território submetidas
às definições e redefinições territoriais mais ou menos independentes.
No Brasil, encontramos várias raias que reclamam uma análise no sentido de revelar
suas potencialidades paisagísticas e suas peculiaridades culturais, sociais e econômicas, obje-
tivando a implantação de planos de desenvolvimento regional, capazes de superar o estágio
de periferia a partir de uma gestão territorial que contemple, acima de qualquer “modismo
globalizante”, a integração regional.
45 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

1
Programa de Pós-Graduação em Geografia da FCT-UNESP – Presidente Prudente/SP – Coordenador
do Projeto: Avaliação: diagnóstico-prognóstico das obras compensatórias e mitigatórias da UHE de Porto
Primavera para os municípios da raia divisória São Paulo – Mato Grosso do Sul.
2
Membro da Equipe do Projeto FAPESP – Proc. 2020-0457-3
3
Membro da Equipe do Projeto FAPESP – Proc. 2020-0457-3

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Entre os inúmeros exemplos de raias (área de intergradação), lembramos:
No Oeste da Bahia: o Vale do rio Grande, raia de manifestação de dois domínios
morfoclimáticos distintos – caatinga e campos gerais, atualmente, sob o fogo cruzado de
dois modelos de ocupação conflitantes, de um lado, os “sertanejos”, dentro de um padrão
tradicional e confinado; de outro, “os sulistas”, que aí chegaram, em meados dos anos
1970 e implantaram a monocultura de soja, com inversão de grandes capitais e, claro, dos
impactos previsíveis em situações dessa natureza.
No Centro-Oeste brasileiro podem-se colher vários exemplos. Lembremos dois, por
serem mais didáticos: o primeiro, a ocupação dos vales dos grandes e médios rios da região
pelos criadores de gado (mineiros e paulistas, principalmente) a partir dos anos 1920,
constituindo uma raia, ora mais integrada, ora mais isolada, com os chapadões areníti-
cos, ocupados mais tarde (a partir de 1970) pela agroindústria (soja, milho, algodão),
pilotada pelos “sulistas” e com a benevolência dos subsídios fiscais. O segundo está no
curto espaço compreendido pelos municípios de Rondonópolis (pecuária/soja), Primavera
do Leste (soja) e Poxoréo (garimpo de ouro e diamante). São mundos diferentes, que só
recentemente, a partir da necessidade de diversificação da economia regional, dão sinais
mais claros de raia, no sentido de que estamos empregando, ou seja, de intergradação dos
elementos envolvidos no processo de gestão do território.
Apreendemos para uma análise eco histórica da paisagem, a raia divisória São Paulo-
Mato Grosso do Sul (Figura 1), mais precisamente a parcela do território conhecido geo-
graficamente pelas denominações de “Pontal do Paranapanema”, “Sudeste do Mato Grosso
do Sul” e, a calha do Alto Curso do rio Paraná – à altura da UHE de Porto Primavera – ,
que atua ora como elo de aproximação, ora como linha divisória dessas parcelas territoriais.
46 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

Figura 1 – Localização da raia divisória São Paulo – Mato Grosso do Sul.

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A raia divisória: O sudoeste do estado de São Paulo/O sudeste sul
mato-grossense

Inicialmente, vamos abordar algumas dinâmicas territoriais das duas porções que op-
tamos como recorte geográfico da raia divisória São Paulo – Mato Grosso do Sul.

O sudoeste do estado de São Paulo – O Pontal do Paranapanema

O Pontal do Paranapanema ocupa a porção Extremo-Oeste do Estado de São Paulo.


É uma “mesopotâmia”, limitada ao norte pelo rio Paraná, ao sul pelo rio Paranapanema,
a oeste pela confluência desses dois rios. O seu limite leste deslocou-se ao sabor do avan-
ço da fronteira agrícola. Atendendo às características do processo de ocupação, optamos
pelo ribeirão das Anhumas – vertente do rio Paraná – e pelo ribeirão do Engano ou Santo
Antônio – vertente do rio Paranapanema –, como seu limite leste.
Podemos chamar essa área – acima delimitada – de “área core4 do Pontal”, tendo em
vista que, no início da década de 1940, uma porção territorial maior, englobando os atuais
municípios de Mirante do Paranapanema, Sandovalina e Marabá Paulista, constituíam um
espaço paulista, marginalizado e que preferimos chamar de “Grande Pontal”.
Os “plantadores e pioneiros” do oeste paulista caminharam junto à linha de ferro que
se estabeleceu ao longo dos espigões. Foram surgindo, assim, cidades como Presidente
Prudente (1917), Presidente Bernardes (1919), Santo Anastácio (1920), Presidente
Venceslau (1921) e Presidente Epitácio (1922), esta última na barranca do rio Paraná.
Dessa forma, a porção mais Sudoeste, distante da ferrovia, ficou marginalizada e, vaga-
mente denominada Pontal.
Com a chegada da fronteira agrícola (1940) na área do atual município de Mirante do
Paranapanema, teve início o processo de desmatamento e ocupação agrícola – baseada es-
sencialmente na cultura do algodão e amendoim. Nesse momento, a fronteira agrícola não
ultrapassou os ribeirões Santo Antônio e das Anhumas, que passaram assim a limitar duas
porções de ocupação bem diferenciadas: à leste, uma ocupação agrícola que provocou uma
morfogênese muito agressiva, resultando em um rápido exaurimento do solo, com erosão
e assoreamento dos córregos e, a oeste desses ribeirões, a mata semidecídua, que somente
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mais tarde passaria a ser substituída pelas pastagens (1945-1965), com uma evolução di-
nâmica característica diferenciada da anterior.

4
“Área Core”: utilizada, aqui, para fazer referência à área nuclear, mais característica do Pontal do Paranapanema
– Sudoeste Paulista.

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O geocomplexo

A distribuição das precipitações tem uma evolução muito identificada com a distribui-
ção das temperaturas, ou seja, os meses quentes são os mais chuvosos, podendo-se afirmar
que é alta a evapotranspiração regional.
O período mais úmido (outubro a fevereiro) e de temperaturas mais elevadas tem um
impacto significativo nos processos morfogenéticos e pedogenéticos, sobretudo por oca-
sião de precipitações convectivas muito intensas.
A agressividade com que se processou a ocupação do solo, sobretudo nas áreas agríco-
las e nas pequenas propriedades, resultou em uma fragilidade do geocomplexo em análise:
mesmo pancadas de chuvas não muito excepcionais são causadoras de estragos, apesar de
tratar-se de um espaço geográfico caracterizado por certa homogeneidade geomorfológica,
litológica e climática.
No período seco, os processos morfogenéticos relacionados ao escoamento subsuperfi-
cial se mantêm inativos. É nesse período que o processo de assoreamento e de despereniza-
ção dos córregos e ribeirões melhor se evidencia. Vários trechos de alguns ribeirões chegam
a secar totalmente.
O gráfico ombrotérmico (Gráfico 1), elaborado a partir de dados da Estação
Meteorológica da Unesp/Presidente Prudente, permite observar:

Gráfico 1. Gráfico ombrotérmico – Presidente Prudente/SP.


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• a temperatura média mensal das máximas absolutas do mês mais quente: T´= 4l,1ºC;
• a temperatura média mensal das mínimas absolutas do mês mais frio: m´= 8,3ºC.
Portanto o período de atividade vegetal (PAV) é favorável ao longo dos doze meses
do ano;

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• a linha das temperaturas médias mensais acusa poucas oscilações. Na verdade,
o grande impacto das baixas temperaturas, associadas ao período seco do ano,
se manifesta de forma mais concreta sobre a vegetação, diluindo-se nos gráficos
climáticos;
• a distribuição das precipitações está concentrada nos meses de outubro a março.
Forte insolação e elevadas temperaturas (verão), ou vento seco e baixas temperaturas
(inverno), associadas à litologia arenítica da Formação Caiuá provoca stress hídrico
nos cultivos, sobretudo quando não se concretizam as expectativas de chuvas de
primavera e mesmo durante o verão: quando ocorrem os “veranicos”, ou seja, curtos
períodos de forte insolação sem chuvas, notadamente no período de dezembro a
fevereiro.

Os meses efetivamente mais quentes são novembro, dezembro, janeiro e fevereiro,


com temperaturas médias mensais variando entre 24ºC e 26ºC. As temperaturas máximas
absolutas mais elevadas são mais frequentes em dezembro e fevereiro, podendo chegar a
38ºC.
Nesse período quente do ano, as massas de ar em circulação na região relacionam-se
com a Massa Polar Atlântica e Massa Tropical Continental, ativada pela dinâmica da Baixa
do Chaco (Monteiro, 1973; Tarifa, 1973).
O período frio abrange os meses de maio, junho julho e agosto, com temperaturas
médias mensais mais frequentes entre 18ºC e 22ºC. Os meses efetivamente mais frios são
junho e julho, quando a região passa a ser dominada por incursões mais frequentes da
Massa Polar Atlântica e Polar Continental (Monteiro, 1973).
A combinação dos fatores geomorfológicos e clímato-hidrológicos constitui o “po-
tencial ecológico” do geocomplexo em estudo. O geocomplexo define-se, em seguida, por
certo tipo de exploração biológica do espaço, onde estão articulados esses atributos do
potencial ecológico.
No início do século XIX, a região do Pontal do Paranapanema era totalmente flo-
restada. O gradiente fisionômico da mata estava condicionado, sobretudo, às condições
pedológicas e hidrológicas, sendo possível, ainda, deduzir-se a influência das condi-
ções paleoclimáticas através de espécies vegetais típicas de climas mais secos (Cereus sp),
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ainda hoje existentes em forma de “enclave” – definindo um geofácies botânico bastante


exótico.
A partir da restituição das imagens de radar/1976 – folhas SF-22-Y-A e SF-22-Y-B e de
observações de campo, elaboramos o mapa do “uso do solo e da cobertura vegetal residual
do Pontal do Paranapanema – 1976” (Figura 2).

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Figura 2 – Uso do solo e cobertura vegetal residual no Pontal do Paranapanema – 1976.

Nas áreas de matas remanescentes, efetuamos levantamentos fitossociológicos – para a


identificação e determinação da frequência das principais espécies vegetais – e observações
biogeográficas para definição e avaliação de algumas áreas em condições de abrigar a fauna
que foi deslocada da parte sul da Reserva Estadual do Morro do Diabo, antes do preenchi-
mento do reservatório da Usina Hidrelétrica de Rosana.
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Pirâmide de vegetação
Figura 3 – Pirâmide de vegetação: Reserva Estadual do Morro do Diabo/SP
Fonte: Passos, M.M. dos.

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Os resultados deste estudo são apresentados de três formas: (a) A ficha biogeográfica,
(b) a pirâmide de vegetação e (c) fotos ilustrativas.

Lote Nº
FICHA BIOGEOGRÁFICA
01

Domínio: Tropical

Formação Vegetal: Floresta Tropical


Série de Vegetação: Floresta do SW de São Paulo
Semidecídua
Localização: Margem direita do Córrego Taquara – Reserva
Município: Teodoro Sampaio
Estadual do Morro do Diabo
Estado: São Paulo Data: 14/01/2001

Espécies Vegetais por: Espécies: Estratos


Estratos: Nº de Altitude (m)
indivíduos Aprox.: A/D S A/D
Arbóreo:
Astronium graveolens (Guaritá) 3 20 1 1
Tabebuia avellanedae Lor. Ex Griseb
2 20 + 1
(Ipê-roxo)
Cabralea canjerana Vell. Mart.
2 15 + 1
(Canjarana)
=2=
Copaifera langsdorffii Desf. (Copaíba) 4 25 1 1
Aspidosperma cylindrocarpon M. Arg.
4 30 1 2
(Peroba)
Peltophorum dubium (Spreng.) 2 15 + +
Taub. (Guarucaia) 2 25 1 +
Arborescente:
Guarea guidonia (L.) Sleumer
2 12 1
(Marinheiro)
Campomanesia xanthocarpa Berg
3 06 2 1
(Guabiroba)
Tabebuia impetiginosa (Mart.) (Piúna) 1 10 + 1
=2=
Pterogyne nitens Tul. (Carne-de-vaca) 2 15 1 2
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Nectandra megapotamica (Spreng.)


3 10 2 1
(Canelinha)
Psidium cattleianum Sabine (Araçá) 4 08 1 1
Ocotea velutina (Nees) (Canelão) 2 12 + 1

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Arbustivo:
Metrodorea nigra St. Hil (Chupa ferro) 3 2,5 + +
Aspidosperma polyneuron M. Arg.
1 3,0 + +
(Peroba) <= 2 =>
Tabebuia impetiginosa (Mart.) (Piúna) 1 2,5 + +
Metrodorea sp (Carrapateira) 2 3,0 1 +
Subarbustivo:
Guarea guidonia (L.) Sleumer
2 1,2 + 1
((Marinheiro)
Casearia gossypiosperma Briquet =2=
5 0,7 + +
(Espeteiro)
Tabebuia avellanedae (Ipê) 2 1,0 + 1
Herbáceo-rasteiro:
(Samambaia) 22 0,4 3 3
<= 3 =>
(Caraguatá) 20 0,6 3 4
FATORES BIOGEOGRÁFICOS
Humus: Predominância de areia quartzosa terraço fluvial, com baixo teor de matéria orgânica. Evidências
pedológicas de influência de paleoclima mais seco (Plioceno-Pleistoceno?)
Declivida-
Altitude: 290m Exposição: SW
de: 15º
Clima: Tropical, com duas estações: chuvosa (outubro-abril) e seca (maio-setembro).
Microclima: O interior da mata e a localização do lote (margem direita do Córrego Taquara) contribuem
para um micro-clima úmido e sombreado, onde a presença de insetos e de carrapatos causa desconforto às
pessoas.
Rocha-Mãe: Arenito Caiuá
Erosão Superficial: Ausente
Ação Antrópica: até 1960 a estrada, que corta a Reserva Estadual no sentido Norte-Sul, e que permitia o
acesso à balsa (travessia do Rio Paranapanema/divisa São Paulo-Paraná) era um elemento perturbador da
biodiversidade. Atualmente, a estrada está desativada e a fiscalização dos guardas florestais é eficiente.
Dinâmica de Conjunto: Dada as condições pedológicas desfavoráveis e, ao mesmo tempo, o isolamento
do lote – interior da Reserva Estadual do Morro do Diabo – é possível afirmarmos que a dinâmica de
conjunto será mantida, dentro da evolução apontada em cada um dos estratos, conforme assinalamos na
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ficha.

Figura 4 – Ficha com os dados do levantamento fitossociológioco


realizado no interior da reserva estadual do Morro do Diabo.

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FOTO 1 – Reserva Estadual do Morro do Diabo. Nessa parcela do lote de 25 m x 25 m, observa-se a predominância
dos estratos arbustivo e subarbustivo. As condições edáficas (areia quartzosa) de terraço fluvial é determinante para a es-
tratificação da vegetação. A inclinação do lote e a “abertura”, devido à proximidade do Córrego Taquara, permitem uma
infiltração da luz solar mais intensa, elementos que contribuem para a baixa abundância-dominância do estrato arbóreo.
Fonte: Foto do Autor (14/1/2001)

Os processos morfogenéticos e a fisiologia da paisagem

Nas últimas décadas, em vários países surgiram inúmeras tentativas para restabelecer
a visão integrada da paisagem, com a elaboração de novos métodos, novas abordagens
e novos paradigmas. A aplicação da teoria dos sistemas aos estudos geográficos propa-
gou-se ampla e rapidamente entre os geógrafos e a abordagem sistêmica tem fornecido,
há algum tempo, uma unidade metodológica a esses estudos, revitalizando-os, dinami-
zando-os e fornecendo oportunidade para reconsiderações críticas de muitos conceitos.
Dentre eles, pode-se dar destaque ao conceito de paisagem, pois, resultante da interação
de elementos diversos, que funcionam integralmente, a paisagem deve ser analisada
como um sistema polissêmico.
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Sempre presente no contexto geográfico, esse conceito sofreu amplas considerações,


de acordo com a tendência teórico-metodológica que predominava em diferentes épocas.
Mas, desde a focalização global de Humboldt, passando pela perspectiva ideográfica, que
originou as famosas monografias regionais com La Blache como o grande expoente e, den-
tro da nova fase integradora impulsionada por Troll e ampliada pelo enfoque geossistêmico

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de Sochava e pela Geografia Global de Bertrand, o objetivo praticamente permaneceu o
mesmo: a paisagem, mudando apenas a perspectiva, a abordagem e o vocabulário. Na
realidade, todas as linhas de estudo e de pesquisa retomaram o tema mais tradicional da
prática geográfica – a paisagem – ora conferindo este ou aquele suporte teórico.
No presente estudo, valorizou-se a observação direta de campo, análise de fotos aéreas,
imagens de satélite e dados meteorológicos. A análise dos processos morfogenéticos atuais e a
fisiologia da paisagem na raia divisória: São Paulo – Mato Grosso do Sul também se sustenta
na bibliografia consultada (Ruellan, 1953; Erhart, 1955; Fournier, 1960; Tricart; Cailleux,
1956; Christofoletti, 1968; Cruz, 1974; Lombardi Neto; Bertoni, 1975; Sudo, 1980).
Os processos morfogenéticos têm suas características definidas pela ação conjunta da
compartimentação geomorfológica, das condições geo-pedológicas, da dinâmica clímato-
-hidrológica, da exploração biológica e das alterações antrópicas.
A eliminação da cobertura vegetal natural é o início de toda uma fase resistásica. O
processo de posse e ocupação das terras do Pontal do Paranapanaema está ligado ao des-
matamento e formação imediata das pastagens. Em muitas glebas, primeiro plantou-se o
capim, depois se criou o boi e, no final desse processo é que veio o desmatamento, con-
substanciando a posse da terra.
A sequência capim-boi-pastagem-desmatamento definiu, na área core do Pontal, uma
morfogênese de impactos negativos menos significativos quando comparados às áreas
essencialmente agrícolas do município de Mirante do Paranapanema, onde a sequência
desmatamento-agricultura-exaurimento do solo-pastagem determinou um caráter muito
mais agressivo dos agentes morfogenéticos.
Nas áreas de ocupação agrícola, os agentes morfogenéticos passaram a se manifestar
com grande agressividade, definindo uma dinâmica da paisagem com características de
ruptura: erosão em sulcos – que resultaram na formação de inúmeras voçorocas –, erosão
laminar intensa, com eliminação dos horizontes superficiais do solo, em intervalo curto
de tempo e ainda com assoreamento e desperenização de muitos córregos e ribeirões, de
grande importância na dinâmica clímato-hidrológica, figura 5. A elevação do nível de base
regional (rios Paraná e Paranapanema) em função dos reservatórios formados para atender
às usinas hidrelétricas da CESP, agravou o processo de assoreamento dos cursos d’água.
A Formação Caiuá apresenta um padrão de drenagem que se caracteriza por cursos
d’água de perfil longitudinal retilíneo e alongado, sem afluentes, ao contrário da Formação
54 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

Bauru, onde os cursos d’água apresentam um perfil longitudinal com arcos e curvas peque-
nas e inúmeros afluentes, definindo uma densidade hidrográfica mais elevada que atua no
modelado de forma mais agressiva. Os geótopos, onde os valores de densidade hidrográfica
são mais elevados, apresentam afloramentos do arenito Bauru (espigão divisor dos rios
Paraná e Paranapanema: nascentes dos ribeirões Água Sumida, Nhacá, Cuiabá, Córrego do

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Bonito, Água da Prata, principalmente). O arenito Bauru – menos permeável – constitui
nível de base para o lençol de água subterrânea, conforme observamos nessas cabeceiras.
Grosso modo, podemos afirmar que a compartimentação geomorfológica da região
do Pontal, onde se destacam (1) o espigão divisor dos rios Paraná e Paranapanema, (2) o
varjão, (3) os baixos terraços, (4) as planícies aluviais, (5) as vertentes dos dois grandes rios,
com encostas e rampas pouco elevadas com espessa cobertura coluvial, representa um con-
junto de unidades topográficas pouco diversificadas, contribuindo, ao lado de outros fato-
res para que as alterações morfogenéticas e pedogenéticas sejam de certa forma atenuadas.

55 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

Figura 5 – Unidade de paisagem em resistasia, retomada por ação antrópica, com potencial ecológica degradado –,
podendo ser reconhecidos como verdadeiros geótopos áridos, sem que a pedogênese completasse sua evolução.
Em sua gênese, incluem-se fatos ligados a uma predisposição da estrutura geoecológica, na maior parte das vezes
acentuada por ações antrópicas.

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O sudeste sul matogrossense

Vamos limitar a presente abordagem a alguns aspectos/temas:


• geomorfologia da planície de inundação do alto curso do rio Paraná;
• história territorial da ocupação regional.

Aspectos geomorfológicos da planície de inundação do alto curso


do rio Paraná

A planície do rio Paraná, no conceito do IBGE (1990), é uma ampla área de acumu-
lação que ocupa toda a calha do rio no segmento compreendido entre Três Lagoas (MS)
e Guaira (PR). Essa designação abrange uma área que apresenta duas feições distintas: o
Terraço Baixo e a Planície Fluvial (Figura 6).
56 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

Figura 6 – A planície de inundação do alto curso do rio Paraná.


Fonte: Relatório Síntese – Reservatório de Porto Primavera (1980).

A superfície da planície fluvial é o resultado da evolução de um sistema anastomo-


sado que esteve ativo antes da implantação do atual padrão de canal. As feições nela

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existentes são resultantes daquele sistema, embora haja relíquias de um outro padrão
anterior, além das formas associadas aos canais atuais (Souza Filho, 1993).
Os estudos para o EIA-Rima da UHE de Porto Primavera possibilitaram o mapea-
mento geomorfológico e geológico de toda a área a montante da foz do rio Paranapanema,
assim como a realização de diversos estudos sobre o tema (Pires Neto et al., 1994).
O substrato geológico da calha fluvial do rio Paraná é constituído por basalto da
formação Serra Geral e por arenito da formação Caiuá. O basalto ocorre a montante
da UHE de Porto Primavera, até a região de Três Lagoas, e a jusante, a partir de
Guairá para o sul. A área de menor taxa de soerguimento é responsável pela preser-
vação do arenito do Grupo Bauru, sobre os quais o rio corre por mais de 450 km,
até Guairá.
Os diferentes substratos rochosos impõem características distintas a partes diver-
sas do rio. Nas áreas de ocorrência de basaltos, o vale é mais fechado, com corredeiras e
saltos, como os de Urubupungá e de Sete Quedas, hoje encobertos pelos reservatórios
de Jupiá e de Itaipu. Na área de ocorrência do arenito do Grupo Bauru, o quadro é
bastante distinto, pois não há corredeiras e o vale é bastante aberto. Em alguns locais,
as águas do rio Paraná tornam-se mais rápidas, graças à modificação do gradiente
imposto por movimentos tectônicos recentes ao longo de estruturas transversais ao
curso do rio.
O relevo da bacia do alto Paraná é acidentado na parte leste e sudeste graças
à ocorrência de rochas cristalinas e à taxa de ascensão mais elevada. Nas demais
áreas, dominam formas tabulares onduladas, com inclinação suave em direção ao rio
Paraná, interrompidas localmente por escarpas das cuestas da Serra Geral. A parte
central desse segundo conjunto foi denominada inicialmente “Bacia do Alto Paraná”
(Ab´Sáber, 1955; Almeida, 1956), posteriormente “Planalto do Alto Rio Paraná
(Justus, 1985) e, por fim, “Planalto Central da Bacia do Paraná” (IBGE, 1990). A
área ribeirinha à calha do rio Paraná foi designada pelo IBGE (1990) como “Planície
do Rio Paraná”.
O Alto Curso do rio Paraná encontra-se, na atualidade, com seu potencial total-
mente esgotado em termos de aproveitamento para a hidroenergia. Três grandes barra-
gens foram construídas, transformando-o em um grande rio de águas controladas, com
um verdadeiro complexo hidrelétrico: a Usina Hidrelétrica de Ilha Solteira, a Usina
57 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

Hidrelétrica de Jupiá (Eng. Souza Dias), parte integrante do Complexo de Urubupungá,


e a Usina Hidrelétrica de Porto Primavera (Eng. Sérgio Motta). Esse complexo hidre-
létrico reflete o predomínio absoluto do Estado como empreendedor do sistema de
geração de hidroeletricidade no Brasil, como modelo de desenvolvimento adotado desde
algumas décadas.

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História territorial da ocupação regional

Segundo Abreu (1976), a necessidade de encurtar o caminho das boiadas vindas do


sul do Mato Grosso para São Paulo e quebrar o isolamento regional fez com que o criador
de gado Manoel da Costa Lima, conhecido como Major Cecílio, dono da fazenda Ponte
Nova – situada nos campos de Vacaria (Campo Grande) – tomasse a iniciativa de abrir
uma estrada ligando Campo Grande às margens do rio Paraná.
Ao mesmo tempo em que Major Cecílio abria a estrada de Vacaria ao Porto 15 de
Novembro, no Estado de São Paulo a Empresa Diederichesen & Tibiriçá abria a estra-
da de Campos Novos do Paranapanema à margem esquerda do rio Paraná, onde cons-
truiu o Porto Tibiriçá. Em maio de 1907, a firma Diederichesen & Tibiriçá adquiriu
a concessão de exploração do Major Cecílio passando a controlar todo o trajeto, entre
Campo Grande e São Paulo. A criação da Companhia de Viação São Paulo – Mato
Grosso foi uma das consequências da evolução da empresa Diederichesen & Tibiriçá
(Abreu, 1976).
As florestas-galerias dos afluentes do rio Paraná (Quebrachos, Quiteroi, Três Barras
e Samambaia) foram divididas em lotes de cerca de 25 hectares que se destinavam aos
pequenos agricultores. Os setores de savanas, ao contrário, foram vendidos a criadores sob
forma de grandes fazendas de criação que chegavam a ultrapassar 7000 hectares (Pébayle;
Koechlin, 1981, p. 12).
O Sudeste-Sul Mato-grossense estava, até o final da década dos anos 1970, em mar-
cante isolamento, sobretudo por ser uma zona de baixo índice de ocupação e pela qual
o poder público estadual e municipal não demonstravam interesse especial, certamente
explicado pela falta de atrativos para a implantação de políticas públicas de desenvolvi-
mento, que demandariam investimentos em infra-estruturas. Os municípios ali instalados,
com seus núcleos urbanos modestos e de uma dinâmica econômica igualmente modesta,
garantiam apenas a reprodução das condições então vigentes.
A ocupação, isto é, a posse das terras da região data, ainda, do século XIX, quando,
após a Guerra do Paraguai, a Companhia Mate Laranjeira passou a explorar a erva-mate
nativa no sul do Estado colocando sob sua influência toda a extensão que vai, na atualida-
de, de Bataguassu, na divisa com o Estado de São Paulo, a Porto Murtinho, na fronteira
com o Paraguai5. Fabrini (1996, p. 34-35) descreve alguns detalhes da ação da Cia. Mate
58 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

Laranjeiras:

5
Para aprofundamento do assunto, consultar Figueiredo (1967)

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No sul de Mato Grosso do Sul a expansão da pequena propriedade esteve
controlada pela Cia Mate Laranjeira, através do monopólio de exploração da
erva-mate. Isso não permitiu o desenvolvimento de pequenas propriedades, nem
mesmo para que os pequenos proprietários servissem como mão-de-obra na co-
leta da erva-mate, com a formação dos chamados “viveiros” de mão-de-obra.
Esta era recrutada no Paraguai, onde mais de três mil trabalhadores paraguaios
chegavam perto da margem do rio Paraná fazendo a coleta daquele produto para
a empresa monopolista.

Para uma análise e entendimento mais aprofundados das transformações verificadas


na paisagem na Raia Divisória SP-MS, notadamente da importância contextual da UHE
de Porto Primavera, é preciso que voltemos um pouco mais no tempo, indo além daquele
registrado pelas imagens de satélite disponíveis, antes mesmo da implantação do canteiro
de obras, a qual se deu em 1979/1980. As informações das condições da paisagem que
se dispõe da área de estudo, do referente período, são fornecidas pelos dados das Cartas
Topográficas, escala 1:250.000, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
e da Diretoria do Serviço Geográfico do Exército (DSG), datadas da década de 1970,
atualizadas com dados de 1974 a 19786, que servem para se produzir uma imagem da
paisagem de então.
Na porção Sul-Mato-Grossense, podemos identificar dois setores interligados que co-
nheciam uma ocupação efetiva àquela época: a zona que bordeja a planície de inundação
do rio Paraná, vizinha do Estado de São Paulo (e Paraná) e uma outra, ligada à primeira,
que avança para o interior, dividida em vários eixos acompanhando os cursos dos ribeirões
principais. No interior, grandes extensões de terras conservavam suas características natu-
rais, recobertas pela vegetação natural (cerrados e matas) e continuavam, em sua maioria,
inexploradas, ainda que apropriadas sob a forma de grandes propriedades (de especula-
ção). Por outro lado, a porção paulista gozava de uma ocupação efetiva com pastagens e
agricultura (Figura 7).
59 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

6
Para a porção que compreende a área de pesquisa, foi feito o mosaico utilizando partes das seguintes
Cartas Topográficas: Folha Dracena atualizada com dados de cartas topográficas do DSG (Presidente
Epitácio), de 1974, na escala de 1:100.000; Folha Loanda, atualizada com cartas topográficas do DSG,
na escala de 1:100.000, de 1972-1974 e cartas topográficas do IBGE, escala 1:50.000, de 1973, com
atualização viária do DNER de 1975; Folha Presidente Prudente, atualizada com cartas topográficas do
IBGE, na escala 1:50.000, de 1976 a 1978, com atualização viária do DNER-RFFSA de 1978; Folha
Xavantina, atualizada com cartas topográficas do DSG, na escala 1:100.000, de 1974, com atualização
viária do DNER de 1977.

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Figura 7 – Ocupação do solo na raia divisória SP – PR – MS (Década de 1970).
Fonte: Cartas Topográficas DSG e IBGE (Xavantina, Dracena, Loanda e Presidente Prudente). Escala:
1:250.000 – atualização com dados de 1974 e 1978
60 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

Figura 8 – Pirâmide de vegetação resultante do levantamento fitossociológico efetuado na microbacia do


Córrego Três Barras/MS

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A cobertura vegetal residual do Sudeste-Sul Mato Grossense apresenta uma dis-
tribuição/organização espacial de difícil cartografia tal é a ocorrência “aleatória” de
cerrado, cerradão, florestas, campos e, mesmo, de vegetação xerofítica. No intuito
de registrar o que consideramos mais significativo/representativo desse elemento da
paisagem, efetuamos levantamentos fitossociológicos para efeito de ilustração da ve-
getação predominante nessa parcela da raia divisória, conforme os dados da ficha
biogeográfica (Figura 9):

Lote Nº
FICHA BIOGEOGRÁFICA
02
Formação: Cerrado Domínio: Cerradão
Sítio: Córrego Três Barras Série de Vegetação: Cerradão
Município: Anaurilandia Localização: Microbacia do Córrego Três Barras
Estado: Mato Grosso do Sul Data: 15/04/2001
Espécies Vegetais por: Espécies: Estratos
Estratos: Nº de Altitude (m)
indivíduos Aprox.: A/D S A/D
Arbóreo:
Aspidosperma tomentosum – Peroba-
3 8 2 2
docampo
Annona coriacea – Araticum-do-campo 3 5 2 2
Caryocar brasiliense – Pequi 1 5 + 1
Dimorphandra mollis – Barbatimão folha
4 4 1 2
Miúda
Machaerium acutifolium – Jacarandá-do-
4 6 2 2
campo
Piptadenia sp – Angico 8 8 3 3
<= 3 =>
Stryphnodendron adstringens –
1 5 1 1
Barbatimão
Tabebuia ochracea – Ipê-amarelo 3 4 1 2
Qualea grandiflora – Pau-terra 2 4 1 2
Copaifera langsdorfii – Copaíba/pau
2 7 2 2
d’óleo
Platypodium elegans Amendoim-do-
3 8 2 2
campo
61 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

Kielmeyra sp – Saco-de-boi 1 5 + +
Arborescente:
Ausência deste estrato

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Arbustivo:
Duguetia furfuracea – Cabeça-de-negro/
5 1,5 2 2
Marolo
Eugenia micheli – Pitanga 10 1,5 2 3
Psidium sp – Araçá 10 1,5 3 3
Calliandra sp – 3 1,0 1 1
Bauhinia monandra – Unha-de-vaca 5 2,5 2 2 <= 2 =>
Byrsonima intermedia – Mata-rato 4 2,0 1 1
Annona dioica – Araticum-rasteiro 8 1,5 1 3
Campomanesia guabiraba – Gabiroba 12 1,5 2 2
Tibouchina stenocarpa – Quaresmeira 3 2,5 2 1
Matayba sp – Peito-de-pomba 5 2,0 1 1
Subarbustivo:
Ausência deste estrato
Herbáceo-rasteiro:
Adiantum curvatum – Samambaia-do-
30 0,3 2 3
mato
Aristolochia sp – Papo-de-peru; Mil
5 Cipó + +
homens
Echinolaena inflexa – Grama-do-campo 80 0,3 4 5 <= 2 =>

Smilax sp – Cipó-japecanga 5 Cipó + +


Bromelia antiacantha – Gravatá 20 0,3 2 3
Lippia lupulina – Hortelã-do-campo 5 0,7 + 1
FATORES BIOGEOGRÁFICOS
Humus: camada descontínua e pouco espessa de folhas secas em decomposição; presença de raízes
secundárias sub-superficialmente.
Declividade:
Altitude: 310 metros Exposição: N-NW

Clima: Tropical com duas estações (seca/chuvosa) bem definidas.
Microclima: relativamente úmido, dada a proximidade do curso d’água (Córrego Três Barras). No entanto,
o solo arenoso e permeável deve refletir umidade edáfica baixa, no período de estiagem (maio-setembro).
Rocha-Mãe: Arenito Caiuá – capeado por latossolo amarelado
Erosão: praticamente ausente nessa área de vertente. Contudo, as margens dos cursos d’água apresentam-
se bastante erodidas por dois motivos: solos hidromorfizados e pisoteio do gado. Há uma preocupação
positiva das autoridades e, inclusive, alguns programas bem monitorados para controle dessas erosões,
62 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

localizadas mas de forte impacto.


Ação Antrópica: A vegetação da raia sul mato-grossense apresenta-se bastante parcelada, ora com
predomínio de vegetação de floresta, ora com predomínio de cerrado e cerradão. As áreas de cerrado são,
preferencialmente ocupadas com pastagens artificiais que sustentam um rebanho de gado nelore (corte e
recria) de qualidade bastante satisfatória.

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Dinâmica do Conjunto: A evolução da cobertura vegetal, conforme mostra as imagens LANDSAT TM de
1986 e 1999, revelam que há uma forte pressão sobre as áreas “preservadas” para efeito de formação de
pastagens e/ou de culturas: mandioca, milho, soja... Do ponto de vista da dinâmica paisagística observa-se
equilíbrio biostásico – mesmo nas áreas de pastagens artificiais – ; contudo, é preocupante o alto nível de
lesionamento (erosão dos terraços fluviais) em claro processo resistásico, felizmente, ainda, restrito aos fundos
de vale. A presença da Cesp e, claro, a preocupação com o equilíbrio hídrico regional dará, certamente, uma
resposta positiva com a implantação de projetos de monitoramento de microbacias.

Figura 9 – Ficha biogeográfica resultante do levantamento fitossociológico efetuado


na microbacia do Córrego Três Barras/MS

A partir da década de 1980 houve uma importante aceleração no ritmo da cons-


trução paisagística notadamente na porção Sul-Mato-Grossense. As transformações
que a região conheceu deram uma nova fisionomia à paisagem. Comparando-se os
dados constantes das cartas topográficas da década de 1970 com a imagem de saté-
lite de 1986 (Figura 10), verificamos uma grande diferença no nível fisionômico da
paisagem, traduzida por uma grande abertura de novas áreas para a implantação da
atividade agropastoril. A Figura 11 destaca os 4 eixos de pressão para o interior da
área, identificados na época (1986).
O Sudeste Sul-Mato-Grossense conheceu uma ocupação efetiva mais tardia, que
se deu basicamente pela travessia do rio Paraná, feita por paulistas e paranaenses, após
a década de 1940, com o que se poderia denominar “avanço da fronteira agrícola”. Na
época, dava-se início, também, à penetração dos sulistas (paranaenses, catarinenses e
gaúchos) em direção à região Centro-Oeste que, no Estado de Mato Grosso do Sul,
preferiram as “terras basálticas” da região de Dourados, mais propícias para os fins
agrícolas e de fertilidade e manejo já conhecidos pelos ocupantes em suas regiões de
origem. A baixa fertilidade das “terras areníticas” da porção Sudeste do Estado (área
de estudo), desinteressava qualquer frente de ocupação em busca da produção de
grãos e, portanto, continuou confinada ao desuso ou ao uso com pastagens extensivas
e alguns pequenos núcleos agrícolas, nas proximidades das pequenas vilas ou cidades
(Bataguassu, Anaurilândia, Bataiporã, Nova Andradina).
63 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

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Figura 10 – Uso da terra, da raia divisória SP-MS, em 1986.

A ocupação mais marcante na porção centro-sul do Mato Grosso do Sul7 se deu a par-
tir da década de 1940, ainda no Governo de Getúlio Vargas, com o projeto “Marcha para
o Oeste”, quando foi criada a Colônia Agrícola Federal de Dourados. Dois tipos diferentes
de ocupação podem ser distinguidos nessa região, os quais criaram paisagens igualmente
diferenciadas: o setor oeste, nas circunvizinhanças de Dourados, de grandes propriedades
destinadas à agricultura capitalista e outro, marcado pela agricultura algodoeira desen-
volvida em médias propriedades, nos arredores de Deodápolis, Fátima do Sul, Glória de
Dourados e outras pequenas cidades do setor leste. A estagnação econômica nos anos 1970
e as sucessivas crises na produção acabaram levando este segundo setor à decadência, dian-
te da falta de alternativas e recursos para diversificar a produção. A consequência imediata
disso foi um rápido processo de anexação por compra/venda de boa parte das pequenas
propriedades, gerando novas grandes propriedades8, como já se observava no setor oeste,
que passaram a ter a pecuária como atividade principal. Contudo, as impressões da ocupa-
64 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

ção original ficaram registradas na paisagem, uma vez que, mesmo com o desaparecimento

7
Na época, ainda era Estado de Mato Grosso. A divisão de Mato Grosso e a criação do Estado de Mato
Grosso do Sul se deu em 1977, com sua implantação em 1979.
8
É interessante destacar que algumas propriedades chegam a possuir um conjunto de escrituras, fruto da
anexação de diversas pequenas propriedades.

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de muitas cercas, as marcas do parcelar podem ainda ser percebidas. Outros elementos,
como a presença de pomares, poços d’água, casas abandonadas etc., testemunham da
mesma forma o passado do território.
Como verificamos, desde o princípio esse processo de ocupação incentivado pela
“Marcha para o Oeste” não contemplou a zona ora em estudo, o que a deixou margina-
lizada, fora do processo de desenvolvimento. Na década de 1970, percebia-se uma ocu-
pação efetiva apenas da faixa que bordeja a planície de inundação do rio Paraná, feita
pelos paulistas que se interessaram pelas pastagens naturais (gramíneas) ali presentes e
decidiram cruzar o rio e investir na atividade pastoril. Não obstante, àquela época, já se
podia observar pelo menos três frentes de pressão para o interior dessa área: Frente 1 – os
paulistas avançando numa faixa no sentido noroeste-sudoeste ao longo do rio Paraná e
pressionando em direção ao interior da área, adentrando pelos vales dos rios e ribeirões;
Frente 2 – os paranaenses, entrando pelo vale do rio Ivinhema, vindo de sul para o norte
e penetrando para o interior; Frente 3 – a frente criada pelos projetos da “Marcha para o
Oeste” da região de Deodápolis, Fátima do Sul, Glória de Dourados etc., pressionando do
oeste para o leste.
A criação e/ou a melhoria de vias de comunicação é um dos primeiros atrativos a in-
centivar a ocupação de uma região. Regra geral, o adensamento de vias de comunicação se
dá simultaneamente ao processo de ocupação. Nesses termos, a partir da década de 1980,
percebemos, nitidamente, o aparecimento de uma nova frente de avanço, criada pela fa-
cilidade de acesso proporcionada pelas melhorias na BR-267, rodovia que liga o Estado
de São Paulo a Campo Grande, cortando a área no sentido Leste-Oeste, em sua porção
norte (Frente 4). Assim, o que se vislumbra nessas últimas décadas são quatro frentes de
pressão que trouxeram grandes mudanças nas paisagens da zona destacada (Figura 11). Os
pequenos centros urbanos da região atuaram, igualmente, como pontos que irradiavam
a ocupação de seus entornos. Além das melhorias nas condições de acesso pela BR-267,
muitas outras vias secundárias foram criadas cruzando o interior da área em diversos sen-
tidos, funcionando como novos incentivos para a ocupação de novas áreas. Assim, no
caso da área em pauta, os eixos de penetração estiveram ligados às vias de comunicação e,
também, aos vales dos ribeirões principais.
Nesse mesmo contexto, a partir da década de 1980, entraram em cena outros agentes
que exerceram papéis importantes no incentivo à ocupação da área. A chegada da CESP
65 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

veio criar novas dinâmicas no âmbito regional, seja, de um lado, o incentivo à ocupação de
novas áreas diante da iminência de porções a serem “perdidas” com a formação do reserva-
tório da UHE de Porto Primavera, seja de outro lado, a desvalorização das terras motivadas
pelas incertezas com relação às indenizações. À medida que a situação ficou “mais clara”,
os comportamentos mudaram consideravelmente.

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Figura 11. Frentes de avanço da ocupação para o interior
da porção sul-mato-grossense da Raia Divisória (1986).

A Cesp e as obras compensatórias e mitigatórias

Frente ao conjunto de impactos negativos, causados no contexto regional pela im-


plantação dos projetos hidroenergéticos, a CESP e toda empresa, enquanto empreen-
dedora, torna-se obrigada a minimizar e mitigar ao máximo esses efeitos, perante o
ambiente e a sociedade.
A CESP, considerada uma das mais importantes empresas do setor, no Brasil, com
sua experiência e tecnologia reconhecidas mundialmente, tem, ao longo do tempo,
procurado neutralizar, minimizar ou mitigar os efeitos negativos ao meio ambiente e
à sociedade, causados pelos grandes reservatórios. Ao mesmo tempo, tem estimulado o
aproveitamento múltiplo das novas condições paisagísticas criadas com seus empreen-
dimentos, voltando-os para o desenvolvimento de novas atividades como navegação,
irrigação, turismo, recreação etc., na região afetada.
66 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

Podemos resumir em duas as formas de solucionar ou amenizar os danos e as perdas


inseridos no meio ambiente e na sociedade por um empreendimento como uma usina
hidrelétrica: as obras compensatórias e as obras mitigatórias.
Uma das formas mais comuns de buscarmos um balanceamento entre o desastre
e sua contrapartida é a realização de obras compensatórias, voltadas para a sociedade,

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em forma de benefícios, mesmo que estas não estejam diretamente ligadas ao proble-
ma causado propriamente dito, isto é, podemos, em troca da inundação de uma área
de importância econômica para o município, construir uma estrada que facilite a cir-
culação e o deslocamento na região, ainda que esta não venha beneficiar diretamente
o grupo atingido.
No caso específico de Porto Primavera, a CESP – via acordos e negociações com os
municípios afetados –, construiu uma série de obras compensatórias – genericamente,
de cunho social –, beneficiando, destacadamente, o lado mais atingido, isto é, o Estado
de Mato Grosso do Sul.
Todo o conjunto de obras compensatórias e mitigatórias e as ações da CESP que
vieram agregadas à construção da UHE, serviram de estímulo à reativação econômica da
porção do Estado de Mato Grosso do Sul. As terras, a princípio desvalorizadas, conhece-
ram uma supervalorização por toda a região. A CESP constituiu, de fato, um importante
agente na transformação e na construção da paisagem9 regional.
Juntamente com a implantação da UHE de Porto Primavera, a região conheceu ou-
tros acontecimentos que contribuíram, em maiores ou menores medidas para uma im-
portante transformação na paisagem regional, criando na região uma nova fisionomia,
assim como novas potencialidades de desenvolvimento socioeconômico. Entre os acon-
tecimentos mais marcantes, pode-se citar o papel exercido pelo Movimento dos Sem-
Terra (MST), que desde 1980 tem lutado por uma transformação na estrutura agrária
do Pontal do Paranapanema paulista, através da implantação de assentamentos rurais;
a implantação da UHE de Rosana, no rio Paranapanema, de porte muito inferior em
relação a Porto Primavera, mas, proporcionalmente, com os mesmos efeitos clássicos; e
a efetivação da Hidrovia Tietê-Paraná que trouxe uma nova oportunidade de ligação da
região com outras áreas.
As transformações conhecidas pela região da Raia Divisória de SP-MS, motivadas
pela implantação da UHE de Porto Primavera, não foram, obviamente, as mesmas e
nem tiveram as mesmas intensidades em cada uma das duas porções. Em termos am-
bientais, a porção sul-mato-grossense sofreu os maiores impactos; a porção paulista des-
taca-se por uma maior evidência de efeitos no nível socioeconômico.
A outra via centra-se nas obras necessárias para mitigar ou minimizar os efeitos do
empreendimento. Nesse caso, refere-se àquelas obras que devem ser feitas, refeitas e/ou
67 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

9
Utilizar-se-á a terminologia “construção da paisagem”, tendo como princípio a noção de paisagem como o
resultado de uma construção histórica da sociedade. No caso específico da área estudada, essa concepção do
termo é ainda mais reveladora, visto a construção da paisagem ter se dado sobre grandes extensões ainda em
condições originais, o que denota a construção de uma paisagem antrópica recente.

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relocadas, as quais não podem ser negociadas por outro tipo de operação, que venha
compensar as perdas e os danos engendrados.
Porto Primavera foi concebida para abrigar 18 turbinas de 103 MW cada uma, o
que soma uma capacidade de produção energética superior a 1.800MW, no seu total
funcionamento. A obra é constituída por uma barragem de 11.380 m de comprimento,
localizada a 28 km ao norte da confluência do rio Paranapanema com o rio Paraná. Seu
reservatório criou uma zona inundável de 2.250 km2, com uma extensão de 250 km, até
o local da usina hidrelétrica de Jupiá. Devido a suave declividade da margem direita, o
lago se apresenta bastante largo e com uma imensa lâmina de água de pequena profun-
didade. Em algumas partes sua largura chega a atingir 21 km.
Por esses dados técnicos, podemos constatar que a usina hidrelétrica de Porto
Primavera é um megaprojeto de custos bastantes elevados para o ambiente e para a
sociedade. Mato Grosso do Sul, o Estado mais atingido pelos impactos, perdeu espaços
explorados especialmente pelas grandes propriedades de pecuária do tipo extensiva. A
inundação atingiu, igualmente, importantes espaços agrícolas e jazidas de argila expor-
tadas pelas indústrias de cerâmica da região.
O Estudo e o Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima) são documentos realiza-
dos antes das construção de grandes obras. No presente caso, esses estudos começaram
a ser elaborados seis anos após o início da edificação da barragem, o que é bem tardio,
mas explicado pelo fato de na época não haver ainda uma lei ambiental que obrigasse a
realização dos mesmos. Mesmo assim, os estudos documentaram preciosas informações
sobre os impactos previstos no contexto socioambiental regional. Ainda que a relação
custo-benefício não tenha tido um balanço positivo, de fato, as obras haviam começado
e prosseguiram.
Para tentar compensar os prejuízos, os proprietários rurais ou urbanos diretamente
atingidos pela inundação são indenizados pela perda de todo ou parte de seus bens.
Entretanto, os municípios enquanto entidades administrativas recebem, igualmente,
uma compensação financeira por parte da CESP. Estes passam, então, a receber royal-
ties, proporcionalmente à superfície perdida, o que vem a contribuir sensivelmente para
dinamizar suas atividades econômicas. Por vezes, o montante recebido é superior às
perdas avaliadas ou a riqueza potencial das áreas inundadas. Além disso, muitos outros
equipamentos sociais foram construídos ou reconstruídos: centros comunitários, áreas
68 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

de lazer, reforma e ampliação de hospitais e escolas, asfaltamento de estradas, criação de


parque ecológico etc.
Uma obra desse tipo tende também a acarretar metamorfoses no contexto da
ocupação da região, seja pelas transformações infraestruturais, seja pelas obras
complementares que permitiram um estreitamento de relações entre os Estados

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de São Paulo e de Mato Grosso do Sul e, em menor escala, com o Estado do
Paraná.

As imagens Landsat TM de 1986 e 2001

As duas imagens de satélite utilizadas para efetuar os estudos cobrem uma superfície
de 110 X 114 km, perfazendo uma área total de 12.540 km2. Todavia, devido ao grande
comprimento do reservatório da usina hidrelétrica de Porto Primavera, elas compreendem
apenas a porção inferior e média do mesmo. Entretanto, é o suficiente para avaliar a mag-
nitude das transformações aportadas pela obra ao espaço regional.
A análise das imagens mostra que muita coisa mudou na paisagem entre o período
dos dois registros (1986 e 2001 – Figuras 12 e 13). Essas transformações estiveram,
sobretudo, ligadas ao preenchimento do reservatório, quando extensas superfícies foram
inundadas, seja da planície aluvial ou de ilhas e ilhotas, conforme demonstram as ima-
gens anteriores.

69 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

Figura 12 – Imagem Landsat TM – CC 453 – 02/08/1986.

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Figura 13 – Imagens Landsat TM – CC 453 – 05/08/2001.

As tonalidades de cinza nas imagens podem ser agrupadas, grosso modo, em três clas-
ses diferentes, segundo a ocupação do solo: a cor negra corresponde aos cursos d’água e
lagos; o cinza claro/azulado revelam as superfícies ocupadas por agricultura e pastagens; os
espaços florestais e de cerrados, aparecem em tom vermelho. A porção de floresta que res-
tou intacta (parte inferior direita das imagens) corresponde à Reserva Florestal do Morro
do Diabo, protegida por lei. Em oposição, o desaparecimento de superfícies florestadas é
bastante evidente ao longo do período, sobretudo no Estado de Mato Grosso do Sul, e de
forma menos intensa nos Estados de São Paulo e Paraná.
Comparando as duas datas, podemos perceber claramente a sensível dessimetria
entre as duas margens do rio Paraná. Após o preenchimento do reservatório, pouca
coisa mudou do lado do Estado de São Paulo, enquanto que no lado de Mato Grosso
do Sul, houve a completa inundação da planície aluvial, ainda visível na imagem de
1986. A mesma imagem mostra também um pequeno início de inundação na época,
70 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

causado pelo desvio do curso do rio por um canal mais estreito, criado para implan-
tar as obras da usina. Ademais, a imagem de 2001 (figura 13) mostra que, ao mesmo
tempo em que Porto Primavera estava em vias de construção, houve a implantação,
também pela CESP, da usina hidrelétrica de Rosana, no rio Paranapanema, o que veio
contribuir para aumentar e engendrar outras transformações na paisagem regional.

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As partes que mais sofreram com o desmatamento, aparecem na porção superior es-
querda e central das imagens. Em compensação, pode-se verificar que as florestas-galerias,
que acompanham os cursos d’água, em sua maioria, restaram conservadas.
Ademais, os ribeirinhos e ilhéus que viviam nas zonas ocupadas pelas águas foram
obrigados a se deslocar para outros lugares e, às vezes, obrigados também a mudar de
atividade econômica, o que provoca um sério problema cultural. Nesse caso, os empreen-
dedores da obra são também obrigados a indenizá-los financeiramente ou a criarem espa-
ços convenientes para realocá-los, sejam rurais – materializado sobretudo sob a forma de
assentamentos – ou urbanos – como o exemplo da vila de Nova Porto XV que foi recriada
justamente na nova margem do rio Paraná, a fim de realocar num ambiente parecido, os
pescadores da antiga Porto XV, hoje debaixo d’água.

Impactos Ambientais motivados pelo preenchimento do reservatório


da UHE de Porto Primavera

Da leitura e análise dos volumosos exemplares do Relatório de Impacto Ambiental


(RIMA) da UHE de Porto Primavera, constatamos, inicialmente, dois aspectos: (a)
trata-se de uma peça de caráter eminentemente burocrático, cujo conteúdo de expli-
citação do diagnóstico socioambiental apresenta inúmeros conflitos, quando confron-
tados com a realidade; (b) a prognose, em que se encontram as propostas de gestão
do território impactado, mais especificamente a atuação da CESP através das obras
compensatórias e mitigatórias, foi atropelada, num primeiro momento pela lentidão
do processo de construção das obras e, num segundo momento, pela aceleração da
construção dessas mesmas obras, tendo em vista a superação da crise energética brasi-
leira que atingiu o país e a sociedade ao longo de todo o período de estiagem do ano
de 2001 (abril-outubro).
O período de construção da UHE de Porto Primavera (1980-1999) está caracterizado
por significativas mudanças conjunturais e estruturais do Estado Brasileiro, notadamente
o aumento da dependência ao capital estrangeiro. No sentido de expormos, de forma didá-
tica, esse caráter da economia e do modelo de desenvolvimento brasileiros, transcrevemos
parte do artigo de Célia Chaim, publicado no Caderno Especial da Folha de São Paulo de
20 de maio de 2001, p. A5:
71 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

O velho modelo energético das grandes estatais morreu asfixiado pela falta de
investimentos, contidos para reduzir o déficit público (os investimentos em estatais
entravam nas contas do governo) e garantir um bom boletim para o país apresentar
ao FMI (Fundo Monetário Internacional).

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Morreu também pela utilização política, um dos muitos problemas que geraram
sua ineficiência, diz o professor Maurício Tolmasquim, da Coordenação dos Programas
de Pós-Graduação em Energia (Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E
morreu afogado pelo excesso cometido na concessão de subsídios às empresas chamadas
de eletrointensivas, ou seja, as grandes empresas que utilizam energia com intensidade.
Só nos projetos de alumínio da Albrás, da Alumar e da Camargo Corrêa Metais,
a Eletrobrás divulgou dados em 1989 que envolviam subsídios em torno de US$ 1,1
bilhão pelo prazo fixado na época em 20 anos. As chamadas empresas eletrointensivas
– grandes multinacionais como a americana Alcoa e grandes grupos nacionais como
a Votorantim – sempre pagaram pela energia um preço abaixo do custo, algo entre
US$ 10 por MWh e US$ 20 por MWh, enquanto o custo de geração de Tucuruí, por
exemplo, era de US$ 38 MWh, causando a perda de centenas de milhões de dólares.
................................................................................................................
Para os especialistas, essa é uma crise anunciada desde os anos 1980, quando
as fontes de financiamento do setor secaram, as obras – carregadas de sobre custos
pelas empreiteiras – foram paralisadas. Só a usina de Tucuruí, prevista para envolver
investimentos de US$ 500 por kW, custou quatro vezes mais.

Em relação ao processo de construção da UHE de Porto Primavera, caracterizado pela


sucessão de períodos de aceleração e de desaceleração das obras, o que, inegavelmente,
interfere de forma negativa nos impactos ambientais, vamos nos valer do conflito entre o
dispositivo legal (Rima) e a realidade observada in locus (Fotografia 2).
72 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

Fotografia 2 – Apesar do longo período, entre o início das obras e o enchimento do reservatório da UHE de Porto
Primavera, uma grande quantidade de vegetação arbórea foi deixada dentro da cota de inundação, conforme mostra
a foto acima, tirada nas proximidades da foz do Córrego Três Barras – Anaurilândia/MS: repetição de erros, prejuí-
zos socioambientais.

iberografias42.indb 72 17/06/2022 18:00:33


O desmatamento de áreas onde irão se formar corpos d’água artificiais consiste
numa prática obrigatória por lei, a qual nem sempre é adotada ou muitas vezes é
executada em caráter parcial para melhorar a qualidade da água em regiões especi-
ficas do reservatório, evitar a formação de “paliteiros” ou facilitar o resgate da fauna
(Cesp, 1994, p. 115).

Por um esforço de síntese

No Sudoeste Paulista, a ocupação, a princípio motivada pelo avanço do café e da


ferrovia, no início do século XX, é “redefinida” a partir do uso das terras areníticas e terá
na cultura do algodão – a partir dos anos 1940 – a sua maior motivação. No extremo
Sudoeste/Pontal do Paranapanema, o caráter de apropriação ilegal das reservas florestais,
caracterizou-se por elevada agressividade, onde o desmatar foi a única forma de “legitimar”
a posse.
A ocupação do Sudeste sul-matogrossense foi uma consequência natural (osmose)
da capitalização observada nas áreas próximas e de ocupação anterior. O fato do capital
“externo” se apropriar, majoritariamente, do espaço tem um peso significativo (negativo)
na gestão do território, ainda hoje.
As desigualdades territoriais permanecem nas condições atuais. É necessário con-
siderarmos desde as características naturais herdadas até as relações sociedade-natureza
plasmadas e materializadas na paisagem.
O nosso objetivo maior foi o de entendermos os dinamismos de cada parcela e de
suas relações com os contextos socioeconômicos e políticos nacionais, até porque, são
regiões comandadas por decisões externas.
Estamos muito próximos da realidade ao afirmarmos que a raia divisória, no conjun-
to, apresenta-se como um espaço de baixa fluidez, de lentidão e opaco10.
Deixamos de lado os indicadores numéricos/estatísticos, apesar de, num primeiro
momento, termos elaborado gráficos e tabelas, a partir das informações extraídas do
BIM – Base de Informações Municipais do IBGE, 1999 – e de outras fontes. Priorizamos
a análise eco histórica.
As análises das imagens satelitares, os registros fotográficos, as observações sobre o
terreno, as entrevistas etc. se prestam melhor – acreditamos – à explicitação dos proces-
73 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

sos evolutivos do que o tratamento numérico.


Estamos, pois, assumindo uma abordagem mais qualitativa, porém mais apropriada à
compreensão do processo de construção da paisagem na raia divisória.
10
Termos emprestados de Santos, M. e M. L. Silveira: O Brasil. Território e Sociedade no início do século
XXI; capítulo XII – As diferenciações do território, p. 259.

iberografias42.indb 73 17/06/2022 18:00:33


O uso da palavra raia sugere um espaço integrado, cuja evolução contempla a partici-
pação dos agentes e dos atores no seu todo – na raia.
Não foi isso que constatamos ao longo deste estudo sobre a raia divisória São Paulo
– Mato Grosso do Sul. Talvez a única identidade – entre essas duas unidades territoriais
– esteja na ocorrência do arenito Caiuá. Os demais elementos naturais: clima e, principal-
mente, a vegetação são quase que domínios à parte.
O processo de ocupação de cada uma das parcelas se deu diferentemente: no tempo
e na forma. Essa herança ficou plasmada na paisagem atual, malgrado o curto período de
atuação dos agentes.
É possível, a partir do diagnóstico efetuado, prevermos que a infraestrutura criada
através das obras compensatórias e mitigatórias realizadas pela CESP (barragens, pontes,
estradas asfaltadas etc.) e do projeto de valorização/revalorização das terras areníticas –
Programa Fronteiras do Arenito –, mise en valeur pela Cocamar e, ainda, da atuação de
outros agentes locais-regionais (Prefeituras Municipais, Agroindústrias de laranja, de man-
dioca, de frango etc.), dinamizem os fluxos e integre a raia.

Vale destacar que:


. a ocorrência do Arenito Bauru, no Sudoeste paulista, condicionou um modelo de
ocupação marcadamente agrícola, enquanto que, nas áreas de ocorrência do Caiuá (extre-
mo Sudoeste/Pontal do Paranapanema) predominou, desde o início, a pecuária extensiva;
. no Sudoeste paulista, na área de ocorrência do Caiuá, os vales são abertos, as águas
mais espraiada. Essa morfologia do relevo, associada à dinâmica das águas fluviais, ficou
totalmente à mercê do processo de erosão, transporte e sedimentação, interferindo na
fisiologia da paisagem, notadamente pelo assoreamento e desperenização aguda dos pe-
quenos cursos fluviais.
. no Sudoeste paulista, as áreas de relevo mais rugoso (topos) estão estreitamente rela-
cionadas à ocorrência do arenito Bauru carbonatado. Os primeiros pioneiros – menos pre-
parados tecnicamente e economicamente – ocuparam essas áreas mais elevadas, autênticas
“bocas-do-sertão”11, resultando no caráter muito agressivo de lesionamento da paisagem;
. o Sudeste Sul mato-grossense apresenta uma estrutura diversa e própria: era uma
ampla planície de inundação do alto curso do rio Paraná que foi totalmente inundada
pelo lago formado para atender à Usina Hidroelétrica Engenheiro Sérgio Motta/Porto
74 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

Primavera, conforme está demonstrado a partir das fotos e das imagens Landsat TM de

11
No atual município de Mirante do Paranapanema, o povoamento “efetivo” deu-se a partir da chegada de
cerca de 40 imigrantes (tchecos e húngaros), em 1926, que desmataram a machado, construíram as mora-
das, desenvolveram uma agricultura de subsistência e viveram em total isolamento até a chegada da frente
pioneira que subsistiu na euforia das boas colheitas de algodão.

iberografias42.indb 74 17/06/2022 18:00:33


1986 e 2001. Enquanto que a planície de inundação, revestida de gramíneas e de pastagens
naturais, permitiu o desenvolvimento de uma pecuária extensiva – com baixa capacidade
de criar empregos – , as baixas e médias vertentes estavam revestidas por um complexo
mosaico florístico: cerrado, cerradão, mata tropical e significativas manchas de vegetação
xerofítica de difícil cartografia.
A evolução do uso do solo, determinante para o padrão paisagístico atual, deu-se den-
tro de contextos inteiramente diversos.
No Sudoeste paulista, a frente pioneira que chegou, de forma mais agressiva, no início
dos anos 40 do século passado, produziu – em consonância com os anos da Segunda Grande
Guerra – , hortelã e algodão e, mais tarde (início dos anos 1950), foi contemplado com a che-
gada das indústrias beneficiadoras de algodão. Essas mesmas indústrias paralisaram as atividades
pouco tempo depois (início dos anos 1960), após terem motivado a eliminação da mata tropi-
cal. A partir desse momento, observou-se a desagregação da economia local e do mundo rural.
Iniciou-se a pecuarização e, paralelamente, o processo de desterritorialização mais
estúpido por nós observado: os cemitérios dos antigos bairros rurais estão encobertos
pelo capim, o gado pisoteia e pasta neles e, pior, a geração atual não tem a menor sen-
sibilidade em relação a essa realidade, conforme constatamos a partir de entrevistas. É
importante lembrar que, aqui, os plantadores de algodão sobreviveram como meeiros e
arrendatários, marcadamente.
Portanto, o plantio de algodão e a utilização de mão-de-obra para desmatar e formar
as pastagens já estavam inseridos na mentalidade dos médios e grandes proprietários rurais
da região que tinham como ambição maior a pecuária – o ser fazendeiro.
No Sudeste Sul mato-grossense, a ocupação deu-se numa base externa, ou seja, a capita-
lização das regiões Oeste de São Paulo e Norte-Noroeste do Paraná; isso permitiu que muitos
fazendeiros aí residentes comprassem as terras de várzeas e de cerrados e expandissem as suas
atividades pecuaristas para esse espaço da raia. Observamos que, uma “frente” de investidores
paranaenses deslocou-se de leste para oeste e foram se estabelecendo – como plantadores de
café e de soja (em pequena escala) ou de criadores de gado, estes últimos em maioria.
Até porque se tinha uma concepção, até então, de que as terras de cerrado não seriam
propícias à agricultura e, claro, porque o varjão (planície de inundação) era, em última
análise, um pasto natural. Os fazendeiros paulistas de Presidente Prudente, Presidente
Venceslau, Presidente Epitácio, Araçatuba e de outras cidades entraram no sentido inverso,
75 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

de oeste para leste, aproveitando-se do corredor “natural” de entrada para a região Centro-
Oeste, ou seja, a rodovia asfaltada.
Essas duas frentes encontraram-se à altura da atual barragem da UHE Eng. Sérgio
Motta. Em relação às mudanças mais recentes, as duas unidades da raia apresentam, uma
vez mais, uma evolução distinta:

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O Sudoeste Paulista:

. a paralisação das obras da CESP (hidroelétricas), associada às questões locais (contes-


tação dos títulos de posse das grandes propriedades rurais) e nacionais (abertura política/
governo Franco Montoro), desencadeiam o surgimento do MST (Movimento dos Sem
Terra) na região, que mais tarde ganha repercussão internacional;
. a implantação da Destilaria Alcídia, no contexto do primeiro choque da crise do
petróleo, não foi suficiente para uma retomada do desenvolvimento local-regional; ape-
sar dos significativos assentamentos rurais, observa-se, na paisagem, marcas concretas da
desterritorialização (estradas vicinais abandonadas e/ou destruídas pela erosão, cemitérios
abandonados, bairros rurais totalmente extintos).

No Sudeste Sul Mato-Grossense:

. o preenchimento do reservatório da UHE de Porto Primavera e os efeitos das respec-


tivas obras compensatórias e mitigatórias motivam, num primeiro momento, uma dinâ-
mica positiva (assentamentos rurais, reurbanização, abertura e asfaltamento de rodovias,
construção de áreas de lazer etc.); no entanto, a posse da terra está sob o controle dos
grandes proprietários que muito pouco contribuem para a economia local;
. os royalties da Cesp darão condições (e, talvez, acomodações) aos municípios atin-
gidos pelos reservatórios. Esta parcela da raia, certamente, manterá o modelo da grande
propriedade com pecuária extensiva e os investimentos em infraestrutura turística serão
totalmente de controle externo, pois ela é carente de agentes locais.
Enfim, a raia foi, é e continuará a ser uma região controlada por agentes externos.

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76 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

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Restauração Ecológica em propriedade
rural na Área de Proteção Ambiental do
Córrego Timburi, Município de Presidente
Prudente-SP

Thais Helena Gonçalves1

Introdução

Compreende-se que a interação homem-natureza, demanda cada vez mais matéria


prima e extração dos recursos naturais para o aumento da produtividade. A partir do
crescente populacional, o avanço tecnológico propiciou mais atividades exploratórias, que
interferiram de maneira significativa no equilíbrio ecológico.
No estado de São Paulo a ocupação aconteceu a partir da criação de linhas ferroviárias.
Com a construção da estrada de ferro Alta Sorocabana no século XX, cidades foram sendo
construídas ao redor. Pelo interesse em terras devolutas e a alta do plantio e consumo de
café, o crescimento do cultivo nas terras desta porção do Oeste Paulista sofreram com o
uso e ocupação do solo.
Entende-se, portanto, que seja no campo ou na cidade, as ações humanas e seus diferen-
tes usos da terra, apresentam impactos negativos para fauna e flora. No Brasil, as atividades
no âmbito rural, destacam-se pela problemática do desmatamento em áreas de preservação
permanente. Seus efeitos têm forte influência na estabilização geológica, visto que a falta de
manejo e técnicas adequadas atrapalham o desenvolvimento das culturas agrícolas. 79 // Património natural, injustiça ambiental e desenvolvimento rural

Além disso, este solo empobrecido e exposto fica suscetível a erosão e consequente-
mente o assoreamento dos cursos d’água, processos naturais, mas que são acelerados pela
ação antrópica. Isso acaba comprometendo a qualidade e a quantidade dos recursos hídri-
cos disponíveis na bacia hidrográfica e impactando não só a natureza, mas o bem-estar da
população que depende desses recursos.
É preciso, portanto, avaliar a frequência, duração e os fatores que comprometem o
ecossistema, de modo a reestabelecer o equilíbrio ecológico. Sendo assim, visando mitigar a

1
FCT-UNESP, Presidente Prudente, São Paulo, Brasil
thais.helena@unesp.br

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degradação ambiental resultante dessa exploração, bem como a proteção da biodiversidade,
propõe-se a preservação, conservação e restauração de ambientes fragmentados, a partir da
criação de áreas protegidas.
Para diminuir tais impactos, foram criadas áreas protegidas que estão amparadas pelas
leis federais e estaduais, como a lei nº 9.985 de 2000, que instituiu o Sistema Nacional de
Unidades de Conservação da Natureza (SNUC). No caso da Área de Proteção Ambiental,
esta área permite habitação humana, desde que mantenha o uso sustentável e protegendo
a biodiversidade, e recuperando as áreas de preservação permanentes.
Conforme a legislação do estado de São Paulo, pela resolução SMA nº 32 de 2014, que
estabelece diretrizes para a restauração ecológica em áreas degradadas, levando em consideração
o equilíbrio e integridade ecológica, tem-se parâmetros que a curto e longo prazo trazem bene-
fícios para recomposição de vegetação nativa, de modo que chegue próximo ao estágio original.
Estes tipos de técnicas visam facilitar o processo de sucessão ecológica de determinada
área, para que esta se torne autossustentável ao longo dos anos. O projeto de restauração
ecológica respeita o planejamento, execução e também o monitoramento que é fundamen-
tal para acompanhar o avanço das espécies e o êxito das ações.
Neste trabalho, será considerada a Área de Proteção Ambiental Timburi, localizada
geograficamente no Município de Presidente Prudente, estado de São Paulo, tendo as
coordenadas aproximadas de 22°00’00”S e 51°22’00”O. A cobertura vegetal nativa predo-
minante de Floresta Estacional Semidecidual, do Bioma Mata Atlântica.
Conforme Nunes et al (2020), a APA tem uma área total 4.608,2 hectares, com o pre-
domínio de pastagem para o gado bovino, com processos erosivos que ocorrem na maioria
das vezes nas cabeceiras de drenagem, em forma de anfiteatro e também nos terraços e
planícies aluviais, com uma rede de drenagem que apresenta 118, 89 km de extensão.
Sua economia é baseada principalmente na agricultura de pequenas hortaliças, como
frutas e verduras e pecuária de corte e leiteira, para venda e subsistência das famílias.
Segundo Donaton (2013), há aproximadamente 82 proprietários rurais, considerando o
80 // Património natural, injustiça ambiental e desenvolvimento rural

Bairro do Timburi e o Bairro 1º de Maio. Por sua vez, essa ocupação gerou diversas alte-
rações ambientais ao longo dos anos com pontos de alta vulnerabilidade que precisam de
manejo e conservação dos solos adequados.
A Área de Proteção Ambiental Timburi (APA) tem este nome por estar inserida na Bacia
Hidrográfica do Córrego Timburi, que é afluente do Córrego da Onça, que é afluente do rio do
Peixe. Por isso, faz parte da Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos 21 (UGRHI-21),
que tem como órgão responsável o Comitê das Bacias Hidrográficas dos Rios Aguapeí e Peixe.
Tendo como foco principal o recorte de uma propriedade rural, escolhida estratégicamen-
te por ser uma área prioritária com necessidade de recomposição florestal, foi feito um levan-
tamento dos fatores de perturbação e análise das melhores técnicas para restauração ecológica.

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Figura 1 – Localização Geográfica da Área de Proteção Ambiental Timburi

81 // Património natural, injustiça ambiental e desenvolvimento rural


A restauração ecológica, constitui-se de diversas etapas para a obtenção de resultados
que estão ligados ao reconhecimento prévio da área e trabalhos de campo para avaliação.
Dentre estas etapas, podemos destacar: estudo prévio sobre a área de estudo, como os tipos
de solo, relevo, clima; identificação de problemas e análise dos fatores de perturbação para
isolamento destes; estabilização do solo e contenção de erosões com técnicas adequadas;
tipos de vegetação, presença de plantas invasoras, execução do projeto e monitoramento.
Para tanto, foi necessária a produção de mapas de uso e cobertura em áreas de preser-
vação permanente por meio da interpretação das informações, cruzando as informações
de imagens de satélite e visitas a área de estudo para confirmação. Os mapas apresentam o
recorte da APA do Timburi com enfoque na propriedade rural escolhida.

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Os resultados aqui apresentados são parte de um trabalho de conclusão de curso para
obtenção do título de bacharelado em Geografia, concluído no ano de 2021 pela autora,
intitulada: Áreas De Preservação Permanente Fluviais Na Área De Proteção Ambiental Do
Córrego Timburi, Município DePresidente Prudente-SP.

Procedimentos Metodológicos

Para o levantamento inicial da área, esta pesquisa priorizou o trabalho de gabinete com o
apoio de revisão bibliográfica de temas afins, os aspectos físicos-naturais, como o clima, tipo
de solo, e uso e cobertura da terra na extensão da Área de Proteção Ambiental do Timburi.
Buscou-se também realizar uma análise da legislação federal e estadual e resoluções pertinen-
tes a temática de conservação dos recursos naturais, meio ambiente e restauração ecológica, bem
como teses e dissertações, em plataformas como o repositório da Unesp e o Google Acadêmico.
Na produção cartográfica, foram utilizadas as bases de órgãos públicos como a Agência
Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e o Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE). As escalas dos mapas não foram padronizadas e por isso foram altera-
das, a fim de garantir uma melhor visualização e qualidade na apresentação dos mesmos.
O mapa de geologia elaborado em escala 1.250.000, a base cartográfica utilizada foi
o Mapa Geodiversidade do Estado de São Paulo (CPRM, 2010). Para o mapa de decli-
vidade, foram utilizadas imagens de radar da Missão Topográfica Radar Shuttle (SRTM/
NASA, 2000), elaborado em escala 1.100.000.
No mapa de uso e cobertura da terra em APP, (escala 1.50.000), foram utilizadas as
imagens de satélite da série LANDSAT versão 8, com resolução espacial de 30 metros e
radiométrica de 16 bits, adquiridasa partir da plataforma Earth Explorer. Após a seleção das
cenas, foi feito o mosaico das imagens a partir da opção ‘mosaic to new raster’ do ArcGis. Já
para a classificação de uso e cobertura, foi utilizado o Manual Técnico de Uso da Terra IBGE
(2018) e no que se refere a elaboração dos mapas analisados, o software ArcGis, versão 10.3.
82 // Património natural, injustiça ambiental e desenvolvimento rural

A partir disto, foram analisadas as áreas mais vulneráveis para a escolha da propriedade. Para
o mapa de localização da propriedade (escala 1.100.000) e área de preservação permanente na
APA (escala 1.50.000), foram utilizadas as bases cartográficas do IBGE (2017) e ANA (2018).
As Áreas de Preservação Permanente com remanescentes de vegetação foram identificadas
por meio de interpretação de imagem de satélite do dia 25/03/2020. A escala utilizada para
o mapa de Área de Preservação Permanente a ser restaurada na propriedade foi de 1.10.000.
Para a realização do cálculo de área total da APP na propriedade, foi feita a medição a partir
do buffer produzido pelo software ArcGis conforme a legislação a Lei 12.651/2012 do Novo
Código Florestal Brasileiro, quanto a delimitação das áreas a serem restauradas. Na medição
linear da metragem de cerca, utilizou-se uma imagem do Google Earth em formato KML.

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A proposta de restauração ecológica na propriedade rural com APP degradada, assim
como a escolha de técnica adequada, foi proposta de acordo com o mapeamento, análise
dos dados coletados e trabalhos de campo realizados na área. Ela segue de acordo com a
Lei Federal nº12.651/2012, a Resolução da Secretaria do Meio Ambiente, nº 32, de 03
de abril de 2014 e portaria da Coordenadoria Brasileira de Recursos Naturais nº 01/2015,
que estabelecem as orientações, diretrizes e critérios sobre restauração ecológica no Brasil
e no Estado de São Paulo, e monitoramento dos projetos.

Resultados e Discussões

Por ser uma área recentemente estabelecida por lei como Área de Proteção Ambiental,
não há um vasto acervo de estudos e mapeamentos. Fez-se necessário utilizar de bibliogra-
fias sobre o Oeste Paulista e materiais atualizados pelo projeto FAPESP (nº 2019/12164-4)
A APA do Timburi localiza-se na Bacia Sedimentar do Paraná. Segundo o Comitê das
Bacias Hidrográficas dos Rios Aguapeí e Peixe, 1997, há afloramento de arenitos da forma-
ção geológica Adamantina do Grupo Bauru, pertencente a Formação Serra Geral (K1Bsg)
do Grupo São Bento. A predominância é da Formação Vale do Rio do Peixe (K2vp) e
Formação Presidente Prudente (K2pp) (Mapa 1).

83 // Património natural, injustiça ambiental e desenvolvimento rural

Mapa 1 – Área de Proteção Ambiental Timburi- Geologia

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Quanto a geomorfologia, a APA está situada no Planalto Ocidental Paulista, com um
relevo ondulado levemente, de domínio de Colinas Dissecadas e Morros Baixos (R4a2),
com uma amplitude topográfica que varia de 30a 80 metros conforme Gonçalves (2021).
Já o clima local, segundo Boin (2000) o Oeste Paulista tem um verão chuvoso, pois loca-
liza-se em uma área de transição climática do tipo tropical.
Nunes e Fushimi (2010), caracterizam os tipos de solo como Argissolos Vermelho-
Amarelo e os Neossolos Litólicos, Latossolos, Planossolos e Gleissolos. Esta característica
pedológica tem influência, pois são solos suscetíveis a erosão com moderada fragilidade
ambiental, que são aceleradas pela retirada da cobertura vegetal, pisoteio do gado e cultivos
agrícolas sem manejo. De acordo com a classificação da EMBRAPA (2006), há declives
predominantemente ondulado (entre 8 a 20%). (Mapa 2)
84 // Património natural, injustiça ambiental e desenvolvimento rural

Mapa 2 – Área de Proteção Ambiental Timburi- Declividade

Para análise de uso e cobertura da terra, foi utilizada uma imagem do Landsat 8 do
dia 25 de março de 2020. O mapa, apresenta as classes de uso da APA atualmente. Fica
exposto que em todo recorte há um uso intensivo. Entende-se que há diversos pontos
vulneráveis com poucos fragmentos florestais. A pastagem ainda é mais expressiva, seguida
pela agricultura em diversos pontos. (Mapa 3)

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Mapa 3 – Área de Proteção Ambiental Timburi- Uso e Cobertura da Terra

É possível observar que o solo exposto é maior que a quantidade de florestas por hec-
tare. Isto indica a necessidade de trabalhar na recuperação de áreas degradadas, visando
mitigar esses impactos e realizar um projeto de restauração ecológica que contribua para o
uso sustentável. De acordo com Gonçalves (2021), na APA Timburi, de uma área total de
4.608,2 hectares, corresponde a APP, cerca de 228, 78 hectares, cerca de 2, 17%. O uso
antrópico em APP representa 126,03 hectares. (Mapa 4)
85 // Património natural, injustiça ambiental e desenvolvimento rural

CLASSES DE USO E COBERTURA DA TERRA

Pastagem 2.249,85 ha

Agricultura 1.612,50 ha

Solo Exposto 574,08 ha

Floresta 510,85 ha

Elaboração: A autora, 2021.

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Mapa 4 – Área de Proteção Ambiental Timburi- Uso e Cobertura da Terra em APP

Foram realizados dois trabalhos de campo para averiguação das feições apresenta-
das nos mapas. A partir disso, analisou-se uma propriedade rural como prioritária, que
já está sendo área de estudos para contenção de erosões pelo projeto desenvolvido pela
Universidade Estadual Paulista- UNESP Campus de Presidente Prudente-SP.
A propriedade tem uma extensão de 173, 82 hectares, com a coordenada central (cen-
tróide) de LAT: -21,983404 LONG: -51,376494. A atividade econômica principal a pe-
86 // Património natural, injustiça ambiental e desenvolvimento rural

cuária de corte, com criação bovina e ovina, com um uso antrópico que sobressai ao uso
natural de aproximadamente 7,09 hectares. O valor total de APP dentro desta propriedade
é de 9,25 hectares. (Mapa 5)

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Mapa 5 – Localização Geográfica da Propriedade Rural na APA Timburi

Para iniciar o projeto de restauração ecológica, é preciso realizar o isolamento dos


fatores de perturbação. As visitas a campo mostraram que o pasto avançava as áreas de
preservação permanente para a dessedentação dos animais. Por isso, a construção de cercas
rurais é fundamental para a regeneração natural e plantio de mudas.
A compactação do solo por onde os animais transitam, leva ao empobrecimento, pois
este perde suas qualidades químicas e físicas. Isso dificulta a germinação de sementes, o
desenvolvimento das plantas, e consequentemente diminui a quantidade de matéria orgâ- 87 // Património natural, injustiça ambiental e desenvolvimento rural

nica que interfere na fertilidade do solo. Também, reduz a infiltração de água, aumenta o
escoamento superficial no período de chuvas, e facilita a erosão.
Foi realizado o cálculo da metragem de cerca, a partir da estimativa das áreas de pre-
servação permanentes no limite da propriedade. O cálculo, portanto, priorizou a cerca
adicional, sem levar em consideração as cercas já feitas pelo proprietário nos pontos
de erosão e o perímetro da propriedade. Estimou-se a necessidade de 3.010 metros de
cerca. (Figura 2)

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Figura 2- Metragem de Cercas- Cálculo de Perímetro

As plantas invasoras podem ser um fator perturbador que atrasa e contribui negativa-
mente para o crescimento das plantas em seu habitat natural. São consideradas invasoras,
plantas exóticas que não pertencem aquele ecossistema e que são trazidas de outras locali-
dades. Elas podem tomar o espaço de plantas nativas, demandando mais nutrientes, água
e luz.
Sendo assim, é importante além do cercamento, estar atento a questão de gramíneas e
outras plantas que interfiram no desenvolvimento das mudas. Propõe-se roçadas manuais
88 // Património natural, injustiça ambiental e desenvolvimento rural

para que não haja prejuízos no crescimento das demais. A roçada mecanizada e o uso de
plantas de cobertura também são boas alternativas. Em último caso, o menos recomen-
dando é a utilização de controle químico, visto seu impacto ambiental.
A erosão, apesar de ser um processo natural, acaba sendo intensificada pelas atividades
humanas. O uso do solo sem o devido preparo, a retirada de cobertura vegetal e o tipo de
solo com maior fragilidade e suscetibilidade, clima e topografia são fatores condicionantes.
Em períodos longos de chuva, há transporte de sedimentos que levam a perda de solo e são
levados ao leito dos rios, causando o assoreamento.
Para a contenção deste problema na propriedade, vem sendo realizado um projeto
do processo FAPESP (Nº 2019/12164-4), intitulado: “Recuperação de áreas degradadas

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da Área de Proteção Ambiental de Uso Sustentável no Timburi, município de Presidente
Prudente – SP”, monitorado por professores e alunos da Universidade Estadual Paulista.
Com a implantação de barreiras de baixo custo, feitas a partir de bambu, visa a
diminuição da velocidade da água pluvial, barrando os sedimentos e estabilizando as
erosões. Esta técnica é conhecida como ‘paliçadas de bambu’, consistindo em bambus
amarrados de modo a construir uma barreira física, podendo utilizar também pneus e
sacos de ráfia ou material similar para fazer as amarrações. Notou-se melhora nos pontos
em que esta técnica foi empregada. Até o momento, houve melhora nos tamanhos dos
focos de erosão. (Figura 3)

A Autora, 2020.
89 // Património natural, injustiça ambiental e desenvolvimento rural

Para o êxito do projeto, é preciso fazer a manutenção, monitoramento e avaliação da


propriedade. A manutenção para conduzir a regeneração de espécies nativas, como a poda e a
roçada. O monitoramento quanto ao isolamento dos fatores de perturbação e o crescimento
das plantas, bem como a análise de bioindicadores. A avaliação, feita em meses e depois em
anos, garante que a área possa se recompor conforme os objetivos propostos inicialmente.
Quanto ao custo, o projeto em parceria com a universidade e a Secretaria de Meio
Ambiente do Município de Presidente Prudente-SP, visa de recomposição de áreas de-
gradadas a partir das mudas disponíveis no viveiro. Já o custo do cercamento, fica como
responsabilidade do proprietário.

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Considerações Finais

A partir da análise da imagem de satélite, resultando no mapa a seguir da área de pre-


servação permanente a ser restaurada, seguindo a legislação de compensação a partir da
área consolidada e também pela quantidade de módulos fiscais, entende-se que é preciso
considerar o decreto nº 6.514, de 22 julho de 2008, que modificou o código florestal e
mantém a anistia aos proprietários que aderirem ao PRA (Programa de Regularização
Ambiental). (Mapa 6)

Mapa 6 – Propriedade Rural Escolhida- Área de Preservação Permanente a ser restaurada


90 // Património natural, injustiça ambiental e desenvolvimento rural

Considerando que a propriedade rural composta por 173, 82 hectares, do qual 9,25
hectares são de APP, sabendo que um módulo fiscal no Município de Prudente equivale a
22 hectares, a propriedade está acima de 5 módulos fiscais. Por isso, pelo seu uso antrópico
que é de cerca de 7,09 hectares, e pelo decreto citado, a área de APP a ser restaurada é de
cerca de 3,5 hectares.
Admite-se, portanto, que neste projeto a melhor técnica para restaurar ecologicamente
a área seria a de plantio por mudas, como estratégia mais efetiva neste momento. O cálculo
da quantidade estimada de mudas está de acordo com o espaçamento de 3m X 2m (1.667
mudas/ha) conforme a EMBRAPA (2020). Estimou-se o plantio de aproximadamente
5.835 (cinco mil oitocentos e trinta e cinco) mudas.

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As mudas escolhidas para o plantio direto com manejo, serão conforme a lista de
espécies indicadas para fins de restauração ecológica para as regiões do Estado de São
Paulo, pela Secretaria do Meio Ambiente (SMA,2017). A variedade e a quantidade por
espécies, dependerá da disponibilidade das mudas no horto florestal da Secretaria de Meio
Ambiente do Município de Presidente Prudente-SP.
Ademais, será seguida a legislação ambiental federal, estadual e municipal, bem como
as orientações da Coordenadoria Brasileira de Recursos Naturais CBRN nº 01/2015 e a
resolução da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo nº32 de 2014. Isso visa
a regularização ambiental, monitoramento e análise dos avanços desta área, até que as APP
possam apresentar regeneração natural e reestabelecerem o equilíbrio ecológico.
Com o processo de recuperação de áreas degradadas a partir darestauração ecológi-
ca,haverá aumento da biodiversidade e da troca de fluxo gênico entre fauna e flora. Este
trabalho demandará anos para que o ecossistema chegue próximo ao original, mas pode
dar resultados significativos se for desenvolvidas as etapas de monitoramento e avaliação
pela secretaria de meio ambiente e pelo proprietário rural.
Torna-se indispensável, continuar a elaboração de projetos como este e de trabalhos de
educação ambiental na APA, para conscientizar os moradores e estimular novas ações de
recuperação. Sendo assim, a restauração de áreas de preservação permanente serão benéfi-
cas para a bacia hidrográfica do Córrego Timburi.

Resumo
Esta pesquisa é resultado de um trabalho de graduação, realizado na Área de Proteção
Ambiental do Córrego Timburi, no Município de Presidente Prudente, estabelecida pela Lei
nº 235/2019. O estudo se utilizou da produção, interpretação de mapas, aporte legislativo e
visitas à campo, tendo em vista a compreensão dos aspectos físicos e reconhecimento dos fato-
res de perturbação. Seu objetivo foi identificar as Áreas de Preservação Permanente da Área de
91 // Património natural, injustiça ambiental e desenvolvimento rural
Proteção Ambiental (APA) do Timburi quanto a vegetação remanescente e propor restauração
ecológica para um trecho degradado de uma propriedade rural. As Áreas de Proteção Ambiental
foram estabelecidas e destinadas a proteção dos ecossistemas regionais, permitindo a ocupação
humana desde que seja uso sustentável. Neste estudo, foram mapeadas as Áreas de Preservação
Permanente na APA, bem como o uso e cobertura da terra nas APP, a partir das imagens de radar
da Missão Topográfica Radar Shuttle (SRTM/NASA, 2000). Gerou-se produtos cartográficos
visando a compreensão de aspectos físicos-naturais, além da análise de imagens de satélite da série
LANDSAT 8, para identificar as APP com fragmentos florestais, diagnosticando para determina-
ção do trecho como necessidade de restauração ecológica na propriedade rural. Os trabalhos de
campo foram fundamentais para a confirmação dos dados anteriormente coletados em gabinete.
Sendo assim, identificou-se a melhor técnica para restauração ecológica em uma propriedade

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rural, visando recompor a mata nativa, proteger o recurso hídrico, o solo e os demais aspectos
ambientais ali presentes.
Palavras-Chave: Área de Preservação Permanente, Restauração Ecológica, Restauração de
Ecossistemas Florestais, Área de Proteção Ambiental do Timburi.

Abstract
This research is the result of an undergraduate work carried out in the Timburi Stream
Environmental Protection Area, in the municipality of Presidente Prudente, formulated by Law No.
235/2019. The study uses the production, interpretation of maps, legislative support and field visits,
with a view to understanding the physical aspects and recognizing the disturbance factors. Its ob-
jective was identified as Permanent Preservation Areas of the Environmental Protection Area (APA)
of Timburi in terms of remaining vegetation and ecological restoration proportion for a degraded
stretch of a rural property. The Environmental Protection Areas were chosen and defined to protect
regional ecosystems, allowing human occupation as long as it is sustainable use. In this study, they
were mapped as Permanent Preservation Areas in the APA, as well as the land use and coverage in the
APP, based on radar images from the Radar Shuttle Topographic Mission (SRTM / NASA, 2000).
Qualified cartographic products were generated to understand natural aspects, in addition to the
analysis of satellite images from the LANDSAT 8 series, to identify as APP with forest fragments,
diagnosing for determination of the stretch as a need for ecological restoration in the rural property.
The field work was fundamental for confirming the previous data collected in the office. Thus, the
best technique for ecological restoration in a rural property was identified, it has to recompose the
native forest, protect the water resource, the soil and other environmental aspects present there.

Keywords: Permanent Preservation Area, Ecological Restoration, Forest Ecosystem Restoration,


Timburi Environmental Protection Area.

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93 // Património natural, injustiça ambiental e desenvolvimento rural

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iberografias42.indb 94 17/06/2022 18:00:35
Brasil: incertezas na indústria extrativa
no Amazonas

Paola Verri de Santana1

Introdução

A exploração dos recursos naturais amazonenses, caso do petróleo e gás numa articu-
lação entre Urucu-Coari-Manaus, é reveladora da necessidade de se colocar em discussão a
noção de fronteira. O objetivo deste estudo é discutir as dinâmicas socioeconômicas frente
à indústria extrativa de petróleo. Para tanto, o trabalho apresentará breves considerações
sobre as noções de fronteira, no contexto da formação territorial do Amazonas. O resul-
tado será uma bibliografia comentada, no intuito de revisar a categoria de fronteira na
atualidade, tanto do ponto de vista da produção do conhecimento como do movimento
histórico e geográfico em curso no espaço brasileiro. A caracterização espaço-temporal
da economia petrolífera da bacia sedimentar do Solimões integra uma etapa dos resul-
tados dessa investigação. Por tratar-se de um universo de grandes projetos, sem a marca
da construção de estradas, para alguns setores, o desenvolvimento da área é considerado
de baixo impacto. O espaço ocupa a base do Urucu, onde pequenos pontos no centro da
floresta articulam o apoio de cidades da região e da metrópole Manaus. O processo de
produção do espaço urbano induz e é induzido por processos de industrialização e urba-
nização inerentes à dinâmica local e global. Becker (2009) sugere revisar a hipótese sobre
a tendência ao esgotamento da região amazônica como fronteira de expansão demográfica
e econômica nacional. Em especial, quando trata da possibilidade de recrudescimento
da fronteira que funciona como uma válvula reguladora de espaço para investimentos de
95 // Paisagens e Desenvolvimento Rural

agentes capitalizados, que ora se expandem, ora permanecem estáveis a depender da con-
juntura. A produção e a distribuição de óleo e gás atraíram pessoas em busca de emprego e
renda, contratando, num primeiro momento, da região. Essa questão