Coordenação:
Rui Jacinto
43
IBEROGRAFIAS
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A opção ou não pelas regras do novo acordo ortográfico é da responsabilidade dos autores.
Apoios:
Cidade Universitária de Coimbra e a sua relação com a população: uma evolução 173
ao longo do tempo, vivências e memórias
Joana Capela de Campos; Claudete Oliveira Moreira; Vítor Murtinho; Norberto Santos
Rui Jacinto1
O livro que se dá à estampa resulta da XXI edição do Curso de Verão, realizada entre os
dias 6 e 10 de julho de 2021, subordinada ao título “Novas fronteiras, outros diálogos: coo-
peração e desenvolvimento”2. Esta iniciativa emblemática que o Centro de Estudos Ibéricos
(CEI) realiza ininterruptamente faz duas décadas, a par doutros eventos que promove
anualmente, responde diretamente a uma missão que tem como foco o Conhecimento, a
Cooperação e a Cultura. O Curso de Verão, ao apostar na difusão de informação sobre os
territórios e as culturas ibéricas, afirmou-se como uma importante iniciativa de cooperação
territorial que honra o compromisso do CEI com os espaços mais débeis e excluídos.
A edição de 2021, que decorreu virtualmente, contou com cerca de 350 participantes, disper-
sos por vários pontos do país e do estrangeiro, e a apresentação de cerca de 80 comunicações por
investigadores de diversas nacionalidades. O elevado número de participantes e de comunicações
permitiram organizar um evento que contou com várias Conferências3, Mesas Redondas4, um
1
Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Território e Centro de Estudos Ibéricos
(CEGOT/CEI-PT)
2
https://www.cei.pt/cv/programacao-2021.html.
3
Conferências: 1. A charneca: memória, paisagem e património (Jorge Gaspar, Portugal); 2. Paisaje y
Patrimonio (Josefina Gómez Mendoza, Espanha); 3. O grito e a explosão do território brasileiro: desigualda-
des e seletividades socioespaiais. Debates urgentes (Maria Adélia Souza, Brasil); 4. O Ensino Superior em
7 // Sociedade e memória dos territórios
5
Forum “As Novas Geografias dos Países de Língua Portuguesa” (Intervenções de: Lúcio Cunha; Dirce
Suertegaray; José Maria Semedo; Rui Jacinto; José Borzacchiello da Silva; Inês Macamo Raimundo; Maria
Fernanda Delgado Cravidão).
6
Painéis: 1. Geodiversidade, biodiversidade, ordenamento do território, moderado por Lúcio Cunha;
2. Dinâmicas da paisagem e injustiça ambiental (António Campar de Almeida); 3. Recursos naturais e edu-
8 // Sociedade e memória dos territórios
cação ambiental (Messias Modesto dos Passos); 4. Património e turismo (Maria Fernanda Delgado Cravidão);
5. Património, patrimonialização, memória (António Pedro Pita); 6. Agricultura e desenvolvimento rural
(Rosangela Hespanhol); 7. Rural, segurança alimentar, políticas públicas (María Isabel Martín Jiménez);
8. Cidade e evolução urbana (Valentin Cabero); 9. Cidade, paisagem e imagem urbana (Rui Jacinto);
10. Literatura e leituras do território (Cristina Robalo-Cordeiro); 11. Dinâmicas económicas e sociais (David
Ramos Pérez); 12. Temas pós-coloniais (Ivaldo Lima); 13. Políticas públicas e sistemas de saúde (María Isabel
Martín Jiménez); 14. Governação e movimentos sociais (José Borzacchiello da Silva).
PATRIMONIALIZAÇÃO E AS
LEITURAS DO TERRITÓRIO
Introdução
1
Universidade de Aveiro
hsantana@ua.pt
2
Instituto Politécnico da Guarda
rosariosantana@ipg.pt
3
Em Portugal, a Dança dos Paus, conhecida como a Dança dos Pauliteiros, está associada à região de Miranda do
Douro e ao seu território. No entanto, esta subsiste noutras localidades do distrito de Bragança, nomeadamente
nos concelhos de Mogadouro, Bragança e Macedo de Cavaleiros. Esta dança também já se praticou em outros
concelhos da região, mas, nos dias de hoje, esta prática encontra-se neles já extinta, como é o caso de Vimioso.
Diferentes estudos sobre a origem da Dança dos Pauliteiros revelam ascendências tem-
porais e espaciais diversas (Martínez Muñiz & Porro Fernández, 1998; Díaz & Porro, 2008;
Topa, 2004; Tiza, 2010). O facto promove a diversidade de opinião sobre uma sua origem e
prática6. Estas danças, ainda hoje praticadas em diferentes pontos do globo, mostram a forma
como os povos adaptaram as suas danças guerreiras de modo a incluí-las na prática do dia-a-
-dia, tornando-as uma forma de manifestação cultural7. Estas práticas, realizadas em distintas
épocas do ano, e sempre com um propósito bem definido, a participação nas festividades dos
solstícios de verão e de inverno, ditavam os ritmos das colheitas e o ritmo da vida em tempos
onde a ação do relógio não tinha ainda lugar, e os tempos eram ditados pelos ciclos da vida, do
dia e da noite, e pelas estações do ano8. Neste contexto, as manifestações culturais que grassam
ao longo de todo o território da raia portuguesa revelam-se numerosas e férteis, estando liga-
das a celebrações, rituais e ritos de natureza tanto religiosa como profana. Sendo ações onde
4
Estas danças, manifestações de caracter profano, estiveram até ao século X, arredadas de qualquer festividade
religiosa. A igreja católica começou a admirar a sua presença nas festas dos santos (que correspondiam às épocas
solsticiais), começando assim a ser usadas nas celebrações das colheitas, e nas festas dos santos padroeiros.
5
Em Portugal, a Dança dos Pauliteiros, a par da língua mirandesa, constitui um elemento identificador
do território. De acordo com António Maria Mourinho, a Dança dos Pauliteiros “dançou-se em toda a
região compreendida entre os rios Sabor e Douro, talvez desde Rio de Onor até aos limites do concelho de
Mogadouro, confrontando com os de Freixo de Espada à Cinta e Moncorvo”. (Mourinho, 1984, p. 454).
6
Para alguns estudiosos esta terá aparecido durante a idade do ferro, na Transilvânia, espalhando-se poste-
riormente pela Europa. Estrabão, historiador, geografo e filósofo grego, autor de vasta obra no domínio da
Geografia, nomeadamente a obra homónima em 17 volumes, e cujo terceiro livro é dedicado à Ibéria, refere
que certos povos que habitaram na península no século III se preparavam para os combates realizando este
tipo de danças, trocando apenas o uso das espadas pelo uso de paus de 45 cm, na tentativa de evitar assim,
riscos desnecessários. De salientar que esta obra, magnânima, cobre todo o mundo conhecido pelos povos
da Grécia e Roma antigas, oferecendo valiosa informação sobre os conhecimentos dos geógrafos da época
12 // Sociedade e memória dos territórios
(Martínez Muñiz & Porro Fernández, 1998; Díaz & Porro, 2008; Topa, 2004; Tiza, 2010).
7
Damos como exemplo a Capoeira, uma forma de expressão cultural brasileira que congrega movimentos de
arte marcial, música e dança. Tendo por base a defesa pessoal, presente nos diferentes movimentos que usa,
estes não se concretizam no ataque e agressão do parceiro, mas sim numa ação apoiada na música que é feita
pelos seus praticantes. Neste caso, os intervenientes, tal como na dança dos pauliteiros, não apenas lutam ou
jogam, mas também tocam instrumentos musicais de apoio ao movimento executados pelos intérpretes.
8
Neste sentido, os povos preservaram estas danças para darem lugar a festas aquando das colheitas e como
forma de assinalarem a passagem dos solstícios de verão e inverno.
No que concerne a Dança dos Paus, e à sua origem e significado diz respeito, as opi-
niões diferem, e alguns há, que a remetem para a Idade do Ferro, e para a Transilvânia.
Referem ainda que somente numa fase posterior se espalhou pelo continente europeu
(Vasconcelos, 1992; Tiza, 2010). Iremos agora analisar não só os elementos que permitam
identificar uma sua origem e significado, mas também o ritual da dança no que toca alguns
dos seus elementos, nomeadamente a indumentária e os passos, a música e a dança, os
artefactos e os instrumentos musicais usados nos dois lados da fronteira, de modo a iden-
tificar as semelhanças e as diferenças. Neste sentido, enfocamos a nossa atenção naquilo
que nos é oferecido por Terras de Miranda e em todo o Planalto Mirandês, bem como por
Terras de Galiza e da Extremadura, de modo a perceber as suas características mais mar-
cantes, o ethos e o pathos desta prática, bem como das características da música utilizada
neste contexto. Detemos ainda uma atenção particular sobre os instrumentos musicais, de
modo a evidenciar as suas características, bem como as particularidades de um sonoro que
se evidencia numa sua prática, conceção e função.
e artística
Existindo referências à Dança doa Paus e à Dança dos Pauliteiros desde priscas eras,
percebemos que estas se encontram ligadas a certas festividades de cunho agrário, bem
como aos cultos de fertilidade. Posteriormente surgem associadas a festividades e festas
9
Os laços, ou lhaços, da dança são os elementos da coreografia.
10
Segundo Martinez Diez (2014, p. 121) “Cuando se habla de los Concilios de Toledo se refieren siempre
los autores a la serie numerada de 17 Concilios que encontró acogida y fue divulgada por la Colección
Canónica Hispana en su tercera recensión: La Vulgata del 694.”
11
Não está assim excluída a origem guerreira da dança dos pauliteiros, sendo as espadas substituídas por paus.
Em relação à Dança dos Paus, a influência que apuramos nos dois lados da fronteira
é clara e recíproca. No que à Dança dos Pauliteiros diz respeito encontramos em Espanha
uma dança equivalente, denominada de Danza de Palos, uma prática cultural e artística
que se encontra disseminada por todo o território espanhol desde a região de Galiza até à
da Extremadura. Segundo o folclorista e musicólogo Garcia Matos a Danza de Palos tem
a sua origem numa dança de fertilidade. Contrariamente a este autor, outros afirmam que
esta dança tem a sua origem na época medieval (Martínez Muñiz & Porro Fernández,
1998; Díaz & Porro, 2008; Topa, 2004)13.
15 // Sociedade e memória dos territórios
12
Apesar de todas estas divergências quanto à origem da Dança dos Pauliteiros, nomeadamente no que con-
cerne a sua introdução na Península Ibérica pelos Celtas, encontramos pontos comuns na referência à sua
ligação ao culto, em momentos precisos dos ciclos agrários (tribos dos Vaceos, dos Zoelas e dos Galaicos, e
a presença da Dança dos Paulitos na Escócia) (Tiza, 2010; Vasconcelos, 1992).
13
Independentemente da sua origem, é uma dança comum à Península Ibérica que junta tradições militares
presentes nestes territórios, trazidas pela mão dos repovoadores do Reino de Leão.
Se os grupos de dançarinos que utilizam os paus nas suas coreografias proliferam por
toda a região da raia, no que aos Pauliteiros de Miranda diz respeito, apuramos que não
14
Esta dança não só está presente na província de Zamora, mas também por Castilla y León, estendendo-se
com pequenas variações à Cantábria, Catalunha, Comunidade Valenciana, Baleares, Castilla la Mancha,
Galiza e País Basco (na versão de dança das espadas). Elías Martinez Muñiz afirma que a “danza de palos”
se encontra “latente a través de los siglos y constatable como pocos testimonios coreográficos em los docu-
mentos, sino por el apego y gran fuerza que siguen manteniendo em las localidades donde se conserva com
plena vigência y actualidad em su función” (Martínez Muñiz & Porro Fernández, 1998, p. 75).
15
Na província de Zamora, subsiste apenas em quatro localidades: Cañizal, comarca de La Guareña, Tábara,
Muelas del Pan e Almaraz de Duero; nesta última, a dança foi recuperada no passado ano de 2009, após
um período de cerca de vinte anos de inatividade. Nas restantes localidades onde a dança foi referenciada,
ela perdeu-se definitivamente: Fuentesaúco, Villamor de los Escuderos, Villaseco, San Miguel de la Ribera,
Toro; a memória das danças permanece ainda nas populações mais idosas de algumas localidades alistanas
(Nuez e Sejas de Aliste), sayaguesas (Muga e Almeida de Sayago) e sanabresas (Lobeznos, Calabor, Ungilde
e San Martín de Castañeda). (Tiza, 2010, p. 143).
16
Estas danças não existem só na Europa. Não podemos deixar de referir a sua prática em outros continentes
que não o europeu. É comum encontrarem-se também em alguns países além-mar onde os Portugueses e
16 // Sociedade e memória dos territórios
os Espanhóis chegaram aquando da colonização. Se no início foi usada para evangelizar os povos integran-
do as festividades religiosas, evoluiu depois para um uso em contexto profano integrando festividades tais
que os carnavais regionais. Assim temos referência à existência da dança de espadas no Brasil e do “paloteo
mixto” na Colômbia. Na Colômbia notamos influências locais, nomeadamente “as influencias mestizas
(índio-español) y mulatas (blanco-español)”. [De acordo com este autor,] “el paloteo, en sus inicios, fuera
una danza de Corpus Christi, festividad que perdió vigencia al haber perdido con su misión evangeliza-
dora; esto condujo a que danzas que se celebraron en él, como el paloteo, quedaron sueltas y se integraran
posteriormente a los carnavales de la región” (Franco Medina, 2008, p. 169).
17
Tradicionalmente, e em território português, os Pauliteiros são um grupo constituído exclusivamente por oito
rapazes e três músicos (Gaita de foles, Caixa e Bombo). Tal como o Tamborileiro, o grupo serve os festejos
populares executando o peditório das festas seguindo as antigas formas da tradição. Tal como o Tamborileiro,
começam a ronda às seis horas da manhã, após a alvorada dos gaiteiros, dançando alguns lhaços em frente às
igrejas e capelas, e rezando em frente às casas daqueles que estão de luto. A dança dos Pauliteiros é interpretada
depois da missa religiosa, em frente da igreja. Os principais elementos desta dança são interpretados segundo
uma ordem específica que começa com o lhaço 25 (lhaço para partir os paus), a Bicha (em que se utilizam exclu-
sivamente as castanholas) e o Salto do Castelo (na qual um pauliteiro salta por cima de uma torre humana).
18
O El Birria é uma personagem estranha e misteriosa cuja indumentária lembra a figura do diabo. No rosto usa
uma máscara de velho, e na cabeça, uma pele de raposa completa que coloca sobre as costas e se estende até aos
quadris. No tronco usa uma jaleca, (chupa, termo castelhano), dividido na vertical em duas cores, a vermelha
e a verde, terminando com folhos nos punhos. No pescoço e sobre os ombros, coloca uma espécie de babeiro
de cor branca e as calças compridas, até quase aos tornozelos, são de duas cores: uma perna de cor vermelha e
18 // Sociedade e memória dos territórios
a outra verde, em oposição às cores do jaleco. Calça meias de lã (uma de cada cor) e sapatilhas igualmente de
duas cores. À volta da cintura, uma faixa de cor branca. Na mão direita segura uma corda com uma bola verde
e vermelha presa na extremidade; na mão esquerda, umas castanholas de grandes dimensões, trabalhadas em
madeira de espinheiro. De notar que nos dias de hoje, só o grupo de Tábara integra o El Birria (Tiza, 2010).
19
Existe ainda um lhaço em que o El Birria é figura fundamental pois interage com o grupo encenando uma
perseguição.
20
Este personagem pode ter outras denominações tais que Zorra, Zancarrón, Chiborra, Botarda ou Birria, na
província de Zamora, segundo os lugares de proveniência.
Das informações recolhidas acerca desta personagem, retiramos que existem algumas
semelhanças com algumas figuras que existem em Portugal e no Planalto Mirandês como são
o Carocho de Constantim, o Farandulo de Tó, ou do Velho de São Pedro da Silva. Sem interfe-
rir na Dança dos Pauliteiros, o Carocho desempenha funções que, no seu conjunto, podemos
considerar relacionadas com ritos de fertilidade. Desde logo, faz par com uma personagem
feminina, a Velha. O Carocho e a Velha formam a dualidade indispensável, complementar e
necessária, para que a desejada fertilidade aconteça. Este par vai simulando jogos amorosos,
ao longo do Peditório (o Convite), por todas as casas da aldeia, um apelo claro à fertilidade.
O próprio Peditório constitui uma invocação à abundância que se dirige à divindade a favor
da comunidade e da natureza, através da recolha de produtos da terra oferecidos ao Santo e
consumidos por todos os moradores, numa espécie de refeição comunitária. Invocam-se os
Deuses e os Santos, pedindo a sua proteção através de rituais e ritos, festas e celebrações, de
adoração e agradecimento, pelas bênçãos obtidas (Tiza, 2004; Tiza 2010).
No que à Dança dos Pauliteiros diz respeito, ela denota, como já referido, diferentes
origens e funções. De acordo com o país, a região, época, ritual ou função a ela atribuída,
encontramos referência a elementos que compõem os rituais, a música e a coreogra-
fia, distintos. Da leitura dos documentos relativos ao assunto em análise, percebemos
que algumas personalidades, como o Abade de Baçal defendem que a dança praticada
19 // Sociedade e memória dos territórios
21
Estas são as funções visíveis do El Birria. Contudo, por detrás delas poderemos discernir outras de carác-
ter simbólico. Recuando no tempo, sabemos ter havido razões que determinaram o seu aparecimento.
O El Birria, dado o contexto festivo em que se insere, é o elo de ligação entre o profano e o sagrado. Não
obstante ser considerado uma figura diabólica (como qualquer mascarado), o El Birria é, na verdade, uma
figura mágica que, à luz das religiões, estabelece a ligação entre o mundo terreno e o sobrenatural, entre
o ser humano e as divindades. Neste sentido, Joaquín Díaz afirma que o “El Birria es un personaje al que
se le han atribuido diferentes simbolismos que van desde el demoníaco hasta el bufonesco pasando por el
taumatúrgico o por el escuetamente hierático”. (Díaz, 2008, p. 6).
22
Os romanos seriam os responsáveis pela propagação da dança pírrica a esta região. O investigador José Leite
de Vasconcelos, contrariamente ao exposto, afirma que a dança introduzida em Roma e depois espalhada
por todo o Império Romano, nada tinha a ver com a dança pírrica. Os dançantes, com armas e escudos de
pau, simulavam o ataque e a defesa na batalha (Vasconcelos, 2012; Tiza, 2010). Como indumentária, enver-
gavam túnicas vermelhas e cinturões guarnecidos de aço. Os músicos envergavam capacetes emplumados e
os bailadores colocavam-se em duas filas e dançavam ao som da flauta. No conjunto dos elementos narrados,
encontramos, no nosso entender, notória semelhança com a forma de dançar dos Pauliteiros de Miranda
(Mourinho 1984; Correia, 2001).
23
Neste contexto devemos igualmente referir o papel do Tamborileiro, com funções semelhantes no que con-
cerne a organização das festas patronais, nomeadamente na presença aquando da Alvorada, do Peditório e
da Procissão.
ritual dos Pauliteiros dá-se não só ao nível dos rituais sagrados como, e obrigatoriamente,
nos atos profanos. Aqui, e tal como noutras localidades do Nordeste Transmontano, os
24
No caso particular de S. Martinho de Angueira, estes rituais celebram-se não só no exterior como no interior
da Igreja.
Na análise que vimos efetuando, percebemos ainda que do lado Espanhol se notam al-
gumas semelhanças entre a Danza de Palos e as atuações dos Pauliteiros de Miranda. Essas
semelhanças não se cingem somente no que às danças e trajes diz respeito, mas também
ao contexto em que se efetuam. Assim, em Muelas del Pan, a atuação solene do Paloteo
acontece no Domingo del Señor, o domingo imediatamente a seguir à festa do Corpo de
Deus26. Tal como pelo Nordeste Transmontano, a interação sagrado-profano ressalta. Os
denominados laços religiosos são executados à volta da igreja e os paganos, onde predomi-
nam temas tais que os ofícios tradicionais, a caça, os animais e o amor, são realizados em
momentos que não os que estão relacionados com a liturgia da festa. O primeiro laço, la
contradanza, é dançado quando a Procissão sai da Igreja. Os bailarinos, sempre voltados
para a imagem de Nossa Senhora, vão dançando e saindo de costas para a porta. Depois,
e aquando da Procissão, são efetuadas paragens em locais estrategicamente escolhidos para
23 // Sociedade e memória dos territórios
25
Neste ponto, encontramos semelhanças com alguns personagens que intervêm nas Danzas de Palos ou no
Paloteo, na província de Zamora, nomeadamente o El Birria, Zarrón ou Zarragón, Chiborra ou Zorra, com
funções muito especificas no contexto da dança, como já evidenciado ao longo do texto.
26
De notar, que em Espanha, esta festividade não se celebra atualmente na quinta-feira do Corpo de Deus
como em Portugal, onde é ainda mantido este dia festivo como feriado nacional.
Considerações Finais
Apesar das fronteiras físicas e geográficas, percebemos que nas regiões da raia, sempre
se mantiveram os laços e os intercâmbios sociais, económicos e culturais ao longo dos
tempos. Disso é exemplo a forma como se desenrolam as festas tradicionais, a forma como
as comunidades organizam a sua vida social e profissional, os casamentos, as festividades
e festas, as indumentárias e os trajes que envergam, e que são detentores de elementos e
características diferenciadoras, evidenciando a natureza das atividades sociais, culturais,
económicas e profissionais para as quais se capacitam, assim como as condições físicas e
25 // Sociedade e memória dos territórios
29
Na província de Zamora, nalguns laços os paus são substituídos por castanholas. Existem semelhanças do
lado português, no entanto, devemos referir que as castanholas são um instrumento musical usado com
maior frequência do lado espanhol do que do lado português, sendo que poderemos considerar que o seu
uso pelos pauliteiros, resulta de uma apropriação deste elemento pelas constantes trocas culturais, entre os
dois lados da fronteira.
30
Neste sentido, referimos a semelhança que existe entre a Capa Mirandesa e da Capa Alistana. Do mesmo
26 // Sociedade e memória dos territórios
modo, a música e a língua se assemelham, pois que o mirandês deriva do leonês, que outrora se falava na
região. De notar que hoje o mirandês é falado por via do esforço encetado por parte de alguns e do reconhe-
cimento da sua importância para a região. Nesta ação, o papel e o esforço das autarquias locais para a sua
revitalização na comunidade e nas escolas mostrou-se essencial (Tiza, 2004; Tiza, 2010).
31
Este passo de dança, visa ilustrar o assalto a um castelo, o que denota o lado guerreiro da dança e a proximi-
dade fronteiriça que, e apesar de toda a colaboração entre povos, não deixa de existir.
32
Este salto, em específico, não existe do lado espanhol dado que requer alguma destreza e força física, algo
que não é possível com grupos mistos ou femininos como os que aí existem.
Referências
Introducción
que a ellas se asocian, pues permiten alejarse del bullicio y de los problemas de estrés de la
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Universidad de Oviedo
piaydiego@uniovi.es
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Universidad de Salamanca
parguelles@usal.es
El territorio rural
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Fig. 2 – Distribución de los yacimientos tipo villa documentados en el territorio de la Asturias actual
(Elaboración propia)
desarrollo sostenible, tal y como se ha constatado en la villa siciliana de Piazza Armerina. Para
el caso español es preciso nombrar el caso de la villa palentina de La Olmeda, alejada de nú-
cleos de población significativos, pero que también recibe una afluencia de público notable.
Para propiciar el desarrollo de su entorno, se ha creado un aula arqueológica en la localidad
de Saldaña, que recoge materiales documentados en la villa o en las necrópolis de su entorno.
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Fig. 3 – Vista de los trabajos desarrollados en la villa de Andayón durante el año 2020 (Fotografía Juan Ramón Muñiz)
pequeñas áreas del yacimiento, la actividad arqueológica genera mucho interés, y las visitas
19
Las informaciones en relación con las visitas a la villa de Andayón han sido proporcionadas por el director de los
trabajos en el yacimiento, Juan Ramón Rodríguez Muñiz, al que agradecemos encarecidamente su colaboración.
20
Cabrini, L. (2002). Turismo, desarrollo rural y sostenibilidad. In VII Congreso AECIT (Jaén, 21-23 de
Octubre de 2002). Bilbao, AECIT, CD-Rom.
Conclusiones
Las características del territorio actual se ven claramente influenciadas por las formas
de hábitat y estructuración territorial desde el mundo antiguo. No cabe duda de que, en
el pasado, las villae fueron estructuras vertebradoras del territorio en torno a las cuales se
desarrolló una profunda actividad socio-económica, influyendo en los núcleos de población
y la red viaria.
Las propias características de estos enclaves rurales, con funciones agropecuarias,
definen su ocupación en lo que hoy día, en su mayoría, son espacios depauperados y/o
despoblados, así como en espacios geográficos con baja densidad poblacional. Es por ello,
que consideramos que su redescubrimiento y excavación podrían propiciar el desarrollo
de estas zonas y regenerar los espacios rurales, a partir de la explotación de sus propios
paisajes culturales.
Los éxitos generados con este proyecto nos permiten ser optimistas y plantear esta
investigación para el sector transfronterizo a ambas orillas del río Miño. De esta manera
se propone continuar la línea de trabajo con un estudio que localizará los espacios de
hábitat tardoantiguos, para tener un punto de partida en las prospecciones arqueológicas
del territorio gallego-portugués. Con todo ello, podremos realizar un estudio del paisaje
englobando la vinculación de la población y las comunicaciones históricas en tiempos ro-
manos, catalogando de este modo los tipos de hábitat y creando mapas digitalizados. Todo
ello, al igual que en el caso que hemos expuesto del territorio asturiano, permitirá difundir
37 // Sociedade e memória dos territórios
los resultados con un fin último, el de poner en valor el papel del patrimonio social como
compromiso de las gentes que forman parte de dichos paisajes históricos, promocionando
el patrimonio histórico de estos espacios y su importancia como elementos de promoción
del turismo cultural.
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Introdução
1
Responsável científico do PAOC - Projeto Arqueológico Outeiro do Circo (Beja) – PIPA 2019-2021; Técnico
Superior da Divisão de Cultura e Património da Câmara Municipal de Serpa; Investigador colaborador do
Centro de Estudos de Arqueologia, Artes e Ciências do Património
miguel.antonio.serra@gmail.com
Desde o arranque do Projeto Outeiro do Circo em 2008 que ficou inscrita uma ver-
tente de atuação direcionada para o público, com o objetivo de promover e divulgar o
projeto de forma generalista, sobretudo junto da comunidade local mais próxima ao sítio
arqueológico, ou seja a população de Mombeja, a aldeia que simultaneamente serviria de
quartel-general para a equipa de investigação nestes primeiros anos.
Os objetivos destas ações não se limitavam a procurar transmitir à comunidade local o
conhecimento que se ia produzindo com os trabalhos arqueológicos no Outeiro do Circo,
mas pretendiam sobretudo envolver diretamente as populações como sujeitos e partici-
pantes ativos do próprio projeto. Esta intenção permitia não só um maior envolvimento e
44 // Sociedade e memória dos territórios
dos Muros” ou simplesmente “Os Muros” (Porfírio, 2015, p. 48; Serra, Porfírio e Ortiz,
2020, p. 117), referência clara às muralhas proto-históricas que mesmo ocultas sobre
o arvoredo que cobre os taludes continuam a ser uma referência na paisagem para as
populações atuais.
na relação com a comunidade e na forma como evoluiu essa interligação após os primeiros
momentos atrás descritos.
Na tentativa de devolver uma certa memória do sítio arqueológico constatou-se que
também as antigas lendas que referiam o Outeiro do Circo eram desconhecidas da popu-
lação (Porfírio, 2015, p. 48; Serra, Porfírio e Ortiz, 2020, p. 117), pelo que estas passaram
Este período inicial do programa de divulgação ficou ainda marcado por duas
ações que produziram efeitos duradouros e alcances inesperados. A primeira é refe-
rente a uma reportagem televisiva, para o programa Portugal em Directo, da RTP,
dedicada aos trabalhos no Outeiro do Circo, mas que também valorizou a componen-
te de relação com a comunidade de Mombeja e que provocou um aumento imediato
no número de visitantes às escavações arqueológicas, bem como uma maior atenção da
comunicação social local e das instituições envolvidas (Porfírio e Serra, 2012, p. 885,
49 // Sociedade e memória dos territórios
Uma nova fase de divulgação teria início com o arranque de outro projeto de in-
vestigação em 2014 (Serra, Porfírio e Silva, 2015, p. 172) e que pretendia consolidar as
dinâmicas desenvolvidas entre 2008 e 2013, quer no respeitante à intervenção científica
no sítio, quer na vertente de divulgação, para a qual se concebeu um programa específico
e devidamente conceptualizado após o acumular de experiência anterior (Serra e Porfírio,
2016, p. 406).
Este programa estruturava a organização das visitas guiadas durante as escavações ar-
queológicas, para as quais foi ainda concebido um kit pedagógico, que incluía ilustrações,
fotografias, réplicas de objetos arqueológicos e alguns artefactos passíveis de manusea-
mento pelos visitantes, de forma a promover um contacto mais direto e envolvente com
as realidades em apreciação, mas também consolidava um programa de visitas ao longo
do ano, combatendo a sazonalidade das ações de divulgação do projeto, integradas em
diferentes iniciativas relacionadas com percursos pedestres temáticos, desenvolvidas por
diferentes entidades, como a Câmara Municipal de Beja, juntas de freguesia ou associações
desportivas e culturais (Serra e Porfírio, 2016, p. 406) (Fig. 5).
O Outeiro do Circo passava assim a fazer parte integrante de roteiros património-
-culturais regulares, aumento o impacto da divulgação junto de públicos cada vez mais
heterogéneos.
50 // Sociedade e memória dos territórios
nicação locais, com destaque para as rádios e jornais da região. Em concomitância com
este último ponto procurou-se reforçar a utilização das plataformas digitais do projeto de
forma constante e devidamente planificada (Serra e Porfírio, 2016, p. 405), capazes de
uma divulgação quase em tempo real e que ao mesmo tempo se tornou geradora de novos
contactos para divulgação.
e sugestões, quer para eventuais iniciativas a organizar, quer para avaliar as expetativas em
termos de passos futuros a alcançar, tornando assim a comunidade local participante ativo no
processo de decisão e de construção do projeto (Serra, Porfírio e Ortiz, 2020, p. 124).
A concretização das ações de divulgação ao longo deste triénio seria fortemente con-
dicionadas por dois fatores principais, a prioridade dada à intervenção arqueológica em
como o da surpresa pelo interesse dos arqueólogos por este território e o do isolamento da
aldeia em relação às principais dinâmicas da região, tal como nos foi confidenciado, “ninguém
passa em Mombeja, quem vai a Mombeja é porque precisa mesmo de lá ir”.
A relação de proximidade estabelecida entre a equipa de arqueologia e a comunidade
local foi crescendo ao longo dos anos, fazendo com que o projeto passasse aos poucos a
Bibliografia
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57 // Sociedade e memória dos territórios
“As ruínas testemunham a maneira pela qual a história se desloca para dentro
do cenário”
Walter Benjamin citado por Aleida Assmann (2011)
Vale destacar que uma pesquisa sobre Ouro Preto, representa dialogar com grande símbolo
do patrimônio cultural brasileiro por excelência. A cidade possui um perfil turístico e
1
Esta pesquisa faz parte do projeto de doutorado em desenvolvimento do autor no PPGSOL da Universidade
de Brasília -Unb
2
PPGSOL - Programa de Pós-graduação em Sociologia - Universidade de Brasília -Unb
www.filmesderodolfofonseca.blogspot.com
pelo poder público local, quanto por parte da população (Mattos, 2009), que ocupou
com casas populares o local a partir da segunda metade do século XX. Formaram-se, dessa
maneira, quatro bairros na periferia próxima da área tradicionalmente patrimoniali-
zada de Ouro Preto, construídos sobre parte das ruínas, e hoje, limítrofes ao Parque
Arqueológico: Morro São Sebastião, Santana, São João e Morro da Queimada
Como já podemos notar, a delimitação do Parque está bem próxima à praça Tiradentes
no centro de Ouro Preto, símbolo turístico local e centro urbano da vida da cidade, onde
61 // Sociedade e memória dos territórios
se localiza o Museu da Inconfidência. Além disso, como já colocado, o Parque faz divisa
com quatro bairros da periferia circunvizinha de Ouro Preto, localizados nos arredores da
cidade tombada a ponto de compor sua paisagem.
Sítio Arqueológico Morro da Queimada em relação aos bairros da Serra de Ouro Preto logo acima – Ouro Preto – MG
Fonte: LAPACOM – Museologia – UFOP
62 // Sociedade e memória dos territórios
O bairro do Morro São Sebastião, de características mais rurais, com casas de maior
área livre e afastamento lateral, tem uma ocupação mais antiga, identificado como um
local de fundação de Ouro Preto, já que supõem-se que tenha sido a região por onde os
bandeirantes paulistas chegaram.
Ruína do Sítio Arqueológico dentro do bairro São Sebastião com casa ao fundo
Foto: Autor
Assim, o recorte de tempo desta pesquisa tem como função delimitar e estabelecer
marcos temporais em seu campo de estudo. Para cumprir este desafio, a proposta é clas-
sificar discursos e documentos pesquisados em quatro períodos marcados por diferentes
contextos, circunstâncias e agentes, levando em conta as políticas de patrimônio no Brasil
na relação com o Sítio Arqueológico e à cidade de Ouro Preto.
A linha de tempo entre 1937 e 2020 a ser considerada nesta pesquisa tem como função
delimitar e estabelecer marcos temporais em seu campo de estudo, além de contextualizar
suas fontes, agentes e discursos diante do objeto e dos objetivos da pesquisa. Para cumprir
este desafio, a proposta é classificar discursos e documentos pesquisados em quatro períodos
marcados por diferentes contextos, circunstâncias e agentes, levando em conta as políticas de
patrimônio no Brasil na relação com o Sítio Arqueológico e a cidade de Ouro Preto: 1) 1937
64 // Sociedade e memória dos territórios
a 1969 – O primeiro marco de tempo a ser considerado é de certa forma fundante, um período
que inclui a criação do antigo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - SPHAN
e o desenvolvimento das Políticas Públicas de Patrimônio Cultural no Brasil.
Um momento em que a preservação das cidades coloniais ganha proeminência em oposi-
ção às cidades modernas e industriais em desenvolvimento no Brasil. A nova capital do Estado
Rodrigo de Melo Franco e Carlos Drummond de Andrade sob as ruínas do Morro da Queimada
Foto: Acervo IPHAN - RJ – Ouro Preto 1951.
Carta de pedido de ajuda do IPHAN-MG à delegacia de polícia de Ouro Preto no controle do espaço das ruínas
do Morro da Queimada em 1976 - Documento original e transcrição de trechos do documento ao lado
Fonte: IPHAN-MG
Acervo IPHAN – MG
cidade. Nesse sentido, o Ecomuseu se tornou mais um dos agentes atuantes e produtores
de discursos sobre a patrimonialização do Parque.
Ouro Preto. Ao final, nenhum dos dois projetos foi efetivamente desenvolvido por completo.
Do primeiro projeto, se destaca o website http://morrodaqueimada.fiocruz.br/, com
informações históricas e cartográficas do Parque. O portal desenvolvido via Lei Federal de
Incentivo à Cultura. Apesar de desatualizado atualmente, há bastante informação sobre o
sítio arqueológico que não está disponível em outros lugares.
A Universidade Federal de Ouro Preto há vários anos, e ainda atualmente, realiza visitas
e levantamentos arqueológicos de campo na área do Parque com alunos dos cursos de
Museologia, como parte das ações de ensino e extensão da Universidade.
De fato, a patrimonialização do Parque Arqueológico do Morro da Queimada é um pro-
cesso ainda em consolidação e muito sujeito a mudanças institucionais ou mesmo políticas.
Capa do projeto de Lei 149 / 2018 em discussão na Câmara de Vereadores de Ouro Preto, que altera Lei 465 de
2008 que criou o Parque Arqueológico do Morro da Queimada transformando o Parque em Monumento Natural.
Fonte: Câmara Vereadores de Ouro Preto.
Considerações finais
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Paulo, 2016, Cap 2. Pag. 65 a 77
percepciones abstractas del mundo que subyacen al comportamiento del hombre y se refle-
jan en su conducta”. En definitiva, un conjunto de valores, costumbres, creencias y prácticas
que constituyen el modo de vida de un grupo específico (Eagleton, 2000). Esta cultura de
1
Universidade de Alcalá
irene.sanchezi@uah.es
Aunque estaba fraguándose desde los años sesenta con la industrialización del trabajo
agrícola y el éxodo rural, no es hasta finales de siglo cuando, con la apertura efectiva de
las fronteras en 1995 cristaliza el profundo cambio socioeconómico que vivirán las pobla-
ciones rayanas, culminando un completo cambio de sus formas de vida y de muchas de
y tomando las palabras de Paula Godinho referidas a otras iniciativas similares en el mismo
entorno, “con un entendimiento miope” (Godinho, 2009, p. 150)
Las deficiencias en el planteamiento del proyecto — que como algunos autores apuntan se
diseñó de forma disjunta y conformado por tres áreas muy alejadas las unas de las otras (Paül
y Trillo, 2011) — y la falta de seguimiento y evaluación posteriores al lanzamiento podrían,
2010, traducción propia). Inevitablemente, aunque los museos no sean las mejores insti-
tuciones para salvaguardar el patrimonio, son las que lo legitiman. No hay nada que hacer,
pues, como afirma Néstor García-Canclini: “el patrimonio existe como fuerza política
en la medida en que es teatralizado: en conmemoraciones, en monumentos, en museos.”
(2006, p.159)
Los profesionales de museos somos conscientes de cuáles son los problemas de este for-
mato: la tendencia a la acumulación de objetos, la dificultad para representar los aspectos
inmateriales asociados a estos; en algunos casos, la mirada colonial con la que se presenta una
visión exótica del “otro”, ya sea una sociedad lejana o una comunidad campesina local; la
representación de un patrimonio mudo donde no se escuchan las voces de sus portadores; la
forma en la que el museo produce discursos autorizados (Smith, 2006); la ausencia en este
de las continuidades y de lo contemporáneo, fosilizando y congelando estos patrimonios en
el pasado; el anonimato forzoso de artistas, artesanos o la comunidad protagonista.
Llegados a este punto del texto, hemos de rechazar los mitos de que el museo es un es-
pacio neutral, apolítico o que representa un saber legitimado, único, autorizado, y destacarlo
como una construcción social, pues la museografía, o la acción de exponer, comprende la
construcción de un discurso complejo y subjetivo. Entender el patrimonio como construcción
social (Prats, 1997; García Canclini, 2005; Prats y Santana, 2005) además, implica reco-
nocer los procesos a través de los cuales se reconstruye el pasado. A través de este proceso el
museo despliega una voz de autoridad teatralizando “una ficción”. Como señaló el artista
85 // Sociedade e memória dos territórios
Rogelio López Cuenca en su pieza para la Exposición Universal de Sevilla de 1992 (figura
2), que ahora da la bienvenida a los visitantes del Museo Reina Sofía: dejad toda esperanza
espectadores, esto es un espectáculo, parafraseando al célebre Guy Debord.
Por último, debemos recordar que en el museo siempre hay alguien que toma deci-
siones, que decide lo que se enseña y lo que no, que por tanto señala lo que es patrimonio
Continentes y contenidos
Interpretación del Contrabando. Aun así, las personas que allí trabajan ahora -educadoras
sociales de una ONG local- conocen bien lo que hacer si llega algún visitante como yo:
apagar las luces, encender el vídeo y entregar los folletos informativos.
Mientras en Vilardevós la actividad y los gritos de los niños llenaban el centro, la rea-
lidad era distinta el Museo de Melgaço, siendo yo la única persona que lo visitó en todo el
La tendencia del “culto al objeto” sigue vigente en la actualidad en los museos etnográ-
ficos y ecomuseos, y con demasiada frecuencia las exposiciones se centran en la recreación
de ambientes, como admitía M.ª Victoria Pontes en su tesis doctoral sobre la musealización
del patrimonio inmaterial (2017). Descontextualizar los objetos es inherente al proceso
de patrimonialización que culmina en el museo, y los desliga de sus memorias y relatos
orales. Encontramos que todavía sigue muy presente lo que algunos autores denominan
una museografía de bodegón (Arazo y Jarque 2001; Seguí y Cruz, 2015).
enoturismo. Encontramos estos paneles ilegibles principalmente por contar con una letra
diminuta y localizarse a gran altura, por lo que se trata de un diseño y una ubicación que
no tiene en cuenta a la persona que lo va a leer.
Es un momento de aprendizaje para él, y también debería haberlo sido para los visitantes
de la exposición.
Desconhecíamos o recurso aos ramos de árvore para protecção da carga. Tão
pouco sabíamos dos acenos para a outra margem. Antes da passagem do contraban-
do, um “batedor” insinuava-se na outra margem para vigiar os passos da Guarda
Sin embargo, esta performance interesantísima -de la que el profesor confiesa haber
recopilado mucha información que desconocía, referida a las señas, códigos y movimientos
realizados a ambos lados antes de pasar, por ejemplo- desaparece de la exposición quedando
sólo la barca, confirmando la tendencia a inmovilizar y fosilizar que es inherente al modelo
de museo. Esto forma parte de una tendencia a la representación de los cuerpos inmóviles,
que tan bien representa el uso de maniquís y de escenas caricaturizadas (cuadro 3).
2
Gonçalves, A. (2018) “O nariz de Cleópatra: o presente no pasado”. Accesible en https://tendimag.
com/2018/09/06/o-nariz-de-cleopatra-o-presente-no-passado/ [Última consulta: 14/10/2021]
Objetos que aluden a la experiencia fronteriza: hitos o mojo- Rehabilitación de edificios históricos (sin mención a
nes, embarcaciones (batelas). su uso anterior).
Objetos relacionados con la actividad alimentaria: Alimentos Mapas y rutas de contrabando asociadas.
y mercancías susceptibles de ser comercializadas, también
máquinas de moler café.
El peligro del que nos advierten desde hace tiempo algunos expertos como Roigé
93 // Sociedade e memória dos territórios
y Frigolé (2010), es utilizar los museos locales como elementos para la promoción de
una imagen construida, incluso artificial, del pasado, y como elementos para la construc-
ción de imágenes turísticas Ya sabemos que no podemos hablar de un sólo contrabando,
sino varios contrabandos, -una pluralidad de prácticas-, pues existieron diferentes modos
de prácticas el contrabando, dependiendo de la comunidad, la localidad, el género, la
A partir de los años 70 del siglo pasado comienzan a surgir modelos de museo dentro
de un nuevo paradigma que cambió el foco de atención desde el objeto hacia el sujeto.
Entre sus características comunes encontramos una clara apuesta por la función social
y dimensión territorial del museo, la concepción participativa del patrimonio, y una
apuesta por el diálogo con la comunidad y la reflexión crítica, a través de preguntas y
cuestionamientos constantes. Elegimos este punto de partida porque estas concepciones,
especialmente la del ecomuseo, han sido consideradas experiencias referentes para la
musealización del patrimonio inmaterial (Alivizatou, 2012). Estos modelos supusieron
una nueva forma de entender la institución museal, articulándola en torno a una rela-
ción dinámica entre los conceptos de patrimonio, territorio y población; separándose del
modelo edificio-colección-público (De Varine, 1979).
Se considera el inicio de este nuevo paradigma la creación del concepto de ecomu-
seo, el cual se gestó en 1971 en la IX Conferencia Internacional del ICOM en Grenoble
(Francia) como una institución enraizada con su territorio y orientada hacia la función
94 // Sociedade e memória dos territórios
anima a una lectura múltiple (De Varine, 2010) y desplegar “una pluralidad de puntos de
vista y de representaciones sociales” (Macdonald, 2006, p. 3).
Y bien, ¿qué podemos aprender de todas estas experiencias, para ir proyectando cami-
nos museográficos alternativos en nuestros museos locales? Intentando apuntar a lo que
nos mueve en este artículo, algunos elementos comunes a todas estas nuevas perspectivas
serían: el foco en el sujeto frente al objeto; la idea de un museo vivo, asociado a la función
social y dimensión territorial del museo; un entendimiento del patrimonio participativo,
la inclusión de una diversidad de narrativas y la apertura de los textos curatoriales y los
conceptos expositivos hacia preguntas, diálogos, cuestionamientos.
En consecuencia, nos animamos a esbozar una serie de conclusiones a modo de guía
para reflexionar, reinventar y sobre todo actualizar, nuestros museos de contrabando en la
Raya. Se trataría de promover proyectos “de abajo a arriba” para garantizar la sostenibilidad
de los centros, entendiendo los museos como “juegos de espejos” con la comunidad (De
Varine-Bohan, 1979). Hacer de la participación el eje central de la vida museal, pregun-
tarnos desde el contexto: ¿cómo queremos contarle a los demás nuestra historia? ¿Cómo
integrar toda esta pluralidad de relatos del contrabando? ¿Cómo reconciliarnos con
patrimonios incómodos? Entender el museo como una verdadera zona de contacto, de
oportunidades, de continuidades. Dar espacio a las prácticas actuales, al arte contemporáneo,
a la creación audiovisual: creemos que los museos de frontera deben afrontar un cambio
museológico unido a un cambio en la manera de entender la frontera, una concepción
de “fronteira para a frente, dirigida a um devir, mas olhando para trás” (Godinho, 2009,
p.149): esto es mirando al futuro a la vez que al pasado.
Tomando proyectos de referencia que también han sido creados también con el impulso
de los fondos de cooperación transfronterizos INTERREG, en este caso en el contexto de
los Pirineos (España, Francia, Andorra) el proyecto PATRIM+3 (Red Pirenaica de Centros
de Patrimonio e Innovación Rural) creemos que la fórmula de éxito para la gestión y la
musealización del patrimonio depende en gran medida de la voluntad de colaborar con la
comunidad para garantizar la sostenibilidad en el tiempo. Se hace cada vez más evidente
que, si queremos hablar de una gestión eficaz, aunque se inserte en la denominada “cultura
subvencionada”, tiene que incorporar a la comunidad para subsistir. El museólogo francés
Hughes de Varine, uno de los promotores de la nueva museología, apuntó con buen tino
que “[los programas de cooperación como Interreg] son siempre limitados en el tiempo,
96 // Sociedade e memória dos territórios
son operaciones puntuales. Es necesario completar este dispositivo con iniciativas locales,
entre comunidades vecinas” (2010, p.22).
3
https://www.igartubeitibaserria.eus/es/programa/proyectos/patrim
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Crianças e jovens das periferias das grandes cidades brasileiras, geralmente não têm
acesso a uma educação que lhes dê autonomia. Nesse sentido, visando uma educação mais
emancipadora e fortalecedora, ancorada nas concepções de Freire (2017) e Papert (1994),
surgiu a ideia de um projeto que pudesse promover experiências emancipadoras com esco-
las públicas da cidade de Goiânia – Goiás – Brasil. Para isso, optou-se pelo engajando de
docentes e estudantes por meio de práticas criativas, a fim de lhes revelar uma educação lhes
permita se tornarem seus próprios agentes de transformação e desenvolvimento comunitá-
rio. O projeto também tem como objetivos ajudar a construir confiança criativa, promover
o pensamento crítico e fomentar o trabalho em equipe com a equipe colaborativa da escola,
como forma de assegurar que a felicidade de cada um possa ser edificada em coletividade.
É praticamente um consenso que a criatividade nunca foi tão importante como
agora, tendo em vista que é essa habilidade que nos propicia buscar alternativas para
os desafios que se colocam diante de nós. A criatividade nos permite desenvolver o
pensamento divergente, sempre em busca de novos caminhos para os problemas de
toda ordem. Desta forma, entendemos que uma educação que incentive a criatividade é
emancipadora, libertadora e transformadora.
Segundo Mouchird e Lubard (2002), criatividade pode ser definida como um con-
101 // Sociedade e memória dos territórios
1
Prof. Dra. Instituto de Estudos Socioambientais/Universidade Federal de Goiás. Brasil.
juliana@ufg.br
Aprendizagem na prática
Figura 3 – Participantes das oficinas trabalhando em seus projetos. Fotos: Barros, J. R. (2018, 2019).
Considerações finais
Espera-se que as oficinas possam ser replicadas pelos participantes em suas escolas e
comunidades, bem como que os preceitos da Aprendizagem Criativa sejam disseminados
entre docentes, estudantes, gestores escolares e pessoas interessadas em educação.
Os dados coletados revelam que mais de 80% das pessoas que participam das oficinas
procuram implementar projetos e atividades baseadas em metodologias ativas em suas
aulas ou se engajam em grupos e redes que ajudam a promover a Aprendizagem Criativa.
Abstract – This paper aims to present a project that consists in the realization of workshops
for teachers who work in basic and higher education, pedagogical coordinators, undergraduate stu-
dents and other people interested in knowing the constructionist approach and Creative Learning.
Through a hands-on experience, which involves solving challenges, the basic principles of Creative
Learning are presented and its implementation in practice is discussed. The activities carried out
allow identifying challenges and opportunities for the implementation of Creative Learning in
schools and universities, as well as design projects to be applied by participants in their communi-
ties, thus promoting the integration between teachers from various areas of knowledge and other
people interested in innovative learning methodologies. It is also this project intent, to build up
creative confidence, promote critical thinking and foment team work with the school’s collabora-
tive staff, as a way to assure that one’s happiness may be edified into collectiveness. The evaluations
carried out with the participants revealed that more than 80% of the workshop participants are
seeking to implement projects and activities based on active methodologies in their classes or get
involved in groups and networks that help promote Creative Learning.
Keywords: Constructionism; active metodologies; education; Brazil.
Referências bibliográficas
107 // Sociedade e memória dos territórios
Clapp, E. P.; Ross, J.; Ryan, J. O. & Tishman S. (2017). Maker-centered learning: empowering young
people to shape their worlds. San Francisco, CA: Jossey-Bass.
Gardner, H. Las cinco mentes del futuro. Barcelona: Editorial Paidós, 2005.
Mouchiroud, C. e Lubart, T. (2002). Social creativity: A cross-sectional study of 6-to 11-yearold
children. Int. J. Behav. Develop., 26 (1), 60-69.
Introdução
ter ciência de sua posição nele, para, então, tomar posição neste mundo e agir, colocando-se
politicamente, para a sua transformação.
1
Professora Titular do Departamento de Humanidades do Colégio de Aplicação da UFRGS. Atua na área
de Geografia na Educação Básica e como professora da Linha de Ensino de Geografia no Programa de
Pós-Graduação da mesma universidade. E-mail: mairasuerte@gmail.com.
A autora aponta o potencial que a leitura literária tem para recompor identidades e
relações de pertencimento, configurando-se como possibilidade de resistência aos proces-
sos de marginalização, pois “[...] elabora uma identidade singular, aberta, em movimento,
evitando que se precipitem modelos preestabelecidos de identidade, que asseguram seu
pertencimento integral a um grupo” (Petit, 2009, p. 37).
Assim, ler nos lança ao devaneio, no qual outras possibilidades são cogitadas, outras
realidades são possíveis.
Ler contribui para que nos tornemos mais agentes de nossas vidas. Permite abrir
um pouco o espaço de possibilidades e assim encontrar um lugar – mas um lugar em
um mundo, em uma sociedade que transformamos um pouco, onde temos a nossa
parte, onde nos inscrevemos. (PETIT, 2009, p. 54)
Petit (2019, p. 23) retoma Hannah Arendt, quando diz que a leitura e a disseminação
cultural são importantes para “[...] transmitir o mundo às crianças, para ensiná-las a amá-
-lo, para que elas um dia tenham vontade de assumir a responsabilidade por ele”.
Desta forma, o trabalho com a literatura abre espaço para “[...] construir um mundo
habitável, humano; poder encontrar ali o seu lugar e se locomover; celebrar a vida no coti-
diano, oferecer as coisas poeticamente; inspirar as narrativas que cada pessoa fará da sua
própria vida; alimentar o pensamento [...]” (Petit, 2019, p. 23).
Pensando a Geografia nesta interação, destaco o excerto:
As palavras que eu tiver dito, lido ou cantado vão possibilitar uma experiência
poética do espaço. As ruas ou os bairros ganharão relevo, farão você sonhar, sair à
deriva, associar, pensar. Para que o espaço seja habitável e representável, para que
possamos nos situar, nos inscrever nele, ele deve contar histórias, ter toda a sua espes-
sura simbólica, imaginária. Sem narrativas – nem que seja uma mitologia familiar,
111 // Sociedade e memória dos territórios
Neste sentido, Kilomba (2019) aponta que a colonização dos corpos e das mentes,
imposta pelo entendimento racista de posições de superioridade e de poder, em torno da
branquitude, resulta que os povos não brancos sejam tratados como “os outros”, em relação
aos brancos. Desta forma, historicamente, pessoas negras têm usufruído de um acesso desigual
aos recursos necessários para a implementação de suas vozes (De Mesquita, 2019).
Esta situação favorece à disseminação do que Adiche (2019) chama de “[...] perigo da
história única”. Segundo a autora:
[...] assim como o mundo econômico e político, as histórias são definidas pelo
princípio de nkali (em igbo “ser maior do que outro”): como elas são contadas, quem
as conta, quando são contadas e quantas são contadas depende muito de poder. O
112 // Sociedade e memória dos territórios
poder é a habilidade não apenas de contar a história de outra pessoa, mas de fazer
que ela seja a sua história definitiva. (Adiche, 2019, p. 23)
Ainda encontramos formas de racismo em muitos textos literários, voltados para crianças
e para jovens, expressas na ausência da imagem do negro ou na estigmatização e na constante
afirmação ideais de comportamento e de beleza brancos. Uma criança que não se reconhece,
dentro do padrão estabelecido, mesmo inconscientemente, passa a atribuir características
negativas ao seu próprio corpo. A construção da sua identidade fica, então, prejudicada, uma
vez que não encontra correspondência corporal positiva nos seus repertórios imagéticos ou
é marcada pela invisibilidade. Adiche (2019, p. 13) destaca “[...] o quão impressionáveis e
vulneráveis somos, diante de uma história, particularmente, durante a infância”.
Para os pesquisadores da Geografia da Infância Lopes e Vasconcelos (2006), a vivência
da infância se conecta com o lugar, em que esta criança vive, pois, a partir deste lugar e
113 // Sociedade e memória dos territórios
respeito às diferenças e das questões indígenas ganham destaque nas minhas histórias, uma
vez que, ao longo da docência e da maternidade, fui indagada sobre questões, relativas à
desigualdade social e ao racismo estrutural no Brasil, bem como em relação à valorização
da beleza branca, em detrimento de outros padrões de beleza. Tais questionamentos foram
feitos por crianças, a partir de suas experiências pessoais, de seu mundo vivido, de suas
dores, na busca de um entendimento.
tímido ela concordou, então prossegui “me diz, porque tu usa capuz e esconde teu
cabelo, que é lindo?
(...) Mariele com seus onze anos representava muito mais uma adolescente por
suas falas, gírias e atitudes, do que uma criança. Percebia muita confiança e atenção
da parte dela nos momentos de conversas, e, mesmo assim, não esperava que ela
revelasse para mim, o significado que o livro impulsionou nela. Na semana seguinte,
página de escritora da rede social Facebook, após visita à Escola Estadual Brigadeiro André
Sampaio, de Alvorada, município da Região Metropolitana de Porto Alegre, por meio do
projeto Lendo pra Valer:
Hoje recebemos na escola a visita da Maíra Suertegaray. Maíra é professora e
escritora de literatura infantil. Suas personagens são, predominantemente, meni-
nas negras, inspiradas nas suas filhas. Ela nos contou que a intenção dela foi dar
Lívia também leciona em turmas de magistério e discute essas questões com os futuros e
as futuras docentes, que está formando. Recebo muitos relatos, semelhantes a esses, de mães,
de pais, de professores. Quando encontro com os leitores, para dialogar e para responder
a perguntas sobre meus livros, sempre surgem muitas histórias de crianças, que ficaram
surpresas, ao conhecer mais sobre as suas origens, e que declaram como isso foi significativo.
É importante, para essas crianças, que se autorreconheçam belas e belos, princesas e
príncipes, heroínas e heróis. Chimamanda (2017) aponta que é fundamental oferecermos
alternativas às crianças, diferentes tipos de belezas, além de pessoas (homens e mulheres)
inspiradores, para que possam se contrapor aos estereótipos. A autora diz, ainda:
As histórias importam. Muitas histórias importam. As histórias foram usadas
para espoliar e caluniar, mas também podem ser usadas para empoderar e humanizar.
Elas podem despedaçar a dignidade de um povo, mas também podem reparar essa
dignidade despedaçada.
(...) Quando rejeitamos a história única, quando percebemos que nunca existe
uma história única sobre lugar nenhum, reavemos uma espécie de paraíso. (Adichie,
2019, p. 32-33)
Foi para contribuir com a transformação dessas crianças que me tornei escritora.
Escrevo para mostrar a sua beleza, para exaltar as suas histórias – histórias de luta e de
Pensar sobre esses conflitos também me motiva, quando escrevo. Valorizar as histórias
ancestrais, as trajetórias de povos, que contribuíram para a formação do território brasi-
leiro, e mostrar a diversidade de pessoas, que formam os nossos espaços e que neles atuam
(com suas contradições, inclusive), desperta o olhar e a sensibilidade do leitor para as
questões/conflitos, nos quais estão inseridos. Essa tomada de consciência contribui, para
118 // Sociedade e memória dos territórios
criar uma nova forma de olhar e de se posicionar, em relação a isso. Assim, temos crianças
mais conscientes e mais questionadoras da sua realidade e, a partir daí, mais empoderadas
e mais empáticas, em relação à diversidade.
Por fim, destaco a temática da representatividade, ligada às questões do povo guarani,
com o livro Anahí: a flor que queria ser menina (Suertegaray 2017), e dos povos da floresta,
em particular, com os ribeirinhos, que vivem na Amazônia, com o livro Boyrá e o menino
O excerto acima não poderia ser mais geográfico e mais significativo, para entender-
mos a riqueza de possibilidades permitidas pelo trabalho interdisciplinar da Geografia com
a Literatura.
119 // Sociedade e memória dos territórios
Reflexões finais
aprendizagens mais sólidas e abrindo espaço para reflexões, que incluem argumentos mais
aprofundados e respeito a diferentes pontos de vista.
Suertegaray, M. (2015). Dandara, seus cachos e caracóis. Ilustrado por Carla Pilla. 1a ed. Porto
Alegre: Mediação. 40 p.
Suertegaray, M. (2015). No país de Anahí. Ilustrado por Martina Schreiner. 1a ed. Porto Alegre:
Edelbra. 32 p.
Suertegaray, M. (2017). Anahí: a flor que queria ser menina. Ilustrado por Carla Pilla. 1a ed. Porto
Alegre: Compasso Lugar-Cultura. 32 p.
Introdução
duas autoras, sobretudo, através das imagens literárias do mar e das paisagens vividas por
elas em seus encontros e desencontros. Serão analisados neste ensaio, da obra de Sophia de
Mello Breyner Andresen, especialmente, o livro intitulado Geografia (2010), entre outros
1
Universidade Federal de Goiás-UFG-Brasil
vpcsilva@hotmail.com
Trabalhar a paisagem poética nos versos de Cecília Meireles e Sophia de Mello Breyner
Andresen consiste numa escolha pelo sensível para compreender a relação entre paisagem
e poesia, e seu onirismo. Tal escolha não recai tão somente quanto à qualidade inextrin-
cável e beleza dos poemas das duas autoras, mas sobretudo pelo modo como apreendiam
os sentidos e a ambiência dos lugares de forma poética. Também devido a relação a qual
estabeleciam com os lugares em que viviam e com as paisagens longínquas que visitavam
através do amor pelas viagens. Cecília Meireles afirmava que “se pudesse conheceria o
mundo a pé”, expressando o modo como a viagem e o contato com novos lugares e paisa-
gens eram fundamentais tanto para vida como para sua criação poética. Sophia de Mello
Breyner Andresen também traduz o alimento que a viagem tem para com a escrita poética:
lumes, cores, formas e a põe em movimento como nos fragmentos de Tarde amarela e azul:
Rangel (2011) identifica em Sophia de Mello Breyner Andresen também uma geografia
visual, no mundo produzido pelas palavras e que funciona como a imagética da fotografia,
é como se suas palavras soletrassem imagens, como observamos:
Esse olhar para o mundo sem que nada separe o ser do vivido parece ser a grande partilha
entre as duas poetas navegadoras, a forma de sentir e existir que encontramos nas duas auto-
ras viajantes parecem fazer parte da mesma flor d’água que as liga e um continente à outro.
Nos versos de Cecília a tônica destas descrições poéticas: “Ando à procura do espaço
para o desenho da vida” (Meireles, 2002, p.30). Tal verso tem, simetricamente, correspon-
dência com o verso de Andresen “Sem que nada separe o homem do vivido” (Andresen,
2018, p. 870). Desse modo, espaços sempre cantados, descritos e plenos de imagens, como
no poema Madrugada na Aldeia. De acordo com Goldstein (2002), neste poema Cecília
Meireles retratou a aldeia natal de seu marido, Moledo de Penajóia, em Portugal, numa
viagem realizada em 1934.
Os vínculos entre o homem e a natureza também são celebrados nesta poesia descritiva de
Cecília: as frutas, o orvalho, o outono, as árvores dotadas de lembranças. Goldstein (2002) re-
força essa sugestão da aliança entre o homem e a natureza presente nas imagens de Madrugada
na Aldeia e o modo como essa aliança vai se aprofundando gradativamente, a pessoas que dor-
mem ao ritmo da natureza e acordam de madrugada com os primeiros raios de luz e a poeta
fecha o retrato da antiga vila com a bela imagem do pescador, oferecendo aos recém acordados,
os translúcidos peixes. Vemos as escamas brilhantes dos peixes batendo-se... o brilho, o frescor
o aconchego das suas impressões são paisagens poéticas que também podemos ver e sentir.
Sophia Andresen, assim como, Cecília Meireles estabeleceu com os lugares e as paisa-
gens vividas algo que resulta no trabalho cuidadoso do olhar e na apreensão dos sentidos.
De certo modo, a forma como estas autoras relacionaram-se com os lugares e paisagens
visitadas indica que a experiência é fundamental para nutrir a escrita literária.
A noite e a casa
A noite reúne a casa em seu silêncio
Desde o alicerce desde o fundamento
Até à flor imóvel
Apenas se o bater o relógio do tempo
A noite reúne a casa seu destino
Nada agora se dispersa se divide
Tudo está como o cipreste atento
129 // Sociedade e memória dos territórios
2
Sophia de Mello Breyner Andresen em: http://purl.pt/19841/1/1960/1960-2.html. Acesso em 07 de julho
de 2015
Em 1958 Sophia de Mello Breyner Andresen escreve o ensaio sobre Cecília Meireles e
vários estudiosos e críticos apontam a influência da obra Cecília sobre a poesia de Sophia,
e este fora um encontro literário feliz que significou, em nossa análise, uma poética plena
do espaço vivido, grafada de paisagens que conservam sempre uma novidade ao olhar de
quem busca descortiná-las, pois os sentidos permanecem vivos em formas de palavras.
Cecília Meireles é um poeta objetivo porque nos diz que o mar é um “cavalo épico”
e uma “anêmona suave”. Porque é um poeta que vê as coisas e não um poeta que
as sonha. Porque quando ela nos fala do “vento liso”, da “clássica luz de Maio”, do
“desequilíbrio dos oceanos”, a natureza nos mostra aquela sua face divina que o
homem não lhe acrescenta pois ela a possui interiormente. (Andresen, 1958, In:
Russell, 2017, p. 125).
Considerações Finais
caminho e erguer a vista na plenitude de olhar o horizonte. Tais autoras colocam ao nosso
alcance espaço-tempo com a sensibilidade e argúcia que só a poesia pode conter. Estar
no mundo em deslocamento, apreendendo, juntando, refletindo. Carrega em sua viagem
existencial a lanterna da poesia que se reverte para nós em forma de tradução do sentimento
do mundo. Paisagens traduzidas pela poesia que implicam em cartões-postais simbólicos e
abertos, deixando-nos pistas para que pensemos nossa própria viagem existencial. Em cada
Referências
Introdução
O objetivo expresso neste texto é refletir, a partir da designação dos lugares, sobre a
formação do espaço geográfico, enfatizando a amalgama das relações deste processo com
as características naturais e com a ocupação populacional. Constitui uma leitura dos mu-
nicípios que compõem o estado da Paraíba-Brasil, a partir da decifração dos significados
toponímicos. A análise foi construída a partir de um ensaio de classificação elaborado para
esta finalidade cujos eixos de análise dizem respeito: ao povoamento original; manifesto
nos topônimos indígenas e seus significados; as denominações, portuguesas e africanas,
considerando, nomes de pessoas, de santos, ou localidades; aos elementos primordiais de
ocupação. Dito de outra forma, remetem à matriz primordial e a qualitativos identitários,
137 // Sociedade e memória dos territórios
1
Universidade Federal do Paraná (UFPR-BR)
iobngpb@gmail.com
2
Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Universidade Federal da Paraíba (UFRGS/UFPB-BR)
3
Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Território e Centro de Estudos Ibéricos
(CEGOT/CEI-PT)
4
Universidade Federal da Paraíba (UFPB-BR)
5
Universidade Federal da Paraíba (UFPB-BR)
6
Universidade Federal da Paraíba (UFPB-BR)
mos, a denominação dos lugares observam variantes e padrões diversos no caso do Brasil
7
Num comparativo entre a denominação dos lugares pode-se dizer, a partir de uma leitura prévia, que, tanto
para um português, quanto aos brasileiros, em relação à denominação dos lugares é semelhante à forma
como se manifestam com a língua, em geral, e com o nome das pessoas, em particular. Constituído uma
expressão de criatividade, que parece ir além da gramática e doutros cânones, que impõem normas e padrões
mais restritos (Suertegaray et al., 2020).
Vianna (57) ; Guimarães, Tutoya (58); Amazonas - Moura, Thomar (58); Serpa,
Olivença, Ega (59) ; R. g. do norte - Estremoz (60); Espirito Santo- Almeida (60);
Benavente (61}; Pará - Mazagão (65) ; Piauhy- Amarante (66); Bahia - Villa Viçosa
(68) ; Porto Seguro - Alcobaça (72). Comparem-se os nomes das terras do norte,
8
Disponível em: <https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pb/bayeux/historico>. Acesso em: Out. 2021.
Uma simples observação no Google Maps permite ver outros lugares escondidos
pela escala de análise que os esconde e, assim, retira detalhe a uma análise mais fina.
Encontramos, então, além dos três atrás referidos, nomes como: Rio Tinto; Torres; Olho
d’Água Branca; Pocinhos; Teixeira; Salgueiro; Jardim; Viveiro; Várzea; Pedra Lavrada.
Esta análise permite considerar que nomes vinculados a categoria Elementos funda-
mentais do povoamento primordial indicando nomes aos municípios: Feira Nova; Alcantil;
Guarita; Recanto; Estiva Velha; Curral de Cima; Logradouro, ou ainda, aqueles classifi-
cados como O paraíso na terra/sentimento (espírito do lugar) como as cidades de: Chã de
Alegria; Mundo Novo; Liberdade; Soledade; e, Esperança. Nova Olinda; Buenos Aires;
Boa Vista dos Nunes; e, Boa Vista, expressam sob nome portugueses a ocupação associada
ao sentido topofílico a esses lugares atribuídos.
9
A propósito de “A crise no Ultramar”: “Os governos coloniaes não descansavam na mira da exploração
do interior do Brazil; e o valle do Amazonas, com as suas vastidões infinitas, tentava constantemente a
insaciavel ambição dos dominadores. Se o estabelecimento recente do Rio de Janeiro não merecia ainda o
nome de colonia, no fim do XVI seculo; se outro tanto succedia aos do norte de Pernambuco, Itamaracá e
na Parahyba; e se as colonias marítimas da província de S. Paulo (Santos, S. Vicente) declinavam, porque
essa região desenvolvia-se agricolamente;- o progesso era evidente em todas as colonias littoraes, cujo, centro
foram Pernambuco e a Bahia” (40-41) (Oliveira Martins, 1880).
Para Dick, a toponímia pode ser entendida como “um imenso complexo línguo-cultural,
em que os dados das demais ciências se interseccionam necessariamente e, não, exclusiva-
mente” (Dick, 1990, p. 16). Na sua definição mais restrita, topos (lugar) e onoma (nome), a
toponímia dá voz ao lugar e ao espaço e, em sentido mais amplo, à paisagem e ao território.
Constitui um caminho de análise, que permite uma construção interdisciplinar, que vem
sendo resgatado, com o advento das análises culturais, no terreno da Geografia, para uma
compreensão do significado dos lugares e de suas correspondentes nomeações, dentro do
contexto histórico. No entanto, tem-se desde os clássicos da Geografia o indicativo da
pertinência de entender o significado dos nomes dos lugares, conforme expresso em Reclus:
Nossos ancestrais mais recuados tinham perfeitamente apreciado perfeitamente os
contrastes que apresentavam, como locais de habitação, as diversas partes da Terra, e
no – lo dizem em seus cantos, em suas lendas, e sobretudo nos nomes dos locais com
os quais recobriram o mundo (RECLUS, 2010, p. 79).
Entretanto, é preciso ficar claro que “[...] o topônimo não é o lugar em si, mas uma de
suas representações carregando em sua estrutura sêmica elementos da língua, da cultura,
da época de sua formação, enfim, do homem denominador” (Carvalhinhos, 2009, p. 83).
Para a Geografia, a legenda de um mapa, enquanto registro da denominação de luga-
res, é o produto toponímico por excelência. Essa representação pode ser entendida, como
o nome, como uma tatuagem no corpo da terra, uma marca profunda e perene. Sendo
assim, o mapa expressa a distribuição dos lugares no território, uma vez que cada nome
atribuído tem um significado histórico e linguístico. Assim, num estudo desta natureza,
a legenda (denominação das cidades sedes de municípios) constitui o tema, que permite
construir a narrativa.
Enquanto a toponímia maior reflete as formas de povoamento – os nomenclátor
são uma boa fonte –, a toponímia menor (caminhos, montes, ruas) fornece informação
do máximo interesse, para entender as circunstâncias e os estratos cronológicos de
um território. Os mapas topográficos e cadastrais contêm uma rica memória, a este
respeito. Possivelmente, a vegetação e sua história são as que mais eloquentemente
perduram, na toponímia fossilizada. Na toponímia da Península Ibérica, por exemplo,
convergem as raízes pré-romanas, com um substrato autóctone (iberos, celtas, celti-
beros, tartésios e vacções) ou colonizador (Fernandes; Trigal; Sposito, 2016, p. 494).
11
A este propósito, Jean-René Trichet observa: Na Europa ocidental, a interpretação das camadas toponímicas
da Antiguidade é da alta Idade Média, presta-se ainda a várias hipóteses. Na França, sabemos que vários
tipos de topónimos de origem galaco-romano ou germânico, que deram origem a vários milhares de nossos
nomes de comunas atuais, têm muitas vezes como radical um nome de pessoa. [...] Trata-se então de uma
especificidade das sociedades tradicionais europeias, nas quais a marca precoce do território pela autoridade
administrativa, com um objetivo principalmente fiscal, tem relevo sobre uma outra lógica que era a fixação
indígena dos nomes dos lugares (TRICHET, 1998, p. 180-181).
Uma breve caracterização das condições naturais do estado (PB) é apresentada a partir
dos mapas (Figura 2), conforme as espacializações relativas ao relevo (Figura 2 – A), a
cobertura vegetal original (Figura 2 – B), a hidrografia (Figura 2 – C), e a divisão regional
- fitogeográfica (Figura 2 – D).
145 // Sociedade e memória dos territórios
No cariri se inicia
Da Borborema um serrão
Na zona da Mata, o chão
É verde e sem avaria
Dissemelhanças
Damião de Lima (Damlima)
Em relação a hidrografia destacam-se dois rios, o Rio Paraíba, que drena o estado no
sentido Leste-Oeste e o Rio Piancó, sentido Sul-Norte. Estes dois rios foram fundamentais
O agreste é diferente
Intermezo e claridade
As chuvas vem à vontade
Alegrando sua gente.
Dissemelhanças
Damião de Lima (Damlima)
Brejo - denominação que expressa áreas úmidas em zonas serranas do interior, onde
temos enclaves de Mata Atlântica (mais interiorizada) e a Mata Serrana. Devido seu po-
tencial agrícola foram pontos de parada, produção de alimentos e instalação de vilas e
povoados; Curimataú - região cujo nome deriva da palavra Tupi que significa “rio dos
curumatás” (peixe tenro), região dominada pela vegetação de Caatinga, compreendida
pela porção noroeste do Planalto da Borborema foi considerada propícia a criação de
147 // Sociedade e memória dos territórios
gado nos primórdios da colonização; Seridó - palavra proveniente da língua Cariri ex-
pressa “árvores sem folha” ou de “pouca sombra”. Essa região era dominada pela Caatinga
e sua atividade está vinculada à pecuária e a criação de caprinos; Cariri - indicado pelo
significado indígina “lugar silencioso” é, também, a designação da principal família de
línguas indígenas do sertão do Nordeste do Brasil. Esta região ocupa uma parcela (Sul) do
Planalto da Borborema, no estado da Paraíba constituída, originalmente, pela vegetação
[...] o Sertão, palavra que entre tantos significados pode corresponder a “espaços
distantes do mar”, ou entre “terras continentais”, até o significado de agreste, distante “das
povoaçõe”s ou de “terras cultivadas”. Esta região, originalmente, recoberta pela Caatinga,
é a região mais distante do litoral e pouco povoada. Sob clima Semiárido, tem na criação
do gado a sua ocupação lusitana.
(Joffily, 1977, p. 105). Já o interior do território era dominado pelo grupo indígena Cairys
“desde o platô da Borborema, a que deixarão o seu nome, nos limites com o Ceará, Rio
Grande do Norte e Pernambuco, cujos sertões eram igualmente habitados por tribos dessa
raça, assim como o da Bahia (rio S. Francisco)” (Joffily, 1977, p. 103).
No período do domínio holandês (1634-1654), não se tem registros da fundação
de novas povoações. Assim, tem-se a formação de missões para o interior do território
12
Disponível em: <http://www.al.pb.leg.br/espaco-do-cidadao/emancipacao-dos-municipios>. Acesso em
Out. de 2021.
colonização portuguesa, Torre de Belém ou Belém do Brejo do Cruz: está como referência
a nome de lugares portugueses, mas, também Brejo constitui um elemento natural e Cruz
uma referência ao cristianismo, religião. Baía da Traição – está como referência a hidro-
toponímia, porém, “Traição” refere-se ao momento da ocupação territorial. Sertãozinho,
está como referência a paraíso, sentimento, mas, também há referência ao processo de
ocupação territorial, deriva de Sertões. Da mesma forma, Campina Grande foi classificada
Procedimentos cartográficos
Os procedimentos, para a elaboração dos mapas cartográficos, que fundamentam essa
investigação, estão embasados nas seguintes etapas:
1) Classificação das Toponímias e vinculação dos resultados à base cartográfica dos
municípios da Paraíba;
2) Vetorização/Georreferenciamento das seguintes bases cartográficas: Unidades
Geomorfológicas; Vegetação Pioneira/Original; Hidrografia principal; e, Divisão
Regional - Fitogeográfica;
3) Composição dos mapas, com a sobreposição das bases cartográficas: Unidades
Geomorfológicas; Vegetação Pioneira/Original; Hidrografia principal; e, Divisão
Regional – Fitogeográfica.
Após a classificação das toponímias dos municípios do estado da Paraíba, construída,
a partir de pesquisa bibliográfica, além da busca do significado dos topônimos indígenas,
154 // Sociedade e memória dos territórios
Tipologias de nomes
Municípios equivalentes a cada tipologia
de lugares
1. Toponímia e matriz identitária
Araçagi; Arara; Araruna; Areia de Baraúnas; Aroeiras; Baraúna; Borborema; Caaporã;
Caiçara; Cajazeiras; Cajazeirinhas; Camalaú; Caraúbas; Catingueira; Catolé do Rocha;
Caturité ; Coremas ; Coxixola ; Cubati ; Cuité ; Cuité de Mamanguape ; Cuitegi; Guarabira;
1. Nome Indígena Gurinhém; Ibiara; Igaracy; Ingá; Itabaiana; Itaporanga; Itapororoca; Itatuba; Jacaraú; Jericó;
Juazeirinho; Juripiranga; Juru; Mamanguape; Manaíra; Mari; Massaranduba; Mataraca;
Mogeiro; Mulungu; Natuba; Parari; Piancó; Picuí; Pirpirituba; Pitimbu; Puxinanã; Quixaba;
Sapé; Sumé; Tacima; Taperoá; Uiraúna; Umbuzeiro; e, Zabelê.
2. Rotas do povoamento primordial
2.1. Nome de lugares
Lugares portugueses: Alhandra; Belém; Belém do Brejo do Cruz; e, Pombal. Lugar francês:
portugueses e de lugar
Bayeux.
francês
2.2. Elementos
Condado; Conde; Curral de Cima; Curral Velho; Duas Estradas; Logradouro; Malta;
fundamentais do
Marcação; Montadas; Nova Olinda; Passagem; Paulista; Princesa Isabel; e, Sobrado.
povoamento primordial
2.3. O paraíso na terra/ Amparo, Boa Ventura; Boa Vista; Bom Sucesso; Esperança; Sertãozinho; Soledade;
sentimento (espírito) do lugar Sossêgo; e, Triunfo.
Aguiar; Bernadino Batista; Conceição; Congo; Dona Inês; Fagundes; Gurjão; João
2.4. Nome de Pessoas
Pessoa; Joca Claudino; Juarez Távora; Lucena; Marizópolis; Monteiro; Pedro Régis;
(Antroponímia)
Remígio; Sousa; Tavares; Teixeira; Tenório; e, Vieirópolis.
Aparecida; Assunção; Damião; Desterro; Livramento; Bom Jesus; Bonito de Santa Fé; Cruz
do Espírito Santo; Frei Martinho; Imaculada; Nazarezinho; Santa Cecília; Santa Cruz;
Santa Helena; Santa Inês; Santa Luzia; Santa Rita; Santa Teresinha; Santana de Mangueira;
155 // Sociedade e memória dos territórios
Santana dos Garrotes; Santo André; São Bentinho; São Bento; São Domingos; São
2.5. Nome de Santos Domingos do Cariri; São Francisco; São João do Cariri; São João do Rio do Peixe; São João
do Tigre; São José da Lagoa Tapada; São José de Caiana; São José de Espinharas; São José de
Piranhas; São José de Princesa; São José do Bonfim; São José do Brejo do Cruz; São José do
Sabugi; São José dos Cordeiros; São José dos Ramos; São Mamede; São Miguel de Taipu;
São Sebastião de Lagoa de Roça; São Sebastião do Umbuzeiro; e, São Vicente do Sérido.
3. Condições naturais locais
3.1. Biogeografia: Animais Emas; Gado Bravo; e, Patos.
mais fina. Encontramos, então, nomes como: Rio Tinto; Torres; Olho d’ Água Branca;
Pocinhos; Teixeira; Salgueiro; Jardim; Viveiro; Várzea; Pedra Lavrada; que expressam a
mesma lógica de classificação na medida que indicam nomes de condições naturais, como:
água, relevo, vegetação, acidentes morfológicos, e nome de pessoas.
Da mesma forma, em escala regional, as denominações da regionalização adotada
neste trabalho apresenta as denominações associadas a significados indígenas vinculadas às
i. Mata Paraibana (vegetação + Paraíba do tupi, significa “rio ruim” (pará, “rio grande” + aíb, “ruim”; ii. Agreste
13
(relativo a campo rústico); iii. Brejo (relativo a área úmida); iv. Curimataú (rio do peixe-Curimatã, do Tupi =
¨peixe tenro, delicado); v. Seridó (Seridó é uma palavra da língua cariri e significa literalmente: ¨sem folha; pouca
sombra¨; vi. Cariri (Kariri, Kairiri ou quiriri (do tupi kiri’ri, “silencioso”), Kariri enfim, grupo e linguagem indí-
158 // Sociedade e memória dos territórios
gina; vii. Sertão a origem da palavra “sertão” é controvertida. Alguns afirmam ser derivada de um vocábulo de
origem angolana: “muceltão”, que quereria dizer “lugar interior”, “terra entre terras”, “local distante do mar”.
O vocábulo angolano teria sido alterado para “celtão” e depois “certão” até adquirir a forma atual “sertão”.
Pode derivar da expressão “desertão” (ou seja, “deserto grande”), utilizada pelos portugueses para se referir às
regiões despovoadas da África Equatorial. Com a eliminação do “de”, o termo virou “sertão”, pode provir do
quimbundo muchitum pela voz angolana muceltão, cujo significado é “região distante da costa”, “interior”,
“mato”, pode provir de Domingos Afonso Sertão, que, em 1676, teria recebido uma sesmaria às margens do
rio Gurgueia, no atual estado do Piauí, no Brasil,pode provir da vila de Sertã, em Portugal.
Figura 4 – Rotas do povoamento primordial: Nome Pessoas e Nome de Santos, identificado na Paraíba-Brasil.
Fonte: IBGE (2020). Elaborado por Borges Neto (2021).
Doação de
Capelas Data* Povoação Nome Atual
Patrimônios
Nossa Senhora dos Milagres 1760 1760 e 1773 Povoação do Brejo Brejo do Cruz (PB)
Santa Rita de Cassia 1765 1765 Boqueirão Coremas (PB)
Nossa Senhora da Guia 1768 1768 Patos Patos (PB)
Nossa Senhora dos Remédios 1773 1773 Catolé Catolé do Rocha (PB)
Santa Luzia 1773 1756 Santa Luzia Santa Luzia (PB)
São Sebastião 1774 1774 Catingueira Catingueira (PB)
Nossa Senhora do Rosário 1775 - São João São João do Rio do Peixe
São José 1777 1777 São José São José de Piranhas
São José 1783 1783 Paulista Paulista
Santa Maria Madalena 1792 1792 Canudos Teixeira
Quadro 4 – Vilas constituídas na segunda metade do século XVIII na Capitania de Pernambuco e Anexas.
*Ano de instituição das respectivas Vilas.
Fonte: Adaptado de Carvalho (2008); Demtl e Carvalho (2010); Jucá Neto (2009, p. 52-53);
Medeiros (2007); Pinto (1977); e, Seixas (1962) apud Soares (2012, p.138).
A leitura dos topônimos oriundos das condições naturais locais (biogeografia, hidro-
grafia e elementos morfológicos/geológicos) indica que, um número significativo de lugares
estão impressos e distribuídos no espaço paraibano.
Os mapas, a seguir, representam a distribuição dos nomes de municípios denomi-
nados a partir das condições naturais originais e locais (Figuras 6, 7 e 8). Estas estão
expressas através da biogeografia, acidentes morfológicos e hidrotoponímia. Na Paraíba
os topônimos de maior presença correspondem a Hidrotoponimia: Rios, Lagoa, Poço,...
a exemplo de municípios denominados Água Branca; Alagoa Grande; Alagoa Nova;
Alagoinha; Brejo do Cruz; Brejo dos Santos; Cachoeira dos Índios; e, Cacimba de Areia
(Figura 6). A Biogeografia: Plantas sendo exemplos os municípios Algodão de Jandaíra;
Bananeiras; Cabaceiras; Campina Grande; Capim; Carrapateira; Casserengue; Junco do
Seridó (Figura 7) e em menor número os denominados na categoria Acidentes morfológi-
cos: Monte, Vale, Serra,... a exemplos dos municípios de: Pilar; Pilões; Pilõezinhos; Serra
Branca; Serra da Raíz; e, Boqueirão entre outros. Representativos da Geologia (rochas, areia,
minerais e metais) tem-se os municípios de: Pedra do Fogo; Areia; Areial, entre outros
(Figura 8).
O mapa relativo a hidrotoponímia (Figura 6) indica que esta nominação em relação
as condições naturais é a mais expressiva. Com topônimos distribuidos por todas as re-
giões paraibanas do Litoral ao Sertão e sobretudo associados aos cursos d’agua permitem
considerar a importância da presença da água, no processo de ocupação e povoamento,
sobretudo num estado dominado pelo ambiente semiárido.
14
Categorias relativas aos componentes naturais adotada na pesquisa: (i) mato; (ii) condições biogeográfi-
cas locais: pinhal, coqueiral, mata; (iii) campina, sertão, gramado. Os nomes relacionados à água foram
agrupados em três classes: (i) continental: rio, cachoeira, arroio, passo, ponte, lagoa, pântano; (ii) porto;
(iii) barra. Foram destacados, ainda, os nomes relacionados a acidentes morfológicos (monte, morro,
morrinho, vale, serra, planalto, cerro, chapada) ou à Geologia (mineral, rocha, lajeado). Os subgrupos
constituídos são os seguintes: 3.1. Biogeografia: animais; 3.2. Biogeografia: plantas; 3.3. Condições bio-
165 // Sociedade e memória dos territórios
geográficas locais: mato; 3.4. Condições biogeográficas locais: pinhal, coqueiral, mata; 3.5. Condições
biogeográficas locais: campina, sertão, gramado; 3.6. Hidrotoponímia: rio, cachoeira, arroio, passo,
ponte, lagoa, pântano; 3.7. Hidrotoponímia: porto; 3.8. Hidrotoponímia: barra; 3.9. Acidentes
morfológicos: monte, morro, morrinho, vale, serra, planalto, cerro, chapada; 3.10. Geologia: areia,
mineral, rocha, lajeado. Para a Paraíba os agrupamentos 3.3. Condições biogeográficas locais: mato;
3.4. Condições biogeográficas locais: pinhal, coqueiral, mata; 3.5. e, Condições biogeográficas locais:
campina, sertão, gramado e 3.7. Hidrotoponímia: porto - não foram considerados na classificação utilizada
neste texto.
Remate
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169 // Sociedade e memória dos territórios
Introdução
1
Universidade de Coimbra, CEGOT; HTC-CFE NOVA FCSH
2
Universidade de Coimbra, CEGOT, Faculdade de Letras
3
Universidade de Coimbra, CES-UC, DARQ-FCTUC
4
Universidade de Coimbra, CEGOT, Faculdade de Letras
173 // Sociedade e memória dos territórios
5
A justificação do VUE teve por base os critérios (ii), (iv) e (vi), sendo também justificadas a sua autentici-
dade e a sua integridade (Universidade de Coimbra - Gabinete de Candidatura à UNESCO, 2012; World
Heritage Committee, 2013, pp. 208–9).
6
A área delimitada do Bem UC-AS é enquadrada pela sua respetiva área de proteção com 80,8 hectares, per-
fazendo a área total do Bem inscrito na LPM 117 hectares, depois da 43.ª sessão do Comité do Património
Mundial, realizada em Baku (Azerbaijão), em 07/07/2019, onde foi anunciada a decisão de inscrever o Museu
Nacional de Machado de Castro (anteriormente, localizado na área de proteção do Bem) na constituição do
Bem UC-AS, alargando, assim, a área inscrita da Alta Património Mundial dos 29 para os 29,7 hectares.
7
Para este estudo, a população da Alta universitária compreende as comunidades e os indivíduos que se
estabelecem no lugar e que desenvolvem laços de relação de identidade e de pertença com o lugar, a cultura,
os hábitos e tradições que vão sendo produzidos e reproduzidos ao longo do tempo, pese embora as suas
variações de grupo – os residentes, os habitantes, os comerciantes, os salatinas, a academia, os estudantes, os
conimbricenses, os visitantes, os turistas.
Universidade sagrada
175 // Sociedade e memória dos territórios
8
Cf. (Ribeiro, 1925, p. 80).
9
Em 1918, o governo de Sidónio Pais convocava o início dos trabalhos de estudo para as instalações da
Universidade de Lisboa; durante a década de 20, eram desenvolvidos esforços para a construção do Instituto
Superior Técnico; e o ministro das Obras Públicas Duarte Pacheco dava autorização, por Decreto-Lei em
13/12/1934, para se avançar com as obras de construção dos edifícios que haveriam de albergar a Reitoria,
a Faculdade de Letras e a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
10
Criada em 1 de março de 1290, a universidade portuguesa conhece morada definitiva e única em Coimbra
desde 1537 – excetuando o período de funcionamento da Universidade de Évora (1559-1759) – até ao
176 // Sociedade e memória dos territórios
início do século XX com a criação das Universidades de Lisboa e do Porto, em 1911. Cf. (Universidade de
Coimbra, 1997).
11
Cf. (Capela de Campos, 2019; Rosmaninho, 1996).
12
O Atelier de Belém era liderado pelo Eng.º Sá e Mello e pelo Arq.º Cottinelli Telmo, responsável pela con-
cretização da Exposição do Mundo Português em 1940 e do Plano de Obras da Praça do Império e Zona
Marginal de Belém de 1941 (Capela de Campos, 2019, pp. 245–58).
13
Cf. (Ministério das Obras Públicas e Comissão Administrativa das Novas Instalações Universitárias, 1961,
p. 10).
Minerva monumental
14
Ofícios 1-A a 10-A e 11 a 17, de 15/12/1941, do diretor-delegado da CAPOCUC Sá e Mello, para os
proprietários das ruas da Alta que estariam sujeitos a expropriação, designadamente, nas Ruas do Cabido,
da Ilha, Dr. Guilherme Moreira, das Parreiras, Camilo Castelo Branco, de São Pedro, José Falcão, Dr. Luiz
Costa Almeida, do Borralho, do Guedes, Sá de Miranda, Travessa da Rua de São Pedro e Marco da Feira,
para procederem à nomeação de perito para a fixação do preço para a aquisição das propriedades, dentro
do que era estipulado pela Lei de julho de 1938 (decorrente das necessidades da execução das obras da
Exposição do Mundo Português). Cf. PT/AUC/ACD/CAPOCUC: Fundo CAPOCUC: Correspondência
expedida (1941-1942).
15
Documento manuscrito “Cidade Universitária de Coimbra – determinações, desejos e ideias do Senhor
Ministro das Obras Públicas e Comunicações. O que está a ser feito e o que está por fazer”, sem data, sem
autor e atribuído a Cottinelli Telmo, o arquiteto-chefe da CAPOCUC, (possivelmente) em 1943, pelo teor
e referências ao projeto, aos programas a equacionar e aos eventos. Cf. PT/AUC/ACD/CAPOCUC: Fundo
CAPOCUC: Pasta 103.
16
Ofícios 110 a 173, de 26/02/1942, de Sá e Mello, para os proprietários das ruas da Alta, designadamente, nas
Ruas do Cândido dos Reis, Dr. Guilherme Moreira, Camilo Castelo Branco, de São Pedro, José Falcão, Dr. Luiz
Costa Almeida, do Borralho, do Guedes, Sá de Miranda, Travessa da Rua de São Pedro, Largo da Feira e Marco
da Feira. Cf. PT/AUC/ACD/CAPOCUC: Fundo CAPOCUC: Correspondência expedida (1941-1942).
17
Ofícios 238 a 500 e 501 a 644, de 09/04/1942, de Sá e Mello, para os proprietários das ruas da Alta, de-
signadamente, nas Ruas Guilherme Gomes Fernandes, do Rego de Água, do Cotovelo, do Arco da Traição,
do Arco do Bispo, Câmara Pestana, Dr. Daniel de Matos, de São Pedro, Dr. Costa Simões, Dr. José Falcão,
177 // Sociedade e memória dos territórios
Dr. Luiz Costa Almeida, do Borralho, do Guedes, das Cozinhas, Sá de Miranda, Borges Carneiro, do
Norte, Dr. José Rodrigues, Cândido dos Reis, dos Estudos, do Forno, dos Anjos, dos Militares, Terreiro
do Pela, Beco dos Militares, Travessas da Trindade e da Rua do Norte, Couraça de Lisboa, Marco da Feira
e Largos do Castelo, da Feira e Dr. José Rodrigues. Em ofício 645, de 09/04/1942, Sá e Mello requeria ao
chefe de Secção das Finanças do Concelho de Coimbra, para apurar se os proprietários de 200 matrizes
prediais estariam em situação de incumprimento ao Estado, como devedores de qualquer contribuição ou
imposto. Cf. PT/AUC/ACD/CAPOCUC: Fundo CAPOCUC: Correspondência expedida (1941-1942) e
Correspondência expedida (1942).
18
Em 12/12/1942, o presidente da CAPOCUC Maximino Correia em entrevista ao Diário de Coimbra
relativizava o volume da intervenção e referia que “todas as expropriações serão feitas com a maior equidade,
quanto a indemnizações” (Rosmaninho, 2006, p. 201).
19
Tendo em conta a datação do seu desenho, publicado na revista Panorama (Telmo, 1944, p. 4), a propósito
da homenagem ao ministro Duarte Pacheco que havia falecido precocemente em 16 de novembro de 1943.
Realojamento
22
No artigo “A urbanização de Coimbra imposta pelas grandiosas obras da Cidade Universitária”, nas páginas
173-174, da Revista Defesa Nacional, n.º 175, novembro de 1948. Cf. PT/AUC/ACD/CAPOCUC: Fundo
CAPOCUC: Pasta CUC 2008-75.
23
De acordo com a coluna “Notícias do Bairro de Celas”, de João Benedito, de 10/01/1953, o espaço dispo-
nível para a construção do Bairro de Celas havia sido avançado como proposta alternativa para a construção
181 // Sociedade e memória dos territórios
da CUC (J. M. A. e Silva, 1988, p. 141), corroborando a hipótese de terem surgido propostas alternativas
da construção da CUC noutros locais da cidade, embora não tivessem sido consequentes ou sequer consi-
deradas pelo governo.
24
No artigo supra citado, página 174, da Revista Defesa Nacional, n.º 175, novembro de 1948. Cf. PT/AUC/
ACD/CAPOCUC: Fundo CAPOCUC: Pasta CUC 2008-75.
25
Em ofício de Maximino Correia, presidente da CAPOCUC, de 04/05/1951, para o engenheiro diretor-de-
legado da CAPOCUC, Manuel de Sá e Mello, onde anexava o respetivo recorte de jornal. Cf. PT/AUC/
ACD/CAPOCUC: Fundo CAPOCUC: Pasta CUC 2008-75.
Estagnação
26
Algumas notícias de periódicos, como o Correio de Coimbra, de 09/03/1952, referiam que as obras da CUC
avançavam com 7 trabalhadores (Vítor, 1999).
27
Em 04/11/1959, o Diário de Coimbra publicava a notícia “Os «Arcos» do Aqueduto de S. Sebastião vão
ficar libertos dos prédios que os maculavam”, na página 1, conforme o recorte de jornal arquivado pela
CAPOCUC. Cf. PT/AUC/ACD/CAPOCUC: Fundo CAPOCUC: Pasta 340.
Crise académica
O ano de 1969 ficava marcado pela crise académica. Durante a cerimónia de inaugu-
ração do edifício da Faculdade de Matemática, com a presença do Presidente da República,
os estudantes de Coimbra, representados pelo presidente da Associação Académica de
Coimbra (AAC) Alberto Martins, pediram a palavra para reivindicar melhores condições
de renovação das metodologias de ensino para uma universidade mais democrática. A
recusa da licença para os estudantes falarem e o abandono das instalações por parte das
autoridades, levaram a que seis mil estudantes se reunissem em Assembleia Magna, nos
jardins da AAC, decretando o luto académico, após a prisão do presidente da AAC e de
outros estudantes, pela PIDE, nesse mesmo dia (Figura 5).
A propósito das comemorações do cinquentenário do 17 de abril de 1969, Alberto
Martins relembrava o país de então: “nós vivíamos em ditadura! Era uma ditadura com
censura; com uma polícia política; Portugal a cumprir uma guerra colonial em três frentes
183 // Sociedade e memória dos territórios
28
Em ofício n.º 464, de 29/03/1965, de Augusto Louza Vianna, para o diretor dos Serviços dos Monumentos
Nacionais, João Filipa Vaz Martins. Cf. PT/AUC/ACD/CAPOCUC: Fundo CAPOCUC: Pasta 593.
29
Cf. (Martins, 2019).
tinham, e quando tinham era uma cloaca na escada que servia vários andares” (A. C.
da Silva, 1981, III). Em todo o caso, Carneiro da Silva reconhecia que a operação do
Estado Novo e da CAPOCUC no bairro universitário tinha sido o mote necessário para
uma efetiva expansão da cidade.
Introspeção
Transformação do paradigma
31
Cf. (Tavares, 1998, p. 89).
32
Cf. (J. M. A. e Silva, 1988, p. 142).
33
Sob a iniciativa do Departamento de Arquitetura da Faculdade de Ciências e Tecnologia da UC, a Reitoria
elaborava um estudo de reorganização dos espaços universitários, sendo aprovados pelo Senado da UC
em julho de 1995. Alexandre Alves Costa, Fernando Távora, Gonçalo Byrne e Raúl Hestnes Ferreira
responderiam ao repto lançado pela Reitoria, apresentando quatro propostas de intervenção para a área
definida. Cf. (Departamento de Arquitectura da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de
Coimbra, 1997).
Apaziguamento
cidade esteve sujeito, não só pela universidade, mas também pela sua população.
34
Para tal também contribuiu a “descoberta” do espólio da CAPOCUC, que se constituiu num acervo
fundamental para este caso, abrindo caminho à sua investigação, sistematização e organização de con-
teúdos. Cf. (Bandeira, 1995, 1997; Rosmaninho, 1996, 2006; Vítor, 1999; S. V. Costa, 1998; Torgal,
1998, 1999).
35
Cf. (Universidade de Coimbra, 2005, p. 5).
36
Cf. (Universidade de Coimbra, 2012, vol. 1, pp. 203-204).
A capacidade que os Bens UNESCO têm para atrair turistas é reconhecida. Com a
inscrição na LPM da UNESCO em 2013, verificou-se um aumento da internacionalização
de Coimbra como destino turístico, ainda que no contexto da situação pandémica se tenha
assistido, no ano de 2020, a uma retração do número de turistas internacionais (Figura 8).
A inscrição refletiu-se, também, de um modo muito expressivo no alojamento turístico.
Surgiram novos empreendimentos turísticos no tecido urbano consolidado, intervenções
de reabilitação, de requalificação e de refuncionalização, que muito contribuíram para qua-
lificar a hotelaria da cidade de Coimbra. O alojamento local proliferou, densificando-se no
Centro Histórico e dispersando-se pela cidade. Foram criadas novas empresas de animação
turística e serviços de transporte de turistas mais personalizados. Após a inscrição do Bem
registou-se um aumento do número de dormidas, tendo havido um decréscimo muito
acentuada, em 2020, devido às medidas de contenção relativas à Covid-19 (Figura 9). A
oferta de estabelecimentos de restauração aumentou, tendeu a segmentar-se e a qualificar-se.
190 // Sociedade e memória dos territórios
Figura 9 – Número de dormidas no destino Coimbra de 2007 a 2020, antes e após a inscrição
do Bem Universidade de Coimbra – Alta e Sofia como Património Mundial UNESCO, em 2013.
Fonte dos dados: Instituto Nacional de Estatística, 2021, Lisboa.
que lhe serve de suporte, remonta ao neolítico, onde se vem a fundar a cidade romana de
Aeminium. O Paço Real da Alcáçova – alcáçova que havia sido edificada por Almançor
a partir de 994, após a conquista da cidade em 987 – tornou-se a primeira e mais anti-
ga das residências régias portuguesas, convertendo-se na residência principal de Afonso
Henriques, o primeiro rei de Portugal, em 1130 e elevando Coimbra à primeira capital do
reino e tendo ainda acolhido as Cortes de 1385.
Considerações finais
Assumindo a ideia do tempo como escultor (Yourcenar 1996), este trabalho pretendeu
perceber a variação e transformação emotiva que um processo de poder e de arquitetura,
num determinado lugar, promoveu sobre a sua população residente e visitante, ao longo
do tempo.
Compreende-se que, a nova realidade construtiva da Alta de Coimbra, a partir do ano
de 1942, promoveu duas reações em simultâneo. Por um lado, processos de patrimoniali-
zação eram consciencializados sobre o património edificado e urbano perdido, enquanto
espaço de memórias coletivas e individuais daqueles que viviam o espaço quotidiano da
Alta universitária. Por outro lado, compreende-se a não-aceitação, ou pelo menos, a desi-
lusão que se ia manifestando sobre os novos espaços e edifícios da CUC, sobretudo, por
aqueles que ficaram sujeitos à alteração tempestiva do seu local de trabalho e/ou residência.
A implementação de uma inovação urbana pela ‘régua e esquadro’, votando ao iso-
lamento a ‘colina sagrada apenas para o estudo’, transformava o esforço para aceder
ao espaço da Universidade com uma tónica física e simbólica. A construção da CUC
concretizava-se como uma ação de poder do Estado Novo, que através da obra pública
impunha uma nova ordem projetada.
Todavia, setenta anos após o início da sua construção, as transformações sobre a
perceção social e/ou cultural do que é ou não património desencadeiam um processo de
patrimonialização sobre este espaço urbano e, em 2013, a UC-AS vê o seu VUE reconhecido
com a sua inscrição na LPM.
Se durante algum tempo a Alta universitária foi tendencialmente considerada uma
fortaleza quase inexpugnável e que irradiava saber, é certo que após o reconhecimento da
196 // Sociedade e memória dos territórios
UC-AS como Património Mundial, permitiu oferecer-se a Coimbra como parte integrante
de um todo que estendeu funções à zona baixa da urbe, criando expectativas seguras de
que este pode ser um cadinho que deve ajudar a consolidar e a desenvolver todo o espaço
urbano que constituiu a cidade.
No contexto da atividade turística importa estruturar adequadamente a oferta, qualifi-
car o espaço público na área do Bem e da sua área de proteção, conferir coesão às atrações
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Eline Dornelas1
1
Doutoranda em Geografia- FCT/UNESP- Campus de Presidente Prudente- SP.
e.dornelas@unesp.br
Com isso, a paisagem urbana por meio das suas edificações materiais é testemunho
desses acontecimentos contínuos. De acordo com Turri (2002), o território é considerado
produto histórico de mudanças e permanências ocorridas em um ambiente no qual se desen-
volve uma sociedade, um ambiente construído com múltiplas variáveis e relações. O homem
age no espaço natural e social, sendo território resultado das relações espaço-temporais
socialmente construídos.
uns mais verdadeiros ou importantes que os outros. É o “lugar do homem”, de uma multi-
plicidade de olhares entrecruzados que, de forma transdisciplinar, abordam o real na busca
de cadeias de significados.
A partir da observação podemos perceber como esses espaços foram sendo ocupados
e reocupados, assim, a imagem é o que o olhar capta no presente, os retratos são as nossas
memórias locais que se modificam e se transformam a cada dia.
Referências
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Lopes Louro. Editora DP&A: São Paulo, 2001.
Hobsbawm, Eric. Sobre história. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
Introdução
1
Professor Auxiliar do Departamento de Geociências da Universidade Rovuma – Extensão de Niassa,
Moçambique. Pós-Doutor pela Universidade de São Paulo (USP), Brasil. Doutor em Geografia pela
mesma Universidade e Doutor em Sociologia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
Contato: joaaquimmaloa@gmail.com
209 // Sociedade e memória dos territórios
2
Para Gutiérrez (2014), o termo gentrificação é polissêmico.
3
Ver. Glass (1964). O termo quando foi criada em 1964, pela autora [Ruth Glass], para descrever o processo
que teve início nos anos 1950, através do qual algumas áreas residências no centro de Londres, ocupadas
pela classe trabalhadora, estavam se transformando em áreas residenciais para a classe média. Para um resumo
da ideia de Glass, ver. Furtado (2014).
4
Para uma compreensão do conceito de gentrificação, ver: Lee; Slater; Wyly (2008); Zolini (2007); Siqueira
(2014); Cerqueira (2014); Mourad (2014); Ribeiro (2014); Gargalhardo (2014); Hoffman (2014); Morales
(2014); Santos (2014).
5
As obras citadas: Smith (1979a; 1979b, 1982,1984, 1986a, 1986b;1987,1987b,1992, 1996, 2002).
6
Um dos críticos do termo foi ZUKIN, Sharon. Gentrification: culture and capital in the urban core. American
Review of Sociology, n. 13,1987, p. 129-147.
7
Ver. Benis (2001).
8
Segundo Raposo e Salvador (2007, p.110), “os níveis de urbanidades podem ser observados através de condi-
ções de satisfação dos residentes, ou condições objetivas, mensuráveis, podendo recorrer-se a uma variedade de
indicadores [...]”. O nível de infraestrutura, tipo de ocupação, atividade econômica, serviços etc.
9
Ver. Peralva (2000).
10
Para Gargalhardo (2014), uma nova vaga de trabalho a partir dos anos 2000 procuram atenuar ou reformu-
lar o termo gentrificação. Conclui dizendo que as análises de Neil Smith e da Ruth Glass, são ineficazes para
a realidade atual.
11
É positivo lembrar que conclusões desta ordem se encontram igualmente em Mendes (2014).
12
E para mais detalhe, ver. Muhambe (2000).
Estado. O artigo 1 afirmava que todos os moçambicanos em situação legal com os imó-
veis tutelados pela Administração do Parque Imobiliário do Estado (APIE), se estivessem
interessados, podiam alienar. Aí qualquer cidadão que quisesse fazê-lo podia realizar o que
13
Para uma ideia sobre a mercantilização da cidade, city-marketing, ver. Ferreira (2011).
onde eles menos se identificavam, o que altera por completo a antiga nomenclatura de
“cidade de caniço”. Casas elegantes, que foram construídas numa economia urbana de
14
Para um ponto de situação, veja (SILVA, 2011).
15
Principalmente os que tinham obtidos casas no período da nacionalização dos edifícios (1976).
16
Neste domínio, ver. o trabalho de Muhambe (2000).
17
Sobre as estratégias de sobrevivência da população da periferia da cidade de Maputo, ver. Costa (2011).
Convém esclarecer que os palacetes estão alterando as paisagens urbanas das periferias,
na medida que vão, gradualmente, surgindo construções elegantes no interior dessas áreas
precárias. Em verdade, essas casas nobres são resultado de acções de especulação, por inter-
médio da super-valorização do espaço onde se instalam.
É incorreto dizer que a ideia da casa própria atingiu apenas a população da “classe
média” ou indivíduos de poder aquisitivo médio. Muitos dos altos funcionários do Estado
procuraram nas periferias novos espaços para construção das casas dos seus sonhos. Essas
residências elegantes são na sua maioria unifamiliares, com dois ou mais pisos erguidos
por construtores privados, principalmente aqueles que pertencem a entidades particulares
fora do alcance administrativo dos órgãos do Estado18. Estes construtores obtêm licença
de construção.
O licenciamento abrange todos os trabalhos a serem executados e, em relação
a projetos faseados, é necessário auferir uma licença de construção. A competência
para efetuar o licenciamento de empresas privadas é das Direções Províncias das Obras
216 // Sociedade e memória dos territórios
18
Alguns contratam pedreiros individuais. Ver., por exemplo, a ASSOCIAÇÃO DE COMÉRCIO E INDUSTRIA.
O quadro legal para obras de construção em Moçambique. Maputo: GIZ, 2008. Ver também: DIPLOMA
MINISTERIAL 49/2013. Aprova fórmulas de revisão de preços de empreitadas de obras públicas e DECRETO
NÚMERO 15/2010. Regime de contratação de empreitada de obras públicas. Aprovado pelo Conselho de
Ministros no dia 24 de maio do mesmo ano. Publicado no Boletim da República, I Série, n° 20, suplento,
de 24 de maio de 2010.
19
Consultar os trabalhos coordenados por Oppenheimer e Raposo (2013).
20
Estamos a falar de uma população com o ensino superior.
21
Incorporador imobiliário é nome dado ao agente que executa um conjunto de atividades exercidas com a
finalidade de construir ou promover a construção de edificações ou conjunto de edificações, bem como a
sua comercialização, total ou parcial composta de unidades autônomas que, em seu conjunto, formam um
condomínio (TOPALOV, 1974).
22
Ver., por exemplo, CONDOMÍNIO JULIUS ESTATE. Disponível em: <juliusestate.com/assets/portolio-for-
-web.pdf>. Acesso em: 15 nov. 2015.
23
As empresas nacionais estão muitas das vezes ligadas a empresas de construção de obras públicas. Os cons-
trutores de obras públicas têm alvará para efetuar a construção, reconstrução, reparação e adaptação de
imóveis para o Estado, governos municipais, empresas públicas e privadas.
24
Ver. Silva (2011).
25
Ver. Silva (2014).
26
Nesta perspectiva, recomenda-se a leitura da realidade brasileira para tirar lições. Ver. Fix. (2011).
27
Decreto n° 17/2013. Regulamento do regíme jurídico do condomínio. Boletim Da República De
Moçambique, I Série- número 34, Sexta-feira, 26 de abril de 2013. O Decreto define o condomínio como
pessoa singular ou coletiva que é simultaneamente proprietária de uma ou mais frações e coproprietária das
partes comuns do edifício.
28
Também Baia (2008) capta esta realidade na cidade de Nampula.
29
Ver. Atkison e Bridge (2005).
30
Valor calculado segundo, o salário mínimo do funcionário público moçambicano (3.002.00 meticais).
Aprovado pelo Governo, entre (01-06-2013 a 30-04-2014). Podemos ver. <http://www.meusalario.org/
mocambique/main/salario/salario-minimo>. Acesso em: 18 mar. 2015.
31
Essa estimativa pode ser maior ou menor, dependendo da oscilação do câmbio do dia. Por exemplo, 1 Real
esta neste último tempo por 15 Meticais.
32
Publicidade disponivel em: https://www.facebook.com/DjubaEstate. Aceso em: 10 jun. 2015.
33
Ibidem.
34
Podemos ver. Oppenheimer e Raposo (2007).
Conclusões
35
Os problemas de serviços e infraestrutura urbana, podem criar a regeneração urbana, isto quer dizer que
podem atuar como uma resolução dos problemas urbanos, a nível de condição económica, física, social e
ambiental das áreas que tenha sido sujeitas a transformações (Ribeiro, 2014).
Abstract – The gentrification process in Mozambique is new, it is associated with the entry
of the private real estate construction industry with national and international capital, which
began to affect the late 1990s and early 2000s, on the financialization and transformation of the
Mozambican real estate circuit, with revitalization and urban renewal. As we know, post-colonial
Mozambican urbanization had little state and private accommodative solution to the housing
problem of senior state officials and for a group with rising purchasing power, which are current-
ly the symbols of the consumption of the real estate machine. The purpose of this article is to
describe the process of gentrification in Mozambique, emphasizing changes and perspectives.
Therefore, exploratory-descriptive research with a qualitative approach was used as a method,
based on secondary data about the gentrification process in the country and biographical re-
search. In this context, there are changes in the gentrification process from the city center to the
periphery, as a product of urban requalification and renovation, which brings harmful conse-
quences for a significant significant portion of the urban population, only a part of which resides
in the requalified and renovated areas has access to urban infrastructure and services.
Keywords: Gentrification. Renovation. Requalification. Peripheries and center. Mozambique.
227 // Sociedade e memória dos territórios
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n. 3, 1986b;p. 347-365.
Introdução
maior ou menor atuação no espaço urbano através das suas ferramentas institucionais,
entretanto, notamos que as disparidades entre os espaços urbanizados estão ligadas aos
interesses de reprodução do capital através dos agentes estatais. Segundo Corrêa (2004,
p. 24), o Estado pode assumir distintas formas na produção do espaço urbano, destacando-se
como um “grande industrial, consumidor de espaço e de localizações específicas, proprie-
tário fundiário e promotor imobiliário, sem deixar de ser também um agente de regulação
Uma das alternativas criadas para ampliar a acumulação capitalista foi a ruptura com o
chamado capitalismo produtivo, passando-se para o capitalismo financeiro, do qual trata-
remos como passagem de transição do urbano-industrial para o metropolitano-financeiro.
Para Leopoldo (2018, p. 43):
Neste cenário, as cidades periféricas, que passam por um rápido processo de crescimento
urbano, entram na lógica de replicação e reprodução do espaço, em tentativas de homoge-
neização desse, mas, com uma diferenciação de aspectos naturais endógenos e temporais,
em um processo que segue uma mesma conjuntura, entretanto, desigual.
No novo diagnóstico, os males urbanos são explicados como consequências da
dissociação entre a cidade e a economia global, fruto da incapacidade dos governos
em torná-las competitivas na atração do capital internacional. Como sustentação,
ressurgem narrativas dualistas que descrevem a cidade sob a ameaça de perda da
sua coesão social, tornando-se necessárias ações que criem a competitividade local.
(Ribeiro, 2018, p. 48).
Espaços que estão loteados como reserva de valor, áreas de antigos centros comerciais,
áreas que passam por terraplanagem de nivelamento, aterros, dentre outros, servem de
base para a criação de projetos de revitalização, apoiados em “modelos internacionais”
que, por vezes, acabam tornando-se uma urbanização banalizada e excludente. Capel, ao
escrever o prólogo do livro “A cidade no século XXI: segregação e banalização do espaço”,
de Ferreira (2011, p. 24), ressalta que:
[...] é perturbador comprovar que os valores do solo expulsam cada vez mais
a população das áreas que adquirem nova centralidade e valor, como acontece em
várias cidades [...]. Segundo o discurso dominante, com os investimentos públicos e
privados, nacionais e internacionais, objetiva-se também colocar a cidade no cenário
internacional, torná-la competitiva, melhorar sua imagem para atrair investimentos.
Quer dizer, transformar a cidade em uma mercadoria para ser vendida nos mercados
mundiais e não para o uso de seus habitantes.
233 // Sociedade e memória dos territórios
dos quatro municípios da ilha e capital do estado. Esse fato atraiu um grande contingente
populacional oriundo do interior do estado, pessoas que estavam em busca de melhores
condições de vida e, para tanto, ofertavam sua mão de obra pouco qualificada, a qual
representava um número significativo de força de trabalho de reserva, necessária para os
setores de comércio e serviço, além da construção civil, que começava a se desenvolver nos
anos seguintes.
O crescimento urbano da ilha, ao longo das últimas décadas dos séculos XX e início
do século XXI, ganhou contornos influenciados por um mercado imobiliário conservador
e focado na pequena classe média da capital que, outrora, deslocava-se internamente entre
os bairros mais afastados do centro, seguindo em direção à foz do Rio Anil (Caminho
Grande). Após a construção das pontes Bandeira Tribuzzi e José Sarney (São Francisco) e
da Barragem sobre o Rio Bacanga (Figuras 2, 3 e 4), “a cidade passa a ocupar novos terri-
tórios, com novas formas de habitar, trabalhar e conviver, expressas no traçado urbano de
grandes avenidas e na arquitetura moderna dos conjuntos habitacionais e prédios comerciais”
(Lopes, 2008, p. 36).
Essas novas áreas de ocupação passaram rapidamente por uma grande especulação
imobiliária, decorrente da abertura de avenidas duplicadas, loteamentos regulados pelo
estado, formação de centros comerciais e serviços, além do deslocamento da sede adminis-
trativa do governo estadual da região do centro histórico para esses novos espaços e o sur-
gimento, por exemplo, de agências bancárias, representando novos conceitos arquitetônicos
e de ocupação residencial de médio e alto padrão.
No outro eixo de expansão da mancha urbana da Ilha do Maranhão, houve a ocupa-
ção da área Itaqui Bacanga (margem esquerda do Rio Bacanga), principalmente composta
pela população oriunda da Baixada maranhense, influenciada pela proximidade da área do
236 // Sociedade e memória dos territórios
Segue, nesse curso, uma série de disputas pela permanência das ocupações “irregula-
res” e de uso do espaço urbano para moradia. Consoante enfatiza Carlos (2008, p. 136),
“logo o que está em jogo é o processo de apropriação do espaço para determinado uso,
representado na propriedade privada da terra, como expressão da segregação econômica,
social e jurídica”.
Nesse contexto, a cidade de São Luís vai se aproximando do limite espacial com o
município de São José de Ribamar, não por um planejamento consolidado de expansão
urbana, mas sim por um constante deslocamento da classe operária e população de baixíssima
renda para áreas distantes dos principais equipamentos urbanos.
De 1971 a 1999, foram construídos 55 conjuntos habitacionais, entre os
quais o Angelim, Vinhais, Maiobão, Cidade Operária, São Raimundo, Jardim
América I e II, e os conjuntos Ipase, Cohama, Cohajap, Cohatrac, Cohapan
e Cohab Anil I, II, III e IV, configurando uma mancha urbana descontínua.
(Lopes, 2008, p. 35).
São alguns desses conjuntos que, no final da década de 1990 e início do século XXI,
237 // Sociedade e memória dos territórios
Esse crescimento é impulsionado pelo preço do solo nos municípios vizinhos a São
Luís que se transformam em cidades dormitórios e sofrem com o rápido crescimento
urbano/populacional que se torna desproporcional à oferta de serviços públicos. O cres-
cimento populacional permeia as áreas limítrofes entre os municípios, gerando pequenas
centralidades (zonas comerciais) que se formaram ao longo das avenidas da cidade de São
Luís e nos corredores de acesso aos municípios vizinhos com interligação entre as avenidas
e as rodovias estaduais (MA 201, MA 202 e MA 204) como, por exemplo, as avenidas
Guajajaras e Holandeses.
Ao longo dessas rodovias estaduais, formaram-se núcleos habitacionais decorrentes de
assentamentos populares que já não encontram “espaços” em São Luís e são acompanhados
por recentes políticas de habitação, como o Programa Minha Casa Minha Vida-PMCMV,
o qual começou a ser implantado pelo Governo Federal, em 2009.
Figura 6 – Vista do bairro Ilhinha (São Francisco) e ao fundo o bairro da Ponta d’areia e condomínios verticais
Fonte: CUNHA (2018).
1
Termo utilizado neste trabalho em alusão à obra “Frankenstein ou o moderno Prometeu” de Mary Shelley
(1818), para designar a cidade que convive com a simultaneidade do crescimento urbano desordenado e da
modernização urbana impositiva, configurando-se num lugar de antagonismos, de realidades socioespaciais,
culturais e econômicas multifacetadas, como um corpo formado por partes alheias, próteses.
As cidades da ilha começam, neste momento, a serem demarcadas por áreas de inte-
resse de ocupação, demonstrado, sobretudo, no discurso de Região Metropolitana, para o
qual o limite não faz sentido entre as cidades, observando-se a ideia de habitar uma região
que, em tese, seria integrada nas relações econômicas e sociais.
Essa conjuntura pode ser verificada pela migração de empreendimentos imobiliários
em áreas de reserva que viram grandes bairros nos arrabaldes de São Luís como, por
exemplo, os bairros do Araçagy, Parque Vitória, Altos do Turu e Nova Terra em São José
de Ribamar, no limite municipal com São Luís e Maiobão, Vila São José, Paranã em Paço
do Lumiar.
Entretanto, áreas destes municípios acolhem verdadeiros bairros fechados em
condomínios, notabilizando o interesse pelo capital financeirizado, como exemplo, é
latente nos empreendimentos Aphaville e Dhamas, em Paço do Lumiar. De perfil ver-
tical, são observados, em São Luís, os condomínios de médio e alto padrão, como o
Jardins, Ilha Parque Residence, Pleno Residencial, dentre outros que se caracterizam
como condomínios clube.
Dessa forma, a produção do espaço urbano nos municípios da ilha do Maranhão,
atualmente, está diretamente ligada aos agentes imobiliários que se caracterizam pelo seu
241 // Sociedade e memória dos territórios
poder econômico e político ao moldar o espaço urbano para atender uma demanda restrita
da população. Somando-se a isso, é visível que a ausência de um plano de gestão integrado
dos municípios da Ilha do Maranhão corrobora para o desenvolvimento urbano deficiente
e fragmentado dos municípios, tornando inviável o planejamento integrado entre as
cidades vizinhas.
A vida nos grandes aglomerados urbanos, em países periféricos, está sendo caracterizada
por um processo de homogeneização espacial, do ponto de vista das ocupações fechadas de
condomínios com suas “áreas privativas de lazer” e, do outro lado dessa realidade, encon-
tramos o reflexo desse processo, isto é, exclusão populacional em grande escala, direcionada
para áreas carentes de infraestrutura ou condições de vida.
Por outro lado, a rápida mudança do perfil macroeconômico do país, alinhando-se
cada vez mais às tendencias internacionais, reflete-se nas mudanças urbanas e territoriais
típicas da contemporânea fase de desenvolvimento do capitalismo, convergindo em uma
lógica geral de produção social do espaço que será determinada pelas novas formas de
acumulação financeirizada. As relações entre financeirização e mercantilização do solo
urbano geram impactos urbanos e territoriais que se inter-relacionam ou interferem no
processo de democratização de lotes urbanos.
À medida que o crescimento físico e estrutural da capital maranhense se sobrepõe sobre
as demais cidades circunvizinhas, esta passa a promover uma hierarquia espacial e econô-
mica sem uma efetivação clara do desenvolvimento socioespacial que possa minimizar os
impactos de tal conjuntura. Mesmo com a institucionalização da Região Metropolitana,
dispositivos de ordenamento e diretrizes urbanas em conjunto com os demais municípios
não foram encontrados.
Sendo assim, a rápida expansão demográfica em São Luís e municípios vizinhos, a
partir da década de 1970, não conseguiu ser concomitante ao planejamento urbano de
ocupação da ilha, gerando um tecido urbano denso, desordenado, de antagonismos evi-
dentes, com multiterritorialidades, várias “próteses urbanas”, configurando-se em grupo
de cidades de recortes espaciais divergentes.
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242 // Sociedade e memória dos territórios
Introdução
Nas últimas três décadas, a Geografia brasileira vem tentando desenvolver uma análise
cientificamente mais autônoma dos movimentos sociais urbanos. Essas evidência e emer-
gência do tema tomou contornos diferentes a partir dos eventos históricos recentes, com o
processo de redemocratização, neoliberalização, e de aprofundamento das crises econômicas
e políticas. Nesse contexto, a política do território tem sido redefinida em função dos
interesses das classes dominantes. A pandemia do novo corona vírus foi um evento que
contribuiu para agravar todas as contradições socioespaciais que já estruturavam o espaço
geográfico brasileiro e, consequentemente, o espaço urbano.
Contudo, essas mesmas contradições impeliram de forma dialética a necessidade
de uma maior organização e a emergência de um movimento solidário entre as classes
oprimidas, dominadas e exploradas, tanto nos campos, nas florestas, como em nosso
caso, nas cidades. Disso podemos observar o desenvolvimento de várias espacialidades
envoltas na solidariedade e entendimento de projetos coletivos, face ao avanço da perda
de direitos e da perda de espaço. O presente estudo pretende, a partir de uma breve
análise sobre as teorias acerca dos movimentos sociais na Geografia, pôr em evidencia
245 // Sociedade e memória dos territórios
1
Esse estudo é resultante de pesquisas que venho desenvolvendo sobre os movimentos sociais urbanos em
Campina Grande desde o ano de 2018. Além disso, também me utilizo para uma parte das análises acerca da
comunidade Luiz Gomes, existentes na pesquisa que realizei com outros companheiros, vide Pereira; Attem
& Sousa (2021). Uma outra versão desse trabalho foi apresentada em 2022 no XIX Encontro Nacional da
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional e será publicado nos
anais do evento.
2
Doutorando em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP.
davidsonacrata@outlook.com
Os movimentos sociais urbanos vem sendo objeto de várias análises nas diversas ciên-
cias sociais e humanas. Na década de 1970-1980 a forte presença de movimentos ligados
às demandas urbanas era de modo geral analisado pelas teorias neomarxistas que colocavam
em evidência as contradições urbanas no mesmo nível de análise das questões ditas primá-
rias, ou “estruturais”. Nesse mesmo arcabouço teórico, privilegiou-se também a dinâmica
246 // Sociedade e memória dos territórios
3
Campina Grande, é um município do interior paraibano, o mesmo município possui uma população esti-
mada em 409.731 habitantes (IBGE, 2020), localizada no Brejo do estado da Paraíba, estado esse situado
na região Nordeste do Brasil.
organização dos diferentes movimentos sociais, ao passo em que esses movimentos passam
a reintroduzir as pautas e ideias das antigas utopias libertárias, socialistas e anarquistas.
Desse modo, é disseminada uma crítica ao Estado capitalista e a organização hierár-
quica da sociedade, por meio do Estado e do mercado. Essa crítica também se apresenta
na organização interna desses movimentos, que se opõem decisivamente a ligação partidá-
ria. Nesse contexto, observa-se a ascendência de grupos “movimentalistas”, ligados à pautas
Se por um lado o capital busca se territorializar nas cidades, por sua vez os movimen-
tos sociais urbanos, emergem enquanto uma contraposição direta ou indireta, consciente
ou inconsciente dessa territorialização, dado que a territorialização do capital implica no
aprofundamento da divisão social do trabalho e na garantia da divisão em classes possuidoras
e despossuídas dos meios de produção. Isso inclui, o acesso à terra, vias, infraestruturas
e todos os meios de consumo coletivo (Lencione, 2007). O Estado é nesse contexto, um
A feira sudoeste tem seu início no mês de agosto de 2017 por iniciativa da ONG -
Movimento Ajuda Mútua (MAM), após aprovada em junho do mesmo ano a sua regula-
mentação, no projeto de lei de Nº 393/2017 da câmara municipal. Esse projeto previu a
Segundo o discurso dominante, a cidade é produzida apenas pelo Estado e os agentes capi-
253 // Sociedade e memória dos territórios
talistas, sendo assim, os outros agentes, “não tipicamente capitalistas, como os que produzem
a cidade com autoconstrução, mutirão, favelas, ocupações coletivas, parecem ser apenas os
causadores dos problemas” (Rodrigues, 2007, p. 75). Nessa ótica distorcida e ideológica, a
segregação é entendida como uma consequência dos próprios grupos excluídos do circuito
6
Parte dos argumentos contidos nesse item foram publicados em nosso trabalho anterior: Pereira et al (2021)
7
LABCIDADE. Remoções aumentam durante a pandemia na Grande São Paulo, São Paulo. 23 de julho de
2020. http://www.labcidade.fau.usp.br/remocoes-aumentam-durante-a-pandemia-despejozero/ Acessado
em: 06/10/2021.
essa produção autônoma da moradia em sua forma social real, isto é, dentro dos marcos
da não-propriedade, consideramos não apenas legítimo, mas também, uma norma mais
ou menos aceita socialmente nos marcos da produção do espaço urbano brasileiro. Como
bem analisa Francisco de Oliveira, o território brasileiro se constituiu fora dos limites da
propriedade privada da terra e, consequentemente, a urbanização brasileira se deu também
como uma exceção à regra liberal (Oliveira, 2013, p. 11).
Esse movimento social de bairro, forma-se a partir de uma articulação entre várias
entidades políticas, universitárias, partidárias etc.8 A pauta inicial se deu com o pedido de
reabertura das cozinhas comunitárias, que foram fechadas em 2013 na gestão do então
prefeito Romero Rodrigues (PSDB). No total eram 9 cozinhas comunitárias e 2 restaurantes
populares (Aires, 2021).
As entidades da sociedade civil organizada, propuseram aos moradores do bairro
Jeremias, na zona norte de Campina Grande, a reabertura da cozinha comunitária existente
nesse espaço, fechada no ano de 2013 (Aires, 2021). No primeiro semestre do ano de 2021
a cozinha comunitária foi ocupada pelo movimento. Passando a fornecer um jantar por
dia. Além de uma refeição diária entre segunda e sábado. No domingo, as famílias recebiam
um kit para cozinhar em casa (Alves, 2021).
A partir disso, criou-se um comitê contra a fome, contando com 20 cozinheiras da
comunidade do Jeremias (Alves, 2021). O custeio se deu por meio das várias entidades
que compunham o comitê contra fome, mas sobretudo a partir da ANDES-SN (Sindicato
Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior). Com a maior parte dos
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As entidades que participam do Comitê são: Adufcg, Aduepb, Sintef-pb, Sintab, MST, MAB, CEBI,
Levante Popular da Juventude, Correnteza, MLB, ANDES, CSP, PJR, DCE/ UFCG e os mandatos de Jô
Oliveira (PCdoB), Anderson Pila (PODE) (Alves, 2021).
Conclusões
Referências
Aires, J. L.Q. Movimentos sociais ocupam e reabrem cozinha comunitária em Campina Grande.
Esquerda Online (Jornal eletrônico, Mídia independente), publicado em 21de abril de 2021.
Disponível em: https://esquerdaonline.com.br/2021/04/21/comite-contra-a-fome-cozinha-
-comunitaria-jeremias-campina-grande-pb/, Acessado em: 07/07/2021.
Alves, C. Cozinheiras fazem protesto pela reabertura das Cozinhas Comunitárias em CG. Brasil de
Fato Paraíba (Jornal eletrônico), publicado em 27 de abril de 2021. Disponível em: https://
www.brasildefatopb.com.br/2021/04/27/cozinheiras-fazem-protesto-pela-reabertura-das-
-cozinhas-comunitarias-em-cg, Acessado em: 07/07/2021.
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Castilho, Cláudio Jorge Moura de Castilho. Movimentos sociais urbanos e construção do espaço
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Souza, Marcelo Lopes. Por uma Geografia Libertária. 1. Ed. Rio de Janeira: Consequência, 2017.
Sparrow, Rob. Política Anarquista e Ação Direta. São Paulo: Biblioteca Virtual Faísca, 2009.
Introdução
tros direitos sociais, embora não haja menção de como tais direitos podem ser atendidos.
Comparando com a Constituição Portuguesa, averiguamos que seu artigo 65o explicita o
significado do direito à moradia: “todos têm direito, para si e para a sua família, a uma
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Prof.ª Dr.ª UNICAMP e UFPB
moysesarlete@gmail.com