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Ficha 6 | “O Sentimento dum Ocidental”, de Cesário Verde

Lê o texto. Se necessário, consulta as notas.

IV – Horas Mortas

[…]
Ah! Como a raça ruiva do porvir1,
E as frotas dos avós, e os nómadas ardentes,
Nós vamos explorar todos os continentes
E pelas vastidões aquáticas seguir!

5 Mas se vivemos, os emparedados2,


Sem árvores, no vale escuro das muralhas!…
Julgo avistar, na treva, as folhas das navalhas
E os gritos de socorro ouvir estrangulados.

E nestes nebulosos corredores


10 Nauseiam-me, surgindo, os ventres das tabernas;
Na volta, com saudade, e aos bordos3 sobre as pernas,
Cantam, de braço dado, uns tristes bebedores.

Eu não receio, todavia, os roubos;


Afastam-se, a distância, os dúbios caminhantes;
15 E sujos, sem ladrar, ósseos, febris, errantes,
Amareladamente, os cães parecem lobos.

E os guardas, que revistam as escadas,


Caminham de lanterna e servem de chaveiros;
Por cima, as imorais, nos seus roupões ligeiros,
20 Tossem, fumando, sobre a pedra das sacadas4.

E, enorme, nesta massa irregular


De prédios sepulcrais5, com dimensões de montes,
A Dor humana busca os amplos horizontes,
E tem marés, de fel6, como um sinistro mar!
Cesário Verde, “O Sentimento dum Ocidental”, in O Livro de Cesário Verde,
Porto, Porto Editora, 2015, pp. 58-59 (texto com supressões)

NOTAS
1
porvir – futuro.
2
emparedados – enclausurados.
3
bordos – ziguezagues.
4
sacadas – varandas.
5
sepulcrais – fúnebres.
6
fel – dor.
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1. Mostra de que forma a primeira estrofe apela a uma dimensão temporal, identificando os elementos que
remetem para o passado e para o futuro.

2. Demonstra o tom épico da primeira estrofe, fundamentando a tua resposta com dois elementos
linguísticos.

3. Comenta a alternância entre o tom épico da primeira estrofe e o tom disfórico da segunda, explicitando a
sua intencionalidade.

3.1. Justifica a utilização da primeira pessoa do plural em “[…] vivemos […]” (verso 5).

4. Identifica os tipos humanos referidos pelo “eu” para retratar o espaço social urbano noturno.

5. Comenta o antagonismo das ideias presentes nos dois últimos versos.


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Soluções

Educação Literária

Ficha 6
1. A primeira estrofe apela a uma dimensão temporal do
passado, evidente em expressões como “[…] frotas dos avós
[…]” (v. 2), numa referência aos marinheiros portugueses do
período dos Descobrimentos, e “[…] nómadas ardentes […]” (v.
2), numa alusão às conquistas em África. Ao mesmo tempo, o
“eu”, suportando-se historicamente nestes elementos, projeta os
portugueses – “Nós […]” (v. 3) – para um desígnio futuro – v. 3 –,
como que revisitando o imaginário épico dos Descobrimentos.

2. O tom épico da primeira estrofe é evidente, por exemplo,


através da utilização da 1.ª pessoa do plural – “Nós […]” (v. 3)
– da interjeição do verso 1 – “Ah!” – e da frase exclamativa do
verso 4.

3. Ao tom épico da primeira estrofe contrapõe-se o tom


disfórico da segunda, em que o sujeito poético caracteriza a
cidade como um espaço despido de elementos da natureza –
“Sem árvores […]” (v. 6) – rodeado de paredes, como se fosse
um “vale escuro” de “muralhas” (v. 6), onde os habitantes
gritam por “socorro” (v. 8). Deste modo, o “eu” evidencia a
contradição entre um desejo de evasão e um estado de
espírito negativo, influenciado pelo espaço que o rodeia.

3.1. Através da utilização da primeira pessoa do plural, o “eu”


identifica-se com os habitantes da cidade e evidencia empatia
relativamente aos sentimentos que aquele ambiente provoca
neles.

4. O sujeito poético refere os bêbedos – “ […] uns tristes


bebedores” (v. 12) –, os guardas-noturnos – “ […] os guardas,
que revistam as escadas,” (v. 17) – e as prostitutas –“ […] as
imorais […]” (v. 19).

5. Nos dois últimos versos, existe um antagonismo, na medida


em que os habitantes da cidade, oprimidos, procuram a
libertação nos “ […] amplos horizontes […]” (v. 23), mas
encontram, apenas, a dor – “ […] fel […]” (v. 24).

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