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Knauth, D. R. et al.

Referências bibliográficas a falta de clareza quanto às conseqüências polí-


ticas do estudo da(s) masculinidade(s) que ain-
Arilha M 2000. Homens jovens, gênero e masculinidades. da hoje faz com que os homens sejam aborda-
Perspectivas em Saúde e Direitos Reprodutivos 3:22-25. dos, como corretamente apontam os autores, de
Medrado B, Lyra J, Galvão K & Nascimento P 2000. Ho-
mens, por que? Uma leitura da masculinidade a par-
uma maneira “instrumental”, ou seja, mais co-
tir de um enfoque de gênero. Perspectivas em Saúde e mo fonte de agravos à saúde dos outros do que
Direitos Reprodutivos 3:12-16. foco central do debate. Assim, ao estudarem os
Nascimento P 1995. Mulher é o cão: a construção da iden- homens e a masculinidade, muitos ainda devem
tidade masculina em bar da feira central de Campina se perguntar, se não estariam “desperdiçando”
Grande/PB. Monografia de graduação.UFPB, Campi-
na Grande.
recursos intelectuais, aumentando a visibilida-
Nascimento P 1999. Ser homem ou nada: diversidade de de e o prestígio social de quem já os possui em
experiências e estratégias de atualização da masculini- excesso.
dade hegemônica em Camaragibe/PE. Dissertação de É claro que um tal dilema supõe a adesão à
mestrado. UFPE, Recife. idéia de que as conseqüências políticas da
Nascimento P 2000. Homens pobres, masculinidades à
margem. A construção social da masculinidade no mu-
transformação de determinado grupo ou cate-
nicípio de Camaragibe/PE. Relatório de pesquisa. goria social em objeto de reflexão científica
PRODIR III – Fundação Carlos Chagas-Fundação operariam sempre no sentido de seu empower-
MacArthur, São Paulo. ment social. Bem sabemos, entretanto, que há
outras versões muito mais críticas, pessimistas
ou antiiluministas sobre as conseqüências polí-
ticas do trabalho científico. Muitos acham, e
penso aqui obviamente em Foucault, que o em-
preendimento científico geralmente é ele mes-
mo parte de processos mais amplos de domina-
Comentários diagonais sobre ção social e de sujeição política. Deveríamos en-
a emergência dos homens na pauta tão compreender a emergência dos estudos so-
da Saúde Coletiva bre masculinidade como espécie de “sintoma”
Diagonal comments about the men de um processo de desarticulação do poder
emergency in the Public Health targets masculino? Não me parece absurdo afirmar, ao
menos como hipóteses a serem consideradas,
Sérgio Carrara 6 que, nos últimos dois séculos, assistimos não
somente a uma lenta e progressiva corrosão do
Como ressaltam Schraiber, Gomes e Couto, te- poder masculino, mas também que a tal corro-
mos assistido nos últimos anos, na área da Saú- são corresponde o correlativo aumento do po-
de Coletiva e na das Ciências Sociais aplicadas à der do Estado e do mercado.
saúde, a uma crescente preocupação em situar Comecemos pelo mercado, no qual se in-
no centro da análise os homens e a(s) masculi- cluem os próprios serviços voltados à manuten-
nidade(s). Colocando-me em uma perspectiva ção e promoção da saúde (física ou mental), os
complementar àquela adotada pelos autores, fa- produtos da indústria farmacêutica etc. Nesse
rei aqui alguns comentários referentes à histó- âmbito, estamos assistindo a uma mudança sem
ria e aos possíveis significados da emergência precedentes quanto à sofisticação do antigo
dos homens – considerados categoria de gênero mercado produtor de serviços e bens que, vol-
e não mais representantes universais da espécie tados para os homens, procuravam expressar
humana – como objetos de pesquisa e interven- sua masculinidade. De fato, algo parece estar
ção científica. acontecendo no plano daquilo que Luc Boltans-
Tenho como pressupostos que os nossos ob- ki chamava de cultura somática, fazendo com
jetos de reflexão não se oferecem passivamente que homens de diferentes camadas sociais pas-
à observação, como se tivessem estado sempre sem a manter com seus corpos um tipo de ati-
lá, na “realidade social”, à espera de serem “des- tude antes considerada mais apropriada às mu-
cobertos” e que tal “descoberta” tem sempre lheres. Mais reflexiva e mais atenta ao próprio
uma dimensão política. E talvez seja justamente corpo, tal atitude propicia e incentiva o consu-
mo de um sem-número de serviços profissio-
nais e produtos que prometem manter os cor-
pos nas convenções ideais da cultura de massa
6 IMS-Uerj. carrara@uerj.br dessa nossa passagem de século: saudáveis, sen-
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Ciência & Saúde Coletiva, 10(1):18-34, 2005


síveis, potentes, jovens, produtivos, flexíveis etc. no apoio estratégico à organização de entidades
Nesse sentido, parecem estar desaparecendo ra- civis que se estruturam em torno de masculini-
pidamente os antigos pudores que, fazendo da dades subalternas (homossexuais, travestis, etc.),
atenção sobre si ou sobre o próprio corpo um quer divulgando o fato de serem os homens os
sinal de feminilidade, tinham como um de seus mais refratários a mudanças de comportamen-
mais importantes efeitos manter os homens to no sentido de evitar ou prevenir tais males.
distantes dos médicos e da medicina. E se isso Se isso é verdade, a ação do Estado moderno
tem se tornado possível, talvez seja, como que- não deveria ser pensada como homogênea e
ria Boltanski porque a força física (símbolo mais fundamentalmente voltada para manutenção
básico ou mais primitivo da masculinidade) ve- de uma genérica hegemonia masculina, como
nha tendo um papel cada vez menos relevante uma postura mais romântica poderia preferir.
do ponto de vista de um processo produtivo ca- Conforme apontam sociólogos como Norbert
da vez mais automatizado e informatizado. Elias e historiadores como Robert Nye, a rela-
Além disso, a emergência dos homens na ção que envolve os homens (ou o poder mascu-
qualidade de consumidores de bens voltados à lino) e o Estado moderno configura-se muito
sua masculinidade parece estar também na de- mais como uma já secular queda-de-braço.
pendência das profundas alterações a que assis- Enfim, o texto de Schraiber, Gomes e Couto
timos nas próprias estruturas familiares. Ho- mostra muito bem o modo como os homens
mens não-casados, vivendo sozinhos ou em ar- emergem na pauta da Saúde Coletiva e trazem
ranjos familiares não-convencionais são cada informações fundamentais para quem deseje
vez menos intensamente considerados casos es- desenvolver uma reflexão sobre o significado
candalosos de anomalia social e/ou sexual. Isso social e político de tal emergência. Mais impor-
parece querer dizer que um número crescente tante, nele, os autores procuram compreender
de homens está destinado a consumir para e por como as hierarquias de gênero configuram pa-
suas famílias, não mais o fazendo através das drões específicos de cuidados de si, de adoeci-
mulheres. Assim a identidade de pai ou de chefe mento e mortalidade. Assim, vinculando sem-
de família cede o passo à genérica identidade pre a reflexão sobre masculinidade às discus-
social de homem, base sobre a qual todo o novo sões mais amplas sobre as relações entre gênero
mercado se organiza. e saúde, evitam uma abordagem vitimária, de-
Paralelamente a isso, temos inúmeros sinais monstrando que, quando se discute masculini-
de corrosão da dominação masculina que se ex- dade e saúde, não se trata apenas da saúde dos
pressam na esfera propriamente política. Con- homens, mas, através dela, da saúde de todos.
centro-me aqui em dois temas que, como res-
saltam os autores, se vinculam privilegiada-
mente à construção dos homens como objeto
de reflexão na área da Saúde Coletiva: a violên-
cia e a sexualidade. Se esses temas são privile-
giados no campo científico isso se explica tam-
bém pelo fato de haver investimentos estatais Gênero, saúde dos homens
importantes no sentido de limitar e colocar sob e masculinidades
vigilância cerrada tradicionais prerrogativas Gender, men health and manliness
masculinas dentro e fora da família. Toda a atual
discussão em torno da violência doméstica, do Wilza Villela 7
abuso sexual de crianças ou da violência contra
homossexuais, com o conseqüente aparecimen- Qual não foi a minha honra ao receber o convi-
to de leis e instituições destinadas a mais eficaz- te para dialogar com Lília, Romeu e Márcia so-
mente coibir tais práticas (como é o caso das bre o artigo “Homens na pauta da Saúde Cole-
delegacias especiais da mulher no Brasil), pare- tiva”! E qual não foi o meu prazer ao ler o tra-
ce ter como objetivo o controle mais estrito do balho, sistematização extensa e rigorosa dos ca-
comportamento masculino ou, ao menos, o com- minhos pelos quais os homens estão entrando
bate a certas expressões tradicionais de mascu- na pauta da saúde coletiva!
linidade. Também as políticas de controle às
doenças sexualmente transmissíveis, e em espe-
cial à Aids, vêm atingindo em cheio certos pri-
vilégios masculinos, quer centrando sua ação 7 Instituto de Saúde, SES/SP. wilzavi@isaude.sp.gov.br

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