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Marxismo e educação: debates contemporâneos
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Marxismo e educação: debates contemporâneos

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Será que o marxismo ainda tem alguma coisa a falar sobre educação neste início do século XXI?

Essa é uma pergunta que muita gente colocará ao ler este livro. Para uns a pergunta decorre da consideração de que o marxismo é uma concepção. Para outros, como se criou um consenso de que Marx e Engels não elaboraram uma teoria educacional ou pedagógica, não houve e não há contribuição expressiva do marxismo à educação. Mas há outros ainda que saem em defesa do legado de Marx e Engels como uma perspectiva revolucionária que possibilita a transformação da sociedade, que se mantém válida mesmo depois da derrocada do socialismo real e, enfim, que auxilia na compreensão da própria educação, que, propondo a superação da dicotomia entre trabalho manual e trabalho intelectual, entre pensar e fazer, entre teoria e prática, faz a defesa intransigente de uma formação integral, politécnica, centrada nos conteúdos e que está "para além do capital".
LanguagePortuguês
Release dateOct 1, 2017
ISBN9788574964010
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    Ótima leitura. Atual. De leitura acessível. Autores diversificados. Autores com larga experiência na pesquisa e no ensino.

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Marxismo e educação - Carlos Lucena

Boitempo.

CAPÍTULO • UM

EDUCAÇÃO, ENSINO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL EM MARX E ENGELS

JOSÉ CLAUDINEI LOMBARDI*

INTRODUÇÃO

Opresente texto resulta da articulação e síntese do conteúdo das palestras apresentadas em dois diferentes momentos: em 2003, numa mesa-redonda em que participei com Décio Saez e Dermeval Saviani, realizada no II Colóquio Marx e Engels, promovido pelo Centro de Estudos Marxistas (CEMARX), e que teve por tema geral Marxismo e educação: perspectivas para o século XXI; em 2004, numa mesa-redonda compartilhada com Carlos Lucena e Pedro Goergen, em evento promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia, no qual discorri sobre Educação e ensino: uma leitura de Marx e Engels.

Para início de conversa, gostaria de afirmar que estou entre os que consideram que o marxismo continua a ser uma concepção de extrema atualidade neste século que se inicia, bem como a luta e a perspectiva política do comunismo, tendo discutido ampla e longamente sobre o tema em minha tese de doutoramento (LOMBARDI, 1993). Penso que não é possível o avanço da discussão sobre as perspectivas transformadoras de nossa sociedade deixando-se de lado as perspectivas também transformadoras de um projeto revolucionário de educação. Acerca da atualidade do marxismo já me manifestei sobre o assunto em várias oportunidades, notadamente no trabalho referido (idem, pp. 326 e ss.), onde deixei registrada a minha concordância com a observação de Dermeval Saviani, ao final da apresentação de Educação e questões da atualidade:

[…] o desmoronamento dos regimes do Leste europeu, em lugar de significar a superação de Marx, constitui, ao contrário, um indicador de sua atualidade. Levando-se em conta que uma filosofia é viva e insuperável enquanto o momento histórico que ela representa não for superado, cabe concluir que se o socialismo tivesse triunfado é que se poderia colocar a questão da superação do marxismo, uma vez que, nesse caso, os problemas que surgiriam seriam de outra ordem. Mas, os fatos o mostram, ele não triunfou. O capitalismo continua sendo ainda a forma social predominante. Portanto, Marx continua sendo não apenas uma referência válida, mas a principal referência para compreendermos a situação atual [SAVIANI, 1991b, p. 14].

A atualidade do marxismo para Saviani baseia-se no entendimento de que uma filosofia é viva enquanto expressa a problemática própria da época que a suscitou e é insuperável enquanto o momento histórico de que é expressão não tiver sido superado (idem, p. 10). Sendo que o regime socioeconômico vigente e internacionalmente hegemônico é o capitalista, pode-se concluir que enquanto os problemas produzidos e gestados por esse modo de produção não forem resolvidos e superados, não faz sentido afirmar que o marxismo foi ultrapassado. Ao contrário, o marxismo continua sendo uma concepção viva e suficiente, ainda na contemporaneidade, para a análise crítica da sociedade capitalista, além de ser um referencial revolucionário e transformador da ordem existente.

Considerando a atualidade do marxismo, gostaria de manifestar que não é tarefa fácil escolher o fio condutor das reflexões, notadamente por entender que uma reflexão revolucionária da educação está em processo de produção e sequer a sistematização da contribuição marxiana ao debate educacional está suficientemente explorada. Com a preocupação de tentar trazer alguma contribuição à discussão, colocarei uma única questão:

•Pode-se afirmar que é possível, hoje, a existência de uma pedagogia marxista , isto é, uma pedagogia comunista , concebida como parte integrante de um projeto revolucionário da sociedade?

Tentando dar conta dos aspectos mais gerais que conformam o encaminhamento de uma resposta à problemática da existência (ou não) de uma pedagogia comunista, dividirei a exposição em três partes:

•primeiramente introduzirei o contexto no qual propostas pedagógicas contrárias emergem no século XIX, a burguesa e a socialista, e que explicitam o embate entre a burguesia e o proletariado ;

•na segunda parte da exposição adentro brevemente na discussão sobre educação, ensino e formação profissional, presentes na obra de Marx e Engels, entendida como fundante da proposta pedagógica comunista;

•a terceira parte é dedicada a rápidas observações sobre a Revolução Russa e a construção e implementação da proposta pedagógica comunista, com ênfase nas contribuições de Lênin, Krupskaja e Makarenko.

Esses três aspectos, quando vistos articuladamente, são fundamentais para a discussão quanto à possibilidade (ou não) de uma pedagogia marxista, entendida como fundamento de uma pedagogia comunista.

1. BURGUESIA E PROLETARIADO: PROPOSTAS PEDAGÓGICAS CONTRÁRIAS

Como sou contrário ao entendimento da educação como uma dimensão estanque e separada da vida social, parto do pressuposto de que não se pode entender a educação, ou qualquer outro aspecto e dimensão da vida social, sem inseri-la no contexto em que surge e se desenvolve, notadamente nos movimentos contraditórios que emergem do processo das lutas entre classes e frações de classe. Com isso estou a afirmar que não faz o menor sentido discutir abstratamente sobre a educação, pois esta é uma dimensão da vida dos homens que se transforma historicamente, acompanhando e articulando-se às transformações dos modos de produzir a existência dos homens.

Como as observações de Marx e Engels sobre a educação, ensino e qualificação profissional foram construídas a partir da crítica das teorizações e práticas burguesas, como foi a crítica da economia política e, antes dela, a da filosofia alemã e as das várias matizes de socialismo, é no contexto do modo capitalista de produção que a problemática em questão deve ser colocada.

Em trabalho anterior, dedicado ao estudo da educação implementada pela Comuna de Paris, entendida como um movimento revolucionário desencadeado em 1871 pelo proletariado parisiense, explicitei o caráter contraditório da implantação da educação pública na França revolucionária (LOMBARDI, 2002). Recorri à imagem do movimento do pêndulo para tentar explicitar o caráter contraditório do movimento histórico e das lutas de classes. Em se tratando da conformação e do desenvolvimento da educação capitalista, esta acompanhou os vaivéns da luta entre burguesia e proletariado, assumindo as características e particularidades próprias dos processos históricos de cada uma das formações sociais articuladas na ampla teia de relações e divisões do trabalho própria da gênese e do desenvolvimento desse modo capitalista de produção da existência dos homens.

Tentando entender o movimento contraditório que a educação assumiu no movimento revolucionário francês, registrei meu entendimento quanto a importância em

[…] resgatar o caráter pendular da educação ao longo da história, acompanhando os vaivéns do contraditório processo das lutas entre classes e frações de classe, notadamente entre burguesia e proletariado. Quando se instauram processos revolucionários, ampliando o proletariado e as frações de classes populares, participação e presença social e política, igualmente avançam as propostas pedagógicas e as formas organizadas do ensino, adquirindo um caráter público, gratuito, popular e laico; quando em seguida, reorganiza-se a burguesia e hegemoniza o poder do Estado, volta a educação a ter um caráter dual, com a defesa de uma educação pública que deve coexistir com escolas privadas nos diferentes níveis escolares, em que a gratuidade aparece como concessão do Estado aos que não podem pagar por seus estudos, etc. Essa postura da burguesia, passado o período revolucionário de formação capitalista e viabilização das condições de acumulação, desde a Revolução Francesa e a tomada do poder pela burguesia, passou a ser cada vez mais politicamente reacionária, mesmo quando travestida da ideologia liberal [LOMBARDI, 2002, p. 79].

É importante destacar que esse movimento contraditório entre burguesia e proletariado, bem como de suas ressonâncias na educação, é apontado não somente por marxistas, mas também por intelectuais comprometidos com um entendimento contextualizado da educação. Franco Cambi, autor de recente obra de História da pedagogia, faz uma síntese erudita e metodologicamente eclética dos conhecimentos construídos nesse campo de investigação. Ele entende o século XIX como aquele caracterizado pela existência de uma frontal oposição entre as duas classes fundamentais da sociedade capitalista e que se refletia em todas as dimensões da vida e organização da sociedade, seja a econômica, a social, a política e a ideológica. Cambi enfatiza o confronto entre a burguesia e o proletariado, afirmando que esse embate também produziu projetos antagônicos e radicais no que diz respeito à educação e à pedagogia (CAMBI, 1999, p. 407). Para esse autor, nenhuma região do planeta ficou livre das profundas e aceleradas transformações então em curso. Conservadores, reformistas e revolucionários colocavam na educação um papel essencial, quer para manter o equilíbrio e a harmonia social, quer para promover ajustes que resolvessem disfunções sociais ou mesmo para revolucionar a ordem existente. Buscando uma síntese desse quadro e deixando claro qual papel o projeto de educação tem para cada classe social, assim registra em História da pedagogia:

Numa sociedade socialmente tão lacerada […], na qual velho e novo, tradição e revolução convivem tão íntima e dramaticamente, um papel essencial é reconhecido […] ao compromisso educativo: para as burguesias, trata-se de perpetuar o próprio domínio técnico e sociopolítico mediante a formação de figuras profissionais capazes e impregnadas de espírito burguês, de desejo de ordem e de espírito produtivo; para o povo, de operar uma emancipação das classes inferiores mediante a difusão da educação, isto é, mediante a libertação da mente e da consciência para chegar à libertação política. […] Assim, também no terreno das pedagogias populares vai-se desde as reformistas até as revolucionárias […], desde as que visam a uma emancipação como integração [na sociedade burguesa] das classes populares […] até as que reclamam, pelo contrário, uma revolução da ordem burguesa, uma tomada do poder por parte dos proletários […] [idem, pp.

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