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Comer para quê?

Jornalista elabora experiência para entender os dilemas da


vida de quem pode comer de tudo

Estudante almoça sozinha em refeitório; escritor descreve como nossos


hábitos alimentares mudaram ao longo do tempo

GIOVANA GIRARDI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A clássica teoria segundo a qual nós somos aquilo que comemos


ganha um adendo no livro "O Dilema do Onívoro", recém-lançado
no Brasil. Para o jornalista americano Michael Pollan, você é sim "o
que" come, mas também "como" come.

Ao contrário de outras espécies, que têm dietas muito restritas – e


para os quais comer é uma questão meramente biológica –, nós
podemos nos alimentar de praticamente qualquer coisa do reino
animal ou vegetal. E se isso foi uma vantagem para nossa evolução
e expansão pelo mundo inteiro, hoje deixa muita gente no dilema a
que Pollan se refere em seu livro. Diante de inúmeras
possibilidades, às vezes parece simplesmente impossível decidir o
que comer, acredita o autor.

Senão, vejamos. Para um coala, o cardápio se restringe às folhas


de eucalipto. Para os humanos modernos e urbanizados, as
dúvidas vão desde "carne ou massa?" na hora do almoço a "óleo de
girassol ou de milho?", na frente de uma gôndola de supermercado.
Mas a dúvida está longe de ser apenas questão de gosto. Cada vez
mais se trata dos possíveis benefícios e malefícios dos alimentos.
Quantas vezes nos deparamos diante da dúvida sobre comer ou
não comer algo porque aquilo pode aumentar nossa taxa de
colesterol; se devemos abandonar a carne e sermos vegetarianos;
se para viver mais é preciso se alimentar disso ou daquilo. Isso sem
falar na questão calórica.

Da caça ao fast food


Pollan usa esta inquietação como fio condutor de uma espécie de
história natural dos nossos hábitos alimentares. Ele investiga as
origens e a evolução da nossa relação com a comida -como
passamos de caçadores-coletores, que sabiam exatamente o que
estavam ingerindo, para consumidores de produtos industrializados
que não fazem a menor idéia do que está por trás de um nugget
congelado e frito na lanchonete.

E mais do que isso: como nos deixamos influenciar por pesquisas


de resultados duvidosos que dizem o que faz bem ou o que faz mal
ingerir quando historicamente fomos evoluindo para distinguir essas
coisas na natureza.

É bem verdade que Pollan baseia toda a sua tese na população


norte-americana, paradoxalmente obesa e neurótica com dietas
da moda, que ao mesmo tempo come as mais complexas
gorduras, mas corta totalmente os carboidratos acreditando que
vai emagrecer.

Mas de modo algum esse regionalismo tira a validade da obra aqui


no Brasil. A impressão que dá é que isso tenha sido mais uma
opção mercadológica que antropológica. Afinal, o sucesso dos livros
de dietas mirabolantes é mundial, e a própria obra de Pollan ficou
na lista dos mais vendidos por semanas nos Estados Unidos.

A idéia do jornalista foi então investigar a cadeia alimentar – na


verdade as cadeias, porque ele defende que hoje existem três
totalmente diferentes: a industrial, a orgânica e a "associada à
esfera da caça e da coleta". O intuito era, escreve ele, "recuperar as
realidades biológicas fundamentais que as complexidades da
moderna indústria de alimentos fazem o possível para manter longe
dos nossos olhos".

Para isso ele acompanha, do começo ao fim, cada uma dessas


cadeias. Vai da plantação de milho que abastece a indústria
alimentícia à fast food comida em um carro em movimento. Visita
fazendas inovadoras e experimenta pratos orgânicos até encerrar
sua expedição, por fim, na "refeição perfeita" – caçada, colhida e
cozida com suas próprias mãos.

Para saber o que mudou na visão humana sobre alimentos, essa


etapa se fazia necessária. "Esperava lançar alguma luz sobre a
maneira como comemos hoje ao me impregnar da maneira como
comíamos então [na pré-história]", escreve, enquanto conta o
processo de aprender a caçar atirando e matando – e a crise de
consciência por trás disso – até comer.

Nesta etapa, pela primeira vez ele diz ter noção exata do que
estava comendo, e dos custos físicos, emocionais e financeiros de
sua obtenção. Todos os produtos que estavam no prato. O prazer
da refeição, diz, foi acima de tudo resultado da consciência
completa.
LIVRO - "O Dilema do Onívoro"
Michael Pollan; ed. Intrínseca, 479 págs., R$ 49,9

Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe2907200702.htm
Jornal Folha de São Paulo – Folha Ciência – Domingo, 29 de julho
de 2007.

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ENTREVISTA

MICHAEL POLLAN

Estaríamos melhor com banha de porco


que com margarina
Autor de livro sobre comida diz que dieta ocidental é invenção
da indústria e que tradição deve guiar o que as pessoas
comem
Alia Malley
Michael Pollan

OS MAIS NOVOS conselhos sobre dieta acabam de vir dos EUA:


primeiro, coma comida. Depois, não coma nada que sua avó não
reconheceria como comida. Se isso parece óbvio para você, diz o
jornalista americano Michael Pollan, vá ao supermercado -e tente
imaginar uma dona-de-casa de meados do século 20 tentando
decifrar dezenas de rótulos com ingredientes impronunciáveis de
"substâncias semelhantes à comida" nas gôndolas. Em seu novo
livro, "Em Defesa da Comida" (editora Intrínseca), ele lança um
ataque impiedoso à indústria e aos cientistas da alimentação, que,
ajudados por um governo americano complacente e por jornalistas
confusos, transformaram a dieta ocidental em uma máquina de
adoecer.

Essa revolução maligna na maneira como os americanos -e, por


tabela, o resto do Ocidente- comem se instalou plenamente anos
1980. Nessa década, diz o livro, os alimentos deixaram de ser
vistos como entidades completas (uma cenoura, um tomate, um
bife) e passaram a ser comercializados pelo que continham de
nutrientes: caroteno, licopeno, proteínas. A indústria passou a
"engenheirar" a comida de forma a torná-la irreconhecível, tudo em
nome do lucro, disfarçado de benefício à saúde.

Qual foi o resultado? "Nossa saúde dietária é pior hoje do que era.
Há mais obesidade, mais diabetes", diz Pollan. O enfoque nos
nutrientes, que teve seu início nos anos 1960, virou uma ideologia,
o "nutricionismo". Segundo o americano, essa ideologia é baseada
na "ciência ruim" da nutrição, que é incapaz de produzir resultados
consistentes em estudos epidemiológicos sobre dieta. Isso porque
os nutricionistas buscam avaliar nutrientes, mas um alimento é
maior que a soma de suas partes.

[ Um dos pecados dessa abordagem, argumenta, foi a


condenação das gorduras saturadas de origem animal. ]

Um dos pecados dessa abordagem, argumenta, foi a condenação


das gorduras saturadas de origem animal. No lugar delas, os
nutricionistas nos deram as gorduras trans, que hoje o mundo
inteiro – o Brasil inclusive – se esforça para banir. "Estaríamos
melhor com banha de porco", disse Pollan à Folha. Leia a
entrevista. (CLAUDIO ANGELO)

FOLHA - O sr. diz que a comida virou presa da ideologia. Como


assim?
MICHAEL POLLAN - Meu argumento é que a maneira como
pensamos sobre a comida e como desenhamos a comida hoje em
dia caiu presa de uma ideologia que chamo de nutricionismo. O
nutricionismo é a crença de que o que importa na comida são os
nutrientes: as proteínas, os minerais, as vitaminas. E, se você
obtiver o bastante dos bons nutrientes e ficar longe dos ruins, esse
é o caminho para a saúde.
Essa é uma visão muito reducionista tanto da comida quanto da
saúde. A comida é mais do que a soma de suas partes nutrientes. O
propósito dessa ideologia é dar mais poder para a indústria da
alimentação, porque ela consegue redesenhar a comida de uma
maneira que a natureza não consegue, e dá também muito poder a
especialistas na nossa sociedade, sejam cientistas ou jornalistas.
A maior objeção é que pensar na comida dessa maneira não tem
funcionado. Nós estamos reengenheirando a nossa comida há 30
anos para ter mais coisas boas e menos coisas ruins, mas a nossa
saúde dietária é pior hoje do que era. Há mais obesidade, mais
diabetes, e tirar da comida a gordura -supostamente um nutriente
mau- não ajudou. Estamos comendo mais carboidratos e ficando
mais gordos e diabéticos.

FOLHA - Então não há nada errado com a gordura?


POLLAN - Excesso de qualquer coisa é ruim, mas a gordura não é
a vilã que achávamos que fosse. A gordura é um nutriente
criticamente importante, e há gorduras boas e ruins. Jogar todas as
gorduras no mesmo balaio foi um erro enorme. E afastar as
pessoas das gorduras animais e aproximá-las de gorduras
hidrogenadas vegetais também foi um erro. As gorduras trans
fazem muito mais mal.

FOLHA - O Ministério da Saúde do Brasil quer banir as gorduras


trans, mas está enfrentando uma enorme resistência da indústria,
que diz que isso seria "voltar à era da banha de porco". Isso é ruim?

POLLAN - Eu tenho duas respostas a isso: um, nós provavelmente


estaríamos melhor com banha de porco do que com gorduras trans.
Ela é mais saudável. Dois, há vários outros óleos vegetais que não
precisam ser hidrogenados. É tudo uma questão de economia. Eles
poderiam fazer batatas fritas com azeite de oliva e elas seriam
deliciosas. Só que custariam mais. Ameaçar o público com o retorno
da banha de porco, primeiro, não é tão assustador; segundo, não é
verdade.

FOLHA - O público não está saturado com pesquisas sobre dieta?


Hoje eu nem cubro mais estudos que dizem que o café faz mal ou
bem, pois o próximo desmentirá o anterior.
POLLAN - Sim, é essa a situação do leitor hoje. Nós temos feito
reportagens em excesso sobre uma ciência muito imperfeita. O
estado do conhecimento nutricional é muito primitivo. Não sabemos
o bastante para dizer se café faz bem ou mal...

FOLHA - Por que não dá para fazer estudos controlados com


comida.
POLLAN - Exatamente. Você tem uma miríade de fatores, como
estilo de vida, outras coisas que as pessoas comem, genética etc.
Então em que conhecimento podemos confiar? Meu argumento em
"Em Defesa da Comida" é que nós temos uma outra forma de
conhecimento, que é a tradição. A sabedoria das nossas avós. E,
quando se trata de comida, essa sabedoria pode ser mais profunda
e mais útil que a dos nutricionistas -até agora, pelo menos.

FOLHA - Por outro lado, alguém poderia argumentar que as nossas


avós tinham um cardápio muito pouco variado, e elas também
morriam, e mais cedo que as avós modernas, na média.
POLLAN - A maioria dos ganhos na expectativa de vida vieram da
prevenção da mortalidade infantil até os cinco anos de idade. E
também tivemos coisas como ponte de safena e novos remédios.
Mas as taxas de obesidade e diabetes eram muito menores há cem
anos do que são hoje. Sim, a ciência e a tecnologia têm ajudado a
prolongar a vida, mas mas não por meio da dieta. A dieta tem
trabalhado na direção oposta.

FOLHA - Seu livro é sobre como as pessoas comem nos EUA, mas
a realidade de países como o Brasil é diferente. O que temos a ver
com isso?
POLLAN - O jeito americano de comer está dominando o mundo. O
Brasil e a Argentina estão rumando na direção da agricultura de
forragem. Vocês estão arrasando seus campos naturais para
plantar soja. E o que acontece com essa soja? Ela vira forragem
barata para gado, que vira comida processada.
Então, o hábito de ir ao supermercado, o hábito de ir ao fast-food,
essas coisas estão se espalhando pelo mundo. Minha esperança ao
publicar esse livro é que as pessoas que ainda não perderam sua
cultura alimentar lutem mais para defendê-la contra a onda de fast-
food.

FOLHA - O sr. defende um bocado a comida local e os orgânicos,


que são a nova moda nos países ricos. Mas nós vivemos num
mundo de mais de 6 bilhões de pessoas, e a agricultura precisa ser
industrial e usar pesticidas em grande escala.
POLLAN - Pode ser que os orgânicos não sejam a resposta para o
mundo inteiro, mas há modelos de agricultura em grande escala
que não usam muito pesticida e são mais sustentáveis. Se você
pensar na rotação que eles usam na Argentina, são cinco anos de
gado no pasto e três anos de grãos, você pode produzir a melhor
carne do mundo e três anos de grãos que podem ser plantados sem
fertilizante e sem herbicidas.

FOLHA - Embora a Argentina tenha mergulhado de cabeça na soja


transgênica...
POLLAN - Eu sei. Essa é uma das maiores tragédias do mundo
hoje. Eles estão abrindo mão de um produto muito superior, que é a
carne deles, em prol de um casinho passageiro com a soja
transgênica. Eu acho que eles olharão para trás em algum ponto e
se darão conta de que foi um grande erro.

FOLHA - As recomendações da FDA são seguidas ao redor do


mundo. Mas o sr. diz que a FDA não é exatamente confiável. Por
quê?
POLLAN - Qualquer país que siga a nossa pirâmide alimentar
precisa saber como ela é feita. E não é um quadro bonito. O
governo dos EUA precisa negociar cada mensagem sobre a comida
com a indústria afetada.
Eles não apenas incluem o consenso científico sobre quanto açúcar
você pode comer, mas têm de negociar com os usineiros, que
querem aumentar esse valor. Então, eles tentaram dizer que 10%
de açúcar na dieta era razoável, mas a indústria brigou e insistiu em
25%. Isso não é informação científica, é informação política,
negociada com a indústria. Você deve tomá-la com um grão de sal.

FOLHA - Não é meio ridículo escrever um livro ensinando bom


senso às pessoas?
POLLAN - (Risos) Eu jamais imaginei que pudesse vender um livro
que se baseia num conselho às pessoas para comer comida. Isso é
sintomático da nossa situação. Meu último livro dizia às pessoas de
onde a comida vinha. Nós nos desconectamos tanto da comida que
você precisa de jornalistas para dizer de onde a comida vem e que
é preciso comê-la.

Frase
"Eles [a FDA] tentaram dizer que 10% de açúcar na dieta era
razoável, mas a indústria brigou e insistiu em 25%. Isso não é
informação científica, é informação política, negociada com a
indústria"
MICHAEL POLLAN
jornalista americano, autor de "Em Defesa da Comida - Um
Manifesto", Editora Intrínseca, 2008.

Fonte:
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe2109200802.htm

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“E não é que o Kevin Trudeau tem razão?”


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