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Ferraz L, Almeida FM, Girardi F, Soares SC

Atualidades
ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM NA PROMOÇÃO DO
AUTOCUIDADO AOS PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS
NURSING ASSISTANCE FOR THE PROMOTION OF SELF-CARE FOR PEOPLE
WITHSPECIAL NEEDS
ASISTENCIA DE ENFERMERÍA EN LA PROMOCIÓN DEL AUTOCUIDADO A LAS
PERSONAS DISCAPACITADAS
Lucimare FerrazI
Franciele Machado de AlmeidaII
Francielli GirardiII
Silmar Carlos SoaresII

RESUMO: Com o objetivo de promover o autocuidado a portadores de necessidades especiais atendidos pela Associ-
ação de Pais e Amigos dos Excepcionais em Chapecó-SC, desenvolvemos uma prática assistencial de enfermagem, baseada
na Teoria do Autocuidado de Orem. Segundo essa Teoria, quando o autocuidado é efetivamente realizado, ele ajuda a
manter a integridade estrutural e o funcionamento do organismo humano contribuindo para seu desenvolvimento. Utilizamos
uma metodologia ativa de educação em saúde, com oficinas, grupos de discussões, dramatizações, danças. Acreditamos, a
partir da nossa vivência, que a inserção e participação dos profissionais da enfermagem nesses espaços de atenção aos
portadores de necessidades especiais são imprescindíveis para a promoção de saúde e da qualidade de vida desses indivídu-
os e seus familiares.
Palavras-chave: Cuidado de enfermagem; pessoa portadora de necessidade especial; autocuidado; educação em
saúde.

ABSTRACT
ABSTRACT:: Aiming at providing the disabled with self-care, a nursing assistance practice has been developed at The
Association of Parents and Friends of the Disabled at Chapecó-SC, Brazil. Under the light of Orem’s Self-care Theory,
effectively provided self-care helps ensure structural and functional integrity of the organism, contributing to its
development. An effective health education methodology was used. Activities such as workshops, discussion groups,
role-plays, dance, and the like were performed. Our own experience shows that the nursing professionals’ insertion and
participation in places where attention is given to the disabled are essential for health promotion and life quality of those
individuals and of their family members.
Keywords: Nursing care; people with special need; self-care; health education.

RESUMEN: Con el objetivo de promover el autocuidado a las personas con discapacidad de la Asociación de Padres
y Amigos de los Discapacitados en Chapecó – SC, Brasil, desarrollamos una práctica asistencial de enfermería basada en la
Teoría del Autocuidado de Orem. Según esa Teoría, cuando el autocuidado es efectivamente realizado, él ayuda a mantener
la integridad estructural y el funcionamiento del organismo humano contribuendo para su desarrollo. Utilizamos un método
activo de educación en salud, con cursillos, grupos de discusiones, teatro, bailes. Creemos, con las experiencias que hemos
tenido, que la inclusión y la participación de los profesionales de enfermería en esos espacios de atención a los discapacitados
son imprescindibles para la promoción da salud y de la calidad de vida de esos individuos y sus familiares.
Palabras Clave: Cuidado de enfermería; persona con discapacidad; autocuidado; educación en salud.

INTRODUÇÃO
Pelas estimativas da Organização Mundial da ou anormalidade da estrutura ou função psicológi-
Saúde (OMS), em todo o mundo, pelo menos 10% ca, fisiológica ou anatômica do indivíduo1.
da população é constituída de pessoas com algum As deficiências estão relacionadas não só à
tipo de deficiência, representada por qualquer perda condição individual e intrínseca da pessoa, mas

I
Enfermeira, Mestre em Saúde Coletiva, professora da disciplina de Cuidado de Enfermagem à Criança e Adolescentes do Curso de Enfermagem da
UNOCHAPECO. Rua: Minas Gerais, 19E, Apto 802. Centro, Chapecó, SC. CEP: 89.801.015 E-mail: lferraz@unochapeco.edu.br.
II
Enfermeiro formado pelo Curso de Enfermagem da UNOCHAPECO.

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Autocuidado aos portadores de necessidades especiais

também à sua relação com o ambiente social, com CONHECENDO A APAE


os padrões socialmente aceitos como referenciais e
representativos do que seria a normalidade2. O projeto assistencial foi desenvolvido para
atender o pré-requisito do trabalho de conclusão de
Portanto, para atender o portador de deficiên-
Curso de Enfermagem da Universidade Comunitá-
cia, faz-se necessário uma equipe multiprofissional
ria Regional de Chapecó (SC). A escolha da
que tenha como pressuposto a globalidade do
desenvolvimento das potencialidades dessa temática e do cenário emergiu de nosso cotidiano
população 3 . Nessa equipe, a enfermagem, profissional, pois seguidamente assistimos portado-
juntamente com outros membros, desenvolvem um res de necessidades especiais, que têm direito à aten-
importante papel na promoção do autocuidado, ção de enfermagem de qualidade; para tanto, os en-
tendo como função modificar o ambiente para fermeiros e sua equipe devem estar preparados para
aprendizagem e gerar comportamentos mais tais cuidados. Dessa forma, consideramos que os pro-
independentes, ajudando os portadores de fissionais de saúde possam ser co-responsáveis pela
deficiências a desenvolver seus talentos ao máximo construção de caminhos para a inclusão social dessa
e remover, quando possível, o preconceito que existe população.
em relação a eles4. Atualmente, a APAE de Chapecó atende 315
Portanto, é imprescindível que o profissional de educandos com diferentes tipos e graus de deficiên-
enfermagem reflita sobre seu papel e sua responsabili- cias, os quais estão divididos nas turmas de: autismo,
dade diante dos portadores de necessidades especiais, surdo, cegos, estimulação, educação infantil, ensino
considerando que a educação em saúde é uma das fundamental, oficinas profissionalizantes, conviver e
alternativas que a enfermagem dispõe para transformar Serviço de Atendimento Educacional Especializado
os sujeitos em indivíduos ativos na construção de sua (SAED).
vida e de sua independência, já que através da educação O quadro atual de funcionários é constituído
constroem-se cidadãos5. de 69 pessoas que desempenham as seguintes
A enfermagem deve considerar todos os indi- funções: educadores, motoristas, diretora, coordena-
víduos envolvidos na atenção aos portadores de doras pedagógicas, fonoaudióloga, fisioterapeutas,
necessidades especiais como potenciais promoto- psicóloga, assistente social, nutricionista, secretárias,
res do autocuidado. Assim, a família deve ser com- serventes, zelador, estagiários remunerados e médica
preendida e considerada em relação a sua neurologista. Não há enfermeiros na Instituição.
especificidade e diversidade dos contextos cultu- Na realização de nossa prática assistencial,
rais nos quais está inserida, tendo uma assistência trabalhamos com as turmas do ensino fundamental, com
em saúde condizente com esses contextos e sua alunos de 7 a 14 anos e com os alunos das oficinas
dinâmica própria6 . profissionalizantes e do conviver, acima de 14 anos.
Acreditando no impacto positivo de uma as- Desenvolvemos ainda um trabalho de orientação com
sistência educativa em saúde, desenvolvemos então os educadores/colaboradores da APAE e com familiares/
uma prática assistencial com o seguinte objetivo: responsáveis pelos portadores de necessidades especiais,
promover o autocuidado aos portadores de necessida- totalizando 270 horas de atividades distribuídas em
des especiais (PNE) da Associação de Pais e Amigos quatro meses no ano de 2006.
dos Excepcionais (APAE) de Chapecó-SC.
Prática Assistencial de Enfermagem na APAE
Fundamentamos nossa prática assistencial na
Teoria do Autocuidado de Orem e desenvolvemos, Descrevemos a nossa prática assistencial de en-
principalmente, o sistema de apoio-educação proposto fermagem a partir das estratégias desenvolvidas para
por essa Teoria. Atuamos como facilitadores, o alcance do objetivo proposto para este estudo.
orientando os aspectos relacionados ao Estratégia 1 – Diagnóstico das principais necessidades
comportamento e aquisição de conhecimentos e O diagnóstico das principais necessidades em
habilidades, promovendo assim a tomada de decisões relação ao autocuidado dos portadores de necessi-
pelos portadores de necessidades especiais, tornando- dades especiais deu-se a partir da ótica de seus
os agentes de seu autocuidado. familiares e educadores. Na primeira semana da nossa
Realizamos nossa atividade com três grupos de prática assistencial na APAE, realizamos uma enquete
indivíduos: portadores de necessidades especiais, pais com os pais e educadores para levantarmos as temáticas
e/ou responsáveis e educadores/colaboradores da a serem trabalhadas para o autocuidado dos portado-
APAE. res de necessidades especiais.

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Ferraz L, Almeida FM, Girardi F, Soares SC

Por meio dessa investigação, isto é, dos questio- Aos poucos, vínculos de amizade foram
nários respondidos, diagnosticamos e definimos os construídos, o que facilitou o trabalho. A afetividade
temas a serem trabalhados nas oficinas educativas para não deve afastar-se da educação, ao contrário, ela é
o autocuidado dos portadores de necessidade especi- o seu ponto alto, pois são as relações humanas que
ais. Orem lembra que o diagnóstico auxilia a enfer- permitem o aprender e é o afeto que imprime
magem identificar porque ela é necessária, bem como significado à aprendizagem9.
auxilia na análise do atendimento de cada caso7. Estratégia 3 - Realizar visitas domiciliares
As principais temáticas apontadas pelos pais e Para cumprimento desta estratégia, durante a
educadores foram: higiene, alimentação, boas nossa prática assistencial foram realizadas visitas do-
maneiras/convivência em grupo, amizade/namoro. miciliares a 15 famílias residentes na zona urbana do
Todos esses temas foram abordados, porém, além município de Chapecó. As famílias foram selecionadas
desses, também desenvolvemos palestras/oficinas juntamente com a Assistente Social da APAE, bus-
sobre prevenção de acidentes, já que consideramos cando identificar o grupo familiar que realmente mais
que esta prática de autocuidado entre os portadores necessitava de orientações a respeito dos cuidados em
de necessidades especiais é de extrema importância. saúde. Essa atividade foi muito importante, porque
No mesmo questionário da enquete, buscamos nesses momentos buscamos orientar os familiares,
saber quais os temas que os pais e educadores objetivando direcionar o olhar dos mesmos para as re-
gostariam que fossem trabalhados com eles. Entre os ais condições de vida e de saúde dos portadores de ne-
temas propostos pelos educadores estão: primeiros cessidades especiais. As pessoas podem ser
socorros, apontado por 69% dos respondentes, auto- autoconfiantes e responsáveis por seu próprio
estima (24%) e direitos e deveres (7%). Entretanto, autocuidado tanto quanto do cuidado aos outros na
no decorrer da prática assistencial, percebemos a família, que não são capazes de cuidar de si mesmos7.
necessidade de abordarmos a temática: abuso e
Estratégia 4 - Fornecer materiais educativos
violência sexual infanto-juvenil.
Para o cumprimento desta estratégia, foram ela-
Com relação aos temas a serem discutidos com
boradas duas cartilhas destinadas aos familiares dos
os familiares dos portadores de necessidades especiais,
portadores de necessidades especiais. Em ambas utili-
foram apontados os seguintes assuntos: higiene (28%),
zou-se uma linguagem simples, sendo que termos téc-
vacinação, medicamentos e prevenção de doenças
nicos foram dispensados para que a compreensão fosse
(21%) e auto-estima (17%).
facilitada. A primeira é sobre os direitos assegurados
Estratégia 2 - Implementar ações educativas pela Constituição aos portadores de necessidades es-
Visando à prática do autocuidado pelos porta- peciais e a prevenção de acidentes. A segunda é sobre
dores de necessidades especiais e, a partir das a alimentação saudável e higiene pessoal e do lar.
temáticas propostas, oficinas educativas foram Aos educadores e colaboradores da APAE foi
realizadas semanalmente. Nas primeiras oficinas fornecido material educativo sobre: primeiros
desenvolvidas tivemos algumas surpresas e preocu- socorros, os benefícios do aleitamento materno (um
pações, pois elaboramos atividades que nem sempre olhar multiprofissional), os dez passos para uma
foram executadas conforme o planejado ou que alimentação saudável, informativos referentes à
atendessem às nossas expectativas e a dos alunos. vacinação e à prevenção de doenças como dengue
Porém, é preciso ressaltar que essas dificuldades e hantavirose, e ainda, material sobre violência e
constituíram fontes de aprendizado, pois através abuso sexual infanto-juvenil fornecido pelo
delas buscamos melhorar, criando outras situações Conselho Tutelar de Chapecó (SC).
mais atrativas que envolvessem mais os portadores
de necessidades especiais. Estratégia 5 - Realizar oficinas educativas com os
familiares
Em cada oficina procuramos utilizar estratégias
e materiais didáticos diferentes como: fantoches, Com o objetivo de orientar as mães/respon-
cartazes coloridos, músicas, danças, filmes, objetos sáveis em relação à promoção do autocuidado aos
(tamanho maior que o normal), figuras, brincadeiras, seus filhos, realizamos duas oficinas educativas.
entre outros. No planejamento de nossas atividades, Além dessas, por solicitação das mães, realizamos
procuramos incluir, além da fala, materiais didáti- mais uma oficina com o tema Saúde da Mulher. Nes-
cos concomitantemente com as explicações, pois os ses momentos, prestávamos assistência, guiando,
materiais didáticos são facilitadores do aprendizado orientando e proporcionando um ambiente de apoio
e da retenção dos conteúdos8. ao desenvolvimento pessoal do cuidador familiar7.

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Autocuidado aos portadores de necessidades especiais

Estratégia 6 - Realizar oficinas educativas com os portadores de necessidades especiais e que conse-
colaboradores guimos promover, através de ações educativas, a prá-
A primeira atividade desenvolvida junto aos tica do autocuidado, pois, “educar envolve relação,
educadores/colaboradores da APAE foi sobre primei- envolve respeito, ética, reconhecimento do outro e
ros socorros. Nessa oficina contamos com a presen- de si mesmo, buscando autonomia, ou seja, educar é
ça de um Bombeiro Militar de Chapecó, que um princípio de esperança”10: 297.
demonstrou práticas de atendimentos pré-hospita- Por fim, é fundamental para a enfermagem atuar
lares em situações de emergência. No segundo na área da reabilitação, assistir as famílias e trabalhar
encontro, abordamos a temática da violência sexu- com educadores/colaboradores da APAE, pois eles
al, tendo a participação de uma conselheira do exercem um papel importante na prevenção de agra-
Conselho Tutelar de Chapecó e de um membro do vos à saúde e na promoção do autocuidado aos porta-
Fórum de Combate à Violência Infantil. dores de necessidades especiais.
Percebemos, durante esses encontros, o entusi-
asmo dos profissionais colaboradores da APAE em par- REFERÊNCIAS
ticiparem ativamente das oficinas. Eles nos relataram
que esses momentos foram extremamente importan- 1. Organização Mundial da Saúde. Classificação in-
ternacional de deficiências. Brasília (DF): Ministério
tes para refletirem e aprimorarem seus conhecimentos
da Saúde; 1981.
a respeito de questões sobre o processo saúde-doença. 2. Silva AMF, Pires DE. A construção da cidadania como
foco na assistência de enfermagem à criança com ne-
CONSIDERAÇÕES FINAIS cessidades especiais e sua família. Texto e Contexto
Enferm. 2000; 9(2):414-26.
Verificamos neste estudo que, apesar das dificul- 3. Blascovi-Assis SM. Lazer e deficiência mental: o
papel da família e da escola em uma proposta de edu-
dades iniciais para a realização da prática assistencial
cação pelo e para o lazer. São Paulo: Papirus; 1997.
aos portadores de necessidades especiais, aos pou- 4. Carswell WA. Estatuto da assistência de enferma-
cos, no decorrer de nossa experiência/aprendizado, gem a crianças que apresentam Síndrome de Down.
fomos adquirindo os conhecimentos e habilidades Rev Latino-am Enfermagem. 1993; 2(1):97-112.
exigidos. Aqui, cabe ressaltar a importância do tra- 5. Silva AMF. Refletindo sobre a qualidade de vida
balho interdisciplinar, pois apreendemos muito (e do portador de deficiência: resgatando os direitos de
certamente ensinamos) com os profissionais fisio- cidadão. Contexto Enferm. 1999; 8(3):88-98.
terapeutas, pedagogos, professores de educação físi- 6. Souza RC, Scatena MCM. Produção de sentidos
acerca da família que convive com o doente mental.
ca, psicólogos e assistente social que trabalham na Rev Latino-am Enfermagem. 2005; 13:173-79.
APAE. 7. George J, organizadora. Teorias de enfermagem: os
Constatamos, a partir dessa vivência, que a in- fundamentos à prática profissional. 4a ed. Porto Ale-
serção e a participação da enfermagem em espaços gre (RS): Artmed; 2000.
que dêem atenção aos portadores de necessidades 8. Kawamoto E, organizadora. Enfermagem comunitá-
ria. São Paulo: EPU; 1995.
especiais são imprescindíveis para a promoção da
9.Lebedeff TB, Pereira ILS. Educação especial: olhares
saúde e, conseqüentemente, melhoria da qualidade interdisciplinares. Passo Fundo (RS): UPF; 2005.
de vida desses indivíduos e seus familiares. Pois o 10. Prado ML, Reibnitz KS, Gelbcke FL. Aprendendo
“cuidado transpessoal sempre será a missão do pro- a cuidar: a sensibilidade como elemento plasmático
fissional enfermeiro”11:6 que deve ter um olhar para formação da profissional crítico-criativa em
plural que visualize no seu cuidado, seu corpo/mente/ enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2006;
espírito e sua história. 15(2):296-302.
11. Pessoa SMF, Pagliuca LMF, Damasceno MMC. Te-
A partir dos relatos de pais, educadores e cola- oria do cuidado humano: análise crítica e possibilida-
boradores da APAE, percebemos que este trabalho des de aplicação a mulheres com diabetes gestacional.
pode contribuir para a aquisição da autonomia dos R Enferm UERJ. 2006; 14:463-69.

Recebido em: 27.04.2007


Aprovado em: 08.08.2007

p.600 • R Enferm UERJ, Rio de Janeiro, 2007 out/dez; 15(4):597-0.

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