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do capitalismo neoliberal
A ruptura da institucionalidade democrática no Brasil
em 2016 por meio de um golpe de Estado jurídico-
parlamentar ocorreu no contexto da profunda crise do
capitalismo global.
Publicado em 08/06/2016 // 10 comentários
Para que possamos conhecer a natureza essencial do golpe de Estado ocorrido no Brasil em
2016 temos que levar em consideração não apenas a processualidade imediata da conjuntura
política nacional, com os bastidores do jogo de poder entre PT, PMDB e PSDB e as articulações
sinistras entre Congresso Nacional, Supremo Tribunal Federal, Procuradoria Geral da
República, Ministério Público Federal e Polícia Federal no seio do aparelho de Estado, ao lado
da Operação Lava-Jato e a intensa manipulação da opinião pública pela grande imprensa, com
destaque para a TV Globo. Todos os personagens visíveis (e invisíveis) do golpe de 2016 atuam,
muitas vezes sem o saber, no palco histórico constituído pelas forças ocultas dos interesses
econômicos, políticos e geopolíticos profundos que compõem o movimento das contradições
orgânicas do sistema-mundo do capitalismo neoliberal em sua etapa de crise estrutural. Na
verdade, é no plano do sistema-mundo do capital global que se disputam os interesses crucias
da produção e reprodução da ordem burguesa planetária.
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financeirizado nos “trinta anos perversos” (1980-2010). Nesse período de trinta anos da história
mundial, tivemos a débacleda URSS, a ascensão do capitalismo global, a dominância do
neoliberalismo, a construção da União Europeia e, no alvorecer do século XXI, a crise da
hegemonia imperial dos EUA por conta das ameaças ao poder do Dólar e, com a crise
financeira de 2008/2009, as estratégias de recomposição geopolítica imperial no seio da mais
profunda crise de civilização do capital desde 1929. A crise da hegemonia imperial dos EUA
– verdadeira ameaça ao poder do Dólar – ocorreu na primeira década do século XXI com as
fraturas geopolíticas da dominância do império neoliberal na América Latina, no Norte da
África, no Oriente Médio e no Sudeste Asiático, tendo em vista a ascensão da China e da Rússia
como protagonistas do novo imperialismo e a crise de hegemonia financeira devido
o crack financeiro de 2008/2009.
Enfim, no palco da história sinistra do golpe de 2016 no Brasil operam, de modo intenso,
interna e externamente, forças econômicas, político-ideológicas e geopolíticas ocultas – e
algumas delas, nem tão ocultas assim – que coordenam os interesses estratégicos do
Departamento de Estado norte-americano, o polo hegemônico do império neoliberal, com
elementos (partidos, movimentos sociais, think tanks e meios de comunicação de massa) da
oposição neoliberal, reacionária e oligárquica brasileira (a direita fisiológica e ideológica que
ocupou com o afastamento de Dilma, o governo Temer). A matilha de cães da direita
oligárquica – neoliberal e reacionária – expressa sua sede em derrubar – não mais pelo voto,
mas por um golpe de força jurídico-parlamentar – seus adversários políticos internos,
apropriando-se, deste modo, dos recursos de administração da ordem burguesa caduca.
Na verdade, o que ocorre há anos no Brasil, pelo menos desde 2013, com a fratura da frente
política do neodesenvolvimentismo, é uma disputa intraclasse da burguesia, com camadas e
frações de classe disputando não apenas os recursos do Estado brasileiro, mas definindo
projetos de desenvolvimento do capitalismo para o Brasil de acordo com as disputas
geopolíticas que ocorrem no palco histórico do sistema-mundo do capitalismo global.
O que se disputa na virada para a década de 2010 é o modo de resolução das contradições
abertas pela crise financeira de 2008/2009 no plano histórico mundial. Trata-se de uma disputa
no interior da ordem burguesa, tal como ocorreu por exemplo na década de 1930 a partir da
crise de 1929. Esta necessidade de nova reestruturação da ordem do capital global é o que
caracteriza a crise do capitalismo neoliberal. A ruptura da institucionalidade democrática no
Brasil em 2016 por meio de um golpe de Estado jurídico-parlamentar ocorreu no contexto da
profunda crise do capitalismo global. E ao dizermos “crise do capitalismo neoliberal”, é
importante salientar que não nos referimos a um bloqueio terminal da possibilidade de
reprodução da ordem burguesa mundial. Muitas vezes, a ideia de “crise” remete a noção de
estagnação e queda. Mas, pelo contrário, as “crises” do capitalismo histórico possuem uma
função histórica crucial – elas tratam de oportunidades de renovação para que o sistema-
mundo do capital se recomponha num patamar superior, constituindo assim, uma forma social
no interior da qual ele irá desenvolver suas contradições candentes no século XXI. É claro que
a “crise” opera não apenas oportunidades de renovação da dominância hegemônica do capital,
mas expõe também riscos contingentes de rupturas sociais e politicas adversas à dominância
do capital global tendo em vista a luta de classes.
Nas condições históricas da crise estrutural do capital no século XXI, a recomposição da ordem
burguesa no Brasil por meio do golpe de 1961 representa um declive civilizatório inédito na
história do país. No momento, ele possui uma personalidade política, síntese trágica da farsa
burguesa no Brasil: Michel Temer. O sinistro mordomo da Casa Grande senhorial assumiu a
nobre tarefa histórica de promover a reestruturação reacionária e conservadora do capitalismo
brasileiro nas novas condições históricas de dominância do império neoliberal face ao
aprofundamento de suas contradições estruturais.
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Depois da crise financeira de 2008/2009, o capitalismo global entrou num novo patamar de
desenvolvimento que expôs as múltiplas contradições do sistema mundial do capital. Toda
crise é uma síntese concreta de contradições acumuladas no desenvolvimento do modo de
produção e reprodução capitalista. Desde os primórdios do desenvolvimento do capitalismo
global como capitalismo histórico sob dominância do capital financeiro no começo da década
de 1980, a economia mundial apresentou um movimento de volatilidade sistêmica decorrente
da financeirização da riqueza burguesa. Esta deformação do espaço-tempo da produção de
valor produzida pela financeirização da riqueza capitalista decorreu da crise estrutural de
valorização do capital no plano do mercado mundial, crise de produção e formação de mais-
valor no “núcleo orgânico do sistema” (EUA, Europa Ocidental e Japão) por conta da crise de
superprodução crônica desde meados da década de 1970 (discutimos isso na Introdução do
livro A tragédia de Prometeu, publicado pelo Projeto editorial Praxis em 2016).
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Esta pequena Introdução a título de advertência heurística, tornou-se necessária para expormos
a verdadeira natureza da nova temporalidade histórica no interior da qual estamos inseridos
no plano do capitalismo global da qual somos parte dependente e integrada, pelo menos desde
1990, com a vigência das políticas neoliberais dos governos Collor, Itamar e FHC, artífices do
“Brasil Delivery”. O Brasil é, ao mesmo tempo, elo mais forte do imperialismo neoliberal na
América Latina (o que explica a persistência do Estado neoliberal no Brasil); e, por outro lado,
com os governos neodesenvolvimentistas de Lula e Dilma, tornou-se território estratégico para
a construção do bloco contra-hegemônico ao poder do Dólar. Essa é a contradição visceral da
arquitetura geopolítica do lulismo, que, ao mesmo tempo que implementou uma política
externa contra-hegemônica ao império neoliberal, com o não-alinhamento à política externa
de Washington, articulando-se com forças geopolíticas de combate ao poder do Dólar, ao
mesmo tempo, não optou pela desconstrução do Estado neoliberal herdado da era Collor-FHC.
Pelo contrário, no plano interno, o lulismo representou a ideologia do reformismo fraco que
construiu uma estratégia de conciliação de classe – inclusive com setores fisiológicos da direita
brasileira – visando a governabilidade. Despreparado para o mar revolto da profunda crise do
capitalismo brasileiro na década de 2010, com a luta de classes assumindo o timão da
dinâmica política no País, o lulismo paralisou-se com a implosão da frente política do
neodesenvolvimentismo e a rearticulação política da direita senhorial da Casa Grande. O
social-liberalismo ingênuo, como diz o ditado popular, “cutucou onça com vara curta”.
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1. Elementos da processualidade histórica do capitalismo neoliberal (1980-2015)
Uma leitura da processualidade histórica que explica o golpe de 2016 no Brasil implica
discernirmos vários níveis de análise que compõem num quadro amplo do sistema-mundo do
capital. O Brasil é importante parte compositiva do sistema-mundo do capital sob hegemonia
do império neoliberal. Precisamos discernir o processo histórico da contradição viva do capital
global das últimas décadas, processualidade histórica imersa numa profunda crise estrutural,
impondo, deste modo, a necessidade candente e insana de reordenamentos geopolíticos e
reestruturações capitalistas nas várias instâncias do ser social que compõem a civilização do
capital. Iremos salientar neste pequeno artigo três planos da processualidade contraditória do
capital: (1) a macroestrutura da economia global, (2) a geopolítica do novo imperialismo ou
imperialismo neoliberal e, last but not least, (3) o sociometabolismo da barbárie, mutações
culturais-ideológicas profundas no ser social da ordem burguesa com impactos decisivos na
dinâmica da luta de classes.
“Para enfrentar esse movimento avassalador [do neoliberalismo] seria preciso investir em
políticas que buscassem resultados objetivos, por exemplo, na redução da abissal desigualdade
do país”.
E observa:
“Mas que fizessem isso trazendo consigo uma revolução cultural e de valores que proscrevesse
como indignos e inaceitáveis os valores individualistas e puramente mercantis”.
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Eis a falha política crucial do lulismo: investir na redução da abissal desigualdade social no
Brasil, mas desprezou a luta ideológica contra os valores neoliberais (o que exigiria falar em
“luta de classes”, elemento sem registro no léxico mental do lulismo).
Muitos economistas traçam um paralelo entre a crise de 2008/2009 com a crise de 1929. As
duas crises capitalistas possuem um traço comum: são crises de hegemonia financeira que
promoveram uma inflexão crucial na dinâmica histórica do sistema mundial. A primeira levou
à derrota da fração liberal-rentista e a vitória da fração produtiva do capitalismo num
compromisso social com a classe trabalhadora organizada depois da 2ª Guerra mundial. De
1929 a 1945, derrotou-se o capitalismo liberal, que tinha levado o mundo burguês à crise de
1929, e o capitalismo fascista, que se apresentou como alternativa histórica de direita no
interior da ordem burguesa à miséria do liberalismo clássico. Para o capitalismo do século XX
se reestruturar, construindo o compromisso fordista e o Welfare State propiciado pela luta de
classes no contexto da Guerra Fria, precisou ocorrer uma profunda recessão, derrota politica
da direita liberal, uma Guerra Mundial e a derrota militar da direita fascista, com milhões e
milhões de mortos na Europa e na Ásia.
Por outro lado, a segunda crise de hegemonia financeira em 2008/2009 ocorrida há pouco
mais de cinco anos, não representou a derrota do capitalismo neoliberal predominantemente
financeirizado, tal como ocorreu em 1929; mas, pelo contrário, a crise do subprime levou à
reafirmação da fração rentista-parasitária do capital, fração hegemônica desde o começo da
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década de 1980, por meio de politicas de austeridade neoliberal sendo implantadas na União
Européia e na América Latina. A sobrevivência do sistema institucionalizado do rentismo como
traço orgânico do capital global, exigiu a intervenção pesada dos bancos centrais dos governos
e seus Estados neoliberais visando salvar a nova ordem do mundo. Na verdade, a persistência
(e a força política e cultural) do capital financeiro depois da crise de 2008/2009 demonstrou
efetivamente seu enraizamento político-ideológico e cultural na dinâmica das sociedades
capitalistas, muito superior àquele do liberalismo rentista da década de 1920.
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de governos neodesenvolvimentistas – por eleições ou por golpes de Estado – aproveitando-se,
principalmente, das debilidades orgânicas de experiências progressistas que não conseguiram
nos últimos quinze anos, romper com o Estado neoliberal (o maior exemplo é o Brasil).
Pelo fato do Brasil ser o elo mais forte do imperialismo norte-americano na América do Sul, a
natureza da experiência progressista adotada por Lula e Dilma, experiência
neodesenvolvimentista que ousou articular-se no plano externo geopolítico com adversários
do modelo de capitalismo liberal hegemonizado por Washington – que discutiremos abaixo –
tinha como “calcanhar de Aquiles”, a sua incapacidade de refundar o Estado brasileira de
matriz oligárquica-neoliberal. Incapaz de derrotar pelo voto o projeto neodesenvolvimentista,
como correu na Argentina, Washington apoiou, subrepticiamente, um golpe de Estado de novo
tipo, ensaiado no Paraguai em 2012 – o dito “golpe político-jurídico-midiático”.
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império neoliberal. O modelo neoliberal na América Latina demonstrou sua falência social e
política, manifestado pelos série de acontecimentos políticos inéditos de governos de esquerda
vitoriosos no seio da institucionalidade democrática: em 1998, Hugo Chávez é eleito na
Venezuela; Néstor Kirchner e Luis Inácio Lula da Silva em 2003; Evo Morales em 2006 e Rafael
Correa em 2007.
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Norte da África e Oriente Médio. A Rússia reagiu à altura, bloqueando, com dissuasão militar,
a invasão da Síria pela OTAN; e anexando a Criméia, depois que a Ucrânia caiu nas mãos de
fascistas pró-Ocidente. O xadrez geopolítico tornou-se cada vez mais complexo diante das
contradições orgânicas do Poder do Dólar, fragilizado pela crescente dívida pública norte-
americana. A disputa pelo território geopolítico da América Latina tornou-se decisivo para o
Departamento de Estado norte-americano após a crise de 2008/2009, embora desde 2001, a
CIA tenha atuado para desestabilizar o governo Chávez na Venezuela (as escutas secretas da
NSA, Agência de Segurança Nacional dos EUA, denunciadas pelo WikiLeaks, no governo
Dilma, produziriam materiais que alimentariam a Operação Lava-Jata. Depois do marco
regulatório do Pré-sal em 2010, o alvo-chave tornou-se a Petrobrás, onde a Inteligência norte-
americana descobriu um esquema de corrupção). Portanto, a América Latina na década de
2000 tornou-se, com as novas experiências neodesenvolvimentistas e pós-neoliberais área
problemática para os interesses norte-americano, principalmente quando começou a articular-
se os BRICS em 2011. O projeto “Aliança do Pacífico” visou confrontar o projeto do Cone Sul
ou Mercosul, articulado pelo Brasil e Argentina. A articulação dos BRICs visou criar novos fatos
de ofensiva contra o poder do dólar. Por isso, após a crise financeira de 2008/2009,
Washington aproveitou a inquietação social devido a crise mundial para reconstituir seu bloco
hegemônico, tanto na América latina, Norte da África, Oriente Médio e Ásia Menor. A criação
da “Aliança do Pacífico” em 2012 visava integrar comercialmente América do Sul e Sudeste
Asiático à América do Norte, disputando a influência comercial e política da China no Sudeste
Asiático. A disputa pelo Pacifico é a disputa estratégica do século XXI.
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e os serviços, mas também a administração pública, tendo impactos nefastos e candentes na
saúde dos trabalhadores.
Foi a radicalidade do novo metabolismo social do capital na era do capitalismo neoliberal que
fez Dardot e Laval afirmar no livro A nova razão do mundo (Boitempo, 2016) sobre os limites
do marxismo. Disseram eles:
“[…] não podemos nos contentar com as lições de Karl Marx, nem de Rosa Luxemburgo, para
desvelar o segredo dessa estranha faculdade do neoliberalismo de se estender por toda a parte,
apesar de suas crises e das revoltas que suscita em todo o mundo. Por razões teóricas básicas,
a interpretação marxista, por mais atual que seja, revela-se de uma insuficiência gritante nesse
caso. O neoliberalismo emprega técnicas de poder inéditas sobre as condutas e as
subjetividades. Ele não pode ser reduzido à expansão espontânea da esfera mercantil e do
campo de acumulação do capital” [o grifo é nosso].
Dardot e Laval se referem a um certo marxismo politicista e economicista que vigorou n século
XX, e que hoje, torna-se incapaz de apreender as dimensões profundas da dominação
sociometabólica do capital. Ao invés dos limites do marxismo, temos no século XXI a
necessidade de desenvolver as profundas intuições teóricas do marxismo ontológico
representado no pensamento radical do último Lukács e István Mészáros com um fecundo
diálogo com a psicanálise e a psicologia histórico-critica.
Depois do crack financeiro nos EUA em 2008/2009, o capitalismo neoliberal entrou numa
profunda crise que persistiu e persiste no decorrer da década de 2010. A recessão nas
economias da União Europeia e do Japão, além do baixo crescimento do PIB norte-americano,
demonstraram a inversão da conjuntura da economia global. Logo os países capitalistas
emergentes seriam atingidos pela profunda desaceleração da economia mundial. Países
capitalistas como Brasil, Argentina e Venezuela, por exemplo, tiveram na década de 2000, um
ciclo de expansão ou choque de capitalismo vinculados ao crescimento da economia chinesa
e ao boom do preço das commodities. Foram os anos dourados do neodesenvolvimentismo e
constituição do movimento de articulação de países capitalistas não-alinhados com o Império
Neoliberal (os BRICs).
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nova estratégia de derrubada de governos neodesenvolvimentistas ou pós-neoliberais não-
alinhados com Washington. Apostou-se numa estratégia de desestabilização contínua nos
marcos da institucionalidade democrática e com apoio dos Tribunais Constitucionais. A
experiência do “golpe branco” ocorrido no Paraguai em 2012 serviu de laboratórios políticos
para se derrubar governos mantendo-se a aparência de legalidade democrática. Essa estratégia
de subversão hegemônica (o “golpe branco”) seria utilizado no Brasil em 2016. No caso da
Argentina não foi preciso a estratégia do “golpe branco”, pois o desgaste do kircherismo e a
fragmentação das forças progressistas e de esquerda, propiciaram, em 2015, a vitória eleitoral
da Direita. Entretanto, no caso do Brasil, a estratégia da derrubada do governo petista fracassou
pelo voto em 2014. Por isso, de imediato, optou-se pela estratégia do “golpe branco”,
utilizando-se para isso, de um mecanismo complexo de desestabilização contínua explorando-
se o cenário de crise da economia, inflação e noticiário constante de acusação de corrupção
do PT e do governo. Desde 2013, a inquietação social das camadas médias demonstradas nas
jornadas de junho – similar às ocorridas no Norte da África e Ucrânia – tornaram-se caldo de
manipulação dos agentes ideológicos da direita organizada. A insatisfação social possuiu um
lastro verdadeiro – indicava os limites do neodesenvolvimentismo que conseguiu atender as
demandas dos pobres mas não conseguiu atender as demandas das camadas médias
assalariadas (transporte público, saúde e educação pública de qualidade, etc). Entretanto, a
direita organizada aproveitou-se da matéria social manipulada para dar inicio a uma nova
escalada da ofensiva reacionária no Brasil. Primeiro, apostou-se no desgaste do governo Dilma
para as eleições de 2014. Antes das eleições, as jornadas de julho de 2013 foram manipuladas
midiaticamente pela pauta da Direita, dando um componente massivo à desestabilização do
governo Dilma, predominantemente das camadas médias organizadas em movimentos sociais
de direita financiados pelo partido da oposição com ampla cobertura da mídia hegemônica.
Entretanto, como dizemos, a inesperada derrota da direita nas eleições presidenciais de 2014
demonstrou que se precisava utilizar nova estratégia de derrubada do governo
neodesenvolvimentista. Como não conseguiram derrota-la pelo voto popular, colocou-se a
necessidade de derruba-la pelo “golpe branco”. Era preciso articular a operação Lava-Jato,
PGR, PF, Congresso Nacional adicionando-se a isso, a forças de ofensiva da direita
acantonadas no STF e Mídia hegemônica. Na verdade, do Mensalão à Operação Lava-Jato
incrementou-se o poder de fogo da direita neoliberal.
É claro que 2014, o ano da Copa do Mundo, seria o ano da virada reacionária no Brasil. A
derrota para a Alemanha por 7×1 tornou-se a metáfora da tragédia farsesca no Brasil. Dilma
ganhou no voto popular. Entretanto, o mesmo voto popular que a elegeu com 54 milhões de
voto, elegeu uma das mais conservadoras bancadas parlamentares da história da República
brasileira. As forças de direita oligárquica, financiadas pelas forças ocultas da oligarquia
financeira-industrial, apostaram na construção do elo fundamental para o golpe branco: a
maioria política no Congresso Nacional, tendo como articular-mor um parlamento corrupto e
habilidoso – Eduardo Cunha, do PMDB. O controle do Congresso Nacional, o deslocamento
politico do PMDB, implodindo a base governista, a Operação Lava-Jato, compuseram a cena
para o andamento do impeachment sem fundamento jurídico – a conivência do Judiciário
neutralizou a contestação jurídica (o espírito historicamente conservador da Corte
Constitucional, o ethos de “classe média” e os interesses econômico da corporação
sedimentaram o apoio à estratégia do golpe branco).
Portanto, seja pelo voto (Argentina) ou pelo golpe branco (Paraguai, Honduras e Brasil), tivemos
na década de 2010 a derrubada de experiências pós-neoliberais como recuperação de posições
perdidas no xadrez geopolítico no começo da década de 2000. Como vimos, presenciamos
um movimento geopolítico que se compõe com o cenário de reordenação geopolítica do
Império neoliberal pós-crise financeira de 2008/2009. O que está em jogo é a preservação do
poder do Dólar. A América Latina é área estratégica dos EUA. Num cenário de fragilizado do
poder do Dólar, construir os BRICs e adotar políticas anti-americanas constituiu uma flagrante
ousadia para os governos neodesenvolvimentistas e governos pós-neoliberais. Além disso, o
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enfrentamento com a nova geopolítica imperial na virada para a década de 2010 deu-se com
uma base hegemônica social frágil dos governos progressistas não-alinhados à Washington,
principalmente no caso do Brasil. A ilusão da concertação social do lulismo impediu o núcleo
tático da política petista de ver o que ocorria no mundo global após 2008/2009: no plano
externo, a disputa geopolítica pelo modo de desenvolvimento do capitalismo global e, no plano
interno, o acirramento das contradições não-antagônicas entre frações burguesas em disputa
pelo fundo público.
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interno, a disputa crucial no capitalismo brasileiro é a luta pelo orçamento público e, ao
mesmo tempo, o aprofundamento do Estado neoliberal no Brasil que nos últimos 15 anos de
governos neodesenvolvimentistas permaneceu intacto.
A disputa pelo fundo público tornou-se crucial tendo em vista a crise do capitalismo neoliberal
desde 2008/2009. No Brasil, temos uma ruptura histórica similar não a 1964, mas a 1930.
Assistimos a um novo ciclo político que rompe com aquele criado pela Constituição-Cidadã
de 1988, síntese do acumulação de lutas sociais na década de 1980, que se exauriu; e da
transição negociada à democracia (com os Militares), que precisava ser enquadrada nos termos
oligárquicos. Permanecemos no interior da persistência da ordem simbólica da ditadura civil-
militar instaurado em 1964 que elevou num patamar superior o caráter oligárquico do Estado
brasileiro ao mesmo tempo que o modernizou. Tal como o PT, a parte social da Constituição
de 1988 foi uma pedra no caminho da transição conservadora para um capitalismo oligárquico.
Mesmo com a degradação política do PT, a modernização conservadora do lulismo possuía
um sinal exótico: o combate à desigualdade social e programas sociais que exigiam mais da
capacidade fiscal do Estado. Com a crise de 2008/2009, o esgotamento da capacidade fiscal
do Estado brasileiro devido à queda do crescimento do PIB no contexto de crise do capitalismo
neoliberal na década de 2010, as renúncias fiscais e a estrutura tributário enrijecida pelos
interesses oligárquicas, a hegemonia rentista e o garrote da dívida pública, elevaram as
contradições de reprodução oligárquico no seio do Estado neoliberal a um patamar superior.
No Brasil, tal como na União Europeia, o modelo social apregoado pela socialdemocracia
como exemplo da concertação social entre capital e trabalho, tornou-se politicamente inviável
tendo em vista a explicitação da crise do neoliberalismo e a dominância orçamentária pelo
interesses do capital financeiro.
Num país como o Brasil, um dos pais capitalistas mais desiguais e socialmente injustos do
mundo, a adoção do receituários neoliberal hegemônico na União Europeia, contestado por
economistas do FMI como indutor de desigualdades sociais, não é apenas um ato supremo de
dominância da classe burguesa senhorial brasileira de cariz colonial-escravista hoje
predominantemente rentista-parasitária, mas um crime de lesa humanidade contra o mundo
do trabalho e a população pobre do País. Mantendo-se as regras do jogo democrático, a
dominância rentista não deve se sustentar politicamente. Por isso, o que se pode vislumbrar na
ultima metade da década de 2010, após o golpe branco de 2016, é uma nova operação
ideológica – tão complexa quanto o golpe branco – para que o Estado democrático de direito
no Brasil seja substituído por um Estado de exceção seletivo e perpétuo, capaz de manter na
aparência os ritos democráticos e adotar procedimentos de exceção contra a insurgência social.
A blindagem do Estado brasileiro contra governos de esquerda – a “mexicanizacao” do Brasil
– deve contar com a reforma do sistema político e a manutenção do Poder Judiciário
oligárquico, ao mesmo tempo que se reforça o controle policial-militar da insurgência social e
os aparelhos de manipulação midiática. A missão histórica é extinguir politicamente o PT como
trincheira das lutas populares (o que o próprio PT já fez por si próprio); e abolir a parte social
da Constituição de 1988. Deste modo renasceu no Brasil, a velha ditadura civil-militar sob
nova roupagem do Estado democrático de exceção seletiva no alvorecer do século XXI.
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A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal, por Christian Laval e Pierre
Dardot
Brasil delivery: servidão financeira e estado de emergência econômico, por Leda Paulani
A crise do neoliberalismo, por Dominique Lévy e Gérard Duménil
A crise estrutural do capital, por István Mészáros
O império do capital, de Ellen Wood
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