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CAPITULO O objeto da comunicagao ea comunicagao nas O estudo da comunicagao inicia com uma retlexao sobre seu proprio abjeto: o que 6 afinal, comunicagao? A comunicagao tem uma existéncia real, ¢ um fato concreto de nosso cotidiano, Ela nao apenas compreende as multiplas agoes através das quais criamos relagdes, desenvolvemos atividades e vivemos 0 nosso dia a dia - nds damos bom-dia, fazemos cara feia para alguém, lemos as placas de transito, perguntamos o pre¢o do pao -, mas significa também uma dimenséo institucionalizada, tecnicizada ealtamente profissional que permeia igualmente a vida cotidiana e faz parte de nossos mecanismos de sobrevivéncia. O jornal diario, a televisdo, 0 radio, a internet se incorporaram natural- mente em nossas casas e nossas vidas, assim como 0 outdoor ja faz parte do cendrio da cidade e as imagens de filmes fazem parte de nossas memérias. Essa comunicagao - dimensao sensivel, concreta, mate- rial da realidade social - suscita dois tipos de conhecimento. O primeiro deles poderiamos chamar de conhecimento pratico ou operacional. A comunicagao é do dominio do fazer: € agao humana, intervencao especializada dos individuos no mun- do. Enquanto fazer, supde e aciona um saber-fazer: 0 trabalho com a comunicagao supde 0 dominio de técnicas e operacdes; 19 Covecao BiBLiOTECA UnavensirAsua ‘a familiaridade com suas linguagens, 0 desenvolvimento de certas atitudes, como a criatividade, 0 senso critico, a Capacidade de organizagao e de sintese. / Podemos, no entanto, também falar de um outro conhe cimento, igualmente necessdrio, que vai além do conhecimenty operacional, que complementa 0 taber-faren & Constitul um saber sobre o fazer, sobre os “fazeres” € sobre 05 “feitos”. Trata-se de um conhecimento mais global, que vem indagar sobre o alcan ce eo significado das préprias priticas comunicativas, sobre a intervengao ea criagao dos individuos no terreno das imagens ¢ dos sentidos, sobre a produgao das representagoes ¢ dos mundos imaginais. Existindo enquanto fentimene particular, pratica social que veio reconfigurar 0 perfil e a dinamica da sociedade contemporanea, a comunicagéo moderna vem sendo objeto de uma reflexio académica que busca compreender, explicar e por vezes dominar o fendmeno comunicativo. O resultado desse trabalho de reflexao sobre a comunicagio — 0 somatorio de estudos e pesquisas bastante diversificados, de um processo de conhecimento nem sempre cumulativo, mas cada vez mais abrangente e volumoso ~ é 0 que chamamos Teoria ou Teorias da Comunicagao. H4 controvérsias quanto a nomeé-la como uma “nova ciéncia’”, tanto pelo carater ainda pouco sistema- tizado desses resultados como em razdo de mudangas no proprio Panorama cientifico contemporaneo, marcado pelo transitoe pela diluigao de fronteiras mesmo entre as ciéncias j4 consolidadas. Tem se mostrado mais conveniente nomea-los “campo de co- nhecimento”, para indicar a natureza recente dos estudos sobre a comunicagao, marcados por dificuldades ¢ limitagdes. Uniticado fragilmente em torno de seu objeto - um objeto complexo, como discutiremos a seguir - e padecendo dos problemas de uma area em formagao, 0 campo da Comunicagao se debate ainda com a questao de sua identidade e sua legitimagao - mas se apresenta como um terreno proficuo e instigador, ao colocar como desafio a constru¢4o de um outro (e novo) olhar sobre a vida social. Tanto quanto o saber operacional, também este conheci- mento orienta ¢ instrumenta a intervengao do profissional da area; 20 Curso aAsico oF Teomias Dx CoMUNICAGAD ele constitui uma ferramenta tedrica para compreender 0 alcance ea natureza de sua pratica, pereeber os fic entrelaca-la a tantas outras dimensées da vida humana ¢ social. invisivels que vio O objeto ¢ 0 conhecimento Iniciando nossa discu: 0, é importante refleti¢ sobre o préprio processo de conhecimento. Conhecer ¢ alividade es pecificamente humana, Ultrapassa o mero “dar-se conta de” significa a apreensao, a interpretagao, Conhecer supée a) a pre- senga de sujeitos, b) um objeto ou um problema que suscita sua atengao compreensiva, c) 0 uso de instrumentos de apreensa d) um trabalho de debrugar-se sobre. Como fruto desse traba tho, cria-se uma representacao do conhecido, que ja nado é mais © objeto inicial, mas uma constru » do sujcito ¢ o resultado da relacao que se estabelece entre este sujeito ¢ 0 objcto.' O co- nhecimento produz, assim, modelos de apreensao, que, por sua vez, vao instruir conhecimentos futuros - de tal maneira que é possivel perceber, no ato de conhecimento, a tensao entre objeto empirico (0 objeto que se da a ver, se mostra de determinada maneira) e modelo de apreensao (as referéncias do sujeito que constroem uma forma de leitura). Trata-se do cruz duas dindmicas opostas, que poderiamos representar através de amento de duas atitudes basicas: a abertura para o mundo; a organizagao ou o enquadramento do mundo. Conhecer significa voltar-se para a realidade e¢ “deixar falar” 0 nosso objeto; mas conhecer significa também apreender 0 mundo através de esquemas ja conheci dos, identificar no novo a permanéncia de algo ja existente ou reconhecivel. O predominio de uma ou outra dessas tendéncias tem efeitos negativos, portanto, ¢ através de scu equilibrio que se pode alcangar o conhecimento ao mesmo tempo atento ao novo ¢ enriquecido pelas experiéncias cognitivas anteriores. ' Pensemos, por exemplo, no sol ou a lua, que foram Lratados ¢ apreendidos de forma distinta em outras épacas, constituindo assim “objetos” di acordo com o conhecimento disponivel ¢ a representayao construida entes de 2! CorecAd BiBLioreca UNIVERSINARIA Naturalmente, nao existe uma uinica forma © UM 56 Cc Jatur . minho para o conhecimento. Nos ¢ ssa experiéncia: como resultado de nossa wow Ao no mundo conduz a compreensao que temos dele, 0 NO onhecemos, antes de tudo, nosso estar no mundo, nossa a . ; Eo chamado conhecimento pratico ou empirico, Conhecemos também através de varios processos mediadores, ais Como o n s de varios acesso a informago« ; ou espirituais.’ Viajantes que chegam € nos talam de outros riam representagdes — € nos tazem es, a fruigdo artistica, experiéncias misticas mundos, obras de arte qu olhar de forma diferente para a vida ~ sto mediagoes que nos ibilitam o conhecimento, estimulam e pos as varias formas, nds conhecemos ainda através de Entre es: um trabalho sistematico de pesquisa e¢ estudo, com a utilizayio de métodos especificos, A essa ultima forma de conhecimento, chamamos conhecimento cientifico. No caso da pratica comunicativa, componente bisico da vida social, experiéncia permanente do sujeito, o conhecimento da comunica do comega nos primeiros di. s de vida. Apreende Mos as formas comunicativas de nossa cultura, aprendemos a Nos comunicar, reconhecemos os modelos comunicatives com Os quais nos defrontamos. A exposigio eo uso permanente dos meios de comunicagao fazem deles pratic: $¢ objetos familiares, amplamente conhecidos pelos membros da sociedade. Falamos deles, de seus conteiidos, do desempenho dos personagens que os habitam; dominamos, em certa medida, seu funcionamento; diri- gimo-lhes criticas. Trata-se ai de um conhecimento vivo, intuitivo, espontaneo ~ e que apresenta uma grande riqueza em tungio de seu enraizamento no terreno da experiénciae © nosso viver cotidiano, com as indagagdes, problemas e des que povoam a vida do diaadia. Bo que Esse conhecimento, no entanto, e na medida mesmo de sua natureza assistematica e Operacional, de sua sintonia com jos chamamos senso comum. , apresenta limites que ——____ *O apostolo Paulo, no caminhe de Dan a " forma de revclastouelene a ©, vive uma experidncia misticae uma a conver sio: ele “conhece” Cristoe a mensagem eristd (Atos 9.3-9), Curso eAsico pe TeorIas DA COMUNICACAO o conhecimento cientifico procura ultrapassar, através da cria- ao e do uso de instrumentos adequados (métodos e técnicas de pesquisa, categorias analiticas) e de uma pratica cuidadosa e disciplinadora. Digamos que as formas intuitivas de apreensao, 0 senso comum, constroem o conhecimento possivel, imediato; o conhecimento necessario em face das situacées vividas, con- jugando aspectos de experiéncias anteriores e a criatividade ati- vada pelo novo. A ciéncia, menos imediata e procurando tomar certa distancia do vivido, estaria comprometida com a busca permanente do conhecimento objetivo, fidedigno, aprofundado e sistematico da realidade. Ao registrar a busca do conhecimento objetivo, nao pode- mos, entretanto, esquecer que a ciéncia é um fendmeno social € histérico, sujeito a condicionamentos e influéncias, passivel de parcialidade e de erros. Lembremos que a ideologia - sistemas constituidos de ideias que refletem uma dada situagao social e atuam para a sua preservacao - 6 também uma forma de conhe- cimento. E a ciéncia com frequéncia é atravessada por formas ideoldgicas, isto é, pelo viés dos interesses, da preservagao ou da conquista de posicdes de poder. Os campos de conhecimento nao $40 imunes uns aos outros; a ciéncia, por vezes, nao ultrapassa 0 senso comum; outras vezes, peca pelo inverso e se afasta em demasia do conhecimento vivo e intuitivo do diaa dia, cortando seus lagos com a realidade ¢ isolando-se num lugar enrijecido. Em resumo, a ciéncia nao é infalivel nem pode ostentar uma arrogante superioridade com relacao a outras formas de conhecimento. Mas, na medida em que se atém a seus objetivos € mantém uma permanente autocritica de seus métodos e de seus resultados, expondo-se permanentemente ao crivo de sua validade, constitui, sem duvida, um caminho essencial para uma maior compreensao da realidade - ponto de partida e de retorno de toda reflexao. Essa vinculacao com arealidade nao é e nao pode ser uma re- térica vazia na discussao sobre o conhecimento. Vinculada as ou- tras formas de conhecimento, aciéncia pretende alcancar um maior tefinamento, um maior alcance, Cada forma de conhecimento 23 Corecao Baioreca UNve atende a certo tipo de objetivo: sobreviver, Viver bem. sentir prazer, melhorar nossa posigae, num processe em que o co. jo ou decorrente. Ae nhecimento ¢ apenas fator subsidiar ener, comprometida também com a melhor qualidade da vida no mundo, tem come objetive primeiro oO propre sonhecimento: ela existe para criar conhecimento. O que nao significa, ¢ bom ecimento como um valorem si, ou para si, realgar, tomar o conhe isolamento e autoalimentayao. O conheci num proceso de nento desenvolvido pela ciéneia ¢ estimulado pela realidade e volta para ela — mas & condigdo tanto de estabelecer proximidade quanto de saber guardar afastamento. Dito de outra maneira, poderiamos indicar um duplo movimento na relagdo entre a ciéncia € a pratica, isto e, entre a ciéncia ¢ o campo do fazer, a realidade sensivel. O primeira lagdo movimento. seu ato fundador, ¢ justamente a estreita vine com o mundo. Uma teoria sem pratica & pura abstragao. So a pratica é fundadora ~ ¢ ela que problematiza, instiga, coloca questdes. 0 ser humano teoriza nao apenas porque pensa, mas porque sente, age, se relaciona. Mas a aco no mundo separada da teoria é aca 0 animaliza: dae nao humana. Segundo movimento é 0 de autonomia. Nio cabe a teoria reproduzir ou descrever 0 mundo, mas produzir reflexes sobre o mundo. Conhecer nao ¢ apenas reconhecer a pratica, mas antecipa-la, revesti-la de sentidos, projeta-la, isto é, abrir o ato para seu significado cultural. Ecomesse movimento que o conhecimento comesa ¢ ter- mina na pratica; afasta-se e retorna ao que negou, atirmando-o dentro de uma nova forma de existéncia e signiticagio. E na comunicagao, como se da esse movimento? Se os individuos sempre se comunicaram - e comunicar-se constitui uma acdo natural, naturalizada, inerente 4 vida social -, toi exatamente a complexificagao das priticas comunicativa: desenvolvimento das técnicas, a invenydo de novas formas ¢ 0 alcance cada vez maior dos novos meios que veio suscitar a retle X40, colocar novas Perguntas e fomentar a demanda de conhecer melhor a comunicagao. O desenvolvimento da pratica ativa a wu | . ° Curso easico oF Teomes 04 Comumcacio necessidade de conhecimento e estimula a pesquisa; os estudas empreendidos retornam sob a forma de saberes que incidem e Feorientam as praticas, estabelecendo-se entre a reflexio ¢ as praticas uma circularidade, F essa dinamica q explica a eclo sao dos estudos e 0 surgimento das novas teorias no momento mesmo em que novos meios de comunicagao de massa — aim prensa de grande tiragem, a radio, a TV ingressam e mudam definitivamente o cenario do século XX O objeto da comunicagao Podemos dizer, de forma sucinta, que a Teoria da Co municagao compreende © somatério e o resultado das muitas tentativas de conhecer a comunicagao. Mas a comu: icagio éo qué, finalmente? Uma ciéncia ou campo de conhecimento se define, antes de tudo, pelo recorte e especificidade de seu objeto. A sociologia se debruca sobre 0 conhecimento da sociedade; a Psicologia se volta para o psiquismo e o comportamento indi- vidual; 0 objeto da comunicacao, qual & A resposta mais imediata a essa questao aponta para um objeto empirico’ de bastante evidéncia e aparente objetividade, que sio os meivs de comunicagao. Essa resposta simples, no entanto, traz algumas dificuldades. A primeira delas éa propria Profusao ea diversidacie em que o objeto se desdobra. O universo dos meios de comunicacio abrange praticas que vao do jornal diario as telenovelas; das campanhas publicitarias aos progra mas de auditorio. Qual 0 tray unificador entre essas diferentes formas que permite agrupé-las sob a mesma rubrica? O que é que as torna “praticas comunicativas”? Seria o uso de meios tec- noldgicos? Esse pode ser, sem duvida, um denominador comu m, mas nao resolve totalmente o problema quando perguntamos, a + "Os objetos empiricas se referem ao dominio da ex,eriencia, a ordem da reali dade sensivel, sdo 0s objetos, priticas, acontecimens que tem uma existéncia concreta no mundo, que apreendemos através e nossos sentidos, que fazem Parte de nossa vivencia. % ¥ 25 Corecao Bintiorecs UNWERSITARIA studado (conhecido). Tomemos como a TV, e recortemos um deter. studa-la enquanto pratica de questdo, recortar partir dai, o que deve sere: exemplo um meio especifico, como minado penero, como a telenovela. tipo comunicativa implica formular que Up " astecnicas do meio? A linguagem quais aspectos: as caracterisuc od vena A audiéncia da iva? Os valores que estruturan a trama telev: io fi ade? A dimensao financeira novela, seus retlexes na/da socied vane) estimentos, o esquema publicitario, de que ela se reveste, os MVE i Alem da profusao de questoes sting? © planejamento de marketing possiveis, deve-se registrar tambem que os meios de comunica- ambeém, enquanto empiri: go, em grande medida, se tornam t Ninn objeto estudado tambem por outras disciplinas, como a sociologia, a Linguistica, a psicologia, a econom sa. Assim, o que ana este - meios ecnologivos de comunicagao ~ 0 objeto que define o campo de estudo da comunicagao? Tal recorte traz ainda outro problema quando exclui ou eparagiio entre as praticas comunicativas midia- estabelece uma ticas, realizadas através dos meios, e outras, baseadas no contato interpessoal, diteto que sao igualmente comunicagao e se rea- lizam de forma por vezes bastante imbricada e complementar as primeiras, Das conversas pessoas ao uso de simbolos, emblemas ¢ ornamentagdes do corpo, que dizem de nossa identidade e ando pelas praticas agdes que pertencimento a grupos especificos, pas grupats, concentragdes e passeatas, inimeras identificamos como comunicativas. Em sintese, a resposta nao é tio simples assim. Identificar a midia como objeto de estudo da comunica z alguns embaracos (nao traduz claramente a natureza dos estudos, ex- clui outras priticas), porque esta resposta esté assentada num caminho errado: os objetos de conhecimento nao correspondem exalamente as coisas do mundo, mas significam antes formas de identitica-las, de falar delas, de conhecé-las. Um objeto de estudo tem uma natureza de representacao, é uma “construgao conceitual” que nos permite apreender de uma determinada Maneira e nao de outr: ‘0s objetos empiricos que nos cercam, OS Aspectos concretos, tangiveis de nossa realidade. 26 EORIAS OA COMUNICACAD, Por esse caminho, entendemos que 0 objeto de estudo da comunicacdo e exatamente a comunicagao: uma concep¢ao, uma forma de ver, perceber e enquadrar uma acao qualquer entocando e resgatando sua dimensao comunicacional. Trata-se de um modelo atraves do qual podemos ler um dado fenomeno, por exemplo, um Programa televisivo, um comicio, uma conversa, enquanto pratica comunicativa, troca simbolica que envolve varios elementos. A analogia com outros campos cientificos pode tornar mais clara essa questao. Tomemos o caso da economia, por exemplo. Nao tem sentido dizer que 0 abjeto de estudo da economia sao as fabricas, os bancos ou a bolsa de valores. A economia estuda as praticas econdmicas, os modos de produgao - dentro dos quais as fabricas, os bancos, os individuos que executam tarefas sao vistos de determinada forma, desempenhando certo papel. Pensemos na sociologia, que é 0 estudo da sociedade: “socieda- de” é um conceito, uma abstragao. Somente municiados com ele podemos olhar para um coletivo de individuos e dizer que se trata de uma sociedade; podemos olhar para determinadas praticas e entendé-las enquanto instituigdes cumprindo uma funcao ordenadora na convivéncia de uma populacao. Uma disciplina cientifica, uma ciéncia especifica, se ca- racteriza pelo recorte proprio que consegue estabelecer na to- talidade da vida social. A realidade é e se apresenta para nds enquanto totalidade, inteireza; é o trabalho de conhecimento que seleciona, separa e reagrupa os diferentes aspectos desse todo. As varias disciplinas compreendem olhares proprios, recortes de conhecimento. A Comunica¢ao, enquanto campo de estudo, apresenta-se como proposta de um novo caminho para conhecer € tratar os fendmenos sociais. Neste sentido, e em principio, a analise comunicativa, isto é, o viés analitico comunicacional, pode se debrugar sobre multiplos objetos: a comunicagio amo- rosa entre duas pessoas, as praticas comunicativas de uma tribo urbana, a Rede Globo, um forum na internet. O que distingue a especificidade de um estudo sobre qualquer um desses te- mas nao ¢ 0 objeto em si, sua empiria, mas a maneira como vai ser tomado e analisado. Os meios de comunicagéo podem ser 27 Cote¢do BIsLIOTECA UNIVERSITARIA analisados sob um viés psicologico, cultural, econémico... oy comunicativo. O que significa dizer, neste ultimo caso eaquanto Processo comunicativo, processo de produgado € circu lacao de sentido entre duas ou mais pessoas; atividade de troca simbolicg rial discursivo em certo contexto, através da produgao de mate! an 9 comunicativo compreende varios elementos: O proces ‘ a correferenciada de um ¢ do outro) nterlocutores (a presen¢ . «rsiva): . uma materialidade simbélica (a produgao discursiva)sa situagao 1a inserg¢do NuMA estrutura discursiva (0 contexto imediatos A relagao que se estabelece entre socio-historica particular). . esses elementos & movel ¢ diversificada. O objetivo da analise -omunicativa é justamente captar o desenho dessas relacdes; o posicionamento dos sujeitos interlocutores; a criagao das formas simbolicas; a dinimica de produgio de sentidos. © que, sem duvida, ¢ contribuigio impar para o conhecimento de nossa realidade contemporanea - Isto dito, ai, sim, podemos retornar e enfatizar os meios de comunicagao, a comunicagao midiatica, enquanto empiria privilegiada dos estudos de comunicagaio. Guardada a distincao entre objeto de conhecimento e objeto empiric, podemos final- mente dizer que o objeto empirico das Teorias da Comunicacio é a comunicacao humana de uma maneira geral, ea comunicacdo midiatica de forma particular. mo extensdo da matriz inter- pessoal de comunicagao, ¢ ganhando uma identidade propria, & a comunicagao publica, institucionalizada, produzida e veiculada através de meios tecnicos de difusao o fendmeno novo que, limiar do século XX, revolucionou a vida social ¢ Provocou a re- flexdo dos meios académicos. F essa nova realidade que estudiosos oriundos de diversas dreas cientificas tém procur no ‘ado identiticare conhecer; é ela que tem motivado a edificagdo de uma nova area de conhecimento e teorias que chamamos “da Comunicagao”. O surgimento e as dificuldades da teoria Resumindo nosso Percurso, podemwos dizer que em torno ‘Omunicacdo, e com o objetivo de comhece-la ¢ administra la. 28 ‘Curso BASICO DE TEORIAS 0A CoMUNICAGAO sao desenvolvidos inumeros estudos e novas teorias. Uma teoria é um sistema de enunciados, um corpo organizado de ideias sobre a realidade ou sobre certo aspecto da realidade, Etimologicamente, “teoria” significa contemplacao, exame, abstracao intelectual;* é o resultado do duplo movimento apontado anteriormente, de vinculagao com a realidade e autonomia da reflexao. Nao é apenas 0 conhecimento cientifico que produz teorias; conforme também ja realcado, nossa convivéncia e nosso desem- penho no terreno da comunicacao promovem um grande esto- que de conhecimentos sobre ela, mais ou menos sistematizados, Mas ao lado desse conhecimento espontaneo, no entanto, um outro esfor¢o compreensivo vem sendo desenvolvido no campo da ciéncia, através do desenvolvimento de intumeros estudos sobre os meios de comunicacao e a realidade comunicativa, A teoria ou as teorias da comunicagao sao 0 resultado e a siste- matiza¢ao dessas muitas e distintas iniciativas, com pretensao cientifica, de conhecer a comunicacio. A trajetoria desses esforcos nao tem sido isenta de obs- taculos; esse campo de estudo vem sendo atravessado desde o inicio por uma série de tensdes, contradi¢ses e dificuldades, decorrentes da natureza de seu objeto, da relagao por vezes con. flituosa que se estabelece entre 0 campo da teoria e o campo da pratica, ou de ordem Propriamente tedrica (na acomodagao dos diferentes tratamentos conceituais e na construgao de seus Préprios referenciais). a) A primeira dificuldade diz respeito a natureza de seu objeto, a extensdo e diversidade da dimensio empirica recober- ta pela comunicacao, a extrema variedade dos fatos e praticas que constituem seu objeto. Ela agrega as inumeras atividades Profissionais; 0 jornalismo, a publicidade, as rela¢des publicas; inclui atividades sociais de naturezas distintas (como as con- Versas do dia a dia, os jogos e distracées); se realiza através de diferentes veiculos, como o meio impresso, a televisdo, a internet; ee eee Do prego thedrein, observar; do latim thedria, especulacio. 29 CoLecAd BrBLloTECA UNIVERSITARA desenvolve multiplas linguagens (a linguagem televisiva, cine. matogrifica, videografica, cotidiana). Ou seja, as expressdes, empiricas da comunivacgdo assumem ¢€ congregam dindmicas e configuragdes tao particulares que parece quase impossivel pensar na construyao e na utilizagao de esquemas conceituais capazes de abarcar e dar conta de tal diversidade. Aessa natureza multifacetada do objeto empirico soma-se asua mobilidade: a constante mutagao das praticas comunica- tivas, verdadeiras revolugdes tecnoldgicas a que temos assistido particularmente nos ultimos anos, dio-se num ritmo que a reflexdo académica nao consegue acompanhar, em fungao de sua natureza € seu tempo proprio. Sado distintos o tempo da teflexao e o tempo da pratica; mais ainda essa distingao se faz sentir num campo onde a pratica se renova a cada dia, 0 que dificulta o acompanhamento mais proximo e torna rapidamente ultrapassados muitos esfor¢os investigativos. b) Um segundo campo de dificuldades diz respeito a rela- ¢4o teoria/pratica, ao protagonismo da pratica com relagao ao desenvolvimento académico da tematica, ou a uma “dindmica invertida” que teria ocorrido no campo de estudo da comunica- ¢ao. Reportando-se, por exemplo, a origem das ciéncias sociais, é interessante lembrar que o surgimento dessas ciéncias se deu como resultado de uma intervengao e de um trabalho de recorte de uma totalidade - a realidade social que é, em principio, una, indivisa -, dando origem as diferentes disciplinas. O trabalho de conhecimento, 0 esfor¢o tedrico, de certa forma precedeu e cons- truiu objetos de conhecimento distintos, recortando a “inteireza” da realidade humano-social.* No caso da comunicagao, foram o desenvolvimento das praticas e a invencao dos novos meios de comunica¢4o que motivaram os estudos e suscitaram a re- flexao. Praticas de comunicacao diferentes, revolucionarias, de- ram origem a novos esfor¢os de compreensao. O préprio espago académico foi inaugurado ou estimulado por um investimento * Por exemplo: antes de Freud, o inconsciente “nao existia”: foi a Psicandlise que Fecortou, deu existencia e possibilitou estudar essa dimensao do psiquismo humane 30 Curso ehsico € TEoRAS OA Communica Ao com objetivos instrumentais: cursos profissionalizantes na area de comunicagao, pesquisas encomendadas para dar resposta a problemas operacionais (como melhorar a eficdcia da venda de um determinado produto) antecederama cria¢4o das teorias, que vieram quase a reboque, complementando a formacao técnicae abrindo-a para sua dimensao humanista e social. Esse primado da pratica trouxe alguns inconvenientes ou distorcdes. Uma delas é a natureza da demanda. Enquanto ati- vidade essencialmente envolvida com o proceso produtivo da sociedade, a comunicacao est sempre as voltas com a qualidade de seu desempenho, configurando uma necessidade operacional € a consequente orienta¢ao instrumental de muitas Pesquisas empreendidas. Com frequéncia, o estudo da comunicacao se desenvolve voltado para a obtengao de determinados resultados, guiado por finalidades especificas; isso nao é ruim em si, mas certamente compromete o distanciamento critico necess4rio ao conhecimento. Cumpre ainda lembrar a dimensao de poder que permeia as praticas comunicativas, a fun¢io que elas desempenham no seio das relacdes politicas, econdmicas e¢ sociais. O que signi- fica dizer: 0 conhecimento da comunica¢ao nao esta isento do Tevestimento ideolégico e de condicionamentos de toda ordem. A critica a proximidade e identificacao exageradas com a Pratica, por outro lado, por vezes, produziu o excesso inverso, que é o descolamento. O isolamento da abstracao intelectual e a adogao de esquemas teéricos fechados produziram, em certos casos, nao apenas o distanciamento, mas mesmo 0 desprezo pela empiria. Ora, uma teoria que se coloca fora do horizonte da Pratica que a fundamenta se converte em pura abstracdo. A oni- poténcia de uma teoria que abandona a referéncia das questées concretas, das demandas especfficas da realidade comunicativa que a cerca acarreta também a perda do seu papel explicativo -e da sua razao de ser. ¢) Um terceiro aspecto se refere 4 heterogeneidade dos aportes tedricos acionados para a sua compreensao. Fendmeno empirico com tantas facetas, a comunicagao suscita multiplos a Cotecko Brsuoreca UMIVERSITARIA olhares;éum objeto complexo que apresenta recortes passiveis de serem investigados por varias disciplinas. De tal maneira que aquilo que chamamos “Teoria da Comunica¢40”, principalmente em seus primdrdios, apresenta-se como um corpo heterogéneo, descontinuo ¢ mesmo incipiente de proposicoes € enunciados sobre a comunicacao, fruto de investigacoes oriundas das mais diversas filiacées (Sociologia, Antropologia, Psicologia, entre outras, cada uma refletindo o olhar especifico € 0 instrumental metodoldgico de sua disciplina de origem). Essa heranga hete- réclita tanto enriquece os olhares quanto dificulta a integracao tedrica e metodolégica do campo. Infelizmente, e como agravante nesse quadro ja complicado pela diversidade, manifesta-se ainda nos estudos sobre a comu- nicacao uma forte tendéncia aos modismos: quadros conceitu- ais, tematicas e vertentes explicativas se sucedem ao longo dos anos, sem alcancar o necessario aprofundamento e matura¢ao. Apesar de sua pretensao cientifica, é necessdrio ressaltar a na- tureza intuitiva e as vezes apressada de muitas investigacées, improvisando métodos, incorporando conceitos nem sempre pertinentes ou ainda nao submetidos a necessdria adequagao. Enfim, o espaco académico da Comunicacao apresenta-se permeado por diferentes tens6es, presentes na diferencia¢ao, na pluralidade e no movimento de seus objetos; na rela¢ao entre teoria e pratica; na articulacao das teorias. O corpo das teorias da comunicac4o apresenta-se como um quadro fragmentado, tanto no que diz respeito 4 heterogeneidade dos aportes como a diversidade das praticas que abarca. E possivel, apesar disso, toma-lo enquanto um dominio cientifico especifico? O elenco de estudos que compéem o que chamamos “teoria” ou “teorias da comunicac’o” pode comegar a ser visto como uma ciéncia particular? Como ja dito, o sur- gimento de uma disciplina nao esta vinculado aos objetos do mundo, nao corresponde a uma divisio natural dos objetos da natureza, mas é resultado do estabelecimento de uma tradia0 de trabalho e da constituigao de seu proprio objeto € métodos de abordagem. 32 Curso Basico DE TEORIAS 0A COMUNICAGAO Nosso percurso veio indicando que os estudos da comuni- cagao nao alcancaram exatamente 0 estatuto de uma ciéncia es- tabelecida; o campo da Comunicacao ainda nao cons clareza seu objeto, nem sua metodologia. No entanto, também nao se pode negligenciar sua existéncia e simplesmente apontar estudos sobre a comunica¢ao espalhados em varios campos (na Sociologia, nas Ciéncias Politicas, na Psicologia). J4 podemos identificar a constitui¢ao e o agrupamento de um razodvel “es- toque” de estudos, um pequeno patriménio de conhecimento especifico sobre a comunicagao. Tais estudos trazem a marca de suas varias disciplinas de origem; a reflexdo sobre a comunicaca0 agrega a contribuic¢ao de varias disciplinas, atravessa fronteiras estabelecidas, promove migragées conceituais, colagens, jus- taposigdes. O resultado dessa composi¢4o nem sempre é bem ajustado, é verdade, mas suscita novos sentidos. £ na medida do avanco de um movimento de congrega¢ao de olhares diversos, com 0 objetivo de constituir um novo olhar, que podemos pen- sar o campo de estudos da Comunicago enquanto dominio ou espaco interdisciplinar - ou transdisciplinar. Alguns autores tém buscado distinguir os conceitos de “interdisciplinaridade” e “transdisciplinaridade”. A primeira refere-se a determinados temas ou objetos da realidade que sio apreendidos e tratados por diferentes ciéncias. Nao acontece ai um deslocamento ou uma alteracao no referencial tedrico das disciplinas; estas nao sao “afetadas” pelo objeto, mas é 0 objeto que “sofre” diferentes olhares. A transdisciplinaridade, por sua vez, compreenderia um movimento diferente: uma determinada questao ou problema suscita a contribuicao de diferentes disci- plinas, mas essas contribui¢ées sao deslocadas de seu campo de origem e se entrecruzam num outro lugar - em um novo lugar. Sao esses deslocamentos e entrecruzamentos, é esse “transpor- te” tedrico que ilumina e provoca uma outra configuragao da questio tratada; é esse tratamento hibrido, distinto, que constitui © novo objeto. Como entendemos, enfim, a situagao atual da Comu- Ricagdo? E mais do que hora de passarmos desse estagio das 33 Covecio BisuioTeca UNIVERSITARIA diferentes contribuicées, separadas em dominios E8PECiiog ~ a interdisciplinaridade -, e avangarmos para 7 talogo eg entrecruzamento dos aportes em um outro (novo) lugar. Este g © desafio das Teorias da Comunicagao, da comunicacao como campo de conhecimento: recortar um novo objeto que, sem prescindir do didlogo com as outras areas mais consolidadas, consiga, através de bricolagens, curtos-circuitos €construcdes, marcar um outro lugar de conhecimento. Panorama dos estudos da comunica¢ao Para o bem ou para o mal, vale sempre lembrar que a ci. éncia é social e ¢ histérica. E um produto dos seres humanos ¢ das condicées especificas por eles vividas; traz as marcas de suas necessidades, de suas vicissitudes, de seus limites e de seus investi- mentos. As dificuldades do campo tedrico da Comunicagio foram criadas e vividas historicamente, e traduzem a forma de insercao da ciéncia no mundo. Tragar, mesmo que de forma sucinta, um breve panorama das teorias, realgandoas condicées e os estimulos que motivaram seu surgimento, bem como 0 seu carater recente, pode nos ajudar a situar melhor os aspectos apontados acima. Naturalmente, sabemos que a comunicacao é tao antiga quanto as primeiras sociedades humanas e seria um equivoco afirmar que até entao os individuos e as sociedades nao se pre- ocuparam com a comunicacao (ainda que nomeada de outra maneira). Jé entre os gregos, hd mais de dois mil anos, encontra- mos os sofistas exercitando o uso da Palavra e ensinando a arte do discurso. Os fildsofos, Por sua vez, pregavam a necessidade da discussao racional Para. direcao da pélis; Platao realca a im- Portancia do discurso que busca a verdade, distinguindo-o da Retorica; Aristételes conceitua a Retérica como a busca de todos 8 meios possiveis de persuasio, classifica e organiza suas técnicas. Nao obstante, estudos especificos sobre o fazer comunt- Cativo, ou sobre os meios de comunicacio, datam do inicio do século XX. Sio contemporaneos das profundas mudangas que atingiram esse dominio, e que se referem ao desenvolvimento 34 Curso pksico bt TEORIAS OA COMUNICAAD vertiginoso das técnicas, institucionalizacao € profissiona- licagio das praticas, As novas configuracées espagotemporais que ganham forma no ambito da nova realidade comunicativa. Se estabelecemos uma primeira correlagao entre a intensi- ficagéo das praticas comunicativas e a maior necessidade de seu conhecimento, uma outra correlagdo fundamental que devemos estabclecer é entre o desenvolvimento dos meios de comuni icagao € respectivos estudos com a dindmica mais ampla que marcou a primeira metade do século XX, com as intensas transformagées vividas pelo mundo, com as necessidades que as sociedades oci- dentais formularam a comunicagao naquele momento. Os estudos sobre a comunicagao foram provocados tanto pela chegada dos novos meios como foram também, e, sobretudo, demandados por uma sociedade que necessitava usar melhor a comunicagio para a consecugao de seus projetos. O conhecimento da comuni- cagao surge marcado pelas questées colocadas pela urbanizacio crescente, pela fase de consolidacao do capitalismo industrial € pela instalagao da sociedade de consumo, pela expansio do imperialismo norte-americano, pela diviséo politica do globo entre capitalismo ¢ comunismo. A aceleracao dos estudos reflete também o papel central ocupado pela ciéncia, que responde cada vez mais pelo progresso e planificacao da vida social. £ nesse contexto que vamos identificar o surgimento dos primeiros trabalhos. Alguns autores apontam o pioneirismo do alemao de Otto Groth que, em Estrasburgo (hoje, territério da Pranga), nas primeiras décadas do século XX, dedicou-se a escre- ver uma espécie de enciclopédia sobre 0 jornalismo, conhecida como “teoria do diario”. Porém, é nos Estados Unidos, a partir de 1930, que comega a se desenvolver um tipo de pesquisa vol- tada para os meios de comunicagao de massa, particularmente para seus efcitos e funcdes. Sao esses estudos, conhecidos como Mass Communication Research, que teriam inaugurado ~ ou marcado 0 “nascimento” - da Teoria da comunicagio.* Este * Estudos da Escola de Chicago sio anteriores, mas apenas recentemente sao con- tabilizados na estera dos estudos da comunicagso, 35 Corecao BiawioTech UNIvERSITARIA, nascimento teve paternidade reconhecidé sio apontados como “pais fundadores” da pesquisa em ¢ nicagao, Sao eles: Paul Lazarsfeld, Harold Laswell, Kurt Carl Hovland.’ Naquele momento, varios institutos ec de pesquisa sio criados, com o desenvolvimento de PI abrangentes ¢ ambiciosos, com a montagem de experi possibilitando a formulagao das primeiras teorizacées Papel dos meios e 0 processo de influéncia, Tais estudos estavam intimamente ligados a Motivacdes de ordem politica ¢ econdmica: por um lado, a expansig da Produgio industrial e a necessidade de ampliar a venda dos novos produtos (de estimular a formacio e a ampliacao dos mercados consumidores) impulsiona o investimento eM pes- quisas voltadas para 0 comportamento das audiéncias e Para © aperfeigoamento das técnicas de intervencao e de Persuasao, Por outro lado, a reacomodagao do mundo sob o impacto da fase monopolista do capitalismo, bem como a ascensao dos Estados Unidos como grande poténcia imperialista, atribuem Acomunicacio um papel estratégico. Jana Primeira Guerra Mundial, na Europa, os meios deco- Munica¢ao so chamados a desempenhar o papel de persuasores das vontades e dos sentimentos individuais da populacao civil fa sustenta¢ao da economia e no fortalecimento do sentimento nacional. Pouco depois, a crise de 1929 e a retomada economica dos Estados Unidos sob a égide do New Deal incluem a comuni- a¢ao no projeto de planificagao e racionalizagao da sociedade. my. Lewin ENtros TOjetos Mentos, Sobre g 7 A denominasio “pats fundadores” ¢ dada por Wilbur Schramm, no liveo Pan rama da comuntcasao coletiva (1964), Paul Lazarsfeld era socidlogo, formado e™ Viena, ¢ s¢ dedicou, sebretudo, ao estudo das auditncias dos meios de comuat cacao de massa, A caracterizayio dos efeitos ¢ processos de formacio da opinii? publica, Harold Lasewell era ctemtista politico, irabalhou com opiniao pablis identificou as fung6es bisicas da comunicacto; estabeleceu um modelo que * tornau quase um paradizma dares ("Quem diz/o qué/em que canal/a queen que efeita”), Kurt Lewin era pricélogo, formado em Viena, edesenvolvet estas sobre a comunt ado em pequenos grupos sobre tideres de opiniio, Carl Hovlen’ era fambem pricdlogo, devenvolvia pesquisas experimentais sobre influencis amudangas de otitude. 36 Curso Bhsico of Troms on CoMUNICAGhO Mas foi, sobretudo, a Segunda Grande Guerra que veio expor a potencialidade e 0 alcance da comunica¢ao, através dos programas empreendidos pela Alemanha nazista, sob a inspira¢ao de Joseph Goebbels, com o uso da propaganda como mecanismo de controle € manipulacéo politico-ideologica, a combinagao de formas inter pessoais e massivas, a utilizacao maxima dos meios disponiveis em programas voltados tanto a um publico interno quanto externo. Paralelamente, deve-se registrar também o volume e a eficacia da propaganda dos alia- dos nessa guerra. Os Estados Unidos adaptaram as técnicas de Goebbels ¢ desenvolveram seu modelo préprio de intervencao. Instituigdes publicas e privadas, civis e militares se dedicam a andlises e experimentos, testando e aperfeicoando o desempenho €a eficacia da comunicagao. No pés-guerra, a comunica¢ao continua a cumprir um papel crucial, sobretudo no contexto da Guerra Fria e na poli- tica intervencionista americana. Dos servicos de informagao a difusao de produtos culturais, passando pela criagao de agén- cias de desenvolvimento ¢ institutos de pesquisa nos paises do terceiro mundo, toda uma politica de intervengdo centrada na manipulacao ideolégica (no “dominio das mentes e coracées”) vem incentivar € exigir 0 desenvolvimento das pesquisas e 0 maior dominio das técnicas e do fazer comunicativo. Naturalmente, esta € apenas uma etapa da historia que contextualiza o surgimento dos primeiros estudos sobre os meios de comunicagao de massa. Porém, é uma etapa que marcou 0 desenvolvimento posterior desses estudos, imprimindo uma concep¢ao muito duradoura da comunicagio, identificada como Processo de transmissio, e por seus objetivos de persuasao. Mesmo nos Estados Unidos, vamos encontrar outras im- Pportantes tendéncias de estudo voltadas para a comunica¢ao hu- mana e¢ social, trilhando caminhos distintos, tendo como ponto de partida o trabalho desenvolvido pelos pesquisadores da Escola de Chicago. Tais estudos, no entanto, permaneceram até muito recentemente apartados da chamada “teoria da comunicagao”, ou das abordagens que tratam da comunicacao institucional 7 CoLecAo BIBLIOTECA UNIVERSITARIA ou mididtica, porque nao estavam afinados com a problemiticg formulada pela ¢paca, voltada para o conhecimento ea abtencig de efeitos. Apenas mais recentemente, comega a se desenvolver uma confluéncia maior entre as diferentes perspectivas de estu. do, ¢ a incorporagao, na analise dos meios de comunicagaio de massa, de referenciais oriundos da etnometodologia, de teorias sobre a produgao social da realidade, entre outros. Na Europa, os estudos sobre os meios de comunicagao, na primeira metade do século XX, nao se desenvolveram coma mesma intensidade ¢ se construiram sobre bases completamente distintas, seguindo uma orientagao mais analitica e especulativa, desvinculada de objetivos instrumentais ou administrativos. © final dos anos 1920 e 0 inicio dos anos 1930 marcam 0 surgimento de importante corrente de estudos sobre a cultura da sociedade industrial, que também exerceu uma influéncia decisiva na orientagao de estudos posteriores sobre os meios de coria Critica, ou Escola de Frankfurt, como comunicagao ~ a1 & mais conhecida. A Teoria Critica se desenvolve em contrapo- sigdo - € quase como um antidoto ~ para a perspectiva funcio- nal e positivista americana, promovendo uma critica severa & mercantilizagao da cultura ea manipulagao ideolégica operada pelos meios de comunicagao de massa. Na Franga, no final dos anos 1930, é criado o Instituto Francés de Imprensa, onde Jacques Kayser desenvolve ¢ coor- dena um trabalho de andlise morfolégica dos jornais. Alguns anos mais tarde, pesquisadores agrupados no Centre d'Etudes des Communications de Masse (CECMAS) desenvolvem im- portantes reflexdes sobre a cultura de massa ¢ a ideologia dos produtos culturais. O surgimento do estruturalismo inspira 0 estudo e a énfase na linguagem dos meios. Na Inglaterra, rediscutindo e se distinguindo da tradigao estruturalista francesa, os estudos sobre a midia surgem no Ambito das andlises sobre a dindmica da produgao cultural na sociedade contempordnea. Ultrapassando as clivagens entre 08 diferentes niveis de cultura, e estendendo o proprio conceito de cultura, os pesquisadores do Centre for Contemporary Cultural 38 (Cusso ssc ne Tromas on Comncaci Studies, da Universidade de Birmingham, se propoem a analisar a produce dos meios de comunicacio inserida no contexto das praticas sociais cotidianas e da expernéncia. Na America Latina,’ as primeiras investigacdes sobre a comunicacdo surgem nos anos 1950 e 1960, marcadas por forte infuéncia americana, tanto do ponto de vista do modelo ted- rico como da formulacdo das tematicas a serem investigadas. Na década de 1970, o pensamento latino-americano no campo das ciéncias sociais € atravessado por um profundo sentimento cmitico € anti-imperialista; intelectuais de formacao marxista desenvolvem refiexdes no campo das ciéncias sociais batizadas com 0 nome de “teoria da dependéncia”. No seio dos estudos da comunicacao, surge o conceito do imperialismo cultural, bem como a proposicao de um novo modelo e uma nova pratica comunicativa, a comunicacao horizontal ou participativa. Em. sintonia com debates também desenvolvidos em outras partes do mundo, propde-se uma nova ordem internacional da comu- nicacao; nos varios paises, luta-se pela constituicao de politicas nacionais de comunica¢ao, pela democratizacao dos meios. £m linhas gerais, este é 0 quadro que se delineava até por volta de 1970. Novas tendéncias de estudo se desenvolvem em nossos dias, tanto na América Latina quanto na Europa e nos Estados Unidos. Algumas perspectivas caducaram e foram ul- trapassadas; outras, anteriormente pouco evidenciadas, datadas algumas do inicio do século, s4o retomadas e ganham um novo investimento. Novas proposicGes e tematicas aparecem em cena. Huma reconfiguracao do quadro das teorias, e uma perspectiva mais propriamente comunicativa comega a se evidenciar. Tais mudancas traduzem os reordenamentos vividos pela sociedade naquele final de século, que dizem respeito a uma verdadeira tevolucao no campo das tecnologias da informacao, profundas alteracées no campo dos valores, no universo das representa- ges, no desenho das relacées internacionais e no quadro das "Na primeira metade do século XX, foram desenvolvidos alguns estudos espord- dicos sobre a historia ¢ a legislagdo dos meios de comunicagio. 39 Cotrcho Bravioteca UNIVERSITARIA sociabilidades. O mundo que encerra oséculo XX ndo eo mesmo que 0 iniciou, Este breve percurso, mapeando tendéncias que serao me Thor apresentadas nos capitulos que se seguem, apenas preten deu indicar e enfatizar 0 quanto o estudo da comunicagio, a orientagdo da pesquisa, a sclegio das tematica: modelos tedricos acompanham ¢ refletemadindmica global eas diferentes fases vividas pela sociedade em momentos su ssivos, o é também um processo . a construgdo dos A constituicao da teoria da comunicagai historico ¢ reflete a experiencia ¢ as tendéncias da vida social Ordenagio dos estudes Como jé ressaltamos, a Teoria da Comunicagio se caracte- riza, sobretudo, pela heterogencidade das correntes ¢ concepgoes que abriga, e a apresentagio de um quadro geral das teorias es- barra na dificuldade de sistematizagao: nao hd como apresentar de forma organica ¢ estruturada um quadro que é fragmentado e descontinuo. Varios esquemas de agrupamento vém sendo tentados, ¢ cada época se identifica melhor com um tipo de critério, 0 que significa dizer: também esta leitura e sistematizagio dos estudos. refletem preocupagées datadas. No pés-guerra e perfodo da Guerra Fria, quando 0 mundo ainda era divido em dois grandes blocos, ¢ os conceitas de “direita” e “esquerda” encontravam referentes mais nitidos, adotou-se uma primeira classificacao mais global e ainda bastante grosseira que dividia e agrupava os estudos e correntes tedricas de acordo com dois grandes paradigmas: 0 paradigma da ordem (nomeando a cha- mada “pesquisa administrativa”, desenvolvida pelos americanos) €0 paradigma do conflito (perspectiva critica, de viés marxista).’ * Umberto Eco, no conhecido estudo Apocalfpticos ¢ Integrados (1979), distingwit os Aecalipicos (referindo-se ao pensamento critica que ve na cultura de masst famiceltora osinal da barbarie) e os integrados (pensarnento adininsetsatve ‘ado pela aceitagdo passiva ¢ feliz da cultura de massa). 40 Curso adsico b€ Tronias 04 COMUHiICN,AD, No inicio, refletindo a origem interdisciplinar dos estudos, achou-se oportuno ordend lox segundo sua origem discplinar: Sociologia da Comunicagao, Patcologia da Comunicay ao, Coma Nicagio Bioldgica, Fundamentos Filosdficos da Comunicas ao, assim por diante, Ja tentou-se também fazer um agrupamento dos estudos segundo sua filiagdo As distintas correntes de pensamento: cur- rente funcionalista (ou positivista); marxista; estruturalista. Essa tentativa esbarra, entretanto, no cipoal de concep, des (e pseudofiliagdes) da maioria dos estudos, sem falar nas inimeras tendéncias em que se desdobram cada grande corrente, Uma outra forma de apresentagao atende a um desenho geogrifico: Escola Americana; Kscola Francesa; Escola Latino- Americana. Esse sistema, que facilita a contextualizagao sécio-histérica dos estudos, tem o inconventente de encobrir tendéncias distintas ¢, as vezes, criar uma falsa unificagao: oO rétulo “Escola Americana”, por exemplo, se remete mais es- pecificamente 4 corrente funcionalista, ¢ deixa de fora outras tendéncias. Falar de “Escola Francesa” é mais um artiticio de abordagem que propriamente a identificagao de uma tendéncia, dada a resisténcia francesa a todo tipo de “escola”. A identificagao de universidades, institutos ou centros de pesquisa j4 é uma nomeagao mais atenta a especificidade de algumas tradigées. Ela, no entanto, deixa de fora algumas pers- pectivas que se desenvolveram de forma mais descentralizada, através da obra de autores que ndo mantém ligagées explicitas entre seu trabalho, ‘Também se promove 0 agrupamento tematico, conforme a abordagem e a énfase especifica dada ao pracesso da comu micacao. Tomando, por exemplo, os diferentes elementos ou instancias que compdem o processo comunicativo, podemos identificar e agrupar estudos voltados mais especificamente para a instancia da produs4o ou para o lugar do emissor; estudos sobre a recepgao; estudos sobre a técnica ou suporte; estudos: das mensagens, da linguagem ou da produgdv discursiva, Ou podem obedecer a clivagens distintas; alguns se ocopam da a Covegio BisLioTeca UNIVERSITARIA conceituacao e formalizacao do Processos outros desenvolvem uma abordagem mais global e macroscopica, enfocando ainser- ao da comunicagao na sociedade, as diversas interfaces que ela estabelece com outras 4reas (como a politica, educagao, cultura) Concluindo, queremos dizer que um roteiro de apresenta- ao dos estudos é uma tarefa complexa, por trabalhar com um corpo tanto heterogéneo e fragmentado no que diz respeito a seus elementos, quanto desigual no seu desenvolvimento. Tragar um quadro das teorias supoe escolhas, indica uma perspectiva, enfim, traduz um trabalho de interpretacao - do pesquisador, mas também aquele permitido por uma determinada época. Nos proximos capitulos, os estudos foram ordenados a par- tir de uma composicao de critérios. Inicialmente, fizemos uma primeira divisao geografica, por continentes e paises. Dentro de cada um, procuramos distinguir correntes e agrupamentos tebricos especificos. Apés esse primeiro quadro, procuramos estabelecer um mapeamento de tematicas especificas que nao deram origem a escolas propriamente ditas, mas foram tratadas por autores isolados, em lugares e contextos distintos. Uma ultima questdo diz respeito a distingao entre cor- rentes ou teorias, e paradigmas da comunicagao. As teorias ou correntes de estudo, evidenciadas anteriormente, compreendem um conjunto de ideias e proposigées sobre a comunicagao; so sistemas de pensamento mais completos, mais desenvolvidos, Promovendo uma leitura de uma determinada situaco. Mas, nas ciéncias, as teorias estao assentadas em paradigmas - que s4o modelos ordenadores, concepgées de fundo que estrutu- ram 0 desenvolvimento das teorias. No caso da comunicag¢io, © paradigma refere-se a propria concep¢ao da comunica¢io; a uma dada compreensao do processo comunicativo que estaria ordenando e estruturando 0s conceitos e Pressupostos que com- poem as teorias disponiveis. Seas teorias da comunicacao tém sido numerosas ¢ diver- sificadas ao longo de quase um século de estudo, 0 paradigma comunicativo, a matriz epistemoldgica para pensar 0 que é mes- moa comunica¢ao nao avangou muito. O Processo comunicativo 42 Curso adsico oF Trorias 04 COMUNICACAD veio sendo pensado na maior parte dos estudos como a simples transmissdo de mensagens de um emissor para um receptor. Apenas mais recentemente, novas teorias comegam a questio- nare a MalTiZ € A pensar Oo process Comunicative como algo mais complexo, percebendo nao apenas a autonomia ¢ a riqueza de possitiidades que animam seus elementos componentes (a Mensagem, © eMissor, oO receptor), Como as diversas relagdes. que os entrecruzam. Esta, no entanto, é uma discussao que retomaremos no capitulo final. Neste primeire momento, quis Mos apenas re- gistrar essa distingao, de forma a buscar apreender, no bojo das diversas teorias, a maneira como cada uma delas concebe ¢ trata © processo comunicative. ay

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