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PRESBITÉRIO DE CUIABÁ

EXEGESE

POR

ADILSON MACIEL DE ARAÚJO

CUIABÁ/2001
IGREJA PRESBITERIANA DO BRASIL

SÍNODO MATOGROSSENSE

PRESBITÉRIO DE CUIABÁ

EXEGESE DE ROMANOS 1: 16-17

Exegese apresentada ao Presbitério de Cuiabá como requisito

Parcial à ordenação ao sagrado Ministério; em cumprimento

ao Artigo 120, alínea a, do Capítulo VII da CI / IPB.

Por

ADILSON MACIEL DE ARAÚJO

CUIABÁ – MT

Agosto/2001
ÍNDICE

I - Introdução ---------------------------------------------------------------------------------------04

II - Texto Bíblico -----------------------------------------------------------------------------------06

III - Problemas textuais ----------------------------------------------------------------------------07

IV - Contexto Histórico do Livro -----------------------------------------------------------------08

V - Denominando ----------------------------------------------------------------------------------26

VI - Aspectos Gramaticais Especais -------------------------------------------------------------29

VII - Palavras Chaves -------------------------------------------------------------------------------38

VIII – Gênero Literário -----------------------------------------------------------------------------55

IX - Tradução --------------------------------------------------------------------------------------56

X - Análise de Discurso --------------------------------------------------------------------------57

XI - Estrutura do Livro ---------------------------------------------------------------------------58

XII - Teologia ---------------------------------------------------------------------------------------60

XIII - Mensagem para Hoje -----------------------------------------------------------------------69

XIV - Referências Bibliográficas ----------------------------------------------------------------71


I- INTRODUÇÃO

O presente trabalho exegético elaborado sob o texto de Romanos capítulo 1

versículos 16 e 17; visa atender uma das exigências da Igreja Presbiteriana do Brasil em

sua Constituição Interna conforme se verifica no capítulo VII, Artigo 120, alínea “a” para a

ordenação de candidato ao Sagrado Ministério.

O presente trabalho visa apresentar, dentro das normas estabelecidas pela CI / IPB

no artigo supra citado, uma exegese do texto de Romanos capítulo 1 versículos 16 e 17.

Trata-se de uma pesquisa de ordem bibliográfica, numa abordagem qualitativa, valendo-se

também de recursos informativos obtidos in loco com o professor da referida disciplina,

cursada no Instituto Bíblico Rev. Augusto Araújo.

Este trabalho se propõe apresentar um estudo exegético do texto supra citado,

buscando extrair, através das ferramentas disponíveis, o seu real significado com base na

fidelidade às Sagradas Escrituras. A pesquisa não tem a pretensão de esgotar o texto,

todavia se propõe a explorá-lo buscando entender o verdadeiro pensamento do autor ao

escrevê-lo e assim fazendo uma correta aplicação de sua mensagem para a igreja e a

sociedade hodierna.

A compreensão do verdadeiro Evangelho de Jesus Cristo tem sido altamente

prejudicada por causa das constantes violentações sofridas em sua interpretação. A ênfase

no poder de Deus têm sido desviada para vários outros temas e o valor da salvação pela

graça mediante a fé em Jesus Cristo tem sido cada mais diminuída. Os holofotes tem sido

focalizados na suficiência humana e a total dependência de Deus esquecida, à medida que

os olhos da fé “cristã” tem sido desviados para uma pregação antropocêntrica que super

valoriza o homem e a sua auto competência.


5

Uma leitura do ensino Escritura, porém, onde a justiça de Deus é o foco, concedida

à pecadores injustos e indignos, por pura graça, apropriada exclusivamente mediante fé,

um ensino onde méritos e obras não tem lugar havendo lugar apenas para a insondável

graça de Deus. um ensino onde os homens injustos são justificados e convidados a viverem

debaixo dessa justiça, justiça que é apropriada pela fé e que se constitui no elemento vital

para uma vida justa, reta e agradável diante de Deus.

5
II - TEXTO BÍBLICO

ROMANOS – 1: 16-17

1.16 Ou) ga\r e)paisxu/nomai to\ eu)agge/lion, du/namij

ga\r qeou= e)stin ei¹j swthri¿an pantiì t%½ pisteu/onti,

Ioudai¿% te prw½ton kaiì àEllhni.

1.17 dikaiosu/nh ga\r qeou= e)n au)t%½ a)pokalu/ptetai e)k

pi¿stewj ei¹j pi¿stin, kaqwÜj ge/graptai, ¸O de\ di¿kaioj e)k

pi¿stewj zh/setai
III - PROBLEMAS TEXTUAIS

Apesar do Novo testamento Grego não identificar nenhum problema textual nesta

passagem; dois pequenos problemas são identificados por Champlin1, muito embora não

alterem em absolutamente nada o sentido do texto.

Alguns poucos manuscritos como KLP, G e ) acrescentam à sentença Ou) ga\r

e)paisxu/nomai to\ eu)agge/lion “ pois não me envergonho do evangelho” tou

Xritou “de Cristo”. O acréscimo de tou Xristou apenas evidencia o que na frase já

está absolutamente claro: a idéia de origem, procedência do Evangelho, que logicamente

remete a Cristo.

Outro problema textual repousa na omissão de prw½ton em alguns manuscritos

como B G. Champlim2 destaca que a ausência de prw½ton, nesses manuscritos mais

antigos talvez deva-se ao fato de que Márciom, que considerava inaceitável os privilégios

dado aos judeus. No entanto, todos demais manuscritos incluem ½ prw½ton, referindo-se

aos judeus.

1
CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo, 1998 Vol. III, p.
573
2
Ibid. p. 573.
IV - CONTEXTO HISTÓRICO DO LIVRO

1- AUTORIA-

Das treze cartas tradicionalmente atribuídas a Paulo, a carta aos romanos é uma das

que menos enfrenta problema de disputa em sua autoria. Se a autoria das Epístolas

pastorais, (I e II Timóteo e Tito), com exceção de Filemon, sofrem algum tipo de

questionamento por parte dos eruditos críticos, as Epístolas chamadas “gerais” ( Romanos,

I e II Coríntios, Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses e I e II Tessalonicenses) são

aceitas praticamente de modo unânime como epístolas genuinamente paulinas pelos

estudiosos. Dentre essas nove, a autoria de quatro delas não encontram nenhum tipo de

disputa, a saber: I e II Coríntios, Gálatas e Romanos. Acerca destas há consenso absoluto

no que diz respeito à autoria; sendo todas, indubitavelmente oriundas da pena de Paulo.

1.1 – Evidências internas –

A- A simples comparação entre as quatro obras clássicas paulinas: Romanos, I e II

Coríntios e Gálatas no que se refere a questões de estilo e vocabulário, revela de forma

incontestável que estas quatro epístolas foram escritas pelo mesmo autor sacro. Sobre a

comparação do estilo e vocabulário empregado entre os escritos de Paulo, especialmente as

quatro cartas onde há unanimidade quanto à autoria, Champlin assevera:

Aceitar uma delas como Paulina é aceitar todas as outras três e rejeitar una delas,

é rejeitar as demais. Estilo e vocabulário são elementos que não podem ser

facilmente copiados ou imitados; e estas epístolas revelam-nos o mesmo homem,

dotado de um estilo literário intensamente pessoal, o, que revela a personalidade


3
de seu autor de forma notável e indiscutível.

3
CHAMPLIN – Russsel Normam. O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo, 1995 Vl. III p.
565
9

É notável como as referidas epístolas contêm em seu próprio conteúdo, a

reivindicação de terem sido escritas pelo apóstolo Paulo, e o conteúdo de cada uma delas

evidencia em termos de estilo literário, vocabulário e linguagem utilizada, a composição de

um único autor.

B- Na abertura da epístola há um considerável detalhe para fortalecer a afirmação da

autora Paulina desta carta. As cartas antigas eram compostas de uma forma geral em sua

estrutura: o remetente se preocupava em enviar saudações ao seu destinatário e em se

identificar pelo próprio nome, falar acerca de suas credenciais e seguindo seu estilo

próprio, o remetente usava uma forma padrão de saudação. Vejamos o prólogo da carta

onde estes elementos são facilmente identificados: “1-Paulo, servo de Jesus Cristo,

chamado para ser apóstolo, separado para o evangelho de Deu,...5- por intermédio de

quem, viemos a receber graça e apostolado por amor do nome, para a obediência por fé

entre todos os gentios, 6- de cujo o número sois também vós chamados para serdes de

Jesus Cristo.7- A todos os amados de Deus, que estais em Roma, chamados para serdes

santos, graça a vós outros e paz , da parte de Deus, nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo.”

C- A extensa lista biográfica descrita no capítulo 16 também se constitui numa forte

evidência interna acerca da autoria Paulina desta carta. É curiosa a forma calorosa

expressada pelo apóstolo O fato do apóstolo citar o nome de tantas pessoas conhecidas dele

que agora estavam residindo na cidade de Roma e congregando naquela igreja exprime de

forma clara e inquestionável o fato de ter sido Paulo e não outro, o autor desta magnânima

carta.

9
10

1.2- Evidências Externas –

A aceitação da Epístola de Paulo aos Romanos no Cânon Sagrado nunca encontrou

oposição expressiva. Os Pais da igreja foram unânimes em aceitar esta epístola. Sobre este

fato, Champlin argumenta:

Nenhum dos livros do Novo Testamento foi aceito como canônico antes da

epístola aos Romanos, pois quando se fizeram as declarações sobre “cânon”

neotestamentário a epístola aos romanos sempre foi incluída, e isto nos


4
pronunciamentos de pessoas ou grupos ortodoxos ou heréticos.

O texto de II Pedro 3:15-16: “e tende por salvação a longanimidade de nosso

Senhor como igualmente o nosso amado irmão Paulo (grifo meu) vos escreveu segundo a

sabedoria que lhe foi dada, ao falar acerca desses assuntos, como, de fato costuma fazer

em todas as suas epístolas, nas quais há certas cousas difíceis de se entender, que os

ignorantes e instáveis deturpam, como também deturpam as demais Escrituras, para a

própria destruição deles.” é indicado como a evidência externa comprovatória da autoria

Paulina desta carta. Segundo Champlin5, esta passagem, “evidentemente” faz alusão à Rm.

2:4:”Ou desprezas a riqueza da sua bondade, e tolerância, e longanimidade, ignorando

que a bondade de Deus é que te conduz ao arrependimento?” e esta passagem juntamente

com os demais escritos paulinos é denominado de “Escrituras”, como cita o próprio texto

de II Pedro, sendo esta, a mais antiga indicação da autoria de Paulo para a carta à igreja de

Roma.

4
CHAMPLIN – Russsel Normam. O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo, 1995. Vol. III
p. 558

5
Ibid. p. 556.
10
11

Os mais antigos Pais da Igreja também apontam o apóstolo Paulo como sendo o

autor de Romanos.

Márciom – (150 d. C.) ao elaborar um “cânon”, incluía a epístola aos Romanos e

atribuía a sua autora à Paulo. A posição de Márciom, por causa das suas muitas heresias,

levou muitos Pais da Igreja a fazerem seus respectivos pronunciamentos. Todos esses Pais

da Igreja, sem qualquer exceção, dentre os que se preocupavam com este problema,

também incluíram a epístola aos Romanos em seus respectivos cânones. “Os cânones”

mais antigos, pertencentes ao século segundo d. C. incluíam cerca de dez das epístolas de

Paulo. Numa data ainda mais antiga, escritores que não contavam com nenhum tipo de

“cânon” formal, mesmo assim, demonstravam respeito e conhecimento por diversas das

epístolas de Paulo, incluindo a epístola aos Romanos e a atribuição à Paulo como seu

autor. Entre estes são citados Clemente de Roma ( 95 d. C. ), Inácio de Antioquia (110

d.C.) e Policarpo de Esmirna ( 110 d.C.) Mais tarde, Tertuliano (cerca de 200 d. C)

também atestaria a epístola aos Romanos bem como sua autoria Paulina como “canônico.”

2- DATAÇÃO

2.1 – A origem da igreja de Roma –

Pouco é sabido acerca da origem desta importante igreja. No mundo dos dias de

Paulo, o nome Roma era muito significativo e há, perceptivelmente, um fascínio muito

grande do apóstolo por esta cidade, expresso no seu grande desejo de pregar ali (Rm.1: 10-

13).

A igreja cristã em Roma já existia há algum tempo quando Paulo lhe escreveu a

epístola. Em At. 28:15 a existência daquela igreja é aceito como algo largamente

11
12

conhecido, fato atestado pela representação oficial, através de um grupo de irmãos,

enviados por esta igreja, para receber Paulo no Ápio Fórum. Paulo declara expressamente

não ser o fundador desta igreja: Rm. 1: 10-15, 15:20-22. A hipótese de Pedro ter sido o

fundador desta igreja é também facilmente descartada, pois estas declarações mais se

embasam no zelo destorcido, que pretendia, talvez, evidenciar uma origem nobre à igreja

que mais tarde seria a sede do cristianismo. Sobre este ponto, Champlin destaca:

Cumpre-nos observar, entretanto, que o apóstolo Pedro ainda se encontrava em

Jerusalém, ao tempo da conferência referida em Gálatas 2:1-10, que corresponde

à chamada visita da fome” que Paulo fez à Jerusalém, segundo o que se lê em

Atos 11:27. Portanto é altamente improvável que Simão Pedro tenha tido

qualquer participação pessoal na fundação da igreja cristã de Roma. Além disso,

Paulo nos dá a impressão que a igreja romana fora estabelecida muitos anos

antes de sua visita (Rm. 15:22). E em parte alguma Paulo dá a impressão que a
6
fundação desta igreja tenha sido realização sua.

Escritores como Davis, F. Davidson, Gundry e Champlin apontam duas hipóteses

para o surgimento da igreja em Roma:

Crê-se que a igreja de Roma se originou do testemunho e dos trabalhos dos

cristãos cidadãos do Império, que viajavam constantemente para a metrópole, e

dali para outras partes. Não é improvável que a obra de evangelização tivesse

sido começada pelos “forasteiros romanos, tanto judeus como prosélitos” (At.

2:10). Essas testemunhas do evangelho teriam sido ajudadas posteriormente por

cristãos da Antioquia da Síria, Éfeso e Corinto, e assim teve incremento a

comunidade.7

6
CHAMPLIN – Russsel Normam. O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo, 1995. Vol. III
p. 558
7
DAVIDSON – F. O Novo Dicionário da Bíblia, 1997. P. 1151.
12
13

Com esta opinião também concordam Davis e Champlin. Guingry, porém, assevera

acerca da possibilidade do evangelho ter chagado à Roma por ocasião do Pentecostes:

Quiçá alguns dos judeus e prosélitos residentes em Roma, que tinham estado em

Jerusalém no dia de Pentecostes e ali se tornaram cristãos, levaram de volta o

evangelho a Roma , no alvorece mesmo da história cristã. (vide At. 2:10) 8

Evidentemente as duas hipóteses são perfeitamente possíveis, no que tange ao

surgimento da igreja cristã na capital do império, bem como podemos pensar no trabalho

sendo plantado pelos residentes em Roma e fortalecido pelos imigrantes convertidos que

para lá foram numa ocasião posterior.

1.2- Evidências internas –

No capítulo 15: 22-29, temos a mais forte evidência interna acerca da época em que

a carta foi escrita. Aqui o apóstolo revela que está prestes a viajar para Jerusalém levando a

coleta para os pobres daquela região vitimados pela forme profetizada por Ágabo em At.

11: 27-30, quando então espera estar desimpedido para visitar Roma e depois a Espanha.

O recolhimento das ofertas para as igrejas da Judéia no qual Paulo estava empenhado a

fazer, além do texto acima referido, é também apontado em I Co 16:1-4; II Co. 8-9 e At.

24:17. Champlin9 destaca que a data da escrita da epístola esta vinculada à menção que

Paulo faz da coleta descrita nos textos acima, .na qual o apóstolo está empenhado. Estes

indícios mostram (especialmente Rm. 15: 25-26), que quando ele escreveu a Epístola, já

havia completado o seu serviço de recolhimento da oferta, a última parte da qual foi

completada em Corinto, quando então cumpriria a intenção de ir até Jerusalém, afim de

levar a oferta completa. De Jerusalém, ele iria a Roma. Assim, pois, durante algum tempo,

8
GUNDRY – Robert. H. Panorama do Novo Testamento, 1978. P. 325
7 CHAMPLIN – Russsel Normam. O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo, 1995. Vol. III
p. 558.

13
14

quando de sua permanência final em Corinto, sendo esta a terceira visita (II Co. 13:1),

redige e endereça a carta à igreja de Roma, pouco ante de se dirigir à Jerusalém, na parte

final de sua terceira viagem missionária. O que dataria a carta entre 56 e 59 d. C. Davidson

assevera acerca da data da carta:

Temos uma indicação da época no capítulo 15 da data em que a carta foi escrita.

Foi à s vésperas de partir para a Palestina que Paulo endereçou a carta à Roma.

Relativamente à cronologia exata da vida e obra da vida de Paulo nenhuma

autoridade pode ser dogmatizada, mas o tempo da visita à Jerusalém é colocado

entre os anos 56 e 59 A. D. não sendo possível outras datas. 10

A data da escrita como sendo imediatamente anterior à visita a Jerusalém é ponto

pacífico na evidência interna descrita em Rm. 15: 25, marcando a parte final de sua terceira

viagem missionária , isso data a escrita da carta, como já mencionamos entre 57 e 59 d. C.

2.3 – Evidencias externas -

Pela clareza expressa nas evidências internas acerca da época em que a carta foi

escrita, não há disputa entre os autores, nem mesmo entre os Pais da igreja. A palavra de

Paulo em Rm. 15:22-29 é conclusiva sobre quando da escrita da carta. “estas regiões”

mencionadas no v. 23 fazem referência ao oriente; à Grécia, à Corinto, as quais ele estava

prestes a deixar pois os seus olhos agora estão voltados para o ocidente e sua intenção é ir

até a Espanha, v. 24.

O texto de At. 20:2-3 : “ Havendo atravessado aquelas terras, fortalecendo os

discípulos com muitas exortações, dirigiu-se para a Grécia, onde demorou três meses....”

Esta e as demais indicações mostram que Paulo escreveu a epístola aos Romanos ao final

de sua permanência na Grécia (Acaia), ou seja , em Corinto, durante a sua terceira visita

10
DAVIDSON – F. O Novo Dicionário da Bíblia, 1997. P. 1152.
14
15

àquela cidade: “Esta é a terceira vez que vou ter convosco...” II Co. 13:1 e 12:!4.

Champlin11 diz que Paulo escreveu a Carta quando estava prestes a visitar a cidade de

Roma, quando está decididamente resolvido a voltar-se para o ocidente, por crer que seu

trabalho missionário deveria se estender naquela direção, atingindo inclusive a Espanha.

Assim sendo, Paulo provavelmente escreveu imediatamente antes da porção final de sua

terceira viagem missionária, o que situaria a data da epístola, a partir da 53 d. C.

Uma data tão requerente, porém, não parece muito provável, uma vez que a carta

fora escrita em Corinto, na fase final da terceira viagem, que os escritores afirmam ter sido

concluída entre 57 e 59, sendo esta a data mais provável para a Carta.

3- LUGAR –

Os autores são unânimes em afirmar que a origem geográfica da epístola aos

Romanos é a cidade de Corinto, durante a estadia de Paulo ali que durou um trimestre

segundo At. 20: 3.

Alguns dos nomes citados no último capítulo desta epístola tais como Febe, a

provável portadora da Epistola, que servia na igreja de Cencréia, cidade portuária, próximo

à Corinto (Rm. 1:1); Gaio, a quem Paulo se refere como sendo seu hospedeiro (Rm. 16:23)

também referido em I Co. 1: 14.; a menção da saudação enviada por Timóteo (Rm. 16:21),

também referido com estando com Paulo em Corinto por ocasião da terceira visita (II Co.

1:1) e a referência à saudação enviada por Erasto (Rm. 16:23), também referido em II Tm.

4:20. Sobre este Erasto “tesoureiro da cidade” Gundry destaca:

Há uma inscrição descoberta em Corinto e datada do primeiro século da era

cristão que diz: Erasto, comissário das obras públicas, lançou este pavimento às

suas próprias custas. Estritamente falando, “comissário das obras públicas não é

11
CHAMPLIN – Russsel Normam. O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo, 1995. Vol. III
p. 558.
15
16

a mesma coisa que “tesoureiro das cidade”, mas é natural pensar que Erasto

subiu do posto de comissário para tesoureiro da cidade ou que fora rebaixado de


12
tesoureiro para comissário, podendo também as duas palavras ser sinônimas.

Todos estes nomes mencionados por Paulo, estando relacionados à cidade de

Corinto, evidência de forma clara, a origem da Epístola aos Romanos. Ademais, uma

epístola como esta, escrita cuidadosa e ponderadamente, só podia se redigida com calma,

quando Paulo pôde fixar residência por algum tempo num lugar. Em Atos 20:3 somos

informados que Paulo demorou três meses em Corinto, tempo suficiente para a redação da

epístola.

4 – DESTINATÁRIO –

O prefácio e a saudação descritos no epílogo da Carta não deixam nenhuma

margem para o questionamento do seu destino: “1-Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado

para ser apóstolo, separado para o evangelho de Deu,...5- por intermédio de quem, viemos

a receber garça e apostolado por amor do nome, para a obediência por fé entre todos os

gentios, 6- de cujo o número sois também vós chamados para serdes de Jesus Cristo.7- A

todos os amados de Deus, que estais em Roma, chamados para serdes santos, graça a vós

outros e paz , da parte de Deus, nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo...15- por isso, quanto,

está em mim, estou pronto a anunciar o evangelho também a vós outros em Roma.” (grifo

meu).

Champlin13 aborda, porém alguns problemas relacionados à integridade da Epistola

mencionando a ausência da palavra Roma descrita nos versículos 7 e 15 em alguns

manuscritos; mas que não se revestem de qualquer importância especial, visto que todos

12
GUNDRY – Robert. H. Panorama do Novo Testamento, 1978. P. 326
13
CHAMPLIN – Russell Norman. O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo, 1995. Vol III
p. 561

16
17

são de data relativamente recente, a saber: mss G (século IX), Or (part), 1739 (mg) e 1908

(mg).

Quanto aos capítulos 15 e 16, porém, há divergência acerca do seu destino entre os

estudiosos. A Epístola aos Romanos teria uma forma mais resumida nos tempos mais

antigos? Este questionamento é feito em razão de que existe diferentes linhas de evidência

textual quanto à posição da bênção ( 16:20) e da doxologia (16:25-27). Do modo como a

temos hoje, textualmente falando, seu encerramento pode ser feito em vários lugares: “E o

Deus de Paz seja com todos vós. Amém.” (15:33) “A graça do Nosso Senhor Jesus Cristo

seja com todos vós. Amém” (16:24), “Ao Deus único e sábio seja dada a glória por meio

de Jesus Cristo, pelos séculos dos séculos, Amém.”(16:27). As respostas a este “problema”

têm sustentado que a Epístola original era composta de 14 capítulos apenas sendo os dois

últimos uma inserção posterior, segundo afirma Davidson.14

Sobre estes dois últimos capítulos, duas teorias são propostas por Davis15 : a

primeira proposição é que teria sido feito um resumo destinado a circular entre as igrejas,

omitindo as referências locais como “em Roma” (1:7-15) e os dois últimos capítulos por se

tratarem de referências e recomendações pessoais, posição sugerida também por Gundry16

onde as saudações e recomendações pessoais foram excluídas afim de adaptar a epístola à

circulação geral por toda a igreja. Esta abreviação teria sido feita por Márcion ( um herege

do século II), ou ainda teria se perdido a parte final da carta; e a segunda proposição é que

o capítulo 16 não é parte integral da carta, mas uma nota adicional fazendo recomendação

especial e pessoal à Febe não à igreja de Roma, mas de Éfeso.

14
DAVIDSON – F. O Novo Dicionário da Bíblia, 1997. P. 1153.
15
DAVIS- Jonh D. Dicionário da Bíblia, 1977. P. 516
16
GUNDRY – Robert. H. Panorama do Novo Testamento, 1978. P. 327
17
18

O capítulo 15 não pode ser facilmente destacado do capítulo 14 , visto ser ele a

continuação, feita antes, dos apelos de espírito de abnegação cristão daqueles que eram

valentes na fé. Ademais, o capítulo 15 conclui com uma bênção no v. 33, semelhante à que

se vê na parte final de outras cartas escritas pelo mesmo apóstolo, como por exemplo: II

Co. 13:11; I Ts. 5:23; II Ts. 3:16 e Fl. 4:9.

Quanto ao fato do capítulo 15 ser concluído com a bênção e a mesma ser repetida

em outras partes do capítulo 16, não constitui maiores problemas textuais, pois Paulo

estava abordando um tratamento pessoal e individualizado aos seus destinatários.

Sobre o capítulo 16 ser uma carta de recomendação a Febe à igreja de Éfeso,

críticos como Champlin17 apresentam as dificuldades em associa-lo ao restante da carta:

a – Em contraste com o décimo quinto capítulo, o capítulo dezesseis não apresenta uma

continuação suave e natural em relação à primeira parte da epístola, pelo menos no que diz

respeito ao seu conteúdo.

b – Outra dificuldade diz respeito à questão da saudação. Sabemos que Paulo não tinha

contatos pessoais com a igreja cristão de Roma. No entanto, esse décimo sexto capítulo

encerram muitas saudações que parece indicar que ele conhecia pessoalmente as pessoas a

quem ele se dirigia, sem importar qual igreja exata à qual ele se dirigia. Vinte e cinco

indivíduos e duas famílias são ali saudadas. Como Paulo poderia conhecer ali tanta gente

sem nunca ter estado em Roma? A forma de tratamento empregada pelo apóstolo aos

saudados exprime uma amizade intensa e não superficial, não casual: “Saudai meu querido

Epêneto, primícias da Àsia...”, “Saudai a Adrônico e a Júnias, meus parente e

companheiros de prisão...” , “Saudai Anplíato, meu dileto amigo no Senhor.”; Urbano é

17
CHAMPLIN – Russsel Normam. O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo, 1995. Vol III
p. 562
18
19

descrito como “nosso cooperador em Cristo”. A mão de Rufo figura também como a

“mãe” do apóstolo Paulo. Em face de razões sililares, levanta-se naturalmente a pergunta:

“Será possível que tantas pessoas bem conhecidas de Paulo subseqüentemente se tenha

mudado para Roma, tendo sido saudadas de forma tão afetuosa por Paulo? A esta questão

Champlim propõe a seguinte possibilidade:

Não parece mais plausível supormos que, na realidade Paulo escrevia esta

pequena epístola ou saudação, apresentando Febe para levar alguns avisos para a

igreja localizada em outro lugar qualquer, talvez em Éfeso? Priscila e Áquila

haviam trabalhado em Éfeso em companhia de Paulo e provavelmente

continuavam morando ali, e Epêneto é distintamente vinculado à Ásia, da qual

região, Éfeso era a principal cidade.18

Não obstante, a suposição de que o décimo sexto capítulo de romanos, denominado

pelo autor supra citado de pequena epístola tenha sido realmente enviada a Éfeso se

esbarra em inúmeras dificuldades, principalmente em face da ausência de qualquer

designação específica de destino.

O ponto de vista histórico, porém, a despeito das críticas textuais, aceita a Epístola

enviada aos Romanos como uma carta completa, escrita de uma só vez pelo apóstolo Paulo

de Corinto, transmitida a nós até hoje em toda a sua integridade. Todas as teorias de

fragmentação textual caem por terra em face da unidade da mensagem.

5- OCASIÃO –

Porque Paulo teria escrito à igreja de Roma, visto que nem ele nem nenhum dos

outros apóstolos fundara aquela igreja e nem mesmo nunca a visitara antes? É a carta um

tratado teológico ou simplesmente uma carta ocasionada por circunstâncias da carreira de

Paulo? Pode ser, de algum modo uma e outra coisa, mas o ponto é se o apóstolo quis, por

18
CHAMPLIN – Russsel Normam. O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo, 1995. Vol III

19
20

iniciativa própria, expor o evangelho que pregava, ou se tomou da pena para escrever uma

carta ditada por problemas iminentes. Na resposta a estas questões, Davidson argumenta:

Há quem pense que Paulo sentia estarem contados os seus dias, pelo que

desejava deixar à posteridade uma declaração definitiva daquilo que pregava.

Admite-se que a doutrina do apóstolo foi mau compreendida em seus dias, sendo

atacada, nunca deixando de ter críticos ( especialmente nas fileiras do judaísmo),

não havendo sido jamais apresentada de uma forma sistematizada. Sugere-se,

portanto, que Romanos é o documento do testamento final do grande apóstolo

dos gentios. Além disso, argumenta-se que a igreja de Roma era a depositária

que convinha deste documento oficial autorizado. A forma lógica e teológica da

epístola, que é a mais sistemática, mais raciocinada e mais doutrinária de


19
quantas cartas que Paulo escreveu, não oferece base para a teoria formal.

Não parece provável, porém, que Paulo estivesse preocupado com o pouco tempo

que talvez lhe pudesse restar., como que sentisse “escaparem-se as areias do tempo” e sua

carreira prestes a terminar, de modo que fosse necessário deixar um sistema de Teologia à

posteridade; nem tão pouco é possível sustentar que, apesar do vasto conteúdo teológico,

Romanos seja menos importante que as demais cartas escritas pelo apóstolo, ao contrário,

o ensino da epístola aos romanos é completo à luz do ensino das demais.

Indubitavelmente, certas circunstâncias imediatas sugerem o motivo que impeliu o

apóstolo à produção dessa epístola:

A – O desejo do apóstolo de visitar os crentes de Roma, expresso várias vezes no decorrer

da carta: (1:10-14; 14:22; 15:32)

B – Uma exposição clara acerca da condição de morte espiritual (3:28) incluindo todos os

homens, quer sejam judeus quer gentios, colocando-os todos debaixo de uma mesma

19
DAVIDSON – F. O Novo Dicionário da Bíblia, 1997. P. 1153.
20
21

realidade de alienação de Deus, combatendo talvez um problema interno que era comum

nas igrejas neotestamentárias, normalmente provocados por judaizantes . A solução para

esta alienação é apresentada dentro da exposição que o apóstolo faz da soberania de Deus

em eleger um povo específico sem configurações étnicas e raciais, mas composto de todas

etnias e raças e sobre eles aplicar a obra de redenção.

C – A intenção de Paulo de continuar sua obra missionária, voltando agora seus olhos para

o ocidente, desejando chegar até à Espanha, entendendo que sua tarefa no oriente já está

concluída, imbuído no desejo de chegar até “aos confins do mundo”; este interesse levou-o

a apelar aos crentes de Roma que o apoiassem nesse empreendimento, considerando ser

Roma um verdadeiro centro estratégico e sua comunidade cristã é um grupo influente

naquele sentido. (15:24,28)

D - Dificuldades práticas de caráter ético, enfrentadas pelos crentes também podem ser

arroladas como necessidade de uma palavra de orientação do apóstolo. A seção ética do

capítulo quatorze e primeira parte do capítulo quinze evidencia isto.

Há, porém, outras necessidades que ocasionaram a escrita da carta, as quais o

apóstolo as esboçam em cunho doutrinário e teológico, estas descreveremos no próximo

ponto, dentro dos propósitos da carta.

PROPÓSITOS –

A epístola aos Romanos é composta de um profundo tratado teológico que esposa

de forma maravilhosamente clara, importantes doutrinas cristãs, excetuando apenas a

primeira parte do capítulo um, onde o apóstolo faz a saudação à igreja, o capítulo quatorze

e parte do quinze, onde são descritas observações de caráter ético e o capítulo dezesseis,

todo dedicado à saudações e recomendações pessoais e benção final. Na exposição dos

21
22

20
propósitos da carta, seguiremos a seqüência proposta por Champlin e Stott21, onde são

evidenciados os objetivos primários e secundários do postulado doutrinário – teológico,

suas orientações de caráter prático e suas intenções em obter o apoio daquela igreja para a

obra missionária na Espanha:

A – Os argumentos de Paulo sobre a justificação pela fé, descritos nos capítulos primeiro

ao quinto não eram meramente de natureza informativa ou didática. Seus argumentos sobre

o referido tema eram explicitamente apologéticos, ou seja, era uma ferrenha oposição aos

judaizantes que atuavam em Roma, os quais sentiam obrigação ante as leis cerimonias

mosaicas. bem como ante o conceito de salvação através de obras, formalidades e ritos

religiosos. A carta mostra que as benção decorrentes da aceitação do Evangelho não são

prerrogativas dos judeus somente, mas envolve tanto judeu como gregos (1: 16).

B – Na igreja de Roma tinham surgido dificuldades de natureza doutrinária e prática; e

Paulo havia tomado conhecimento desses problemas. Alguns dos membros gentios da

igreja abusavam da liberdade cristã, participando de alimentos oferecidos à ídolos e

fazendo outras coisas perniciosas, que eram especialmente ofensivas para o seguimento

judaico daquela igreja. (capítulos décimo quarto e décimo quinto).

C - Muitos questionamentos entre os cristãos de origem judaica acerca da posição da

nação de Israel aos olhos de Deus, bem como da validade das promessas feitas aos

patriarcas, uma vez que a nação havia rejeitado o Messias. Tal rejeição significava seriam

rejeitados irrevogavelmente por Deus? Esta é a questão tratada no capítulo décimo

primeiro, como resposta à esta indagação dos crentes judeus.

20
CHAMPLIN – Russsel Normam. O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo, 1995. Vol. III
p. 559
21
STOTT, John. Romanos, 2000, p. 31
22
23

D – Novos conceitos e idéias são apresentados, a medida em que são esclarecidas as

questões de justificação e santificação, transformação dos santos à imagem de Cristo e

herança que possuem Nele e o lugar da fé na aplicação destas verdades doutrinárias.

( capítulos um a seis). Os capítulos oito a doze destaca de modo maravilho a inescrutável

soberania de Deus em escolher os que seriam alvos de Seu beneplácito e graça e aplicar

neles a sua justiça realizada por meio de Cristo.

E - A epístola possui também propósitos didáticos, uma vez que nem tudo que o apóstolo

escreveu visou dar solução a problemas de ordem específica. Os estudos sobre a doutrina

da graça e da fé ( cap. 1 - 5), sobre a vida piedosa e graça de Deus ( cap. 6), questões sobre

o matrimônio ( cap. 7) e sua secção prática geral sobre a moral e a conduta cristã (cap. 12

a 15), tem por objetivo ensinar, informar e iluminar, e não meramente resolver problemas

específicos.

F – O grande interesse de Paulo, porém, ao escrever aos Romanos era buscar na igreja de

Roma, o apoio necessário para estender sua missão aos gentios indo até à Espanha. Ele

estava para ir em Jerusalém (Rm15:25), no entanto seus olhos permaneciam na Espanha

(Rm.15:24).o apóstolo já considerava cumprida a sua missão no oriente: Macedonia,

Acaia, Galácia e todas as regiões onde havia plantado igreja. Seu interesse agora era o

ocidente.

O interesse por Roma, além de poder visitar a igreja ali, jazia no fato de Roma estar

situada entre Jerusalém e Espanha. Roma seria o lugar onde o apóstolo receberia o apoio

para avançar com a obra missionária, depois de ter ido a Jerusalém. Assim, Paulo

cumpriria estrategicamente duas missões importantes: visitar Jerusalém levando a oferta

angariada nas igrejas da Macedônia e Acaia, bem como, visitaria Roma, estabelecendo ali,

um ponto de apoio para a sua missão no ocidente. Sobre este ponto Stott destaca:

23
24

Se o destino imediato de Paulo era Jerusalém, seu destino definitivo era a

Espanha. Fato é que a evangelização da quatro províncias da Galácia, Ásia,

Macedonia e Acaia estava completa, uma vez que desde os arredores de

Jerusalém até o Ilírico (aproximadamente a moderna Albania) ele havia pregado

o evangelho “plenamente” (15:19b). E agora, o que faltava? Sua ambição que na

verdade ele havia estabelecido como política, era evangelizar apenas “onde

Cristo ainda não fosse conhecido”, de forma que não “estivesse edificando em

alicerce de outro” (15:20). Agora, pois, ele conjugava essas duas coisas ( o fato e

a política) e conclua que não havia mais “nenhum lugar em que precisasse

trabalhar” (15: 23) Por isso seu alvo agora era a Espanha, que era considerada

uma parte da fronteira ocidental do Império Romano, e onde, até onde ele sabia,

o evangelho não havia ainda penetrado.22

Assim, Paulo une o útil ao agradável: visita a igreja de Roma, onde aliás ele tinha

muitos amigos e pessoas conhecidas (conf. cap. 16) e fala de seus projetos àquela igreja,

pressupondo o auxílio dela para a sua Missão à Espanha. Por isso ele pede que os romanos

o “assista em sua jornada” (15:24), solicitando assim daquela igreja, presumivelmente, o

seu encorajamento, orações e apoio financeiro.

Portanto, além do interesse do apóstolo pelos Romanos para obter através daquela

igreja a sua base estratégica de apoio para alcançar o ocidente, a carta apresenta uma

exposição ordenada de grandes verdades da doutrina cristã, além de apresentar solução a

problemas específicos; reunindo facções em luta, especialmente em função do legalismo e

dar sábias orientações ético – morais. O apóstolo Paulo, neste momento de seu ministério,

compõe uma obra maravilhosa de caráter predominantemente teológico doutrinário, numa

22
STOTT, John. Romanos, 2000, p. 31.
24
25

missiva didática onde são expostas em larga escala, grandes e distintivas verdades da fé

cristã.

25
V - DENOMINANDO

1.16
Ou) - aadverbio de negação – de ou – não

ga\r - conjunção causal pós positiva – de gar – pois

e)paisxu/nomai - verbo, presente do indicativo, voz média, 1 pessoa do singular – de

epaisxun - envergonho

to\ - artigo definido, acusativo, neutro, singular – do

eu)agge/lion - substantivo, nominativo, neutro, singular – evangelho

du/namij – substantivo, nominativo, singular, feminino de dunamis - poder

ga\r - conjunção causal pósposisitiva – porque

qeou= - Substantivo, genitivo, masculino, singular – Deus

e)stin – Verbo, presente, indicativo, voz ativa, terceira pessoa do singular – de

eimi - é

ei¹j – Preposição, acusativo – para

swthri¿an - Substantivo, acusativo, feminino, singular, de soteria - salvação

pant – Adjetivo, dativo, masculino, singular, de pas todo

t%½ - Artigo definido, dativo, masculino, singular, de o – de


27

pisteu/onti, - Verbo, particípio, presente voz ativa, dativo, singular, de pisteuo -


crê ou crendo
¹Ioudai¿% - adjetivo, dativo, masculino, singular, de iodaios – judeu

te – Conjunção cordenativa, de te - e

prw½ton – adjetivo adverbial ordinal, de prwtos – primeiro

kaiì – Conjunção ilativa – de kai – - e

àEllhni. – Substantivo, dativo, masculino, singular, de elleni – grego

1.17
dikaiosu/nh – Substantivo, nominativo, feminino, singular, de dikaiosu/nh –
justiça

ga\r – conjunção causal póspositiva – de gar – porque

Qeou= - Substantivo, genitivo, masculino, singular – de Feos - Deus

e)n – preposição, locativo (dativo), em – (dentro de)

au)t%½ - pronome, dativo, neutro, singular, 3. Pessoa – de autos – nele

a)pokalu/ptetai – Verbo, indicativo, presente, voz passiva, 3. Pessoa,

singular, de apokaluptw – revelada

27
28

e)k - preposição com ablativo, singular – de

pi¿stewj – Substantivo, genitivo, feminino, singular, de pistis - fé

ei¹j – Preposição, acusativo, de eis – em

pi¿stin, - Substantivo, acusativo, feminino, singular, de pistis – fé

kaqwÜj – Conjunção subordinativa, de kafws, conforme

ge/graptai, - Verbo, perfeito indicativo, voz passiva, 3. Pessoa, singular, de

grafw - escrito

¸O – Artigo definido, nominativo, masculino, singular, de o – o

de\ - Conjunção fracamente adversativa póspositiva – e

di¿kaioj – adjetivo, nominativo, masculino, singular, de dikaios – justo

e)k – preposição, genitivo, de ek – de

pi¿stewj - Substantivo, genitivo, feminino, singular, de pistis – fé

zh/setai. – Verbo, futuro, indicativo, voz passiva, 3. Pessoa, singular, de zaw


viverá

28
VI - ASPECTOS GRAMATICAIS ESPECIAIS

A – VERBOS

1- e)paisxu/nomai – presente, indicativo, voz média, 1ª pessoa, singular, de epaisxun

envergonho.

A colocação verbal envergonho estando no presente do indicativo e na voz média,

indica uma ação contínua onde o autor a pratica em benefício próprio, conforme o

conceito de presente do indicativo que indica uma ação contínua ou num estado

incompleto e de voz média que é quando o sujeito pratica a ação em benefício próprio,

assim definido por Rega.23

Assim, Paulo não se envergonha e continua não se envergonhando do evangelho

pelo fato do evangelho se constituir no poder de Deus.

2- e)stin - presente, indicativo, voz ativa, 3ª pessoa singular de eimi – é.

O verbo eimi aqui encontra-se conjugado no modo indicativo, tempo presente, que

conforme Rega24 indica uma ação contínua, durativa e estando na voz ativa, ou seja,

indicando que, como é o autor que pratica a ação, neste caso, o evangelho é e continua

sendo o poder de Deus.

3 – pisteu/onti, - presente, particípio, voz ativa, dativo, singular, de pisteuo – crê.

O verbo pisteuo encontra-se aqui conjugado no modo particípio, tempo presente,

expressando a idéia de qualidade de qualidade de ação de caráter durativo.25

23
REGA – Lourenço Stelio – Noções do Grego Bíblico. 3 ed. São Paulo: Vida Nova, 1995. P. 14 e 17.
24
Ibid. p. 17
25
Ibid. p. 93
30

O fato do verbo encontrar-se no caso dativo, que indica que a palavra na frase

possui uma função sintática de interesse pessoal.26

Assim, é então ressaltado o benefício ímpar da salvação concedido à todos os que

crêem no evangelho.

4 – a)pokalu/ptetai – Presente, Indicativo, Voz passiva, 3ª pessoa do singular, de

apokaluptw - revelada.

O verbo apokaluptw, aqui conjugado no modo indicativo, tempo presente, voz

passiva, que indicam uma ação continuada sofrida pelo sujeito, respectivamente; enfatiza a

idéia de que é através do evangelho que a justiça de Deus é revelada, não havendo,

portanto outro meio de justificação com o qual se possa crer para a salvação.

5 – ge/graptai – Perfeito (2º perfeito), Indicativo, Voz passiva, 3ª pessoa, Singular, de

grafw - escrito.

O verbo grafw aqui conjugado no tempo perfeito, faz parte do 2º perfeito ou

perfeito forte por não levar o kapa, característica básica na formação do perfeito27

Rega28 e Scalkwijk29 destacam que o significado do tempo perfeito em grego é

combinar uma ação pontiliar e uma ação durativa e expressar, geralmente no indicativo, o

efeito ou o estado no presente como resusltado de uma ação no passado, indicando assim,

uma ação completa.

No texto, o referido verbo é empregado em uma sentença fraseológica onde está

sendo apontado o resultado de uma ação e não o seu processo: “como está escrito”, sendo

26
REGA – Lourenço Stelio. Noções do Grego Bíblic, 1995 p. 33
27 27
Ibid. P. 126
28
Ibid. p. 123
29
SCALLWIJK – Frans Leonard. Coinê – Pequena Gramática do Grego Neotestamentário, 1994. P. 98
30
31

assim, um perfeito intenso, conforme sugere Rega30 ao tratar deste tema em sua obra

Noções do grego bíblico.

Portanto, o pensamento de Paulo ao se referir ao Antigo Testamento acerca de algo

que já fora dito está dizendo que a justiça de Deus que é revelada de fé em fé no evangelho

é o resultado de uma ação realizada de forma definitiva, prevista, descrita e ocorrida no

passado mas que produz e continua produzindo resultados.

6 – zh/setai – Futuro, Indicativo, Voz passiva, 3ª pessoa, Singular, de zaw - – viverá.

O verbo zaw - conjugado aqui no futuro do indicativo, voz passiva indica o modo

como será a vida dos que crêem no evangelho que revela a justiça de Deus. Uma vida

ininterrupta que não apenas durará por algum tempo, mas que continuará para sempre.

B – CASOS DOS SUBSTANTIVOS .

É relevante a análise dos casos dos substantivos no texto em questão uma vez que a

definição destes, lança luz à compreensão do pensamento do autor.

1 – Nominativo -

eu)agge/lion – Substantivo, nominativo, neutro, singular – evangelho.

O substantivo acima classificado no caso nominativo. Sobre o significado do caso do

substantivo, Rega diz:

Caso é a propriedade que indica a função sintática – sujeito, objeto direto,

indireto, etc. que o substantivo exerce na frase. Caso, portanto, é a flexão dos

substantivos que tem o propósito de expressar as relações entre as palavras de


31
uma frase.

30
REGA – Lourenço Stelio. Noções do Grego Bíblico, 1995 P. 32
31
Ibid. p. 123.
31
32

O caso nominativo no substantivo indica que ele desempenha o papel de sujeito da

oração. Isto é atestado por Luz32 que afirma que o nominativo é a forma que o substantivo

usa para exercer o papel de sujeito da frase Esta afirmação também é atestada por Rega e

Schalkwijk. Logo, Paulo, ao colocar o evangelho como sujeito de seu enunciado, o

apóstolo está enfatizando que todas as demais ações e fatos desenvolvidas no decorrer

deste texto terão como foco; o sujeito como causador de todas os fatos por ele afirmados.

Assim Paulo está dizendo que do que ele não se envergonha é o evangelho; que a fonte do

poder de Deus para a salvação é o evangelho, que o poder para a salvação de todo aquele

que crê é o evangelho e que no evangelho é revelada a justiça de Deus.

3- Genitivo –

Segundo Schalkwijk33 há vários tipos de genitivo. O substantivos que aparecem neste

texto de Rm. 1:16-17 são classificados como genitivo subjetivo, que indica posse,

procedência e é o tipo genitivo que indica o sujeito.

Qeou= – Substantivo, Genitivo, masculino, singular – Deus.

O uso do substantivo no caso genitivo assinala papel de posse. Esta afirmação é

compartilhada por todos os autores consultados neste trabalho: Rega, Luz e Schalkwijk..

Há dois substantivos no texto que são nomes próprios mas que estão no genitivo, o

substantivo qeou= - Deus.

32
LUZ – Waldir Carvalho. Manual de Língua Ggrega. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1991. Vl. I p.
69.

33
Scalkwijk – Frans Leonard. Coinê – Pequena Gramática do Grego Neotestamentário. 7 ed. Patrocínio:
CEIBEL, 1994. P 165
32
33

A primeira vez onde ocorre o uso deste caso é no segundo período da frase: por

que é o poder de Deus. Pelo fato de qeou= estar no genitivo, o que Paulo está dizendo

enfática e categoricamente de forma absolutamente clara que o poder no qual se constitui

o evangelho para a salvação de todo aquele que crê é de Deus. Somente Deus é o detentor

da posse deste poder e tal poder vem somente dEle, pois sendo Deus a fonte de todo poder,

logo o poder se origina dEle e só a Ele pertence. Assim sendo, poderíamos pensar que o

apóstolo teria escrito este texto com este substantivo contendo tanto a idéia de posse, caso

genitivo, como a idéia de origem, caso ablativo34, que aliás são duas idéias que, neste caso

específico não são excludentes. Para este caso, porém, é melhor aplicado o genitivo

subjetivo que indica que o poder para a salvação encontra-se no evangelho, no entanto, este

poder é procedente de Deus.

A Segunda vez que o genitivo ocorre com o mesmo substantivo, qeou=, é na

afirmação porque no evangelho é revelada a justiça de Deus. A mesma idéia de posse

ocorrida na primeira afirmação é destacada aqui. Paulo está dizendo que a justiça revelada

no evangelho não é a sua justiça, não é a justiça dos homens, da lei ou do governo civil

humano, mas a justiça revelada no evangelho é a justiça de Deus. Ressalta-se, porém, a

classificação do genitivo subjetivo neste caso, que indica uma justiça que tem nascedouro,

procede e pertence a Deus, mas que é imputada sobre nós.

4 - PREPOSIÇÕES -

34
REGA – Lourenço Stelio. Noções do Grego Bíblico. 3 ed. São Paulo: Vida Nova, 1995. P.33

33
34

Segundo Rega35 preposição é a palavra que avalia o substantivo a expressar seu caso

ou função na oração.

No texto em estudo, destacamos as preposições para ressaltar seus significados e

sentidos com o qual e para qual foram empregadas pelo autor.

ei¹j - para

Preposição regida por acusativo, caso que expressa idéia de extensão36. Esta

preposição precede o substantivo swthri¿an que encontra-se no acusativo, logo rege a

preposição que o antecede.

Assim, o que Paulo deseja falar é que a salvação é estendida à todo aquele que crê,

conformando-se com clássico Jo. 3:16 que também apresenta a preposição ei¨5 no caso

acusativo dando uma idéia de extensão: “ ... para que todo aquele que nEle crê não

pereça, mas tenha a vida eterna.”

e)n – nele – (no evangelho)

Um aspecto gramatical relevante se destaca no uso desta preposição neste texto de

Paulo, uma vez que na ocorrência da referida preposição há a indicação da possibilidade do

uso de três casos.

O pronome que sucede a referida preposição, autw, vem a tratar-se de um neutro,

dada a sua terminação (w) e por conseguinte tanto pode se classificada por locativo, como

por instrumental ou dativo.

35
REGA – Lourenço Stelio. Noções do Grego Bíblico, 1995. P. 51

36
Ibid. p. 33
34
35

a – e)n au)t%½ – regido por instrumental –

Se a expressão, preposição / pronome for interpretada usando o caso instrumental,

caso que segundo Rega37 indica o meio pelo qual a ação verbal é realizada; o sentido

então, que o autor deseja expressar é que o evangelho, o sujeito da oração, é o meio, o

instrumento pelo qual é revelada a justiça de Deus.

b – e)n au)t%½ - regido por dativo

Se a expressão, pronome / preposição for interpretada com o uso do dativo, caso

que indica interesse pessoal (vantagem ou desvantagem)38; teremos então a idéia expressa

de que é interesse do evangelho revelar a justiça de Deus.

Não nos parece apropriado o emprego deste caso para a tradução desta expressão

pelas seguintes razões:

• O interesse do evangelho não é revelar apenas a justiça de Deus, mas também o seu

amor, a sua misericórdia e graça manifestadas em Jesus Cristo, o Filho unigênito do

Pai, através do qual é assegurada a salvação de todo aquele que crê.

• Não seria coerente com as normas gramaticais o uso de uma preposição que por regra é

regida somente por um caso, o locativo, como é o caso da preposição eis39, associado à

outra palavra que esteja em outro caso. Atestando esta impossibilidade Rega destaca:

As preposições não governam os casos , mas apenas auxiliam os substantivos a

expressar o seu relacionamento com o verbo ou outras partes da oração.40

c - e)n au)t%½ regido por locativo –

37
REGA – Lourenço Stelio. Noções do Grego Bíblico, 1995. p.51
38
Ibid. p. 33
39
Ibid. p. 52

40
Ibid. p. 51
35
36

A preposição e)n, segundo Rega41, é regida apenas pelo caso locativo, que exprime a

idéia de lugar sendo traduzida por em e nos parece ser a forma mais apropriada para a

tradução deste texto.

Assim sendo, a expressão e)n au)t%½, sendo traduzida no caso locativo, exprime,

portanto, a idéia de que no evangelho e nele somente é o lugar onde a justiça de Deus é

revelada.

Ao afirmar que somente no evangelho é revelada a justiça de Deus, Paulo está

partindo do princípio do conceito de Evangelho que ele tinha; ele sabia que o evangelho é

de Jesus Cristo, Filho de Deus, (Mc. 1:1) as boas novas, as boas notícias do Filho de Deus,

boas notícias de redenção justificação e salvação e que neste evangelho está todo o

arcabouço das verdades acerca da salvação. Ele já havia dito aos Gálatas que o único

evangelho digno de crédito é o evangelho de Cristo e que quem pregasse outro evangelho

diferente deste deveria ser anatemizado (Gl. 1:7-8). Logo, era muito claro para Paulo o

lugar, a fonte de toda revelação da justiça de Deus: o evangelho, o arcabouço onde está

registrada toda esta revelação.

e)k - de

Segundo Rega42 esta preposição é regida somente pelo caso ablativo e e´ traduzida

por de, de dentro de. Com ele concorda também Chamberlain43 que acentua: “ Em o Novo

Testamento, é esta preposição usada somente com o ablativo.”

41
REGA – Lourenço Stelio. Noções do Grego Bíblico, 1995. p 51
42
REGA – Ibid.. p. 51

43
CHAMBERLAIN. W.D. Gramática exegética do Grego Neo Testamentário, 1989. P. 56
36
37

Na frase em questão o substantivo também está no caso ablativo, combinando

assim com a preposição que por regras gramaticais somente são regidas pelo caso ablativo.

Assim, ao afirmar que ¸O de\ di¿kaioj e)k pi¿stewj zh/setai, mas o justo viverá (de)

pela fé, o apóstolo Paulo está afirmando, ao lançar mão de uma citação do Antigo

Testamento, onde o povo de Judá é encorajado a viver pela fé devido a uma situação de

execução do juízo de Deus sobre eles, que o homem justificado pela justiça de Deus poderá

viver, pela fé, em meio a um mundo maldito e sujeito ao pecado.

No entanto, esta fé que garante a vida do justo não é uma fé causal e nem a base

objetiva da justificação, meio pelo qual é possibilitada a vida, mas esta fé é sim

instrumental e a condição subjetiva para esta vida. Tal qual o alimentar-se é a condição

para a nutrição, ou seja, o poder alimentício se encontra no alimento, que para produzir

algum resultado precisa ser ingerido e digerido; assim também o poder salvador encontra-

se na Pessoa do Senhor Jesus Cristo e não na fé. Entretanto para receber o Senhor Jesus

Cristo, fonte de toda a vida é somente através da fé, que é concedida também por Deus

para que nos apropriemos da justiça de Cristo e vivamos.

Assim, a melhor tradução para a sentença ¸O de\ di¿kaioj e)k pi¿stewj zh/setai

é mas o justo viverá pela fé e não o justo viverá de fé, por ser esta o meio pelo qual se

apropria da justiça de Cristo e não a fonte desta justiça. A fé não é a causa, mas o

instrumento pelo qual se apropria desta justiça.

Todavia, para sermos coerentes com as regras gramaticais, onde ek somente é

regido por ablativo, não se agrupando a nenhum outro caso e por conseguinte permitindo

somente a tradução “de”. Ainda mais que o substantivo que sucede a referida preposição

37
38

encontra-se no ablativo. Assim a nossa tradução, fazendo jus às regras gramaticais é ¸O de\

di¿kaioj e)k pi¿stewj zh/setai “ mas o justo viverá de fé.”

38
VII - PALAVRAS CHAVES

1- Substantivo – eu)agge/lion

O termo eu)agge/lion significa boas novas, boas noticias. O Novo Dicionário da

Bíblia44 diz que na literatura clássica essa palavra designava a recompensa dada pela

entrega de boas notícias, e sua transferência posterior significando as próprias boas notícias

pertence ao Novo Testamento e à primitiva literatura cristã.

O DITNT ( Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento) destaca que a

palavra evangelho é derivada do substantivo aggelos que significa mensageiro, que por

sua vez deriva-se aggelw - anunciar. Assim, eu)agge/lion originalmente significa

mensageiro, aquele que anuncia.

O substantivo eu)agge/lion tem significância de mensagem. Sobre isso, o DITNT

destaca:

eu)agge/lion significa: a) “recompensa” que se paga ao mensageiro da notícia

da vitória (suas boas novas trazem alívio aos que a recebem, e por isso, é

recompensado; b) a própria mensagem, um termo técnico para mensagem de

vitória; a conexão do emprego da palavra aos oráculos divinos i. é. a promessa

dalgum evento futuro; mas é no culto ao imperador romano, uma prática

observada na antigüidade, que o substantivo eu)agge/lion ganha um sentido

religioso45.

44
O NOVO DICIONÁRIO DA BÍBLIA, 1995 p. 895
45
BROWN, Lolta Coenon Colin. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, 2000 p. 1148
40

Assim, numa atmosfera cristã as notícias do nascimento, vida, morte e ressurreição

de Jesus Cristo se traduz na mais excelente das notícias.

O evangelista Marcos chamou o livro que escreveu de “Evangelho de Jesus Cristo;

Filho de Deus.” Para ele o evangelho compreende todos os fatos realizados e ensinos

proferidos por Jesus; tendo, porém, como mensagem essencial a morte e a ressurreição de

Jesus, que aliás, é a mensagem enfaticamente anunciada pela igreja primitiva, como o

próprio Marcos diz ao declarar que o conteúdo de sua narração é o evangelho, boas

notícias de Jesus Cristo, ao mesmo tempo que define o propósito deste evangelho em 1: 15

“o tempo está cumprido e o reino de Deus está próximo, arrependei-vos e crede no

evangelho.”

É, portanto, uma mensagem de salvação para os que crêem no conteúdo dela. O evento

de Jesus Cristo, especialmente sua obra redentora assegura esta salvação a todo aquele que

crê; e este conteúdo reveste a mensagem de poder sobrenatural, pois, é a aplicação das

verdades contidas nesta mensagem chamada evangelho que garante a salvação tanto para

judeus como para gregos.

A mensagem anunciada pelos primeiros arautos do cristianismo, uma mensagem cujo

cerne do conteúdo é a obra expiatória e redentora que Jesus veio realizar. Uma obra

poderosa e eficaz que reconcilia o homem pecador com o Deus Santo, à medida que é

anunciada e o Espírito faz a eficaz aplicação dela no coração dos que foram destinados a

recebê-la.

Portanto, é do conteúdo de toda a obra que Jesus veio realizar em favor dos seus

escolhidos e que é poderosamente eficaz para a salvação deles que Paulo declara não se

sentir envergonhado.

2 – Substantivo du/namij – poder

40
41

46
Segundo o DITNT a palavra poder ocorre 118 vezes no Novo Testamento com

relativa freqüência nos escritos de Paulo.

du/namij – da raiz duna – significa poder, potência, força.

Na definição desta palavra, o referido dicionário destaca: A palavra du/namij sugere a

capacidade inerente de alguma pessoa para realiza algo, seja material, político, militar,

físico ou espiritual.47 Paulo enfatiza ainda mais a experiência no presente da revelação do

poder de Deus entendido principalmente em termos do poder que ressuscita

espiritualmente os mortos no último dia e da nova vida concedida pela operação do

Espírito Santo. Este poder que opera nos últimos dias era percebido em Cristo, o

ressuscitado e estando na condição de glorificado é o mediador deste poder.

Ainda sobre o poder de Deus, o DIT destaca:

Reconhecidamente, pode-se deduzir o poder invisível de Deus ao contemplar as

obras da criação (Rm. 1:20). Todavia, é a ressurreição de Jesus dentre os mortos

que representa a prova escatológica central do poder de Deus (Rm. 1: 4; I Co

5:14). A ressurreição é acompanhada pela glorificação (Ef. 1:20-21) mediante a

qual, Cristo fica sendo “o poder de Deus” i. é. a fonte constante disponível de


48
poder de Deus para sua igreja.

Assim, ao declarar que o evangelho é o poder de Deus, Paulo tem em mente a

eficaz obra de Cristo evolvendo o anúncio da mensagem, a implantação de uma nova vida,

resultando a manifestação desta em conversão e a recepção da justificação. O evangelho é

o poder de Deus porque no anúncio de seu conteúdo está o amor de Deus que envia Seu

46
BROWN, Lolta Coenon Colin. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, 2000 p. 1694
47
Ibid. p. 1694

48
Ibid. p. 1694-1695
41
42

Filho amado para cumprir a lei satisfazendo a justiça de Deus morrendo na cruz e

manifestando o poder ao ressurgir dos mortos e concedendo este poder mediante a

aplicação da obra redentora aos eleitos. Sobre este tema o DITNT destaca:

O evangelho e eficaz como poder de Deus que traz a salvação porque a

mensagem é anunciada com o poder de Cristo, mas sobretudo porque como

Palavra de Deus, concede a salvação à todo aquele que ouve e crê. O evangelho

é eficaz como poder de Deus porque anuncia o amor de Deus, a quem os homens

temem como juiz para a condenação do mundo , amor que foi visivelmente

comprovado na cruz, onde Cristo morreu por nós enquanto éramos ainda

pecadores (Rm. 5: 8). 49

Portanto, o próprio evangelho como boa nova de reconciliação, se constitui no

poder da salvação, quando é reconhecido e aceito pela fé conforme disse Paulo: “ o

evangelho é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê.”

3 - ¹Ioudai¿% - judeu

Segundo o Novo Dicionário da Bíblia50 judeu é o vocábulo que originalmente

descrevia qualquer habitante de Judá (I Rs. 16:6) e nessa qualidade era também empregado

nos textos assírios contemporâneos desde pelo menos o século VIII A.C.

O termo é comumente usado pelos não judeus para referir-se aos hebreus ou

descendentes de Abraão em geral. Pelos tempos neotestamentário o emprego da palavra

compreendia todos os israelitas descendentes de Abraão.

No texto em questão, antes do substantivo ¹Ioudai¿% aparece o adjetivo adverbial

ordinal prw½ton “primeiro” indicando uma atitude comum à história da igreja

49
BROWN, Lolta Coenon Colin. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, 2000 p. 1695
50
O NOVO DICIONÁRIO DA BÍBLIA, 1995 p. 885
42
43

especialmente nas duas primeiras décadas de existência. É bastante claro na Escritura que

os primeiros missionários buscavam alcançar primeiramente os judeus. Esta primazia dos

judeus aqui destacada por Paulo é atestada também em At. 13:46; 17:22; 18:4 , 19 e !9:8.

Champlin51 destaca as razões específicas pelas quais ao judeu sempre era anunciada a

mensagem em primeiro lugar:

a – A grande comissão de At. 1:8 sugere o anúncio primeiro em Jerusalém, depois na

Judéia, Samaria, Galiléia, todos territórios de hebreus, só depois então, até aos confins do

mundo.

b – Por razão de direito, Jesus era de linhagem judaica e era filho de Abraão e o Messias

judeu.

c - Por razão de dever. Pelo fato de terem sido quase todos os primeiros cristãos de origem

judaica, tenha os feito sentir o dever de anunciarem, antes de mais nada, aos seus

compatriotas.

d – Por causa das palavras proferidas pelo Senhor Jesus: “... de preferência, procurai as

ovelhas perdidas de Israel” (Mt. 10:5-6).

e - Por motivo de preconceito. Isto é claro nos capítulos 11 e 15 do livro de Atos, onde os

cristãos teriam sentido ser abaixo de sua dignidade e contrário à lei cerimonial mosaica o

contato com os gentios, pelos que lhes parecia que a pregação do evangelho aos povos

gentílicos era simplesmente impossível.

4 - àEllhni – Grego

51
CHAMPLIN – Russsel Normam. O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo, 1995. Vol. III
p. 560
43
44

Segundo Davis52 o termo “grego” é o nome que designa uma pessoa natural da

Grécia, ou pertencente à raça grega.

Ao usar esta expressão, referindo-se à pessoas pertencentes a esta nacionalidade o

apóstolo refere-se a um povo que não era judeu enfatizando que o evangelho não é

prerrogativa exclusiva dos judeus. É certo que Paulo emprega a expressão para referir-se a

todos os outros povos além de judeus, tendo o termo um sentido genérico.

Assim, ao referir-se da extensão do evangelho também aos gregos, Paulo fala do

poder de Deus expresso no evangelho alcançando não só judeus, mas também gregos,

representando os povos gentílicos indistintamente.

5 – dikaiosu/nh Qeou – justiça de Deus

dikaiosu/nh – justiça, retidão –

A palavra dikaiosu/nh, segundo o DITNT 53 que tão claramente destaca a origem,

o conceito e o desenvolvimento desta palavra destaca que dikaiosu/nh é derivada de

dige(castigo). Originalmente o substantivo raiz significava “instrutora” , “instrução”.

Seguindo a ordem proposta pelo referido dicionário, passamos ao desdobramento de

compreensão desta palavra:

a – na mitologia grega -

Dike é filha de Zeus que participava de seu governo no mundo. Zeus faz diferença

entre os animais e homens. Aos primeiros deu um nomos (lei – para que se devorassem

52
DAVIS- Jonh D. Dicionário da Bíblia, 1977. P. 228
53
BROWN, Lolta Coenon Colin. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, 2000 p. 1118

44
45

mutuamente) e aos últimos deu Dike, cuja inimiga implacável é Krie, a violência.

Assim, o significado básico religioso, apreendido da mitologia grega, Dike é uma força

cósmica elemental que os homens considera superior a eles mesmos. Não um padrão

imposto por Deu, mas algo imanente da natureza da existência e que relaciona com o

convívio humano na sociedade.

Depois de Homero, o termo já era também considerado como uma expiação ou

punição ou como sendo a deusa do castigo que perseguia os malfeitores.

Para Platão e os filósofos que viveram depois dele é justo e aprovado a existência

de várias classes sociais com graus diferente de poder e que cada um tomasse sobre si

aquilo que era próprio de usa posição. Noutras palavras, Dike adquiriu a classificação de

fundamento axiomático e inabalável de toda a vida humana.

O homem justo (di¿kaioj) originalmente era aquele cujo comportamento se

encaixava no contexto da sociedade e que cumpria suas obrigações religiosas e para com o

seu próximo, sendo a observância dessas práticas o que o diferenciava dos injustos.. a

arrogância e o comportamento incivilizado não eram consoantes com o caráter de um

homem justo, e portanto, o termo di¿kaioj zow (vida reta) se aplica ao modo civilizado de

vida, que fazendo contraste com o barbarismo, aderia às regras de uma sociedade ordeira.

Num período posterior é ressaltado o aspecto jurídico da palavra e di¿kaioj ganha

um sentido de “justo” no que diz respeito à lei.

O substantivo dikaiosu/nh (sendo que sune indica uma abstração sendo uma

formação posterior). O termo é empregado no sentido que denota a qualidade do homem

justo e indica também o padrão que o juiz é obrigado a sustentar.

b – No Antigo Testamento –

45
46

O substantivo di¿kaioj, muito freqüente na LXX (Septuaginta) está ligado ao

grupo de palavras hebraicas baseada em #dq e corre 462 vezes no Antigo Testamento.

dikaiosu/nh, normalmente traduzida por h)q)e# e um pouco menos freqüente por t#edq

(ocorre cerca de 200 vezes) é traduzida por justiça, retidão e é empregada com este sentido

deste os tempos patriarcal, onde é destacada uma vida reta, de conformidade com os

padrões estabelecidos por Deus.

No período pré exílico o acesso a justiça de Deus era negado à pessoas cujo padrão

de vida não estava a altura de Deus e no período pós exílico, dikaiosu/nh era entendida

analisando a justiça do homem que nada vale em contraste com a justiça de Deus e que

estes dependem exclusivamente da misericórdia de Deus.

O conceito de justiça extraído da raiz hebraica qsd não traz um sentido

estritamente jurídico. O homem é justo à medida que age de conformidade com o pacto

que o une a Deus. Deus é justo na extensão em que se manifesta em consonância com a

aliança que foi estabelecida e a justiça de Deus são os atos de poder que são realizados em

favor de seu povo; podendo também exercer justiça, sendo Deus justo, intervindo contra o

seu povo executando punição quando este é infiel à aliança. Um exemplo desta

manifestação de justiça de Deus é punição do povo com o cativeiro assírio e babilônico.

No entanto, o desenvolvimento da compreensão de dikaiosu/nh foi sendo

ampliado á medida em que a justiça de Deus se contrasta com a “justiça” do homem. A

justiça de Deus é encarada com base no seu caráter expresso nas exigências da Lei e suas

ações demonstradas em favor de seu povo. Ao contrastar o caráter do homem e suas ações

com caráter e atitudes de Deus, dikaiosu/nh adquire um sentido mis judicioso, uma vez

que coloca o homem à mercê desta justiça e ela ganha então uma sentido forense (judicial).

46
47

c – Em Paulo –

Segundo o DITNT 54, o substantivo dikaiosu/nh ocorre 50 vezes nos escritos de

Paulo. É Paulo que faz o emprego em maior intensidade desta expressão, ampliando o seu

sentido com relação ao entendimento dela no Antigo Testamento. para Paulo, a justiça de

Deus é essencialmente o modo de Deus tratar o seu povo, baseado na sua aliança. Que

assim se constitui numa nova humanidade, um novo Israel composto de judeus e gentios.

Esta justiça se revela pelo fato de que os propósitos de Deus não são frustrados pelo

pecado do homem, ao contrário, Ele continua sendo Onipotente, tanto como Senhor como

Salvador, a despeito da rebeldia do homem. A transgressão e a incredulidade de um

homem (G. 3) trouxeram ao mundo a descrença e como resultado todos os homens caíram

sob a condenação divina ( a justiça de Deus em contraste com a justiça do homem). Agora,

porém, o ato justo (di¿kaioj) de um só homem (Cristo), sua confiança total nAquele que

justifica os ímpios desafia a maldição do pecado ao trazer para o mundo a segurança da

confiança em Deus. Como resultado da vinda de Cristo a dikaiosu/nh tou Qeou (justiça

de Deus) é revelada e a diakiosis (absolvição, o declarar justo) é então efetivada.

O significado de justiça de Deus neste texto, que a introdução de toda a epístola de

Paulo aos Romanos é bastante amplo.

Primeiramente, seguindo o conceito de justiça de Deus no Antigo Testamento, a

abordagem não será exatamente em termos forenses. Leenhardt55 comentando este texto

diz que “quando o evangelho é pregado Paulo tem a consciência de ser revelada a justiça

54
BROWN, Lolta Coenon Colin. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, 2000 p. 1128

47
48

de Deus com a eficácia própria dessa revelação”. A afirmação do apóstolo é o evangelho é

o poder de Deus para a salvação e que no evangelho é revelada a justiça de Deus. o

referido comentarista afirma que “Paulo precisa o sentido de swthri¿an – salvação com

dikaiosu/nh – justiça, salvação aliada à justiça. Salvação e justiça aqui não possuem

sentido antagônico”.

Leenhardt56 estabelece um paralelo entre o texto de Rm. 1: 17 e o Salmo 98:2 ao

tratar de justiça de Deus: O Senhor fez notória a sua salvação, manifestou a sua justiça

perante os olhos das nações.” Assim Deus revela sua própria justiça aos olhos das nações;

da mesma forma Paulo declara que a justiça é revelada ao judeu e ao grego. Mais

interessante ainda, diz o comentarista “é o paralelismo em que o salmista, no verso anterior

(1) relatou o poder de Deus (seus milagres, suas vitórias, seu braço santo) em contraste

com o que afirma o apóstolo aos Romanos que o Evangelho é o poder de Deus para a

salvação.”

Todavia, não é possível olhar para o significado de justiça de Deus neste texto e

ignorar o aspecto forense que o envolve. A justiça é um atributo divino. Justiça descreve o

caráter de Deus juntamente com suas ações que correspondem ao seu caráter. Ele é o juiz

de toda a terra e por isso sempre fará justiça (Gn. 18:25), pois Ele ama a justiça e odeia a

iniquidade e a eqüidade é o cetro de seu reino (Sl. 45:6).

O tema geral de Romanos é a manifestação suprema da justiça pessoal de Deus que


57
se revela na cruz. Stott diz que “quando Deus apresentou Jesus como sacrifício para

propiciação, Ele o fez para demonstrar sua dikaiosu/nh – justiça (Rm. 3:225 e repetido

55
LEENHARDT- Franz J. Epístola aos Romanos – Comentário Exegético, 1969. P. 45
56
Ibid.

57
STOTT, John – A Mensagem de Romanos, 2000 . p. 65
48
49

em 3:26) e para que ele mesmo possa ser simultaneamente “justo” e o “justificador”

daquele que tem fé em Jesus (3:26 b)”. Isto é confirmado, uma vez que em toda a Carta

aos Romanos Paulo assevera acerca da integridade do caráter e do comportamento de

Deus. Para Paulo, tudo o que Deus faz, seja em se tratando de salvação, tudo é coerente

com a justificação.

A justiça de Deus é entendida como o que Stott58 denomina de conquista divina.

Trata-se de uma justiça que procede de Deus (genitivo possessivo objetivo), um estado de

justiça que Deus requer de nós se queremos comparecer diante dEle, que Ele nos propicia

através do sacrifício expiatório na cruz, que Ele nos revela no Evangelho e que é concedido

gratuitamente à todos que crêem em Jesus Cristo. Este é o sentido em que Paulo usa a

expressão “justiça de Deus”.

Não obstante a justiça de Deus ser entendida em termos de atributo divino, i.e.

(nosso Deus é um Deus justo); ser entendida também como uma ação divina (Deus vem

em nosso socorro, Ele é a nossa justiça e a nossa salvação), é mais coerente com o tema

geral de Romanos entendermos a justiça de Deus como aquisição divina, outro termo
59
usado por Stott , aquisição em termos forenses, ou seja, Deus nos concede o status de

justos, sendo o nosso juiz e ao mesmo tempo, justificador).

Assim, a justiça de Deus é a iniciativa justa tomada por Deus ao justificar os

pecadores consigo mesmo, concedendo-lhes uma justiça que não lhes pertence, mas que

vem do próprio Deus. A justificação de Deus é a justificação justa do injusto através da

qual Ele demonstra a sua justiça ao mesmo tempo que nos confere justiça. Isto Deus fez

58
STOTT, John – A Mensagem de Romanos, 2000 Ibid. p. 67 -

59
Ibid . p. 67
49
50

por meio de Cristo, o justo que morreu pelos injustos. Isto passa a ser fato na vida do

homem no momento que este, pela fé confia em Deus – o justo viverá pela fé.

6 – pi¿stewj - fé

A palavra fé é usada por três vezes no versículo 17 do capítulo 1 de Romanos:

e)k pi¿stewj ei¹j pi¿stin - de fé em fé

e)k pi¿stewj – de fé

A palavra, quer como substantivo - pi¿stewj, quer como verbo – pisteuo ocorre

cerca de 240 vezes no Novo Testamento60. No Novo Testamento, pi¿stewj construída

com a preposição eis ocorre 49 vezes, sendo que 39 vezes estão nos escritos de Paulo61.

A melhor definição para fé é a definição dada pela Escritura Sagrada em Hebreus

11:1: “Ora, a fé é a certeza das coisas que se esperam, a convicção dos fatos que se não

vêem.” Calvino62 define fé como o “firme e seguro conhecimento da divina benevolência

para conosco, (conhecimento) que fundado na verdade da graciosa promessa em Cristo não

só é revelada à nossa mente, mas é também selado em nosso coração, mediante o Espírito

Santo.”

Antes de explorar o sentido de fé usado por Paulo no texto em questão, analisemos

os vários tipos de fé apresentados na Escritura:

Charles Hodge em sua Teologia Sistemática63 destaca três tipos de fé: fé morta ou

especulativa, fé temporal e fé salvívica e Louis Berkhof (op. cit) , que concorda com ele

60
HOEKEMA, Antony – Salvos pela Graça, 1997. P. 139
61
BERKHOF, Louis – Teologia Sistemática, 1990 p 498.
62
Institutas- III. 2.7
63
HODGE, Charles. Teologia Sistemática, 2001. P. 1077
50
51

nestas, acrescenta outras duas ainda: fé histórica e fé miraculosa. Hoekema64 destaca ainda

a fé como dom.. A título de escalrecimento, citaremos resumidamente o significado de

cada uma delas:

a – Fé histórica, morta ou especulativa – Trata-se da pura e simples apreensão da verdade,

vazia de qualquer propósito moral ou espiritual. O conteúdo histórico e as verdades morais

e espirituais são aceitos à medida em que estes satisfazem os interesses pessoais. Esse tipo

de fé pode ser resultado da tradição, educação, opinião pública e até discernimento da

grandeza da Escritura e de outros fatores, no entanto somente como resultado das

operações gerais do Espírito. É uma fé humana e não uma fé divina. Pode ser ortodoxa e

escriturística mas não está arraigada no coração.

b – Fé temporal – E a persuasão de verdades religiosas que vem acompanhada de algumas

incitações da consciência e de uma agitação dos afetos, mas não tem suas raízes comum no

coração regenerado. É chamada de fé temporal porque não permanece nos dias de

provação e perseguição. Os que recebem a impressão do evangelho crêem, mas porque não

tem raízes em si mesmos (Mt. 13:1), mais cedo ou mais tarde apostatam. Difere da fé

histórica no interesse pessoal que mostra pela verdade e na reação dos sentimentos à

verdade, às vezes, chega até se confundir com a fé salvadora. Esse tipo de fé se baseia na

vida emocional e busca satisfação pessoal em vez da glória de Deus.

c – Fé miraculosa ou sobrenatural – È a persuasão produzida na mente de uma pessoa de

que um milagre será realizado por ela ou em favor dela. Uma tarefa que transcende os

poderes naturais dada por Deus a uma pessoa e a capacidade para fazer ou realizar esta

tarefa requer fé. São os casos de homens que aparece como instrumento de Deus. é uma fé

64
HOEKEMA, Antony – Salvos pela Graça, 1997. p. 149
51
52

65
em milagres no sentido ativo: Mt. 17:20; Mc. 16:17,18. Berkhof diz que este tio de fé

nem sempre é acompanhada de fé salvadora: Mt. 8:10-13; Jo. 11:22, 25-27, 40 e At. 14:9.

d – fé como Dom – è a fé oriunda e dada por Deus. a fé que produz regeneração e leva ao

arrependimento, a fé que é fruto exclusivo da operação do Espírito. É a fé de Ef. 2:8-10 e

Fl. 1: 29.

e – Fé Salvadora – segundo Hodge é a fé que assegura a vida eterna, que nos une a Cristo

como membros vivos do Seu corpo, que nos converte em filhos de Deus, que nos faz

participantes de todos benefícios da redenção, que opera através do amor e é frutífera em

boas obras. É a fé que tem a sede no coração e suas raízes na vida regenerada. É a fé dada

por Deus sem nenhum tipo de participação humana, plantada em nosso coração para nos

capacitar a olhar para Cristo e receber todas as bênçãos redentivas que Ele nos assegurou

na Cruz. Ef. 2:8-10.

f - Fé como conjunto de verdes reveladas - Além destes tipos de fé encontrado na

Escritura, acescenta-se ainda a fé como conjunto de verdades reveladas.66 A Escritura é

chamada de fé em alguns textos:

At. 13:8 – “procurando afastar da fé” – apostatar da fé, naufragar = abandonar. Significa

afastar da verdade de Deus expressa na Escritura.

At. 13:15 – “leitura da lei e dos profetas” – o ensino do Antigo Testamento interpretado e

aplicado em uma mensagem evangélica.

Jd. 3 – “ batalhardes diligentemente pela fé” – Fé aqui designa o conteúdo da mensagem

ensinada pelos apóstolos e professada pelos crentes.

65
BERKHOF, Louis – Teologia Sistemática, 1990 p 505
66
CAMPOS, Heber Carlos de. MATOS, Alderi Souza de, LOPES,Augustus Nicodemus, NETO, Francisco
S. Porela – Fé Cristã e Misticismo., 2000 p. 106-107.
52
53

Fl. 1:27 – “lutando pela fé evangélica” – conjundo de verdades anunciada pelos apóstolos.

Elementos da fé –

A fé não pode ser compreendida se não apreciarmos os elementos que a envolve. A

fé é uma atividade do homem como um todo e não apenas parte dele, muito embora, antes

de tudo, a fé é um Dom exclusivo de Deus, mas que envolve a atividade do homem, pois

no exercício da fé, a alma humana funciona através de suas atividades comuns, agindo

portanto, no:

Intelecto – ( Notitia – conhecimento)

O homem aceita como verdadeiro aquilo que crê e se convence da veracidade das

Escrituras, crendo racionalmente na proporção suficiente onde ele se dá conta de sua total

depravação e da sua total impotência de merecer a graça redentora de Cristo.

Sentimento – (Assensus – assentimento)

Quando alguém abraça a Cristo pela fé tem uma profunda convicção da veracidade e da

realidade do objeto da fé, a obra redentora de Cristo, e sente que esta verdade o prende a

uma importante necessidade de sua vida e tem consciência de um absovente interesse por

ela.

Volição ( Fiducia – confiança) –

A fé não é questão de intelecto e nem de intelecto e assentimento combinados. Também é

questão de vontade, determinando a direção da alma, um ato da alma que parte rumo ao

seu objeto (o objeto da fé é Cristo) e dele se apropria. Sem essa atividade, o objeto da fé

que o pecador reconhece como verdadeiro e real e inteiramente aplicável às suas

necessidades, permanece fora dele. A fé fiducia consiste de uma confiança pessoal em

Cristo como salvador, incluindo a rendição da lama culpada e corrupta a Cristo e o

reconhecimento e a apropriação de Cristo como fonte de perdão e de vida espiritual.

53
54

Chegamos ao ponto crucial. Qual é o sentido que Paulo usa a palavra fé neste texto?

e)k pi¿stewj ei¹j pi¿stin – de fé em fé. Ou traduzindo a preposição eis como para, ao

invés de em, uma possibilidade gramaticalmente cabível, assim teríamos o texto: “No

evangelho é revelada a justiça de Deus, de fé para fé”. Quanto a esta possibilidade, Stott 67

faz as seguintes proposições:

a – Tem a ver com a origem da fé – “Da fé de Deus que faz a oferta, à fé do homem que a

recebe, da fé (Fidelidade) de Deus à nossa fé. A fidelidade de Deus vem sempre primeiro e

a nossa nunca passa de uma mera resposta.

b – Pode ser que Paulo tenha em mente a divulgação da fé por meio do evangelho (de um

crente a outro).

c – Paulo pode estar fazendo uma alusão ao crescimento da fé: “de um nível para outro.”

d – Paulo pode estar discutindo a primazia da fé, neste caso a expressão seria puramente

retórica.

Acho que a última proposição de Stott, a que trata da primazia da fé, é a que

melhor se encaixa no texto em discussão. Assim, a tradução mais apropriada seria: “No

evangelho é revelada, de fé em fé, a justiça de Deus.” A indicação é de que a justiça de

Deus somente se revela através do evangelho, mediante fé, bem como se aplica ao homem

que crê somente mediante fé (Fé salvadora). Assim a tradução da NVI (Novíssima Versão

Internacional) é a mais apropriada: “ pois no evangelho, do princípio ao fim, é revelada a

justiça de Deus...” Este é o entendimento que Paulo deseja transmitir ao declarar esta

sentença.

A citação de Habacuque:

67
STOTT, John – A Mensagem de Romanos, 2000 . p. 68
54
55

¸O de\ di¿kaioj e)k pi¿stewj zh/setai – mas o justo viverá pela fé.

O contexto em que esta expressão foi usada no Antigo Testamento e da reclamação

do profeta quando Deus pretendia levantar os impiedosos babilônicos a fim de castigar

Israel. como Deus poderia usar o perverso para julgar o perverso? A resposta do Senhor ao

profeta foi então que os babilônicos cairiam, mas os justos israelitas viveriam pela fé. A

conjunção adversativa de destaca este contraste. Viveriam pela fé, ou seja, pela sua

humildade, e firme confiança em Deus em contrapartida os babilônicos seriam destruídos.

Esta confiança intensa em Deus, que tem a característica de sustentar e proteger o crente é

utilizada por Paulo ao referir-se à fé em Jesus Cristo, tomando um conceito mais elevado

de salvação eterna.

Trata-se de uma vida de fé que leva à vida eterna. A fé em Cristo, a confiança na

graça de Deus, em Cristo é o começo da nossa efetiva salvação e esta fé continuará sendo

sempre o seu instrumento, do princípio ao fim.

Entendo que é neste sentido que Paulo lança mão desta expressão de Habacuque. É

pela fé que tomamos conhecimento da justiça de Deus revelada no evangelho e é pela fé

que esta justiça, uma vez revelada nos é aplicada, bem como é pela fé que permanecemos

dentro do processo de desenvolvimento da salvação, especialmente na obra da santificação.

Assim, é pela fé, do começo ao fim, que vive o justo.

55
56

VIII - GÊNERO LITERÁRIO

O gênero literário do texto de Romanos 1:16-17 é duplo. Trata-se de epístola e

profecia.

Toda a perícope é parte integral da epístola (carta) que Paulo escreve à igreja de

Roma.

Imediatamente à saudação à igreja, Paulo anuncia o tema geral que será tratado na

carta: a justiça de Deus alcançada pela fé. O apóstolo fala do poder de Deus expresso no

evangelho para a salvação de todo aquele que crê e fala da revelação da justiça de Deus

manifesta em Cristo Jesus que se revela no evangelho.

O segundo gênero literário usado neste texto é o profético. Trata-se da última frase

do versículo 17 “mas o justo viverá pela fé”. O apóstolo Paulo lança mão de um texto de

Habacuque capítulo 2 versículo 2, uma mensagem profética de conforto e esperança

dentro do contexto em que foi originalmente escrita e que se constitui, agora na ótica neo

testamentária em uma doutrina de máxima importância. Ao lançar mão deste texto do

Antigo Testamento, Paulo amplia o conceito de justiça de Deus, incorporando o aspecto

forense a ela, preservando, porém., a mensagem de conforto e esperança de que sempre, do

começo ao fim, o justo viverá pela fé.

56
IX - TRADUÇÃO

Pois não me envergonho do evangelho porque é o poder de Deus para a salvação

de todo aquele que crê, primeiro do judeu e depois do grego. Porque no evangelho, de fé

em fé, é revelada a justiça de Deus, como está escrito: o justo viverá de fé.
X - ANÁLISE DE DISCURSO

Paulo

Romanos

Evangelho

Não se envergonha

É o poder de Deus

Salvação

Primeiro do judeu

Depois do grego

Revela a justiça de Deus

É revelada de fé em fé

O Justo viverá pela fé


XI - ESTRUTURA DO LIVRO

Romanos é uma carta altamente doutrinária onde Paulo expõe temas

imprescindíveis à fé cristã. A estrutura desta carta é notadamente temática, onde, a partir

de um tema geral, como sugere Calvino68, a justificação pela fé, o autor sagrado expressa

seu pensamento através de sub temas que são harmônicos com o tema principal.

Na exposição da estrutura da epístola aos Romanos, seguiremos a proposição da

Bíblia de Estudos de Genebra, uma vez que com ela concorda a maioria dos comentaristas

citados neste trabalho.

I - Saudação de Paulo e introdução pessoal (1: 1-15)

II - Tema: a justiça de Deus para judeus e gentios (1:16-17)

III - A total pecaminosidade da humanidade (1:18 – 3:20

A pecaminosidade dos gentios (1:18-32)

A pecaminosidade dos judeus (2:1 – 3:8)

A pecaminosidade universal (3:9-20)

IV - A justiça de Deus para a justificação (3:21 – 5:21)

Provida em Cristo pela fé ( 3:21-31)

Provada pelo exemplo de Abraão (cap 4)

Bênçãos garantidas para os justos (5:1-11)

Bênçãos alicerçadas na obediência de Cristo ( 5:12-21)

V - A graça reina através da justiça de Deus ( cap. 6-8)

A quebra do domínio do pecado ( cap. 6)

68
CALVINO, João – Exposição de Romanos, 1997 p. 27
60

Crentes mortos para a condenação da lei ( cap. 7)

Vitória dos que vivem pelo Espírito (cap. 8)

VI - A demonstração da justiça de Deus em relação a judeus e gentios (cap. 9-11)

A justiça de deus estabelecida na história (cap. 9)

A justiça de Deus recebida somente pela fé ( cap. 10)

A justiça de Deus revelada nos judeus e gentios ( cap. 11)

VII - A Justiça de Deus correspondida e expressada na vida do Seu povo (12:1 – 15:13)

Na igreja (12:1-2)

No ministério do corpo ( 12:3-21)

Na vida política e social ( cap. 13)

Na comunhão de fracos e fortes ( 14:1 – 15:13)

VIII - Os planos de Paulo e saudações finais (15:14 – 16:27)

A visão de Paulo para o seu ministério ( 15:14-22)

O plano de Paulo para visitar Roma ( 15:23-33)

Saudações de Paulo aos cristãos de Roma (16:1 –21)

Os companheiros de Paulo enviam saudações ( 16:1-24)

Doxologia apostólica de Paulo ( 16:25 – 27)

60
XII - TEOLOGIA

Este texto composto apenas de dois versículos; por se tratar da introdução de uma

carta de máxima importância da doutrina da Soteriologia (doutrina da salvação), traz no

seu bojo preceitos doutrinários elementares para a conduta do eleito e chamado por Deus

para uma vida de santidade e operosidade.

No texto do cap. 1 vers. 16 e 17 de Romanos que é uma carta soteriológica,

destacamos especialmente duas doutrinas, que estão dentro de uma doutrina maior, a

Soteriologia: a doutrina da Vocação Eficaz e a doutrina da Justificação, muito embora

estejam implícitas as doutrinas da Regeneração, do Novo nascimento e da Conversão; pois,

segundo a ordo salutis (uma exposição sistematizada escriturística da ordem da salvação) a

justificação não pode acontecer sem antes o pecador ser regenerado, nascido de novo e

convertido. No entanto, nos ateremos apenas às doutrinas da Vocação Eficaz e

Justificação, por ser elas as mias evidenciadas e enfatizadas pelo apóstolo no referido

texto.

I - A doutrina da Vocação Eficaz –

Ao declarar que o evangelho é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que

crê; não creio que Paulo esteja falando de uma vocação externa do evangelho, mas de uma

vocação eficaz, uma vez que o apóstolo diz claramente que o evangelho é para a salvação

de todo o que crê, muito embora, a vocação eficaz esteja dentro da doutrina da vocação

externa , a chamada geral do evangelho. Sobre esta diferença e relação Berkhof destaca:

Pode-se dizer que a vocação de Deus é uma só, e a distinção entre uma vocação

externa e uma vocação interna ou eficaz simplesmente chama a atenção para o


62

fato de que esta vocação se apresenta em dois aspectos. Não significa que esses

dois aspectos andam juntos ou estão sempre unidos.69

A base para a argumentação de que a mensagem do evangelho é poderosa e

salvadora repousa na afirmação do apóstolo que declara que o evangelho é o poder de

Deus para a salvação, e sabemos que esta mensagem só tem poder salvífico, só se torna

eficaz se for internalizada no coração do homem. Sobre isto Berkhof destaca:

A mesma palavra ouvida na vocação externa torna-se eficiente no coração na

vocação interna da palavra pela poderosa aplicação do Espírito santo, vocação

externa passa direto à vocação interna 70

Paulo também amplia a extensão desta vocação eficaz, declarando que a salvação,

anteriormente prerrogativa da nação judaica eleita, agora se estende a povos gentios:

(primeiro do judeu depois do grego). Implicitamente está o conceito de eleição. A eleição

continua a vigorar pois o evangelho ( a vocação externa) é para a salvação (vocação eficaz)

somente dos que crêem. Sobre este ponto a Confissão de fé de Westminster declara:

Todos aqueles que Deus predestinou para a vida, e só esses, Ele é servido, no

tempo determinado por Ele e aceito, chamar eficazmente pela sua palavra e pelo

seu Espírito, tirando-os por Jesus Cristo daquele estado de pecado e morte em

que estão por natureza, e transpondo-os para a graça e salvação. Isto Ele o faz

iluminando os seus entendimentos espiritualmente para compreenderem as coisas

de Deus para a salvação... atraindo-os eficazmente a Jesus Cristo mas de maneira

que ele vem mui livremente, sendo para isso disposto pela sua graça.71

Assim, vejo que o “evangelho” neste texto possui um sentido amplo e Paulo se

refere ao evangelho como todo conteúdo da Escritura do Antigo Testamento que é

apontativa para os acontecimentos recentes dos tempos do apóstolo, onde Jesus Cristo,

69
BERKHOF, Louis – Teologia Sistemática, 1990 p 471
70
BERKHOF, Louis – Teologia Sistemática, 1990 p 472
71
Confissão de Fé de Westmisnter cap. X - I
62
63

Filho de Deus havia cumprido todas as profecias descritas a respeito dele e contidas no

Antigo Testamento.

Ao lançar mão dos acontecimentos recentes a Paulo, Jesus, o Nazareno, morto e

ressurrecto como cumprimento da Escritura sagrada, o que o apóstolo denomina de boas

notícias (evangelho); o que se tem então é uma mensagem viva e poderosa que se

caracteriza pela salvação de todo aquele que nela crê.

2 - A doutrina da Justificação – a justiça de Deus

A doutrina tratada neste texto é a doutrina da justificação, justificação pela fé. Por

questão de obediência ao termo exposto no texto manteremos a terminologia “justiça de

Deus”, tendo sempre em mente, porém, que a doutrina em foco, teologicamente falando é a

doutrina da justificação.

A abordagem de justiça de Deus por Paulo é feita em termos forenses (judiciais).


72
Berkhof diz que o sentido escriturístico da palavra é “efetuar uma relação objetiva, o

estado de justiça por uma sentença judicial.”

No texto em questão, Paulo declara que a justiça (dikaiosu/nh) de Deus é revelada no

evangelho. Esta declaração é deveras importante, para o entendimento da justificação pela

fé. Lutero, um dos grandes nome da reforma protestante do século XVI, descobriu o

sentido de justiça de Deus e justificação pela fé ao olhar para o texto de Romanos 1: 16-17.

Mesmo depois de inúmeras dolorosas penitências, a alma do reformador permanecia

angustiada e era profundo o sentimento de culpa pelo pecado. Na leitura dos Salmos lia

72
BERKHOF, Louis – Teologia Sistemática, 1990 p 515

63
64

sobre a justiça de Deus e a entendia como punitiva. Como pecador que era, se apavorava.

Sobre este ponto, Hoekema acrescenta:

Ao abrir a bíblia em Romanos leu nela sobre o evangelho de Cristo para a

salvação (1:16) . Estas eram boas notícias. Mas o verso seguinte dizia: “ visto

que a justiça de Deus se revela no evangelho...” – de novo a horrível palavra

justiça. Sua crise aumentou ao ler sobre a ira da Deus manifesta dos céus contra

toda impiedade (1:18). Lutero, porém, voltou ao verso 17 e notou que a “justiça

de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito: o justo viverá

pela fé”. De repente a luz o inundou. A “Justiça de Deus” que Paulo tinha em

mente não era punitiva que levava Deus a punir os pecadores, antes, era a justiça

que Deus ofertava ao pecador necessitado, e que esse pecador a aceitava pela fé!

Essa era a perfeita e pura justiça, adquirida por Cristo, que Deus graciosamente

atribuía ao crente. 73

O entendimento do texto posterior no cap. 3: v. 20-22, que também trata de justiça

de Deus é fundamental para a compreensão do tema aqui abordado por Paulo. Muito

embora a abordagem de justiça de Deus seja feita em termos forenses, a aplicação da

penalidade exigida pela justiça de Deus não é feita ao homem, mas a alguém que Deus

enviou como substituto dele. Depois de falar que a ira de Deus se revela dos céus contra

toda impiedade e perversão dos homens, depois de abordar pecados tanto de judeus como

de gentios (1:18 – 3:20), Paulo chega ao verso 21 dizendo: “ Mas agora, sem lei, se

manifestou a justiça de Deus (dikaiosu/nh Qeou) testemunhada pela lei e pelos profetas”

com “justiça de Deus” Paulo não está falando do atributo de Deus pelo qual Ele julga a

todos nós segundo as nossas obras e nos condena quando falhamos em guardar a lei, e que

a justiça também é conhecida à parte da lei e que esta justiça não é obtida através da guarda

da lei. “visto que ninguém será justificado diante dEle por obras da lei, em razão de que a

73
HOEKEMA, Antony – Salvos pela Graça, 1997. P. 159
64
65

lei vem pelo conhecimento do pecado” v. 20. No verso 21 “ Mas agora, sem lei se

manifestou a dikaiosu/nh Qeou – Justiça de Deus, testemunhada pela lei e pelos

profetas”. E continua no verso 22 “dikaiosu/nh Qeou – justiça de Deus mediante a fé em

Jesus Cristo, para todos [ e sobre todos ] os que crêem. Pois não há distinção.” Ora, essa

justiça anunciada por Paulo tem a ver com uma justiça que provê recursos para livrar o

culpado. É uma justiça, nas palavras de Hoekema 74 “declarativa, forense”, ou seja, trata-se

de justificação pela fé.

Esta, indubitavelmente é a justiça de Deus revelada no evangelho, visto que

por evangelho, Paulo entende como o conteúdo total da obra expiatória e vicária do

Senhor Jesus Cristo, descrita em Is. 53 e cumprida num tempo passado, porém

muito recente aos dias de Paulo, do qual ele mesmo fora testemunha e comissionado

para ser apóstolo, conforme declaração dele mesmo em Rm. 1: 1-6.

Ao ampliar o conceito de justiça de Deus, Paulo demonstra que a apropriação

desta justiça é somente pela fé, justificando a citação extraída do Antigo

Testamento: “mas o justo viverá pela fé”.

A vida assegurada ao justo mediante a fé diz respeito à vida de paz com

Deus, proporcionada pela aplicação da Sua justiça em Cristo, pelo processo da

imputação. E ao mesmo tempo, pelo processo da imputação, essa mesma justiça de

Deus que puniu a Cristo, matando-o na cruz do calvário, foi o sacrifício perfeito

aceito por Deus como suficiente para aplacar a Sua ira e satisfazer a Sua justiça. É

esta justiça que Cristo satisfez na cruz que aos eleitos é imputada, sendo a fé o

74
HOEKEMA, Antony – Salvos pela Graça, 1997. P. 163

65
66

instrumento de apropriação dela. Assim, a justiça de Deus aplicada em Jesus Cristo

e imputada aos seus eleitos é a justiça revelada no evangelho, que do princípio ao

fim é apropriada pela fé (de fé em fé).

Para melhor compreensão da doutrina da justificação, faz-se mister ressaltar

alguns pontos sobre a sua natureza:

a – A justificação pressupõe a ira de Deus – Uma vez que o Deus com quem

tratamos é Santo, que não pode, senão irar-se contra o pecado (Hb. 1:13),

entendemos que a ira de Deus repousa sobre o pecado que cometemos e a nossa

natureza nos leva a cometer mais pecados ainda; uma vez regenerados, nascidos de

novo e convertidos, sentimos urgir dentro de nós a necessidade de sermos

justificados.

b - A justificação é uma declaração forense – A justificação é um ato realizado no

tribunal de Deus com relação aos pecados dos homens. Estes quando justificados

são declarados justos diante da lei em função do pagamento dos débitos da

transgressão da lei feito por Jesus Cristo. Assim, a justificação tem a ver com a lei e

com a justiça. Uma vez que todos os homens estão debaixo da obrigação de cumprir

a lei e são ao mesmo tempo transgressores dela pela impossibilidade de cumpri-la,

todos tornam-se devedores e culpados dela e a única sentença justa que deveria vir

sobre eles seria a condenação. A justificação repousa no fato de Deus, por amor,

misericórdia e graça, imputar (colocar sobre) a Cristo toda a dívida que era contra

nós. Cristo levou a nossa culpa e sofreu o castigo em nosso lugar ao obedecer

perfeita e plenamente a lei. Ao nos justificar, todo o escrito de dívida que era contra

66
67

nós foi cancelado. A justiça de Cristo é imputada (colocada sobre) os eleitos de

Deus para a salvação. Os eleitos são então declarados justos, passando a ser vistos

por Deus como tais.

c – A justificação é realizada numa esfera extra nos , fora de nós – O lugar em que

ocorre a justificação é na cruz onde Jesus leva toda a nossa culpa e sofre todo o

nosso castigo. Este ato não produz nenhuma mudança em nossa condição ( a de

pecadores) mas altera nosso estado de ímpios indignos para justos ao serem assim

declarados.

Ainda assim, mesmo sendo uma obra realizada fora de nós, é destacado o

aspecto objetivo (ativo) e o aspecto subjetivo (passivo). A justificação é ativa

porque é uma obra realizada por Deus em nosso favor. É uma obra declarativa

imputada a nós. Somos declarados justos (não feitos justos) quando Deus

comparece como soberano juiz que requer a satisfação de sua justiça, bem como

comparece como quem satisfaz esta justiça e nos outorga mediante os méritos de

Seu Filho todos os benefícios conquistados no ato da satisfação da sua justiça: o

perdão do nosso pecado e a nossa reconciliação com Ele.

O homem se torna justo à medida em que o evangelho nele se manifesta em

poder, ou seja, quando o evangelho se constitui em vocação eficaz, e isto sabemos,

só é possível mediante a obra de regeneração, implantação de vida no coração do

homem morto em seus delitos e pecados ( Ef. 2:1). A declaração de Paulo: “o justo

viverá pela fé” traz o ensino que a justificação é apropriada pela fé conforme 3:22.

“Justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo para todos os que crêem.” É uma

67
68

justiça à parte da guarda da lei que é Dom de Deus e recebida pela fé, que por sua

vez, também é doação de Deus. (Ef. 2:8)

Assim, ao introduzir novamente o assunto abordado em 1:17 no versículo 19

do capítulo 3 o apóstolo discorre até o verso 31 e discorrerá por toda a carta

sustentando esta tese, enfatizando que a justiça de Deus é imputada a nós é por meio

de Jesus Cristo e não é meritória, mas tão somente pela fé.

Sobre o papel da fé na justificação, Grundem destaca:

Por que Deus escolheu a fé para ser o meio da justificação? Porque Deus não

poderia Ter decidido dar a fé a todos aqueles que sinceramente demonstra amor,

ou alegria, ou satisfação, ou humildade, ou sabedoria? Por que Deus escolheu fé

como o meio pelo qual receberíamos a justificação? Aparentemente porque a fé é

aquela atitude do coração que é o oposto exato do depender de si mesmo.

Quando vamos a Cristo com fé, dizemos em essência o seguinte: eu sei que não

posso depender de mim mesmo, ou de minhas obras. Eu sei que por mim mesmo

jamais me tornarei justo diante de Deus. Portanto, Jesus, eu confio em Ti e

dependo de Ti completamente para me conceder uma posição justa diante de

Deus.75

Desta forma, a fé é exatamente o oposto de confiar em si mesmo. Ela é a atitude

perfeitamente apropriada para a salvação que não depende em hipótese alguma de nossos

méritos, inteiramente da livre graça de Deus. A fé é o ato de receber a Cristo e nEle

repousar, excluindo assim, toda e qualquer relação com obras ou méritos.

A fé é o órgão de apropriação da justificação, ou seja, a fé é o instrumento de Deus

dada ao homem, por meio do qual ele recebe a justificação.

75
GRUNDEN, Wainy – Teologia Sistemática, 2000 p. 610-611
68
69

A fé como dom de Deus é produzida no coração do homem pecador e o habilita a

receber a justificação. Além disso, ao ser produzida no coração do pecador, Deus leva-lhe

a declaração do perdão ao seu coração.

Sobre esta instrumentalidade no papel da fé, Hodge destaca o seguinte:

Porque se declara que a base a qual se adscreve nossa justificação sobre a qual se

coloca a confiança do pecador é o sangue, a morte, a justiça, a obediência de

Cristo. Ademais, devido ao fato de Cristo ser o resgate, o sacrifício e como tal

efetuou nossa salvação, presume-se necessariamente que a fé que nos integra no

mérito de sua obra limita-se a um ato de confiança, pois qualquer outro ponto de
76
vista contraria a gratuidade da justificação.

Assim, os méritos de Cristo são a base legal da justificação do pecador. Através da

fé o pecador se apropria desta justiça de Cristo e estabelece uma união consciente com seu

Salvador. É pela fé que o pecador se apropria da justiça do mediador, já formalmente

conquistada em favor dele por Jesus no tribunal de Deus. Assim, pela fé o pecador passa a

desfrutar dos benefícios da justiça de Cristo e se apropria de todas bênçãos resultantes

dessa justificação: perdão e por conseguinte, paz com Deus.

76
HODGE, Charles. Teologia Sistemática, 2001. P. 1151

69
XIII - MENSAGEM PARA HOJE

A mensagem poderosa do evangelho cujo conteúdo encerra a salvação de todos

aqueles que nele crer não deve ser motivo de vergonha para nós crentes hoje como não era

para Paulo.

O evangelho de Jesus Cristo não é uma mensagem vazia, enganosa, que alimenta

somente as emoções e leva a uma comoção desprovida de subsídios espirituais. É, antes de

tudo, uma mensagem poderosa para a lama aflita e sedenta por libertação do jugo de

escravidão do pecado.

É uma mensagem que é autenticada pelo próprio autor, o Senhor Jesus Cristo. É

autêntica porque Ele mesmo conferiu autoridade a ela, validando-a com seu poder

inspirador, fazendo de todo o seu conteúdo o relato da obra poderosa que Ele mesmo

realizou. isto faz do evangelho o poder de Deus para a salvação de todo o que crê. Uma

mensagem poderosa assim, uma vez experimentada, jamais será motivo de vergonha,

antes, a experiência do contato com ela deve nos levar a anuncia-la com ímpeto e afã.

A revelação da justiça de Deus contida no evangelho é outro elemento motivador

para termos uma vida espiritual autêntica e operosa. A certeza da manifestação da justiça

de Deus aplicada em Cristo e imputada a nós deve trazer ao nosso coração o sentimento de

alegria e gratidão a Deus, pois nisto consiste a nossa reconciliação, a nossa paz com Deus,

uma vez que é mediante este ato da maravilhosa graça de Deus, apropriado pela fé que Ele

nos dá é que Ele nos vê e nos recebe como justos diante de Si.

Assim, a mensagem poderosa do evangelho que revela a justiça de Deus cumprida

por Jesus Cristo e dada ao homem por meio da fé deve impactar a igreja, levando-a aos pés

de Cristo, proporcionando uma vida de submissão a Deus e compromisso de santidade.


71

A mensagem poderosa se salvação do evangelho que revela a justiça de Deus deve

ser pregada também a esta sociedade arrogante e prepotente que, com seu conceito de auto

suficiência busca amenizar suas consciências culpadas, relativizando esta veraz mensagem,

buscando aproximação de Deus mediante obras meritórias que não passam pela cruz de

Cristo, único lugar onde se dá a justificação do pecador.

71
XIV - BIBLIOGRAFIA

BERKHOF, Louis – Teologia Sistemática. Campinas: Luz Para o Caminho, 1990.

BROWN, Lolta Coenon Colin. Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento.

tradução de Gordon Chow. 2 ed. São Paulo: Vida Nova, 2000.

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CAMPOS, Heber Carlos de. MATOS, Alderi Souza de, LOPES,Augustus Nicodemus,

NETO, Francisco S. Porela – Fé Cristã e Misticismo. São Paulo: Casa Editora

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CHAMBERLAIN, W.D. Gramática exegética do Grego Neo Testamentário. São Paulo:

Casa Editora Presbiteriana, 1989

CHAMPLIN, Russell Norman. O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo.

São Paulo: Candeia, 1995 Vl. III

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1971

DOUGLAS, J.P. O Novo Dicionário da Bíblia, 2 ed. São Paulo. Vida Nova, 1995.

GRUNDEN, Wainy. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2000

GUNDRY, Robert. H. Panorama do Novo Testamento. São Paulo. Vida Nova, 1978.

GUNDRY, Robert. H. Panorama do Novo Testamento. São Paulo. Vida Nova, 1978.

HODGE, Charles. Teologia Sistemática. São Paulo: Hagnos, 2001.


73

HOEKEMA, Antony. Salvos pela Graça. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1997.

KURT, Aland. The GreeK New Testament. Stuttgard: Deutsche Bibelgesellchaft, 1994.

LEENHARDT, Franz J. Epístola aos Romanos – Comentário Exegético. São Paulo: Aste,

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LUZ, Waldir Carvalho. Manual de Língua Ggrega. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana,

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REGA, Lourenço Stelio. Noções do Grego Bíblico. 3 ed. São Paulo: Vida Nova, 1995

SCALKWIJKS, Frans Leonard. Coinê. Pequena Gramática do Grego Neotestamentário. 7

ed. Patrocínio: Ceibel, 1994.

SPROUL, R. S. Bíblia de Estudo de Genebra. São Paulo e Barueri: Editora Cultura Cristã

e Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.

STOTT, John. A Mensagem de Romanos. São Paulo: ABU Editora, 2000

73
74

Agradecemos ao autor pelo envio e permissão da


publicação do presente trabalho no Monergismo.com.

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