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All content following this page was uploaded by José Maria Cardoso Da Silva on 11 April 2014.
Introdução
A Amazônia é uma das últimas grandes regiões naturais do planeta onde a extensão
dos ecossistemas naturais ainda é maior do que a dos ecossistemas criados ou transfor-
mados pelo homem. Com uma área total de 6.683.926 km2 distribuídos em oito países
da América do Sul, somente cerca de 20% da região foi desflorestado. A Amazônia
representa ainda 53% do que resta das florestas tropicais do planeta e abriga pelo
menos 10% das espécies do planeta (Mittermeier et al, 2002).
Apesar dos superlativos e da extensa literatura publicada recomendando que a diver-
sidade e a fragilidade dos ecossistemas amazônicos exigiam uma ocupação cuidadosa
e bem planejada (Ayres e Best, 1979), a colonização humana da Amazônia a partir do
final da década de 1960 foi marcada pelo processo violento de ocupação e degradação
ambiental característica das “economias de fronteira”, onde o progresso é entendido
simplesmente como crescimento econômico e prosperidade infinitos, baseados na
exploração de recursos naturais percebidos como igualmente infinitos (Becker, 2001).
Tal como aconteceu na Mata Atlântica, uma parte considerável da Amazônia foi
ocupada com base no ferro e no fogo, sem levar em consideração as peculiaridades
dos diversos espaços ecológicos amazônicos e os desejos e anseios das populações
indígenas e tradicionais da região. Um modelo exógeno de desenvolvimento baseado
na extração predatória dos recursos florestais, seguidos pela substituição da floresta
por extensas áreas de pastagem ou agricultura, foi implantado e mostrou-se, em longo
prazo, inapropriado para a região. A ocupação da região em surtos devassadores liga-
dos à valorização momentânea de produtos nos mercados nacional e internacional foi
seguida de longos períodos de estagnação, demonstrando a falta de sustentabilidade
do processo (Becker, 2004). Em geral, os custos ambientais deste modelo de desenvol-
vimento ultrapassam, de longe, os limitados benefícios sociais gerados pela atividade
econômica associada (Vieira et al., 2005).
Este capítulo argumenta que é necessário um novo e ambicioso plano de conservação
para a Amazônia. Partindo-se da premissa que a Amazônia é um conjunto de áreas de
endemismo separadas entre si pelos grandes rios, sugere-se que seja consolidado um
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Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.)
corredor regional de biodiversidade para cada uma destas áreas. Então, a situação de
conservação de cada área de endemismo é analisada e estratégias gerais de conservação
são recomendadas. Por fim, sugere-se que os corredores regionais de biodiversidade
devem ser integrados em uma escala continental, formando o Mega-Corredor de Bio-
diversidade Pan-Amazônico (MCBPA).
Leandro Tocantins foi muito perspicaz ao notar, aos seus 21 anos, que na Amazônia o
rio comanda a vida (Tocantins, 1952). Ele referia-se ao fato de que milhares de pessoas
têm suas vidas diretamente ou indiretamente influenciadas pelos ciclos anuais dos
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Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil
imensos rios que cortam a região. Esta verdade também é válida para uma grande parte
da biodiversidade regional, pois milhares de espécies de animais e plantas possuem
suas distribuições bloqueadas ou facilitadas pelos grandes rios (Ayres e Best, 1979;
Ayres e Clutton-Brock, 1992; Silva et al., 2002).
Wallace (1852), o coproponente da teoria da evolução por seleção natural, foi o primeiro
a descobrir que há dois padrões biogeográficos básicos que caracterizam a distribuição
da vida sobre a Amazônia. O primeiro padrão é que poucas espécies ocupam toda a
região e que a maioria das espécies possui distribuição restrita a determinados setores
da Amazônia, caracterizando o que se denomina atualmente de “áreas de endemismo”
(“distritos” na época de Wallace). Uma área de endemismo é um determinado espaço
geográfico definido pela coincidência quase total das distribuições geográficas de duas
ou mais espécies que não ocorrem em nenhuma outra parte do planeta. O segundo
padrão é que espécies endêmicas a uma área de endemismo são substituídas nas áreas
de endemismo adjacentes por espécies aparentadas.
Estudando as distribuições de primatas e interagindo com os moradores locais, Wallace
(1852) descobriu que os grandes rios amazônicos delimitavam as grandes áreas de
endemismo amazônicas. Ele expressou esta ideia da seguinte forma:
A hipótese inicial de Wallace recebeu apoio de vários estudos posteriores (ver síntese
em Silva et al., 2005; Silva, 2005). Até o momento, oito grandes áreas de endemismo
foram reconhecidas para alguns grupos de vertebrados terrestres na Amazônia (Figura
1). As áreas de endemismo na Amazônia variam consideravelmente em extensão,
desde a pequena Belém (201.541 km2) até a enorme Guiana (1.700.532 km2). As
outras possuem os seguintes tamanhos: Imeri (679.867 km2), Napo (508.104 km2),
Inambari (1.326.684 km2), Rondônia (675.454 km2), Tapajós (648.862 km2) e Xingu
(392.468 km2).
Silva (2005) apontou que o número e os limites das áreas de endemismo reconhe-
cidas atualmente na Amazônia são hipóteses preliminares de trabalho, exigindo,
portanto, constante reavaliação quando novos dados taxonômicos e biogeográficos
de diferentes grupos de organismos tornarem-se formalmente disponíveis. Ele
também previu que algumas áreas de endemismo, como Guiana, Imeri e Inambari,
serão certamente subdivididas em uma ou mais áreas à medida que o conhecimento
sobre suas biotas aumentar.
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Carlos A. Peres; Jos Barlow; Toby A. Gardner e Ima Célia Guimarães Vieira (Orgs.)
Figura 2 - Porcentagem das porções brasileiras das áreas de endemismo Amazônicas ocupadas
pelas três maiores categorias de tipos de uso da terra. Branco, áreas protegidas (incluindo uni-
dades de conservação e terras indígenas); Preto, áreas já desflorestadas; Cinza, áreas florestais
não protegidas.
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Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil
Esta análise simples indica as três maiores estratégias que devem ser tomadas para
garantir a conservação da região: (a) garantir a integridade das áreas já protegidas,
(b) proteger as áreas ainda cobertas por florestas e (c) aumentar a produtividade das
terras já desflorestadas.
A integridade ambiental das áreas protegidas somente pode ser garantida por meio
do manejo efetivo. Os elementos básicos do manejo efetivo de uma área protegida são
os seguintes: (a) corpo técnico dedicado a gestão da área protegida e infraestrutura
de apoio apropriada, (b) sistema de governança colaborativo com o engajamento dos
atores sociais locais, (c) planos de manejo simples, modernos, ágeis e fundamentados
na melhor ciência disponível e, finalmente, (d) mecanismos financeiros de longo
prazo grandes o suficiente para garantir a sustentabilidade financeira desses enormes
espaços geográficos.
A proteção das áreas ainda cobertas por florestas pode ser alcançada pela definição
oficial do uso adequado para cada área. Isto é ainda possível de ser realizado em grande
parte da Amazônia, pois grande parte das áreas ainda cobertas por florestas pertence
aos governos. As áreas ainda cobertas por florestas podem ser transformadas em: (a)
unidades de conservação de proteção integral para proteger ecossistemas e espécies
frágeis ainda não protegidos; (b) terras indígenas para atender as demandas existentes
e a proteção de povos indígenas ainda não contatados; (c) unidades de conservação
de uso sustentável para permitir o uso ordenado dos recursos florestais por meio de
concessões florestais e garantir os direitos das populações tradicionais; e, por fim,
(d) programas piloto de concessão florestal ao setor privado fora do marco legal do
sistema nacional de áreas protegidas. Naturalmente, o melhor destino destas florestas
públicas vai depender do contexto socioeconômico nos quais elas estão inseridas.
O uso eficiente das áreas que já foram desflorestadas pode ser atingido por meio da
adoção de uma política agropecuária sustentável, o que certamente gerará um novo
ciclo de crescimento econômico na região. Esta política necessita basicamente de um
amplo programa de regularização fundiária; da adoção, por parte dos produtores, de
tecnologias modernas que garantam o aumento da produtividade; e, naturalmente,
de toda a infraestrutura necessária para escoar e beneficiar a produção agropecuária
local, agregando valor à produção e tornando-a competitiva nos mercados nacional
e internacional. A área já desflorestada do bioma Amazônia no Brasil compreende
cerca de 470.000 km2, uma área equivalente a soma das áreas totais dos estados do Rio
Grande do Sul e Paraná, dois dos maiores produtores agrícolas do Brasil. Estes números
por si só já demonstram que mais desmatamento na região não possui justificativa
tanto do ponto de vista econômico como do ponto de vista social (Vieira et al., 2005).
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Conservação da Biodiversidade em paisagens antropizadas do Brasil
dependendo do número de conexões que são necessários para integrar as áreas pro-
tegidas ou blocos de áreas protegidas dentro de uma área de endemismo.
A conservação das áreas de endemismo por meio dos corredores regionais de bio-
diversidade não será suficiente para manter os processos hidrológicos e climáticos
que operam em escalas espaciais muito mais amplas, pois a Amazônia é uma região
crítica para garantir serviços ambientais que são indispensáveis para outras regiões
do continente ou mesmo para outros continentes. Estima-se que a quantidade de
carbono estocada nas florestas da região seja por volta de 90 a 140 bilhões de tonela-
das (Soares-Filho et al., 2006), o que torna o esforço para conter o desflorestamento
regional um desafio global (IPCC, 2007). O desflorestamento da região pode provocar
também mudanças climáticas e hidrológicas locais, regionais e globais (Avissar et al.,
2006). Na escala local e continental, o desflorestamento diminui o vapor de água da
evapotranspiração, reduzindo assim as chuvas tanto na Amazônia como em regiões
densamente povoadas do centro-sul brasileiro (Salati e Vose, 1984; Clement e Higuchi,
2006). Na escala global, simulações indicam que o desflorestamento na Amazônia
acima de certo patamar pode produzir teleconexões que reduzirão de 10 a 20% as
chuvas de primavera e verão na América do Norte (Avissar et al., 2006). Estima-se
que a manutenção do ciclo hidrológico da Amazônia requer que entre 70 e 80% da
região sejam mantidos como floresta (Clement e Higuchi, 2006).
A manutenção dos processos hidrológicos e climáticos amazônicos na escala regional
e continental requer a integração dos corredores regionais de biodiversidade em um
Mega-Corredor de Biodiversidade Pan-Amazônico (MCBPA) cujo objetivo de manejo
imediato mais importante seria integrar os planos nacionais de desenvolvimento em
uma estratégia Pan-Amazônica coerente que vise garantir o fim do desmatamento da
região e a criação de uma nova economia baseada na manutenção da floresta.
A integração dos esforços em diferentes escalas espaciais constitui-se em um dos
maiores desafios para a ciência amazônica. Isto requer descentralização e criação de
capacidade local, na escala dos municípios, para a gestão efetiva do capital natural
amazônico. Incentivos financeiros por meio de pagamento de serviços ambientais
ou por meio do aumento das transferências de recursos nacionais de outras regiões
brasileiras para a Amazônia poderiam acelerar a criação desta rede de instituições
críticas para estabelecer os sistemas de governança necessários para a implementação
dos corredores em diferentes escalas espaciais.
O MCBPA requer uma ação estruturada dos oito países que compõem a Amazônia para
conciliar e integrar as políticas nacionais de conservação e desenvolvimento em uma
política continental na qual os impactos negativos das obras de infraestrutura sejam
minimizados enquanto os seus benefícios sociais e ambientais sejam maximizados.
Os elementos desta proposta de ação não são novos e já foram sugeridos tanto duran-
te as discussões que nortearam a criação da Organização do Tratado de Cooperação
Amazônica (OTCA; <www.otca.org.br>) como da União das Nações Sul-Americanas
(UNASUR; <www.unarsur.org>).
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