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Fanos Trffao, Hatymood Holywood 1936 Blas Conn ‘Almagem Tempe Coens Giles Beewre ALinguagen Cinentoyifin Marl Maran (9 Veo dor Ans: Bresae, any Ered eens ‘anemalorcs Jean Clade Berard Colegio Pimeias Passos orca O gue Cinema Jean Clade Bernard 0 gue Rouge {Gadis Aap Kura Oe t Tero Fetando Fes Colegio Encanto Radia! ites Orneimento de am cinema Sealer Hick Omens do medo Inds Aru ANDRE BAZIN O CINEMA ENSAIOS Traut: Eloisa de Araijo Riboiro Introdut: Iemail Xavier editora brasiliense Copsright © by Ls Eons Cr, 2985. ‘halo orginal: ute gus ica Copyright © da radu baer tor Brains S.A, "Nenana pai dete pba pode er grea rasan es tral reproduida por eos mecios ou ours guar ‘sem atonaao preted ator (SBN. as-an22009x Prince, 181 Indica edition Cia Beraret Preparao de orgonat Ila lrdonBarboxa Rev: Vina Arata fri Bron Cape: Elcabeh ae Ferra (Os capitals 1 XK foram tadides por Hugo Serio Fence para publica na colin “A Expennca do Cina (Gra Embafine 1983) Aaraecemos a ton Pat Tra cesio ‘dos or de rac A taduore agradece tui da Cinematece do Museu de Arte ‘Mosema do Rio de anit, ue colaborou gentinente na ‘espe de alos Eros dor Ran da Comoe, 2597 ‘ats Sie Paco 3 Fone (O11) 8813056" Fes 881-9980 "ae: 33271 DBLM BR |MPRESSO NO BRASIL SUMARIO. Introdugho, Ismail Xavier ‘Advertncia Pretacio 7 a . Ontolgia da imagem Fotograics 1. © mito do cinema total 7 IIL, O cinema ea exploragae IV, 0 mundo do sitncio V.'M, Hulot 0 tempo + VI. Mantagem proibida VIL. A evolupto da linguagem cinematograica “Vill, Por um cinema impuro — Defesa da adapiaclo, TX. O Journal d'un curd de campagne e a esilisica ‘de Robert Bresson 7 7 X. Teatro e cinema Xi, O caso Pagnol Xi Pintura e enema XIE, Un filme bergsoniana: Le mpstove Picasso XIV. Alemanha ano zero XV. Les dermiores vacances XVL_ © western ou 0 cinema americano por exeiénia XVII, Evolugio do western s.. XVIIL Um western exemplar: Sete homens se destino XIX. Amargem de "0 erotism no cinema” 2XX. 0 realsmo cinematografic e a escola italiana da Tiberapa0 zl XXI, La terra tema n 2 2 o se 2 1s S13 196 m v8 187 191 199 219 23 2s8 -Xxi xin, XXIV. XXY, XXVI XVI anne azn Ladrdes de bicicleta De Sica ditetor Uma grande obra: Umberto D CCabiria, ou a viagem aos confns do neo-eaismo Defesa de Rossen. om Europa $1 Indice de filmes citados mm 29s 08 318 a 4 fungdo do ertico nde € reer numa hander de prt uma verdade ue existe, mas profongar 0 maximo possive, Ine imtelisenciae na sensilidade dow que ‘0 lbem, impacto da obra de arte” INTRODUCKO Ismail Xavier Em Nick's movie — Lighoning over water (1980), Wim We- ders presta homenagem a Nicholas Ray: de comum aeordo com ‘© cineasta, registra 0 cotdiano deste amigo doente, a quem resta ppouco tempo de vida. Logo de inicio, o ime revela a sua re 8 pat do inustedo da stuagd0, ndo nos incomoda a patente fencenagto presente a0 longo das sequncias: filma-se ¢ monta-se ‘como numa fiesdo eo esquema denuncia, sem remorso, o crater ‘derepetigio pars a etmara” de muita passagens, Mat nem tudo {t¥o caro; 4 poucos se instala uma ambiplidade que nos des fia — encenagdo? espontancidade? —¢ setimos a forca deste laboratrio que te um fim proximo: Nicholas Ray vai morte. [As imagens na tla realgam como pouias 0 eso, 0 sentido de pre Senga pretéita (“isso fi") ave indicia @ morte quando olhamos & reprodusio mecinia, este mesmo peso temstizado por Roland Barthes, em cdmara clara, retomando, em outra che, os temas dda Piedade eda Morte na fotograia, muito caros a André Bazin, Sem dvida, ha este efeco em Nick's movie, mas estamos. 00 nema (no na foto) € Nicholas Ray se move, existe, persiste duragdo, xo do tempo, como nos lems jin, indie de morte, preservacdo de uma dnd ‘vat of dols efits se tencionam dentro de certo equilibrio tas ha, pert do final de Nick's movie, um climax que inviabiliza ‘qualquer residuo contemplativo face ao passado em que Wenders ‘Ray viveram a experinci. O din-adia se faz drama, se condensa ‘nesta intensidade, se presetfica de modo mas peng: estamos fo quarto do hospital, Nicholas Ray esté sentado junto 4 sua ‘cama e conversa com Wenders aris da cdmara; ele sentedores, pasta mal ea conversa flea muito tensa pois te fem 2 impressto| ‘de que tudo pode se precipitar a qualquer instante. Nicholas Ray . ANDRE BAZIN pede para ele dizer “sorta” ao fotdgrafo,ndo agienta mais a situa 0; Wenders replica "diga voc’ para vortar” e, enguanto dura fstedidlogo para desir quem comands este momento que ¢ vida (Gus expensura esta na ameaca)e reptesentapdo (a cdmara sla @ acordo), somes colocados diane de uma passagem extraordindria 4o cinema. Ray acaba por dizer “corta (Seu titimo gesto de dte- tor) e desaparece do flme que teri ovtra sequéncia. Ele morreu alguns dias depois desta cena” que tem suscitado muita discus S26 pelo aspecto moral de uma filmagem no limite da morte (no filme, a morte se afigura possvel ali, diante de nd). resente nesta discuss, uma problemética tipicamente baza- siana: a da presenga da morte (© mesmo vale para 0 $ex0) no nema. A profana;ao de um instante que deveria sr nied, 0 horizonte de obscenidade da duplicaedo mecinica da experiencia individual ieredutivel posta em sere, exibida em sessbescorrdas ( jogo ft feito ao longo dos dias mas Wenders e Ray entenderan haver um limite para a experiencia de esto consentido e, mesmo ssticando a corda alem do que muitos gostaram, o interdito da torte ae fez valere esta “cena’” do hospital raza (ona, drama tia, tudo o que de mate fund ext a implicado, Quando se asste fo filme de Wenders ese procuraassimular o impacto da cena", vem a experiéncia deta da forga deste residue, deste rastto 40 ‘eal na imagem cinematogratica. Ese constata a vigéncia de ques- tes que decadas de andise do discurso e disecapbes da imagem ‘no ciminaram de nossa pautatebica,deixando patente 0 retorno ‘de formulagies de um dos matores critcos do cinema: 8 feigho peculiar do mundo na tela, © poder da imagem cinematografica ‘de preservat a autentcidade da durasao, tum instante vivid. Percorer a principal colegio dos textos de An- Are Bazin & explorar estas e outras questOes repensar nossa rea so com o cinema ausiliads por quem nos ofereceu uma fflexto tba eparéncia simples mas de amplitude extraordinaria. ‘Em termor de cinema ¢ fotografia, podemos concordar com ‘Bazin, escrever contra ele, emprestar algumas nogdes © i fechagar outas, Impossvel ignori-lo. De Christian Metz a ‘al Bonitzer, de Roland Barthes @ Gilles Deleuze, a teoria do nema e © pensamento da imagem tém dialogado com este eri- fico notivel que nos anos 40 e 80, proferindo paletras em cine- lubes e escrevendo artigos em revisas, ent elas a catolica Esprit ¢08 Cahiers du Cinéma (que ajudou a crar em 1981), com ‘dunis a andlse do filme a sim ovtTo patamar- Sem nunca ter ‘scrito um tratado, uma suma de stu pensamento, ele, de fato, nos legou uma teora, uma coneepeio da historia do cinema, rnerRoDUCAO ° uma estilitica capaz de dizer muito bem porque Orson Welles © Jean Renoir sto especiais entre os maioreseineastas "Ensista de mio hela, Bazin expos suas ideas partido quase sempre de questdessusctadas por um Filme, um eineasta ob Um conjunto de obras. Pensamento em aio, alihavou nogdes,juzos, sem nunea perder o toque daintervengdo pessoa, sempre em cou {ato direto com a atualidade, atento ao novo que exige umn iner- pretee 20 dado da tradigao que solicita novo exame, uma Inver: Ho de sentido face a novas ccunstncias. Diante do impacto de ‘Cidadeo Kane e do cinema norteamericano que © fim da Il Guerra tornou dsponiveis no mercado europet, dante da revo flo gerada pelo neo-ealsmo italiano, for Basin quem (rouse Imai rca formulagto erica capaz de eslarecero significado das transformastes enti em endamento, numa caso que, no desdo ‘bramento, mostrouse uma teria do cinema moderno (ver "A ev0- Iugdo da linguagem sinematogrica” ea série de artigos sobre o ‘ncoelisma na parte final deste lvro). Diane da tradgto tesrica ‘das vanguardas de 1920 e da formulacao classca de André Mal: aux em 1940 (a arte do cinema omega com a decupagem da cena), foi Bazin quem subverteu de forma radical» questto da montagem ‘do “espeifico flmico™, superando lugares-comuns sobre a rel _gbes nite o cinema € 0 teatro, criando um novo referencia de Bapel decisivo na formagdo dos jovens que, em 1989, idevaram a Nowvele Vague (ver "Montagem proibida", “Por um cinema Impuro — defesa da adapiagi0" e “Teatro e cinema") ‘0 plsaera francés fol extemamenteproficuo em critica € tcoria cinematogrfics. Havia o novo clima ciado pela liberagdo, havia um pensamento mareado pela nogto de compromiso, enga Jamento e 0 eistencialismo, em suas variadas acepcoes (arte, Merleau-Ponty, Emmanuel Mourier), defiia um horizonte de reflexdo que atinga todas as esferas, ado cinema em especial. A ‘uerra tomnara mals patente a importincia da nova tenia ‘no Imundo contemporinco; desde os anos 30, a traetria politica da Europe definira uma “‘batalha das imagens”, mostrara a fore os veiclos de comunicagao no engendramento de uma redrica fexercda sem teéguas na vida cotdiana. Na Pranga e-na Ili ‘quela conjuntura de vitéria sobre o fascism ¢ de reconstrugto ‘do mundo dentro de uma nova ordem encontrou expresio nina ‘andlise da cultura conduzida nos teros do humanismo renovado, No cinema, a confianga no homem como sueto da histriaperada pela liberacdo produz um interregno de reconiiagao intelectual ¢ {mocional com 2 modernizayi0, dando ensejo a um estilo de refle- ‘eto como o de Bazin. Nel se articulam fe religiosa © humanismo ANDRE BAZIN Wenico a conceber a producto industrial da imagem como uma romessa de conhecimeno, um “star em casa” no planeta, uma ex ploraca iuminadora dos Searedos do mundo. Tal humanismo te. nico fem algo da fe democratic, da concepgaoidealizada da cin a como gesto de-amor a natureza e propia, digamos, um ‘romento feliz em que a cinefiia te vive, sem sontratempos, como finort vida, atengho ao mundo, Através dele, oexprto de missho {e Bazin pode se deslocat da apirada vida de professor — dado ‘que Balizou sua formagdo — para o terteno dt cities mlitante, toda la um Tormidive clio a0 cinema sonoro, a0 avango das, 'eenica da reproduedo como materialzacdo de sonhes da humani- dade (ver "O mito do cinema total”, “O cinema ea exploracao"). ‘Nao por aca, a queso central desa critea € a da "voc co realista” do cinema, nao propriamente como veiculao de {uma visto corretae feshada do mundo, mas como forma de olhar ‘que desconfia da retérica (montagem) e da argumentagao exces ‘va, buscando a vor dos proprios fendmenose stuagdes. Realism, fentdo, como producto de imagom que deve se inclinar dante da ‘experitcia, assimilar 0 impreviso, suportar a ambigiidade, o fspesto multifocal dos dramas. Tal produgao de imagem requer tum exo, implies numa escola. A forma deste realise tem seus procedimentos-chave, Eses mesos que os construtores do cinema ‘ioderno (Renoir, Welles, Wyler, Rossellini estavam, a0 ver de Dazin,afirmando, par da diversidade de cicunstansias e “men sagend"': 0 "plano seqiénca” (apresentagdo da cena sem corte, numa Gnia tomada), or movimentos de cma, 0 uso da profun- ‘idade do campo vsivel (idimensionalidade), 0 respeito 4 dura- ‘so continua dos fos, & minimizagao dos efeitos de montagem. Talia de “iat ao em ane pub vik "montagem do cinema cisco, traduzo ideal da “'eompreen- Slo" tavintana: antes dese uleado © mundo exis, est em process; hd uma rigueza das coisas em sua inerioridade que fleve ser observada, insstentemente, até que se exprese, Pal lanro, ¢ preciso que o olnar nao fragmente © mundo € saiba ‘obserilo de forma global, na sua durasao, pedendo entao alan fara intuigdo mais funda do que de esseacal cada fendmeno ou ‘Vivenciatraz dentro des Ha, sem dvida, a mattiz berasoniana neste deal, um pouco 4 reveia de Bergson na adesa0 a0 mundo mecdnico da tenia. “Tal atengio a durde resulta do papel centel do Tlosofo rancés na formagao do crtco, presen vital anterior & letura dos textos 4e Serie sobre @imaginagao €o imaginétio, anterior mesmo 80 ‘onto de Bazin com Emmanuel Mounier (um dos fundadores ITRODUCAD, u da Esprit) no final dos anos 30, quando 0 enta0 estudante teve vivo interese pelo Personalismo de que Mounier, um dos tebrios {do existenciliemo catlico francés, era 0 porta-voz. Com sua pro- Fiseto de fe no cinema, Bazin tradi um movimento de reconcia- ‘so do pensament religioso com o mundo moderno e pode obser- Var a tela sem a moldara moralista de desconfianga i imagem ¢ ho que nela € apego 4 esfera da carne. Ha mesmo um interese pela natureea que lembra o cienista apaixonado pela empiri, thas the serescnta uma fenomenologia da ambiguidade, uma hhoedo de facetas dq mundo a resgatar que faz da Gencla um canal de intimidade com os meandros da Criacdo (a ponto de, em cr- fica don? 2 dos Cahiers le lembrar que € preciso ler em iigrana ‘hevidencia da graza, pois "0s signos de\Deus no sto sempre sobrenaturais). “Tal confianga na imagem cinematogrifica, Bazin a parttha ‘com os primeiros tebrios do cinema — Louis Delluc, Jean Eps fein — com a resalva de uma opeto realist, estranha ao iderio fa vanguarda dos anos 20, que deixa Bazin mais em paz com o ‘cinema industrial, Tal eonfianga era um tragorecorrente na forts- Sima tradigdo tedrica francesa, ae que 05 anos 6 vissem abalé- la'ao alterr or termos do pensar 0 cinema e a politic. Na pri- imeira metade do seul, era comum neseatradigao ideniicar © ‘nema com wm sopro de autenicidade na cultura, reeusa de ate ficio. Tal postara marcou a recepea0 dos erticos franceses a Hollywood cus géneros mais populares foram saudados como um vento de juventude, simplicidade, inimidade com a naurera (o western, tudo o que se afigurava como 0 Outro da Europa). Por esta via, a producto industrial se lgtimou, consolidando sua posigdo cenral na cineilia parisiense, dado que, nas revista de Sinema, afastou as formulagoes mas apocaliticasTace a cultura ‘de massa e Hollywood (ate 1968). Se no pos-puera a alternativa ‘eorealista € exaltada, ito na0 Implica, para Bazin, no rechago ‘outros modos de produgaor seu movimento &derespeito fara individual, fegdespacticolares @pertinénca a um sistema de pro- co, cuja simples exten psicoldgiea nao poderia explicate sequer ondenar, Se dominio estendese, pois, da moral (as Fbulas de {ia Fontaine) 20 mais alto simbolismo religioso, passando por todas as zonas da magia € da poesia, ‘© antropomortismo nto €, portato, condendvel @ priori Independent do nivel em que se situa, Devemos inflizmente adi tir que, no caso de Jean Tourane, ele €0 mais baixo. A um 36 tempo o mas falsocientificamente ¢ 0 menos Wansposto esteica- mente, se eles inclina, sobretudo, 8 indulgéacia, na medida em ‘que sua importancia quanitativa permite uma estopenda explora {0 das possblidades do antropomorfismo em comparacao com {eda montagem. O cinema vem, com efit, multplear as intet- pretagoes esttias da fotografia por aquelas que surgem da apro- samazao dos planos. ‘Pos € importante notar que 03 animais de Tourane nto sto ‘destrador, mas apenas domesticados, e nao ealizam praticamente hnada do que ot vemos fazer (quando parece que 0 Ta2om, houve flgum trugue: mio fora do quadro dirigindo © animal ou patas falsas animadas como marionetes). Todo engenho e talento de ‘Tourane consist em fazé-los permanecer mais ou menos imovels| ‘na posgao em que foram colocados durante afilmayem; o cen Fio ao fedora fantasia, 0 comentario }é bastam para conferit postuta do animal um sentido humano Que a ihsa0 da montagem ‘em entao dar preciso e ampliar de modo tao consderavel que, por vere, o erin quase que totalmente. Toda ura hstria€ assim arquitetada, com mumerosos personagens com relagdes compexas (tao compleess, ais, que 0 roteiro fica multas vezes contuso), dolados de diferentes caracersicas, sem que of protagonstas tenham feito outra coisa que permanecer quictos no campo da mera. A ago aparente ¢o sentido que Ihe damos pratiamente ‘nunca preexstiram a0 filme, sequer na forme parcelar dos frag mentos de eena que consticuem tradicionalmente os plano. digo mss, nessas cicunstancias era:nio apenas suficiente mas necessria fazer esse filme “de montagem”. Com efeito, ‘0 bichos de Tourane fossem animals espertos (a exemplo’ do ‘eachorro Rintintin,capazes de realizar poradestamento a mai ria das agdes que a montager ie credit, o sentido do filme seria Fadicalmente deslocado, Nosso interest reaiia entdo sobre as proezas e ndo sobre a hstria. Em outras paavras, ele pasa fo imagindrio ao real, do prazer pela feea0 & admiragdo de um rimero de music-hal bem executado. Ea montagem, criadora abstata de sentido, que mantém o espeticulo em sua irealidade ‘em O boldo vermelho, eu constato ¢ vou demonstrat que le nao deve endo pode dever nada a montagem, O que nio deixa fe ser paradoxal, visto que 0 roomorfismo conferido 20 objeto ainda mais imagndrio do que 0 antropomortismo dos bichos. O baldo vermetho de Lamorise, com efito,realiza realmente diate das cameras os movimentos que o vemos realza, Tata, €Sbvio, de um trugue, mas que nto deve nada ao cinema enguanto tl. A iusto, aqui, surge como na prestdigitagio da realidade. Ela ¢ com ‘rea € no resulta dos protongamentos victuals da montagem, ‘Que importincia tem iss, dio, se 0 resultado & 0 mesmo: fazer com que acteitemos que hé um balao na tla capar de seguir seu dono como um cachorrinho! Mas éjustamente porque nna montagem o balto magico so existria na tela, quando 0 de Lamorisse nos temet & realidad CConvém. talvez, abrir um paréaese a fim de observar que a _énaturezaabsiata da montagem naa € absoluta, pelo menes pico Topicamente. Do mesmo modo que os primeros espectadores do inematografo Lumiere reevavam som a chepada do tm na eta ‘Ho da Ciotat, # montager, em sua ingenuidade orignal, no & Dercebida como anificio, © haito com o cinema sensibilizou ‘ouco a pouco o especiadr, «grande parte do publico seria hoje fapaz, se The pedisemos para presiar um pouco de ateneto, de sistinguir as cenas “reais” das sugeridas unicamente pela monta ‘em, Everdade que outros procediments, tis como a tansparén a ia, permite mostrar, no mesmo plano, dais elementos, por exem- ‘lo, o tigre ea vedete, cujacontiguidade apresentaria na realidade flguns problemas, iusto € ai mais perfeta, mas pode ser desco- teria e, em todo caso, o importante nlo € que o traque seja ou ‘io invisivel, mas que haja Ow nso truque, do mesmo modo que 4 belera de um falso Vermeer nao poderia prevalecer conta sia ‘nautentiidade ‘Objetarho que os baldes de Lamorsse sto, no entanto, truce os. 180 € Obvio, pols se no o fonsem estaiamos em presenca ‘de um documentirio sobre um milagre ou sobre 0 faquirsmo, © © filme seri bem difeente. Ora, O buildo vermeiho & um conto ‘inematogrifico, uma pur invensSo da mente, mas o que importa ‘Erque etn histGria deva tudo 20 cinema, justamente porgue 20 ‘ssencial ela nada Ihe eve bem ponivel imaginar O haldo vermelho como ui 1 Ierdvio. Mas, por mais bem escrito que se poss imagiar,o iva ‘io cheearia aos pés do filme, pois o charme deste & de outra nat teza, No entanto, a mesma historia, por mais bem filmada que fosse, poderia nko ter mais realidade na tela do que no lvro; seria na hipbtese de Lamorisse decidir recorter As lusdes da montagem (ou eventualmente da transparéncia). O filme se traneformarin entio num relato em imagens (como o conto seria em palaveat) a0 més de ser 0 que &, val dizer, a imagem de um conto ou, se Dreferizem, um documentito imaginaro, [Ess expresso me parece ser em defiiivo a que melhor define © propésito de Lamorsse, proximo e no entanto diferente do de ‘Cocteau quando realiza, com Le sang d'un pode, um documents- rio sobre a imaginasdo (ais, sobre o sonho). Encontramo-nos, portanto, embrenhads, pela reflexto, numa série de paradoxos. ‘\ montagem, que tantas vezes¢tida como a esénca do cinema, ¢, nessa conjuntura, 0 procedimento literirio eant-cinematogri- Fico por exceléncia. A especiticidade cinematogrifica, apreendida pelo menos uma vez em estado puro, reside, ao contrat, 10 ero respeito fotogratico da unidade do espaco. : "Mas € prevso aprofundar a andlise, pois poderemos observa, som razlo, que se O baldo vermelho nto deve extencialmente | pada 8 montagem, cle recorre a ela aidentalmente. Pois, afinal |e contas, se Lamorisse gastou 500.000 francos com bales verme- Ths, foi para nao faltar substitutes. Do mesmo modo, Crin blanc «ra duplamente mite a qu, de fat, varios cavalos com o mesmo aspecto, embora mais ou menos sevagens, compunham a tela lum nico cavalo, Essa consiatagto vai nos permite chegar mais Derto de wma lei esencial da enlistica do filme. Considerar os filmes de Lamerisse como obras de pura fce80 seria tra-os, como também, por exemple, Le rdeau cramotl. A ‘redibilidade dels std certamentsligada a su valor documenta, 0s acontecimentos que ees repesentam sto parsaimente veda deiros. Para Crin blanc, a paisagem de Camargue, vida dos cri ores e dos pescadores, os costumes das manadas,constituem & bate da fabula, 0 ponto de apoio slide e irrefutdvel do mito orém, sobre exearealidade fundamentam-sejustamente uma di lética do imaginiro, cujo interessante simbolo é a duplicacdo de Chin bane. Assim, Crin blanc ¢ mm x6 tempo 0 verdadeiro cavalo que pasta nos campos slgados de Camargue, ¢ 0 animal de sonho que nada ctenamente em companhia do menino Foleo Sua realdade cinematozriica ndo podera dispensar a realidade documentéria, mas era preciso, para que ela se tornasse verdade de nossa imaginasto, que se destruissee renascesse a propria re Tidade A realizao do filme exigiu com certeza vias provzas. O saroto excolhide por Lamorisse munca tha se aprosimado de lum cavalo. Foi preciso, entretanto, Ihe ensinar a moatar em peo. Mais de uina cena, dente as mais espetaculars, foram rodadas quase sem truguese, em todo caso, a despeito de cetos perigos. , no entanto, basta pensar nels para compreender que seo que a tela mostra ¢ express tvese que ser verdade, realizado efetiy ‘mente diate da camera, o filme dbsara de existir, pois dexaria ‘no mesmo insiante de serum mito. a parte de trague, a margem de subterfglo necessiria& ldgica do relao que permite ao imagi- niciointegrar a um sb tempo a reaidade e substitula. Se hou- weve apenas um cavalo sevagem submetide penosamente as xi ‘Encias da fimagem, o filme ria apenas uma faganha, um himero de adestramento, como o cavalo branco de Tom Mix podemor ver 0 qv ele perderia com iso. O que € preciso, para a Plenitude estética do empreendimento, € que possamos acreditar ia realidade dos acontecimentos,sobendo que ve trata de true. caro que o espectador nao precisa saber que hava ts ou qua- tro cavalos® ou que era preciso puxar o focinho do animal com tum fio de ndilon para que vrasie a cabeca de modo adequado, ( importante que possamos dizer, a0 mesmo tempo, que a maté- fia-prima do filme € autnica e que, no entanto, “& cinema”. ‘Assim, a tela reproduz o fluxa e reflux de nossa imaginas30, que ‘senutre da realidade qual ela projeta se substitu a Tabula nasce da experitncia que ela transeende, Mas, reciprocamente, ¢ preciso que o imaginéro tenha na tla ‘a densdade expacia do real. A montagem s6 pode ser ulizad {dentro de limites precios, sob pena de atentarcoatra a peépria ‘Ontologa da fabula cinemaiogrifica. Por exemplo, ndo € permi {ido 0 realizado excamotear, com o campo/eontra-sampo, dif culdade de mostrar dois aspecios simultineos de uma a0. Fei o| ‘gue Altert Lamorsse compreendeu perfetamente na seqiéncia ‘da caga ao coelho, em que vemos sempre simultaneamente, no ‘campo, 0 eaalo, 0 menino ¢ 0 coelho, mas ele quase comete um ferro.na seqiéncia da captura de Crin bane, quando 0 menino & frrasiado pelo cavalo galopando. Pouco importa que © animal ‘que vemos naquele momento, de longe, arrastar © peaueno Foleo — sejao falso Crin blanc, tampouco que para essa opera lo arricade © proprio Lamorise tenha substtuido 0 g8"010, fas me incomoda que no final da sequénca, quando o animal ‘vai mais devagare par, a cimera nlo me mosireirrefutavelmente ‘a proximidadefsia do cavalo e da cranga. Uma panoramica ou im be.» capes do aa gue pete & red ese um reveling pra tris poderia feo. fsa simples precaugto teria astentead rerospestvamene odor os pasos anttes, coat td plans scion de Fle do alo cao: {eado uma dieldade que no entatosetorou beni agus ‘momento do eps, vm omer abla Mer xpacal da no’ « ANDRE BAZIN ‘Senos esforcarmos agora para defini a difeuldade, me parece ‘que poderiamos estabelecer em lei estética 0 seguinte principio “Quando o essencal de um acontecimento depende de uma pre- senga simuanea de dois ou mais fatores da ago, 4 montagem fica proibida”. Ela retoma seus direitos a cadaver que 0 sentido tado quanto um principiante em 16mm, que contatou a tia ¢ 0 tabelido da fara, Sera que acreditam que é mais Tact ding Maria Casares contra seu temperamento que amadores dceis? E ‘erdade, com eft, que crtascenas sto mal inerprtadas. E su preendente que no sjam as menos comoventes. Mas € que o filme ‘rcapa completamente as categoras da interpret. Nao se di- xem enganar pelo Fato de os imérpretesserem quave todos amado- Fes ot principlants. Le Journal ndo esta menos distante de Ladraes tie bcielera do que de Enirée des artistes (0 unico filme que pode tnoscomparar com ele €O martiro de Joana D'Arc, de Cart Dre $e). Nao ¢ pedido 40s stores para imerpretar um fexto — que seu Fraseado tear far com que sia, alas, impessivel de ser inter pretado — e tampouco para vive-lo: mas somente para dizé-l. Por sso @ texto tetitado off do Jounal xe encadeia com tanta fac Tidade com 0 que 0s protagonistas realmente pronunciarao: nao existe nenhuma diferencaessenciat de estilo de tom. Tal dcisto| hi se opte apenas a expresio dramstica do ator, mas até mesmo f qualquer expressvidade pscoldpica. O que nos pedem para le fem seu rosa no ¢ 0 felexo momentaneo do que ele diz, ¢ sim lama permandacia de ser, a mascara de um destino espirtul. Esse Filme "mal inerpretads’” nos deixa, contudo, © sentimento de luma necessiadeimperiosa dos rostos. A imagem mais caracers- tica esse respeto ¢a de Chantal no confesiondrio. Vestida de Preto, enfurnada na penumbra. Nicole Ladmiral sb deina parecer lima mascara cinza, hesitando entte a noite ea luz, gasio como 0 funho na cera, Como Dreyer, Bresson s¢ apegou naturalmente 8s ‘qualidades mais carnis do rosto que, justamente na medida em fue ee nao interpreta, ado & 2 marca priviepada do se, o rasro ‘ais leglvel da alma; ada no sto escapa a dignidade do signo {JOURNAL D'UN CURE DE CAMPAGNE a [Nio é para uma psicologia, mas antes para uma fisiognomonia txistenial que ele nos convida. Dal o hiratsmo da incerpeetao, fa lentidto @ ambiguidade dos gestos, a repeticdo obstinada dos ‘Comportamentos, a impressbe de desacelerasao oniria que se prava ina meméria. Nada de relativo podera acontecer com esses perso hagens, enviscados que esldo em Seu ser, essecialmente ocupados fm perseverar al contea a graca ou em arranear sob seu fogo a tiniea de Nessus do velho. Els nfo eveluem: 95 conflitos intrio- tes, as fases do combate com o anjo nao se raduzem claamente ‘a aparenciadeles. O que vemos se parece ants com a concentra- fo dolorosa, com espasmos incoerentes do parto ou da muda Se Bresson despoja seus personagens, € no sentido prSpio. ‘Oposto 4 andlise psicolozicao filme também ndo deixa de set, por conseguinte,alheio as categoria draméticas. Os aconte ‘imentos nao.se ofganizam segundo leis de uma mecinica das paitbes cuja realizagto satisfaia o esprit; a sucesso deles € lima necesidade no acidental, um encadeamento de aos ivees © de coinedéncias, A cada instante, como a cada plano bastam seu destin e sua lbcrdade, Eles se orientam talves, mas separad mente, como os gros de limalha sobre o spectro do imi. Se & palavea tragédia vem aqui a baila, € 48 avesses, pois so poderia fer uma (radia do livre arbtrio. A transcendéncia do universo de Bernanos-Bresson nto € a do frum antigo, tampouco a da pair ‘fo racniana e sim ada Graga que todos podem reusar. Se, con tudo, coerEncia dos acontecimentos a elicicia causal dos sees ‘nio parecem ser menos rgorosas do que numa dramaturgia tradi ‘uma ordem, a da profe fia (aver fosse preciso dizer da repeiqao kierkegazdiana), 120 diferente da fataidade quanto a causalidade 0 é da anaogia, ‘A verdadeira estrutura segundo # qual o filme se desenrola do € a da tragédiae sim a da “Tnterpretagao da Paixio” ou, melhor ainda, a do Caminko da Cruz. Cada sequénsa € uma est ‘Ho, A chave nos ¢revelada pelo dloga na cabana entre os dois adres, quando 0 de Ambrisourt descobre sua preferéncia espiri- fal pelo Monte das Olivetras. Nao € 0 bastante que Nosso Senhor tenha me feito @ graca de me revelar hoje, pela vor de meu velho mestre, que nada me arrancatia do lugar esclhido por ‘mim desde toda asternidade, que eu era prisioneiro da Sants Ago. nia" A morte nfo ¢a fataidade da agonia, apenas seu termo € fa libertagio. A parti dai saberemos a que ordem saberana, 3 {que rtm espiritualrespondem os saimentose 0s ats do padre ies fguram sua agonia, CCabe talverassnalar as analogiascristoldpicas que abundam ‘no final do filme, pois eas tem motivos para pasrar desaperceb das. Eo que ocorre com os doe desmaios durante a note: a queda ta iama, vémitos de vinho © de sangue (onde sfo encoatrados, ‘numa sintese de metéforas comoventes com a quedas de Jesus, fo sange da Paicto, a exponja de vinagree as nSdoas de escarro). E mais: o véu de Veronica, a tocha de Serafta; enfim, a more tna 4guafurtada, Golgota derrisdia onde no faltam 0’ bom € o ‘mau lado, Esqueyamos imediatamente eas aprorimagdes que ‘40 necessariamente traidas pela formulasao. Seu valor esiético procede de seu valor teoldpeo, ambos opcem-se & explicitasd. ‘Tendo, tanto Bresson quanto Bernanos,evtado a alu simbo- lia, ncahuma das stuagbes, caja relerénciaevangtlica¢entretanto ‘tv, esd al por sua semelthanca ela possul sua signiicagdo pré- Pra, bingrafica e contingente; #similtudecrstloyica ¢ apenas fccundéria por projecto sobre 0 plano superior da analogia. A ‘ida do-pedre de Ambricourtnio imita de modo algum a de seu Modelo, ela‘ repete e figura. Cada um carrega sua cruz e cada riz diferente da outra, mas todas s4o A da Paitdo. Na testa do padre os sures da febre sto sangve Assim, provavelmente pela primeira ver, 0 cinema nos oferece lo somente um filme cujos tnios acontecimentos verdadeiros, ‘jos tnicos movimentos sensivelss40 os da vida interior, porem, tmais ainda, uma dramaturgia nova, especificamente religiosa, 08 melhor, teldgica: uma fenomenologia da Salvarao e da Gray. [Notemos, als, que nese empreendimento de redusto da ps- ologia © do'drama, Bresson enfrenta daleticamente dols pos de ealdade pura. Por um lado, como ja vimos, o rosto do iter. bree live de qualquer simbolsmo expressive, redurido a ep? ferme, rodeado por uma natureaa sem arificioy por outro, que te deverin chamar de "reaidade excrita”. Pois a fidelidade de Breston ao texto de Bernanos, nfo apenas sua recusa em adapté- Jo, mas sua preocupacto paradoxal em sublinhar seu cardter lite- tro &, no fundo, a mesma escolha arbitréria que aquela que fege os eres ¢0 cendrio. Bresson tala 0 romance como seus pet= fonagens. Ele € um fato bruto, uma realdade dada que no se deve de modo algum tentar adaptar@ situarlo, toreer conforme fa ou aqucla exgéncia momentanea do sentido, mas a0 contrd- to, confimmar em seu ser. Breston suprime, nunca conden, pois o que resia de um texto cortado ¢ ainda um fragmento orgi- fal; como o bloco de mirmore procede da pedrcra, as palavras Dronunciadas no filme continuam a ser do romance. Sem divida feu fraseado literdrio, deliberadamente frisado, pode ter visto como uma pesquisa de estilizacao artsica, 0 préprio contri {do realism, pots a “realidad” nto € aqui o contebido desertivo moral ou inelectual do texto, e sim o préprio texto ou, mais pre- slsamente, seu estilo, Compreende-e que esa realidade de segundo ‘rau da obra orginal e a que a cimera captura dietamente n20 Podem se encainar uma na ura, se prolongar, confundir; 40 con Itario, a propria comparacio acusa a heterogeneidade de suas ‘estncas. Cada uma Joga, portanto, sua partida paralela, com seus meios, na sua matériae exllo propris. Mas € provavelinente Dor tal disociacao de elementos, que a verossimithanca poderia fonfundir, que Bresson conseguesliminar ata ponto 6 acidental ‘A discordancia ontoléyica entre duasordens de fato concorrentes, fconfrontadas na tela, evidencia a Gica medida comum a elas: a falma. Todos dizem a mesma coisa e a propria disparidade da ‘expresso, da matria, do exo deles, a espéce de indiferenca que tege as reiaes do inierpetee do texto, da fala e dos rostos, € 8 {arantia mais cert da profunca cumpliidade dees: a linguagem ‘Que ndo pode sera dos labios ¢, necesariamente, a da alma, 6 ANDRE BAZIN Provavelmente ado hi em todo o cinema francés (ou ser pre ciso dizer Iteratura?), muitos momentos de beleza mais itensa {que a cena do medalhto entre o padre e a condessa. No entanto, la nada deve ao desempenho dos intérpretes, tampouco 20 valor ‘ramitico ou psicldgico das replicas, e sequer A sua significagdo Intrnseca O verdadero didlogo que pontua esa luta entre o padre inspirado e o deespero de uma alma ¢ por essenciaindiive. Os choques desisivos d esgrima intelectual dees nos escapam; as pala ‘as aewsam ou preparam o ardente golpe de misericordia. Nad Portante, de uma retrica da conversa} seo rigor iresisivel do Ailogo, ‘sua crescente tensto e depois seu apaziguamento final for deixam a certza de fermos sido at testemunbas privilegiadas dd uma tempestade sobrenaturl, as palavras pronunciadas #80, fentretanto, apenas of tempos mortor, o eco do sldacio que € © ‘verdadero didlogo dessa duas alas, uma alusto 20 segredo dla: © lado coroa se ouo der — da Cara de Deus. Seo padre se fecusa mais tarde a se justficar redigindo a carta da condessa, ‘no ¢somente por humildade ov gosto pelo scrifici, mas antes porque os sianos sensves sto tho indignos de benefci-o quanto ‘dese voltarem contra ele. O tesiemunho da condessa nfo em Sua esidnca, menos recusivel que 0 de Chantal e ninguém tem 0 direto de evocar 0 de Deus. ‘A técnica de mise-en-scéne de Bresson s6 pode set bem jul sada a nivel de seu proposito esético. Por ior que a teahainos explicado, raver possampos agora, contudo, compreender melhor © paradoxo mais Surpreendente do filme. claro que cabe a Mel ville, com Le slene de lamer, © métito de ter sido 0 primero a ‘uses encararo texto aa imagem. E notavel ue a vontade de fide- Tidade iteal foi também a causa dso, Mas a propria extratura do livro de Vercors era excepeional. Com 0 Journal, Beeston faz ‘mais que confirmar e demonstrar 0 cabimeato da experiencia de Melvile, el a leva hs cltimas conseqhtncias Devemos dizer do Journal que ele é um filme mudo com legendas faladas? A fala, como vimos, no se insre na imagem, ‘como um componente reaista; mesmo pronunciada realmente pot lum personagem, € quase no modo reitativo de Opera. A primera vista 0 filme ¢, de certo modo, consttuido, por um lado, pelo {exo (eduaido) do romance ¢, por outro, iistrado com imagens ‘que nfo pretendem de modo algum subsitu-lo. Nem tudo que € dito ¢ mostrado, mas nada do que ¢ mostrado esta dispensado de JOURNAL D'UN CURE DE CAMPAGNE ‘Mo pode sr «don libion ¢nocenaramente sda timn. wave) ue ANDRE BAZIN ser dito, Em altima insénsia, 0 bom senso critco pode acusar Bresson de subsituir pura e simplesmenteo romance de Bernanes| por uma moniagem fadioonica e uma iustragdo muda. E desta Suporta depradapio da arte cinematogrfica que precisamos agora pani para compreender bem a orignaidadee a audica de Breson, ‘Em primeira lugar, se Breson “vetorna” a0 cinema mudo, nto de modo algum, apesar da abundancia de primetos planos, pata restar com um enpressionsmo teat, fruto de uma enerm ‘ade, sim para, 20 conréri, encontrar a dignidade do rosto Ihumano tl como Stroheim e Dreyer otinham compreendido. Ora, shim valor, um Unico, 20 qual Som se opunba, em principio por eséncia, ese era stleca sntica da montagem eo expres" Sonismo da interpetagzo, isto é, a0 que proceda efeivamente {a enfermidade do cinema mudo. Mas faltava muito para que todo o cinema miudo se disses tal, A nostalpia de Um silénio ‘gue foe gerador benfico de um simbolisno visual confunde inde- ‘idamentea pretensa primazia da imagem com a verdadeira voc {io do cinema que ¢ & primazia do objeto. A auséacia de banda Sonora em Ouro e meldigao, Lobisomen (Nosferatu) ov em O Imartino de Joana D'Arc tem sigifcagio contaria a0 silencio {de Caligari, dos Nibelangos, ou de Eldorado; ela & uma frusirago ‘ento o ponto de patige de uma expresso, Os primeiros existem fpesar do silencio, no sracas a ele. Nesse sentido, © aparecimento da banda sonora ¢ apenas um Fendmeno tence acdental, nao a re Solugdo estetica que se pretende. A lingua do cinema como a de Esopo ¢ equvoca e so ha, apesar das aparéneias, uma historia da cinema antes como depois de 1928: a das relagdes do expresso imo e do realsmo; 0 som ini arruinar provisoiamente 0 pr ineito antes de adaptarse, por sua vez, a ele, mas cle se inssrevia {iretamente no prolongamento do segundo. verdade, paradoxal mnenter que ¢ hoje nas formas mais teatais, logo nas mas flan tes do cinema falado que se deve procurar a ressurgénca do antigo simbolisme e que, de Tato, o realism pré-sonoro de um Stroheim ‘ase nto tem dscpulos, Ora, € em rlagao a Strobeim ea Rencit ‘ue devemos sitar, evidentemente, 0 empreendimento de Bresson, A dicotomia do didlogo e da imagem que serepora a gles tem Sentido numa ettica aprofundada do realismo sonoro, E to ero ‘neo ver ai uma flustraglo do texto quanto um comentario da im tem, O parallismo dels continua a dissociagdo da reaidade sen ‘ve, Prolonga a dialticabressoniana entre a abseagao ea real- dade gragas & qual nds so tocamos, em definitive, unicamente a realdade das amas. Bresson nao retorna de modo algum a0 expres JOURNAL DUN CURE BE CAMPAGNE ww sionismo do cinema mudo: ele suprime, por wm lado, uin dos ‘componente da realidad, para repoticla deliberadamente esti aa, numa banda sonora parclalmente independent da imagem, Em outros terms, & como se a mixagem definitivacontvesse i= dos gravados diretamente, com uma fidelidade ecrupulosa, em texto reio tono pssincronizado, Esse texto, pores, como disse- ‘mos, &uma segunda realidade, um “Tato esteco brut” Seu rea- lsmo € seu estilo, quando o estilo da imagem €em primsio lar sua realidade eo estilo do fle, pracsamente, a dscordancn dels Bresson mostra definitivamente como é ese hgat-comum er tico segundo qual a imagem e 0 som nunca deveriam se dupli- «at. Os momentos mais comoventes do filme Bo justamente aque- les em que o testo deveria dizer exatamente a mesma coisa que 8 imagem, ¢ isso porque o diz de outra manera. De fato, © som runea est agu para compltar 0 acontecimento visto le reforea €multiptica como a cana de ressondncia do violino 0 faz com a viragdes as cords. Falta, porém, dialtica a essa metifora, pois ‘nfo € tanto uma ressondacia que o esptto percebe, mas antes luma defasagem como a de uma cor nao superposta to deseo, FE énas matgens que o evento ibera sua sinificagto. E porque 9 filme ¢ interamente constuldo sobre esa relagao que a imagem tinge, sobretudo ne final do Time, tal potéeia emocional. Seria init procurar os princpios de sua dlacerantebelezaunicamente fem seu conteido explicta. Acho que existem poucos filmes cus Fotografias scparadas.sejam mais decepcionantes; a frequeme ustncia de composiglo plastica delas, a expressdo consirangida ® esitica dos personagenstaem absolviamente seu valor no desen~ Tolar do filme. No entanto, no € 4 montagem que eas devem © incrivelsuplemenco de eficcia, O valor da imagem procede pouco ddaquilo que a precede ou a segue. la acumula antes uma ener ‘etatica, como as léminasparalelas de um condensador. A partir dela, e em relagto & banda sonora, organizamse ay diferencas de Potencial esis cujatenstotorma-e insustentavel. Asim, 2 rele ‘so da imagem e do texto progride no final em prol dest stim, © € com muta naturalidade, sob a engéncia de uma logia impe Fiosa que, nos lkimos segundos, a imagem se retra da tela. Ao Ponto em que Bresson chegou, a imagem nao pode dizer mais sobre iso sento desaparecendo. © especador fi progresivamente ‘onduzido a essa noite dos senidos cuja nica expressto posse! € 4 tur na tela branca. Eis, portanto, a que lendia 0 pretenso ‘nema mudo e seu realism alivo: a volatizat imagem € a dar ugar unicamente ao texto do romance. Eaperimentamos, porem, haa ge a pre ua cmwan ‘com uma evidéncia esti irecusivel, um &xito sublime do cinema puro, Tal como a plgina banca de Mallarmé ou osiléncio de Rim- Baud ¢ um estado supremo da inguagem, a tcla sem imagens € fnuregue & literatura maren 0 tiunfo do realismo cinematogrifio. ‘Sobre'o pano branco da tla cruz negra, desajctada como a de tima particpasto, nico ago visivel deaado pea assuncio da ime fom, testemunho daquilo de que sus realidade era apenas sgno. ‘Com 0 Journal d'un curé de campagne abre-se uma nova fase da adaptasio cinematografica, Ate entdo o filme tend a se subs- { tituir ao romance como sua traducdoestética numa outa lingua. tem, “Fidlidade” significava, ent, respeito do esirito ma tam- bbém busca de equvalentes necessirios, levando em conta, por exemplo, exgéacas dramiticas do espetical ou da eficicla mais Greta da imagem. Aliés falta muito, infelizmente, para que tal ‘preocupasdo seja ainda a regra mais geral. E, porém, a ea que fabem os méritos de Adiltere ou de Sinfonia pastoral. Na melhor as hipbteses, tas mes “*valem 0 fv que hes serviu de modelo. ‘Ao lado desea formula assinslemos também a existéncia da ‘adaptagao livre como a de Renoir em Une parte de campagne ‘ou.em Madame Bovary. 0 problema, porém, ¢resolvido de modo ‘ferent original nto passa de uma fonte de inspirasao; a fide lidade: uma afiidade de temperamento, uma simpatia fundamen tal do cineasta pelo romancita. Em ver de pretender substitir 0 Fomance,o filme se prope a exstr ao lado dele; @ formar um par com ele, como uma esrela dupla, Tal hipétese, que ais 56 {tem sentido quando endossada pelo gn, nlo se opde a um &xito ‘nematogrifico superior a seu modelo lterério, como 0 de Rio ‘sagrado, de Renoir. ‘0 Journal d'un curé de campagne, porém, é ainda outra coisa Sua dialtica da fidlidade e da cracio se reduz, em tltima and Tse, a uma dilética entre o cinema e a literatura. 14 nfo se tata de traduzir, por mais fil, mais inteligentemente que sea, tam- ppouco de se inspira livremente, com um respeto apaixonado, fendo em vista um fime que copie a obra, « sim de construr sobre (romance, através do cinema, uma obra secundéria. Nio um filme eomparivel” a0 romance, ou “digno” dele, mas um ser estéico ‘ova que ¢ como que o romance multiplicado peo cinema, “Talve a nica operagto comparivel du qual temos o exemplo fosse a dos limes de pitura. Os proprios Emmer ou Alain Rey ‘ais so fitis a0 eriginal; a matéria-prima dels € a obra 8 supre- ‘amente laborada do pintor, a realidad deles nto ¢0 tema do ‘quadro, mas o proprio quadro, como vimos que a de Bresson & © proprio texio'do romance. Porém, a fidelidade da Alain Res- tals a Van Gogh, que ¢, em primeiro lugar, eontelogicamente, a a fidelidade fotogrifica, nfo & sento a condicko primordial de uma simbiose ene o cinema ¢ a pintura. Por isto, comumente (0s pintores no compreendem nada disso. Ver nesses flmes ape- fas um meio intcigente,eficaz, até mesmo vilido de vulgaizaglo ( que slo a mas) ¢ignora a biologa esttica dees. 'Esia comparasto 36 ¢, no entano, patialmente vida, pois ‘os filmes de pintura esito condenados em prinipi a ser sempre lum género estético menor. Acrescentam 20 quadro, prlongam a cxisténca dees, permitem que transbordem a moldura, mas n80 podem pretender set 0 proprio quadro.? Van Gogh, de Alain Res fais € uma obra-prima menor a partir de wma obra pctica maior “ve ele ula e explicit, mas que nao substitu Tal limizagdo con- fenita tem prinepalmente: duas eausas. Em primeiro lugar, a Feprodugto fotogifiea do quadro, a0 menos por projet, no pode pretender substi o original ov ideniificar-se com ee; caso pudese azo, seria para destuir melhor sua autonomia esi, Th que on filmes de’ pinura partem precsamente da negacdo aquilo que a funda: 9 cicunseriao 90 espaco, pela moldura © pela intemporalidade, & porque o cinema, como arte do espaso © fo tempo, ¢ 0 contro da pintura, que ele tem alguma cose & acresentar a cla Eta contradigto nto existe ene 0 romance € o cinema. Nio somente ambor sio artes do relat e, portanto, do tempo, mas ho ¢ sequer possvel afirmar g prior! que a imagem cinematogra fica € inferior em sua esencia © imagem evocada pela eseitura E mais provivel que sea 0 contritio. Mas a questo no € esa asta que o romancista, como o cineasta, tenda & sugestto do fp), ou mesmo de Wiliam Har ou de Douglas Fairbanks, qu fiz ramos belo fimes do grande petiodo priv do western, segundo ‘0s métodor da arguedlogia. No mals, vérios westerns auais, de tm nivel ravovel (penso, por exemplo, em Embruecidos pea vio lencie, Cou amarelo ou Matar ou morrer), no oferecem sen80 ana Togias bem simples com a historia. Sao, antes de tudo, obras da Jmaginagho, Mas set 80 errOnco jgnorat as eferncis historias fd western quanto negara liberdade sem embarago de seus rie tos. I=L. Rieupeyrout nos mosira perfetamente a génese da del Sasio épca partir de uma histra relativamente proxima, mas € possivel que, preocupado em Iembrar 0 que comumente € esque ido ou ignorado, su extado, dedicando-se sobretudo aos filmes ‘ve ilastram sua tvs, dea implicitamente no escuro a outra face da rclidadeestéisa, Entrtanto, ela The dara duas vere raz. ois as telagdes da raldade histiea com 0 western nlo sa0 ime titas¢sitetes, mas diaticas, Tom Mix €0 oposto de Abraham Lincoln, mas ele perpetua, & sua mansira o culo e & embranga Sete Eim suas formas mate romsanescas ou ais ingénuas, 0 wes Tern € 0 contririo prfeto de uma reconstiuiglo hstrica. Hopa Tong Cassidy nao difere, € 0 que parece, de Tarzan sendo por suas Toupas e pelo quadro de suas proczas. Contudo, se qulsermos nos {Empenhar para somiparar esas histris encantadoras, mas inves Sims, para superpblas, como se faz em isiognomonia moderna om vitios neyativos de costs, veemos aparecer por tansparén ‘ium western ideal Feito das constantescomuns a todas els: um Western composta vnicamente de seus mifos em estado pu. ‘Como exemplo, distinzamo un dele, © da Mulher (0 WESTTRN OU 0 CINEMA AMERICANO POR EXCELENCIA. 208 No primeito tergo do filme, 0 “"bom cowboy" encontea uma smoga pura, digamos, a virgem obediente e forte, pela qual ee se fapaixona e culo grande pudor mio nos impede de descobrit que © amor € comparihado. Porém, obsticulos quase intrnsponiveis ‘pdemrse a ese amor. Um dos mais signficativos e dos mas fe- ‘lates vem da familia da amada — 0 irmlo, por exemplo, ¢ tim canalha sins 0 qual o bom cowboy & obrigado a Ivar a sociedade num combate singular. Nova Ximenes, nossa heroina fe proibe de achar que o assasino de seu irmao @ um mening bonito. Para redimir-se aos olhos de sua bela e merecer seu per. do, nosso eavalera deve entao passat por uma série de provas fabilosas. Finalmente, ele salva a eeita de seu coracao de um perigo mortal (mortal para sua pessoa, sua virtude, sua fortuna, ‘04 para os trés ao mesmo tempo). Ao fim de ue, que estamos to final do filme, a bela sera uma ingata se no desculpasse seu Pretendentee nao Ihe prometesse seus filo, ‘A aqui, tal esquema — sobre o qual, & claro, podemos bor- ar mil vatiantes (por exemplo, substiuindo a guerra de Secssio pela ameaga dos indios, ou de ladrbes de rebanos),j8 nao dexa ‘Se lembrar o-esquema dos romances de cavaaria pla preemingn- tin que concede & mulher e 4s provas que 0 melhor dos heros ‘deve sasfazer para pretender seu amor. ‘A historia, porém, se complica na maiora das vezes com um personagem patadoxai: «dona do saloon, geralmente também paixonada pelo cowboy. Haveria, portant, urna mulher sobrando, 5¢ 0 deus dos rotctists no estivesse de lo. Alguns minitos antes do im, a prostituta de bom coracio salva aquele que ama ‘de um pergo,sacrificando sua vida e um amor sem said pela Fl- tdade de set cowboy. No mesmo lance, ela se redime defini ‘mente no coraeio dos espectadores, 1ss0 pede uma reflexdo. Notase, com efeto, que a divisto dos bons das mas 0 existe para 0s homens. As mulheres, de alto a baito da escala social, slo, de qualquer modo, dignas de amor, pelo menos de esims ou de piedade. A menor meretiz € anda ‘edimida pelo amor ou pela morte — essa iia, ais Ie & pou- pada em No fompo dat diliéncas,cujas anlogias com Bola de feo, de Maupaseant, sto bem concidas. & verdade que o bom ‘cowboy é mais ov menos reincidnte e que o casamento mais moral Toma-se desde enta0 posiel ene © herbie a heroin, Por isso. no mundo do western, ay mulheres S80 boas, € 0 hhomem que é mau. Tao mav que © melhor deve, de certo modo, redimir com suds provas a culpa original de seu sexo. No Paraiso Terres, Eva induz Addo em tentacio. Paradoralmente o puri rismo anglo-saxdo, sob a pressio das conjunturas da historia, lverte @ proposico biblca. A depradacio da mulher ndo & ali senio a consequéncia da concupisséncia dos homens. evident que tal hipétse procede das proprias condicoes da sociologiaprimitiva do Orste, onde a raridade das mulheres © 0s pergos da vida rude em demasia deram a essa socedade naseente {obrigago de protger suas femeas seus cavalos. Contra‘ roubo| de um cavalo, 0 enforeamento pode sex sufkente, Para respeitar ts mulheres, ¢ preciso mals que 6 reeio de um rico (20 ft como ‘oda vide afore postva de um mito, O que stra o western ins ‘tui ¢ confirma a mulher em sua fungdo vestal das virtues soias| de que este mundo cabtico ainda tem a maior necesidade. Ela con ‘tém em sino apenas 0 futuro fsco, mas, pela ordem familiar & ‘al dla appira como a ras terra, sous fundamentos moras Esses proprios mits, cujo exemplo talvez mais sigificativo (epois do qual vila imediatamente 0 do cavalo) acabamos de nals, poderiam provavelmente se reduzir a um principio ainda mnais esencial. Cada um dels, no fundo, no faz mais que espec- fear, através de um esquema dramaitico j& particular, o grande manigueismo épico que opte as forcas do Mal aos cavaleiros da ilsta causa, As paisagens imensas de prados,desertoserosheds, onde se agarra, preciria, a cidade de madeira, ameba primitiva dd uma civlizacao, esto abertas a todas as possiblidades.O Indio (que a habita era incapaz de he impor a ordem do Homer. Ele 6 se tomaré senhor ela identficando-se & sua selvageria pag (© homem erst branco, 20 contrito,¢ realmente 0 conguist dor, riador de um Nove Mundo, A reva cresce por onde passou seu cavalo, ele vem implantar, a um s6 tempo, sua ordem moral au ordem técnica, indssoluvelmenteligadas, a primeira garat tindo a segunda, A seguranga material das dligéncias, a protesto das uopas federas, a consrueao de grandes esradas de ferro Jmportam talver menos que insauracto da justia ede seu re peta. Asrlacdes da moral eda lel, que jn passam, para nos- 5 velhas eivilizagbes, de um tema de vestibular, foram, hi menos {de um século, a proposigto vital da jovem América, Somente os homens fortes, nudes ¢ corajosos podiam congustar esas paisa ‘gens vrgens. Todos sabem que a familiaridade com a morte nio para manter 0 medo do inferno, o escripule eo raciocinio moral, {A oliia cos juzes server sobretudo aos fraces. A propria forea ‘essa humanidade conguistadora geava sua fraqueza. Ld onde a ‘moral individual € precria, somente a lei pode impor a ordem ‘O WESTERN OU 0 CINEMA AMERICANO POR EXCELENCYA 208 No tempo dada Job Fed no most sua Posts tpi mt ges abt et pa se 4o bem ¢ bem da ordem. Mas, quanto mais a ei pretende gran tir uma moral social que ignora os méritos individuals daqueles ‘que fazem essa Sociedade, mais cla & injusa. Para ser eficar, a Justiga deve ser aplicada’ por homens tho fortes e temerdrios {quanto 0s ciminosos. Tas virtudes, como vimos, sto pouco com- patves com a Virtud, eo xerife, pessoalment, nem Sempre vale fnais que aqueles que manda enforcar. Dee modo, surge e 36 con- firma uma’ contradiao ineviavel e necessiria Frequentemente ‘hd poucadiferenga moral entre aquees que qualifiamos de foras- ari eos que estdo dentro dla. Todavia, a estrela do xerfe deve ‘onsttur uma manera de sacramento da justigaeujo valor €inde- Dendente dos mértor de sou ministro. A esta primeira contadi- ‘ho, acrescenta-te a do execiio dem justiga que, pata ser ef- xz, deve ser extrema e expeditiva ~ menos, no entanto, que olin chamento —e, portanfo, ignorar as crcunstincas atenuantes, © ‘até mesmo os ibis demorados demais para serem verificados Protegendo sociedade, ela corre talvez 0 risco da ingratilao para com os mais turbulentos de seus fihos, mas nlo menos tes, aver, até mesmo, nao menos merecedores. Py ANDRE BAZIN A necessidade da lei nunca esteve mais proxima da neces dade de uma moral, nunca também 0 antagonismo dela foi mais ‘coneretoe mals evidente.E ele que constitu, sobre um modo bur- lesco, © fundo do Pastor de almas, de Chatles Chaplin, no qual vemos, para terminar, nosso hetbi corer a cavalo na fronteira fo bem e do mal, que é também a 6o Mexico. Admirivel ustra- fo dramatica da parabola do farisea e do publicano, No tempo {as diigencas, de John Ford, nos mostra que uma prostitia pode set mals respeitivel do que os beatos que a expusaram da ‘idade e do que @ mulher de um oficial; que um jogador debo ‘hado pode saber morrer com digidade de aristocrat, que um médico bebado poe praticar sua. profssdo com compettncia e tbneeasto; um fora-ds li perieguido, por algum ajuste de contas| pasado e provavelmente futuro, dar provas de laldade, de gene Fosidade, de coragem ede dlicadeza, enquanto um bangs ro con- fiderivel econsiderado foge com o coe. ‘Assim, encontramos na origem do westerm uma éica da epo- pia e mesmo da tragédia. © western & épco, pensa-se geralmente, pela scala sobre-humana de seus herds, ela extensto de suas proezas. Billy the Kid ¢invulnerdvel como Aguils,eseu revolver, Infalivel. O cowboy € um cavaleto. Ao cardter do herd corres- onde um estilo de mise-en-scine, em que a transposigdo épica parece desde a composigao da Imagem, sua predlegao pelos vas- tos horizontes, os grandes panos de conjunto, que sempre lem tram o confronio do Homem e da Natureza.'O western Ignora praticamente o primeio plano, um pouco mesos o plano amet ano; ee se prende, em compensagto, ao fravelling © & panort ‘mica, que negam o quadeo da eae resttuem a plenitude do espago. verdade, Mas ese estilo de epopéia 16 ganha seu sentido 1 partir da moral que he serve de base o justifica. Essa moral do mundo onde o bem e 6 mal social, em sua pureza e neces- ‘dade, existem como dois elementos simples e Tundamen Mas 0 bem em estado nascente engendraa ei em seu rigor primi- tivo, a epopeiaviratragédia pelo aparecimento da primeira con- tradigdo entre o transcendente da justica social ea singularidade moral, entre o imperativo categrico da lei, que garante a ordem da futura Cidade, e aquele no menos irredutive da conscitncia ‘nvidia ‘Repetidas veres a simplicidade corneliana dos roteros do wes {em fot parodiada.& cil obserar, com efeto, a analog dees com 0 de £7 Cid: mesmo coniito do dever ¢ do amor, mesmas ‘O WESTERN OU 0 CINEMA AMERICANO POR EXCELENCIA 37 ‘eo piano on poco menor pla tmercao; dee pene, eo oss lng chs, resp oi de provas cavaleizosas ao cabo das quais somente a virgem forte po- feck consentir esquecer a afronta feia & sua familia. Mesmo ppudor, aids, dos sentimentos que supde uma concepslo do amor Subordinado ao respeto as leis sociaise morais. Porém, tal compa- ragto € ambigua; zombar do. westersevocando Corneille & fsa também sua grandeza, grandeza bem protima da puerlidade, como a cranca esta préxima da poesia 'Nio duvidemos, ¢ esta grandezaingéaua que os homens mais simples de todos os climas —~ eas criangas — reconhecem no WeS- fern, apesar das linguat, das paisagens, dos costumes e dos tales. Pots os herbs épicesetrigicos so universal. A guerra da Seces- so pertence& historia do século XIX, o western fez dela a guerra de Troia da mais moderna das epoptias. A marcha para o Oeste E nossa Odissia Longe, portanto, de a historcidade do western entrar em con- tradigto com a indlinagdo no. menos evidente do genero peas tituagber excesivas, 0 exagero dos fatos © pelo deus ex machina, fm stma, com tudo o que faz dele um sinénimo de inverossimi Thanca ingénua, ela fundamenta, a0 contriio, sua estéica e sea ‘Psicologia. historia do cinema so conheceu outro cinema épico {que & também um cinema histrice. Comparar a Torma épica no finema rus € no americano ngo € 0 objetivo deste esludo, con {udo a aniise dos esiloneslareeriaprovavelmente com una uz inesperada © sentido historico dos acontesimentos evorados nos ois casos. Nosso propsito € apenas o de observar que a proxi dade dos fatos nao tem nada ver com a estlizagto dels. Ha legendas quaseinstantness que mela gerago basta para amadure- cerem como epopeias. Como 2 conguista do Oeste, a Revolucto Sovietca € um conjunto de eventos histricos que maream o nase mento de uma ordem e de uma civlizacao. Ambas engendraram (0s mitos necessrios & confrmagao da Historia, ambas também tiveram de reinventar @ moral, enconttar em sua origem viva, antes de sua mistra ou poluigao,o principio da lei que eolocara ordem no cao, separardo ou da terra. Mas avez cinema Toss nics linguagem nio apenas capaz de expressi-a, mas sobretudo de The dat sua verdadeira dimensto esttica, Sem ele, a conquista do (Oeste nao teria deixado com a6 western stories senao uma litera: tura menor, endo fo por sua pintura, nem, no melhor dos casos, or seus romances, que a arte sovetica impos a0 mundo a imagem fe sua grandera. E que o cinema, desde eno, &a arte espeifica 4a epopeia, Nora xvi EVOLUGAO DO WESTERN' Nas vésperas da guerra, o western via chesado a certo raw de perfegdo. O ano de 1940 marca um patamar pare alem ‘do qual uma nova evolucao devia fatalmente se produsir, eval: ‘elo que os quatro anos de guerra simplesmente atrasaram, ¢ ‘epois desviaram, sem no entanto determini-la. No tempo das diligencias (1939) 0 exemplo ideal dessa maturidade de um estilo que alcanou o classicism. John Ford atingia © equilibio perfeito entre os mitos socais, a evocagdo histoica, a vetdade Dricoldgica e a temética tradicional da mise-en-cene western ‘Nenhium desses elementos fundamentais levava vantagem sobre ‘ outro. No tempo das diligncias evaca a ideia de ume rod t40 perfeta que ela permanece em equiibrio no seu exo em Qual ‘aver posigdo que a cologuemos. Enumeremos alguns nomes alguns titulos dos anos 1939-1940: King Vidor, Bandeirantes do norte (1940); Michael Curtiz, A Estrada de Santa Fé (1940), Caravona de ouro (1940); Fritz Lang, Volta de Frank James (1940), Os conguistadores (1940); John Ford, Ao rufar dos tam: bores (1939): William Wyler, 0 galante aventureiro (1940); George Marshal, Aurea primeira peda, com Marlene Dietrich, (1939)? ‘Tal lista € sinificaiva, Bla mostra, em primeito lugar, que fs direores consaprados que haviam, naturalmente,inieiado 20 lanes antes no western de sre, quase anénimos,chegam ov voliam para ele no auge de sua carters. E até um Wiliam Wyler, cujo {alento. parece, contudo, etar do lado oposto a0 género. Esse feadmeno pode ser explicado pela promosio da qual o weston parece se benficiar de 1937 a 1940, Talvez a tomada de conscin. Sia nacional qve peludiava 2 guerra na era rooseveltana tenha 20 ANDRE BAZIN contribuido para isto. £ 0 que nos incinamos a pensar na medida fem que o western procede da historia da nagdo americana, que ele ‘exalt dtetatente 04 no, nm todo caso, esse periodo dit perfeitamente razto & tese de Je, Rieupeyrout! sobre orealismo histrico do genero, ‘Mas, por um paradoxo mais aparente que eal, 0s anos da guerra propriamente dita o fizeram quase desaparecer do reperté- Fo hollywoodiano. Pensando bem, no hé nada de surpreendente nisso. Pela mesma raxBo que o wesiemtnha se multipicado e eno brecido at cuntas dos outros filmes de aventura, os filmes de terra iriam elimindlo pelo menar provisriamente do mercado. 'A partir do momento em que a guerra parecia enfim ganha, ceantes mesmo do restabelecimento definiivo ds paz, ele reapare feu e se multplicow, mas essa nova fase de sua historia merece fer examinada minuciosamente. ‘A perfeigdo ou, se preferirem, o classiismo que o género al- cancara, impicava que ele procurassejusifiar sua sobrevivéncia ‘com alguma novidade. Sem querer explicar tudo pela famosa. let as idadesestticas, nada nos impede de fazer com que ela Tun- ‘lone aqu. Os novos filmes de John Ford — por exemplo, Pateao dos fortes (1946), Sangue de herds (1948) — represetarian muito them o embelesamento bartoco do dasscsmo de No tempo das dligéncis. Todavia, sea nosao de baroco pode explicar um certo formalismo téenico ou a relativa precosidade destes ou daqueles| reir, nlo me parece que possa justificar uma evolugao mais ‘complena, que provavelmente deve ser explicada pela relagho com 4 perfecdo atngida em 1040, ¢ também em funsao dos aconteci- tmentos fe 1941 1985, CChamare por convenso “metawesten o conjunto das for sas adoiadas pelo gtnero depois da guerra. Mas nio procu dissimalar que a express vai encobrit, pot necesidade da expo- sigto, fendmenos nem sempre compardves. Ela pode, enretant, jstiicar-se negativamente, por oposigdo a0 classicism dos anos 1940 e, sobretudo, 8 tradicto de que € a finalizasdo. Digamos que ‘9 “metawestrn" & um western que teria vergonha de sr apenas ‘le proprio e procurata justificar sua exiséncia por um interesse fuplementar: de ordem cstetica, sociolopia, moral, psicoldgicn, poli, erica... em suma, por algum valor extiaseco ao género © que supostamente o enrigueceria. Retomaremos tais pitetos pata eselarecé-los com alguns tiulos. Mas convém assnalar de EVOLUCAO Do WESTERN an nda exe mci" antemio a iflugncia da guerra na evolugto do western depois de 1948. E provivel que, com eft, 0 fendmeno do “metawestern™ tivesve de qualquer modo sparecido, porém seu conteddo teria sido diferente, A verdaderainfluéncia da gucra se fee sentir rin- ‘ipslmente depois. Os grandes ilmes que ela inspiou sBo natral- mente posteriores a 4S, Mas o confito mundial nfo apenas fo. ncceu a Hollywood temas esptaculaes, ele também impos prin Palmente, pelo menos durante alguns anes, temas de reflexdo. A Historia no era sendo a materia do wesierm, ela se tornara com freqidnca seu tema; ¢ 0 caso nocadamente de Sangue de herds, no qual vemos aparecer 0 restabelecimento politico do indi, per fepsido por numerosos westerns até. O Citimo bravo ilstrado notadamente por Fechas de foro de Delmer Daves (1950) Porém, ‘Ninflugoca profunda da guerra'é provavelmente mais indiveta€ ¢ preciso discern-a cadaver que o ime substitu os temas tradi ‘onas, ou que s superpde a els, por uma tese social ou moral Sua origem remonta a 1943 com Consiéneas moras, de William, Wellman, de quem Mafor ow morrer ¢ 0 descendent longinguo ‘notemos entretanto que, para o filme de Zinnemann, o que esti isis em jogo a influéncia do macarthismo Iriunfane). Quanto 80 efotismo, também pode ser considerado uma consequéncia pelo menos indireta do confit, na medida em que se vineula a0 {riunfo.da_pinupvgir. Talver seja 0 caso de O proserto, de Howard Hughes (1843). 0 proprio amor & quase alheio a0 wes tern (Os bratos tambéns amam vai jutamente explora esa con ‘adigio), e com mais raz2o 0 erotismo, cujo apareimento como mola dramitica supoe que ginero 36 ¢ ulizado como contraste para valorzar 0 sexappea! da heroina, Nao hi divide sobre a Intengio de Duelo ao sol (King Vidor, 1946), cujo luo espetaclat uma faxto a mais, puramente formal, para clasifici-lo entre Prem, os dois filmes que melhor iustam tal mutacdo do s2nero, sob oefeito da conscigncia que ee tomo, a um s tempo, ‘ele mesmo ede seus limites, continuam a ser evidentemente Matar ‘ou morrer¢ Os brutes tamisem amar. No primeiro, Fred Zinne mann combina os efeitos do drama moral e do estetismo dos fnquadramentos. Nao sou daqueles que torcem o narz diame de Matar ou morrer. Consiero-0 um bom filme eo pretiro, 2 todo 250,20 de Stevens. E cero, porém, que a engeahosa adapsayao ‘de Carl Foreman consist em fazer coincide ura histria que pode ria muito bem se desenvolver num outro género, com um tm ira Gcional do western. Isto &,traar este tltimo como uma forma ‘ave necesita de um conteddo. Quanto 2 Os Brus também amar onstitul_o-suprasumo da melawestemizarao". Com efit, Georges Stevens propoese a jusificar © western pelo. western. outros se empenhavam para fazer surgi, dos mitosimpicitos, teses bem explictas, mas atese de O5 brut rambom amar. 1 mika, Stevens combina dois ow tes temas Fundamentals do ge nero, sendo 0 principal odo cavalie errante em busca do Gras: ©, para que ninguém ignore isso, ele 0 veste de branco. A bran ‘ta do tae e do caval era outta Sbvia no universe maniquelsta ddo western, mas compreendemos que a do taje de Shane (Alan Lada) possi toda a pesada signifieaao do simbolo, quando nao ppasava, em Tom Mix, de um uniforme da virude e da audicia, Devs modo 0 circulo se fecha. A tera ¢ redonda. O “"metawes ter levou tao longe sua “ultrapassagem” que ele se encontra nas Montanhas Rochosas, Seo genero western eliveste em vias de desaarecimento, © “metawestera” expresaiacetivament sua decadencae sua exple- ‘40. Mas o western edeisamente feito com uma matra diferente «da materia da coméaia americana ou do filme poi. Sous ava tes no afetam profundamente ensténcia do gineto, Suas rales continuam a corer sab © humus hollywoodiano e nos surpeeende mos ao ver febentar verdes e robustos bros ene os seauores, orem esteres, hibeios pelos quas gostariam de substitu fat, em primeio lugar, © aparecimento do ™mitawe teon” afetou apenas a camada mas excentrica da produgdo, a dos filmes 4°" ea das superprodugdes. E bbvio que 0s sismos supe. fins nao abalaram o nicleo esondmico, 9 bloco central dos wes zens ultta-comercals, musicals ou galopantes, cua popularidade {eve alé mesmo, provavelmente, na elvis, una nova juventode (© sucesso de Hlopalong Casi atest © prov a0 mesmo tempo fa vitalidade da mito nas formas mats slementarss, © assemimento da nova geragto thes garante ainda alguns lusts de exstncia, Mar o western classe "7°" no chepa & Franga,« bana consular Os estos americanos para vermos confirmada sa sobrevvéncia, ‘Seo intrese esetico deles¢ indvidualmente limitado, sua pre: senga, em compensacao, € provavelmente decsiva para a saude feral do genera, Nese camadas "infriores",cuja fecundigade fcondmica no foi desmentida, os westeras de tipo tradicional con Tinnaram a eriar raze Entre todos os “metawestons” nunca det ‘amos, com efit, de ver filmes classe "B” que no procuravam Albis intelectuas ou esteticos. Talvea, ais, a nogdo de ime "2 Sein por yeresdiscullvel, tudo depende do nivel em que se faz comecar a letra "A. Digamos mais simplesmente que penso em rodugdes, claramentecomerciais, sem duvida mais ou menos one fosas, as gue $0 procuram sua jusifteativa no renome do ime pret principal e na solider de uma histria sem ambigto fntlse. fal. Un everplo admiravel dessa simpaiicaproduga0 nos 10 dado por O matador, de Henri King (1980), com Gregory Peck, no qual o tema bem clissico de um assasino cansado de Tug, ¢ ‘Obrigado a matar mais, € atado dentvo de urs quadto dramico ‘de uma bela sobriedade, Mencionemos ainda Assim s00 0s for- tes, de William Wellman (1981), com Clark Gable, e sobretado, do mesmo dietor, © poder da mulher (1951). ‘Com Rio bravo (1980), 0 pti John Ford retorna vse mente dr meiaclassee, em todo eas0, 8 radie2o comercial (Sem txcetuaro romance), Enfim, ndo nos surpreenderemos em encon frar na lsa um velho sobrevivente da epoca herdica, Allan Dwar ‘Que, por sev lado, munca abandonou © estilo ““Trdulo”* mesmo quando a liquidagao do macartismo the fornecey alg mas chaves. da atuaidage para abrir os temas antigos (Homens Inddomave's, 195. ANDRE azn Restam-me alguns titulos importantes. F que a clasiicagto utiliza até aqui val tornarse insuficieme ser preciso que eu agora pare de explcar a evolucio do penero pelo proprio genera para levar mais em conta autores como fatorGeterminante. Voces Dpuderam provavelmente observar que esa lista de produgdes rela- Tivamente traditional, pouco afctadss pla exiséncia do "met tnestern’”, 30 comporia nomes de diretore consagrados e no mais dda vers espevialioados desde antes da guerra em filmes de movi mentove aventras. Nao hi nada de surpreendeate, poranto, que “través dele se alirme a perenidade do genero ede sit es. Als, {abe sem divida a Howard Hawks 0 mero de ter provado, em lena voga do “metawester, que era ainda possivl fazer um esters verdadeiro, fundado sobre os velhos temas dramatcos € ‘petaculares, sem procurar dewiar 20a atensa0 por alguma tee Social uo que seria seu equivalente na plasticidade da Iniseen-scine. Rio Vermetho (1988) e O rio da’ aventura (1952) ‘ho obras-primas do western, mas sem nada de barroco nem de ‘Secadente. A intligéncia ¢ 4 consléncia das maios es30 al em perfeito acordo com a sineridade da rela, E aque acontecetam- bem, nas devidas proporoes, com Raoul Walsh, cujo recente acto de honra (1954) prosede dos emprésimos mais clsscos da histéria americana. Porém, os outros filmes deste realizador me fornecerao —e azar Se um pouco artificialmente — a transicio que eu queria. Em certo sentido, Golpe de misericérdia (1989), ‘Sua nica saida (1947) ¢ Embrutecidos pela violencia (1981) sto texemplos perfeitos dos westerns um pouvo acima da classe "3 fede um veo dramaico simpaicamente tradicional. Em todo caso, init nenhum sina de fese. Os personaeens nos interessam pot fauilo que les acontece, e tudo 0 que Ther acontecepertence 4 tematica do western. Mas alguma coisa fri, comtudo, que se 80 tivesemos sobre esses mes nenhuma outta indicagao de data, flo poderiamos estar em situisos na. produgo dos ultimos fos ¢ esa “alguma coisa” que cu gostaria de tentar define, este! muito quanto a0 adjetivo que convnia melhor tals westerns "1980". Pateceusme a principio que deveria procurat cm tora de “sentimento™,“'sensbiilade™, “brismo"- Penso fe, em todo caso, ess palavras nao devern Ser posta de lado € ‘Que cascaraccrizam bawtane bem 0 wesiern moderno em relae20 40 “metawester, quase sempre inteleciual, pelo menos na medida em que exige do espectador que celta para admiar. ‘Quase todos os tiulos que vou citar agora serda titulos de filmes, no quero dizer menos incigents que Matar ou morrer, mas, EVOLUGAO bo WESTERN ais «em todo caso, sem segundas intengdes ¢ nos quai 0 talento sera Sempre posto a servigo da histéria © ndo do que ea significa, ‘Outra palava conviriatalver melhor que as que adianti, ou pelo menos as completaria ullmente, a palavra “sincerdade™ Quero dizer que os dretores abrem o jogo com o género, mesmo quando tn conscincia de "faze um western. A ingentidade, comm eeito, agora quase inconcebivel no ponto em que estamos da historia do cinema, mas, enquantoo *metawester substiula a precio dade ou © cinisino a ingenuidade, temos agora a prova de que & sinceridade € ands possive. Nicholas Ray rodando Johnny Gul. tar (1954), pare a gloria de Joan Crawtord, sabe cvidentomen te muito bem o que faz. Eleni é, certamente, menos eonsciente da retoria do género que 0 Georges Stevens de Os bruts tambre ‘amare, ais, roteita« realizagio nao se privam de humor, sem ‘com isa jamais, com rela a seu filme, recuar de modo eondes fendente ou pateralista Se ele se diverte, ndo zombs. Os gi ‘dos a priori do weste nao 0 incomodam para dizer © que tem a dizer e mesmo se essa mensagem ¢ em definitivo mals pessoal ¢ ‘als Sutil que a imutdvel mitoloaia E finalmente com referncia a0 estilo do sclao, antes que & telagao subjetiva do teaizador com @ género, que esclhiere! met ‘djatvo. Fu dria faciimemte dos westerns que me Fstam para eve far —ameu ver os melhores — que eles tém algo de "romance: £0", Entendo com isso que, sem deixar de lado 0s temas tradiio- has, les 0s ensiquecem do interior pela orpinalidade dos persona fens, por seu sabor psicol6gco, por alguma singularidade atra- fenfe que € precisamente a que esperamos do herbi de romance, Povdemos ver, por exemplo, que em No Zempo das diligencas © ‘nriguecimento pscologico se refee ao emprege ¢ no ao persona ‘2m, permanecemos dentro das cateporias priori da dstrbuigso Inestrm: 0 bangueir, beats, a prosituta de both coraglo, © jogador clegante etc. Em Fora das grades (1985), ocore alao ber Giferente.F caro que stuagbese personagens sho sempre apenas varianes da tradigdo, mas o interese que susitam se deve mais 4 singularidade do que 4 peneosidade dees. Alem dss, sabemos {que Nicholas Ray cata sempre do mesmo assunto, o eu, 0 da vie Tenciae do mistrio da adlexcéncia. O melhor cxcmplo desta "ro- ‘mantizagao"" do western pelo interior nos ¢ dado por Pdward Daytryek, com A lanca partide (1984), do qual sabemos que € Anenay a “rfilmagem” western de Sangue do mew sangue, de Mankiewicz. Para quem o ignora, entretanto, A lanca part ¢ Ssomente um western mais sull que os outros, com perSonagens a6 ANDRE BAZIN mais singularizados erelacdes mais complesas, mas que no deixa ‘de permanecer esiritamente no interior de dois ou 1 fmas cls: Sicos. Ela Kazan inka, alls, tratado mas simplesmente um tema bem proximo pscolopcamente em Mer verde (1947), também com Spencer Tracy. Naturalmente, todas as nuances inermedrias sto Imapiniveis, do westrn "B” de pura obediénia ao westert roma. resto, € mia casificagto tera forgoramente alguma coisa de [rbiriria, Espero que oIeitor acite defendéla comigo. Propore, contudo, @ sequins idéia: do mesmo modo que Walsh seria o mais notavel dos veteranostradicionas, Anthony ‘Mann poderia ser considerado como 0 mais elssico dos jovens realizadores romanescos. E a ele que deveros os westerns mais bbonitos ¢ verdadciros dos sltimos anos. O autor de O prego de lim homem &, com eft, provaveimente 0 nico dos realizadores americanos do pés-guerra que parece especializado no género em {que 0s outeos se restcingem a incursdes mais ou menos esporidi- eas. Cada um de seus filmes, em todo caso, ¢ testemunha de uma franquera emecionante para com 0 género, de uma sinceridade sem esforgo pata insinuate no interior dos temas, dar vida per- fonagensatraenes ¢ venta situagoes catlvanes. Quem quiser| Saher o que £0 verdadero western, eas qualidades de mise-emsceme fue ele supde, dove ter visto © cominho do diabo (1980), com Robert Taylor, Eo sungue semeou a tera (1982) ¢ Regiao do dio (98H, com James Stewar. Na faka desses ts filmes, m0 se pode, em todo caso, deiaar de coniecer © mals bonito de todos: 1 prec de um homen (1953), Esperemos que osinemastope nao tenha feito Anthon Mann perder sa naturalidade no manejo de um lismo direto e discrete, principalmente sua inflivel segu- ranga na alanga do homer e da natureza, ese senso da dria que ele como que a propria alma do western, através do qual cle Feencontrou, mas a esala do herd romanesco endo mais mito eo, o grande segreda perdido dos filmes da ""THangulo” "i pde ser dscerigo cm meus exemplos a coincidéncia do novo estilo com a nova erayao. Seria certamente um abuso € luma ingenuidade pretender que 0 western romanesco"” 56 diga respeito a jovens, que comecaram na miserenscene depeis 63 guerra. Retrucardo, com motive, que ja hi algo romanesco em (0 galante aventureiro. por exerplo, como também em Rio Verme- Iho em O rio da aventura. Asseguramine inclusive que hi rite também, embora eu pessoalmente sea pouco seasivl a is0, em O diado feito mulher (1982), de Fritz Lang. € evidente, em todo ‘aso, que 0 excelente Homer sem rumo (1984), de King Vidor, EvOILGAO bo WESTERN eve ser classificado nessa perspectiva, entte Nicholas Ray © ‘Anthoay Mana. Se ¢ cero, porém, que podemos encontrar iés ‘ou quatro titlos de filmes reaizados por veteranos que podem Ser postos ao lado daqucesrealizados por joven, parce, sar de tudo, ser também certo dizer que sd0,sobretudo, seo extn: ‘amente, os fecm-chegados que tém prazcr com esse western & um s6 tempo clissco e romanesco, Robert Aldrich ¢ a ilustracto sais recente e mais brthante disso, com O itime bravo (1988) princpalmente com Vera Cruz (1984). Resta o problema do cinemaseopio; ese proceinento fou lizado em A Lance pertida, Jardim do pecato (1988), de Hath sway, um bom roteto 20 mesmo tempo eassicoe romtaneso, tra ado, porém, sem grande invensio, € Homem até 0 fim (1988), de Burt Lancaster, que entediou o Festival de Veneza. Vejo, no undo, apenas um cinemascope onde 0 formato tenba realmente actescentado algo importante 4 mise-en-scine, & O'no des amas perdidas (1954). de Otto Preminger, com fotogralia de Joseph La Shele. Quanias vezs, no entanto, lems (ou nos mesmos exc vernos) que, seo alargamento da tela nao se impunha em outa parte, 0 nove Formato ia dar pelo menos um segunda impulso 80 hresters,cujossrandes espagos as cavalpadas pedem a horizon- tal, Tal dedugao era verosinildemais para ser verdade, As astra jes mals convincentes do einemascope noe foram dadas por f= Ines psicolicos (Vidas amargas, por exeamplo. Ex no chegaria a sustentar paradovalmente que a tela larga nao conven 20 wes Tern, tampouce que ela nao the acrescentou nada,” mas me parece pelo’ menos ser ponto pacifico que 0 cinemascope no renovara nada de decisvo nesse campo, Em formato standard, em vst Sion ou em tela bem larga, 0 western permanecerd © western (al como desejamios que nosos filo ainda venham a cone a ANDRE BAZIN Noras 2 Do ua fo em 3, fous een eiagen ppp Gcons Shab rs depos, A Mr poo ‘4 Amlgama de its conmpanias de produces Dai todo ‘9 extraordinario repertorio de simbolos gerais ou particlares fencartezados de eamuflar a0 nosso proprio esprito 0s impossiveis ‘enredas dos nssos somos. De sorte que a analogia entre o sonho eo cinema deve, & meu ‘er, ser levada ainda mais longe. Ela ndo reside mais nagulo que profundamente nds derejamos ver na tela do que naguilo que nso fe consepuiria mostrar nea. E por equveco que se asimilaapala- ‘ra sono a ndo sei que lberdade andrquica da imaginacao. De fato, nada € mal predeterminado e censurado do que 0 soaho. E verdade, ¢ os surtealisas esto certos em lembré-o, que no o ¢ abvolutamente pea razao. Tambem ¢ verdade que 0 sonho 56 se define negativamente pela censura, quando a sua realidad posi tiva conse, pelo contaro, na iresstiveltansgressto das prot ‘bes do superego, Tampovco me escapa a diferenga de natureza Entre a censura cinematogrfica, de eséncia sociale jurdia, ea ‘ensura oniica; apenas constato que a fungio da censura& essen ‘ial tanto a0 sonbo como 20 cinema, Funcao, 6, daletcamente consttativa de ambos. ‘Confesso ser iso 0 que me parece carecer n2o apenas 8 and- lise preliminar de Lo Duca, mas sabretudo ao seu vasto conjunto de'lustragaes, as quai constituem em todo caso uma documenta- ‘o duplamenteinestimavel, INio que.o autor ignore tal papel excitante que podem desem- penhar a proibiedes formais da censure, longe disso, mas € que le parece Ver elas to 56 0 pior dos males, quando, afinal de ‘ontas, 0 epiito que presi 4 seleydo das stragdes demonstra {hese avers, Tratavavse de mostrar antes o que acensura suprime habitualmente dos fimes da que aquilo que ela deixa passa. No nego em absolto o interes, 0 charmesobretudo, desta documen- tagto, mas se 0 caso € Marlyn Montoe, por exemplo, acho que ‘1 imagem gue se imps no fot aquela do calendario, em que posa mua Ga que esse documento extrainematogrifico € anterior to sucesso da vedetee ndo poderia ser considerado uma extensto do seu ser appeal & tla), masa famosa cena de O pecado mora ‘to lado, em que deixa a corrente de ar do metrd levantat.the 8 tell poder ter cio no coment Je cinema J J un Toes. sala. Essa idéia genial s6 poderia ter nascido no contexto de um cinema dono de uma longa, rca ¢ bizantina cultura da censura ‘Tas achados supdem im extaordiniro refinamento da imaging Ho, adauirido na luta contra a estupidez acabada de um cbdigo Durtano, © fato & que Hollywood, apesar e por causa das prob ‘8es que ela vigoram, continua sendo a capital do erotismo eine matografico. Enireianto, nlo me obriguem a dizer que todo eroismo ver. adero teria, para aflorar na tela, que burl um e6digo oficial de censura. E mais do que certo que as vaniagens obtidas com ‘essa transgressio oculta podem ser muito inferiores aos danos sofrdos. E que os tabus morais ¢ socials dos censores s80 por havia estudado alguns aspectos do realism cinematogrétic atuale ful levado a ver em Fareb ‘mie © Cidado Kane 05 dois polos das ténicas realists. O pi tei atinge a reaidade no objet o outro nas esruturas de sua tepreentagto, Em Farrebigue tudo €verdade; em Kane tudo &re- consttudo em estidio,e iso porque a profundidade de campo € { rigorosa composigio da imagem nao poderiam ser obtidas em fxtera, Enire 0 dois, Pasa se aparentaria mais com Farrebique pela imagem, a esteticarealistaintroduzindosse ene os blocos ‘Se realidade, praca a uma concepsdo particular do relato. As ima ‘bens de La vera trema realizam 0 paradoxo ¢& proeza de intearar 40 realismo documentirio de Farrebigue o fealismo esttico de CGidadao Kane. Sendo absolatamente pea primeira vez, pelo menos ‘com essa conscincia sistemitica, a profundidade de campo € ute ada fora do estido, tanto nas externas ao ar livre, debaixo de ‘hua eaté mesmo em plena note, quanto no Interior, nos cené- Flos reais ds casas dos pescadors. Ndo poss insist sobre a proera téeniea que iso representa, mas gostara de fisar que a profundi= dade de campo levou naturalmente Visconti (como Welles) ndo Somente a renunciar 4 montagem, mas iteralmente a reinventar a ‘Secupager, Seus "panos", se podemos ainda falar de planos,s40 1 ANDRE BAZIN ‘de uma duragHo desmedida, no mais das vees, trés ou quatro minutos; neles desenrolam-so naturalmente vérin agdes a um 58 tempo. Visconti pares ter desejado também sstematicamente co0s- {tui sua imagem sobre o evento, Um pescadorenrola um cgarro? NNenhuma eipee nos sera concedida, veremos toda 2 operacto sta nfo erd reduvida 4 sua signficacdo dramatica ou simbilica, como normalmente a montagem faz. Os planos sio com frealén ‘ia fxor,dexando homens e coisas entrarem no quadroe estu fem nele, mas Visconti faz também uma panordmica bem particu- deslocando-se bem devagar num sete bem extenso. E'0 nico ‘movimento de clmera que ele se permite, excuindo os travelings ;naturalmente, Angulo anormals, ‘A sobriedade inverossimil dessa decupagem sb ¢ suportada pelo extraordiniio equilbrio plistico que se mantém ali, mas so toma reprodusio fotografia poderia nos dar uma iia. Esso ‘corre também porque, para além da pura composicdo movente {a imagem, reaizadores d20 testemunho de uma cgnciatatima e sa matéda, Principalmente os interiores, que a o presente Imomenio exaparam 0 cinema. fume eplco, As dieldader laminagdo e de llmagem toraam 0 ceniio natural quas Tirdvel no interior. Alpumas vezes se conseguiu, mas geral ‘com um rendimento etético bem inferior aquele que se podia ‘bier em evterna, Pela primeira ver aqui, todo um filme, diane do exo de decopagem, da interpretagso dos alores eda reprods ‘io fotografia, € igual ini © extra muror. Visconti fol digno 4a novidade de tal conquisa. Apesar da pobreza e mesmo por ‘causa da banalidade da casa dos pescadores, surge dali uma ex ‘rdindria poesia, a um a6 tempo intima e Ocal ‘© que merece, porém, mais admiragto & o controle com que Viscont dri seus intérpretes. Nao & a primeira vez que o cinema utliza atoes no profissionais, mas eles ainda nuneatinham sido, com excego talver os filmes exdticos, nos quais © problema ¢ bbem particular, to perfeltamenteintegrados aos elementos mais centticos do filme. Rouguierndo conseguiudirgir sua familia sem ‘gue a presenga da cdmerafossesensvel, O incdmodo, 0 10 con ‘ido, falta de jito so camuflados com habiidade pela monta- ‘gem que corta a tempo a réplica. Aqui, 0 aor fica is vees durante ‘varios minutos no campo, fala, se desloca, age com natualidade, ‘e mais, com uma gragainimaginivel. Visconti vem do teatro; le Soube comunicar a ses intérpretes, para além da naturalidade, a tnilzagao do gesto que & 0 artemate da profissto do ator. Fica- ‘mot confusos. Se os Jars de fertivais nfo fostem o queso, 0 pe tmio de melhor interpretagdo devera ter sido atibuldo, em Vene 23, anonimamente, aos pescadores de Le terra treme. Vemnos que, com Visconti, 0 neo-ralismo italiano de 1946 fica, em mais de um posto, ultrapassado. As hierarquas em arte slo bastante vis, mas o cinema € jovem demais, insepardvel ‘demais de sus evolueto, para se permitir a repeicio por muito ‘tempo: cinco anos valem para o cinema uma gerastolterdra. Vis ‘cont temo mérto de inteprar dlalecamente as aqusigdes do Cinema italiano recente com uma esttica mais extensa, mais cabo Fada, em que o proprio temo de ralismo jé nfo tem muito sen {ido, Nio dizemos que La tera trema é superice a Pais ou a Tré- ‘ica perseguipao, mas somente que ele tem a0 menos © mérito de ‘rapassetoshitorcamente. Vendo o6 melhores filmes itallanos 4e 1948, tinhamos a sensagdo de uma repeticio que ira fatalmente La terra trema & a Gnica aberturaesttca orignal, © com isso carregada, pelo menos em hipStese, de esperanea ‘Signifiaria fxo que tal esperanca se realizard? Infelizmente ‘no estou certo, pois La tera tema contradi, contudo, alguns Drincpio cinematorrficos sobre os quais, mais tarde, Viscont qk a terd que triunfar de mancira mais convincente, Em panticulat, tal vvontade de ndo sacrificar nada is categorias dramiticas tem como ‘conseqiéncia manifesta e maciga... entediar © pablco. O filme (dura mais de tres horas para uma agdo extremamente reduzida Se acrescentarmos a isso que & falado em dialeto sicliano, em legenda possivl por causa do estilo fotografia da imagem, ¢ que 9s ‘roprios italianes nao compreendem uma palayra, vemos que Se trata de um esperdculo no minim austero, com muito powco valor ‘comercial. Concordo que um semi-mecenato da firma "Universa- fi complctado com a enorme fortuna pessoal de Luchino Vie ‘conti perma terminar a tlogiaplanejada (da qu La tera trema ‘apenas o primeiro episédio):teemos, no melhor dos casos, uma tsptcie de monstro cinematogrifico, eujo tema eminentemente Socal palitco ser, no entanto,inacessivel a0 grande pablico ‘O-assentimento universal nfo é no cinema um eritrio nevestrio| para todas as obras, com a condicao que a causa da incompreen ‘so do piblico possa ser finalmente compeasada por cutras. Em ‘outros fermos, a obscuridade ou 0 esoterismo nao devem se ai ‘essenciais. & precio necessriamente que a estética de La terra treme posia ser utlizada para fins draméticos, para que sitva 8 tvolugdo do cinema, Caso contri, nfo passa de ma espléndida Via de resguardo, Resta também, ¢ isso me inguita wm pouso mais quanto 80 ‘que devemos esperar do préprio Visconti, uma tendéacia perigoea ao esteticismo. Esse grande arisocraa, artista até 0 slime fo 4e cabelo, Taz, contud, cominisma — se ousa dizer — sntetco, Falta entusiasmo a La terra rem, Imaginamos os grandes pintores da Renascenea, capazes de execu, sem se fazer violén- (os afrescos religioos mais admiravelsapesar de sua profunda indiferenea ao crisianismo. Nao estou julgando a sinceridade do comunismo de Visconti. Mas o que ¢asinceridade? No se trata, € bvio, de paternalismo para com o proletariado.O paternalism vem de uma sociologia burguesae Visconti ¢ um aristocrata, mas talver de uma espcie de partcipaczo estética na historia, O que ‘quer que seja, estamos bem longe da convo comunicativa de © encouragado Potemkin ou de O im de Sao Petersburgo ov aie mesmo, num tema ideatio, de Piscror.O filme pos, com cer tesa, um valor de propaganda, mas objtiva, com um vigor doce ‘mentirio que nio sustenta qualquer eloguéncia afetiva, Vemos ‘que Visconti quit assim e sua decisto nlo deixa, em principio, de nos sedust. NSo é certo, porém, qve tal opinito posta ser de fendida, pelo menos no cinema. Esperamos que a continuagio desta obra virh nor demonstrar isso. O que 4 ocorrerd com a condido de ela ndo car para onde cla noe parece jé se inclnar pevigosamente. NoTAS XXL LADRGES DE BICICLETA? (© que hoje me parece mais surpreendente na produsdo italiana € que ela parece sai do impasse esico para onde se podia crer {que o “neo-talismo"” a conduzia. Passado a deslumbrameato de 1946 ¢ 1947, reedvamos que ess reagdo il e inteigente canta 4 esttica itallana da grande mise-em-scbnee, ais, geralmente, ontea 0 estecismo-téenico, do qual o cinema do mundo ine Soria, ndo pudesse ultrapasaro interesse de wma espe de super ‘ocumentrio, ou de reportagens romanceadas. Vimo-nos consta- tando que o sucesso de Roma cidade abera, de Paisd ou de Vii ‘mas da tormenta ers insepardvel de cetta conjuntura historica, ‘Que cle paticipava do préprioseaido da Liberagdo «que sua és fica era, de certo modo, enaltcida peo valor evolucionsrio do tema. Como eeroslvios de Malraux ou de Hemingway encontram numa espécie de cristalizagio do estilo joralistico a forma do ‘elato mais apropriada & ragédia da atulidade, os filmes de Ros: ‘lini ou de De Sia devem apenas a um acordo acidental da forma ‘Som a materia o fato de setem obras maioes, ~obras-primas” ‘Mas ja que a novidade e, sobretudo, o tempera dessa ténica Insossa egotaram seu eeio de surpresa, 0 que resta do “neo-rea lism” italiano, a partir do momento em que, pela frca das coi- sis, € preciso que ele retome temat traicionas: polis, sical ticos ou inclusive de costumes? V4 la ainda pela cera na fua, fmas serd que a admirdvel interpretajio ndorprofissonal nao se condena por si 36, A medida que as revelagdes vim engordar as ‘ategorias das vedcesinternacionals?F ent20 desandam a genera lzar tal pessimismo estetico: “'realismo" no pode ter em arte Sendo uma posgao dialtica, ele € mals uma reagdo que uma ver dade. Resa em seguida integravio &extetiea que ele, asim Vi LADROES DE mICICLETA ws serifcar. Os italianos no foram, alié, 0 utimos a falar mal do “neo-ealismo". Creo que ndo ha neninum dretr italiano, incl sive 05 mais “neo-ealistas, que nao assegure com firmeva que € preciso sair dele Por iso 0 cfitio francés sente-se tomado de eserdpulos — visto que 0 famoso neo-realismo dev logo sinas visiveis de exaus- {Wo, Comédias, ale bem divenidas, veram se aproveitar com uma vsivel facade da formula de O corapdo manda ow de Vier ‘em paz, Mas 0 pior de tudo foi 0 eparecimenta de uma espécie fe superproducao ""neo-elista, em que a busca do ceniio ver- fadeito, da a¢a0 de costumes, da pintura do meio popular, das tengdes “sorais”,tornavase ui esteredtino academico, © por Isso muito mals detestvel que os eleantes de Cipido,o african. Pois € abvio que um Filme “neo-realsta"” pode ter todos os dete tos, menos de ser académico. Assim, este ano, em Veneza, Palo ‘ol divolo, de Lui Charni, melodrama ligubre de amor campo ns, tentavavsivelmente encontrar numa historia de confio ence pastors lenhadores um alibi no gosto em voga. Embora tenha Sido bem-sucedido sob alguns pontos de vista, Em nome da le, ave os italianostentaram por 4 frente em Knokkede-Zoute, 10 fscapa completamente as mesmaseicas. Notaremes,além disso, om eses dois exempos, que o neo-talimo se drgta mito agora para problema rural, talvez par prudécia em rlaga0 a0 sucesso Alo nco-realismo urban, As "eidaes abertas” se sucedem os cam os fechados. Seia-como for, as esperaneas que haviamos posto na nova escola ilalana comeyavam a se transformar em inquictagao, ou faté mesmo em ceiskmo. Ainda mais que a propria esttica do ‘eovtealismo the proibe por esséncia de se Fepeir ow plaglar, ‘como, a rigor, ¢ posivel eax vezes mesmo normal em ceros géne- fos tadiconsis (0 poliial, 0 western, o filme de atmosfera et). 5a comecivamos @ nos voli para a Tnglatera, cujo renasimento ‘inematopritico ¢ iualmente, em pare, fruto do neo-realismo: 0 Ga escola dos documemaristas que, antes e durante guerra, apro fundaram os recursos ofeecidos plas realidades socias etnias E provivel que um lime como Desencanzo uvese sido impossivel sem 0 trabalho de dez anos de Griesson, Cavalcanti ou Rotha ‘Os ingleses,porem, a0 invés de romperem com a técnica ea hist Fia do cinema europeu ¢ americano, souberam integrar a0 este ‘Srmo mais refinado as aquisigdes de um certo reaismo. Nada de fnaisconsruido, de menos concebive sem os recursos mais moder- for da estudio sem atores hibes © consaprados: Sera que pode ws ANDRE BAZIN ‘mos imaginar, no entanto, pintura mals realista dos costumes © ‘Ga pscologia ingles? E certo que David Lean nada ganhoufazendo fste ano uma espicie de novo Desencanto: @ hisidnia de wma Imuther(apresentado no festival de Cannes). Mas & a repetigto Go tema que podemos incriminar, nto ada tcnica, que podia ser vir de novo indfinidamente ‘Serd que fui o bastante 0 advogado do diabo? Pois, agora posso confesat, minhas dividas sobre o cinema italiano munca foram (30 longe, mas é verdade que todos os argumentos que invoquel foram dados por eruditos — sobretudo na Ilia — e gue inflizmente, no deixam de ser verosimeis.E verdad, cam. bem, que muitas veves eles me perturbaram ¢ que subscrevi a varios dees 1, porém, 0 Ladraes de bcileta e dois outeos filmes, que em breve, espera, conheceremos na Franga. Pols com Ladroes de bitera, De Sica conseguiu sair do impaseeejusficar novameate toda s exética do neo-ealismo. ‘Neo-ealsta, Ladrdes de bicicletao € conforme todos os prin ios que podemos tirar dos melhores filmes itallanos desde 1946, Intriga “popular” e até mesmo populist: um incidente da vida ‘olidiana de um operio. E de modo algun um desss acontei- tmentos extraordindri como os que ocorrem aos operios pres Finados & maneira de Gabin, Nada de crime passonal, de cone ‘dncia poli grandiosa, que s® fazem transpor para 0 exotisno popular proleario os grails debates \gicos reservados ani ‘mente as familiares do Olipo. Realmeate um incident insignifi- ‘ante, banal mesmo: um operiio passa um dia inti prosurando fm vdo, em Roma, sua bcileta que ihe roubaram. A bicileta Tina se tornado seu instramento de trabalho e, se nfo a encon- tar, ele ara sem divida desemprezado. De neitinha, depois de harae-de-carminhadas ines, ele tenta roubar uma bicceta, mas ‘quando € ego e, conto, solfo, se encontra 120 pobre como finer, tendo apis, a mals, a vergonha de terse rebsinado a0 nivel de sev ladrao. ‘vemos que nio hi sequer matéria de um fait divers: oda essa histia nto meres dvaslinkas na rubrca dos cachorrosatropela- dos, Devemos evita a confusao com a tragédia realist do tipo ida de Prévert ou de James Cain, onde o fait divers inical€, na verdade, uma verdadeita maquina infernal deixada pelos dewses tre as pedras da esirada, O evento nGo possi tele mesmo qual ‘er forga dramitica propria. Ele sO ganha sentido em fungio EADROES DE BICICLETA » - tha da biccleta como objetochave do drama ¢ caracteristica a tum 50 tempo dos costumes urbanos itallanos ede uma época em {que 0s meios de transporte mecinicos s40 ainda raos ¢ onerosos. [Nao vamos instr: outros cem detalhessignificativos mulipicam as anastomoses do roteto atualidade, 9 siuam como um evento 4a histria politica e soca, em al lugar, em tal ane “Também a téenica da mise-enscbnesalisTan at enigeeias mais Figorosas do neo-ealismo italiano. Nenhuma cena de estdio. Tudo Toi tealizado na ua. Quanto aos interprets, nen dees linha a menor experincia de teatro ou de cinema. O operario vern da Breda, 0 garoto fo! descoberto na rua entre os curiosos, 4 mulher & uma jornalista, Sto esses os dados do problema. Vemos que eles nfo parecem enovar no que quer que seja © neo-ealismo de O Corapde manda, de Viver em paz ou de Vitimas da tormenta, Mesmo @ prior tinhamos mais razdes partculares de descoafiarmos. O lado sor- ido da historia a na diregto mats contestvel da historia italiana lum certa misrabilismo e a busca sistematica do detalhe su, Se Ladrées de biicteta € uma pura cbra-prima comparavel, a rigor, a Pasa, € por um certa numero de razSes bem precias {Que nfo aparece no mero sumo do roti, tampouce na expo Sipuo superficial da técnica da miseen scone Em pimeiro lugar, 0 roeira ¢ de uma habilidade diabolica, pois le dspde, a pani do alibi da atualidade sci, de varios i. temas de coordenadas dramticas que o sustentam em tarno dos Sentides. Ladraes de bicictera € com certera unico filme no ‘omunisia vido dos dkimos dee anos, precsamente poraue fem Sentido mesmo se aeemos absiragao de sua signfieagto social. Sua mensagem soci ndo €desacada, cla pemancceimancnte a0 vento, mas € to clara que ninguém pode ignora-la'e menos ainda Fecustla jd que nunca €expictada como mensagem. A tse impli- ada € de uma simplicdade maravihosa ¢ atroe" no mundo onde Vive 0 operario, os pobres, para subsite, dever roubar uns 20s Duteos. Ess es, porém, aunea €apresentada como ta, o encade~ famento dos eventor € sempre de uma verossimlhanga a um sb tempo rigorosa ¢ ancdstica. No fondo, aa metade do filme, 0 loperirio paderia encontrar sua biileta: 96 que no haves filme {Desculpem o incdmodo, dria o ditetor, nbs pensamos que ele ‘fo a encontrar, mas ji que encontrou, fica tudo ber, melhor pata ele, sesso terminou, podem acender as uves da sala.) Em ‘utzos termon, um filme de propaganda procuraria nos demons rar que 0 operaco ndo pode encontrar a Bciclelae que € necessa~ Fiamente pego no cteulo infernal de sua pobreza. De Sica se limita {ios masirar que 0 operirio pode ndo encontrar sua biccleta © ‘gue por bso va sem dvida fear novamente desempeegado, Quer mio ve, porém, que € 0 carder acidental do rotero que faz a neces Sidade da tes, ao paso que a menor dvida sobre a necessidade {dos eventos num roteco de propaganda tomar a tee hipotéic, Se pudermos, porém, Tazer outra coisa que nio deduzir do infortnio do operirio a condenaeio de um certo tipo de rlagto fenite 0 homem ¢ seu trabalho, o filme nunca reduz s acontei inentos ¢ os sees a um maniqueismo econdmico ou politea.Ele ita jrapacear com a realidade, nfo apenas dispondo-na sucesso {ds fatos uma cronologiaacidentale como que anetica, mas tra fando cada um dels em sua integridade fenomsnal. Que 0 garoto, tno melo da peiseigio, feaha de repente vontade de fazer xin te far. Que uma chuva obrigue o pal eo filho a se esconder ‘ebaixo de uma porta de cochela,e € preciso que nis, como eles, fenunciemos 4 busca para ceperar fim da tempestade. Os acnnis- ‘imentas nfo sa estencalment signs de alguma coisa, de uma ‘verdad de que sofia preciso nos convencer, els conservam todo Seu peso, tous sua singlaridade, toda sua ambiguidade de Ta De modo gue, se vos® nto tem ofhos para ver, pode arbi tran- Gtilamente suas conseqiéneias & ma sorte e 30 acaso. E 0 que Scontese com of sees. O operdri esta 20 despajado © solado ho sindieato quanto na ra, ow até mesmo nessa inenarrvel cena Te "quakerscatlicos, onde ele mals tarde andar poraue o si icato ndo & feito para encontrar biicletas, mas para modiicar ‘o mundo onde perda de uma biicletacondena o homem & mis fia. Por is0, 0 perio nao veio se queixar “‘sindicalmente”, nas encontrar seus companheiros que poderio ajudi-lo a achar DS objeto roubado, Desse modo uma reuse de proletirins sindica- fados nto se comporta de modo diferente que um bando de but- lEucespaternlistas em relago a um operario infeiz, Ness infor- Tinio privado,o colador de cartazes fica to sozinho (fra os com panos, mas os compantetos SAB um caso privado) no sind ato quanto na igresa. Mas tal similtude € de uma habihdade Subrema, pois faz surgir um contrase. A indiferenga do sindicato normale jostificads, pois os sindieaios tabalham pela justiga © ro pela cardade, Mas 0 paternalismo importuno dos “quakers” atoeos € intolerivel, pois sua "caridads™” € cepa 8 tragédia ind LADROES DE BICICLETA 1 vidual, sm fazer nada para mudar realmente 0 mundo que € sua ‘causa, A melhor cena, sob esse aspecto, a da tempestade debaixo So alpendre, quando um bando de seminarisasaustriacos se lanca “Sobre o operario e seu flho. Nao temos nenhum motivo vsligo para critics por sere to tagarelas e além disso, falar alemao. Porm, era dificil rar uma suagdo objertamente mais antic €.eu poderia encontzar out0s 20 exem- NOS € 08 eres nunca so solctados num En ool. A tase, porlm, aparece 10d ainds ‘por nos EE nossa mente que a deselae consti, a0. filme, De Sica gana 4 todo momento 0 jogo no qual. 6 apestou. Essa técnica i € absolutamente nova nos filmes italianos © insitimos muito sobre seu valor, aqui mesmo, a propdsito de Paisi-e, mais recentemente, de Alemonha ana ro.) mas ees dois aims filmes resaltavam-on temas da resiéncia ou da {EUGIa. Ladrdes de bicicleta¢ 0 primero exemplo decisivo da con- ‘esto postive desse‘objetvismo"” em temas Takermuliseis. De Sica e Zavatini fizeram 0 neowealismo passat da Resstincia & Revolusto. esse modo, a tse do fle se eclips stds de uma realidade social perfeitameate objetiva, mas este passa por sz, para O plano de fundo do drama moral epscol6gico que, por 8 $0, basta fia para justificaro fle. O achado da crianga € um toque deg no, do qual nfo sabemos em definiivo se & de roto ou de Imiseen-scne, de tanto gue aqui tal dstngdo perde o sentido. E orianga que ia aventura do operino sua dimensio tic eabre ‘om uma perspectiva moral individual ese drama que poder set apenas socal. Suprima-a ea histra permanece sensivelment in Tica; a prova disso: la seria resumida da mesma maneira. aroto s limita, com efeto, a seguir 0 pai, caminhando apresse damente a seu lado. Ele €, porem, a testemunha intima, 0 coro particular ligado a sua tapi 4 habiidade deter quase evitado © papel da mulher para encarar o cater privado do drama da tvianga é enorme. A cumpliidade que se estabelece entre 0 pai ¢ f filo ¢ de uma sutlea que penetra ate as raizes da vida moral E-a admiragdo que a erianga como tal tem pelo pal, ea conscén= fia que este tem dela, que conferem no final do fe sua gran- deca tripica. A vergonia socal do operirio desmssearado eesbo- fereado em plena rua nto €nada pero daquela de er tid seu lho or txtemunha, Quando fem a tentagio de roubar uma biciclea, adres de bc, de Vs 8 Sn 9 eran gue #44 mena ‘pei on cent tc ¢ sve com sa presia mer a ‘Sa Grama ur posers peas toa ‘andando-o tomar o bonde,¢ como se di-a uma criana, em apa tamentos pequenos demais, para ir esperar uma hora no corredor. ‘Epprecio remontar aos melhores Filmes de Cartes para encontrar situagbes de uma profundidade mais comoveate em sua concisto {ADROES DE BICICLETA m ¢respeito, o gesto final da crianca, que 44 novamente a mio ‘4 pal, fol freqUentemente mal interpretado. Seria indigno por ‘pare do ile vernsso uma concessto & sensbiidade do pbc, 5e De Sica oferece tal stisfagdo aos espectadores, é porque ela faz. parle da logic do drame. A aventura marcara uma etapa deciva fas rlagde entre o pai co flo, algo como a puberdade. O homem Indo, os brapos pendenes 880 0 desespero de um paraso perdido. ‘Acrianga, porém, rtoma ac pai através de sua degradardo,-agora ‘da o amar como um homem, com-sua vergonha. A mio que ‘Scorrega na sua mo é nemo sinal de um pero, nem de um con- solo pueti,e sim geto mais grave que possa marcar as relapbes de um pai ede su ilo: 0 gesto que os tora iguals. ‘Sem divida, seria demorado enumerar apenas as miltiplas ‘ungoes secundaras do garoto no filme, tanto no que toca & cons- trugdo da historia quanto a propria mise-enscéne. Entetanio, & ‘mento do garoto,fazendo o pai tomar repentinamente conslgnsia Ga reltiva insignficania de Seu infortinio, cay no Amago da Nistria, uma espécie de odse dramitico (a cena do restaurants), ‘ofsis nauralmente Husoro, pois a realdade de tal felicidad intima depende em definitive da famosa biiclta. Assim, a crianca cons Vit uma espécie de reserva dramitca que, dependenda do caso serve de contrapento, de acompanhamento, ou passa 40-contd ‘io, para o primeiro plano medio, Tal funcdo interior & historia €. alls, perfeitamentesensfvel na orquestracio da caminkada do saroto €do homem. De Sia, antes de se decidir por esa ran io The impos tentativas de interpretaglo, mas unicamente de faminhada, Ele queria, 20 lado do andar pesado do homem, 08 Dassinhos rpidos do garoto, a harmonia dese desacordo tendo or si sé uma importinca capital para intligncia de toda a Imise-en-scéne. Nao seria exagero dizer que LadrOes de bicclera € {historia da caminhada pelas as de Roma de um pai e de seu fiho. Que ¢ garoia fique na frente. ao lado ow 20 contrat, como no embarramento depois do tabefe, a uma dstinca-vings fiva,a ato nunca ¢ insgnificate, Fle €, a0 coatriro, a fenome noloeia do rotcic. m ANDRE BAZIN cil imaginar,nesse bom resultado da dupla do operirio ¢ 4e sea filho, que De Sica tives podido recone & ates conhesidos, “A ausincia de atoresprofissionas nto € uma novidade, mas inds isso Ladraes de bicclete vai além dos filmes anteriores. De agora em diante, a virgindade cinematogrética dos intérpretes ilo depende mais da proeza, da sorte ou de uma espécie de con- jjunclo feliz entre o tema, a época eo povo. F alé mesmo provs- vel que se tenha dado uma importinciaexcesiva ao fator nico. E certo que os italianos sto, junto com os russ, 0 povo mais naturalmenteteatral. O menor mening de rua se iguala a Jackie (Coogan ¢ a vida cotidiana ¢ uma perpétua commedia delarte, porém, me parece dificimente veressimil que tai dotes de atores ‘Scjam igualmente parilhados entre os milaneses, o$ napolitanos e (0s camponeses do P6 ou os pescadores da Sica. Alem das die Tengas de rapa, os conrastes istrics, lingustcos,econtmicos «© sociaisbastariam para comprometer al tse, se quséssemos ati Duir unicamente ds qualidade énicas a naturalidade dos interpre tes italianos. E inconcebivel que filmes tdo diferentes no tema, ro tom, no estilo, na ténica quanto Paisd, Ladrdes de bicileta, ‘La terra trema e até mesmo Cu sobre 0 pintano tenhar et ‘comum ess qualidade suprema da interpretaslo. Poderiamos ainda ‘admitir que 0 italiano da cidade seja mals partcularmente dotado para a afetagho espontinea, mas os camponeses de Ci sobre 0 Dntono sto verdadetos homens da caverna ao lado dos habiten- {es de Forrebique. Basta a evocarao do filme de Rouauier a propo: sito do de Genina para relegar — pelo menos desse ponto de vista a expertocia do francés a categoria de uma tocane tetatva de apadrinhamento. A metade dos didlogos de Farrebique € em voz off, porque ele nfo conseguu impedir os eamponeses de rir durante uma replica um pouco longa. Genina em Céu sobre o pn tano, Visconti em La tera trema, dirigindo dezenas de campone- Ses ou de pescadores, Its confiam papeis de uma complexidade pscoldgia extrema, fazem-os dizer textos longuisinos, no decor Yer de cenas em que a cdmera persruta to implacayeimente um Tosto quanto em tm esto americana, Ora, dizer que esses ato- Fes a80 bons ou perfsites & pouco: eles suprimem a prépriaiddia Ge stores, de interpretagto, de personagem. Cinema sem ators? ‘Sem dividal Mas 0 primero sentido da formula fica ulrapaseado, de um cinema sem interpretacto que sera preciso falar, de um Sinema onde estt fora de questao que um fievrante interprete Mais ou menos bem. de quanto que o homem est idemiieado ‘com seu personagem LADROES DE RICICLETA ™ No nos afastamos, apna das sparc, de Lares de ic clea, De Sie pocuton ot mia tempo ses intdspretas.-0 50 Tew em fang decaratrisicas preisas-A nobrza natal, a pureza popular do roto ¢daandar Hestou mess entre um ov ‘utr, fer centenas de tentatvas para finalmente decid, num Sequndo, por inuieo, dane de uma sihuea enconads numa ‘Suing, Porém, nko hd qualquer milagre nso. Nao € singular ‘cena dese pero e dese garni que nos vale qualidade, 4 imerpretaco dees sim todo sistema eden no qual es ‘iran Se sc. De Ska, em tua de umn produor, scabow eas trando~ com a condo de que © periomapem do epedrio Tose Interprcado por Cary Gran. Basta eolocar 0 problema ness tr tos para fer sparecr um despropssto. Cary Oran, com efit, Cecleteneseipo de papel mas ea cio que aa estan Drsiuamente de deumpentar um papel-« si de suprimic ald sia ‘li Ern preciso que 0 operrio fsa um sb emo {80 Dect to. andimo eobeivo quanto sua hice. “al concepedo Jo ator nto € mens “atta” do que aout -interpretagio do operiio implica tantos does fos, ntelige a ANDRE BAZIN ia, compreensto das dretiva do diretor quanto de um ator con- Sagrado. A entdo os filmes total ou parcialmente sem atores| (por exemplo, Tabu, Que viva Mético, Mae) apresentavam se fantes como évtosexcepeionais ou retritosaalgum aenero preciso ‘Nada impede, em contrapatida, De Sia (a nao ser umn sib déncia) de fazer 50 filmes como Ladrdes de biileta. fabio, ‘desde entlo, que a auséncia de stores profisionai ndo envolve rnecessariamente nena limitaglo na eeotha dos temas. O cinema “AnOnimo conqustou defintvamente sua exstencia esti. O que ‘nto quer dizer de modo algum que o cinema do futuro deva ser fem stores — De Sica € 0 primeiro a se defender disso, ele que, lis, € um dos maores atores do mundo —, mas simplesmente ‘que certs temas tratados em certo estilo nao_0 podem mais so com aloresprofisionais, e que o cinema italiano impés definitive ‘mente esas condicdes de trabalho to simplesmente quanto 0 cen fio verdadero, E essa passagem da proeza admiravel, mas talvez precisa a'uma tGenien precisa e infalivel, que marca uma fase ‘de cresimento deisivo do neo-realiemo”” italiano, ‘Ao desaparcrimento da nosto de ator na transparéncia de uma perfeigdo aparentemente natural como & propria vida, es pponde o desapareimento da mie-en-scne. Entendamo-nos: 9 fe fe De Sic teve uma preparayso demorada e td fo 80 minucio Samente previsto quanto numa superprodusto de estidio (© que, ‘lids, permiiy as improvisages de titima hort), mas ndo me lem bro mao ul i feo ra i “ce em propriamente dia. Esta parece ser (90 neta quanto au fe de Carton. Entctanto, se analisarmos ome, desobrite ‘mor um nimero e usa nomenclature de planos que nio distin {quem sensivelmente Ladrdes de bictclet de um filme comum. Mas a escolha dees tende apenas para uma valorizagto mas im ida do evento, com um minimo de indice de relrgencia pelo ‘tio. Tal objtividade ¢ hem diferente da de Rosselin em Pasa, mas cla se itcreve sa mesina esetica. Podeviamos aproximé-la aquilo que Gide e sobrctudo Marin du Gard dizem da prosa romanesca, que ela deve tendes para a mais neutra tansparénca, Como. desaparesimento do ator € resultado de uma ulrapassa- ‘gem do eso dainerpretasao, o desaparecmento da mise-enscene Eigualmente ofeuto de um progress dialético no estilo do slat. Selo evento basta asi mesmo sem que o ditetortenha nevesidade fe eslarectlo com Angulos ov arbieariedades da cdmera,& por ‘que ele consepuiu chegar aquela luminosidade periita gue Pet [ADROES DE BICICLETA ps mite a arte desmascarar uma natureza que afinal se parece com la, Porieso a impressio que nos deina Ladrdes de biciteta& cons fantemente a da verdade ‘Se a suprem naturalidade, esse sentimento de scontecimentos cbservados pot acaso horas a flo, €0 resultado de todo um sis- femmaexico presente (embora invisive «em deintvo a concep: 20 preliminar do roteiro que a autoriza. Desaparecimento do Sor, desaparecimento da miseen-scne? Sem davida, mas porque to principio de Ladrées de bicilea hi, anes de tudo, a deapare mento da histo. ‘Apalavra¢eavivoca, Por certo hd uma historia, mas sua natu reaa é diferente daquelas que vemos normalmente as teas; € foi por iss mesmo que De Sic no achownenhum produtor. Quando Rover Lesnhard, numa formula critica profitice, perguntava rnaguela epoca "st o cinema era um especvlo?™, ele queria opor © cinema dramaico a uma esteutura romanesca do relato cinema togrifico. 0 primciro toma emprestado do teatro suas foreas cescondidas: sua initia, por mais espocficamente concebida que Scja para a fla, ¢ sempre alibi de uma agdo inti, em sua ‘seca, a agho (ete cldsiea. Como fal, © me € um espe ful, como a repesentagao no paleo. Mas, por outzo lado, por ‘eu realise e pela igualdade que ele concede a0 homer e & natu ‘eaa, 0 cinema se aparentaexeticamente ao romance ‘Sem nos estendermos sobre uma teoria, sempre contestinel alts, do romance, digamos grosso modo que orelato romaneseo, fou o que se aparent a ele, se opde ao teatro pela primazia do acon {ecimente sobre a apo, da sucessto sobre a causalidade, a inteli- séncia sobre a vontade. Se quisermos, a conjungao teatal ¢ 0 "portato", a particula romanesca 9 “entao". Taver essa defini «ho escandalosamente aproximativa eseja cera peo seguinte Caracteriza bastante bem os dois movimentos de persamento do Isto edo espectador. Proust pode nos prostar com sua Madeleine, ras o autor dramatic fracaea e cada uma de suas replicas no rmantiver tes0 nosso interesse pela réplica sepuinte, Por iss0 0 omance pode sr fechado e reabert, enguanto a peva€ indivis ‘al. A unidade temporal do espeécuio faz parte de sua esséncia Enguanto realiza se condigbesfsicas do espetaculo,o cinema nao pareve poder esapar suis lls psicolopeas, mas cle dispoe tam bbem de todas as recursos do romance. Com isso 0 cinema 6 sem ‘livia, congenitamente hibrido: ele contém uma contradic ‘Ora, ¢ evideme que a via progtesiva do cinema se dirge pata 6 m6 ANDRE BAZIN aprofundamento de suas vrtalidades romanescas. Nao que seia ‘mos conta o teatro filmado, mas converiamos que se a tela pode, em certascondigdes, desenvolvere como que desdobrar 0 Teatro, énecesariamente em detrimento de certs valores espesifi ‘mente cénicos e, em primero lugar, da prevenca fisica do ator Em conttaparida, o romance ndo tem (ao menos idealmente) nada a perder no cinema, Podemos conceber filme como um super-romance cuja forma eserita no seria Sendo ura VersBo fnfraquecida e provisoria, Powo iso de modo por denals breve, o aie sconce, ms condi ati, ao cpio cnemaogis? & pratanete Impostte! ignorarna a's cxetncas epee ena es ster Como rover sonra ‘Consus ini gar ue ie aan aa 40 Gao no mind ers cornu do sbandoner debra ines os fig ipa La fer oma ¢ Cv soe Pinon so ln seo dee (en Yomaneco {im poco ko) eis concede nada arate dames Ox acne ‘Scns surge ab atop ap 05 onto ne a Gin del tc mexmo po. Se algun to mas creado ese Sdpyosas tent efor Cabea ns mbt nenanete o porate” ao ante" Ca tore rem, ppm yor Scorum fin malt", gst nto no cto cone hal ner dept de tages otra sconce ‘ewe o mena debe Ska de Zsa Laos de el cite da cons¥lda como ie tein, coma eps enh gm edo ea crreaa de na fovea nica rene, nn nea fabln & qal to poate nos far Iadopndetsnete da sian rac, ‘Sseola plane atc» cha, o ear, quoter clin, ornare. Tados bs acon ths, fue nermaiess, ens vost ios conlore umesata draaigo. A cea so bao do adres {ign No cmos sue cetera de uc o cra peseyio pas operiro la mmo 9 iio ds ble, e nunca sate for sf tm cede eplepla fl simula o verde. Enguanto “see operno sna um dpa, it oben ee gat tip, Co sent romani se alr dato a he fo tii edlonalmons um vom dame, Ey com ft, alam e parllamentc, que as we con ao at coins nto mas a“ enor Ee LaDROES DE BicICLETA ™ culo, se quisermos — e que espetéculo! —, Ladroes de biileta i-nao depende em nada, contudo, das matematicaselementare do drama, a aco nao preexiste a ck ia, ecorte da exsincinpratiminar do relato, ela ¢ a “integral” da realdade. O éxito supremo de De Sica, do qual outros 56 conse: {uiram chegar mairou menos perl, €de ter sido encontrar a Silica cinematograficacapaz de ulrapassar a contradica0 43 agao espeaculare do aconterimento. Com isso, Ladrées de bet. tlera& um dos primeros exemplos de cinema puro. Nada de ato Fes, de histéra, de misen-seone, vale dizer, enfin, na Ws40 te ica perfeita da reaidade: nada de cinema. Noras ‘ects Somes de Gaen: cn 3. Ch Quoc gu cnn oI "Cheon st Sac" Ad Cn XXL DE SICA DIRETOR' Devo confessar ao Ieitor, 0 escropulo paralisa minha pens, tanta me parecem imperatives os motivos que deveriam proibir= ime de he apresentar De Sica. ‘Em primeira lugar, porque hi muita presungto por parte de um francés querer ensiar aos ialianos alguma coita sobre sea cinema em gerl e,em particular, sobre aquele que talvez Sea Seu maior dietor, mas, prncipalmente, porque a esa inguietayao tebrica preliminat se acresentam no easo presente algumas outras ‘objesbes particulars. Quando, imprudentemente, tive a honra de Aacetarapresentar aqui De Sica, tina sobretudo em mente minha fdmiracdo por Ladroes de biciclea e ainda nao conhecia Milagre ‘em Milao. Haviamos, sem vida, visto na Franca Vitimas da tr ‘menia€ A culpa des pas, porém, por mais bonito que sea Vit- ‘mas da torment, filme que nos revelou 9 talento de De Sica, ainda Subsistem, ao lado de achados sublime, algumas hesitagdes de Sprendizagem. O roteiro ndo deixa de ceder As vezes &tentaglo do melodrama ¢ a miseen-sodne tem uma elogiéncia poétca, tm lrismo, que De Sica hoje parece evita. Em sum, o esto pessoal do dirtor ainda esta sendo buscado, O contoie totale defini- tivo afirmarse em Ladroes de biccleva, tanto asim que esse filme nos parece resumir todos 0s esforgos daqueles que o precederaz. ‘Mas sera que podemosjulgat um dietor por um filme? Ele ros prova suicentemente a genialidade de De Sica, mas de modo algum necesariamente as formas que ela tomard futuramente, ‘Como ‘ator, De Sica mio ¢ novato no cinema, mas devemos, no fentanto,considera-o "um jovem dietor, um realizador de fut. fo. Attaes das profundas simulitudes que nos esforgaremos para compreender, Milagre em Aflao é um he bem diferente, Dela Piragto e pela erutura, de Ladroes de bicclera, Qual sets opr imo filme? Serd que ele no nos revelard a importincia dos files ‘ue permaneceram menotes nas duas obras anteriores? Em sumay fmpreendemes, de fo, Talar do estilo de usm realizaor de pri. mira ordem sobre apenas duas obras, sendo que uma dels pare- fe, alm de tudo, desmentir a orentagto da outa, E pouco para ‘auem nfo confunde de modo algum a atvidade do ertico e 2 do profet,€ fail, para mim, explicar minha admiragto por Ladries © Milagre, mas € ovira coisa pretender extrapolar dessa uss ‘obras 0s tagos permanentese definiivos do talento de seu ator, Eniretanto, nds teriamos feito de bom prado a propdsito 4d Rosselini, a parr de Roma cidade aberta ¢ de Pui. © ae poderiamos ter dito dele (e © que escrevemos efetivamente a Franga) corva fatalmenteo riso de prevsar ser aprimorade cor- rigido pelos times seguntes, mas nao dexmentdo, E que 0 estilo fe Rosselini de uma familia esttica bem diferente. Ele mostra facilmente sus les. Ele corresponde a vin visto de mundo ime dintamente raduzida em estrutura de mise-en scene, Se quisermos, © eatlo de Rossellini, antes de tudo, um olhar, enquanto 0 de De Sica é, antes de tuo, uma sensibiidade. A miseen-sone dO primeir invest seu objeto do exterior. Ndo quero de modo alga dizer, € lar, sem o compreender nem sentic, max porgu tl exe rlordade traduz um aspect eico e metafisico essenil 8 nossas relagdes com © mundo. Basta, para comprecnder esa afirnagio, omparar 0 tratamento da crianga em Alemunha Ano Zero © em Viimas da vormenta ou Ladroes de biccleta, O amor de Rossel lini por seus personagens os envelve com uma conscgnciadesespe- rada da incomunicabiidade dos eres, 0 de De Sic iad, a0 contriri, envolve a dos proprios petsonagens. S40 0 que 380, porém iluminados do interior pela termura que cle Ines diy Dai a Imiseen-scéne de Rossellini se interpor entre sia matiria © ny ‘lo, por certo, como um obstaulo artificial, mas como uma di ‘inca ontoldgia inransponivel, uma enfermidade congénita do ser que se traduzesteticamente cm termos de espago, em formas em esiruturas de mise-enscene. Sendo sentida como Uma alt omo uma recusa, um esquiva das coisas e portant em defn. tive, como uma dor, fien mate facil vomarmos consciéncia del, mais facil reduri-la'@ um métedo formal, Rossellini ndo pode muita sem, em primeiro haga, proceder a uma revolugao moral pessoal. [Em contrapartida, De Sica é daqueles diretores que parecem ro ter outzo propdsito que o de tradurit ielmente seus rotivon, m0 ANDRE BAZIN jo talento procede do amor que tem por se fem e por sua com preensio intima. A miseersoene parece modela-se por si 56 omo a forma natural de uma materia viva. Embora 2 partir de tima sensbilidade bem diferente, com uma preocupagao formal tem visel, Jacques Feyder, na Franca, também pertencia a esa Familia de redizadores jo nico metodo parece ser 0 de serie hhonestamente seu toma, E claro que essa neutaldade, ¢voliaret ‘falar sobre io, slusbria, mas Sua exiséncia aparentendo fai Tita a taefa do ertco, ela divide a produto do cineasa em tan tos casos particulares que um filme suplementar pode pdr tudo ‘ovamente em questdo. A tentagao € grande, pos, de 3 ver pro Fisslonallsmo Id onde se procura um estilo, a generosa humikdade de um tcenico habildiante das exigéncias do tema, em vez da marca cradora de um verdadero autor ‘A mise-en-scee de filmi de Rossellini se dedueTaclmente das imagens, enquanto que De Sica nos obriga a induz-a de um felato visual que parece ndo comportar nenhuma, nfm ¢ sobretido, 0 359 de De Sica € até aqul insepardvel da colaboragto de Zavattini, mals ainda, sem divida, que, na Franga, o.de Marcel Carné o € em relagio a Jacques Prévert. historia do cinema mio comporta provavelmente exemplo mais perfeito de simbiose entre oroeiita eo dretr. fato de Zavat Tin colaborar em muitos outros filmes (enguanto Prévertesceve fpenas povcos rotcros para outros além de Carné) nio Tacit de modo algum as coisas, muito pelo contro: no maximo, cle [ermitira que se deduza que De Sica € 0 realzador ideal de Zava Tins aquele que melhor 0 compreende e mais inimamente, Temos texemplos de Zavattini sem De Sica, mas nao de De Sica sem Zavat fini E. portato, com muita arbitrariedade que empreendemos tistinguit 0 que pertence propriamente a De Sica, ainda mals que ‘acabamos de consaise sua humildade, ao menos aparente,diante das exigtncias do retcro. Por isso devemos remunciar separar contra natureza'o que «talento uni ta inimamente. Que De Sica e Zavattni nos pet= ‘doem, e de antemao tambem 0 letor, @ quem meus casos de cons- cencia nfo interssam e que esperam que eu enfim me desi, {Que figue, no entanto, bem lar, para o descanso de minha cons tlencia, que alo pretendo nada alem de abordagenscritieas que ‘futur pord sem duvida em queso, e que S40 apenas o teste: hho pessoal de um critico frances, em 1981, sobre uma obra chia de promersas e cujas qualidades sdo paricuarmente rebeldes 3 analseetatca, Essa profissdo de humildade nto € de modo algum uma precauedo oratéria ou uma formula de retdrica. Peso-thes insstentemente que areditem que ela sea, antes de tudo, a medida de minha admiragio, E pela poesia que o realismo de De Sica ganha sew sentido, pois hi'em art, no principio de todo realismo, um paradono est {ico a ser resolvido. A reprodugao fil da realidade nio € art. [Bstao sempre nos dizendo que esta € escola einterpretac30. Por iso, até o presente momento, as tendéncias“realistas” no einem, como nas Outas artes, consitiam apenas em introdvair mais rea. lidade na obra; tal suplemento de realidade, porém nao passa ddeum meio — mais ou menos efea2 — de servit a umn proposito perfeitamente abstrato: dramatic, moral ou ideolGgico, Na Franca, 0 "natiralismo" corresponde precisamente& mila G20 dos romances das pecas de tese. A orginalidade do nee lismo italiano em relacao as prncipasescols realstas anteriores 8 escola sovitica € de n20 subordinar a realiade 4 nenhum onto de vista a prior. Até mesmo a teoria do Kino-slass, de Driga Verto, sO utlizava a teafidade beuta das atualidades para ordendsa sobre o especto daltico da montagem. De outro pomto de vista, o teatro, mesmo tals, dispde da realidade em fangdo das estruturas dramaticas ¢esptaculares. Saja para servi as inte esses da teseideoldpia, da iia moral ou da ado dramatica, (0 reais subording seus emprestimos a relidade a exigencias transcendentes. © neo-ralisma so conhece a imanénca, E unica mente do aspecto, da pura aparéncia dos seres e do mundo que tle pretende, a posteriot, deduzi os ensinamentos neles cont dds, Ele ¢ wma fenomenciogia [No plano dos mos de expresso, 0 neo-eaismo vai, portan- to, ao encontro das categriastadiconais do espetaculo: em pri- imciro lugar, quanto a interpretarao. Em sua soncepsl0 sstica que proceds do teatro, o ator expressa alguma coisa, um set ‘mento, uma paixto, um desej, uma iia. Com sua attude sua rmimica, cle permite as espectadores ler sobre se rosto como num livro-aberco. Nessa perspeciva, fica combinado implcitamente entre oespeciadar eo ator que as mesmas causasPscol6eas peo ‘duzem mesmo efeto fisio, e que se pode sem ambiguidade femontar de um ao outro. E propriamente © que se chama ‘a Imerpretacto" Di resulta as extrturas de mise-en-schne: 0 centro, a luz, ngulo o enquadramento da imagem sera a imagem do com. portamento do ator, maison menos expressionisas, las cont 2 ANDRE BAZIN ‘buem por seu lado a confirmar 0 sentido da acto. Ent, a de composigso da cena em planos e a montagem destesequivale a lum expresionismo no tempo, # uma recomposigao do evento com forme uma durapao aici ¢ abstata: a duraydo dramatic. ‘Quase todos eses dads gerais do expetéculo cinematoarico sero Auestionados pelo neo-ealsme. ‘Em primeiro lugar, os da interpetapo, Ble pede ao intéeprete para ser antes de expresrar Tal eigencia no implica necessaria ‘mente na renneia ao ator profssonal, mas € normal que ela tenda 4 substitu pelo homer da rua, escolido unicamente por seu Comportamento geral, senda. sua’ ignorincia da ténica teateal ‘menos uma condigto necessiria que uma garanti conta oexpres- Sonismo da interpretagao". Para De Sica, Bruno era uma slhueta, ‘um rosto, um andar. 'As do cendri eda filmagem. O cenrio natural é para o ceni- fio construido 0 que 0 ator € para o profisiona Ele tem, por ‘outro lado, como conseqinca,suprimir, a0 menos parcialmente, as possibiidades de composicao plstica pela luz artifical que os fstiios autorizam. ‘Taler seja, portm, sobretudo a estrutura do relato a mais radicalmentesubvertida, Ela tem o dever de respeitar a verdadeirs lduracao do evento. Os cortes que a logicaexige sé podeviam ser, no maximo, descrtivos: a decupagem nao deve de maneira alguma screscentar algo 4 realidade que subsist. Se ela participa do sen tido do filme, como em Roslin, & porque os vazios, os brancos, as partes do evento que nos deixam janorars80 cles proprios de uma natureza conereta:pedras, que fltam no eifiio. Como na vida no sahemos tudo 0 que acontee® 40s outeos. A elipse na ‘montagem classice € um efeto de estilo; em Rossellini, ela uma lacuna da realidade, ou antes, do conhecimento que temos dela © que & por natureza limitado. Assim, 0 neo-ealismo ¢ uma posicdo ontoigica antes de ser etétiea, Por is80, 8 aplicasao de seus atibutos ténicos como toma receita nao 0 reconstit necessariamente. Como & répida decadéncia do neo-realismo americano 0 prova. E, até mesmo ma Telia, taka muito para que todos ox filmes sem stores, ispirados ‘um ait diverse rodados em externas, valham mais que 0s melo dramas tradiconais ¢ espetaculares. Em contrapartida, ¢ leit ‘amar de neo-ealismo um filme como Crimes da alme, de Miche langelo Antonioni, pois, apesar dos atoresprofssionais, da arbi \tariedade potca! da intrga, de ertoscenriosluxuosos © dos ra jes barrocos da heroina, 0 realizador no recorre Um expresio: nismo exterior aos personagens, ele funda todos ses efeitos sobre ‘a maneiza de exist, de chorar, de andat ¢ de vir dees, Eley sto egos no dédalo da intriga coma os ratos de laboratori, obriga {4058 passar por um labiinto Tmagino que Vo opor & iso a divesidade dos estlos nos melhores cineasasitalianos. Zavatini€ 0 nico que conheco a ‘usar, sem vergonha, confessar-se neo-ealista, A maioria protesta 8 exisiéncia de uma escola realist italiana que os engloba. Mas isso ¢ um refleo de eriador em relagio aos erticos. Enquanto artista, 0 dtetor tem mais consigncia de suns diferengas do que de seus tragos comuns. O termo neo-realista fo! jozado como uma rede sobre o cinema italiano do pos guerra, todos procuram rasgar por sua conta 35 mathas onde Se pretende prendé-los. Mas apesar de tl reagao normal, que fem a vantagem de nos facet fefletir cadaver sobre uma clasticasao critica por demais moda, enso que hi hoasrazdes para mantel, fsse contra os proprios foterstades, 'A definigao sucinia que acabei de dar do neo-ealismo pode parecer, por ceo, superficalmente desmentida pei obra de um Tattuada, de visa calcalisia, sutlmentearquitetural, pea exube- nciabartoca, a elogutncia romantica de um De Sal, pelo sen I efinado de um Visconti, que compe a realdade mais vulgar como uma mise-en-scone de Opera ou de tapédia classica, “ais epitetos sto sumarios e contestaveis, mas em nome de outros epitetos possiveis, que confirmariam, por conseauite, a exstencia das diterengas formas, das oposigdes de estilo. ses 8s dito fes sdo to diferentes uns dos outros quanto de De Sica. E, 10 tentanto,o parenteso comim dels fiea evident se olharos um ouco mais de cima e sabretudo se, dekando de comparar eset Sineastas entre eles, nos roferimos os cinemas americans, fran sou sovtic ‘Acontese apenas que o neo-eaismo no eriste fatalmente fem estado puro, «que nao pademos conceber sua combinagto com futras tendéncias esticas. Os bislogos, porém, distingucm nas caateristicas heeditarias deorrentes de parents dissemelhantes «xttos fatores ditos dominantes. Eo que ocorre com 0 neo-re. lismo. A teatralidade exacerbada de um Malapare, em O Cristo preibido, pode dever muito 20 expressionism alemio; 0 filme ro dena de ser realist, radialmente diferente do que fa o expres: Sionismo realista de um Fritz Lang, por exempl. Aas, porém,aparentemente muito de De Sica. Foi ape nas para poder melhor stud-lo na producto ftaliana contemport. ate ANDRE BAZIN nea, € possivel, com efeto, que a dificuldade da abordagem er: Tica sobre o ealiador de Milagre em Mildo fosse justamente 0 indcio mais signifiativo de seu etl. Ser que a inipossibiidade fm que nos encontramos de analisar suas caractersticas formas fo procede do fato de cle representar a expressio mais pura do fneo-tealismo, do fato.de Ladraes de bcileta set como que 0 pont zera de referénei, o centro ideal em toxno do qual gravitam Sobre sua Orbita particular as obras dos outros grandes dietores? Seta essa propria poreza que a tornaria indefinivel, ja que tem Como. proposito paradoxal no 0 de fazer um esptdculo que pareya real, sim, de modo iaverso, ode insttirs realidade em spetaculo: um homem anda na rus eo especador se surpreende ‘oma beleza do homem que anda. Até maioresinformagdes, até ‘que seja realizado 0 sonho de Zavattini de filmar sem montagem 50 minutos da vida de um homer, Ladroes de biileta€, incon testavelmente, a expressao extrema do neo-ealismo Plo fato deel ter precisamente por objeto nezar as prépri por ser perfeitamente wansparente a realdade que ela revel, sei fo entanto, ingenuidade conluir que tal mise-en-scene nko exist FE inui dizer que pousos filmes foram mais minuciosamente pre parados, mais meditador, mas culdadosamenteelaborados, porém fodo o tabalho de De Sia tende a dara ilusbo do acaso, fazer, com que a necesidade dramitica tenha o cardter da contingéncia, ‘Gu melhor, sie consepuiu fazer da contingéneia a matéria do ‘rama, Nada aconteze em Ladrées de Diciceta que nfo pudesse ter acontecido: 0 operirio poderia por sorte, no meio do filme, ‘encontrar sua biileta, a lures da sila seriam acesas e De Sica ‘iria se deseulpar por nos te incomodado, mas, no final das con- tas, fiariamos mesto assim contents pelo operario. O maravi Thoso paradoxo dese filme € que cle tem 0 rigor da tragedia e que, no entanto tudo acontece por acaso, Mas €justamente da sntse Gialeica dos valores contrrios da ordem artisticae da desordem ‘amorfa da realidade que ele ra sua originaidade. NGo hd nenhuma imagem que ndo essa carregada de sentido, que nfo entere na mente ponta aguda de ura verdade moral nesquecivel, nenhuma tambein que tala por trair 2 ambiguidade ontoldgica da realidad, [Nenhum pest nentum incidene, nenhum objeto ¢ ali determi- nado @ prior pela ideologia do dretor. Se eles se ordenam com ‘lareza(refutvel no espectro da trapéiasotal, € como 0s 0s Ge limalha no espectro.do ima: separadamente, Pore, © Tes {ado dessa arte onde nada € necessrio, onde nada perdcu 0 car ter fortvito do acaso, ¢ justamente 9 de ser duplamente convin cente-e demonsirativa. Pois,afinal, no € surpreendente que & Tomancisa,o dramaturgo ou 6 cineasta nos facam encontrar esta ‘ou aquela idea: ¢ que eles as colocaram all de sntemao, impregna ram sua matéria com elas. Ponha sana gua, faa com que a fgua evapore no fogo da reflexto e reencontrarSo allo sal. Mas Sea agua € pega dictamente na fonte, ¢ da natureza dessa gua See salgada." Bruno, 0 opetitio pode achar sua biclela como pode ganhar na foteria (ae os pobres ganham na loteria), mas fsse poder virtual apenas salient ainda mais a atroz impotencia ‘lo homem pobre, Se ele achasse sua biccea, entao a enarmidade dda sorte condenaria ainda mais x sociedade, que ela aria da ‘ota ordem humana, febidade mais natural uma expsie de mi lagre sem prego, um Favor exorbitant: sinificaia a sorte de nto ser ainda mats pobre Podemar vero quanto esse neo-reaismo est loge da concep 0 formal que consste em vesir uma histria som realidad Quanto tence propramente dita, Ladroes de. bieta Toi. como muitos outros mes, radado na rua com atores ndo-proie. Sionais, mas seu verdadsiro merito € bem outro: € 0 de nao trait st estncia das coisas, de as deitar em principio existir por st 50 Tivemente, de as amar em sua sibguaridade particular, Minha inma, a veilidade, dir De Sia, ¢ 9 realidode gira em torno dele como 0s passares em tomo de Povetllo. Outros clocamna na falolae Ihe ensinam a falar, mas De Sica conversa com ela, € € 4 ‘erdadeicalinguagem da celidade que percebemos, a pala ire Tudvel que @ 4 amor poate express Para definr De Siew € preciso, portant, remontar 8 propria origem de sua arte, que ¢ a ternura eo amor. O gue Milgre em Miao ¢ Ladedes de bicifeta tem em comum, apesay das diverge ‘las mais aparentes do que teas (que seria fil demas enumerat), a afeio inesgotvel que o autor tem por seus personagens. E Nanitiativo que, em Milggre em Mido, nenhm dos Mavs, € Sequer dos ereuthoses ou taidores, sa0 antipaticos. O judas do rerreno ballo que vende os cascbres de seus comtpanhcitos a0 vl. ar Mobbi nao suscita a raiva do espectador, Fle nos divertia nts, com sua fantasia de “vito” de melodrama, que ele sa des Jetadamente: € um waidor “bom”, Também os novos pabres que omervam na degradasdo a arrogincia dos bairros nobres no passam de uma variedade da fauna humana, ¢ ae so, portato, {refuidos da comunidad dos vagabindos, mesmo se fazem pagar lima lira psto pr do sl. E precio amar do mesma modo © por do sol para tr 9 ida de cobraro espetculo, como para aceitar tal comézcio de flos. Podemos notar que, em Ladrdes de bcilera, renbium dor personagensprinipais €Antipatico. Sequer 0 ladrao. {Quando Bruno conseeue enfim por as mos em cima dele, 0 jiblicoestaria moralmente disposto a linchlo (como multida0 ‘teria feito im pouco antes de Bruno). Mas o achado genial da ‘ena ¢justamente nos obrigar a engolirraiva to logo ela surae, « deitr de julgar como Bruno desistra de dar queixa. Os inicos Detsonagens antinticos de Milagre em Milo S30 Mobb’ ¢ seus ompanfcros, mas no fundo els no exstem realmente, e 80 ape- fas simbolos convencionais. No momento em que De Sica 0s mes- tra de um pouco mais de perto, por pouce nio sentimos surgit ‘uma cuiosdade tena por eles. “Pobres cos, somos tentados & dizer, como esto decepsionados". Ha vias maneiras de amar, inclusive a Ingusigao. As dtcas eas poltcas do amor estto ames. ‘sada pels pores eresias. Dese ponto de vista, o édio é muitas ‘eres ter, Mas @afegdo que De Sica tem por suas criaturas mio Ihes faz corter neahum rico, ela nada tem de ameacador ou de busiva, € uma gentileza coriése discret, uma generosidade Iibe- Fal, e que nto exige nada em troca. 4 caridade nfo entra a, fosse pelo mais pobre ou pelo mais miserivel, pois a earidade voleca 2 dignidade de quem ¢ seu objeto. Ela domina sua consciénca, ‘A ternura de De Sica tem uma qualidade ber particular, © por iso difclment se pesta a qualquer generalizas mora, rl tiosa ov politica, As ambiguidades de Milzgre em Milzo'e de Ladroes de biciteta foram amplamente uiizaas pelos democrs tascristtos ou pelos comunistas. Melhor assim: cabe is verdadei- ra parabolas dar wna pare a todos. Nao me parece que De Sica «Zavala tentam dissuadir quem quer que sea, Nao ousare afi nar que a gentle de De Sica tem mais valot “em sl” que ate. fciravirtude teologal ow que a conscincia de classe, mas Vejo na ‘modétia de sua posgs0 uma vantagem artistic Sbvia. Ea parante sua autentcidadee, a0 mesmo tempo, Ihe asepura sua universal ‘ade, Tal inclinagdo a0 amor € menos una questo de moral que ‘de temperamento pessoal e enico. Uma dsposigdo bem-sucedida fatural que se devevolveu num cima napolitaro; eis o que con- ‘cerned autenticidade, Mas esas razespicoldgicasetdo mals pro- fandamente enlerradas que as camadas de nossa consciéncia cuki- vadas peas ideologias paridavas. Paradoxalmente, © devido & ‘qualidade singular, ao sabor inimitvel delas, ja que no foram ‘atalogadas nos herbirios dos moralstas e dos poitics, elas esca- pam a censura dels, ea gemilera napoitana de De Sica torna-se, ‘7363s 20 cinema, a mais vasta mensagem de amor que nosso tempo teve a sorte de ouvir desde a-de Chaplin, Se tvessemos divida de sun importincia, bastari salientar 8 presiea com que 2 citica partidara procurou anexd-la em seu dominio: qual 0 pat- tido, com efeto, que podeia deixar 0 amor para 0 outzo? Nossa epoca nao tole mas o amor lve. Mas Ja ue todos podem rek ‘indicat, com a mesma verossimilhanca, a propriedade deste, © {também o amor auténtico, © amor ingénuo que atravesa os murs das cidadelasideologicas seca, Rendamos gracas a Zavattni ea De Sica pela ambiguidade de sua posgdo, eevtemos ver nisso uma habilidade intelectual no pals'de Don Camillo, a preacupasao rocalmente neratva de dar garantia a todos para obter todos os carimbos da censua, Tatas, a0 contri, de uma vontade posiva da possi, esr tagema de um enamorado que se expressa através das metaloras de seu tempo, mas tomando © cuidado de escolh@das para abit todos os coracbes. Se Fizeram tantasLetatvas de exeacse politica de Milagre em Mido, foi porque as alegovas socias de Zavatini ‘ato 520 2 ultima instania de seu smbolismo, oF prpriossimbo- tos sendo apenas alegoria do amor. Or psianalistas hos ensinam ‘ue nosso sonhos sto 0 contro pefeito de uma manifestagto livre de imagens. Se cles expresam) algum desejo fundamental, ‘masearando-se de um dapl simbolismo, geal e individual para atravessar necesariamente 0 dominio Jo "superego". Mas ta ensura n8o € neat, Sem ela, sem a resistencia que cla apde & Imaginacdo, 0 sanho nao exisifa. SO podemos considerar Mil. freem Milo como a tradugdo, no plano de onrismo cinematogrs fico através da simbotismo social de Ilia sontempordnea, do bom coragdo de Viton De Sica, Assim fcaria explicado 0 que hha de aparentemente esqusto e inorsinico new hime estraho, cits solucdes de comtinuidade dramaticaeindiferenga a qualquer Sia naan podeamos atime comereender de otto Odservemos, de pasagem, 9 que o cinema deve ao amor das criaturas. Nao constguiriamos compreender interamente a arte {de um Flaherty de um Renoir, de um Vigo ¢ sobretudo de um ‘Chaplin se nao procurassemas antes de que variedade particular de ternura, de qué afeiao sensual ov sentimental seus filmes sto ‘ espelo. Acredito que, mas Jo que qualquer outra are, o cinema aarte propria ao amor. O proprio romancista, em suas relagdes ‘com seus personagens, precisa mais de inteligéncia que de amo ‘ua mancira de amar ¢ principalmente de compreender. A arte de tum Chaplin, transposta para literatura, nao poderia evtar um certo sentimentalimo; foi o que permitiu a um André Suart, homer de letras por exceléncia,evidentemente impermedvel& poe sia cinematogrtica, de falar do ""coragto vil" de Carlitos; ese orapdo, porém, encontra no cinema a nobreza do mito. Cada arto, e cada Tase da evolugdo de cada una delas, tem sua escala fd valores expecfia, A sensulidade tenra e-dvertida de. um Renoir, a mas dllacerante de umn Vigo encontram na tla um 10m fe uma tOnica que nenhum outeo meio de expresso poderia thes fer dado, Ente taiseentimentos eo cinema existe dma afinidade ‘miserosa que por veres ¢recusada aos malores. Ninguém além {de De Sica pode hoje precnder a eranga de Chaplin, Ja observa ‘mos como, enquanto ator, hi nele uma qualidade de presenes, luma luz que metamerfoseiasorratccamente @rotcro e os outfos imérprtes, a ponto de ndo podermos pretender iterpetar dante de De Sica como se alguma outta pessoa desempenhasse 0 mesmo papel. Nao conhecemos na Franca o inlerprete brilante dos fi ‘mes de Camerini. Foi preciso que ele se trnasse clebre como dite tor para que seu nome fosse notado pelo public. le nao inha fentdo um fisico de gall, porem, quanto mas seu charme era sens ‘el menos cle era explicavel, Meto ator nos mes de outos eine astas, De Sica j8 € ditetor, pols sua presenga moditia o Time, influcncia seu exilo, Um Chaplin concentra sabre i mesmo, mele mesmo, & irradiagfo de sua ternura, 0 que faz com que a cruel ‘dade nem sempre spa excluida de sv univers; muito pelo contr fio, ela em, cOm 0 amor, uma FelagHo necssaria e dialéica, ‘como podemos nota-lo em Monsieur Verdoux, Carlos € 4 pro ria bondade projelada no mundo. Fle ests promto para atnar tudo, mas o mundo nem sempre Ie responde. Em compensacio, parece que De Sica diretordifunde em seus interpetes 0 amor Potencial que ele poss como ator. Chapin também escolhe sets Incérpretes com cuidado, mas ¢ sabido que ele sempre o Taz em relagio a si mesmo, e para iluminar melhor seu personagem. A hhumanidade de Chaplin &encontrada em De Sica, mas universe ‘mente repartida. De Sica tem 0 dom de comunicar uma incensi- dade de presenga humana, uma graca desconcertante do r0st0 © {So geso que, en sua singulaidade,festemunham irreversivlmente fem favor do homem. Ricci Ladraes de bilet), To%o (Milagre em ‘Mitao) « Umberto, por tals afastados que essjam fsiamente {de Chaplin de De Siva, nos fazem contudo pensar noes Estaramos enganados se pensissemos que © amor que De Sica tem pelo homem, «nos obriga abe maniesar, seja o equiva- lente de um otimismo. Se nnguem & realmente mau, se diane de ‘ada homem singular somos obrigados a abandonar a acvsagio, como Riel diante do ldrio,€ precio dizer enti que © mal que, fo entanto, existe no mundo, est num lugar que nto € 0 coracao fd homem, que cle est em algo hgar na ordem das cokes. Pode. amos dizer: na soiedade,e teriamos em parte razao, De certo ‘mod, Ladraes de bicceta, Milgre em Miao © Umberto D sto ‘equsit6rios de crater revoivcionario, Sem o devemprego, a perda Ga bicileta no seria umn iragédia, Mas ¢evidete que tal explica- ‘ho politica nto d8 canta de todo o drama, De Sica protsta con tra a comparazto de Ladrées de biicleta com a obra de Katk sob pretexto que aalienapao de seu her6i €sosale nao metaisica, E verdade, mas os mils de Kafka nao perdem mada de seu valor se os consderarmos como alegoria de cota alienagao social, NiO € necessirio cer em um Deus crue para sentra culpa do senhor| KO drama, a0 contri, consiste nso: Deus nio existe, ultimo tscrtério do castelo eta vario. Essa tlvez,atragédia expec fica do. mundo moderno, a passagem para a transcendéncia de uma realdade social que part sozinha sua propria deiicacho. Os Sofrimentos de Bruno ede Umberto D. tam caurasimediaas evi ‘ves, mas percebemos que ha também um residuo insolive, eto 44a Compexidade pricologica e material das relagdes soca, que tanto a exclénca das institigdes quanto a boa vontade de nosso proximo nie podem bastar para fazer desaparecer. A naturera ‘esse nto ¢ menos positive Socal, mas sua ago nasce, todavia, de uma faaldade absurda eimperaiva. Esso ue faz, a8 minha ‘pinido, a grandeca e a riqueza do filme. Ele stisfax duas vezes justia: através de uma descriggo irecusdvel da mséria do prole- fariado, mas tambem através do apelo implicit e constente de uma exigencia humana que a sociedade, qualquer ve ela sea, tem ‘0 dever de respetar. Ele condena 0 mundo onde. para sobreiver, ‘0s pabres sto obrigaos a roubat ene si (a polica dfende muito bem 05 ricos), mas tal condenacao necessria nao é suficiente, pois nto é apenas uma organizagdo historica dada que esté em ‘causa, ov uma conjuntura econdmica particular, mas a indiferenga ongénita do organismo socal, enquanto tal, & aventura da felic dade individual. Dito de outro modo, © paraiso terreste esata situado na Succi, onde a biicletasTicam noite e dia ao longo das calgadas, De Sica gosta demais dos homens, ses irmaos, para rio desejar que rodas as causas posivels da miséria delesdesapa- 2 ANDRE BAZIN ‘egam, mas ele nos lembra também que a felicidade de cada homem | ‘um milagre do amor, em Milao ou em outro lugar. Uma socie- {dade que no multiplica as ocasies de sufoe-o ja € melhor que ‘a que mela 0 bio, prim a mais perfeita ainda n2o engendraria ‘0 amor, que continua a ser um negocio privado, de homem para hhomem, Em que pals seriam conservadas as tocas de coelho em ‘ma de um campo de petrleo? Em que outro & perda de um papel adminstrativo nio seria (Zo angustiante quanto o roubo de ‘uma bcicleta? Esta na ordem da politica de concebere promover 4s condigdesobjetivas da felcidade individual, mas no Taz parte de sua naturera respeitar as condigbes subjtivas dela. E aqui {que 0 unverso de De Sica esconde um certo pesimismo necess fio e pelo qual nds nunca Ihe seremos bastante gratos, porque hele reside © apelo das possibilidades do homem, o testemunho de sua lima e irrefutavel humanidade, Falei do amor, poderia ter dito poesia. As duas palaveas sao sindnimos ou, pelo menos, complementares. A poesia aio € sento lama forma atva ¢eriadora do amor, sua projesdo sobre o uni ‘verso. Emboraestancada e devastada pela desordem socal a infin ‘a dos scuscias manteve 0 poder de transforma sua miséria em fonho. Nab escolas primaiias francesas ensina-se 20s alunos: ‘Quem rouba um ovo roulba um boi. De Sica nos diz: “Quem ouba um ovo sonha com um cavalo”. O poder milagroso de ‘Toto, que Ihe foi transmitido por sua av6 adotiva, € ter conser ‘vado da infincia uma eapacidade inesgotavl de defesa potica: a {hug que acho mais significativa em Milagre em Milo € aqucla na ‘Qual vemos Emma Gramatiea se precipita pars o ete derrubado, ‘Qualquer outta pessoa ertcaria& fata de iniiativa de Toto elim paria © lite com um pano, enquanto que a preiptasio da boa {ennora nfo tem por objetivo senao tansformar a peguena cat trofe num jogo maravilhoso, um riacho no meio de uma paisagem ‘com suas dimensdes, Ata tabuada de muliplicag20, outro tertor intimo da infncia, que se tora, pela graza da vehinha, um sonho. Toto urbanista batiza as ruas e as pragas “4 vezes 4 igual a 16 cou "9 vores 9 igual a 81”, pols esse ios simbolos mateméticos ‘sto para cle mais bonitos que os nomes mitlégicos. Ainda aqui acontece de pensarmos em Catilos; ele também deve a0 espito de infancia feu extraordinario poder de transformar © mundo para um methor uso. Quando a realidad the resist, € que ee 80 pode mudd-la mateialmente, ele muda seu sentido. Assim, em Em busca do ouro, a danca dos plezinhos, ou entdo Os sapatos ‘na marmita, com a pequena diferenga de que Carlito, sempre na Aefensva, reserva esse poder de metamorfose unieamente pa ‘antagem, ov no maximo unicamente em prol da mulher que ele lama Em Toto, ao contro, ele radia para os outros. Toto nto pensa um s6 instante nas vantagens que a pomba poderia the ofe: Fecer, sua alegria se identifica com a que ele pode difundir a sua ‘ota: Quando ele nto pode fazer mais nada pelo proximo, cabe The ainda se transforma segundo imagens diversas, ora claudicando para o manco, pequeno para o ando, cego para quem 36 tem un ftho. A pomba ndo & sendo a possibldade supérflua de realizar ‘materaimente a poesia, pos a grande maioria dos homens precisa

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