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Presbyterians affirm that G-d comes to us with grace and love in the person of
YAOHUSHUA, who lived, died, and rose for us so that we might have eternal and
abundant life in him. As Mehushkhay‟s (Christ‟s) disciples, called to ministry in his
name, we seek to continue his mission of teaching the truth, feeding the hungry, healing
the broken and welcoming strangers. G-d sends the „Rukha Hol-Hodshua (Holy Spirit)
to dwell within us, giving us the energy, intelligence, imagination, and love to be
Mehushkhay‟s (Christ‟s) faithful disciples in the world.
More than two million people call the Presbyterian Church, http://www.pcusa.org/, (in
the U.S.A.) their spiritual home. Worshipping in 10,000 Presbyterian congregations
throughout the United States (also in other countries and cities like the city of Braga,
Portugal [NOT DIRECTLY CONNECTED BUT INSPIRED BY]: Apresento-vos,
amados santos (consagrados) do D-us Ela-Ele/Ele-Ela Eterno, formalmente a MINHA
AMADA IGREJA/OHOLYAO/CONGREGACAO OFICIAL, no meu magnifico
site/sitio: wix.com.
KALUMBONJAMBONJA
(O HOMEM QUE CASOU COM UMA ALMA DO OUTRO MUNDO)
ROMANCE – AUTOBIOGRAFICO
ANGOLA
OS BAILUNDOS
(AS SUAS ORIGENS, AS SUAS TRADICOES E CULTURA, OS SEUS MITOS E SUPERSTICOES, OS SEUS
PECADOS/CRIMES, PADECIMENTOS COM AS GUERRAS E A CHEGADA DO EVANGELHO
INTERPRETADO PELA TRADICAO REFORMADA E EVANGELICAL)
Um padre francês utilizou dez novelos de barbante, tendo amarrado uma pedra na ponta do fio
de um novelo, fez descer ao poço a pedra, e quando o novelo terminou ligou-lhe outro novelo,
até contar os dez novelos, e mesmo assim sem chegar ao fundo, e cada novelo tinha cerca de
500 metros. Na minha opinião este buraco devia ser explorado, provavelmente sendo um
depósito de petróleo. É um poço histórico, porque a tradição diz que antigamente lançavam para
lá todas as pessoas acusadas de feitiçarias.
O autor
Soku
Muito antes do Evangelho de Cristo ter chegado aos bailundos, estes já sabiam que havia um
Deus, Soku, um Ser omnipotente, Criador do Mundo e de todas as coisas que nele existem. Não
só sabiam isto como também confiavam plenamente n‟Ele, considerando-o benigno e
misericordioso. Se alguém escapasse de algum perigo logo dizia:
-Suku wa nu atisa! (Deus ajudou-me!)
Na concepção tradicional dos bailundos, um doente mesmo que estivesse perante um médico ou
curandeiro, só se curava se Suku quisesse. Por isso é costume dizer-se:
-Suku a kuece oco ovimbanda vi li pande oku sakula (Que Soku te dispense para os curandeiros
se vangloriarem).
Os bailundos consideram Soku como a fonte de toda a luz, e por isso julgam que Ele vive perto
do Sol.
De acordo com a sua tradição, Soku mandou descer do Céu um Ochinjila (uma ave gigantesca),
que ao chegar ao espaço ocupado pelo nosso planeta pôs um ovo no ar, que cresceu até atingir
as proporções deste mundo. Desta maneira foi o mundo criado.
Depois de ter criado o mundo, Soku desceu à Terra, pousando nas rochas, nas margens e junto à
foz dos rios Cunene e Cumbongamua. As pegadas de Soku ficaram naquelas rochas juntamente
com as do seu cão, o arco e as respectivas flechas. Estas marcas continuam gravadas até ao dia
de hoje.
A descida de Soku à Terra, passando por estas rochas, denomina-se Feti, o que significa Génese.
Infelizmente o local onde se encontram estas pegadas atribuídas a Soku, foi coberto pelas águas
de uma barragem que ali construíram.
Depois de ter criado o mundo, chegou a vez de criar os homens. Para o efeito, Soku utilizou
dois caldeirões de barro com as respectivas tampas. Num meteu os homens brancos e no outro
os negros.
Aqueles caldeirões serviam de viveiros, pois os homens eram pequeninos como os percevejos e
tinham uma propriedade que os fazia crescer.
Enquanto os homens cresciam nos caldeirões, Soku prosseguia com a sua obra criadora abrindo
o mar e os rios. Todos os rios dirigiam-se para o mar, e com o lodo destes Soku formou as
montanhas, e todo o tipo de elevações.
Depois de ter criado os rios, Soku fez chover torrencialmente durante alguns dias até os rios se
encherem juntamente com o mar. Quando chovia desciam do Céu, como gotas de água, todos os
animais aquáticos. Em seguida Soku criou os vegetais, chamando-os pelos nomes, em função de
cada espécie dizendo:
-Que venham as árvores de Mako. As árvores de mako desceram do Céu e enraizaram-se na
terra.
Soku fez assim com todas as árvores que se encontram no planeta, como por exemplo:
-Sesse, Capilangau, Uncha, Mone, Nundo, Ussamba e tantas outras.
Os arbustos e as ervas também foram chamados da mesma forma, um de cada vez, e os nomes
mantêm-se até aos dias de hoje. Desde então a terra passou a ter água, frutos e cereais, para
poder alimentar os seres vivos.
A seguir à criação dos vegetais, procedeu à criação dos outros seres vivos. Tal como acontecera
com os vegetais, Soku foi chamando por cada espécie:
-Que venham as palancas; e as palancas desciam do céu e pousavam na terra.
-Que venham os leões; estes desciam do céu e pousavam na terra.
Soku fez assim com todos os outros animais que existem, tantos os domésticos como os
selvagens.
Por último chamou pelas mulheres, começando pela raça branca e depois pela raça negra.
Assim ficou concluída a criação do mundo.
Depois Soku foi abrir os caldeirões de barro que continham os homens. Nesta altura já estavam
crescidos, e Soku lhes entregou o reino da terra bem como lhes deu directrizes sobre a forma de
governar o mundo e lhes ensinou as directrizes sobre a forma de governar o mundo e lhes
ensinou as “tecnologias”.
Primeiro foi abrir os caldeirões de barro que continham os homens brancos que, obedecendo-
lhe, logo saíram e O seguiram. Depois foi abrir a tampa do caldeirão que continha os homens
negros, dizendo-lhes que saíssem para O seguirem. Porém, tal não foi possível, pois muitos
deles não permitiam que os outros saíssem. Sempre que um deles tentasse sair, era logo
impedido pelos outros que o puxavam pelas pernas. É desta forma que os bailundos explicam o
“atraso tecnológico” que se verifica entre os africanos em relação aos “países mais
desenvolvidos”.
Após Soku ter concluido toda a sua obra criadora, surgiu uma contenda entre os animais e os
homens.
Uma leoa tinha 5 filhos e sempre que ia à caça deixava-os ao cuidado de um cão, na qualidade
de ama-seca. No primeiro dia, na ausência da leoa, o cão comeu um dos filhotes. Quando a leoa
regressou ordenou ao cão que lhe trouxesse as crias, uma de cada vez para se amamentarem. O
cão, para que a leoa não desse conta, levou um filhote e em seguida levou outro duas vezes.
Como eram todos muitos parecidos a leoa não se apercebeu.
No dia seguinte, na ausência da leoa, o cão comeu mais um dos leõezinhos, ficando menos três.
No terceiro dia o cão voltou a comer mais um e restaram dois. Quando a leoa chegou, e como
era usual pediu ao cão que trouxesse os filhotes. Então o cão usou a mesma estratégia,
perfazendo sempre o número de cinco.
No dia seguinte quando a leoa saiu para caçar, o cão comeu mais uma cria, restando apenas
uma.
Quando a leoa chegou e pediu ao cão para trazer os seus filhos, este pegou no que restava e
levou-o à leoa cinco vezes consecutivas.
No outro dia o cão aproveitando a retirada da leoa, comeu o último filhote dela. Por conseguinte
o cão não tinha outra alternativa senão fugir, pois sabia que, sem dúvida, seria perseguido.
Assim procurou um refúgio seguro de forma a escapar à vingança da leoa.
Durante a fuga, os primeiros seres que encontrou foram as galinhas a quem disse:
-Mostrem-me como é que vocês lutam para eu ver se são capazes de derrotar o inimigo que me
persegue.
As galinhas lutaram às bicadas, e o cão disse:
-Vós não podereis lutar contra quem me persegue.
-Quem te persegue? – Perguntaram as galinhas.
-É a leoa. – Explicou o cão.
As galinhas ouvindo que se tratava da leoa, também tiveram medo e começaram a fugir
juntamente com o cão.
Entretanto a leoa foi à caverna onde costumavam estar os filhotes e dizer ao cão que lhe
trouxesse as suas crias para as amamentar. Nem vivalma! Nem o cão nem os filhotes estavam
ali. Assim, orientando-se pelo faro saiu em perseguição do cão com o intuito de o aniquilar.
O cão, sempre a fugir, encontrou os cabritos e disse-lhes:
-Mostrem-me como lutam.
Os cabritos lutaram com os chifres em riste e o cão lhes disse:
-Nem tampouco vós sereis capazes de vencer aquele que me persegue.
E os cabritos perguntaram:
-Quem te persegue?
-É a leoa! – Respondeu o cão.
Os cabritos, sabendo que ela não tardaria a chegar, também se juntaram ao grupo fugitivo.
O cão continuou a correr até se encontrar com os porcos e pediu-lhes que lhe mostrassem como
costumavam lutar. Também estes lutaram com os focinhos em riste e o cão logo lhes disse:
-Vocês não conseguirão lutar com aquela que me persegue.
-Quem te persegue? – Perguntaram os porcos.
-É a leoa! – Disse o cão.
Ouvindo isto, também os porcos se puseram em fuga seguindo o cão.
Depois o cão encontrou os bois e lhes pediu:
-Mostrem-me como é vocês costumam lutar.
Os bois começaram a lutar e o cão lhes disse:
-De facto vocês têm muita força e penso que bem poderiam derrubar a leoa que me persegue.
Os bois ao saberem que a perseguidora era a leoa, encheram-se de medo e incluíram-se no
grupo que seguia o cão; e também fugiram.
O cão rodeou-se de todos os animais, que se denominam de domésticos, e viu que não podia
socorrer-se de nenhum deles perante a eminência de ser apanhado pela leoa.
Por fim o cão encontrou as mulheres. Primeiro as de raça branca que estavam à sombra duma
frondosa árvore, tinham espelhos e penas nas mãos com as quais tratavam os cabelos. O cão
quando lá chegou, pediu-lhes que lhe mostrassem como lutavam. Elas fizeram-no dando
chapadas e pontapés umas às outras. Face a isso o cão disse:
-Vocês são muito fracas e por isso incapazes de derrubar a leoa que me está a perseguir.
As mulheres brancas, ao ouvirem falar da leoa ficaram assustadas e prontamente meteram-se no
grupo dos animais que fugiam com o cão.
Um pouco mais adiante o cão encontrou as mulheres de raça negra que estavam a cavar
olonguesso (capim que produz nas raízes uns tubérculos do tamanho de ervilhas com gosto a
coco) e disse-lhes a mesma coisa:
-Mulheres de raça negra mostrem-me como lutam!
As mulheres negras pegaram nas suas pequenas enxadas atirando-as umas contra as outras. Mas
logo o cão argumentou:
-Da maneira como vocês lutam não sereis capazes de derrubar a leoa que vem perseguindo-me.
Ao ouvirem falar da leoa, as mulheres negras fizeram como as brancas e puseram-se em fuga
imediatamente.
O cão continuou a fugir juntamente com os outros seres que os acompanhavam. Momentos
depois chegaram a um grande quimbo (aldeia) cercado de pau-ferro que era a residência de
homens de raça branca e negra. Pedindo autorização para entrar, pediu que os homens lhe
mostrassem a forma como lutavam. Então eles pegaram em armas (não especificam o tipo de
armas, visto as armas de fogo terem vindo para África pelos europeus) e começaram a lutar.
Então o cão disse:
-Sim senhor! Vejo que serão vocês capazes de derrubar a minha perseguidora.
-Quem te persegue? – Perguntaram os homens.
-É a leoa. – Respondeu o cão.
Os homens disseram que seriam capazes de derrotar a leoa, e depois de deixarem entrar no
cerco todos os animais que acompanhavam o cão bem como as mulheres, disseram ao cão que
devia ficar no portão como vigilante e que ladrasse logo que a leoa aparecesse, o que não tardou
a acontecer, pois logo surgiram a leoa na companhia do leão.
Quando este os viu pôs-se a ladrar para alertar os homens, que prontamente, pegaram nas suas
armas.
A fêmea que apareceu primeiro foi atingida em cheio e caiu morta. O macho, vendo a leoa
estendida no chão, tentou reagir acabando também por ser atingido.
Deste modo o cão livrou-se da leoa e resolveu ficar com os homens. Passou assim a ser guarda,
sendo esta a razão porque ainda hoje ladra sempre que dá conta do aparecimento de alguém que
seja estranho, seja homem seja animal.
Quanto aos outros animais que acompanhavam o cão decidiram não mais voltar para a mata, e
daí também passaram a ser considerados como animais domésticos até hoje.
Por sua vez os homens apreciaram de tal modo a presença das mulheres, que não as deixaram ir
embora e ficaram a viver com elasii.
Depois da vitória do homem sobre o leão, o deus Suku (talvez uma referência velada e
sincretista a Dus) apareceu novamente para distribuir as pessoas pelos locais onde se encontram
actualmente. Juntou um varão com uma mulheriii, abençoou-os, deu-lhes uma linguagem para
comunicarem-se e enviou-os para que formassem uma nação; dizendo-lhes:
-Ide, frutificai-vos e multiplicai-vos. – E assim formaram-se todas as nações.
Por fim o deus Suku voltou para a Sua residência celestial que se encontra no Céu perto da
Estrela denominada pelos homens como “Zam/Sol”iv.
Onjembo e kalunga Na concepção tradicional os bailundos acreditam que os seres humanos têm
uma alma que se desprende do corpo, assim que a pessoa morre. Em Umbundo, a alma de uma
pessoa enquanto viva chama-se Ochilulu ou Ukuassuku, o que significa “o que é de deus”, e
como tal, pode também operar milagres como o próprio deus Suku: como meter lodo numa casa
com as portas fechadas; disparar sem arma uma bala e matar alguém; deixar cair uma faísca
sobre alguém quer em tempo seco quer em tempo chuvoso; pode inclusivamente, produzir
milho numa lavra, assim como outras acções impossíveis de serem realizadas pelos humanos.
As almas dos malfeitores vão para o Onjembo onde são torturadas “eternamente”v, mas os
bailundos não descrevem os tipos de torturas que lá existem. Certamente, onjembo significa
infernos (termo judaico) ou inferno (ausência do Eterno) segundo as igrejas cristãs tradicionais
não inclusivas ou a teologia sincretista dos bailundos. Por exemplo, pode citar-se a tradução
bíblica do português para umbundu, onde “infernos/inferno” foi traduzido mesmo para
“onjembo”.
As almas dos benfeitores “vão para kalunga” (entender como o “Seio de Suku”) onde irão
desfrutar da glória do seu deus plenamente transcendente, uma divina providência definida
como sui generis (ritosdeangola.com.br).
Os benfeitores bantos enquanto vivos gozam da companhia da magia, dos espíritos. Só muito
excepcionalmente recorrem a Suku. E a divindade preserva assim a sua distância da carnalidade,
da impureza. O banto preserva a autodeterminação quase plena. O ser humano é contingente: ser
e não ser. Felizmente.
Entre este grupo étnico os sonhos ocupam um lugar especial, sobretudo pelo facto da pessoa
falecida poder ou não ser sonhada pelos seus familiares. Assim, se uma pessoa falecida não
aparecer nos sonhos de alguém, é sinal de que foi para onjimbo de onde não pode sair; caso
contrário indica que a alma tenha ido para Kalunga ao lado da divindade.
Torna-se fácil deduzir que Kalunga corresponde ao místico “Paraíso ou Pomar da Várzea”
celestial conforme ensina a religião cristã. É, no entanto, de referir que todas as almas, quer as
que vão onjembo quer para Kalunga, têm vida eterna (entenda-se na vox populivi semita [que
corresponde literalmente ao “baixo rabinato”]: “óhlam”, na interpretação hebraica popular seria
“eterno” mas é uma posição que é limitativa historicamente para os letrados Rabinos, para o
altovii sacerdócio moral e intelectual), uma vez que ali não existe mais a morte. A inexistência
da morte é, geralmente, ilustrada com a seguinte história entre os bailundos:
Estava-se no tempo do Eyele (trata-se da “Grande Festa” de todos os quimbos, de todas as
aldeias e povoações da região). Todos os quimbos estavam agitados devido ao grande
acontecimento do Eyele.
Os presentes sentiram-se, em dado momento, incapazes de beber tanto Kimbombo (bebida feita
de farinha de milho). Fazia-se pirão ao ar livre e carne assada em grandes fogueiras. Havia
espectáculos para entreter as pessoas.
Durante as noites, o povo dançava ao som do batuque no ochila (campo de danças).
Um homem de nome Kalumbonjambonja, depois de ter dançado muito, resolveu à meia-noite
abandonar a dança e ir para casa dormir, já cheio de sono. Era uma noite de muito luar. Tendo
caminhado uma pequena distância quando, perto do alumbo (cerca de estacas de madeira à volta
de um quimbo [povoação]), viu uma moça toda vestida de branco. Kalumbonjambonja assim
que a viu, estando ela sozinha, cumprimentou-a dizendo:
-Akuku?
-Kuku. – Respondeu ela.
-O que fazes aqui? – Perguntou Kalumbonjambonja.
-Estou à procura da minha gente que não me aparece. – Respondeu a moça.
-Onde é o teu quimbo? – Perguntou ele.
-Eu venho do Kalundo (cemitério), explicou a moça.
Agindo de conformidade com o costume bailundo, designado por Oku tumisa (dormir com uma
mulher mas sem ter relações sexuais), convidou-a para pernoitar em sua casa, sem saber que ela
era uma alma do outro mundoviii. Ela aceitou o convite e seguiu Kalumbonjambonja.
Já em sua casa, entraram. Ele que era solteiro, mostrou-lhe a cama, foi à cozinha onde havia
fogo, e acendeu capim para fazer luz.
Kalumbonjambonja quando chegou ao dormitório viu que a moça era muito bonita mas ela o
alertou dizendo-lhe:
-Não te aproximes de mim com o fogo; na minha terra nuca usamos fogo.
Aquela noite foi para os dois uma anfitriã plena de prazeres. Apesar de se resumir a carícias,
sem as relações sexuais (coito) consumadas. Entretanto Kalumbonjambonja assim que ia tendo
contactos com o corpo da rapariga, notava que o corpo dela estava muito frio. Apesar disso, e
como estava visivelmente apaixonado (uma paixão descontrolada e utópica nocenteix -baixa
irracional e perigosa de serotonina no cérebrox), perguntou-lhe se queria se casar com ele, ao
que ela respondeu afirmativamente. Momentos depois acordava o dia em que
Kalumbonjambonja devia ir pedir aos pais dela a mão da moça e todas as outras coisas relativas
ao casamento, tal como era o costume dos bailundos. No entanto, e a pedido da noiva, excluiu-
se o acto de pedir-se a mão. De modo que, dentro de alguns dias ela voltaria ali e realizariam o
casamento.
De manhã muito cedo ela disse que queria ir para o seu quimbo e que ele lhe desse uma galinha
de oniane (galinha branca) por aquela noite.
Kalumbonjambonja foi à capoeira procurar a galinha branca e lha entregou. Antes da noiva
vestida de branco despedir-se, ele então perguntou-lhe pelo seu nome, e a rapariga disse-lhe que
chamava-se Pepeka. De seguida, e perante o espanto estúpido do noivo, ela retirou-se saindo
pelo tecto.
Nos dias que se seguiram Kalumbonjambonja vivia mergulhado em saudades de Pepeka.
Quando faltavam alguns dias para o potencial casamento, Kalumbonjambonja pediu que toda a
gente preparasse o ossovo (milho grelado para fazer o fermento das bebidas alcoólicas), para
fazer Kimbombo para o seu casamento, o que foi aceito de bom grado. Toda a população do
quimbo meteu o milho na água para grelar.
Na véspera do casamento estava tudo a postos. Havia grandes quantidades de Kimbombo e
tinham-se morto muitos animais, incluindo o usual porco dos noivos. Mas o povo não sabia de
onde era a noiva.
Ao tentarem satisfazer esta curiosidade, Kalumbonjambonja respondia que era originária de um
quimbo chamado Kalundo. Ninguém desconfiava que Kalundo era um cemitério.
Nesse dia à noite ouviu-se um grande reboliço no quimbo. Era a chegada de Pepeka. Vinha com
ela muita gente, incluindo os seus pais. A gente que a acompanhava trazia consigo diversa tralha
onde se podia ver muita criação, incluindo lavras enroladas como esteiras.
Quando amanheceu deu-se, como reza a tradição, o inicio às cerimónias do casamento. Todos
os presentes ficaram deslumbrados face à beleza da noiva, muito longe de imaginarem que se
tratava de uma alma do outro mundo.
Depois do casamento, Kalubonjambonja passou a ter uma vida plena de felicidade e muitos
êxitos. À noite, Pepeka mobilizava todas as almas das pessoas que dormiam no quimbo, e
mandava-as trabalhar na sua lavra. Quando os donos das referidas almas despertavam do sono
notavam que estavam muito cansados, pois tinham ido trabalhar nas lavrasxi de pepeka (sem
que o soubessem).
Tempos depois, Pepeka concebeu e teve um filho do sexo masculino que era, portanto, mestiço,
uma vez que era filho de um adam (homem da terra vermelha, o mesmo que dizer aonde circula
o sangue) e de um espírito. Cumpriu-se de seguida o costume denominado Ongulo yo koviongo
(porco que os sogros dão aos genros como prémio à região lombar do genro, de onde veio o
filho que nasceu; acredita-se, entre os bailundos, que os filhos vêm dos lombos dos homens).
Para Kalumbonjambonja receber o tal porco tinha de deslocar-se à aldeia da esposa, tendo
Pepeka determinado o dia de partida para lá. Nesse dia, saíram de casa muito cedo e andaram
quase o dia todo. Depois, quando encontraram a toca de uma toupeira, Pepeka disse ao seu
marido:
-Eis aqui o caminho para a nossa terra, apontando com o dedo a toca da toupeira.
-Como é que havemos de entrar num buraco assim tão pequeno? – Perguntou atónito o marido.
-Ora essa! Se um elefante pode ali entrar, quanto mais nós!
Pepeka fez um gesto que lhes permitiu entrar. Depois de terem entrado, Kalumbonjambonja viu-
se perante o luzeiro maior (o Sol) com uma nuance: o Sol não era quente como o seu. Por outro
lado, as pessoas eram muito estranhas, pois tinham raízes atravessadas nos seus corpos (são as
raízes que atravessam os cadáveres enterrados). Outros eram apenas esqueletos. Ele nunca vira
nada igual.
Andaram até ao anoitecer, tendo-se abrigado numa choupana feita de ossos humanos e coberta
de cabelos das pessoas mortas. A dona da casa era uma velha que tinha as costelas a descoberto.
Inclusivamente podia-se ver o coração a trabalhar. Umas raízes haviam-lhe entrado pelo nariz e
saiam-lhe pela boca.
Os dois pediram à velha para ali passarem a noite, e a velha acedeu com gosto. De perto era
ainda mais repugnante, pois do pouco corpo que ainda tinha carne, estava cheio de furúnculos.
Para grande surpresa de Kalumbonjambonja, pediu para rebentar-lhe os furúnculos com a boca,
o que ele fez, cuspindo o pus para o chão.
À noite a velha quis preparar a ceia, mas disse que tinha apenas fubá, farinha de milho para
fazer o pirão. Como não tinha conduto, ela pediu que cada um desse os seus dois olhos. Assim a
velha tirou os olhos de Pepeka e de Kalumbonjambonja, lavou-os muito bem, meteu-os numa
panelinha, acrescentando uma pitada de sal, e numa fogueira muito diferente das que
conhecemos, fez o pirão.
Quando este ficou pronto, tirou-o da panela, distribui-o pelos pratos de Pepeka e de
Kalumbonjambonja. Depois tomou o conduto e deu a cada um deles um dos seus dois olhos
misturados no molho e nas iguarias, ao mesmo tempo que dizia:
-Wabenge, wabenge, wandunge, wandunge. Wabenge o velela iso liabe (Tradução: “Quem tem
juízo é sempre acautelado; quem não tiver juízo comerá os seus olhos” – é um apotegma dos
Bailundos).
Kakumbonjambonja e Pepeka compreenderam de imediato o significado daquele apotegma, e
assim fizeram tudo para poupar os seus olhos.
No fim da ceia, a velha pediu para que lhe devolvessem os olhos. Pegou neles, lavou-os com um
certo líquido e voltou a pô-los nos respectivos lugares, os quais assentaram tão bem que era
difícil pensar que haviam sido cozidos.
Passaram aí a noite e no dia seguinte prosseguiram a viagem.
Pepeka já na sua terra de origem, resolveu sem consultar Kalumbonjambonja, extrair a parte
carnal do menino para que ficasse apenas a parte espiritual, pois só assim o poderia deixar com
os seus pais quando regressasse para a aldeia do marido. No entanto ela disse ao marido que o
menino estava doente. Caminharam uma distância até se encontrarem com uma prima de
Pepeka. Esta queria que Pepeka levasse o menino na forma de alma do outro mundo, para os
avós. Para isto Pepeka pediu ao marido que fosse à procura de lonchas (frutos silvestres)
enquanto conversava com a prima.
Kalumbonjambonja foi até à árvore que produz lonchas onde viu dois homens sentados num dos
ramos da árvore e a comerem dos seus frutos; um deles tinha o coração de fora e o outro uma
raiz atravessada no pescoço. Kalumbonjambonja disse-lhes que a sua mulher o mandara colher
lonchas pois tinha o filho doente. Um dos homens tirou três lonchas e deu-lhas, dizendo que
uma era para a mulher, outra para o filho e a outra para ele. Ao voltar, Kalumbonjambonja viu
que a prima de Pepeka já se havia retirado e Pepeka disse ao seu marido que a criança havia
morrido, indicando-lhe o seu cadáver com o dedo. Ele então estava prestes a chorar, mas a
esposa repreendeu-o dizendo que naquela terra era proibido chorar. O que ele não sabia era que
a parte espiritual da criança tinha sido levada pela prima, e que apenas tinha restado a parte
carnal. Não havendo mais nada a fazer, abandonaram aí o pequeno cadáver e continuaram a
viagem.
Depois de terem caminhado uma certa distância, chegaram ao quimbo de Pepeka. Estava muita
gente à espera, onde foram recebidos com alegria. Alguns tratavam Kalumbonjambonja por tio,
outros por cunhado, ainda outros por pai, conforme o costume dos bailundos.
Ele, convencido que estava a ser bem recebido, decidiu contar aos presentes a que havia passado
na viagem, dizendo:
-Nós viajamos bem e dormimos pelo caminho. Infelizmente o nosso filho, que fora o motivo
desta nossa deslocação até vós, pois queríamos mostrá-lo aos avós, morreu quando estávamos
perto daqui.
De repente, criou-se grande agitação e as pessoas começaram a dispersar ao mesmo tempo que
gritavam:
-Aqui não existe a morte. Dêem-lhe uma dedada no olho. E, novamente, voltavam a gritar
repetindo a ameaça.
Toda a gente acabou por retirar-se incluindo Pepeka.
Ao anoitecer apareceu uma pessoa, era uma velha que disse a Kalumbonjambonja o seguinte:
-Certamente tu não me conheces. Eu sou a trisavó do teu pai. Quando vim para esta terra o teu
pai ainda não tinha nascido. Fiquei muito admirada quando te vi aqui, pois nunca pensei que
alguém de carne e osso como tu pudesse chegar a este mundo. Mas lamento bastante que
Pepeka, a tua mulher, não te tenha instruído como te deves portar aqui. A palavra morte
pronunciada por ti causou, como viste, muito pânico, pois aqui não existe a morte, e o povo
estava convencido que tu a trouxeste.
Aconselho-te a ser mais prudente e cauteloso enquanto viveres aqui, pois eles querem extrair-te
a tua alma para que fiques por cá definitivamente, o que eu não posso permitir. Para que possas
sair daqui são e salvo evita comer da comida que eles comem. Trouxe-te, por isso, este ekende
(espécie de broa de milho) que te servirá de sustento durante todo o tempo que aqui
permaneceres. Evita, de igual modo, beber água daqui, e por isso também te trouxe esta
cabacinha com Chissangua (bebida feita de farinha de milho mas não alcoólica). Se provares a
comida e a água desta terra, jamais sairás daqui.
Assim que a velha se retirou, apareceu de imediato uma rapariga que com medo, certamente por
kalumbonjambonja ter pronunciado a palavra morte, pousou o balaio de comida no chão e saiu a
correr. Ele ficou só, durante dias, a alimentar-se do ekende e da Chissangua. Nem sequer
Pepeka aparecia.
Numa noite apareceu-lhe de novo a trisavó que lhe disse:
-Amanhã serás submetido a uma prova. Se falhares serás morto, a tua alma ficará entre nós para
sempre, o que eu não quero. Trarão muitos cães, todos iguais e da mesma cor, e te pedirão para
que indiques o cão de nome Huvi. Toma este caniço oco que tem uma mosca dentro. Quando te
pedirem para indicares o referido cão, abre o caniço, solta a mosca, e presta atenção a ela; o cão
em que ela pousar será o tal huvi.
No dia seguinte toda a população da aldeia aglomerou-se em frente da cubata onde estava
alojado Kalumbonjambonja.
Notas:
OS ESPÍRITOS
Os bailundos conhecem apenas os espíritos maus, que em umbundu se designam por Ondele o
que significa demónio. Para eles os demónios são espíritos muito maus, que quando penetram
numa família a exterminam por completo.
Os doentes mentais são considerados como pessoas possuídas pelos demónios. Da mesma
forma, todas as doenças de cura difícil são atribuídas aos demónios, cujo rei se designa por
Ochindele. Ochindele é o superlativo de Ondele, que se traduz por Diabo.
Ochindele é também a designação que os bailundos atribuem a todos os indivíduos de raça
caucasiana (branca), provavelmente devido aos maus tratos que ocorreram durante o domínio
colonial. Na verdade, os portugueses quando chegaram a Angola, não consideravam como
humanos os autóctones.
Olhavam todos os africanos como se de animais se tratassem, inclusivamente os missionários,
quer católicos quer protestantes, chegaram lá com todos esses preconceitos.
Na África do Sul reinava o apartheid, e em Angola o indigenato2. Os indígenas eram muito mal
tratados e desprezados. Um indígena não podia cumprimentar um branco com um aperto de
mão, e muito menos comer com ele à mesa.
Os indígenas podiam passar por grandes aflições, de fome, doenças, nudez, pobreza, etc., que os
brancos não se compadeciam deles, nem até mesmo o governo português se importava pelo
sofrimento dos indígenas.
Quando estive na Missão Evangélica do Bailundo, da Junta Americana e Canadiana, como
professor durante quinze anos, presenciei um acontecimento criminoso e muito triste:
Havia chegado da América, como médico cirurgião, o filho de um antigo missionário americano
em Angola, a fim de exercer medicina na terra onde nasceu. A sua vinda era indesejada pelos
outros missionários, americanos e canadianos. Para denegrir a sua imagem envenenaram toda a
anestesia do hospital da Missão do Dondi onde ele tinha sido colocado. Por este motivo, todas
as pessoas que ele operava estavam condenadas a morrer. Até que se veio a descobrir a origem
do problema, mas depois de dezenas de pessoas terem morrido. Por serem negros os que
morreram, não houve nenhuma investigação para que se descobrisse os culpados.
Durante o tempo do colonialismo, grande parte dos portugueses chegavam a Angola pobres, e
para enriquecerem rápido, estabeleciam lojas no meio das aldeias indígenas onde compravam
por preços muito os produtos que os locais lhes levavam para vender. Passado pouco tempo já
estavam abastados, construíam prédios, compravam viaturas, etc. Por sua vez, o pobre do
indígena nascia e morria numa pobreza terrível, vivendo sempre em palhotas e alimentando-se
muito mal.
Enquanto os portugueses tinham no seu regime alimentos diversificados em termos de calorias,
os indígenas tinham um regime alimentar muito pobre, o qual não passava do pirão feito de
farinha de milho, o qual comiam juntamente com a efuanga, folhas de mandioqueira, a servir de
conduto.
O governo português não permitia que os indígenas enriquecessem, apenas os exploravam. Os
indígenas não tinham direito de possuir bons empregos, a não ser serem serventes de lojas
comerciais, cozinheiros, criados dos outros, etc., ganhando dos portugueses um salário mensal
que não chegava sequer para comprar uma camisa. Em qualquer trabalho que fosse, fosse na
construção ou outro qualquer tipo de trabalho, a desproporção entre o salário de um branco e o
de um negro era enorme.
Por exemplo, se um português ganhasse 2.50 euros por dia, o africano ganhava 0,05 cêntimos,
embora ambos fizessem o mesmo trabalho. Às vezes o africano trabalhava muito mais que o
branco. Quando dei aulas na Missão Evangélica, eu e os colegas como éramos negros
ganhávamos apenas 0.40 cêntimos mensais, enquanto que um profissional branco que dava as
mesmas aulas, ganhava 15 euros, com cama e mesa.
Os indígenas eram a fonte de todos os ganhos, não apenas para o Estado como para o
enriquecimento de todos os portugueses. O governo português obrigava o indígena a pagar
pesadíssimos impostos, forçados, que eles pagavam com grandes dificuldades, em virtude de
não lhes serem dados empregos decentes e nem possuírem indústrias. O único recurso
disponível aos indígenas era uma agricultura muito precária e primitiva. O que colhiam pouco
mais dava do que para a alimentação, pois tudo mais ia para pagar os impostos. Por tal motivo,
os indígenas padeciam a fome principalmente a partir de Outubro e Fevereiro, períodos em que
esperavam as novas colheitas. Trabalhavam de sol a sol, apenas com uma enxada e sem
fertilizantes ou alfaias agrícolas, para se livrarem das terríveis torturas que o governo português
dava aos que não conseguiam pagar os impostos ou outras exigências. Todo o indivíduo de sexo
masculino começava a pagar impostos aos dezassete anos. No entanto, convém dizê-lo, por
vezes os jovens nem sequer tinham esses dezassete anos exigidos pela lei. O critério por vezes
utilizado pelas autoridades coloniais, para determinar a idade, era pouco sério, pois aquando do
recenseamento das populações, era corrente deitar um olhar aos sovacos a fim de ver se o
adolescente tinha pelos. Em caso afirmativo, esse adolescente devia, a partir daí, começar a
pagar impostos.
Quem não fosse capaz de pagar o imposto anual era imediatamente enviado para o contrato
forçado nas roças de café ou na pesca, onde tinha de permanecer durante um ano. Cumprido
esse tempo, era usual dar-se ao contratado um bónus em dinheiro, que passava a ser utilizado
para o pagamento dos impostos em dívida. Consequentemente, o contratado chegava em casa
completamente vazia.
As rusgas aos quimbos, durante a noite, eram outra forma utilizada pelas autoridades
portuguesas para apanharem mão-de-obra barata. Os que fossem apanhados eram pela cintura, e
em fila levados para o posto administrativo e dali para os contratos forçados. Não é por mero
acaso que Salazar dizia que “a riqueza de
Angola era o preto no contrato”. Nota 1
Além dos impostos forçados, havia outras www.religionnews.com/index.php?/rnstext/sudan_conflict_arm
ed_machine_gun_preacher/
formas de exploração; em geral, os africanos,
depois da ceia, costumam sair ao luar para Nota 2
dançar ao som do batuque. Para isto era www.fflch.usp.br/dlcv/revistas/crioula/edicao/03/Artigos%20e
%20Ensaios%20-%20Alberto%20de%20Oliveira%20Pinto.pdf
também necessário pagar uma licença,
denominada licença de catita. Quem tivesse
um cão no quimbo, também tinha que pagar uma licença.
Qualquer português podia espancar os indígenas desumanamente, e submetê-los a um jugo de
ferro.
Por isso, poucos africanos chegavam à idade de 70 anos. Eram magros, esfomeados,
esfarrapados, e muitos vestiam ombuengue (roupa feita de muitos remendos) e andavam
descalços.
Em 1918 o governo português enviou uma grande expedição de soldados a uma tribo chamada
Seles para matar a população toda, alegando que tinham comido um português chamado
Cimboto.
Apesar dos indígenas serem desprezados, as suas mulheres eram subtilmente assediadas por
muitos comerciantes brancos, facto esse que explica as cenas caricatas como aquelas em que
vários portugueses chegavam a Angola sós e pobres, arranjam uma mulher para sua lavadeira
que os ajudava a organizar a sua vida e família. Apesar disso, nem mesmo assim eles permitiam
que elas comessem consigo à mesa, embora dormissem na mesma cama.
De modo que, a mulher africana sacrificava-se, ajudando o marido nos seus negócios, sobretudo
os clandestinos, tais como a venda a venda de bebidas alcoólicas, como o kassungueno (feita à
base de farinha de trigo), proibida por leis nas colónias. Assim, em pouco tempo, e graças à sua
companheira negra, que sempre trabalhava ao seu lado, o marido branco enriquecia a partir daí,
ao ponto de já não necessitar da africana, que era expulsa de casa juntamente com os filhos,
também dele, para depois se casar com uma mulher branca. A própria mulher autóctone ficava
abandonada sem casa e sem recursos para sustentar os filhos, mulatos. É de referir que, no
tempo colonial, os mulatos passavam, geralmente, por grandes privações porque as mães não
tinham condições para os sustentar e eram considerados pelo estado português como filhos de
pais desconhecidos.
As estradas de cabinda ao Cunene, foram feitas pelos indígenas sem pagamento e sem comida.
Cada ngamba (pessoa obrigada a trabalhar forçosamente) tinha de levar a sua própria comida de
casa. A abertura destas estradas, em florestas cerradas e com árvores de grande porte, levou
muitas vidas à morte. Cada família mandava um ngamba à estrada, que podia ser um filho, ou o
próprio marido ou a própria mulher, que ficavam lá a trabalhar durante uma semana até ser
rendido por um dos seus familiares. Enquanto os filhos dos portugueses iam à escola, os dos
indígenas transportavam brita para a construção dessas estradas. Todos os que nelas
trabalhavam eram submetidos a grandes torturas. Faziam covas (pedreiras), as quais ainda hoje
existem à beira das estradas, de onde tiravam a brita que era transportada à cabeça, utilizando
olongonjo (casca de árvores), debaixo de chicote e forçados a correr.
Depois das estradas construídas ficavam sob a responsabilidade de cada quimbo, e os pais
tinham de enviar os seus filhos, todas as semanas, fazer a manutenção das mesmas, para tapar
todos os buracos quando os houvesse. Se por acaso um indígena conseguisse comprar uma
bicicleta, para poder circular com ela nas estradas, que ela própria ajudou a construir, tinha de
pagar uma taxa muito alta todos os dias do ano. Caso não pagasse, a bicicleta ser-lhe-ia
apreendida.
Os portugueses evitavam a todo o custo que os indígenas estudassem. Quando eu exercia o
professorado na Missão Evangélica do Bailundo, assisti a cenas tristes, onde muitos dos meus
alunos eram forçados a abandonar a sala de aulas a fim de serem enviados para os trabalhos
forçados.
Em face do exposto, os bailundos deram ao branco o nome pejorativo de ochindele (“o que
castiga sem piedade”). Contudo também nutriam um grande respeito e admiração pelos brancos
devido ao seu desenvolvimento tecnológico e cultural, pelo fabrico de muitos artefactos, como o
vestuário, calçado, utensílios domésticos e outros. A admiração dos bailundos pelos brancos,
manifesta-se, sobretudo, quando viam um motor a funcionar, que o sintetizava na seguinte
canção:
“Ochindele vi kola we / Eyambo liavo kovava / Wyambo liavo we kovava”
(“Os brancos são maravilhosos / A sepultura deles é na água / Sim é na água / A sepultura deles
é na água”).
A MORTE E A ADIVINHAÇÃO
Entre os bailundos, quando morria um homem, antes dos ossos se enrijecerem, faziam-no sentar
num banco, numa esquina da cubata, tal como se ainda estivesse vivo.
Se for uma mulher, o corpo é colocado na cama, precisamente onde costuma dormir, sendo o
marido obrigado a dormir com a morta. Diziam que em vida o marido dormia com ela, na morte
não deverá desprezá-la. Assim, o marido, tal como é habito, dorme na dianteira e a defunta
esposa atrás dele. A separar os dois colocam um pau.
Quando uma pessoa morre não é enterrada de imediato. Tem, inclusivamente, havido casos
bizarros, como aqueles em que o corpo da parceira entra em decomposição ensopando o marido
com a matéria escorrida do cadáver.
No dia em que morre o homem, os aldeãos são obrigados a colocar o milho na água a fim de se
preparar o ossovo para fermentar a afamada bebida chamada ochimbombo, feita da farinha de
milho.
O milho para grelar, pode levar oito dias ou mais. Quando o ossovo estiver pronto, preparam o
ochimbombo, o qual também demora uns quatro dias e é feito em todas as casas. Durante este
tempo todo, o cadáver mantém-se sentado no seu banco numa das esquinas da cubata, repleta de
gente, especialmente mulheres velhas, que lá dormem e passam dias ao seu lado, até que este
seja enterrado.
Ali o cadáver é tratado por um grupo de homens chamado vakuaciosoko. Se cair um olho do
morto ou qualquer outro membro do seu corpo, são eles que os colocam no seu respectivo lugar.
Quando o cadáver começar a largar mau cheiro, as velhas vão à mata em busca de folhas de
uma planta aromática, chamada ondembi, cujas folhas são colocadas nas narinas a fim de não
sentir o odor vindo do cadáver em decomposição.
Fora da cubata, os homens dançam ao som do batuque, matam-se bois, porcos ou outros
animais, passando, por isso, todos os dias do velório do velório a comerem e a beberem.
Quando o ochibombo está pronto, todas as pessoas se juntam em frente da cubata bebendo essa
apreciada bebida e, ao mesmo tempo, dançam e comem. Para eles é uma grande festa em
memória do falecido. Dali, ainda passam dias até o cadáver ficar todo decomposto. Num dia
determinado, os vakuacisoco tomam o cadáver em alto grau de decomposição e embrulham-no
em panos a que dão o nome de asanya. Depois, com uma espécie de tipóia transportam o
cadáver para o campo de adivinhação onde irão pesquisar a causa da morte desta pessoa.
Toda a população do quimbo, sem excepção, é obrigada a assistir à adivinhação; a culpa da
morte desta pessoa recairá sobre os que estiverem ausentes, as quais serão acusadas de
feiticeiros.
Num local preparado para o efeito, os dois homens que transportam o morto mantêm-se em pé
junto do cadáver, onde começa a sessão de adivinhação. Intervém sempre um outro homem com
um balaio de fuba, farinha branca de milho, que começa por perguntar ao morto o seguinte:
Amigo, estamos todos aqui neste local muito tristes pela tua morte. Deixaste um vazio no nosso
meio e muitas saudades, visto que andávamos, passeávamos e comíamos juntos. Pretendemos
agora conhecer os motivos que te retiraram do nosso convívio, acabando por morreres. Agora
faço-te uma pergunta:
Será pela ambição que todos nós temos tido, que te levou a arranjar algum feitiço que depois te
vitimou? Sabemos que muitos se têm enganado, para através de um feitiço enriquecerem
depressa. Se tiver sido por isso, esclarece-nos.
Mal acaba de pronunciar estas palavras, pega num punhado de fuba e atira-a para debaixo da
tipóia onde repousa o cadáver. Os dois homens que a sustêm, se são empurrados para trás, é
porque é uma resposta negativa. O homem do balaio volta a perguntar:
-Será que quem te matou fui eu que te interrogo?
O homem volta a lançar fuba para debaixo da tipóia; se de imediato os homens que carregam o
morto são empurrados para trás, é resposta negativa (acreditam que é a alma que faz empurrar
p'rá frente ou p'rá trás).
O interrogador torna a perguntar:
-Será que a pessoa que te matou é do nosso quimbo? -Se desta vez o impulso é p'rá frente, ele
volta a perguntar:
-Uma vez que confirmas que sim, diz-nos se é homem. -Se o impulso é novamente p'rá frente,
ele agora pergunta pelo nome de quem o matou.
Então vai colocando os nomes das pessoas até o morto confirmar, sempre através dos impulsos.
Então os vakuacisoko colocam a tipóis em cima de dois paus em forquilha, e o interrogador
continua:
-Confirmas que quem te matou foi fulano? Gostaríamos que o voltasses a confirmar para termos
essa certeza.
Volta a lançar a fuba para debaixo da tipóia aos olhos de todos, e se o cadáver se arrastar p'rá
frente, é mais que evidente que o homem indicado é o assassino, o qual é imediatamente preso e
manietado.
Deixam passar mais um dia, e só então, se houver parentes o poderão enterrar.
Para irem ao cemitério, é costume darem muitas voltas com o morto a ponto de só chegarem ao
local ao pôr-do-sol, para desorientar a alma do defunto, que se em alguma noite ele voltar à
aldeia, seguindo os mesmos trilhos, para vingar a sua morte, só lá poder chegar ao nascer do dia,
e nesse caso já não poderá concretizar a vingança.
Caso não haja um parente para o enterrar, arranjam uma casca de um tronco de árvore em forma
de barril, onde o colocam e é depois levado para a floresta, muito longe do povoado, e o
penduram numa árvore.
De regresso ao cemitério, o acusado é submetido a julgamento. Como os feiticeiros nunca
confessam a verdade negando sempre ter feito tal feitiço, o acusado é posto na presença do
ombulungu. Quando desmaiar, dão-lhe uma composição até que vomite o ombulungu. Assim,
tudo se confirma, procurando depois a melhor forma de o fazer exterminar.
Os feiticeiros nunca são mortos à pedrada ou com facas, pois só as almas penadas os podem
exterminar. De um modo geral, existem três formas para matar um feiticeiro: queimados no
fogo, entregues às feras ou animais aquáticos, como jacarés, peixes e cobras, etc.
Mesmo depois da sentença, ainda fazem passar o feiticeiro por mais outra prova: levam-no à
floresta onde juntam muita lenha com a qual a envolvem, sentado num tronco ou no chão
rodeado pela lenha.
Depois pronunciam as palavras sacramentais de obasa, dizendo:
- A vós, que viveis noutro mundo, trouxemo-vos este homem (ou mulher), acusado(a) de
feiticeiro(a) e de ter morto fulano, conforme foi confirmado pelo cadáver aquando da
adivinhação e pelo ombulungu.
Pedimos então a vossa opinião para sabermos se este homem merece ou não morrer. Vamos
colocar esta brasa em cima da lenha para vós soprardes, ateando o fogo, caso ele seja mesmo
culpado.
O homem que profere estas palavras imediatamente toma uma pequena brasa, do tamanho de
uma abelha, e a põe em cima da lenha. De repente aparecem remoinhos de vento de várias
direcções, todas se dirigindo para a lenha com o fim de fazer com que a brasa pegue fogo. Caso
se confirme a acusação, em pouco tempo a fogueira tornar-se-á grande.
Quando o feiticeiro morrer e o seu corpo explodir, todos batem palmas ao mesmo tempo que
dizem:
-Wa paya ongonga wa vinga (“Quem matar uma águia enxotou-a”).
Outra opção é a de levar o feiticeiro junto de um rio, e ao chegarem rapam-lhe todo o cabelo.
Com uma navalha dão-lhe um golpe na cabeça fazendo escorrer sangue para uma folha de
árvore, chamada ombula. Depois pronunciam, como é hábito, o obasa:
-Alma dos falecidos, venham dar provas de que foi este homem quem matou fulano. Se for ele,
quando lançarmos ao rio esta folha ensanguentada que apareçam animais da água para
disputarem esta folha.
Caso contrário, deixai a folha em paz.
Atiram a folha ao rio, e se o(a) indivíduo(a) for de facto feiticeiro(a), aparece de imediato um
grupo de animais das águas, jacarés, cobras e outros, para disputarem aquela folha. Em
consequência, com um pequeno machado dão um golpe na nuca do feiticeiro e o atiram ao rio,
onde é esquartejado pelos animais.
Outras ocasiões, ao feiticeiro, prendem-lhe os pés e braços e o levam para floresta, longe dos
povoados, deixando o pobre feiticeiro numa encruzilhada e citam o obasa:
-Vós que viveis noutro mundo que nós desconhecemos, pedindo ajuda para este feiticeiro (ou
feiticeira), que seja comido pelas feras do mato, caso seja ele o culpado.
Então o feiticeiro(a) fica ali abandonado. Se de facto for ele(a) o(a) culpado(a), na manhã do dia
seguinte só se encontrarão pegadas de algum animal que o(a) tenha comido(a). Assim ficam
todos satisfeitos e então dizem:
-Wa paya ongonga wa vinga (“Quem matou uma águia enxotou-a”).
Estas práticas, hoje em dia, são pouco comuns, embora sejam praticadas em certas regiões,
ainda que um pouco modificadas. As acusações de feitiçarias e mortes por espancamento são
comuns entre os bailundos, sobretudo nos meios rurais.
Ainda hoje se verificam nos velórios as danças aos sons dos batuques, e o quarto onde estiver o
cadáver fica repleto de gente. As pessoas permanecem no velório dias e noites até o mesmo
terminar.
Também se continuam a matar os animais, bois, porcos, galinhas ou outros, para os banquetes, e
também se usam muitas bebidas em memória do falecido, tudo com grandes festas.
OS ÍDOLOS
Os ídolos, em todo o mundo são iguais. São figuras representativas de seres humanos. Têm boca
mas não falam; têm olhos mas não vêm; ouvidos e não ouvem. A diferença é que uns são feitos
de ouro, outros de prata, bronze, ferro, etc.... Mas em África... A REALIDADE É OUTRA!!!
Os ídolos dos bailundos são feitos de madeira e não têm um ídolo superior, como a Diana dos
Efésios conforme é citado nas Escrituras. Entre os bailundos os ídolos são propriedade privada a
que eles dão o nome de iteka e fazem parte das feitiçarias. Todo aquele que possuir os iteka é
considerado feiticeiro.
Os ídolos dos outros povos, como os europeus, são muitas vezes considerados como deuses, e
são venerados, adorados, ao contrário dos ídolos dos bailundos. Entre estes há uma série de
ídolos que são mantidos em grande segredo, e entre eles destacam-se os seguintes:
Kalupokopoko, Samemba, Kandundo, Mechamecha, etc. Kalupokopoko é o ídolo da vingança e
mata sem piedade. Poucos feiticeiros o têm.
Quando eu era criança, com seis ou sete anos de idade, a mulher de um servente do meu pai,
chamado Serrote, tinha sido violada por alguém. Num domingo, depois desse Serrote ter varrido
a loja, foi ter com um feiticeiro que vivia do outro lado do rio, e pediu-me que o acompanhasse.
Quando chegamos à cubata do feiticeiro, Serrote disse-lhe algumas palavras que eu não entendia
por ser criança. Depois o feiticeiro entrou na sua casa e trouxe de lá um boneco com forma
humana, dizendo que se de facto o homem acusado violou a sua mulher, cometera um ignóbil
acto, o ídolo não pouparia a sua vida e o mataria sem piedade. Depois de ter pronunciado
aquelas palavras, o boneco, ou seja Kalupokopoko, saiu dali como se fosse um raio, dirigindo-se
para o acusado. Mas antes que ele partisse, o feiticeiro prendeu uma galinha num dos cantos da
casa para que, no caso do acusado ser inocente, aquele boneco em vez de ir contra o feiticeiro
fosse contra a galinha. Depois de algum tempo passado, como o Kalupokopoko não voltava, era
o sinal evidente de que o acusado era culpado.
Mais tarde o feiticeiro instruiu o Serrote no sentido de ir ao velório do criminoso, queixando-se
de que via homens do tamanho de formigas, que o afligiam com agulhas, alfinetes e faquinhas.
O mais curioso é que só o doente os via. Tais seres têm o nome de Inganji.
Samemba, é o ídolo aceitável entre os bailundos; é o deus da caça e da carne. Este ídolo estava
sempre presente nas embalas. Quando alguém vai ao soba queixar-se contra outrem, tanto o
queixoso quanto o acusado são obrigados a entregar um porco ao soba. Os dois animais são
mortos, a sua carne dividida pelas pessoas, e o seu sangue é utilizado para untar a boca dessa
escultura.
A ideia prevalecente é a de que quando Samemba tiver sangue na boca, fará com que haja mais
queixas, e por consequência mais carne na Embala.
Na minha meninice, com doze anos de idade, fui uma vez à floresta com o filho do nosso
cozinheiro, e montamos mais de quarenta armadilhas para apanhar ratos. No dia seguinte,
quando lá voltamos, surpresos vimos que nenhum rato tinha caído nas armadilhas, e isto
prolongou-se durante vários dias.
Foi então que o meu pai do meu amigo nos aconselhou a fazer uma Samemba. Arranjamos um
pedaço de madeira e esculpimos um boneco na forma da samemba. Espetamos um pauzinho no
ânus do boneco, e espetamos a outra extremidade na terra; depois fizemos com que o boneco
ficasse virado de frente para a floresta onde tínhamos montado as armadilhas. No dia seguinte
voltamos ao mesmo local mas encontramos apenas um rato. Depois de o termos esfolado,
pusemos um pouco do seu sangue na boca do boneco Samemba. Na manhã seguinte
encontramos mais de vinte ratos nas armadilhas, e assim continuou nos dias seguintes. Todos os
dias apanhávamos dezenas de ratos, ao ponto de não os conseguirmos comer todos, pelo que
depois os trocamos por milho. Três ratos correspondiam a um prato cheio de milho, graças ao
boneco Samemba.
Em relação aos outros ídolos da quarta dimensão maligna desconheço as suas histórias, estórias
e legendas. Deixo isso ao vosso cuidado.
OS REMOINHOS DE VENTO
Na visão dos bailundos, quando as pessoas de bom coração morrem, vão para Suku que é D-us.
Uma das primeiras coisas que dele recebem, são os meios de transporte chamados Ochipepe,
que são os remoinhos de vento. Os remoinhos, de acordo com qualquer dicionário, são a massa
de água ou de ar em movimento espiral. Mas na mitologia dos bailundos é uma alma penada
que viaja nesse meio de transporte que foi concedido por D-us. Só resta saber se é o mesmo
remoinho que levanta do chão as folhas secas, os papéis, que abana as árvores, que tira o capim
das cubatas, etc.
Diz-se entre os bailundos, que os que vão para kalunga voltam à terra através dos remoinhos a
fim de visitarem os seus familiares, ou para fazerem vingança no caso de serem almas de
pessoas mortas por feiticeiros.
Também é usual ouvir-se dizer que fulano hoje foi chicoteado por um ochipepe. Contudo, este é
susceptível de mudar de comportamento, e irrita-se se alguém cantar a seguinte canção:
Uma das possíveis explicações para a irritação do ochipepe, tem a ver com o facto de em vida e
no auge da sua doença, a alma penada ter sido alvo de zombaria, e ter estado numa esteira ao
lado da fogueira.
Lembro-me de um dia, em pequeno, termos ido pescar com o filho do nosso cozinheiro.
Estávamos na estação seca e as matas estavam todas queimadas, as campinas apresentavam uma
cor escura devido às queimadas, e as árvores tinham as folhas secas por causa do fogo. Era o
tempo dos remoinhos andarem de um lado para, pois esse fenómeno é muito raro e inexistente
no tempo das chuvas.
Enquanto pescávamos vimos um remoinho passar distante de nós. Entretanto o meu amigo
começou a cantar a canção antes referida, zombando da alma que ia naquele ochipepe. De
súbito fomos envolvidos pelo mesmo ochipepe, que pegou o meu amigo e o atirou para o lugar
mais fundo do riacho, que para a sua infelicidade, a faca que trazia na mão se lhe espetou na
boca. Como se não bastasse, o mesmo remoinho continuou irritado e começou a abanar
fortemente as árvores que estavam no seu caminho, levando muitas folhas secas para o ar e
produzindo muita poeira.
Num quimbo havia um professor ambulante chamado Afonso, que numa ocasião fora pelo
catequista desse quimbo para que devolvesse o dinheiro das propinas que havia cobrado aos
alunos. Ao chegar à casa do catequista e na sua presença, pôs-se a contar o dinheiro colocando-o
no chão. Às duas por três começaram a discutir, meios zangados, pois o docente dizia que o
dinheiro era insuficiente e que não chegava para nada, e foi nesse momento que surgiu um
remoinho de vento que arrebatou o dinheiro para o ar e o fez desaparecer para sempre.
Havia um homem que tinha por hábito violar a mulher de um outro. Por várias vezes tinha sido
apanhado e julgado na embala, onde pagava elevadas multas. Tempos depois o marido daquela
mulher faleceu. Quando o violador soube do acontecido, resolveu ir aos pais da viúva que
consentissem o seu relacionamento com ela. Desta forma convidou os seus familiares a o
acompanharem à casa dos pais da viúva. Pelo caminho passaram perto do cemitério onde estava
sepultado o falecido marido dessa mulher. O homem desviou-se, aproximou-se do túmulo do
seu rival e disse:
- Tu que estás dentro desta sepultura, fica a saber que a mulher pela qual me obrigavas a pagar
multas na presença do soba, vai agora ser minha. Estou a caminho da casa dos seus pais para a
pedir em casamento. Se és homem, levanta-te daí e repete o que fazias contra mim.
Quando se retirou do cemitério, apenas percorreu uma pequena distância, e viu que alguém
ateava fogo na floresta onde ele e os familiares passavam. Subitamente, o fogo foi tomado por
um grande remoinho de nome Kanyongo. O homem viu fagulhas de fogo passarem-lhe por
cima, e cercado pelas chamas viu-se impotente e sem uma brecha por onde escapar. Como se
estava na estação seca, o capim ardeu rapidamente, e em pouco tempo o Kanyongo atingiu o
homenzinho que morreu com a boca aberta.
Em 1947, quando terminei o curso no instituto da Igreja Evangélica Congregacional1, fui à
Missão Evangélica do Bailundo, onde soube de um pastor de nome António Chico, colocado no
Centro Evangélico de Zoar-Panda, o qual era perseguido pelos seus próprios discípulos. Porém,
também se soube que quem liderava esta perseguição eram os diáconos, Israel e Tito, com mais
o organista do centro, de nome Paulino Chinjambela. Durante as conferências anuais da igreja,
estes três homens apresentavam depoimentos hostis contra o clérigo que, ao fim e ao cabo, não
passavam de calúnias.
Apesar disso, o ministro saia-se sempre impune, pois sempre tinha razão.
Como a Igreja não tinha motivos para condenar o oficial eclesiástico perante as falsas
acusações, como por exemplo a do seu gado ter estragado as sementeiras, os denunciantes por
recorrer à feitiçaria. A primeira vez mandaram-lhe uma praga de animais ferozes que dizimaram
mais de metade da criação, e depois mandaram um cazumbi dentro de um remoinho de vento.
Na altura a esposa do pastor estava doente encontrando-se na cama no seu quarto, e foi nesse
preciso momento que o grande remoinho, Kanyongo, invandiu o quarto pondo a senhora
descoberto, levando os cobertores até ao teto, prendendo-os numa asna. Depois ouviu-se um
grande estrondo como quase o dum canhão.
Este acontecimento assustou o reverendo que resolveu mudar o Centro para outro local. Foi
então para um outro quimbo chamado Cheta. Falou com os habitantes que apoiavam a sua
iniciativa, e assim arranjou uma cubata com quartos grandes, um dos quais servia para ser a casa
dos cultos.
O pastor transportou tudo o que tinha para o novo centro, à excepção dos porcos. Quando
concluiu que o novo lugar reunia as condições mínimas, mandou lavar os cobertores, e durante a
tarde desse dia, conseguindo uma carroça decidiu ir em busca dos porcos. Depois dos cobertores
serem lavados, foram estendidos perto de uma árvore frondosa conhecida por Omanda. Quando
faltava pouco tempo para a partida de volta ao centro, o remoinho que havia atirado os
cobertores da cama da sua esposa voltou novamente; tomou os cobertores e enrolou-os nos
ramos mais altos da árvore, e tal como tinha acontecido da primeira vez, ouviu-se de novo um
grande estrondo. Depois de retirarem os cobertores da Omanda com a ajuda duma escada,
iniciaram a viagem de regresso na carroça. Chegaram a Zoar-Panda quase ao anoitecer.
Dormiram um pouco, e no dia seguinte, muito cedo, retomaram a viagem que os levaria ao novo
centro. Depois de calcorrearem uma certa distância, os porcos foram morrendo, sucumbindo o
último animal ainda nem tinham percorrido o último quilómetro.
Como não era muito aconselhável viajar com porcos para o Centro, o ministro amaldiçoado
decidiu passar ali o dia todo de forma a extrair a gordura dos animais e vender a sua carne,
evitando assim ter muito prejuízo.
Por volta das dezassete horas, o organista paulino Chinjambela, que pareceu arrependido aos
olhos do pastor, que tinha seguido o pastor no seu novo múnus pastoral, tocou o sino para o
culto vespertino, mas o pastor não pôde assistir e oficiar ao serviço divino devido a estar
ocupado na venda da carne dos porcos. Quando o culto terminou já era noite. O organista, então,
viu que à volta do edifício do templo congregacional existia muito capim alto e seco, de modos
que resolveu queimá-lo. Toda a congregação e os demais convidados ajudaram nessa limpeza.
Ora no meio do capim havia muitos gafanhotos, e os rapazitos começaram a apanha-los para os
comerem. O filho mais novo do reverendo também fazia parte do grupo, apanhando os insectos.
De repente surge novamente o remoinho de vento, pela terceira vez, e que acaba por envolver o
benjamim do pastor. O fogo da queimada era tanto que fez pasmar os presentes, os quais se
puseram aos gritos: “Peya Kanyongo, peya Kanyongo! (Foi para lá um Kanyongo, foi para lá
um kanyongo!)
O moço tentou fugir do fogo que o cercara, mas a tentativa foi vã, e depois de o fogo o ter
calcinado, ouviu-se, tal como das vezes anteriores, um grande estrondo como o de um canhão.
A criança estava tão desfigurada que quando as pessoas se aproximaram dela estava
irreconhecível.
Entretanto o nosso ministro congregacional, após ter realizado o seu labor urgente, esperava
pelo seu rebento, já na casa pastoral. A dado momento soube que tinha morrido um menino, e
imediatamente dirigiu-se ao local, e ao reparar na cicatriz que a criança tinha no braço quase
intacto, logo reconheceu que era o seu filho. Levou-o então para o sepultar. Apesar da angústia
em que o clérigo vivia, os seus adversários, sabendo do sucedido, não se deram ainda por
vencidos, e foram à Missão acusando-o de ter consultado um feiticeiro a quem levara uma
porção de terra do local onde o filho morrera, a fim de saber quem era o responsável pela sua
morte Estas acusações foram aceites na missão, e como consequência o anjo da congregação foi
impedido de exercer as suas funções ministeriais ad aeternum.
O sistema religioso dos bailundos, antes do contacto com a religião cristã, cingia-se a súplicas
que faziam a D-us por intermédio dos seus parentes já falecidos. Cada família tinha um pequeno
templo, numa cubata circular com mais ou menos metro e meio de diâmetro. Nessa cubata, que
em umbundu se designa por Etambo, o chefe da família apresentava-se, reverentemente, todas
as manhãs com o propósito de falar com os seus bisavós, avós, pais e tios já falecidos. A
intenção era sempre a mesma.
Pedir-lhes que intercedessem por eles perante D-us, pois os bailundos acreditavam que todos os
que em vida tivessem praticados boas acções, quando morressem iriam habitar junto de D-us no
KALUNGA.
Aqueles que em vida se tivessem portado mal, não eram venerados no Etambo, uma vez que os
bailundos criam que, pelos seus actos, haviam sido lançados no ONJEMBO, o inferno. Os
Etambos eram tratados e limpos constantemente; engalanavam-nos com pratos de porcelana,
cobertores novos, e vasos que compravam em benguela aos brancos em troca de borracha.
O chefe de família ia ao Etambo todas as manhãs, e as suas primeiras palavras eram as
seguintes:
“Nunca fiz mal a ninguém; considero o filho do meu vizinho como meu; trato com amor e
carinho os animais do meu vizinho...”, e assim por diante. Referia-se a todos os actos que
mostravam a sua solidariedade com os outros bem como a sua rectidão. Depois disto, pedia aos
parentes já falecidos para lhes concederem saúde e outras coisas mais que necessitassem.
Mesmo para aquelas situações em que um dos familiares pretendia viajar, o chefe da família ia
ao etembo pedir que a viagem corresse bem; se houvesse um doente também suplicavam pelo
seu restabelecimento.
KALITANGUI
Segundo uma profecia, haveria de nascer uma uma pessoa que se desembaraçaria de D-us,
chamado Kalitangui (significa envolver-se, desdobrar-se). De modo que todas as raparigas
bailundas desejariam ter esse filho. Até que um dia uma rapariga ficou grávida sem que se
soubesse quem era o progenitor, e esta gravidez durou cinco anos. Ao dar à luz, primeiro veio
ao mundo o Akuenje velombe (exército); depois o Eyemba (palácio real), e depois nasceram
bois, cabras e galinhas, para no fim ver ao mundo o Kalitangui, que fazia milagres tais como os
que fizera Jesus.
De acordo com a tradição dos bailundos, existira em tempos remoto um personagem de nome
Kalitangui que fazia grandes milagres, cujo nome completo Kalitangui wa li tangle la Suku.
Curava doentes, expulsava demónios, exortava os indivíduos de raça negra no sentido de
obterem o perdão de D-us, por lhe terem desobedecido aquando da saída das caldeiras. Para
mim tratava-se de uma lenda, mas para os bailundos foi um acontecimento real.
Eis, pois, um exemplo de um dos seus milagres:
Num certo quimbo havia uma família que vivia em grandes dificuldades; o que colhiam nas
suas lavras (terras de cultivo) mal chegava para o seu sustento. Por isso, trabalhavam nas lavras
dos outros a fim de obterem algum milho.
Aconteceu que um dia, apareceu naquele quimbo um indivíduo enfezado, cheio de bitacaias
(pulgas que penetram nos dedos e das mãos, onde se transformam em bolinhas do tamanho de
ervilhas, produzindo ovos que se lançam fora um a um) e piolhos, sujo, mal arranjado e
desprezado por toda a gente. Chegou ao quimbo completamente molhado pela chuva que havia
caído torrencialmente naquele dia, e tiritando de frio. Bateu a várias portas pedindo agasalho e
abrigo, mas ninguém o assistiu nem agasalhou devido às bitacaias que tinha.
Ao anoitecer chegou na casa a que nos referimos anteriormente, cujos moradores acabavam de
chegar do trabalho. Pediu para se hospedar (por caridade) e que foi aceito com muito agrado.
Deixaram-no entrar na cubata, e como estava com muito frio, acenderam o lume para que o
indigente se aquecesse, deram-lhe uma manta para se cobrir pois estava quase nu, mataram uma
galinha para lhe dar de jantar, tomaram do milho que haviam ganho nesse dia e o reduziram a
farinha no almofariz para fazer pirão, para que o estranho comesse com carne de galinha.
Como aquele “hóspede” estava muito cansado, conduzira-no à tulha onde lhe estenderam uma
esteira para o deitar, deram-lhe o melhor cobertor para que se cobrir, e assim adormeceu
profundamente.
No dia seguinte, de manhãzinha, fizeram-lhe uma outra refeição, novamente com pirão e carne
da galinha. Depois dele se ter alimentado, resolveu continuar a sua viagem. Esta família
acompanhou-o até a uma certa distância onde se despediram dele, dizendo-lhe que se voltasse a
aparecer naquela aldeia, não hesitasse em os procurar pois seria sempre bem acolhido.
Momentos depois o estranho desaparecia da vista deles.
De regresso a casa prepararam alguma coisa para comer, pois iam ter de procurar trabalho para
aquele dia, e por isso necessitavam de recuperar as forças físicas.
Depois da refeição estar pronta, a mãe pediu a um dos filhos que fosse à tulha buscar os pratos
que o hóspede havia utilizado. O moço quando lá chegou, tentou abrir a porta mas não o
conseguiu. Foi então dizer ao pai que a porta não abria, e o pai estranhando dirigiu-se lá, e só
depois de muito esforço dispendido, inutilmente, verificou que a tulha estava cheio de milho até
ao teto, e como se não bastasse, o montão de milho não parava de aumentar.
Toda a gente do quimbo foi ver, admirados por aquele milagre, e diziam que aquele
acontecimento só podia vir do Kaltangui wa li litangele la Suku, o homem que se desembaraça
de D-us, que se disfarçou de mendigo, ou seja, um ser desprezível aos olhos de todos.
A partir daquele dia, aquela família que havia recebido em casa o Kalitangui, alcançou tudo o
que desejava, e nunca mais voltou a trabalhar nas lavras dos outros, pelo contrário, muitos
vinham pedirlhes trabalho a eles. As suas lavras produziram abundantemente, e em pouco
tempo tornaram-se os mais ricos daquela terra, só pelo facto de terem hospedado o Kalitangui
em casa.
Lomue o N‟Denda la
Lomue o N‟Denda la
Ndimola onganga we.
Lomue N‟Denda la yele
Citeketeke omele opito ya sika
Lomue o N‟Denda la
Citeketeke omele opitoya sika
Lomue o N‟Denda la
TRADUÇÃO:
Ninguém me rende
Ninguém me rende
Sou filho de um feiticeiro
Ninguém me rende.
Logo pela manhã cedo o apito toca
Ninguém me rende
Logo pela manhã cedo o apito toca
Ninguém me rende
Esta canção tem uma linda melodia e cantavam-na à medida que iam trabalhando. Ao meio-dia
o apito tocava outra vez e largavam o trabalho, indo preparar a comida que levavam das suas
casas.
Às 14 horas voltavam ao trabalho e só o largavam quando começasse a cair a noite. Depois de
jantarem, eram enclausurados nas prisões com as portas fechadas por fora. As prisões não
tinham casas de banho, tendo as pessoas de fazer as suas necessidades nas suas próprias panelas.
Entretanto a Igreja Evangélica começou novamente a desenvolver-se. Em 1930 realizou o seu
primeiro Jubileu que teve grande sucesso. Participaram nele mais de 30 mil pessoas, e se
prolongou durante uma semana.
Em 1929, um ano antes do Jubileu, fora ordenado o primeiro pastor nativo chamado Abraão
Ngulu.
Infelizmente este pastor (“vaso de desonra”, não predestinado positivo em potencial, i.e., pelo
menos para ser um “vaso de honra leal a Ela-Ele/Ele-Ela [D-us]“), para obter mais poder no seu
ministério, arranjou um feiticeiro (sincretismo religioso) para administrar todos os
departamentos do seu pastorado. Intentaram manter isto no segredo mas o caso foi descoberto e
ele foi expulso da Missão.
Anos mais tarde foi recolocado no Ministério graças a um missionário chamado Hastings (um
“gesto” arriscado, mas estratégico).
Como o governo português tinha interditado a abertura de mais Missões Evangélicas, Hastings
fundou muitos centros de evangelização, e em cada centro colocou um pastor nativo. Nestes
centros fazia-se todo o trabalho das Missões, o que evitava que os seus membros percorressem
grandes distâncias, e assim se deslocavam para esses centros a fim de tratarem de quaisquer
assuntos da sua conveniência, quer de casamentos, baptismos ou outros.
Os missionários eram muito estimados pelas populações, e quando faziam as suas visitas
pastorais, o povo, além de lhes preparar a melhor comida, construia um ochingala, espécie de
barracão feito de capim e folhas de bananeira.
No dia em que os missionários chegavam a um quimbo, ninguém trabalhava nas lavras. Logo
que eles se aproximassem da aldeia, um homem postava-se um pouco antes, na estrada, à sua
espera, e logo que os visse aproximar, lançava uns sons de enguena, que é um chifre de boi, e
toda a população corria para o barracão, cantando hinos religiosos.
Em 1951, numa manhã cedo, um padre português chamado Mendes, juntamente com um grupo
dos seus fiéis, carregavam uma quantidade de madeira e foram para uma “aldeia evangélica”
chamada Kandandi, e aí começaram a construir uma capela católica em frente da capela daquela
aldeia. No momento a população estava reunida no seu culto da manhã. O catequista
evangélico, chamado Vitorino, foi inquirir junto do padre dizendo que não era correcto eles
construírem católica mesmo em frente da capela protestante, o que era considerado como
usurpação e uma provocação. O padre irritou-se e espancou brutalmente o catequista Vitorino.
A população da aldeia ao ver o padre na sua agressão ao Vitorino, reagiu batendo também no
padre, chegando mesmo a feri-lo com gravidade. O padre saiu dali sangrando na cabeça e foi
apresentar a questão no tribunal. Este acontecimento causou uma grande preocupação aos
missionários evangélicos, americanos e canadianos, que logo tiveram que meter um advogado
na sua defesa.
No dia do julgamento, todos os missionários estavam presentes. Antes da sentença, levantou-se
o delegado do Ministério Público e disse de sua justiça:
-Angola é uma terra portuguesa e a religião dos portugueses é a católica, e todos nós somos
católicos.
Não é lícito quando os nossos missionários vão evangelizar e serem agredidos e feridos.
Responda-me a esta questão, senhor doutor juiz!
Entretanto levantou-se o advogado de defesa e ordenou que Vitorino se levantasse. Perguntou-
lhe qual a sua idade, naturalidade, nome dos pais, habilitações literárias, etc., que tomava nota
num papel.
Depois perguntou-lhe o ano em que a aldeia fora fundada, e ele respondeu que em 1911. O
advogado depois disse:
-De facto Angola é uma terra portuguesa e a religião dos portugueses é a católica. Mas o
governo português não a impõe a ninguém visto que aqui a religião é livre. Cada um pode
seguir a religião que entender ou não seguir religião nenhuma. Então, por sermos católicos,
temos o direito de usurparmos uma propriedade alheia que os seus donos já possuem há
quarenta anos? E só este ano, 1951, é que o padre se lembrou de construir ali uma capela
católica para persuadir os protestantes a se converter ao catolicismo? Isto não é tirania?
Quando este advogado terminou a sua intervenção ouve um pequeno silêncio; depois saíram
todos os responsáveis judiciais para deliberar, e algum tempo depois voltaram a aparecer com
um documento escrito que foi lido à frente de todos, dizendo que o nosso catequista reformador,
de nome Vitorino, fora absolvido.
NASCIMENTO DE CRIANÇAS
Quando nasce uma criança, todo o quimbo dirige-se ao casal para os felicitar, gritando em coro:
- Ulú! Ulú! Ulú! Ulú!… – São interjeições que exprimem muita alegria.
Se num lar nascerem gémeos, toda a população do quimbo vai ter com os pais e os insultam,
citando os orgãos reprodutores de onde saíram esses gémeos, tanto do pai como da mãe. Se não
se proceder assim, diz a Tradição, os gémeos não crescerão e depressa morrerão.
O pai dos gémeos chama-se Sonjamba e a mãe Nonjamba. Nas suas conversas do dia a dia têm
que se insultar mutuamente, referindo-se sempre aos orgãos sexuais, caso contrário os gémeos
morrerão.
Se nasce um bebé albino, a mãe coloca-o às costas e, propositadamente amarra o pano com
desleixo, e dirige-se a um rio que tenha ponte de dois ou três paus; no meio do rio e com os seus
movimentos, o pano desprende-se, e a criança cai ao rio. A mãe corre para uma das margens
chorando aos gritos: – Ai, ai, o meu filho!
À primeira vista dá a impressão de ter sido um acidente. Então ela dirige-se ao quimbo onde se
realiza o funeral. Também se diz que este procedimento, para além de evitar que nasça mais
algum albino nesta família, fará com que a alma da criança não volte para clamar vingança, uma
vez que também se convenceu de que, de facto, acontecera um acidente.
Quando nasce uma criança, os sogros dão ao genro um porco designado por ongulu
yokoviongo, isto é, a região lombar do pai. Pois pensavam que era dali que saem os filhos.
A VIUVEZ
Se um dos cônjuges morrer o outro fica ochimbumba, isto é, viúvo ou viúva.
Se morrer o marido, a esposa, durante os dias que se seguem à morte do marido, fica sentada
numa esteira durante dez dias, chorando por ele. Durante o tempo em que ela fica sentada, é
sempre escolhido alguém para tratar dessa pessoa, acompanhá-la onde quiser ir, especialmente
quanto às suas necessidades fisiológicas. Dez dias depois, é levada ao rio para ser lavada. De
novo em casa, é submetida à adivinhação para se saber se durante o tempo em que esteve com o
seu cônjuge teve relações extra conjugais. Para o efeito, têm uma grande quinda que enchem
com água, onde lançam umas raízes mágicas, ao mesmo tempo que o responsável pelo acto diz:
- Se esta mulher, no estado de ochikuwiya, durante o tempo de casamento teve alguma vez
relações extra conjugais com alguém, então, raízes ide para o fundo da água que está na quinda.
Caso tal tenha acontecido, essa pessoa é obrigada a pagar uma multa pesada aos parentes do
falecido, a fim de que a alma do outro não a persiga, Se as raízes flutuarem é sinal de que a
pessoa está isenta deste pecado.
Depois da adivinhação, a pessoa deixa de ser kapulungu, passando a ser ochimbumba, pois
passou ao estado de viuvez.
Se houver filhos do casal, a viúva poderá ficar a residir na sua casa, mas se voltar a casar tem de
abandonar tudo, casa e filhos. No caso de não haver filhos, logo após a adivinhação tem de ir
viver na casa de seus pais, se ainda estiverem vivos ou para casa de outros parentes.
Os viúvos, quer homens quer mulheres, são obrigados a esperar um ano para que possam casar
novamente, ou a terem relações sexuais com mais alguém, com o fim de evitar que a alma do
defunto/a o/a não persiga. Passado o ano, é realizado o ochissunji, que pela influência do
cristianismo passou a chamar-se oku lula oluto, que significa deixar o luto. É uma cerimónia
que é praticamente uma festa em que se matam animais para banquetes, dança-se o batuque,
bebe-se muito ochimbombo, ou seja, repetem-se os actos festivos dos dias do falecimento.
Apenas quando o ochissunji terminar, então o viúvo/a poderão ter permissão para casar, ou ter
relações com outra pessoa do sexo oposto, sem que a alma do falecido/a lhe faça qualquer mal.
Quando na era colonial trabalhei na administração do Concelho do Mungo como recenseador,
uma vez realizava essan tarefa no sobado do Kaiumbuka. A meio do livro do recenseamento
chamei por um indivíduo, e o soba disse-me que ele se ausentara por ter sido castrado por um
cazumbi, o que despertou o meu interesse:
- Foi castrado por um cazumbi? – Perguntei eu. Será verdade? – Os presentes disseram em
uníssono que fora de facto isso que se tinha passado. Pedi-lhes que me explicassem bem as
coisas. O soba disse-me que este homem fora muito atrevido, pois passara a noite com uma
viúva que ainda não tinha terminado o luto. Foi por isso que o cazumbi do falecido o castrou.
Não cheguei a confirmar isto, mas a convicção com que me afirmarem estas coisas me marcou
profundamente.
A FEITIÇARIA
A história da feitiçaria em África é muito antiga. Muitos há que muito dizem que a feitiçaria não
existe, inclusivamente, os próprios feiticeiros negam a sua existência, no entanto dizem-no para
que não sejam descobertos. Se o feitiço não existisse não se falaria muito dele, dentro de
qualquer comunidade. Os feiticeiros mantêm os seus conhecimentos sobre o feitiço em sigilo. O
titular de feitiçaria faz prodígios; pode transformar-se em leão, voar como uma ave, pode
ordenar a uma alma para matar uma pessoa que esteja distante, visto os feiticeiros lidarem com
as almas penadas.
O feitiço dos brancos deve ser outro. O do africano visa essencialmente eliminar os outros, para
que o feiticeiro fique de posse da alma do defunto, o qual ficará a trabalhar para ele, enquanto o
dos brancos visa, sobretudo, para um enriquecimento fácil.
Conta-se que no Bailundo, exemplo – Vila Teixeira da Silva, durante o tempo colonial, um
comerciante português, que conheci pessoalmente e respondia por o nome de Neto, quis
enriquecer-se em pouco tempo e, para o efeito, recorreu à feitiçaria dos africanos, querendo
matar uma certa pessoa e trabalhar com a sua alma. Graças àquele feitiço, em pouco tempo,
tornou-se rico. Infelizmente não sabia que aquela [alma], quando se cansasse tinha de ser
substituída por uma outra. Para isso é necessário fazer uma grande festa em memória da alma a
substituir, ter de matar de matar outra pessoa. O português não sabia disto e foi violentamente
perseguido. Não suportando a perseguição, resolveu fugir para Portugal. Ficou por lá apenas
dois dias, e pelo que se constava, a referida alma foi até Portugal em busca dele, onde o matou.
Era um acontecimento que andava na boca de muita gente.
Muitas pessoas desta região recorrem ao feitiço para obterem sucesso em tudo o que realizam,
tal como no emprego, na conquista das mulheres e mesmo na caça, pois as almas do outro
mundo fazem com que a caça se aproxime do caçador.
Conta-se que havia dois amigos muito íntimos, que por serem solteiros viviam na mesma
cubata. Um era tocador de ochissangi (instrumento musical de cordas) e o outro era dançarino.
Um tocava e o outro dançava. Um dia o dançarino sonhou que um sekulu (velho) feiticeiro do
quimbo queria matá-lo, para depois ser transformado em okovo (alma do outro mundo que serve
de escrava para roubar milho dos campos e o levar para o celeiro do feiticeiro). Teve o mesmo
sonho várias vezes, e quando isto acontece é o sinal mais que evidente de que a intenção do
feiticeiro será posta em prática. [A pessoa enfeitiçada sabe pelo sonho que será morta por
alguém. Já assisti a varios julgamentos deste tipo, onde alguém acusa uma pessoa que sonhou
em querer matá-la.]
De modo que o dançarino combinou com o tocador que quatro dias depois do seu enterro fosse
com o seu canhangulo ao cemitério emboscar o feiticeiro, junto de uma árvore que ficava perto
da sua sepultura.
Quatro dias depois do enterro, então o tocador de ochissanji tomou o seu canhangulo, e no
cemitério subiu à dita árvore esperando o feiticeiro. Pela meia-noite viu ao longe o cintilar de
um tição a arder; era o feiticeiro que se aproximava. Quando este chegou junto da sepultura do
dançarino, acendeu uma fogueira, pôs sobre ela uma panelinha de barro cheio de vários
ingredientes que compunham o respectivo feitiço. Quando a água começou a ferver, tirou-a do
fogo e deixou que arrefecesse. Em seguida pegou num bastão mágico com o qual bateu em cima
da sepultura, e num instante o cadáver veio à superfície. Depois o feiticeiro examinou a
temperatura dos ingredientes da panela, esperou mais uns momentos, tomando um trapo,
também mágico, molhou-o na composição e aplicou-o como compressa no corpo do cadáver
para o “ressuscitar” (reanimar).
Finalmente, o feiticeiro proveu-se de uma armadilha, mandando que o morto-vivo fosse até a
uma certa distância, ordenando-lhe depois que se aproximasse dele a correr. A intenção do
feiticeiro era fazê-lo cair na armadilha montada, torcer-lhe o pescoço, de modo que a cara
ficasse voltada para as costas, transformando-o então em Ekovo.
No momento em que o dançarino obedecia às ordens do feiticeiro, correndo em direcção à tal
armadilha, ouviu-se um disparo de canhangulo, cuja bala atingiu em cheio o feiticeiro, que sem
conseguir o seu intento caiu morto. E assim o dançarino ficou são e salvo, e os dois regressaram
ao seu quimbo, continuando com as suas actividades artísticas.
Aconteceu porém, que as pessoas que tinham participado no funeral do dançarino quando o
ouviram cantar, ficaram aqdmirados com a sua presença, e sabendo do acontecido louvaram a
coragem do tocador ochissanji.
Em 1971, na Missão Evangélica do Bailundo, tinha ocorrido um caso semelhante. O pastor,
chamado Jaime, adoecera, acabando mesmo por morrer. O seu funeral fora muito concorrido.
Lembro-me que ele fora enterrado, levando sobre o peito uma linda coroa de flores feito pela
minha esposa.
Ora quatro dias depois estas flores foram encontradas à superfície da campa com a sepultura
semiaberta, o que mostrava, sem sombra de dúvidas, que o cadáver tinha sido desenterrado. O
caso fora entregue às autoridades policiais da altura, sem nada ter sido apurado. Estes casos têm
acontecido várias vezes.
Do que se sabe, cada feiticeiro utiliza sempre um bastão, que ao batê-lo em cima da sepultura
faz com que o cadáver suba à superfície, tirando-lhe o coração, o fígado e outros orgãos,
munido de uma faca.
Depois disto volta a deitar o cadáver sobre a campa, e com a mesma magia ordena que o morto
volte para o fundo da cova.
Os orgãos que o feiticeiro retira do cadáver (terá sido potencialmente animado por uma
Potestade/Demónio, visto ser um “vaso de desonra”.
Ser feiticeiro é hereditário; transmite-se de geração em geração. Assim, quando nasce uma
criança fazem-na engolir um feitiço (os elementos usados para tal) que faz com que ela fique
feiticeira por natureza (testemunho literal de predestinação supralapsariana). Outros ingredientes
são reduzidos a pó e misturados nas papas, conhecidos por ekela (papas que dão aos bebés); daí
o dito: “Wa ci lila vekela”, “Comeu o feitiço junto com as papas”. Toda a criança que tenha
ingerido feitiço, quando for adulta torna-se num grande feiticeiro, podendo, inclusivamente,
enfeitiçar através da voz.
Tudo o que o feiticeiro disser se realizará: querendo matar alguém, basta-lhe dizer que essa
pessoa morra; pode fazer com que não chova2; mandar um raio para matar alguém, quer na
estação chuvosa como na seca. Geralmente, o feiticeiro, para além de reforçar o feitiço com
restos de cadáveres, também o reforça com raízes de plantas.
Conheci em tempos uma moça bonita que, em criança, tinha engolido feitiço. Havia um moço
que quis casar-se com ela, e para isso exigiu tomasse uma certa composição de efeito contrário,
apenas conhecida por feiticeiros, e assim vomitar o feitiço que engolira, deixando dessa forma
de ser feiticeira.
Em 1984 houve no Bailundo vários grupos de jovens que eram conhecidos por olosinguile. Era
corrente vê-los dançar o batuque, e quando o faziam reviravam os os olhos e movimentavam a
cabeça de cima para baixo como que numa afirmação. Neste transe citavam os nomes dos
feiticeiros, que de seguida eram apanhados e mortos.
Durante três semanas foram mortos à cacetada 429 feiticeiros. Os referidos olosinguile, na sua
maioria jovens, iam às casas dos feiticeiros a fim de trazerem de lá algum elemento dos feitiços
que por lá se encontrasse, pois, para reforçar o feitiço, os feiticeiros conservavam corpos secos
de bebés, e outras coisas mais. Muitas pessoas ligadas à Igreja foram mortas acusadas de
feitiçaria. Estes sucessos apenas terminaram com a intervenção das autoridades.
No capítulo do feitiço a nudez ocupa entre os bailundos um lugar de realce, servindo para dar
azar e desgraçar alguém. Todos os orgãos que se encontrem entre as pernas, quer de homens
quer de mulheres, incluindo as nádegas e os próprios excrementos humanos constituem feitiços
terríveis. Eu fui testemunha de um caso impressionante e insólito sobre um sujeito rebelde que
violava constantemente as mulheres dos outros, perdão por o recurso à linguagem patriarcal,
económica, ninguém é propriedade de ninguém. Cabia ao pai ter que pagar as multas aplicadas
às rebeldias do filho. No último julgamento relativo ao mesmo delito, o pai irritou-se de tal
modo, levantando-se perante muita gente que assistia ao julgamento, baixou as calças, e
pegando nos orgãos sexuais, mostrou-os ao filho, e perante todos disse-lhe: – Se tu de facto
saíste mesmo na ponta deste senhorinho, a partir de hoje tens os dias contados. – Dito e feito.
Três dias depois chegava-nos a notícia de que este jovem acabava de morrer.
Existe outro tipo de feitiço que é mais usual nas mulheres a quem se dá o nome de iliangu, cuja
finalidade é a de lançar desgraças nas pessoas, interferindo negativamente nos seus negócios ou
no seu trabalho. Estas mulheres costumam sair à noite, quando toda a gente já dorme. Saem
nuas e nem os seus maridos se apercebem. Vão para casas previamente seleccionadas, munidas
com ervas com a função de sonífero. Quando chegam nas referidas casas, dançam em frente das
portas ao mesmo tempo que dizem:
- Venho para te desgraçar, venho para te desgraçar! – Depois limpam o seu ânus na porta dessa
casa eleita (maldita), deixando ali restos de excrementos.
Conta-se que um homem vira, na porta da sua casa, uns restos de fezes, ficando a saber que
havia passado por ali um ochiliangu. Neste sentido, meteu a ponta de uma faca numa fenda da
porta.
Quando o ochiliangu apareceu de novo, com a intenção de prosseguir a mesma tarefa, feriu-se
no ânus.
De manhã, o dono daquela casa encontrou muito sangue à porta.
Também é usual meter numa fenda da parede de uma casa uma raiz de uma planta, conhecida
apenas pelos feiticeiros, caso a ochiliangu aparecesse; esta perderia a noção do que fazia e, neste
sentido, exerceria as suas actividades de bruxarias até ao amanhecer do dia seguinte, portanto à
vista de toda a gente. Eu pessoalmente cheguei a ver uma fotografia tirada a uma destas
mulheres nesta situação.
As fezes humanas são importantes na feitiçaria para lançar a maldição sobre alguém ou para
outros fins. Com elas uma mulher pode dominar o marido. Diz-se entre os bailundos que toda a
mulher que queira dominar o seu marido, segue-o à distância; quando ele for defecar na mata…
Sem ele dar por isto, ela retira uma parte (do tamanho de uma abelha) do excremento e mistura-
o com o conduto que ele irá comer com o pirão. É desta forma que se torna parvo e dócil aos
desígnios e intenções da mulher, obedecendo-lhe em tudo o que ela mandar. É isto que explica
quando os bailundos vêm um homem dócil e que obedece à mulher cegamente, e clamam: -Vo
lisa! ["A mulher faz-lhe comer as fezes!"]
Muitas vezes os feiticeiros, em especial as mukeres, costumam defecar em frente das portas, nas
cozinhas, e até nas panelas que se encontrem na cozedura durante a noite nas cozinhas das casas
dos outros. Recorde-se que entre os bailundos é usual ficarem as cozinhas separadas das casas
de dormir, tendo sempre portas muito frágeis. A utilização das fezes com o fim de causar
desgraças pode ser expressa neste conto da Tradição, passado num tempo já remoto:
Uma mulher, durante a noite, tinha deixado o seu bebé sozinho, indo praticar as suas feitiçarias.
O bebé começou a chorar muito, e então um vizinho foi saber por que motivo o bebé chorava
assim.
Quando lá chegou deu pela ausência da mãe. Compadecendo-se da criança, levou-a para a sua
casa para a acalmar. Mas infelizmente ao chegar em casa o bebé acabou por morrer. Cheio de
medo, tomou alguns farrapos, embrulhou-o e pôs-se fora do quimbo, atravessando um cerco
com paus que, geralmente, circundam os quimbos, passou por um buraco para a ir deitar fora.
No momento, fora do cerco, estava um homem a defecar, que quando o viu com o embrulho nas
mãos pensou que fosse um ladrão e, acto contínuo, atirou-lhe o porrete que levava consigo. O
que fugia deixou cair o embrulho e fugiu, e o outro apoderou-se do embrulho, levando-o para
sua casa. Como não havia luz, resolveu ver o conteúdo só quando amanhecesse. Não teve que
esperar muito tempo, pois a aldeia entrou numa azáfema total com a chegada da mãe da criança.
Esta, não encontrando o seu filho em casa, pôs-se a chorar, dizendo que alguém lho roubara. Os
homens procuraram-no, mas não o encontraram em parte nenhuma, nem mesmo quaisquer
rastos dele. Nunca mais viram sinais do bebé.
Cerca das nove horas da manhã, o filho do que tinha o embrulho convidou outros amigos a irem
a casa dele para fazerem pirão. Depois do pirão estar pronto, o moço procurou pela carne do
porco que o pai tinha comprado na véspera para servir de conduto. Procurou em todos os cantos
da casa sem nada encontrar. Mas depois sempre encontrou o embrulho, pensando que seria aí
que estivesse a carne.
Tomou-o, e o levou aos seus amigos, e à vista de todos o desembrulhou. Espantados, viram o
bebé procurado por toda a aldeia. Assustados, saíram dali correndo e a dizer que o bebé
procurado estava naquela casa. Muitos se dirigiram para lá, confirmando que era verdade o que
o s moços diziam.
Aquele homem foi preso, e foi em vão que se defendeu perante a justiça, mesmo dizendo a todo
o mundo como as coisas se haviam passado. Como ninguém o acreditou, lá se resignou dizendo:
“Ondiangu eniña”, o que quer dizer: que o azar é o excremento que evacuara nessa noite”.
A partir desse momento, os excrementos tornaram-se os elementos da desgraça. Foi daí que os
bailundos começaram a ter medo acrescido quando vêem excrementos humanos nas suas lavras
ou noutros locais, mesmo no caso de serem animais. Por exemplo, se um Onguli (animal
carnívoro parecido com o lobo) defecar dentro de um quimbo, as pessoas dispersam-se,
abandonando para sempre o local, indo fundar outro quimbo.
A MEDICINA E A IMUNIZAÇÃO
A medicina tradicional entre os bailundos é tão antiga como a medicina dos países mais
evoluídos.
Antes dos outros povos terem chegado à região, os seus autóctones já conheciam a medicina
tradicional, e tinham inclusivamente hospitais que consistiam em grandes acampamentos feitos
nas matas, em palhotas, e sob a responsabilidade de um Ochimbanda (“papel espiritual e
médico, que cabia então aos chamados Xamãs. Para as suas práticas de cura usavam o que a
natureza lhes oferecia: plantas, argila água, [répteis] e animais. Como forma de destaque em
relação à sua importância social, os Xamãs usavam máscaras exuberantes”,
historiadaestetica.com.sapo.pt).
As substâncias medicamentosas eram extraídas da natureza animal, reptilária(vide nota rosa),
vegetal e mineral. Quanto às substâncias de natureza animal, podemos referir a jibóia, cuja
gordura ocupa um lugar muito importante na medicina tradicional. Na guerra civil em Angola,
vi eu mesmo a extracção de munições (balas) das armas, alojadas no corpo dos feridos por elas,
com a gordura da jibóia. Para isto, era suficiente aplicar esta substância no local perfurado pela
munição, e caso ela ainda se encontrasse no corpo da vítima, era logo expelida.
Esta substância tem sido utilizada para curar úlceras estomacais, tomanda-a três vezes ao dia, na
medida de uma colher de chã.
Uma outra substância medicamentosa, esta já animal, é o fígado de lobo, o qual tem sido
utilizado para curar a epilepsia. Mas temos de referir, que a maior quantidade dos medicamentos
que os bailundos utilizam provém das raízes das plantas. Os ovivandas conhecem os poderes
curativos de cada raiz. Há determinadas doenças que estes curandeiros recomendam que antes
devem recorrer mais à medicina tradicional que procurar a medicina moderna. Já vi muitas
pessoas dizerem que a sua doença não se cura com os medicamentos dos hospitais e sim com os
tradicionais; isto acontece, precisamente, em doenças mentais e epilépticas. Tenho visto pessoas
atacadas por estas doenças e melhoraram depois depois de terem tomado estes medicamentos.
Tanto em português como em umbundu, o sentido do remédio é o mesmo, ou seja, uma forma
de remediar. Remédio em umbundu é ikemba, oku lelembako, o que significa “remediar sem a
certeza da cura”. Para os bailundos quem cura é sempre D-us, e por isso costumam dizer: “Suku
a kuece ovimbanda vi li pande oku sakula” – “Um doente fica sarado se D-us o permitir, para
que os médicos se não vangloriem; mas se D-us não quiser, o esforço para a obtenção da cura
será em vão”.
Entre os bailundos, quando um doente vai a um ochimbanda, este começa por lhe explicar a sua
doença. O curandeiro, antes de principiar o tratamento exige o ussongo, o pagamento que é feito
sempre antes da cura, que tanto pode ser uma galinha como dinheiro. Depois disto, leva o
doente para a adivinhação a fim de se saber a causa da doença; isto é, se foi natural ou causada
por um feitiço. Para o efeito, pega o ongombo (instrumento para fazer as adivinhações). Trata-se
de uma pequena quinda com a forma de uma tigela, com muitas bugigangas dentro dela, onde se
podem ver ídolos, tais como:
ombuiyu, ombinga, ociteka, omechamecha, omemba (algo parecido com cal, branco, que
significa inocência), ukundu e outros. O adivinhador, então, maneja o ongombo com as duas
mãos agitando a quinda de baixo para cima, pretendendo remexer os objectos que têm dentro,
de modo a encontrar o significado daquele que vier ao de cima (i.e., acima dos outros). Por
exemplo, se for um ídolo, significa que o doente foi enfeitiçado. Isto é explicado ao doente, que
responde: “Enda, enda!” – No caso de aparecer o omemba, siginifica que a pessoa de quem se
suspeita ser a causadora da doença está inocente. Se for o ukundu, significa que se acertou na
pessoa suspeita.
Depois da adivinhação, o curandeiro começa o tratamento. Para isso, leva o doente para o
acampamento, indicando-lhe uma palhota onde ficará internado. Dorme deitado numa esteira ao
lado da fogueira rodeado de pequenos vasos de barro, cheios de várias raízes para o doente
tomar. Têm-se tomado estes medicamentos em grandes quantidades, o que muitas das vezes
contribui para o mal-estar do doente.
Para uma pessoa que sofra de febres, o xamã, utiliza raízes, folhas ou outras partes de plantas,
mete-as numa grande panela e a põe ao lume. Depois de ferver, tira a panela do fogo, senta o
doente num banco, cobre-o com um pano ou um cobertor, e diz-lhe para inalar o vapor da
panela. Esta operação é chamada de ochiyuku.
Depois do tratamento e da cura, a pessoa é levada a um ochimbandi (terreno de forma circular
com pavimento duro feito com um salalé, que é um instrumento com que o agricultor debulha
os produtos que são debulháveis), um terreno que normalmente se situa no meio da mata. Ali o
curandeiro acende uma pequena fogueira onde coloca uma panela de barro contendo mais
raízes. O doente senta-se no meio do terreno e cobre-se com um pano ou cobertor.
Seguidamente o curandeiro coloca algumas pedras no fogo, e quando elas estão bem quentes
despeja-lhes água fria. O ruído provocado pelo arrefecimento das pedras, irá, segundo o
ochimbanda, afugentar os cazumbis causadores da doença. É então que o xamã toma as pedras
escaldantes e arremessa-as em várias direcções, ao mesmo tempo que diz: “Cazumbis, deixai
este doente e nunca mais entreis nele”.
Realiza depois outras operações: Toma um pequeno tambor e pôe-se a dançar, juntamente com
os seus auxiliares, apelando para que os cazumbis deixem o doente em paz; toma a panelinha de
barro que estivera ao lume e serve o doente; mata uma galinha, e com raiva bate no doente com
ela, apelando sempre para que os cazumbis o deixem. Finalmente, abandona o ochimbandi,
deixando a panelinha voltada para baixo no pavimento. Quem por ali passar e mexer nela,
destapando-a, apanhará imediatamente a enfermidade (o/os demónio/os, pois Satanás não os
mandou de volta para o abismo sem fundo; Jesus (lutero, nos seus cadernos pessoais, afirma que
o Mestre é, ao mesmo tempo, D-us e o Diabo, o Bem [cura] e o Mal [Lucas 8:32+: "32-
33Andava ali perto uma vara de porcos a pastar no monte, e os demónios rogaram-lhe que os
deixasse entrar nos animais. YAOHÚSHUA consentiu [permitiu, como judeu, não como o
futuro Mestre acultural, assentado à dextra, entronizado, recebendo adoração ecuménica e
participando da condição de D-us por toda a eternidade, que se destruísse propriedade privada;
um judeu despreza os porcos e os cães; servosdemariaamordedeus.blogspot.com/os-inimigos-
de-lutero-mary-shulteze.html.
Depois o curandeiro dá ao que estava doente (possuído por demónio/os) prescrições para
continuar a fazer.
Eles fazem estas cerimónias para para acabar de uma vez por todas com este sofrimento, a que
eles chamam de oku kota, que significa que “aquele endemoninhado (doente) jamais tornará a
ter o mesmo demónio ou legião de demónios (doença).
Eu assisti a estas cerimónias todas, quando um dos nossos criados, chamado Brandão, fora
atacado de escorbuto. No fim da cura, o xamã disse-lhe precisamente isto: Que o Brandão
jamais seria atacado pela mesma doença, o que de facto aconteceu até ao fim da vida.
Os ochimbandas também fazem imunizações aplicando vacinas. A vacina da varíola é a melhor,
pois é aplicada uma vez na vida de qualquer pessoa. Para isso fazem da seguinte maneira: O
ochimbanda vai ter com um doente atacado por esta doença, e lhe espreme o pus das borbulhas
numa pequena cabaça.
Depois reúne toda a gente a um local determinado, e a cada uma das pessoas é feito um pequeno
corte na palma da mão. Com a ponta de um pauzinho em bico, salpica-lhe no sangue um pouco
do pus da varíola contido na cabaça. No dia seguinte, nascem algumas borbulhas em volta
daquele corte, ficando desta maneira as pessoas imunes à doença para toda a vida.
A vacina contra a mordedura de um cão com raiva é feita também assim: Matam um cão com
raiva, e a sua carne, cortada em pequenos pedaços, são distribuidos às pessoas que a comem
crua. Este procedimento é o mesmo relativamente a outras enfermidades como as que são
casadas por insectos: mosquitos, percevejos, carraças, etc. Apanham estes insectos, cozinham-
nos juntamente com o conduto que comem com o pirão.
Há uma outra vacina contra o veneno das cobras, escorpiões, etc., cuja vacina se chama oluvai,
mas que desconheço como é aplicada.
No tempo colonial, na vila do Bailundo, apareceu numa grande festa um homem com um saco
que continha muitas cobras venenosas, tais como a víbora, a surucucu, a lutanjila, onombo,
ekuiva, salili e outras. No momento, por dois cêntimos e meio (cinco escudos), o homem abria o
saco de onde tirava as cobras, uma de cada vez, para mostrar às pessoas. à medida que fazia isto,
as cobras picavam-no nos braços sem lhe provocar qualquer dano, pondo todos os presentes
admirados.
Durante a guerra civil, em Angola, havia uma vacinação contra as munições das espingardas.
Pessoalmente, vi gente vinda da frente da guerra com a farda esburacada pelas munições, sem
no entanto apresentarem qualquer arranhão no corpo. Dizia-se que as balas (munições) ao
atingirem o corpo dos militares caiam ao chão.
Trata-se de vacina anti-bala, que é feita da seguinte forma: num invólucro de bala mete-se-lhe
dentro um tipo de feitiço e tapa-se o buraco com cera preta, chamada esima. Depois recomenda-
se ao indivíduo interessado, sobretudo o soldado (praça), para engolir o respectivo cartuxo,
passando a partir dali a ser considerado blindado. A esima é uma cera altamente mágica (para os
bailundos). É extraída de um mel fabricado por uns insectos mais pequenos que abelhas, que o
fabricam debaixo da terra numa profundidade de um metro ou mais. Estes insectos não fazem o
mel em favos como as abelhas, metendo-os nuns recipientes como pequenas cabaças, do
tamanho do pulso de um homem magro, cujos recipientes são fabricados com cera. É muito
difícil descobrir os locais onde eles se encontram, cuja entrada são uns pequenos tubos de mais
ou menos cinco centímetros de altura. Para os descobrir é necessário estar bem atentos, e mais
ainda sendo em matas cerradas. Em toda a minha vida só uma vez é que encontrei estes orifícios
na floresta. Estes insectos, quando entram nestes orifícios, também de cera, fazem-no de costas
e com a cabeça voltada para a entrada. A cera fabricada por eles, além de ser onerosa em
transações comerciais, também possuem poderes mágicos. Os mulherengos costumam utilizar
esta cera para conquistar mulheres. Para o efeito, lambuzam com ela o limbo de folhas
pegajosas de uma erva conhecida por onamela. Friccionam as mãos com esta composição, e daí
em diante bastará cumprimentar a mulher desejada, com as mãos apertadas para ela ficar
completamente colada ao homem e nunca mais o deixar; procurá-lo-á a todo o tempo. É por este
motivo que entre os bailundos, referindo-nos à sociedade tradicional, as mulheres evitam apertar
as mãos dos homens (as safistas ficavam “curadas”; perdão pela expressão pouco inclusiva).
A esima serve também para outros fins: Um caçador que tiver colocado a sua arma numa porção
daquela cera, nunca errará o tiro e uma armadilha que tenha daquela cera apanhará muitas
presas.
Outro poder da cera de esima é o de afugentar cazumbis.
Conheci um homem que comprou uns lindos tecidos para a sua mulher. Infelizmente ela não
chegou a vesti-los por estar doente, acabando mesmo por falecer. Então este homem, em vez de
meter os vestidos na urna, resolveu ficar com eles. Tempos depois, arranjou outra mulher a
quem deu os tais vestidos, acto considerado como uma humilhação à falecida, criando com isto
uma grande confusão naquela casa. Quando o homem dormia junto da nova mulher, a alma da
falecida (demónio a corporizar a falecida; “Since our inner experiences consist of reproductions,
and combinations of sensory impressions, the concept of a soul without a body seem to me to be
empty and devoid of meaning“. Albert Einstein, http://richarddawkins.net/quotes) punha-se no
meio deles com o seu corpo todo frio.
Quando a mulher fazia pirão para o marido, a defunta (demónio) metia lá os dedos; quando
ficou grávida, a “defunta” provocou-lhe um aborto. Muito aflito, ele então procurou em vão
xamã após xamã em busca de cura contra aquela perseguição feita pela “defunta” à sua nova
mulher, até que por fim sempre apareceu um, o qual tomando uma pequena porção de esima,
meteu-a numa fenda da porta da sua casa, de modo que aquele cazumbi já não pôde entrar mais
ali. Só assim a paz voltou a reinar naquela família, conforme se dizia.
Entre os bailundos pratica-se muito o desporto da pesca, competição de arco e outras
actividades desportivas. Tiro ao alvo com flechas, exige uma preparação especial. Para isso, eles
usam uns tubérculos de uma planta silvestre, chamada ochitiña, a qual se parece com uns
maiores. Cortam-no em rodelas para servirem de alvos, que os utilizam num descampado
destinado à competição. Ali os homens, alinhados, distribuindo-se os que competem com arco e
com mocas. Um dos acompanhantes nestas competições, colocado num dos extremos do campo,
arremessa com força uma rodela ao ar, e quem a atingir, quer com flechas ou com o porrinho,
será o vencedor. Este desporto, como se poderá constatar, não passa de uma exercitação para na
caça se abater um animal em velocidade.
A caça é outro desporto. Um sékulu organiza uma caçada, o enjevo. Para isso, ele envia vários
mensageiros aos quimbos, avisando os caçadores para se prepararem para uma caçada, que se
efectuará num determinado dia, referido pelos mensageiros. Marcam um lugar de concentração,
o epanga. Ali no dia marcado, juntam-se duas ou três centenas de caçadores, munidos de
azagaias com duas ou três flechas, e uma ou duas mocas na cintura. Todos os caçadores vestem
farrapos. Na epanga, traçam o itinerário da caçada, referindo as matas a incluir nessa
competição. É de referir que entre os bailundos, todas as matas têm nomes. Geralmente vêem-se
no epanga muitos cães gentílicos, pequenos, com as orelhas levantadas para cima, cauda
comprida e focinho alongado.
Quando tudo estiver organizado, formam uma grande fileira de quatro ou cinco quilómetros
através da floresta e a corta-mato. Os animais pequenos, como os coelhos, perdizes, hangas
(galinha do mato), são mortos com os porrinhos que transportam à cinta. Eu próprio participei
muitas vezes nestas caçadas, e tive a oportunidade de conhecer grandes “arremessadores” de
porrinhos. Quando se levanta uma peça de caça, só se ouve um ruído “traz”, e de seguida
viamos o animal a cair no chão.
Era como se utilizasse uma caçadeira.
Durante a caçada existe sempre um responsável pela mesma, a quem chamam de “kapila”. Este
indivíduo corre, de momento a momento, duma ponta a outra da fila dos caçadores,
transmitindo orientações ao grupo.
Quando uma cabra de mato quisesse romper a fileira, os caçadores gritam em uníssono:
- “Etali opo! Etali opo!” – o que significa: – “Hoje ali! Hoje ali!”
E de imediato, uma chuva de flechas cai sobre o animal sob o olhar atento de cada caçador, para
assim aferir a sua pontaria. Se alguém acertar grita:
- “Nda veta! Nda veta!” (“Acertei! Acertei!”)
Quando a cabra cai no chão, o grupo dirige-se com as mocas contra o animal, ferindo-o na
cabeça até o matar. Depois amarram-no e o entregam a um rapaz que o transporta. Se a cabra
consegue romper a fileira e ninguém lhe acerta, os responsáveis pelo falhanço sofrem os
insultos dos outros.
Para participar numa caçada é necessário ser muito cauteloso, e uma das recomendações é a de,
em momento algum, sair da fileira, pois quem o fizer pode ser atingido por uma flecha. As
razões estão no facto de que, quando vêem a cabra do mato, atiram as flechas p‟ra frente ou p‟ra
trás, em função do local onde ela se encontra. Uma outra recomendação é a de nenhum caçador
ter relações sexuais antes da caçada, para não redundar em fracasso.
No fim juntam-se todos num lugar para conferir os animais abatidos; cada caçador que tenha
morto uma cabra, extrai-lhe a coxa e a dá ao responsável da caçada, marcando desta maneira o
fim da mesma.
Quando eu tinha doze anos de idade, fui a uma caça sozinho com a minha azagaia e o cão de um
vizinho nosso, comerciante e chamado Santos. No percurso cheguei junto de um riacho que nas
margens tinha uns caniços altos. De repente vi sair dos caniços um animal com cauda comprida
e o corpo todo malhado. Era uma onça ou leopardo. Até ao momento nunca tinha visto nenhuma
onça. Vi então o meu cãozinho na boca do animal. Gritei, chorando, e a fera largou o cão mas já
morto.
Começa agora o meu relato a adensar-se mas em forma de estória (legenda mítica); assim é
África, a minha história vulgar mutaciona-se para o folclore mítico: Na mesma semana um
sékulu do quimbo chamado Numbu, nosso vizinho, organizou uma caçada pelo local onde eu
encontrara a onça. Quando ali chegaram, a onça voltou a aparecer no mesmo sítio. Uma grande
matilha de cães desentocou-a, forçando-a a subir numa grande árvore chamada Omanda.
Os caçadores que fizeram parte desta caçada estavam cheios de medo, pois uma onça é um
animal perigoso, mais até do que o leão. É muito ágil, atacando com muita agilidade.
Geralmente, quando os caçadores matam uma onça, era costume levar duas tipóias até às
aldeias, uma para transportar a onça e outra para transportar alguma pessoa que tenha sido
vitimada por ela. Daí que estes caçadores temiam arriscar-se em atacar este animal. Dois
homens mais ousados colocaram-se debaixo da árvore com o s seus arcos e as flechas, bem
afiadas, uma das quais atingiu o animal na barriga. Num movimento rápido a onça estava sobre
um deles, ferindo-o gravemente na nuca e na cara, arrancando-lhe um olho e o nariz. Depois
atacou-lhe o ventre, ferindo os intestinos com as suas terríveis garras. O companheiro, ao ver o
animal sobre o outro, desfez-se do arco e das flechas, e com o porrinho desfez em pouco tempo
a cabeça do animal, espirrando os miolos pelos ramos das plantas, matando assim a onça. Foi
necessário arranjar as duas tipóias, uma para o homem gravemente ferido e outra para a onça.
Horas mais tarde deu-se a desgraça. Traduzo: a redenção do animal e o consequente chamar a
contas do organizador da caçada. O responsável pela caçada foi levado perante o soba para ser
julgado, acusado de ter praticado relações sexuais antes da caçada, e responsabilizado pela
morte, que veio a dar-se, do caçador atacado pelo animal selvático. Pagou uma multa muito
grande. Mas a onça ganhou o seu troféu na tumba.
Um leão não se mata com facilidade. Para se matar um leão é necessário, antes de mais,
justificar as razões para a sua morte. e depois a munição (bala) só o atingirá se essa justificação
for razoável. Os bailundos, tal como os europeus, consideram o leão como o rei dos animais.
Contam que antigamente um caçador estava numa mutala, lugar em cima da árvore, e em frente
à árvore onde se encontrava havia uma lavra onde uma mulher trabalhava no momento. Às duas
por três o caçador viu um leão a apanhar a mulher arrastando-a pela nuca. Passou perto do local
onde se encontrava o caçador com um canhangulo, que não se atreveu a usá-lo. Desceu da
árvore, correu ao quimbo, alertou as pessoas do que havia acontecido. O soba depois de o ter
ouvido, chamou todos os homens da aldeia e disse-lhes que fossem até ao onjango para que
fossem fornecidos de pólvora.
Depois foram preparar as suas armas, e no dia seguinte, muito cedo, juntamente com o soba,
foram no encalço do leão. Este quando os viu, tentou atacá-los, ao que eles reagiram, disparando
as suas armas em vão, pois não se tinha feito o depoimento correcto. O leão, passando por todos
foi direito ao soba, matando-o imediatamente. Foi então que um dos participantes, antes de
disparar, citou o depoimento, dizendo: “Tembi, tembi haveko wa paya nganidetu. Nda ove wa
paya ndandietu cilo omola owima (“Se não foste tu que mataste a nosso parente, sairás ileso;
caso contrário, o tiro que vou disparar ser-te-á fatal“)“. O jacasser deste atirador parecia olvidar
a morte do soba; tudo neste sucesso (evento) passa-se ao ralenti slow motion. Mas adiante; pois
a sua lógica escapa-me totalmente. O certo é que o atirador dispara, e o leão caiu morto. Depois,
finalmente recordaram-se do soba, pegaram o defunto, mas não deixando de pensar no animal
homocida, merveille, os submeteram a uma adivinhação, na qual o leão disse: “Ove u soma,
ame ndi soma, ombanjela ovita?” (“Tu és rei e eu sou rei e na qualidade de sermos colegas,
diriges uma guerra contra mim? Foi por este motivo que te matei”).
Foi a partir deste dia que o leão passou a ser o rei dos animais.
A PESCA
Existe entre os bailundos três tipos de pesca: a de chissamo, que consiste num caniço de pesca
com minhocas na ponta, sem anzol.
Outro tipo de pesca é a de “massas” chamada ileva. Para o efeito, eles fabricam as massas com
alguns pauzinhos obtidos de algumas plantas encontradas nas charnecas. É costume meter salalé
nas massas.
Depois levam-nos para os lugares mais profundos dos rios onde passam uma noite. No dia
seguinte voltam a esses locais e, normalmente, encontram-nos cheios de peixes.
Certa vez, no Mungo, caçava eu patos bravos nas margens do rio Luvulo, e vi um sujeito a
armar as suas massas neste rio. Na altura tinha chuvido, e por isso mesmo as suas margens
estavam alagadas.
Então meteu-se nas águas das margens para chegar ao rio, e aí meter as massas. De súbito, vi
um turbilhão na água. Era um jacaré que tinha apanhado o homem, pois quando as margens
ficam alagadas, os jacarés costumam sair do rio estendendo o seu raio de acção em busca do que
comer, especialmente cágados.
Tal como na caça às cabras do mato, a pesca é de igual modo organizada. Um sékulu mobiliza
muitos quimbos, e todos se concentram no rio indicado por ele. Nestas pescarias participa toda a
gente, homens, mulheres e crianças e, como é costume, usam grandes quantidades de folhas de
uma planta chamada kalembe. Metem-nas num almofariz para serem pisadas, e depois de
pisadas são lançadas ao rio, agitadas com varas compridas de modo a que o seu efeito
intoxicante se espalhe pela água, atordoando deste modo os peixes e forçando-os a subir à
superfície, onde os participantes os apanham com as quindas e cestos presos às pontas de varas
compridas, apanhando todo o tipo de peixes que no rio existirem, à excepção do bagre que
nunca sobe à superfície.
Perto da Missão Evangélica do Bailundo passa um rio chamado Culele. Diz a Tradição que este
tipo de pesca está interdito nesse rio. De acordo com o que se conta, antigamente, quando
queriam fazer este tipo de pescaria, uma enorme cobra aquática que ali existia, urinou nele em
tão grande quantidade, que o encheu até transbordar, alagando-o até às margens, e arrastando
muita gente que nele praticava este tipo de pesca.
Desde então, nunca mais alguém se meteu a lançar o kalembe naquele rio.
Quando trabalhei na Administração do Concelho do Mungo, no tempo colonial, vi certa vez
muita gente, vinda de vários quimbos, dirigir-se a uma grande lagoa formada pelas águas do rio
Kussangu, para lançarem o kalembe, misturado com ulu, uma outra planta usada para atordoar
os peixes.
Prepararam aquele produto durante vários dias e em grandes quantidades. Num dia marcado,
centenas de pessoas transportaram-no até junto da lagoa. Fizeram palhotas onde se acamparam.
Levaram alimentos e utensílios de cozinha para aí permanecer durante alguns dias. Na tarde de
cada dia metiam a mistura do produto na água, e no dia seguinte de manhã foram apanhar o
peixe que boiava à superfície em tanta quantidade que foram necessários barcos para o recolher,
dividindo-o por todos.
Depois de tudo terminado e todos se preparavam para regressar cada um ao seu lugar, um
homem chamado Yopilu viu um peixe enorme subir à superfície da água da lagoa. Foi então em
busca daquele peixe. Ao entrar na água esta dava-lhe pela cintura, depois pelo peito, até ao
pescoço, e quando faltava pouco para chegar ao pé do peixe, toda a gente viu grande agitação na
água, e momentos depois Yopilu desapareceu nas águas, levantando um braço e depois as
pernas. Perante o espanto de todos pelo que estava a acontecer, viram então uma enorme cobra
aquática que leu o pobre do Yopilu para as profundezas.
Perante tal acontecimento, o povo ficou preocupado, visto que, se um caso destes chegasse ao
conhecimento das autoridades, os responsáveis pela pescaria poderiam ser condenados. Por isso
decidiram manter sigilo pelo acontecido. Mas a mulher de Yopilu, perante a ausência do
marido, foi junto dos acompanhantes para saber dele, mas nada conseguiu saber. Depois de dias
de procura, uma sua cunhada, de outro quimbo distante, apareceu chorosa dizendo que Yopilu
havia sido morto por uma cobra. Imediatamente a mulher levou o caso à administração. O
administrador mobilizou um grupo de cipaios, e junto com eles foram no Land Rover até ao
local de desaparecimento da vítima.
Ordenou a todos os que participaram na pescaria a estarem presentes para proceder às buscas e
resgatar Yopilu, ou parte do seu corpo. Toda a gente remexeu a água com varas, sobretudo em
certas covas nas margens do lago. Como a lagoa não tinha ligação com o rio, o corpo de Yopilu
sempre foi encontrado. Foi transportado à administração a fim de ser autopsiado por um médico
ido do Huambo.
Tinha apenas alguns ferimentos no pescoço, mas constatou-se que lhe havia sido retirado todo o
sangue do corpo, o que comprovava que a serpente que o apanhara era a epolua. Estas cobras
apenas chupam o sangue das presas, abandonando-as depois.
O TRIBUNAL E O OMBULUNGU
Os bailundos não possuem edifícios próprios para exercer o poder judicativo, mas utilizam um
espaço destinado a esta função, utilizado desde sempre, que é junto e à sombra de uma árvore,
mais conhecida por Mulemba. Esta árvore encontra-se em todas as Embalas.
A audiência senta-se em pedras, abundantes por ali. O tribunal é sempre presidido pelo soba,
sobretudo nos julgamentos de crimes graves, e ladeados pelos Epalangas, Lusenje, Muecália,
Ndaka e outros, que no onjango aprenderam a exercer esta actividade. Num julgamento nunca
se condena um inocente. Dizem que o soba, ou outra pessoa que presida a um julgamento, se
condenar um inocente correrá, segundo a superstição, o risco de ficar cego. Como tal, julgam os
casos com muito zelo e rigor.
As sessões costumam demorar dias até que se apure a verdade e se pronuncie o veredicto
correcto.
Antes de começar um julgamento, tanto o acusado como o acusador são instados a dar um porco
cada um, que são mortos no tribunal. E ali também onde se distribui a carne. Ao soba cabem-lhe
as coxas e o fígado; ao Muecália a região lombar, pois se diz que é ele quem protege o Reino,
tal como uma galinha a chocar os ovos; o soba Ndaka, das mensagens, pela sua função recebe o
pescoço e a língua; o epalanga recebe os braços, porque tem sido os braços do soba. Depois da
distribuição da carne, tomam o sangue do animal e com ele borrifam a estatueta com nome de
Samemba é o d-us da caça e da carne.
O acusador é quem fala primeiro, descrevendo em pormenor todos os crimes cometidos pelo
acusado.
Depois tem a palavra o acusado que apresenta a sua defesa. O tribunal exige sempre a presença
de testemunhas. Caso não as haja, vão questionando o acusador e o acusado até descobrirem a
verdade, baseando-se sempre no apotegma vox pop: o peixe morre pela boca.
A título de exemplo, num julgamento a que eu assisti, eram dois amigos íntimos, em que um
deles necessitava de mil e duzentos dos escudos antigos para satisfazer uma necessidade, e
assim foi ter com o amigo para lhe pedir emprestado aquele dinheiro. Ora o outro não se
encontrava em casa, e então foi em sua procura na lavra onde na verdade o encontrou, expondo-
lhe a sua preocupação. Ele então lhe disse que no momento só tinha mil escudos. O devedor,
disse que mesmo assim lhe emprestasse esses mil escudos, pois procuraria onde arranjar o resto.
Como testemunha estava lá apenas um cão. Os dois, depois de terem chegado a um acordo,
foram a um morro de salalé (formigueiro) onde se sentaram, dentro da lavra. O dinheiro foi
contado e entregue com a promessa de ser devolvido tão cedo quanto possível. Passou-se um
ano, dois anos, e o devedor nunca se prontificava em honrar os seus compromissos.
Um dia o credor resolveu abordar o amigo para lhe exigir o pagamento da dívida. Este responde
que nunca recebera dele nenhum dinheiro, deixando deveras irritado o outro, que apresentou de
imediato queixa ao soba. O soba convocou os outros sobas do reino, seus subordinados, para
uma grande sessão de julgamento.
Neste julgamento fez-se como de costume: Falou primeiro o queixoso e depois o réu (arguido)
que alegou nunca ter recebido o dinheiro. Os sobas pediram testemunhas as quais, infelizmente,
não existiam, excepto um cão. O soba Epalanga, dirigindo-se para o devedor perguntou-lhe:
- Por acaso nunca foste à lavra deste senhor a fim de pedir dinheiro emprestado?
- Nunca, nem sequer conheco a tal lavra. – Respondeu ele.
O soba perguntou ao credor e disse-lhe:
- Como disseste que estavas com o teu amigo na lavra acertando as contas sentados num morro
de salalé, corre lá e traz-me um pedaço desse morro de salalé.
Logo que o credor recebeu tal ordem, meteu-se a caminho em busca do pedaço do morro de
salalé, no local onde estiveram sentados a contar o dinheiro. A audiência ficou suspensa
esperando pelo pedaço do morro pedido.
Depois de algumas horas de espera, o soba Epalanga virou-se para o devedor perguntando:
- Então, o teu amigo nunca mais vem? Eu tenho de ir apascentar os bois!
- Não conte com ele já – respondeu o devedor – a lavra fica muito longe daqui, e só aparecerá
logo à tarde.
- Há pouco disseste que não conhecias a tal lavra, e agora afirmas que fica longe daqui? Isso é
porque já lá foste alguma vez movido por qualquer interesse. Certamente sempre foste lá para
pedir o dinheiro emprestado. Pela boca morre o peixe!
Rapazes da corte, metam este homem no ukubi (as embalas não têm cadeias, apenas os
ukumbis, que é um instrumento de torturar os criminosos. Trata-se de um tronco de madeira
com dois buracos onde metem os pés do criminoso e outro horizontal onde metem uma cunha.
O preso fica ali sob o sol ardente, à chuva e ao frio, etc. Só sairá dali quando pagar o estipulado
pelo soba).
Os rapazes da corte lá o meteram no ukumbi.
Quando o queixoso regressou com o pedaço do salalé, encontrou o seu adversário no ukumbi
onde confessou a verdade, e pagando o que devia.
Depois o soba mandou dispersar a audiência, exigindo ao réu o dobro do que devia por ter sido
mentiroso.
Têm havido casos muito difíceis, como os relacionados com a feitiçaria, mas eles sempre
conseguem forma de os resolver. Na impossibilidade de num julgamento não se chegar à
verdade, então recorrem ao ombulungu, que é a raspa de raiz de um arbusto considerado
sagrado entre os bailundos, o qual se encontra em lugares ermos. Diz-se que qualquer ser
vivente que tenha morto outro ser vivente, morrerá imediatamente ao passar na sombra da
referida árvore. O mesmo acontecerá com um leão, uma onça ou lobo. Se por lá passar um
feiticeiro terá o mesmo fim. Só escapa quem não tiver morto outro ser vivo. Também se diz que
por baixo das referidas árvores se encontram muitas ossadas de animais.
Uma certa ocasião, já lá vai muitos anos, desloquei-me ao deserto de Moçâmedes que passou a
chamar-se de Namibe, onde passei dias à procura do referido arbusto. Fui até Tômbua, ex. Porto
Alegre, sempre à procura dele e nada encontrei. Encontrei, sim, perto da Tômbua, uma planta, a
welitschia Mirabilis, que não possui as propriadades do Ombulungu, embora dissessem que esta
planta fosse rastejante e carnívora, e qualquer animal, incluíndo pessoas, que dela se
aproximasse, seria envolvida nos seus tentáculos que ela abriria, e depois de estrangular a presa,
comi-a, o que não se verificou quando eu me aproximei da planta, e até arranquei parte dela.
Quando estive na Jamba, então o Quartel-General da UNITA, que ficava na mesma extensão do
deserto do Namibe, chamado Calaári, continuei procurando por ali o mesmo arbusto. Não só
não o encontrei, como também nunca vi quaisquer ossadas debaixo de qualquer árvore. Desde
então considerei aquele arbusto como lendário. Mas os basilundos confirmam ter existido.
Para confirmar o que se dizia do Ombulungu, o ordálio (prova jurídica), desloquei-me uma vez
à Embala, capital do sobado, a fim de ver a referida raiz sagrada. Paguei o que o soba Epalanga
me pediu.
Ele entrou na cubata, e de lá trrouxe a maravilhosa raiz toda ela fumada por estar no teto da
cozinha, e que me pareceu ser muito antiga. Apresentava muitas raspaduras.
O ombulungu, segundo eles, tem propriedades medicinais e de cura, especialmente as dores de
estômago. Mas segundo a Tradição, quando se lhe dirigem palavras de ohasa (invocações em
defesa própria) fica irritada e mata criminosos sem piedade.
Quando há um julgamento difícil, relacionado especialmente com feitiçaria, tomam esta raiz e,
com uma faca, raspam a mesma diluindo os residuos numa porção de água, conforme uma
medida estipulada. Depois servem uma quantidade equivalente a três colheres de pau. A vítima,
o acusado, e o próprio acusador, o soba, seguram nas mãos o recipiente que contém o liquido.
Depois cada um se refere ao ohasa. Então o acusador, o soba, diz:
- Ó ombulungu, tu sabes que eu nada tenho a ver com os actos referidos nesta acusação; por isso
não me farás dano algum. – Depois fala o acusado:
- Ó ombulungu, tu és maravilhoso, pois descobres todos os segredos, até os do coração; mata-
me se forem verdadeiras as acusações que aqui me fazem. Caso contrário, salva-me. Se
confirmares que fui eu que matei o filho deste indivíduo, mata-me; mas se achares que não fui,
salva-me.
Por último fala o queixoso, dizendo:
- Ó ombulungu, tu sabes que eu também não estou isento, mas que estou a falar a verdade, e por
isso peço que me salves. Mas se entendes que estou a caluniar esta pessoa, mata-me.
Depois de todos terem feito as suas invocações, cujas palavras são denominadas de “ohasa”,
cada um deles bebe a quantidade de água que lhes é designada. Bebendo todos em simultâneo.
Passados alguns momentos, o verdadeiro culpado perde os sentidos, mas os outros vomitam.
Para o culpado não morrer, dão-lhe uma composição extraída de uma outra raiz. Depois de este
ter recuperado os sentidos é imediatamente condenado e preso.
Conta-se que dois homens, um chamado Katombela e o outro Pambanssangue, resolveram um
dia roubar maçarocas de milho. Entraram numa lavra: Pambanssangue transportava Katombela
nos ombros, sendo este que roubava o milho. No fim do roubo fizeram uma fogueira, junto à
lavra, onde assavam o milho roubado.
Passado algum tempo apareceu a dona do campo, que ao ver os dois assando o milho junto à sua
propriedade, acusou-os de roubo. Eles recusaram tal acusação, e por isso a mulher, como tinha a
certeza de que haviam sido eles, queixou-se ao soba, que de imediato mandou reunir o tribunal
para o julgamento. Como não havia provas concretas, recorreu ao processo ombulungu. Com o
ombulungu nas mãos de cada um, iam, um por um, citando o ohasa, primeiro falou o
Pambanssangue, que dizia:
- Ó ombulungu, tu és maravilhoso e sabes tudo o que se passa. Quanto a mim, nem sequer me
refiro ao roubo; refiro-me apenas ao facto de ter passado neste lugar. Assim, se por acaso o meu
pé tiver pisado aquela terra, mata-me, mas se nunca o pisei salva-me. – Ao terminar estas
palavras engoliu a sua porção de ombulungu.
Desta foi a vez de Katombela que disse:
- Ó ombulungu, não te minto. Na verdade eu passei naquela lavra, mas se eu tiver posto a mão
em alguma maçaroca para a roubar, mata-me. – E tomou a sua porção.
O ombulungu nada mais fez que confirmar o que cada um dizia. De facto, um passou por lá com
seus pés mas não roubou; o outro nunca por lá passou com os seus pés, e por conseguinte não
podia ter roubado milho algum. Assim, o ombulungu não podia condenar nenhum dos dois que,
considerados inocentes, vomitaram o líquido que haviam ingerido.
Nos julgamentos, os bailundos utilizam sempre adágios. Pode-se dizer que mesmo em
conversas do dia-a-dia, os bailundos utilizam sempre apotegmas. E um deles é este: “U o lia
laye ombua, u limbukila ku ku ikakuea” (Interpretação/tradução: “Reconhecerás logo a pessoa
que meterá contigo o cão, no modo como ele esfola o animal. Se o esfola com vontade e desejo,
saberás imediatamente que comerá da carne do animal; se o fizer com nojo, é sinal que daquela
carne ele não comerá, pois a carne de cão é rejeitada por ser nojenta”).
Vamos, pois, interpretar este provérbio. O significado é que, se tratares de algum negócio com
alguém, saberás de antemão se aquela pessoa está interessada ou não pelo mesmo negócio. Se
mostrar grande interesse, saberás que está de facto interessado no mesmo. Tudo se sabe pelo
interesse manifestado pela pessoa.
Uma ocasião eu assisti ao esfolamento de um cão. O animal foi amarrado pelo pescoço e levado
a um ochimbandi (terreno circular com cerca de um ou dois metros de diâmetro, com pavimento
muito rijo, feito pelo salalé, utilizado pelos agricultores como eira e dentro das matas) em plena
mata, onde fizeram uma grande fogueira. Depois pegaram o cão e o penduraram numa árvore
com a corda.
O animal defecou e morreu. Tiraram-no depois da árvore e o colocaram na fogueira, que o iam
virando até queimar todo o pêlo. A seguir tiraram-no do lume e rasparam o pêlo queimado com
uma faca; abriram-lhe o ventre para tirar as entranhas. O estômago foi lançado para a fogueira,
que depois de inchar o retiraram, e o mais forte do grupo o levou ao ochimbandi que o
arremessou com muita força ao pavimento, feito pelas térmitas, para que as fezes fossem
expelidas e o estômago ficasse vazio.
O indivíduo que vi fazer este trabalho até ficou completamente conspurcado pelas fezes,
incluindo o rosto. Em momento algum da minha vida vi algo assim tão nojento.
Depois de esfolado, o cão é levado ao quimbo onde é esquartejado e cuja carne é conservada em
folhas de mulemba, numa panela de barro e temperada com sal e outros temperos. Aquela
panela passa o dia todo ao lume, para que a ferver a carne fique bem cozida. Dizem que é uma
carne saborosa, sobretudo quando acompanhada com pirão de bombó, isto é, feito de farinha de
mandioca.
Muitos adágios têm a sua própria história tradicional; por exemplo, “Kalunjinji, komanu ku liwa
luloño” (“A formiguinha alimenta-se dos restos humanos com subtileza”). Na verdade, sem
subtileza não se obtém nada de alguém. Este adágio percebe-se pela seguinte história:
Um homem tropeçou numa pedra, ferindo um dos dedos do pé que ficou com a pele levantada.
Ele tirou uma faca, cortou a pele e deitou-a para o chão. Uma formiguinha quando a detectou,
arrastou-a para o seu buraco. O epulu (mosca parecida com a tsé-tsé) quando viu a formiga,
perguntou:
- Ó formiguinha, onde foste tu buscar isto que transportas?
- Do homem! – Respondeu ela.
- O homem é que tem isso? – Tornou a perguntar o epululu.
- Sim! – Respondeu a formiga.
- Neste caso, também vou ter com o homem para lhe tirar algo igual! – Disse o epululu.
Ele ao chegar junto do homem, pousou num dos seus braços a fim de lhe retirar a pele como a
que viu à formiguinha. O homem, ao dar-se conta que o epululu lhe feria o braço, matou-o com
uma palmada dada pelo outro braço. O epululu, para seu azar, não se lembrou de que a formiga
só havia aproveitado algo desnecessário ao homem.
É o mesmo que acontece connosco. Se precisarmos de alguma coisa de alguém, não devemos
ter a mesma atitude do epululu, mas dialogar e não usar de violência para com ninguém.
Um outro apotegma é este:
“Ukuele nda o suñila langeka; vekehã liukuele mulivo ekahã liove” (“Se alguém, teu próximo,
tiver sono, leva-o imediatamente para a cama, para que também possas dormir”). Isto significa
que se alguém estiver em dificuldades ou em perigo, o melhor é ajudá-lo, pois se ele se salvar
também poderás ser livre. Se alguém ao teu lado tiver uma doença contagiosa, e não o levares
para ser curado, a mesma doença também poderá contagiar-te.
Um dia um caçador passou o dia todo a caçar sem conseguir caça alguma. Aborrecido, resolveu
voltar para casa. No entanto, viu uma rola no topo de uma frondosa árvore, e resolveu abatê-la.
Quando fez a pontaria, uma jibóia que estava debaixo da árvore viu-o e disse à trepadeira, que
chegava até onde estava a rola, e disse-lhe:
- Avisa a rola para que levante voo pois o caçador apontou-lhe a arma para a matar. – Retorquiu
a trepadeira:
- Eu não tenho nada a ver com os animais, pois sou apenas uma planta; que morra a rola.
Entretanto o caçador disparou e a rola caiu morta no chão. O caçador aproximou-se do local
onde a rola havia caído para a apanhar, e quando aí chegou viu de surpresa a jibóia; tomando o
machado que tinha à cintura, matou a cobra. Depois pensou em como levar a jibóia para casa.
Mas como não tinha corda para fazer a rodilha para a transportar, e como no lugar não havia
plantas de cujo caule se extraísse olondovi (correia para transporte de alguma coisa), para
superar esta falta cortou a trepadeira a fim de lhe servir de corda para amarrar a jibóia.
Pela má vontade da trepadeira morreu a rola, a jibóia, e a própria trepadeira. Se esta tivesse
aceitado avisar a rola, nenhuma das três morreria.
Depois seguiu-se o Sermão da Palavra feito pelo Pastor. No fim do sermão foi a Santa Ceia que
os Diáconos distribuiam para toda a gente. Quem estivesse fora da Igreja não lhe é permitido
aceder a participar na Sagrada Comunhão. Depois da Santa Cheia, o culto estava no fim e todos
saiam indo para as casas almoçar.
A noite era entregue ao culto dos coros; cada aldeia cantava um coro que se prolongava até
quase à meia-noite. Saímos do barracão e fomos para as casas para dormir e dormir.
Naquela noite tive um sonho digno de realce. Sonhei que estava perante um rio muito grande e
largo que mal se via o que estava na outra margem. Um rio com água muito límpida e cristalina
e era muito profundo.
Nas suas margens havia muitas árvores que produziam muitos frutos e vi também muitas
crianças no mesmo rio. A tal água corria com muita velocidade para baixo. Os passarinhos
cantavam alegremente e em toda a parte brotavam lindas flores. Quando estive a apreciar estas
belezas todas, apareceu-me um personagem vestido de bata branca até aos pés e com lábios
abertos para uma lectio divina memorial: "Estás a ver a água do rio?" Eu disse-lhe que era "um
rio maravilhoso; nunca tinha visto água tão límpida e cristalina como aquela!"
Então iniciou um memorial de Sião (Joel 4:17): "Esta água que tu vês representa o sangue de
Cristo que purifica todo o pecado. Todo o pecador, que reconhece o seu pecado e o deixa, é
purificado nesta água. Esta água lava todo o tipo de pecado".
Depois trouxeram uma toalha muito suja com várias sujidades, como óleo de mecânica,
gorduras, tintas, etc., que foi metida naquela água e ficou logo branquinha como a neve e disse-
me o Homem: "É assim que o sangue de Cristo purifica os pecados. O dono do rio, o Cordeiro,
mandou os seus servos plantar estas árvores que produzem bons frutos para saciar a sede dos
pecadores arrependidos que deixaram os seus pecados. Os frutos que tais árvores produzem são
as alegrias que um pecador desfruta quando deixam os seus pecados (crimes), o amor, pois todo
o amado arrependido passa a ser amado pelo seu Amante. Também produzem todos os frutos do
Espírito Santo que são: caridade, gozo, paz, longanimidade, benignidade, fé, mansidão,
temperança, etc.
Depois eu perguntei porque é que as crianças tão pequenas brincam no rio muito profundo e não
se afogam? Ele disse-me que quem estiver no amor de Cristo nunca se afoga. Depois mostrou-
me os peixinhos que nadavam alegremente e disse-me: "Estás a ver os peixes todos satisfeitos a
nadar alegremente sem nenhum receio de mal?" Ainda disse-me: "Da maneira como a água
corre, simboliza como o Evangelho do Nosso Senhor Jesus Cristo se propagou rápidamente ao
mundo inteiro entre as nações e línguas".
Depois aquele personagem levou-me para junto de uma fogueira muito grande. "O fogo
representa Satanás e a água representa a Cristo.
Observa com muita atenção no fogo e verás que não há nenhum ser vivo como na água. Todo o
ser vivo que for para o fogo morrerá imediatamente. Se o fogo representa o Diabo, a obra dele é
matar e destruir. Mas a água que representa Jesus, pode eliminar Satanás. Foram buscar água e
despejaram-na na fogueira que se apagou imediatamente. A seguir o mesmo personagem levou-
me para uma outra fogueira que tinha uma panela a ferver, e disse-me: "Em baixo há fogo que
representa o espírito satânico e em cima há a água que representa o Espírito Santo. Entre os dois
Espíritos encontra-se o fundo da panela. O Espírito que está em cima tenta ir para baixo para
destruir o Espírito satânico. Não tendo por onde passar devido ao fundo da panela, fica a ferver
e depois desaparece e a panela fica seca". Depois foram buscar um fio de aço e fizeram um
buraquinho no fundo da panela, deixando a água passar gota a gota para o fogo que depois ficou
todo apanhado. Disse-me ainda aquele personagem: "Jesus pode destruir Satanás. O fundo da
panela representa os nossos corações. Se não deixarmos o Espírito Santo entrar para destruir a
força satânica, morremos".
Depois o meu sonho foi interrompido devido a um grande tiroteio das armas do MPLA que
destruiam uma base da UNITA que estava perto do Centro.
Era o tempo da mortandade, pois outros morriam nas prisões acusados de colaborarem com o
"inimigo".
Num ano com pouca chuva, o rio Culele ficou quase seco, e quando uma ocasião passei numa
das suas margens, vi muitos cadáveres no leito do rio. Era o local onde os homens da segurança
matavam as pessoas que estavam nas cadeias, cujos corpos eram lançados ao rio. Era assim em
todos os rios.
Um português, uma ocasião, ao ver as pessoas que eram levadas para o fuzilamento, atreladas às
viaturas e presas com cordas pelos braços e arrastadas por uma rua a grande velocidade, dizia:
-Isto não é humano; vou-me daqui para fora.
Nas confrontações, as munições perdidas matavam muita gente. Por vezes os Migs voavam de
noite enquanto as pessoas dormiam, e bombardeavam as aldeias, morrendo muita gente que
nada tinha a ver com a guerra. O MPLA reabriu o campo de concentração de S. Nicolau, campo
esse montado pela PIDE, e onde o MPLA estabeleceu a DISA, continuando a servir para fins
políticos. O povo estava desta maneira entre a espada e a parede. Os que estavam a favor do
MPLA eram perseguidos fortemente pela UNITA, e vice-versa. Um ditado em umbundu diz:
"Se dois elefantes lutam pelo capim, é a erva quem sofre e não os elefantes".
Uma ocasião, eu e mais um amigo meu fomos acusados de termos colaborado com o inimigo.
Por isso, numa madrugada fomos presos e levados para a Direcção de Segurança, da UNITA,
onde havia uma prisão. Estávamos à espera de ver o que nos iria acontecer. Na altura alguns
militares trouxeram manietada uma adolescente de doze anos, juntamente com o sei irmão de
oito anos, capturados das mãos do inimigo. Como haviam passado dias sem comer, resolveram
fugir. Infelizmente foram apanhados e levados para a Direcção de Segurança da UNITA para
serem julgados, e dizerem a razão porque fugiram.
Fugiram porque tinham muita fome. Assim, o Chefe mandou que fizessem pirão num prato
grande com outro cheio de feijão a servir de conduto. As crianças comeram até fartar, mas como
o pirão era muito não conseguiram comer tudo. No fim de comerem, a polícia da prisão reuniu
um grupo maior de crianças da mesma idade para torturarem, com paus, os dois irmãos
incluídos, até que morreram.
Depois foi a nossa vez. Chamaram-nos para interrogatório a começar pelo meu amigo. Como
disseram que era tudo mentira, tudo quanto ele havia dito, com um alicate puxaram-lhe os
testículos até quase perder os sentidos, o que o forçava a berrar muito alto. Como era já tarde,
meteram-nos na cadeia, sem que eu fosse interrogado.
No dia seguinte, muito cedo, antes do sol nascer, tiraram-nos da prisão juntamente com outros
presos e conduziram-nos a uma mata fechada. Depois de termos caminhado alguns quilómetros
a pé, um dos que nos conduzia disparou alguns tiros para o ar, e um outro dentro da mata
respondeu com outros disparos. Era o ponto de encontro. Quando lá chegamos, encontramos um
homem fardado e, em certo momento, mais três militares conduziam um homem amarrado
dizendo: "Capitão, eis aqui o homem que o senhor nos mandou buscar".
Enquanto aquele capitão falava com o homem, ficamos surpreendidos quando um grande grupo
de pessoas, homens e mulheres, vieram em nossa direcção, o tal ponto de encontro. Eram todos
prisioneiros como nós, e lhes ordenaram para fazerem uma fila. Um militar tomou um canjavil,
que é um machado gentílico, cuja lâmina tinha só dois centímetros de largura, cuspiu nas mãos
e segurou-o com força. Foi um momento terrível; tudo à volta respirava normalidade; o sol
brilhava e o vento soprava suavemente; nada tinha mudado. Um pássaro voava de uma árvore
para outra, não se preocupando com o terrível drama que estava acontecendo ali.
Então começou a carnificina. Dois militares da UNITA, seguravam os braços de um dos
prisioneiros, um em cada braço, torcendo-os para trás, um outro militar pegou-lhe na cabeça,
fazendo inclinar a pessoa para a frente, e o quarto deu-lhe deu-lhe um golpe na nuca com o
machado. Depois vinham outros militares para arrastar o morto dali. Todos os golpeados
gritavam como o gritar de um vitelo quando é morto.
Quando chegou a vez de uma mulher, ela gritou muito alto e dizia: "Ñueli ño ka njipayi!", o
quer dizer "Abusem de mim só, não me matem!"
Infelizmente o seu pedido não foi atendido, e foi também degolada como os outros. Depois foi a
vez de uma rapariga que estava grávida; o responsável daquele morticínio disse-lhe: "Tu que
fostes engravidada por um inimigo, passa para ali, -tirando-a da fila e ordenando: tirem fora o
que esta gaja tem na barriga, que foi emprenhada por um inimigo". Os outros obedecendo à
ordem, estenderam-na no chão com a barriga para cima, e espetaram-lhe um sabre no ventre
para lhe tirarem o bebé que tinha cerca de seis meses. Foi na verdade um espectáculo horrível,
aquele que todos presenciaram. Afinal, estes ainda eram piores assassinos que a PIDE.
Quando chegou a minha vez, os dois militares pegaram nos meus braços com força e quando
queriam torcê-los para trás, surgiu uma munição vinda de fora, a riscar o céu, passando rente às
nossas cabeças.
O zunir daquela bala, fez paralizar os cruéis massacres e pela nossa felicidade que ainda não
tinhamos morrido, tudo aquilo foi detectado pelos soldados do MPLA que faziam patrulha
naquela área das terras de Bimbe a sessenta e cinco quilómetros do Bailundo, que num instante
se levantou um grande tiroteio para nos libertar. Os soldados da UNITA como eram poucos não
resistiram e dispersaram-se todos.
Depois da libertação, os soldados do MPLA levaram-nos para o Bailundo, estando sempre na
eminência dos ataques da UNITA.
A UNITA atacava sempre de noite. E quando atacavam muita gente morria. Os soldados do
MPLA morriam às dezenas, mas também um número enorme da população civil, pois se uns
morriam com as balas da UNITA, outros morriam com as armas pesadas do MPLA,
estacionadas no morro do Bailundo, de onde disparavam indiscriminadamente contra a
povoação. Se a UNITA conseguisse escorraçar as FAPLA, e tomasse a vila, então vinham os
Migs bombardear o inimigo, matando civis e destruindo tudo.
Um dia houve um ataque em grande escala da UNITA à vila do Bailundo, donde foram
expulsos os soldados do MPLA, e pilharam todos os nossos haveres, e no fim, eu e a minha
mulher, fomos levados pelos soldados da UNITA em grande fila como cativos de guerra, cuja
fila fazia mais de cinco quilómetros de comprido, e nos levaram para a Jamba, Quartel-General
da UNITA, no Quando-Cubango. Para lá chegarmos, caminhamos a pé durante dez dias e cinco
dias em camiões, decarregando-nos no Likuwa, considerado como a base industrial da UNITA.
Dava a impressão de estarmos noutro mundo. Havia lá uma grande e boa organização e onde se
encontravam milhares de pessoas. Ficamos alojados na Missão Católica que tinha muitos padres
brancos e negros. Ao lado havia uma grande pista de aviação onde aviões americanos
descarregavam muito material bélico. Não havia dinheiro, mas as pessoas tinham tudo, sem
nada lhes faltar. As pessoas vestiam bem, e ninguém andava descalço. Cada base tinha um
hospital com muitos medicamentos, e um grande stock de comida. Durante a semana tocava o
sino duas vezes avisando que podiamos ir receber a comida que necessitassemos; em todas as
habitações havia luz eléctrica, assim como nas ruas; as igrejas eram bem organizadas, com três
denominações religiosas: católicos, evangélicos e adventistas. O hospital deCacuchi era muito
bonito, de construção definitiva e com médicos vindos da África do Sul. Tinha grandes stocks
de medicinas; havia todo o tipo de viaturas, pesadas e ligeiras, bem como autocarros onde as
pessoas viajavam sem pagar. Os carros eram tantos, que eram precisos guardas para dirigirem o
trânsito.
O ensino ia até à décima segunda classe de escolaridade, e os livros de estudo vinham de
Portugal. Os alunos andavam sempre sempre bem vestidos e com boa alimentação. Tinham
também em todas as bases cinemas com assistência gratuita. Os professores eram competentes e
tinham todo o material escolar necessário. As pessoas andavam bem nutridas comendo três
vezes ao dia. Todos os dias se comia carne, de caça e de conserva, ida da África do Sul. Havia
campos de futebol com os seus pavilhões. Também havia aeroportos onde os aviões pousavam
todos os dias, levando turistas, missionários, agentes secretos e os bens necessários. Os
"turistas" eram brancos, mas na maioria americanos. Aprendiam-se muitas artes, como
carpintaria, mecânica, electricista de rádio, etc. Como havia um grande hospital, também se
aprendia enfermagem. Muitos estudantes foram para os Estados Unidos, outros para a Europa e
para outras partes do mundo, tirando cursos. A VORGAN, a emissora rádiofónica da UNITA
(Galo negro) transmitia mensagens para todo o mundo. O material bélico que constantemente
era armazenado em lugares prontos, designados por Mateguerra (material de guerra). Cada base
(zonas povoadas pelos militantes da UNITA) era ladeada de baterias de lançamento de foguetes
anti-aéreos, contra os aviões do MPLA, e havia muitas carcaças de aviões abatidos em todas
estas bases. O MPLA constantemente lançava ataques contra estes lugares, não só ataques
aéreos como terrestres, com muito armamento sofisticado, mas foram sempre derrotados neste
ataque. Também a UNITA recebia da América armas anti-aéreas com a marca Stinger, as quais
derrubaram muitos aviões inimigos.
Eu e a minha mulher estávamos localizados na base de Luengue. Aqui havia um liceu onde eu
fora colocado como escriturário, com docentes muito competentes, africanos e europeus.
Perto daquela base corria um rio chamado Luengue muito rico em pescaria, mas também muito
abundante em jacarés, hipopótamos e cobras aquáticas. Depois de muitos dias de ali estarmos,
um rapaz foi nadar nesse rio, mas foi apanhado por dois jacarés que o despedaçaram em pouco
tempo.
Uma ocasião, estávamos a receber os géneros alimentícios trazidos da África do Sul. Um Mig
tripulado caiu e dois pilotos cubanos tiveram que saltar de pára-quedas, caindo numa mata ao
redor da base. Logo um grupo de militares saiu em perseguição dos cubanos, que apesar de
alguma resistência foram capturados e levados para a base. Jonas Savimbi recebeu-os e tratou-
os humanamente durante alguns meses, e finalmente foram libertados, tendo recebido uma
quantia em dinheiro. Era o que se dizia entre o povo. Seria uma legenda urbana?
Mais tarde fomos novamente para a Jamba. Aqui deu-se um caso muito grave e triste. Foi uma
atitude muito má do Presidente Savimbi para com as pessoas consideradas feiticeiras. Um dia
Savimbi, apareceu sem farda nem com as insígnias de General, num local devidamente alterado.
Levava nas mãos muitos papéis. Depois fez uma chamada, através dos papéis, dos nomes das
mulheres consideradas e acusadas de feitiçaria, mandando que entrassem num grande barracão
encharcado com combustível. Eram muitas as dezenas de mulheres que ali entrarem, fechando-
as lá dentro. Ouviram-se depois os gritos das mulheres, gritos de terror, que pediam
misericórdia, mas Savimbi nada se ralou com tais gritos. Depois ordenou que lançassem fogo no
barracão feito com madeira seca, capim e erva seca, e no meio daquela cena horrorosa, ouviu-se
o grito de uma mulher que tinha um filho de dois anos ao colo, que no momento de ali entrar
levava o seu filhinho a mamar. Esta mãe aproximou-se da porta e rogou:
-Se sou acusada de feitiçaria, que culpa tem o meu filho que não é culpado de nada? -Um militar
foi em busca da criança, e correndo foi junto do Presidente e disse-lhe que aquela mãe rogou
para que o filho não morresse juntamente com ela. Savimbi tomou a criança nos braços e disse:
"Filho de peixe também nada". Atirando-a para a fogueira, cujas chamas já eram muito intensas
e altas. Pergunto: Afinal em que é que Savimbi, que se considerava cristão, era melhor que os da
MPLA, considerados comunistas e ateus?
Ao fim de cinco anos da nossa estada em Jamba, houve uma grande batalha no Huambo que
durou 55 dias, onde o MPLA foi expulso da cidade pela UNITA, e que acontecera depois das
eleições de 1992, eleições que Savimbi considerou condiderou fraudelentas.
A partir desta data a UNITA dominou todo o sul de Angola, mas também algumas províncias do
Norte.
Um dia, um avião de grande porte levou-nos da Jamba até o Andulo, e do Andulo fomos em
autocarro até ao Huambo para regressar ao Bailundo novamente, a nossa terra, e encontramos
todos os nossos bens totalmente destruídos. Mas ainda não era o fim da guerra.
Como estava em disputa o poder em toda a Angola, por isso a guerra ainda não havia chegado.
Embora nesta guerra morrese muita gente, era uma guerra que não interessava a ninguém,
interessando apenas aos políticos que lutavam pelo poder. O povo, esse, é que continuaria a
sofrer.
Quem morresse que morresse, nisso os políticos pouco se ralavam, e que para ir à tropa não era
pela chamada mas pelas rusgas e buscas armadas que os movimentos políticos faziam, levando
quem fosse apanhado mas principalmente os jovens, sendo muitos deles ainda crianças, e quem
tentasse escapar era sumariamente abatido. Foi desta forma que muitas crianças se tornaram
involuntariamente criminosas.
Na verdade, uma guerra civil é sempre a pior das guerras.
Chegamos ao Bailundo precisamente na sexta-feira designada sexta-feira sangrenta, em que o
Presidente do MPLA, no poder, enviara uma força militar para as ruas de Luanda para abater a
todos os que não falassem a língua Kimbundu, a língua das tribos do Norte. Como Luanda era o
refúgio de todas as tribos de Angola, fugindo da guerra, neste dia foram milhares os que foram
mortos nas ruas desta cidade. Foram necessários muitos camiões para recolher os cadáveres por
toda a Luanda. Foi um genocídio autêntico, que alguém um dia terá que dar contas diante do
Tribunal Divino. Foi isto que me ensinaram os Missionários que um dia chegaram ao Bailundo,
e que bem hajam.
Como a nossa vida estava constantemente ameaçada, e não conseguíamos vislumbrar qualquer
futuro para nós, e também com todos os nossos bens totalmente perdidos, resolvemos aproveitar
uma oportunidade de deixar Angola, e o Bailundo, a nossa amada terra, e fugimos, eu e a minha
mulher, para Portugal, com a esperança de um dia voltar, o que aconteceu já com a minha
mulher, ficando eu, actualmente como assistente numa Igreja Metodista na cidade de Braga, da
qual sou membro, e exercendo o ministério de organista, e só D-us saberá se algum dia irei
voltar à terra onde um dia nasci, mas não sabendo se lá irei ser sepultado.
Mas a guerra lá continuou, e só terminaria com a morte brutal de Jonas Savimbi. Seria esta
morte o juízo dos homens, ou o Juízo divino? Só D-us o saberá.
Hoje só peço a D-us que torne a minha Pátria como uma terra de esperança para todos os seus
filhos, a muitos dos quais eu peço perdão pela minha má conduta durante um bom pedaço de
tempo, dominada que estava por forças satânicas. Sou um cristão arminiano. Não há volta a dar.
D‟us salve Angola.
Nota histórica sobre a Reconciliação: obrigações penitenciais por meio de
concílios locais, ex. Elvira, na Espanha ou
• Arlés, na França. As obrigações
Na Igreja primitiva, a Penitência tornou-se penitenciais eram de tipo geral, litúrgicas e
uma tábua de salvação para o pecador as estritamente penitenciais, como a vida
batizado. Mas propagou-se a prática de mortificada, jejuns, esmolas e outras formas
limitar o frequente acesso ao sacramento de virtude exterior.
para evitar abusos. João Crisóstomo via-se
reprovado por os seus adversários por •
outorgar sem descanso penitência e o Na prática ocorria que as pessoas iam
perdão dos pecados aos fiéis que vinham pospondo o tempo de penitência até a hora
arrependidos. da morte, fazendo da penitência, um
exercício de preparação para bem morrer,
• porque só podia ser exercitada uma vez.
No século III, o rigor dá lugar a excessos e
heresias. Propaga-se a heresia de Montano, •
que pregava que o final do mundo estava O processo penitencial equivalia a um
próximo e dizia: "A Igreja pode perdoar os verdadeiro estado de excomunhão. Até que
pecados, mas eu não o farei para que outros o penitente não fora reconciliado, não podia
não pequem mais". Tertuliano e muitos aproximar-se da Eucaristia. O término do
outros aderem ao "montanismo". processo penitencial era a reconciliação
com a Igreja, sinal da reconciliação com D-
• us.
Com grandes dificuldades, a Igreja superou
esta heresia, esclarecendo o estatuto do •
penitente e a forma pública e solene em que A partir do século V se realizava a
devia desenvolver a disciplina sacramental reconciliação Na quinta-feira Santa, ao
da penitência. término de uma quaresma que, de por si, já
é um exercício penitencial.
•
Depois que a Igreja impôs a penitência, os •
pecadores constituíam-se num grupo O bispo acolhia e impunha as mãos aos
penitencial ou "ordem dos penitentes". Os penitentes, em sinal de bênção. A prece dos
pecados não se proclamavam em público, fiéis era o eco comunitário desta
mas era pública a entrada do grupo já que reconciliação.
se fazia diante do bispo e dos fiéis.
•
• Enquanto, nas Ilhas Britânicas,
O "ordem dos penitentes" mantinha um especialmente na Irlanda, ia abrindo passo a
longo tempo de renúncia ao mundo, um novo procedimento de reconciliação
semelhante ao dos monges mais austeros. com penitência privada com um sacerdote e
Segundo a região, os penitentes levavam utilizando os famosos manuais de pecados
um hábito especial ou a cabeça raspada. (penitenciais), confeccionados por alguns
Padres da Igreja, como Agostinho ou
• Cesáreo de Arlés. Das Igrejas Celtas, esta
O bispo fixava a medida da penitência. "a forma de penitência propaga-se pela
cada pecado corresponde a sua penitência Europa.
adequada, plena e justa". Fixavam-se as
• Uma moca ou punhal? Ou então uma arma
acidigital.com/sacramentos/penitencia/histo de fogo, ou um cacete? Eu sei lá. Oh! Como
ria foi, querido Padre Moreira, o teu morrer ali
no Bailundo?
• Tu que nasceste para fazer o bem, Morres
Os manuais penitenciais estabeleciam a desta forma tão ruim?
penitência segundo o pecado cometido e Certamente seguiste as pegadas do Teu
foram muito importantes para evitar o Senhor Jesus.
"barateamento do perdão" e o relaxamento Repousa em paz no seio do Senhor, onde
do compromisso cristão. brevemente nos encontraremos.
Ajudaram também a desmascarar as Disse Jesus: Mateus 25: “34-36E então eu,
heresias dos séculos III ao VII. o rei, direi aos que estiverem à minha
Delimitavam o que que é pecado grave, direita: „Venham, filhos felizes do meu
fruto da malícia e o que é pecado leve, YÁOHU ABí, para o reino que vos foi
cometido por debilidade ou imprudência. preparado desde o princípio do mundo.
Porque tive fome e deram-me de comer;
• tive sede e deram-me água; era estranho e
Renuncia-se ao princípio de outorgar a convidaram-me para vossas casas; andava
reconciliação uma só vez na vida. nu e vestiram-me; estive doente e cuidaram
de mim; estive na prisão e visitaram-me.
• 37-39Esses homens justos perguntarão:
O Concílio de Trento reiterou a fé da Igreja „Molkhiúl, quando foi que alguma vez te
Católica: a confissão dos pecados diante vimos com fome e te demos de comer? Ou
dos sacerdotes, é necessária para os que com sede e te demos de beber? Ou, sendo
caíram (gravemente) depois do Batismo). um estranho, te hospedámos? Ou nu, te
vestimos? Quando te vimos alguma vez
doente, ou na prisão, e te visitámos?
PAUSA II: EXTRAS 40E eu, o rei, lhes direi: „Quando fizeram
isso a um destes meus mais insignificantes
irmãos, a mim o fizeram!” (Mateus 25)
Armando ribeiro Simões “Bem-aventurados os mortos que morrem
Travessa António Menici Malheiro, nº 35 – no Senhor Para que descansem dos seus
2º trás, 4705-080 – Braga trabalhos e As suas obras o sigam”
27 De Fevereiro de 2006
(Apocalipse 14: 13 -.
À Igreja e a todos os portugueses Cristãos ”12 Here [comes in a call for] the
de boa fé steadfastness of the saints [the patience, the
Assunto – Assassinato do Padre Afonso endurance of the people of God], those who
Moreira [habitually] keep God‟s commandments
Lamentamos dolorosamente o assassinato and [their] faith in Jesus.13 Then I heard
tão cruel do amado padre Afonso Moreira, further [perceiving the distinct words of] a
no Bailundo. A Igreja em Angola, voice from heaven, saying, Write this:
especialmente a província do Huambo, teve Blessed (happy, to be envied) are the dead
uma perda irreparável. Jesus disse: from now on who die in the Lord! Yes,
Mateus 10: “28 And do not be afraid of blessed (happy, to be envied indeed), says
those who kill the body but cannot kill the the Spirit, [in] that they may rest from their
soul; but rather be afraid of Him who can labors, for their works (deeds) do follow
destroy both soul and body in hell (attend, accompany) them!)” [Amplified
(Gehenna)”, Amplified Bible: Bible])
youversion.com. O assassino só matou o
corpo e não a alma, que é mais importante Querido Padre, tenho saudades de ti.
de que o corpo.
Fico muito comovido quando penso no Desde aquele dia que estiveste na nossa
instrumento que o assassino utilizou para casa numa tarde de um domingo (dominga
matar o homem de Deus. Será uma catana?
para ti), nunca mais te vi, Mas ver-te-ei lá grandes tribulações. Os outros padres, seus
no Palácio Celestial. colegas, deixaram tudo, mas ele aguentou-
se com todos os sofrimentos de guerra. Vi a
O assassino devia ser julgado em Portugal sua residência a ser incendiada. Comia mal,
na presença dos habitantes de Vila Real, porque as estradas não davam acesso por
onde o pobre Padre nasceu, para o causa da guerra. Sempre arriscou a sua
conhecerem. Também devia ser condenado vida. Uma vez, saiu do Bailundo de
à pena capital bicicleta, passando pela estrada perigosa
(direitoreformacional.blogspot.com/pena- por causa da guerra, a ir para a Comuna de
de-morte-no-novo-testamento-e-pena), pois Lunge, que estava a quarenta quilómetros
o rei David não poupou a vida daquele que de distãncia, a fim de ir realizar os serviços
matar o rei Saul. Mandou matá-lo, depois que Jesus lhe incumbira, como pregar o
de lhe terdito o seguinte: “14-16.E como te Evangelho, baptizar, etc. Era o único
atreveste tu a matar o rei escolhido por branco que estava na terra do Bailundo.
YÁOHU ULHÍM?” E Dáoud, dirigindo-se Jesus disse: “11-13Eu sou o bom
a um dos seus mancebos: “Mata-o!” O apacentador. O bom apacentador sacrifica a
rapaz atravessou-o com a sua espada e ele vida pelas ovelhas. Quem é assalariado para
morreu. “Foste vítima da tua própria guardar o rebanho foge quando vê vir um
condenação”, disse Dáoud, “porque lobo. Ele abandona o rebanho porque não
confessaste, tu mesmo, termorto o rei lhe pertencem e ele não é verdadeiramente
ungido de YÁOHU ULHÍM.”" (II Samuel o seu apacentador. Assim o lobo salta sobre
1). Qualquer padre ou cura (sacerdote) elas e espalha o rebanho. Tal homem foge
também é o ungido de YHWH – ”He-Vau- porque é contratado e não se preocupa a
He-Yod” (Ela-Ele/Ele-Ela, Pai-Mãe, D-us). sério com as ovelhas. 14-16Eu sou o Tav
Ro-éh (Bom Apacentador) e conheço as
Quando Jesus estava no madeiro, disse: minhas ovelhas, e elas conhecem-me
“34. YÁOHU ABí, perdoa-lhes”, disse também, assim comomeu YÁOHU ABí me
YAOHÚSHUA, “porque não sabem o que conhece e eu conheço o meu YÁOHU ABí.
fazem.” (Mateus 23). O criminoso que E sacrifico a minha vida pelas ovelhas.”"
matou o Padre moreira, também não sabia o (João 10). Alimentava pessoas famintas e
que estava a fazer. vestia os que andavam nús.
Eu, que estive cerca de quarenta anos com o Apesar de ter nascido em Portugal, era
Padre Moreira, sei todos os pormenores da considerado como filho da terra do
sua vida no Bailundo, onde passou a maior parte da sua
Bailundo. Ele tinha, por lema, fazer sempre vida. Era estimado por por todos e, por isso,
o Bem e amava as suas ovelhas. Quando o seu funeral foi participado por milhares
ouvia a voz divinacomo o Profeta Isaías a de pessoas que o choravam amargamennte.
tinha ouvido, dizendo: “8Depois ouvi Foi comparado com o Apóstolo Paulo, que
YÁOHU ULHÍM perguntar: “Quem disse:
enviarei como mensageiro ao seu povo? “7Combati o bom combate; acabei a
Quem irá por nós?”E eu disse, “Vou eu! carreira da minha vida; guardei a fé. 8Está
Envia-me a mim.”" já preparada porYÁOHU UL a coroa de
(Isaías 6), de imediato o Padre Moreira justa recompensa que YÁOHU UL, justo
disse: “Eis-me aqui, envia-me a mim”. Veio Juiz, me dará naquele dia que há-de vir. E
até ao Bailundo, para dirigir as populações não somente a mim, mas também a todos os
negras ao aprisco do Senhor com Amor. que amarem a sua Vinda.” (II a Timóteo 4)