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KALUMBONJAMBONJA

QUE CASOU COM UMA ALMA DO OUTRO MUNDO)

O HOMEM QUE CASOU COM UMA ALMA DO OUTRO MUNDO

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AVISO DO ROMANCE:
Abro uma frente contra o individualismo liberal, que reduz tudo o que envolve a
Humanidade a mera economia, e contra o totalitarismo que faz desaparecer o indivíduo
dentro da máquina absorvente do Estado e da Religião, proclamo que somente numa
sociedade com vida própria pode desenvolver-se a liberdade concreta a que a
humanidade tem direito. O moto “Ecclesia Reformata et Semper Reformanda Est”
(“Igreja Reformada e sempre reformando-se”) continua vigente. Quero reforçar a
sociedade como travão ao Estado e a Religião, a fim de proteger e promover a liberdade
do Individuo.
Corresponde ao Estado a função de coordenador político, para manter a unidade
teológica e orgânica do corpo social, dirigindo, vigiando e impulsionando a vida
colectiva.
Through the grace of our Lord YAOHUSHUA (Jesus), the love of G-d, and the
communion of the „Rukha Hol-Hodshua (Holy Spirit), I trust in the one triune G-d
(YAOHU ULHIM), the Shuam (Name), the Holy One of Yaoshorul (Israel), whom
alone I worship and serve (gamc.pcusa.org).
God comes to us in free and undeserved favor in the person of YAOHUSHUA who
lived, died, and rose for us that we might belong to G-d and serve Mehushkhay (Christ)
in the world. Following YAOHUSHUA, Presbyterians are engaged in the world and in
seeking thoughtful solutions to the challenges of our time.

Presbyterians affirm that G-d comes to us with grace and love in the person of
YAOHUSHUA, who lived, died, and rose for us so that we might have eternal and
abundant life in him. As Mehushkhay‟s (Christ‟s) disciples, called to ministry in his
name, we seek to continue his mission of teaching the truth, feeding the hungry, healing
the broken and welcoming strangers. G-d sends the „Rukha Hol-Hodshua (Holy Spirit)
to dwell within us, giving us the energy, intelligence, imagination, and love to be
Mehushkhay‟s (Christ‟s) faithful disciples in the world.

More than two million people call the Presbyterian Church, http://www.pcusa.org/, (in
the U.S.A.) their spiritual home. Worshipping in 10,000 Presbyterian congregations
throughout the United States (also in other countries and cities like the city of Braga,
Portugal [NOT DIRECTLY CONNECTED BUT INSPIRED BY]: Apresento-vos,
amados santos (consagrados) do D-us Ela-Ele/Ele-Ela Eterno, formalmente a MINHA
AMADA IGREJA/OHOLYAO/CONGREGACAO OFICIAL, no meu magnifico
site/sitio: wix.com.

IGREJA BAPTISTA (PRESBITERANA) PENTECOSTAL – Vias Prebendas digna


duma lauda ou de um asteismo.
Rua de S. Martinho, 9 / Rua Manuel Alvares, 9, Braga
(Abaixo dos Bombeiros Municipais; em frente da gasolineira “BP” – Sapadores)
C.P./Cidade: 4700 Braga

Horários: Terça: 20:30/21:00 (Verão: 21:00); Sábado: 19:00 hrs;


Telemóvel oficial do Pastor: 96 480 35
“ESCRITURAS OFICIAIS”: verdadesquelibertam.wordpress.com
They engage the communities in which they live and serve with G-d‟s love.
"O Homem que casou com uma Alma do outro Mundo"
OS BAILUNDOS - KALUMBONJAMBONJA" – TOMO INTEGRAL

KALUMBONJAMBONJA
(O HOMEM QUE CASOU COM UMA ALMA DO OUTRO MUNDO)
ROMANCE – AUTOBIOGRAFICO
ANGOLA
OS BAILUNDOS

(AS SUAS ORIGENS, AS SUAS TRADICOES E CULTURA, OS SEUS MITOS E SUPERSTICOES, OS SEUS
PECADOS/CRIMES, PADECIMENTOS COM AS GUERRAS E A CHEGADA DO EVANGELHO
INTERPRETADO PELA TRADICAO REFORMADA E EVANGELICAL)

ARMANDO RIBEIRO SIMOES


Introdução
A nação de Angola e vasta e tem muitas tribos, e cada uma delas tem a lingua ou
dialecto, os seus costumes e a sua origem. Todos os povos do mundo têm cada um deles
a sua história e estorias.
Acontece porem, que para muitos desses povos as suas tradições são desconhecidas.
Muitos africanos confiam mais nas feitiçarias e em tudo o que os europeus cultos e nada
dados a sincretismos religiosos consideram como superstições. O feitiço na África tem
dado bons resultados aos seus possuidores, visto que e uma obra do Diabo (leitura da
teologia crista tradicional e que e a postulada por este escritor, um metodista ortodoxo).
Há muitos tipos de feitiçarias e os seus ingredientes são restos de cadáveres que eles
desenterram dos cemitérios durante a noite; também recorrem as raízes e folhas de
certas e determinadas plantas, ídolos, etc. As fezes humanas também desempenham
importante papel nas feitiçarias dos africanos. Seria bom se houvesse a história de um
Povo.
Todas as nações ocidentais tem a sua historia que e leccionada nas escolas. No tempo
colonial português, em Angola, estudávamos a história de Portugal juntamente com a da
nossa terra, sem falar a respeito de outros povos. Citava-se portugueses ilustres como
Diogo Cao, descobridor de Angola, e outros mais.
Ao longo dos tempos, os Bailundos nada tem escrito quanto a sua própria historiai, e do
que dela se sabe tem sido transmitida de pais para filhos oralmente e por meio das
tradições entre o povo. Assim, como os mais velhos vão desaparecendo, corre-se o risco
de se extinguir as verdadeiras origens dos seus costumes e dos seus feitos, os quais bem
poderiam ser o fundamento da sua história. Costuma dizer-se que um velho e um museu
de antiguidade. Por conseguinte, muitos dos que poderiam narrar a história e estorias já
desapareceram. Os instrumentos musicais tradicionais, como o ombumba, o ochissanji,
o cacheque, que tem a forma dum violino, o olombendo, parecido com a flauta, e outros,
já desapareceram. As danças tradicionais também vão desaparecendo.
Os Bailundos optaram pela civilização dos povos europeus e deixaram por completo
todos os costumes dos seus antepassados. Hoje em dia, qualquer adolescente angolano
não sabe como os portugueses maltratavam os seus antepassados.
A verdadeira origem dos Bailundos (vide nota de rodapé “i”, pagina 15) não é
conhecida; apenas se sabe que o seu primeiro rei, de nome Katiavala era originário das
terras do Kuanza Sul, era caçador de elefantes e pertencente a tribo Goya.
De Katiavala ate a independência de Angola tinham reinado mais de quarenta reis, e dos
quais só se destaca Katiavala, Ekuikui II, que foi quem recebeu os primeiros
missionários cristãos de confissão reformada, o de cognome “Numa”, que tinha o
epalanga (era vice rei) de nome Matuyakevela e que em 1903 lutou contra os
portugueses, e por ultimo Kandimba, a quem Lisboa, em 1918, usou para massacrar a
tribo dos Seles.
O passo seguinte foi destruir todo o poder que os reis tribais e tradicionais tinham,
desrespeitando toda a cultura dos Bailundos. Os sobas (reis) eram os cobradores de
impostos indígenas, sendo submetidos a palmatoadas, chicotadas e outros castigos
severos, caso levassem pouco dinheiro as autoridades dominantes. Eu pessoalmente vi
os sobas serem espancados severamente.
Angola, como as outras nações, tem muitos lugares dignos de serem turísticos, mas os
portugueses, que a governaram durante longos tempos, não tinham interesse nessas coisas.
Tenho encontrado muitos sítios onde viveram esses primeiros povos, “talvez muito antes de
Cristo”, murados de pedras, e que são dignos de admiração. Os cacos das panelas de cerâmica
espalhados por vários locais demonstram que estes Bailundos vieram de tempos remotos.
Quando trabalhei com o governo português como recenseador no Concelho do Mungo, de todas
as vezes que ia recensear a população do sobado (o território governado por um soba) de
kaiumbuka, presenciei as muitas e maravilhosas pinturas duma caverna, cujo nome e Kewe lia
yolua, que significa “Pedra pintada”.
Ninguém dava valor aquelas pinturas, ate que um dia falei delas perante o secretario do
Concelho que interessou-se muito por elas. Levei-o até onde as tais pinturas se encontravam,
Depois foi publicado num jornal e, por tal motivo, passou a ser lugar turístico. Era visitado por
muita gente de Angola e ate mesmo por sul-africanos. Dizia-se que por ali haveria de passar
uma estrada asfaltada para ter melhor acesso ao lugar. Estas pinturas passaram a ser conhecidas
como “Pinturas Rupestres do Kanili”.
Outro morro de pedra, também de grande realce, encontra-se no sobado Neguenje, onde eu
também ia fazer o recenseamento. O referido morro, com um comprimento enorme, podia
conter mais de 5 mil pessoas. E uma caverna muito escura, e para ali entrar e necessário utilizar
iluminação artificial.
Dizem que antigamente refugiavam-se ali as pessoas que fugiam das guerras e para o
abastecimento de agua ou quando iam em busca de lenha. Tem três entradas pequenas, uma para
o lado do sul, outra para o lado do rio vizinho, e o terceiro para o lado da floresta. A agricultura
recorria a riqueza dos excrementos dos morcegos, que ali faziam o seu habitat, e que depois são
utilizados como adubo para os campos.
Quero que saibam que os rios kulele e kukai e a Missão Evangélica Reformada do Bailundo
abrigam um grandioso monumento muito antigo de grande destaque, feito pelo homem, “talvez
mesmo antes de Cristo”. E um grande morro feito de terra e pedra, e feito muito provavelmente
por muitos milhares de pessoas. Os construtores daquela obra abriram uma vala profunda com a
largura de cerca de dez metros; a terra da escavação era transportada para determinado lugar
onde formou um monte grande que calcaram com pedras.
A antiguidade daquele monte prova-se pelas árvores centenárias que nele nasceram e que nele
continuam em pé.
De todas as vezes que o tenho visitado fico “de boca aberta”, e o considero como igual as
pirâmides do Egipto, e ninguém sabe qual a sua utilização. Uns dizem que era o túmulo de um
rei tribal, outros, uma torre de vigia, e a vala que atingia os dois rios era uma espécie de
trincheira de guerra.
Outra maravilha natural encontra-se junto da Missão Católica do Bailundo e da aldeia de
Chissanji.
Trata-se dum poço muito profundo, aberto numa rocha, chamado Ombia Yondungo. Quando se
lança uma pedra para o seu interior, ouve-se ela a bater nas paredes do poço durante bastante
tempo antes de bater no fundo.

Um padre francês utilizou dez novelos de barbante, tendo amarrado uma pedra na ponta do fio
de um novelo, fez descer ao poço a pedra, e quando o novelo terminou ligou-lhe outro novelo,
até contar os dez novelos, e mesmo assim sem chegar ao fundo, e cada novelo tinha cerca de
500 metros. Na minha opinião este buraco devia ser explorado, provavelmente sendo um
depósito de petróleo. É um poço histórico, porque a tradição diz que antigamente lançavam para
lá todas as pessoas acusadas de feitiçarias.

O autor

Trabalharam como revisores deste trabalho de autor:


José Júlio Vieira Fernandes (Diácono da Igreja Evangélica Metodista de Braga)
Braga, 26 de Fevereiro de 2009
Luís Manuel da Silva Magalhães (Élder [Ancião de orientação Baptista Particular e calvinista]
congregante da Igreja Baptista Pentecostal de Braga)
Braga, 12 de Maio de 2010
Prefácio à obra de Armando Ribeiro Simões
Pelo Diácono Metodista Conservador e Criacionista José Fernandes.
Foi para mim muito gratificante e proveitoso reescrever este trabalho a pedido do seu autor,
trabalho este que apresenta com bastante clareza a maneira de viver de um povo lá dos confins
africanos, povos estes que foram dominados e explorados, por vezes com bastante dureza e
desumanidade pelos seu colonizadores, segundo relata quem escreve, e durante séculos, e da
forma como eles pensavam acerca da vida e dos seus mistérios que pode ser comparada com a
forma de viver e de sentir de muitos outros povos do mundo e que poucas diferenças
apresentam. É que quando o Criador de todas as coisas criou o ser humano, todo ele foi feito
com a mesma sensibilidade divina, feita da mesma massa, fez uma espécie apenas, todos feitos à
imagem e semelhança de Deus, todos iguais, por isso é que todos têm os mesmos direitos bem
como os mesmos deveres, uns para com os outros e todos para com Deus. No seu instinto todos
percebem que estão dependentes de um Espírito Superior que governa o universo, O qual não é
perceptível aos olhos humanos mas sentido através dum Juiz que o Criador colocou em cada ser
humano que nasça neste mundo, o que não aconteceu com qualquer outra criatura da Terra, cujo
Juiz controla todas as sensibilidades deste ser, quando este faz o bem mas sobretudo quando ele
pratica o mal; este Juiz é conhecido por todos e todos o sentem, mais conhecido por Consciência
humana. Qualquer um destes seres, seja mais civilizado ou menos civilizado sabe muito bem
quando pratica uma maldade que lhe irá depois pesar no seu subconsciente, pois percebe que
depois terá que disso prestar contas diante dum ser supremo. Ora a Consciência pode funcionar
para o bem da criatura, mas também é o causador de muitas perturbações mentais que têm
infelicitado muita gente e a faz sofrer de muitas formas. Mas este Juiz não foi colocado em
qualquer outra criatura nascida no planeta Terra, por maior que seja ou por maior que tenha o
seu cérebro, o que faz com que ele depois não tenha quaisquer perturbações no seu instinto
quando tenha que matar para sobreviver. Ele mata e dorme sossegadamente.
Mas todos os povos, feitos à semelhança do Criador, passam também eles a capacidade de
criadores, criam depois os seus costumes, criam as formas mais práticas para a sua
sobrevivência, seja dentro da selva ou na cidade, usam a sua imaginação para criar o que pensa
que lhes faz falta para a vida. Todos sabem também que têm uma vida limitada na terra, e
instintivamente sabem que depois do envelhecimento virá a morte, sabendo também,
instintivamente, que irão para um outro lugar desconhecido.
Mas de povo para povo existem muitas diferenças, na forma de pensar, na forma de sentir, na
forma de se relacionar com os outros, na forma de perceber a vida, na forma de se governar, o
que atesta a capacidade do ser humano em ser diferente mas sempre igual ao seu semelhante, e
essas diferenças nós as poderemos apreciar nos vários itens aqui relatados, o que nos
impressiona bastante.
O autor destas histórias/estórias, que segundo sei é filho de pai branco, da região da Beira Alta,
e de mãe negra, ele envolveu-se profundamente na forma de viver do povo onde nasceu, o
Bailundo, na região angolana de Huambo que, segundo ele testemunha, até ele mesmo declara-
se vítima de feitiçarias, o que me impressiona ainda mais, pois esta situação acontece-lhe já
mesmo depois de ter-se convertido a Cristo através dos evangélicos metodistas de origem
americana, segundo o seu próprio testemunho.
Pelas histórias aqui descritas, muitas delas com o português misturado com o umbundu a língua
falada entre os bailundos, em que muitas destas histórias/estórias são o testemunho do autor
como fazendo parte das mesmas, percebe-se que estava bem integrado na cultura e costumes
deste povo; que apesar de ser uma mistura de africano com europeu, era pessoa com uma
cultura acima da média africana, criado numa família de bem, conhecedor das origens,
tradições, mitos, superstições e pecados/crimes do povo onde estava inserido, testemunhando
também da presença dos brancos e do seu comportamento para com os negros, mas também
testemunha a chegada dos trabalhos missionários, quer católicos, quer protestantes com as suas
diferenças, e da importância da mensagem Evangélica para o seu povo.
O autor apresenta todo o conhecimento histórico desse povo, porque além de o ter adquirido na
sua formação escolar, também o ensinou a muitos dos seus alunos no período em que leccionou
como professor primário, e aprofundando estes conhecimentos quando trabalhou para o Estado
Português como funcionário público na área do recenseamento das populações nativas,
contactando directamente nas suas aldeias o próprio povo, perguntando acerca de todas as
histórias, as suas origens e sentido das mesmas e depois vivendo com elas.
Mas também testemunhou e participou nos acontecimentos políticos que viriam a transformar
Angola, e que quase a destruiu, primeiro numa guerra de libertação da sua situação de
colonizados para a independência, conflito este que agravou a vida de todos os angolanos pela
reacção negativa dos colonizadores, que terminou com o 25 de Abril em Portugal, mas também
testemunha a guerra civil, a qual iria colocar toda a nação ainda em pior situação por causa das
lutas ideológicas e políticas que dividiu o povo, mas sobretudo testemunha muitos dos crimes
cometidos pelos líderes angolanos contra pessoas inocentes, que esperavam que a sua guerra
contra Salazar lhes trouxesse o bem estar que nunca haviam tido, mas que se desiludiram com
os seus próprios líderes que acabaram por suportar uma guerra ainda mais destruidora e mais
demorada, e que terão de esperar muitos anos ainda para melhorarem a sua situação, política e
social, bem como noutras áreas da vida.
Acabou por ter de fugir da sua própria terra, para este africano mestiço uma terra madrasta,
refugiando-se em Portugal, onde adquiriu dupla cidadania, uma vez ser filho de um cidadão
português.
Braga, 15 de Março da 2009
José Júlio Vieira Fernandes
TOMO I
A criação do mundo e do primeiro homem
Quem percorrer o território angolano, ao chegar ao centro do país entre os paralelos 12 e 14,
encontrará um povo destacado, nobre e delicado: os Bailundos, pertencentes à etnia Ovimbundu
ou Imbundu, cuja língua é umbundu. Trata-se duma língua tão rica como a língua portuguesa,
especialmente na tradução das Sagradas Escrituras, sendo a mais falada em Angola, sobretudo
nas províncias do Huambo, Benguela e Bié. No entanto, esta língua é falada em todas as
províncias de Angola, até mesmo em Luanda, cidade habitada maioritariamente habitada pelo
grupo étnico Kimbundu, onde é usual ouvir-se nas ruas pessoas falarem umbundu, e sendo
também falada fora de Angola. Dou-vos dois exemplos para ilustrar:
Conta-se que uma vez em Lisboa num autocarro estavam dois homens sentados de fronte duma
senhora muito bonita; para evitar que os presentes compreendessem o que diziam resolveram
falar em umbundu dizendo:
-Ukai u wa puai lua! (Esta mulher é muito bonita!) – De repente ouviu-se uma voz, dentro do
espaço partilhado, que dizia:
-Wa fina puai o wange! (De facto é bonita mas é minha!)
A minha mulher foi certa vez ao Canadá. Uma ocasião, ao ouvir muitas pessoas falarem em
português, disse a alguém que a acompanhava:
-Kulo Kulivo va português? (Aqui também há portugueses?)
Imediatamente interveio alguém que em umbundo retorquiu:
-Ava valiva mola cimue? Vova enda ovo chilili, chilili… (Estes não podem ver nada? Ei-los a
andar em grandes grupos…)

Soku
Muito antes do Evangelho de Cristo ter chegado aos bailundos, estes já sabiam que havia um
Deus, Soku, um Ser omnipotente, Criador do Mundo e de todas as coisas que nele existem. Não
só sabiam isto como também confiavam plenamente n‟Ele, considerando-o benigno e
misericordioso. Se alguém escapasse de algum perigo logo dizia:
-Suku wa nu atisa! (Deus ajudou-me!)
Na concepção tradicional dos bailundos, um doente mesmo que estivesse perante um médico ou
curandeiro, só se curava se Suku quisesse. Por isso é costume dizer-se:
-Suku a kuece oco ovimbanda vi li pande oku sakula (Que Soku te dispense para os curandeiros
se vangloriarem).
Os bailundos consideram Soku como a fonte de toda a luz, e por isso julgam que Ele vive perto
do Sol.
De acordo com a sua tradição, Soku mandou descer do Céu um Ochinjila (uma ave gigantesca),
que ao chegar ao espaço ocupado pelo nosso planeta pôs um ovo no ar, que cresceu até atingir
as proporções deste mundo. Desta maneira foi o mundo criado.
Depois de ter criado o mundo, Soku desceu à Terra, pousando nas rochas, nas margens e junto à
foz dos rios Cunene e Cumbongamua. As pegadas de Soku ficaram naquelas rochas juntamente
com as do seu cão, o arco e as respectivas flechas. Estas marcas continuam gravadas até ao dia
de hoje.
A descida de Soku à Terra, passando por estas rochas, denomina-se Feti, o que significa Génese.
Infelizmente o local onde se encontram estas pegadas atribuídas a Soku, foi coberto pelas águas
de uma barragem que ali construíram.
Depois de ter criado o mundo, chegou a vez de criar os homens. Para o efeito, Soku utilizou
dois caldeirões de barro com as respectivas tampas. Num meteu os homens brancos e no outro
os negros.
Aqueles caldeirões serviam de viveiros, pois os homens eram pequeninos como os percevejos e
tinham uma propriedade que os fazia crescer.
Enquanto os homens cresciam nos caldeirões, Soku prosseguia com a sua obra criadora abrindo
o mar e os rios. Todos os rios dirigiam-se para o mar, e com o lodo destes Soku formou as
montanhas, e todo o tipo de elevações.

Depois de ter criado os rios, Soku fez chover torrencialmente durante alguns dias até os rios se
encherem juntamente com o mar. Quando chovia desciam do Céu, como gotas de água, todos os
animais aquáticos. Em seguida Soku criou os vegetais, chamando-os pelos nomes, em função de
cada espécie dizendo:
-Que venham as árvores de Mako. As árvores de mako desceram do Céu e enraizaram-se na
terra.
Soku fez assim com todas as árvores que se encontram no planeta, como por exemplo:
-Sesse, Capilangau, Uncha, Mone, Nundo, Ussamba e tantas outras.
Os arbustos e as ervas também foram chamados da mesma forma, um de cada vez, e os nomes
mantêm-se até aos dias de hoje. Desde então a terra passou a ter água, frutos e cereais, para
poder alimentar os seres vivos.
A seguir à criação dos vegetais, procedeu à criação dos outros seres vivos. Tal como acontecera
com os vegetais, Soku foi chamando por cada espécie:
-Que venham as palancas; e as palancas desciam do céu e pousavam na terra.
-Que venham os leões; estes desciam do céu e pousavam na terra.
Soku fez assim com todos os outros animais que existem, tantos os domésticos como os
selvagens.
Por último chamou pelas mulheres, começando pela raça branca e depois pela raça negra.
Assim ficou concluída a criação do mundo.

Depois Soku foi abrir os caldeirões de barro que continham os homens. Nesta altura já estavam
crescidos, e Soku lhes entregou o reino da terra bem como lhes deu directrizes sobre a forma de
governar o mundo e lhes ensinou as directrizes sobre a forma de governar o mundo e lhes
ensinou as “tecnologias”.
Primeiro foi abrir os caldeirões de barro que continham os homens brancos que, obedecendo-
lhe, logo saíram e O seguiram. Depois foi abrir a tampa do caldeirão que continha os homens
negros, dizendo-lhes que saíssem para O seguirem. Porém, tal não foi possível, pois muitos
deles não permitiam que os outros saíssem. Sempre que um deles tentasse sair, era logo
impedido pelos outros que o puxavam pelas pernas. É desta forma que os bailundos explicam o
“atraso tecnológico” que se verifica entre os africanos em relação aos “países mais
desenvolvidos”.
Após Soku ter concluido toda a sua obra criadora, surgiu uma contenda entre os animais e os
homens.
Uma leoa tinha 5 filhos e sempre que ia à caça deixava-os ao cuidado de um cão, na qualidade
de ama-seca. No primeiro dia, na ausência da leoa, o cão comeu um dos filhotes. Quando a leoa
regressou ordenou ao cão que lhe trouxesse as crias, uma de cada vez para se amamentarem. O
cão, para que a leoa não desse conta, levou um filhote e em seguida levou outro duas vezes.
Como eram todos muitos parecidos a leoa não se apercebeu.
No dia seguinte, na ausência da leoa, o cão comeu mais um dos leõezinhos, ficando menos três.
No terceiro dia o cão voltou a comer mais um e restaram dois. Quando a leoa chegou, e como
era usual pediu ao cão que trouxesse os filhotes. Então o cão usou a mesma estratégia,
perfazendo sempre o número de cinco.
No dia seguinte quando a leoa saiu para caçar, o cão comeu mais uma cria, restando apenas
uma.
Quando a leoa chegou e pediu ao cão para trazer os seus filhos, este pegou no que restava e
levou-o à leoa cinco vezes consecutivas.
No outro dia o cão aproveitando a retirada da leoa, comeu o último filhote dela. Por conseguinte
o cão não tinha outra alternativa senão fugir, pois sabia que, sem dúvida, seria perseguido.
Assim procurou um refúgio seguro de forma a escapar à vingança da leoa.
Durante a fuga, os primeiros seres que encontrou foram as galinhas a quem disse:
-Mostrem-me como é que vocês lutam para eu ver se são capazes de derrotar o inimigo que me
persegue.
As galinhas lutaram às bicadas, e o cão disse:
-Vós não podereis lutar contra quem me persegue.
-Quem te persegue? – Perguntaram as galinhas.
-É a leoa. – Explicou o cão.
As galinhas ouvindo que se tratava da leoa, também tiveram medo e começaram a fugir
juntamente com o cão.
Entretanto a leoa foi à caverna onde costumavam estar os filhotes e dizer ao cão que lhe
trouxesse as suas crias para as amamentar. Nem vivalma! Nem o cão nem os filhotes estavam
ali. Assim, orientando-se pelo faro saiu em perseguição do cão com o intuito de o aniquilar.
O cão, sempre a fugir, encontrou os cabritos e disse-lhes:
-Mostrem-me como lutam.
Os cabritos lutaram com os chifres em riste e o cão lhes disse:
-Nem tampouco vós sereis capazes de vencer aquele que me persegue.
E os cabritos perguntaram:
-Quem te persegue?
-É a leoa! – Respondeu o cão.
Os cabritos, sabendo que ela não tardaria a chegar, também se juntaram ao grupo fugitivo.
O cão continuou a correr até se encontrar com os porcos e pediu-lhes que lhe mostrassem como
costumavam lutar. Também estes lutaram com os focinhos em riste e o cão logo lhes disse:
-Vocês não conseguirão lutar com aquela que me persegue.
-Quem te persegue? – Perguntaram os porcos.
-É a leoa! – Disse o cão.
Ouvindo isto, também os porcos se puseram em fuga seguindo o cão.
Depois o cão encontrou os bois e lhes pediu:
-Mostrem-me como é vocês costumam lutar.
Os bois começaram a lutar e o cão lhes disse:
-De facto vocês têm muita força e penso que bem poderiam derrubar a leoa que me persegue.
Os bois ao saberem que a perseguidora era a leoa, encheram-se de medo e incluíram-se no
grupo que seguia o cão; e também fugiram.
O cão rodeou-se de todos os animais, que se denominam de domésticos, e viu que não podia
socorrer-se de nenhum deles perante a eminência de ser apanhado pela leoa.
Por fim o cão encontrou as mulheres. Primeiro as de raça branca que estavam à sombra duma
frondosa árvore, tinham espelhos e penas nas mãos com as quais tratavam os cabelos. O cão
quando lá chegou, pediu-lhes que lhe mostrassem como lutavam. Elas fizeram-no dando
chapadas e pontapés umas às outras. Face a isso o cão disse:
-Vocês são muito fracas e por isso incapazes de derrubar a leoa que me está a perseguir.
As mulheres brancas, ao ouvirem falar da leoa ficaram assustadas e prontamente meteram-se no
grupo dos animais que fugiam com o cão.
Um pouco mais adiante o cão encontrou as mulheres de raça negra que estavam a cavar
olonguesso (capim que produz nas raízes uns tubérculos do tamanho de ervilhas com gosto a
coco) e disse-lhes a mesma coisa:
-Mulheres de raça negra mostrem-me como lutam!
As mulheres negras pegaram nas suas pequenas enxadas atirando-as umas contra as outras. Mas
logo o cão argumentou:
-Da maneira como vocês lutam não sereis capazes de derrubar a leoa que vem perseguindo-me.
Ao ouvirem falar da leoa, as mulheres negras fizeram como as brancas e puseram-se em fuga
imediatamente.
O cão continuou a fugir juntamente com os outros seres que os acompanhavam. Momentos
depois chegaram a um grande quimbo (aldeia) cercado de pau-ferro que era a residência de
homens de raça branca e negra. Pedindo autorização para entrar, pediu que os homens lhe
mostrassem a forma como lutavam. Então eles pegaram em armas (não especificam o tipo de
armas, visto as armas de fogo terem vindo para África pelos europeus) e começaram a lutar.
Então o cão disse:
-Sim senhor! Vejo que serão vocês capazes de derrubar a minha perseguidora.
-Quem te persegue? – Perguntaram os homens.
-É a leoa. – Respondeu o cão.
Os homens disseram que seriam capazes de derrotar a leoa, e depois de deixarem entrar no
cerco todos os animais que acompanhavam o cão bem como as mulheres, disseram ao cão que
devia ficar no portão como vigilante e que ladrasse logo que a leoa aparecesse, o que não tardou
a acontecer, pois logo surgiram a leoa na companhia do leão.
Quando este os viu pôs-se a ladrar para alertar os homens, que prontamente, pegaram nas suas
armas.
A fêmea que apareceu primeiro foi atingida em cheio e caiu morta. O macho, vendo a leoa
estendida no chão, tentou reagir acabando também por ser atingido.
Deste modo o cão livrou-se da leoa e resolveu ficar com os homens. Passou assim a ser guarda,
sendo esta a razão porque ainda hoje ladra sempre que dá conta do aparecimento de alguém que
seja estranho, seja homem seja animal.
Quanto aos outros animais que acompanhavam o cão decidiram não mais voltar para a mata, e
daí também passaram a ser considerados como animais domésticos até hoje.
Por sua vez os homens apreciaram de tal modo a presença das mulheres, que não as deixaram ir
embora e ficaram a viver com elasii.
Depois da vitória do homem sobre o leão, o deus Suku (talvez uma referência velada e
sincretista a Dus) apareceu novamente para distribuir as pessoas pelos locais onde se encontram
actualmente. Juntou um varão com uma mulheriii, abençoou-os, deu-lhes uma linguagem para
comunicarem-se e enviou-os para que formassem uma nação; dizendo-lhes:
-Ide, frutificai-vos e multiplicai-vos. – E assim formaram-se todas as nações.
Por fim o deus Suku voltou para a Sua residência celestial que se encontra no Céu perto da
Estrela denominada pelos homens como “Zam/Sol”iv.
Onjembo e kalunga Na concepção tradicional os bailundos acreditam que os seres humanos têm
uma alma que se desprende do corpo, assim que a pessoa morre. Em Umbundo, a alma de uma
pessoa enquanto viva chama-se Ochilulu ou Ukuassuku, o que significa “o que é de deus”, e
como tal, pode também operar milagres como o próprio deus Suku: como meter lodo numa casa
com as portas fechadas; disparar sem arma uma bala e matar alguém; deixar cair uma faísca
sobre alguém quer em tempo seco quer em tempo chuvoso; pode inclusivamente, produzir
milho numa lavra, assim como outras acções impossíveis de serem realizadas pelos humanos.
As almas dos malfeitores vão para o Onjembo onde são torturadas “eternamente”v, mas os
bailundos não descrevem os tipos de torturas que lá existem. Certamente, onjembo significa
infernos (termo judaico) ou inferno (ausência do Eterno) segundo as igrejas cristãs tradicionais
não inclusivas ou a teologia sincretista dos bailundos. Por exemplo, pode citar-se a tradução
bíblica do português para umbundu, onde “infernos/inferno” foi traduzido mesmo para
“onjembo”.
As almas dos benfeitores “vão para kalunga” (entender como o “Seio de Suku”) onde irão
desfrutar da glória do seu deus plenamente transcendente, uma divina providência definida
como sui generis (ritosdeangola.com.br).
Os benfeitores bantos enquanto vivos gozam da companhia da magia, dos espíritos. Só muito
excepcionalmente recorrem a Suku. E a divindade preserva assim a sua distância da carnalidade,
da impureza. O banto preserva a autodeterminação quase plena. O ser humano é contingente: ser
e não ser. Felizmente.
Entre este grupo étnico os sonhos ocupam um lugar especial, sobretudo pelo facto da pessoa
falecida poder ou não ser sonhada pelos seus familiares. Assim, se uma pessoa falecida não
aparecer nos sonhos de alguém, é sinal de que foi para onjimbo de onde não pode sair; caso
contrário indica que a alma tenha ido para Kalunga ao lado da divindade.
Torna-se fácil deduzir que Kalunga corresponde ao místico “Paraíso ou Pomar da Várzea”
celestial conforme ensina a religião cristã. É, no entanto, de referir que todas as almas, quer as
que vão onjembo quer para Kalunga, têm vida eterna (entenda-se na vox populivi semita [que
corresponde literalmente ao “baixo rabinato”]: “óhlam”, na interpretação hebraica popular seria
“eterno” mas é uma posição que é limitativa historicamente para os letrados Rabinos, para o
altovii sacerdócio moral e intelectual), uma vez que ali não existe mais a morte. A inexistência
da morte é, geralmente, ilustrada com a seguinte história entre os bailundos:
Estava-se no tempo do Eyele (trata-se da “Grande Festa” de todos os quimbos, de todas as
aldeias e povoações da região). Todos os quimbos estavam agitados devido ao grande
acontecimento do Eyele.
Os presentes sentiram-se, em dado momento, incapazes de beber tanto Kimbombo (bebida feita
de farinha de milho). Fazia-se pirão ao ar livre e carne assada em grandes fogueiras. Havia
espectáculos para entreter as pessoas.
Durante as noites, o povo dançava ao som do batuque no ochila (campo de danças).
Um homem de nome Kalumbonjambonja, depois de ter dançado muito, resolveu à meia-noite
abandonar a dança e ir para casa dormir, já cheio de sono. Era uma noite de muito luar. Tendo
caminhado uma pequena distância quando, perto do alumbo (cerca de estacas de madeira à volta
de um quimbo [povoação]), viu uma moça toda vestida de branco. Kalumbonjambonja assim
que a viu, estando ela sozinha, cumprimentou-a dizendo:
-Akuku?
-Kuku. – Respondeu ela.
-O que fazes aqui? – Perguntou Kalumbonjambonja.
-Estou à procura da minha gente que não me aparece. – Respondeu a moça.
-Onde é o teu quimbo? – Perguntou ele.
-Eu venho do Kalundo (cemitério), explicou a moça.
Agindo de conformidade com o costume bailundo, designado por Oku tumisa (dormir com uma
mulher mas sem ter relações sexuais), convidou-a para pernoitar em sua casa, sem saber que ela
era uma alma do outro mundoviii. Ela aceitou o convite e seguiu Kalumbonjambonja.
Já em sua casa, entraram. Ele que era solteiro, mostrou-lhe a cama, foi à cozinha onde havia
fogo, e acendeu capim para fazer luz.
Kalumbonjambonja quando chegou ao dormitório viu que a moça era muito bonita mas ela o
alertou dizendo-lhe:
-Não te aproximes de mim com o fogo; na minha terra nuca usamos fogo.
Aquela noite foi para os dois uma anfitriã plena de prazeres. Apesar de se resumir a carícias,
sem as relações sexuais (coito) consumadas. Entretanto Kalumbonjambonja assim que ia tendo
contactos com o corpo da rapariga, notava que o corpo dela estava muito frio. Apesar disso, e
como estava visivelmente apaixonado (uma paixão descontrolada e utópica nocenteix -baixa
irracional e perigosa de serotonina no cérebrox), perguntou-lhe se queria se casar com ele, ao
que ela respondeu afirmativamente. Momentos depois acordava o dia em que
Kalumbonjambonja devia ir pedir aos pais dela a mão da moça e todas as outras coisas relativas
ao casamento, tal como era o costume dos bailundos. No entanto, e a pedido da noiva, excluiu-
se o acto de pedir-se a mão. De modo que, dentro de alguns dias ela voltaria ali e realizariam o
casamento.
De manhã muito cedo ela disse que queria ir para o seu quimbo e que ele lhe desse uma galinha
de oniane (galinha branca) por aquela noite.
Kalumbonjambonja foi à capoeira procurar a galinha branca e lha entregou. Antes da noiva
vestida de branco despedir-se, ele então perguntou-lhe pelo seu nome, e a rapariga disse-lhe que
chamava-se Pepeka. De seguida, e perante o espanto estúpido do noivo, ela retirou-se saindo
pelo tecto.
Nos dias que se seguiram Kalumbonjambonja vivia mergulhado em saudades de Pepeka.
Quando faltavam alguns dias para o potencial casamento, Kalumbonjambonja pediu que toda a
gente preparasse o ossovo (milho grelado para fazer o fermento das bebidas alcoólicas), para
fazer Kimbombo para o seu casamento, o que foi aceito de bom grado. Toda a população do
quimbo meteu o milho na água para grelar.
Na véspera do casamento estava tudo a postos. Havia grandes quantidades de Kimbombo e
tinham-se morto muitos animais, incluindo o usual porco dos noivos. Mas o povo não sabia de
onde era a noiva.
Ao tentarem satisfazer esta curiosidade, Kalumbonjambonja respondia que era originária de um
quimbo chamado Kalundo. Ninguém desconfiava que Kalundo era um cemitério.
Nesse dia à noite ouviu-se um grande reboliço no quimbo. Era a chegada de Pepeka. Vinha com
ela muita gente, incluindo os seus pais. A gente que a acompanhava trazia consigo diversa tralha
onde se podia ver muita criação, incluindo lavras enroladas como esteiras.
Quando amanheceu deu-se, como reza a tradição, o inicio às cerimónias do casamento. Todos
os presentes ficaram deslumbrados face à beleza da noiva, muito longe de imaginarem que se
tratava de uma alma do outro mundo.
Depois do casamento, Kalubonjambonja passou a ter uma vida plena de felicidade e muitos
êxitos. À noite, Pepeka mobilizava todas as almas das pessoas que dormiam no quimbo, e
mandava-as trabalhar na sua lavra. Quando os donos das referidas almas despertavam do sono
notavam que estavam muito cansados, pois tinham ido trabalhar nas lavrasxi de pepeka (sem
que o soubessem).
Tempos depois, Pepeka concebeu e teve um filho do sexo masculino que era, portanto, mestiço,
uma vez que era filho de um adam (homem da terra vermelha, o mesmo que dizer aonde circula
o sangue) e de um espírito. Cumpriu-se de seguida o costume denominado Ongulo yo koviongo
(porco que os sogros dão aos genros como prémio à região lombar do genro, de onde veio o
filho que nasceu; acredita-se, entre os bailundos, que os filhos vêm dos lombos dos homens).
Para Kalumbonjambonja receber o tal porco tinha de deslocar-se à aldeia da esposa, tendo
Pepeka determinado o dia de partida para lá. Nesse dia, saíram de casa muito cedo e andaram
quase o dia todo. Depois, quando encontraram a toca de uma toupeira, Pepeka disse ao seu
marido:
-Eis aqui o caminho para a nossa terra, apontando com o dedo a toca da toupeira.
-Como é que havemos de entrar num buraco assim tão pequeno? – Perguntou atónito o marido.
-Ora essa! Se um elefante pode ali entrar, quanto mais nós!
Pepeka fez um gesto que lhes permitiu entrar. Depois de terem entrado, Kalumbonjambonja viu-
se perante o luzeiro maior (o Sol) com uma nuance: o Sol não era quente como o seu. Por outro
lado, as pessoas eram muito estranhas, pois tinham raízes atravessadas nos seus corpos (são as
raízes que atravessam os cadáveres enterrados). Outros eram apenas esqueletos. Ele nunca vira
nada igual.
Andaram até ao anoitecer, tendo-se abrigado numa choupana feita de ossos humanos e coberta
de cabelos das pessoas mortas. A dona da casa era uma velha que tinha as costelas a descoberto.
Inclusivamente podia-se ver o coração a trabalhar. Umas raízes haviam-lhe entrado pelo nariz e
saiam-lhe pela boca.
Os dois pediram à velha para ali passarem a noite, e a velha acedeu com gosto. De perto era
ainda mais repugnante, pois do pouco corpo que ainda tinha carne, estava cheio de furúnculos.
Para grande surpresa de Kalumbonjambonja, pediu para rebentar-lhe os furúnculos com a boca,
o que ele fez, cuspindo o pus para o chão.
À noite a velha quis preparar a ceia, mas disse que tinha apenas fubá, farinha de milho para
fazer o pirão. Como não tinha conduto, ela pediu que cada um desse os seus dois olhos. Assim a
velha tirou os olhos de Pepeka e de Kalumbonjambonja, lavou-os muito bem, meteu-os numa
panelinha, acrescentando uma pitada de sal, e numa fogueira muito diferente das que
conhecemos, fez o pirão.
Quando este ficou pronto, tirou-o da panela, distribui-o pelos pratos de Pepeka e de
Kalumbonjambonja. Depois tomou o conduto e deu a cada um deles um dos seus dois olhos
misturados no molho e nas iguarias, ao mesmo tempo que dizia:
-Wabenge, wabenge, wandunge, wandunge. Wabenge o velela iso liabe (Tradução: “Quem tem
juízo é sempre acautelado; quem não tiver juízo comerá os seus olhos” – é um apotegma dos
Bailundos).
Kakumbonjambonja e Pepeka compreenderam de imediato o significado daquele apotegma, e
assim fizeram tudo para poupar os seus olhos.
No fim da ceia, a velha pediu para que lhe devolvessem os olhos. Pegou neles, lavou-os com um
certo líquido e voltou a pô-los nos respectivos lugares, os quais assentaram tão bem que era
difícil pensar que haviam sido cozidos.
Passaram aí a noite e no dia seguinte prosseguiram a viagem.
Pepeka já na sua terra de origem, resolveu sem consultar Kalumbonjambonja, extrair a parte
carnal do menino para que ficasse apenas a parte espiritual, pois só assim o poderia deixar com
os seus pais quando regressasse para a aldeia do marido. No entanto ela disse ao marido que o
menino estava doente. Caminharam uma distância até se encontrarem com uma prima de
Pepeka. Esta queria que Pepeka levasse o menino na forma de alma do outro mundo, para os
avós. Para isto Pepeka pediu ao marido que fosse à procura de lonchas (frutos silvestres)
enquanto conversava com a prima.
Kalumbonjambonja foi até à árvore que produz lonchas onde viu dois homens sentados num dos
ramos da árvore e a comerem dos seus frutos; um deles tinha o coração de fora e o outro uma
raiz atravessada no pescoço. Kalumbonjambonja disse-lhes que a sua mulher o mandara colher
lonchas pois tinha o filho doente. Um dos homens tirou três lonchas e deu-lhas, dizendo que
uma era para a mulher, outra para o filho e a outra para ele. Ao voltar, Kalumbonjambonja viu
que a prima de Pepeka já se havia retirado e Pepeka disse ao seu marido que a criança havia
morrido, indicando-lhe o seu cadáver com o dedo. Ele então estava prestes a chorar, mas a
esposa repreendeu-o dizendo que naquela terra era proibido chorar. O que ele não sabia era que
a parte espiritual da criança tinha sido levada pela prima, e que apenas tinha restado a parte
carnal. Não havendo mais nada a fazer, abandonaram aí o pequeno cadáver e continuaram a
viagem.
Depois de terem caminhado uma certa distância, chegaram ao quimbo de Pepeka. Estava muita
gente à espera, onde foram recebidos com alegria. Alguns tratavam Kalumbonjambonja por tio,
outros por cunhado, ainda outros por pai, conforme o costume dos bailundos.
Ele, convencido que estava a ser bem recebido, decidiu contar aos presentes a que havia passado
na viagem, dizendo:
-Nós viajamos bem e dormimos pelo caminho. Infelizmente o nosso filho, que fora o motivo
desta nossa deslocação até vós, pois queríamos mostrá-lo aos avós, morreu quando estávamos
perto daqui.
De repente, criou-se grande agitação e as pessoas começaram a dispersar ao mesmo tempo que
gritavam:
-Aqui não existe a morte. Dêem-lhe uma dedada no olho. E, novamente, voltavam a gritar
repetindo a ameaça.
Toda a gente acabou por retirar-se incluindo Pepeka.
Ao anoitecer apareceu uma pessoa, era uma velha que disse a Kalumbonjambonja o seguinte:
-Certamente tu não me conheces. Eu sou a trisavó do teu pai. Quando vim para esta terra o teu
pai ainda não tinha nascido. Fiquei muito admirada quando te vi aqui, pois nunca pensei que
alguém de carne e osso como tu pudesse chegar a este mundo. Mas lamento bastante que
Pepeka, a tua mulher, não te tenha instruído como te deves portar aqui. A palavra morte
pronunciada por ti causou, como viste, muito pânico, pois aqui não existe a morte, e o povo
estava convencido que tu a trouxeste.
Aconselho-te a ser mais prudente e cauteloso enquanto viveres aqui, pois eles querem extrair-te
a tua alma para que fiques por cá definitivamente, o que eu não posso permitir. Para que possas
sair daqui são e salvo evita comer da comida que eles comem. Trouxe-te, por isso, este ekende
(espécie de broa de milho) que te servirá de sustento durante todo o tempo que aqui
permaneceres. Evita, de igual modo, beber água daqui, e por isso também te trouxe esta
cabacinha com Chissangua (bebida feita de farinha de milho mas não alcoólica). Se provares a
comida e a água desta terra, jamais sairás daqui.
Assim que a velha se retirou, apareceu de imediato uma rapariga que com medo, certamente por
kalumbonjambonja ter pronunciado a palavra morte, pousou o balaio de comida no chão e saiu a
correr. Ele ficou só, durante dias, a alimentar-se do ekende e da Chissangua. Nem sequer
Pepeka aparecia.
Numa noite apareceu-lhe de novo a trisavó que lhe disse:
-Amanhã serás submetido a uma prova. Se falhares serás morto, a tua alma ficará entre nós para
sempre, o que eu não quero. Trarão muitos cães, todos iguais e da mesma cor, e te pedirão para
que indiques o cão de nome Huvi. Toma este caniço oco que tem uma mosca dentro. Quando te
pedirem para indicares o referido cão, abre o caniço, solta a mosca, e presta atenção a ela; o cão
em que ela pousar será o tal huvi.
No dia seguinte toda a população da aldeia aglomerou-se em frente da cubata onde estava
alojado Kalumbonjambonja.
Notas:

I Bailundo é uma cidade e município da província


do Huambo, em Angola, localizada em pleno
planalto central. Tem 7 065 km² e cerca de 56 mil
Depois o soba disse: habitantes. É limitado a Norte pelos municípios de
-Tu, Kalumbonjanbonja, foste atrevido ao vires à terra Waku Kungo e Andulo, a Este pelos municípios de
Mungo, Cunhinga e Chinguar, a Sul pelos
das pessoas sem carne e osso. Bom! Nós até gostamos municípios de Catchiungo, Tchicala Tcholoanga e
de ti e não queremos que daqui saias. Vamos, por isso Huambo, e a Oeste pelos municípios de Ekunha,
mesmo, submeter-te a uma prova; se não conseguires Londuimbale e Cassongue. É constituído pelas
comunas de Bailundo, Lunge, Luvemba, Bimbe e
desvendar o enigma, que te vamos apresentar, Hengue.
faremos com que a tua alma se separe do teu corpo e À região do Bailundo foi dado o nome do primeiro
soberano, que vindo do norte, fundou e reinou
este será queimado, e a tua alma far-nos-á companhia. durante muitos anos naquilo que foi o maior, mais
Portanto, trouxemos-te estes cães e tu vais indicar o poderoso e influente reino da colónia portuguesa.
que se chama Huvi. Todos os outros reinos o olhavam com o maior
respeito e admiração. A embala (casa grande),
Kalumbonjambonja soltou a mosca, olhou com muita
sede do Soma (monarca) situava-se na localidade
atenção até ela pousar num dos cães e então disse: hoje designada de Bailundo. O Reino do Bailundo
-O cão huvi é este. – Apontando o cão em que foi sucessivamente atacado pelas tropas
pousara a mosca. portuguesas durante séculos, tendo os mais
Mas o povo mostrou-se descontente e sem mais nada conhecidos suseranos que ali reinaram, resistido às
confrontações militares até ao ano de 1.896 AD,
a dizer foram-se retirando.
altura em que o jovem capitão Justino Teixeira da
O pobre Kalum (vamos chamar-lhe assim a partir de Silva, transferido do Bié, onde fora também
agora) viu-se outra vez abandonado, até pela sua responsabilizado pela morte prematura do Capitão-
própria esposa. mor Silva Porto, acabou por derrotar o Rei Numa
Durante estes dias de solidão, apareceu-lhe II que acabara de suceder a Ekwikwi, e ali se
novamente a sua trisavó que lhe disse o seguinte: instalou. A vila veio a ser denominada de Teixeira
-Amanhã vão apresentar-te mais um enigma. Se o da Silva, tendo retomado o nome anterior de
Bailundo após a independência nacional em 1.975
conseguires desvendar tal como fizeste no primeiro, AD. Durante a guerra civil dos anos 90 esteve aqui
irão despachar-te para a tua terra, juntamente com instalado o quartel-general da UNITA.
Pepeka, a tua esposa.
No dia seguinte, pois, todo o povo do quimbo Fonte: janeladeguilhotina.blogspot.com
aglomerou-se à volta da cubata de Kalum.
(nas línguas antigas representa o Sol. Por ex:
Tal como da primeira vez, o soba lhe disse: Sabeísmo, palavra persa surgida da raiz “ZAAB”,
-Vamos apresentar-te mais um enigma, e se o significando Deus, divindade, de onde provém
todo o saber) representando o Deus supremo.
conseguires desvendar como fizeste no primeiro,
poderás ir, juntamente com a tua mulher para a terra Fonte:acervoayom.blogspot.com
de onde vieste, cujas pessoas são de carne e osso.
Atenção à nota 5:vA palavra hebraica
Sobe nesta bananeira e corta o cacho das bananas. “ohlam/óhlam” significa um “tempo indefinido,
Kalum lá subiu como lhe ordenara. Quando estava muito incerto e que este tempo indefinido, mesmo
perto do cacho o soba disse-lhe: sendo traduzido por “eterno” ou “perpétuo”, pode
ter um término”. Os melhores léxicos (não estou a
-É inadmissível que pessoas de carne e osso venham pensar nos dicionários de “fundo de quintal”, mas
aqui para espiarem o nosso modo de vida. Nós não em dicionários técnicos de
hebraico – Inglês, da autoria de eruditos
permitimos isso, e como tal não deixaremos que académicos) definem “Óhlam” como “um período
aqueles que aqui venham voltem para a sua terra de de tempo
origem. Bananeira! – Ordenou o Soba com muita indefinido, de longa duração que pode ser
perpétuo, mas não necessariamente”. vi “Vox
raiva. populi Vox
-Cresce ainda mais e mais! Dei”: “a voz do povo é a voz de D-us” (a voz da
Mediante as ordens do soba, a bananeira começou a maioria é a verdadeira, não se deve subestimar a
opinião pública – o clero inculto -dominante e
subir vertiginosamente para o céu, levando consigo fundamentalista).
Kalum para o alto, que ao ver o perigo gritou: Termo Inglês a Guardar:
vii “Scholar”, experto.
-Se eu vim aqui foi porque a mulher com quem eu viii revista.sobrenatural.org | igreja-lusitana.org
casei me trouxe. Se casei com ela foi porque ela me
aceitou. Além disso, eu confirmo que nunca comi
nem bebi nada da vossa terra.
A bananeira achou que Kalum tinha razão e logo
decresceu, também vertiginosamente. Logo que
Kalum pousou os pés no chão, pegou numa faca e
cortou o cacho das bananas.Nesse instante apareceu
Pepeka com a sua bagagem e puseram-se a caminho.
Optaram por seguir por caminhos mais curtos e em
Secção Paixão Utópica:
ix http://www.emeurgencia.com/2010/05/por-uma-
vida-apaixonada.html
Secção “SlideShare” e Complicações:
x http://www.slideshare.net/renaapborges/a-
famlia-crist
http://www.robertexto.com/archivo3/complicacoes pouco tempo estavam na sua casa, retomando as
.htm suas actividades. Toda a população do quimbo veio
xi http://www.dicio.com.br/lavra/ cumprimentá-los. Voltaram à sua vida normal.
xii Não se trata dum cristão o menino de Pepeka.
Esta separação não poderá dar-se num crente. O Depois de um ano passado, Pepeka concebeu de
cristão embora aguarde a libertação escatológica novo um outro bebé do mesmo sexo. Como da
(Carta aos Romanos 8:23), no tocante ao seu
corpo, já hoje está libertado, em princípio (ou
primeira vez, era necessário voltar à terra de Pepeka
realmente, se for um predestinado reformado ou a fim de receber o porco, como ordenava o costume.
católico marista montfortino ou o Desta vez Pepeka resolveu deixar o marido e ir com
evangelical/católico antinomiano inclusivo), da
“carne”. Pela sua união à morte de YAOHÚSHUA o seu cunhado chamado Tandala. Prepararam a
hol-MEHUSHKHÁY (6:4.6, “verso 4, a nossa viagem, e no dia marcado meteram-se a caminho,
natureza pecadora [basar] foi enterrada com ha- rumando para o outro mundo.
MEHUSHKHÁY, pelo baptismo [para os que
pregam o baptismo] / pregada com ele no poste Kalum pensando nas peripécias pelas quais havia
[para os que rejeitam o baptismo], verso 6 passado quando estava na terra de Pepeka, e
[atenção: mas o acto baptismal é mais preciso e
democrático que o evento do madeiro para ilustrar
sabendo que o quanto o seu irmão Tandala era
a materialização duma transformação desmazelado, ficou muito preocupado, pois eram
transubstancial invisível ao “olho” humano poucas as hipóteses de ele regressar.
comum, um santo poderá ver essa
transubstancialidade, uma evidência intuitiva ao Pepeka e o cunhado caminharam quase todo o dia
crente ecuménico comum, uma certeza subjectiva até chegarem à já conhecida toca de toupeira. Ela
não demonstrável, ao contrário do sacramento da então disse-lhe que o caminho continuava naquele
Eucaristia católico, que ao longo da sua história foi
evidenciado por inúmeros milagres testemunhados buraco. Tandala, intrigado, perguntou como é que
por todos os católicos], e quando YÁOHU UL e eles iriam passar por aquele pequeno orifício.
YÁOHU ABí, com o seu divino poder, O trouxe
de novo à vida, também nos foi concedida uma
Pepeka, como anteriormente, fez um pequeno
vida nova para desfrutar”; 8:3), é desde agora sortilégio e lá conseguiram entrar. Tandala ficou
habitado pelo “versos 9-11, RÚKHA (1ª Carta aos boquiaberto ao ver tudo aquilo. Andaram quase
Coríntios 6:19), se é que o RÚKHA-YÁOHU vive
em vocês (i.e., só os Eleitos Reformados todo o dia até chegarem à choupana onde Kalum se
Calvinistas e os Cristãos Antinomianos Inclusivos havia com a sua esposa, e encontraram a mesma
[http://conviteavalsa.spaces.live.com/blog/cns!E8 velha, com a diferença de que desta vez já não tinha
A44CA42D8320A0!2330.entry] ou os Eleitos
católicos trinitários-maristas montfortinos têm esta furúnculos para serem rebentados.
certeza). E se alguém não tem na sua vida o Quando chegou o momento para prepararem a ceia,
RÚKHA de hol-MEHUSHKHÁY, não é de
maneira nenhuma um Yaohúshuahee. E se ha-
a velha voltou a dizer que só tinha fuba e que não
MEHUSHKHÁY vive em vocês, embora o vosso tinha conduto para acompanhar o pirão. Assim,
corpo esteja morto para o pecado, o vosso espírito voltou a pedir os olhos de cada um. Ela levantou-se
vive porque hol-MEHUSHKHÁY vos perdoou. E
se o RÚKHA-YÁOHU, que levantou e tirou os olhos a Pepeka e ao cunhado Tandala.
YAOHÚSHUA hol-MEHUSHKHÁY da morte, Lavou-os bem e meteu-os numa panelinha,
vive na vossa vida, ele vivificará o vosso corpo temperando-os com sal. Quando o pirão estava
mortal pela acção desse mesmo RÚKHA hol-
HODSHÚA que vive em vocês. 12-13Assim… pronto para ser comido, destribuiu-o pelas visitas
não há razão para satisfazerem a vossa velha bem assim como o conduto. A cada uma delas
natureza pecadora (a prima pagã de Pepeka, se
Pepeka e o menino fossem crentes) fazendo o que
foram dados os seus próprios olhos. Depois a velha
ela (a prima pagã) vos pede. Porque se voltou a citar o mesmo apotegma:
continuarem a segui-la, morrerão; mas se, pelo -Wabenge, wabenge, wandungue, wandungue,
poder do RÚKHA, a rejeitarem [uma certeza que
emana da doutrina teológica protestante ou wanbenge o velela iso liabe.
católica trinitária marista montfortina denominada Infelizmente Tandala não compreendeu o apotegma,
como “regeneração monergística”, para mais vid. o e quando tomou o pirão com o seu respectivo
sítio monergista
do Professor Doutor John Hendryx: conduto a primeira coisa que fez foi tomar um dos
http://www.monergismo.com/textos/arminianismo/ seus olhos e mete-lo na boca seguido do segundo.
john_sinergista_arminiano.htm], então já a hão-de
viver [vide tb., o sítio
No fim do jantar a velha pediu novamente os olhos
http://www.pastoralis.com.br/pastoralis/html/modu para os colocar nos seus lugares, mas só Pepeka os
les/rmdp/down.php?id=163]. entregou, pois Tandala disse que havia os seus, o
14Porque todos os filhos de YÁOHU UL deixam-
se conduzir pelo RÚKHA-YÁOHU. 15-17Por isso que entristeceu sobremaneira a velha.
(aviso aos cristãos sinergistas como o Apóstolo Tiveram de procurar uma alcateia para irem roubar
[vd., 1 Coríntios 2:3] e não aos monergistas um cabrito num quimbo da terra de Kalum. Os
interdenominacionais) não devem ser como os
escravos medrosos e servis, mas devem lobos lá foram e em pouco tempo trouxeram o
comportar-se cabrito. A velha tirou-lhes então os olhos e os
como verdadeiros filhos de YÁOHU UL,
recebidos no seio da sua família e chamando-lhe
colocou em Tandala, mas estes olhos não
realmente querido YÁOHU ABí. Porque o seu enxergavam muito bem.
Santo RÚKHA é testemunha, no nosso
entendimento, de que somos filhos de YÁOHU
UL. E sendo que somos os seus filhos, havemos de
participar dos seus
tesouros, pois que tudo o que YÁOHU UL dá ao
seu ha-BOR YAOHÚSHUA pertence-nos
também“. O
cristão predestinado monergista fica assim
formado e escudado, seguro-imune, para uma vida
nova de
justiça e santidade e que glorifica a D-us. Os
sinergistas paulinos vivem e “desenvolvem a sua
Depois de tudo isto ter acontecido, os dois puseram-se salvação
com temor e tremor” (Filipenses 2:12, também da
de novo a caminho. Tiveram encontro com a mesma Bíblia cristã).
prima de Pepeka. A prima voltou a tomar o menino de xiii Data do info sobre textos concernentes à
Pepeka, levando-o para um sítio desconhecido para lhe beleza, infra: 15 de Julho de 2.010 AD:
http://www.google.pt/search?hl=pt-
separar o basar (vide na Bíblia de Jerusalém, na Carta BR&q=jose+tolentino+mendon
aos Romanos %C3%A7a+e+a+beleza&meta=&rlz=1I7GGLL_p
[Comunidade Messiânica de Roma -Bavel] 7:5, 24 as t-PT
http://nestahora.blogspot.com/2010/08/as-
notas de rodapé “p” e “a”) da parte espiritual reflexoes-de-jose-tolentino-mendonca.html
(pneuma)xii, e Tandala nem se apercebeu disto. Ao
chegarem ao quimbo de Pepeka foram recebidos como
da primeira vez. Tandala não pronunciou qualquer
palavra que pudesse provocar pânico como o havia feito
Kalum.
Depois de muito conversarem, trouxeram um prato
cheio de comida e Tandala, sem consultar ninguém,
pôs-se logo a comer.
Quando a sua trisavó apareceu para lhe dar instruções,
ele já tinha comido e bebido. Como tal, ficaram
prisioneiros, ele e a sua cunhada.
Alguns dias passados, foram apresentados a Tandala os
mesmos enigmas postos a Kalum.
Tandala não foi capaz de indicar o cão chamado Huvi,
mas indicou outro. Passados outros dias mandaram-lhe
também subir a uma bananeira para cortar o cacho das
bananas, e quando ele estava perto de o fazer, o soba
voltou a falar:
-Não é lícito que os indivíduos de carne e osso venham
a esta terra e comam e bebam connosco.
E prosseguiu:
-Bananeira! – Ordenou o soba, cresce mais e deixa-o
cair.
A bananeira logo começou a crescer vertiginosamente, o
que fez com que as suas raízes se desprendessem do
solo, deixando Tandala cair em terra e acabando por
morrer. Pegaram no seu corpo e o queimaram. A sua
alma ficou a pertencer ao grupo das outras almas.
Kalum esperou durante muito tempo pelo seu irmão,
bem como pela sua esposa Pepeka; como eles nunca
mais chegaram, decidiu arranjar outra mulher.
Na aldeia de Kalum havia uma jovem muito bonitaxiii a
quem pediu para que se casasse com ele.
Aconteceu, porém, que também havia na mesma aldeia
um homem de muito destaque que tinha as mesmas
pretensões. Este, quando teve conhecimento das
intenções de Kalum, ficou irritado e, movido pelo
ciúme, quis matá-lo. Para o concretizar, fingiu-se ser
seu amigo. Como era muito rico, resolveu fazer um
grande banquete, convidando muitas pessoas entra elas
também a Kalum, o seu rival, para o qual preparou um
quarto onde este iria pernoitar.
No fim do banquete os convidados foram distribuídos
pelos quartos indo Kalum também para o seu, onde
havia uma cama colocada em cima de alguns paus
falsos, tapados com terra e por cima de uma cova
profunda. Quando ele subiu para a cama, os paus falsos
cederam, a cama caiu, levando Kalum para o buraco. Depois o anfitrião e os seus capangas
foram em busca de água, que fervia em grandes caldeirões, e lançaram-na para dentro da cova
com o intuito de o matar.
Por sua vez, Kalum entrou numa cova de toupeira que por lá havia, e encontrou-se de novo na
terra de Pepeka.
Os facínoras, depois de terem despejado muita água escaldante, espantados viram que Kalum
não se encontrava lá, onde esperavam encontrá-lo morto.
Entretanto, Kalum percorreu todos os lugares, na terra de Pepeka, para ver se a encontrava bem
como a seu irmão. Apenas conseguiu encontrar-se com a sua trisavó, que lhe deu o sustento.
Depois de muitos dias sempre encontrou Tandala, que se cumprimentaram, e cada um deu
explicações ao outro do que lhes havia acontecido. Tandala já não podia sair daquela terra, pois
não tinha mais corpo carnal.
Tandala conduziu o seu irmão a uma toca de toupeira por onde este saiu para a sua casa. Viu
que estava tal como a havia deixado, pintada de branco. No entanto o seu rival que o queria
matar, quando soube que ele tinha chegado ficou muito admirado. Mas Kalum procurou sempre
uma oportunidade para se vingar.
Um dia viu o seu rival a trabalhar na sua lavra no sopé duma montanha. Subiu no topo dessa
montanha e pôs-se a urinar. A urina era tanta que formou uma grande torrente, que arrastou
pedregulhos, árvores e tudo mais o que encontrasse, e um desses pedregulhos, arrastado pela
urina, foi de encontro ao seu rival que acabou por morrer num precipício, e mergulhado em
urina quente.
TOMO II
FUNDAÇÃO (ORIGEM) DO REINO DOS BAILUNDOS
O Reino do Bailundo foi fundado por Katiavala, um caçador de elefantes, juntamente com mais
três primos: Huambo, Kalunka e Buluyongombe, vindos das terras do Kuanza Sul, pertencente à
tribo Ngoya.
Katiavala, quando chegou à região conhecida actualmente por Bailundo, subiu ao outeiro que
fica junto da vila do mesmo nome e gostou do lugar, construindo lá o seu Omundov (lugar onde
se seca a carne de caça). Mais tarde mandou ali construir um Ojango (espécie de clube). No
primeiro dia da construção, espetaram no chão algumas estacas em forma circular; no dia
seguinte quando foram colocar o teto, encontraram dentro um monte de areia feito por uma
toupeira. Então armaram uma ochimumua (armadilha para caçar toupeiras), e no dia seguinte
encontraram nela presa uma toupeira com uma listra branca na cabeça. Admirados, exclamaram:
“Oneteyi kuete ombalundu” (Esta toupeira tem uma mancha branca na cabeça). É esta lista
branca que denomina Mbalundu. Foi assim que esta terra passou a designar-se, e mais tarde os
portugueses mudaram-lhe o nome para Bailundo.
Mbuluyongombe era o outro primo de katiavala que se dirigiu para um local que se designa por
Mungo, atravessando o rio Luvulo. Foi a um lugar chamado kapuiya onde construiu o seu
omundo.
Um dia, caçando, atravessou o rio Sandanbinja e foi até a um outeiro todo ele feito em pedra,
onde viu uma grande ave parecida com uma águia que matou com a sua arma.
Depois levou a caça ao quimbo e lá disseram-lhe que aquela ave se chama Mungo.
Depois Mbuluyongombe auto-proclamou-se rei daquela terra.
A referida ave, mungo, ainda hoje existe e alimenta-se exclusivamente de peixe que apanha nos
rios.
Ela utiliza as suas fezes como isca para atrair os peixes.
No Mungo, para além do sobado de Mbuluyiongombe havia outros sobados muito antigos cujos
fundadores são desconhecidos, tais como os da Chiweka, Chango e Chiteva.
Quando trabalhei, no tempo colonial, no concelho de Mungo, como recenseador, uma ocasião
fui à Embala Chiweka, e o soba confidenciou-me que ali havia um objecto sagrado chamado
Elunga deixado pelos sobas antigos e desconhecidos. Eu insisti muito para que ele me mostrasse
o referido objecto. Ele não aceitou mostrar-mo, dizendo que por ser muito sagrado não pode ser
visto por ninguém, inclusive por ele próprio. Contei o caso ao Secretário do concelho que lhe
despertou muito interesse. Imediatamente mandou chamar o soba da Embala Chiweka dizendo-
lhe:
-Ó soba, vocês têm um objecto sagrado na Embala Chiweka que ninguém pode ver? Que tipo de
objecto é esse?
O soba então disse que não se lembrava de tal objecto, mas eu que estava presente lembrei-lhe
de que era o Elunga.O Elunga, disse o soba, é um objecto, muito, muito, muito antigo. O
Secretário disse que queria ver o tal objecto. O soba respondeu:
-Nem eu próprio o posso ver! – O Secretário insistiu e o soba limitou-se a dizer:
-Eu não posso mostrar esse objecto ao Sr. Secretário; só às pessoas indicadas pelo sangue, e se o
mostrar a quem não deva haverá uma grande tragédia.
-Quais são essas pessoas? – Perguntou o Secretário.
-Estão no quimbo. – Respondeu o soba.
-Manda-os vir aqui que quero falar-lhes.
-Eles só aceitam cá vir se o Sr. Secretário lhes oferecer vinho, acrescentou o soba.
-Isso é muito fácil de fazer! Manda-os para cá que eu lhes compro todo o vinho que quiserem. –
Disse o Secretário.
No dia seguinte o soba apareceu com os tais homens, e o Secretário lá lhes mandou comprar um
garrafão de vinho e lho entregou.
Depois disto seguimos de Land Rover para a Embala Chiweka. Chegados lá, subimos a um
outeiro, desta Embala, e encontramos lá muita gente que nos esperava. O céu estava límpido.
Ninguém escondia a ansiedade e curiosidade para verem o tal Elunga. Um dos responsáveis
correu em busca das chaves da cubata, com cerca de metro e meio de altura, que era aonde
encontrava-se o tal objecto sagrado. Quando tentou abrir a portinha, a fechadura estava
encravada. Entretanto o céu começou a nublar-se, e quando finalmente a porta abriu-se, através
de uns pauzinhos, puxou-se para fora o Elunga que esta embrulhado em panos de algodão. Toda
a gente acercou-se do objecto sagrado para o apreciar. Era feito de ferro e com um feitio
especial. De repente começou a chover fortemente. As cubatas estavam perto, mas ninguém
conseguiu chegar sem apanhar uma grande molha. Eu e mais o secretário corremos para o Land
Rover, onde ele disse-me:
-De facto o objecto é antigo; é da Era do Ferro.
Quando a chuva passou, o Secretário ligou a ignição do carro, pô-lo a funcionar, mas ao meter
as velocidades para o pôr em marcha, ouviu-se uma explosão, as portas deslocaram-se e todos
os vidros se partiram.
Felizmente o motor não foi afectado e pudemos assim chegar à vila do Mungo. No dia seguinte
o carro teve de ser enviado para Nova Lisboa a fim de ser reparado.
Seria esta a tragédia prevista pelo soba caso abrisse o Elunga?
Outro primo de Katiavala chamava-se Huambo Kalunga. Este tinha ido às terras que hoje
chamam-se Huambo, para caçar elefantes. Quando lá chegou auto-proclamou-se rei daquela
terra. Depois disto enviou Chihamba, o seu primo, à caça. Caso este trouxesse carne da caça
dar-lhe-ia uma linda rapariga. Chihamba foi caçar no primeiro dia mas não apanhou caça
nenhuma. No dia seguinte Chihamba organizou outra caçada. A rapariga ficou no altar dos
caçadores. Chihamba desta vez conseguiu muita caça, e Huambo Kalunga cumpriu o prometido.
À noite Huambo Kalunga enviou a sua corte para raptar a moçoila. Chihamba, com os seus cães
e com os vizinhos conseguiram recuperar a formosa moçoila. Matou todos os raptores e cortou-
lhes a cabeça. No dia seguinte, de manhã cedo, pôs as cabeças num cesto e levou-as ao soba
Huambo Kalunga, perguntando:
-Reconheces esta gente?
Huambo Kalunga ao ver as cabeças, logo as reconheceu, pois eram as cabeças dos seus rapazes
da corte real que havia mandado para raptar a moçoila, olhou Chihamba e disse-lhe, para evitar
pendência:
-Tu não és humano, tu és um chilulu (alma penada), e irás reinar na Chiaca, a partir de agora
serás reconhecido com o nome real Chilulu.
A Constituição do Reino e a razão de ser dos Bailundos Tal como quaisquer Povo étnico
sapiencial, seja uma, quaisquer, grande Civilização pregressa ou que venha depois, ou já
existente, os Bailundos também tinham a sua organização social encabeçada por um Rei, a
quem designam por Osoma.
O trono de um Osoma consistia num banquito de pele de boi, designado por ochalo, com mais
ou menos trinta centímetros quadrados de assento. A palavra Osoma significa rei, que
posteriormente sofreu um aportuguesamento, passando a ser soba.
O Soba tinha o mesmo poder de qualquer rei nos outros países, com a diferença de que os
antigos reis em muitos destes países podiam mandar executar determinadas pessoas, o que
nunca acontecia com os sobas, cujo objectivo era apenas reinar para o bem do seu povo,
satisfeitos com os benefícios da Comunidade, na saúde, na prosperidade, nas boas colheitas, etc.
Tal como acontecia com os reis europeus, também os sobas só reinavam se fizessem parte da
linhagem real.
As cerimónias para a entronização de um rei eram muito complexas: o primeiro passo era o de
consultar os Sobas já falecidos, afim de se saber se eles prevêem um bom reinado na pessoa do
Soba escolhido.
Eu pessoalmente assisti à cerimónia de entronização de um Soba, que é escolhido pelo
Muekalia, que era o sekulo (Ancião) dos sekulos e que indicava alguém que era já de uma
família de sobas (linhagem). Este Soba normalmente na sua ausência é substituído pelo seu
Epalangaiv. Ele convoca todos os Sekulos da área e cita o nome da pessoa. Se todos estiverem
de acordo, então consultam os já falecidos por intermédio de um boi. Prendem um boi no tronco
duma árvore, e eles à roda da mesma proferem as seguintes palavras: “Estamos aqui em frente
deste animal e perante vós, os nossos sobas que também reinastes nesta Embala, para dizer-nos
se concordam com o candidato proposto para Soba deste Reino. Se estiverdes de acordo sabê-
lo-emos pela maneira como o boi vai-se ajoelhar.”
Então o boi ajoelha-se.
Os Velhos (Anciãos) voltam a falar:
-Já que estão de acordo, o boi que se levante.
Logo que o boi se levanta, tomam um balaio (cesto) cheio de farinha de milho (fubá) e dizem
outra vez:
-Voltamos a pedir que o boi venha até nós para nos lamber a farinha deste balaio.
Depois do boi se aproximar e lamber a fubá, acrescentam:
-Já que, mediante estas provas, aceitaste a nossa proposta para que este indivíduo seja coroado
soba, pedimos que o boi vá ao Elombe (Casa Real).
Assim o boi põe-se a caminho do Elombe onde é morto e a sua carne é cozida e distribuída por
todos os presentes.
Outrora, para se entronizar um soba, era necessário mandar os Akuenje velombe (Rapazes da
corte, soldados do soba) a uma certa distância da Embala para armarem uma emboscada junto
de um caminho e apanharem a primeira pessoa que por ali passasse. Depois a cabeça desta
pessoa era decepada e levada para a embala onde era cozida juntamente com a carne do boi e
comida por todos.
A pessoa morta passava a designar-se por Ekongo.
O acto seguinte é o de mandar fogo por todo o reino. Todos vão ao Akokoto (trata-se do lugar
onde guardam as cabeças secas dos sobas falecidos) com o material para fazer o fogo, que
consiste num pau chamado Usilôlô; este é friccionado tal como os povos primitivos o faziam, e
depois com um caniço seco ateava-se o fogo. Assim que o fogo pegar, fazem uma grande
fogueira e mata-se mais um boi, cuja carne é assada e comida no Akokoto. Finalmente, toda a
população daquele reino tira da fogueira um tição e o levam para as suas casas.
Todo o povo passa a usar daquele fogo que é bendito caso o reino seja de sorte, de abundância
de milho, de feijão, de caça e de poucas mortes no reino. Caso contrário, o fogo do soba no
poder é fogo amaldiçoado.
Depois de assarem a carne naquela fogueira, fazem muito pirão que é servido em cascas de
árvore, juntamente com a carne do boi. Consomem muita bebida, e em seguida passam a dançar
com dois chifres de boi e ao som de batuques especiais Endingos.
Depois destas cerimónias o soba toma uma espada antiga que lhe confere grande poder no reino.
No fim de tudo, ele sobe numa pedra e toca num chifre de boi ao mesmo tempo que se
autoproclama rei supremo daquela terra.
As cerimónias de entronização estendem-se para lá de muitos dias, são praticamente dias de
festa, onde a população come, bebe e dança.
Existem vários sobas subordinados, e cada um mandava na sua jurisdição, mas o reinado do
Bailundo era muito poderoso e subjugava os outros reinos, obrigando-os a pagar vassalagem.
Conta-se que um dos sobas do bailundo havia solicitado ao soba do Andulo o pagamento de um
tributo. Este ficou irritado e mandou o seu Epalanga como emissário a fim de chegar ao soba do
Bailundo a mensagem de que ele não era obrigado a pagar nenhum tributo. O soba do Bailundo
ficou zangado e mandou prender o emissário que se transformou em Epumumu (Peru bravo) e
desapareceu voando. “Oh!”, exclamou espantado o soba do Bailundo, dizendo:
-Eles têm o feitiço de Ondulu (Fel).
Desde então, aquele sobado passou a designar-se Ndulu, ou seja, Andulo, conforme a versão
portuguesa do mesmo termo.
Os reinos do planalto foram: O reino do Mbalundu, que os portugueses mudaram Bailundo; Vie,
designado por Bié e Ndulu conhecido então por Andulo. Acrescenta-se, no entanto, que no
planalto central de Angola, existem outros reinos pertencentes ao grupo étnico Ovimbundo, mas
com pouca expressão.
Tal como acontece em outros reinos, mesmo nos europeus, também no reino dos Bailundos
existia uma diferenciação entre os seus; daí que existia nos mesmos a nobreza, constituída por
pessoas possuidoras de vários títulos ou nomes relacionados com o reino:
O soba Muekália é o que se encontra no topo da hierarquia da corte, possuidor de mais poder
que o próprio Soba; tem a autoridade não só de propor candidatura de um sujeito a soba, como
também o poder de o destronar. Estes casos aconteciam, geralmente, quando se estava perante
um soba avarento, guloso e que se escusava a fabricar Kimbombo para o povo beber, e matar
bois para o povo comer. Em tais situações, o soba Muekália convocava os Velhos (Anciãos) do
reino e propunha a expulsão deste soba. Caso o mesmo se recusasse, o muekália apelava para a
intervenção do exército com o fim de o forçar a abandonar o poder.
O segundo na hierarquia da corte é o Epalanga, adjunto do Soba. Na ausência deste é o
Epalanga que assume a governação do reino, como sucedeu em 1903, aquando da revolta dos
Bailundos contra os Portugueses. Quem dirigiu as operações que caberiam ao soba, foi o
Epalanga Matuyakevela. Isto aconteceu quando o Bailundo encontrava-se sob a administração
do capitão Teixeira da Silva, em que um dos soldados violou a mulher do soba bailundo
chamado Numa.
Quando Numa teve conhecimento deste crime, foi ter com o capitão Teixeira da Silva a fim de
exigir, como era hábito, o pagamento de uma indemnização por parte do soldado. O capitão ao
invés de atender ao pedido do soba irritou-se sobremaneira, que acabou por prender o soba
Numa. Como se não bastasse, o preso foi enviado para Benguela, meteram-no num barril e
lançado ao mar para o fazer desaparecer desta forma tão vil e para sempre.
Revoltado com este procedimento, o Epalanga Matuyakevela, organizou uma revolta contra os
Lusos, utilizando como armas os canhangulos que se carregavam pelos canos (armas de carregar
pela boca).
Eram armas que os Bailundos haviam adquirido dos próprios Portugueses em Benguela em
troca de borracha.
Esta guerra durou um ano e só teve o seu fim graças à utilização de outros grupos étnicos por
parte dos Lusos, que morreram em grande quantidade. A partir da derrota de Matuyakevela, os
Portugueses deixaram de vender armas aos Bailundos.
Em ordem de grandeza, temos a seguir o soba Ndaka que é o responsável pela comunicação, ou
o porta-voz ao povo da parte de quem governa. Quando havia algo importante para informar à
Comunidade, o Ndaka, pela noite, quando toda a população da Embala preparava-se para a ceia,
subia a uma árvore e dizia:
-Homens, mulheres e crianças desta Embala, prestem atenção, muita atenção! (Logo que o Povo
do quimbo ou da embala ficava silencioso, o soba Ndaka transmitia a mensagem.)
Naveleka é o quarto grau na hierarquia da corte. Trata-se do responsável pelas deslocações do
rei, transportando-o por vezes às costas, sobre tudo quando tenham de atravessar rios ou outras
circunstâncias adversas.
Ukuepangu, o quinto na hierarquia, é o responsável pela transmissão de informações secretas
durante a noite. Importa esclarecer que a residência do rei achava-se rodeada por uma cerca de
pau-ferro e um portão. Durante a noite, depois de todas as actividades do reino, o rei manda
fechar o portão, mas antes de o fazer manda vir uma das suas mulheres para lhe fazer
companhia. No caso de uma urgência, o Ukuepangu entra na residência do rio através de um
labirinto que só ele conhece, pondo à disposição do soberano a informação que ele possui.
Chitue é o soba responsável pelo corte das cabeças dos sobas quando estes morrem. Entre os
Bailundos, em particular os Ovimbundu, quando o soba adoece mantêm este facto em grande
sigilo. O mesmo sucede aquando da sua morte, em que o povo só terá conhecimento dela
quando o Chitue separar a cabeça do corpo do rei, e que é feito da forma seguinte:
O soba depois de morto fica dentro da cubata, sentado numa cama ou cadeira, próximo da
parede da cubata, onde se fazem dois orifícios. De seguida faz-se passar pelos orifícios uma
corda que também envolve o pescoço do soba morto. O soba Chitue a partir de fora da cubata
fricciona o pescoço com a corda até a cabeça cair, e só depois divulga-se a notícia sobre a morte
do rei. Depois pegam na cabeça e metem-na em aguardente, que na época era comprada em
Benguela, polvilhando-a em farinha de milho e a põe a secar. Depois de seca metem-na numa
mala de ferro, também comprada em Benguela na mesma época, e guardam-na no Okokoto. O
corpo é enterrado como o de qualquer outra pessoa.
Para além destes títulos, existem outros ao nível da corte. Dentre estes, podemos, igualmente,
referir os Quesenje, Muebombo, Somandalu, Lusenje, Somakueanje e outros. Cada qual tem a
sua função específica no reino. Muechalo é o jovem que trata da cadeira do rei. Quando o rei vai
em visita ao reino o Muechalo passa à frente com a cadeira na cabeça, seguido do rei trajado
com um pano de oito metros de comprimento com uma orla nos lados. Se for um pano preto, a
orla que cobre as pontas é branca, ou será o contrário se o pano for branco.
Geralmente o rei vestia uma camisa branca, um casaco preto, um chapéu de três bicos, ou um
chapéu grande, e calçava alpercatas feitas com couro de boi. Na cara, um bigode bem retorcido.
Atrás do rei vinham os tocadores de andigo e de flautas que o acompanhavam orquestralmente.
Como cajado o rei levava consigo um rabo de boi, seco.
Quando o rei chega ao local de destino, o Muechalo coloca o banco, ou cadeira, no chão e o
soba aproxima-se. Ao sentar-se, toda a população que lá se encontrar também se senta,
prostrando-se com as pernas levantadas, um deles dá um assobio enquanto um outro diz:
-Pelombe bali oku miña. – O que significa: “na corte come-se carne”.
O soba sente-se e o povo também se senta ao seu lado, ao redor do pano real. Tudo é feito com
muita veneração e respeito extremo.
Em relação às mulheres do soba, é costume haver mulheres legítimas, como a Inakulu que é a
Rainha, a primeira Mulher com quem ele ajuntou-se muito antes de ser entronizado. É ela
praticamente quem governa a Casa Real, vigiando o Muesaka, o cozinheiro do soba.
Importa referir que os sobas estão proibidos de ingerir comida feita por uma mulher por causa
da menstruação.
Seguidamente vêm as outras mulheres Mvavela e a Chiwichepembe, mas cujas funções na corte
são desconhecidas. Finalmente vem a Siya. Trata-se, geralmente, de uma mulher raptada quando
jovem, com a idade compreendida entre os catorze e os quinze anos de idade e virgem. Ela tem
como função carregar a esteira do soba quando esta sai para uma visita real, pois ele não pode
dormir em qualquer esteira, nem se senta em qualquer banco por desconfiar que alguém lhe
possa fazer mal.
Além destas, ainda existem outras mulheres na vida da corte.

A Vida Social dos Bailundos, nos Quimbos


O quimbo, denominado Embala, significa Capital, e é o local onde reside o Soba e a sua
nobreza. Este lugar costuma ser muito populoso, uma vez que todos gostam de viver perto do
Soba para desfrutarem do gozo da vida na Embala, tal como beber quimbombo que o Rei
sempre mandava fazer, comer a carne dos bois que o Rei mandava matar, e passar o tempo a
dançar ao som dos batuques, entre outras coisas. A Embala era rodeada por uma série de
quimbos num raio de cem quilómetros, cada um deles dirigido por um Sekulo.
No centro do quimbo, costumava haver um Onjango, que é uma espécie de clube que
funcionava como escola e refeitório, feito de pau-ferro em forma circular e com duas ou três
entradas sem portas.
Neste local a população aprendia a falar correctamente a língua umbundu, a história dos seus
antepassados e várias especialidades de medicina. Desconhece-se a forma como decorriam as
aulas no Onjango, mas as pessoas que aí se formavam estavam aptas para servir a comunidade.
Daí saiam sobas competentes, juristas, contabilistas, historiadores, médicos, etc.
Durante o dia os habitantes do quimbo iam em busca de lenha para fazer uma grande fogueira
dentro do Onjango, ao redor do qual todos os homens sentavam-se em banquitos cortados dos
troncos das árvores.
Por sua vez as mulheres eram obrigadas a levar comida para o local onde os homens e comiam
juntos, a partir do pôr-do-sol. Antes de comerem, os homens lavavam as mãos com água contida
nas cabaças; depois chegava a primeira quindavi com pirão e outra com o conduto, que poderia
ser feijão, carne, folhas de mandioqueira (a efuanga)vii, entre outras coisas. A primeira quinda
circulava entre o grupo e o primeiro homem da fila tirava uma porção de pirão que colocava na
mão esquerda, tirando depois um pouco do conduto conduzido pela segunda quinda. Colocava o
conduto sobre o pirão, comendo depois tudo com a mão direita. Quando chegasse outra quinda
com mais comida, o ritual continuava a partir de onde a última pessoa se havia servido. A
comida que sobejasse era guardada no etala do onjango, que é uma espécie de prateleira situada
no teto do onjango. Na manhã seguinte, o pirão que havia sobejado, chamado obeta, era assado
nas brasas.
Os órfãos e os doentes que não pudessem trabalhar e cuidar de si próprios eram alimentados no
onjango. Qualquer hóspede que aparecesse podia ir directamente para o onjango e sentar-se na
fila dos bancos em redor da fogueira e não seria questionado por isso; só no final do ritual é que
se lhe dirigia a palavra, e perguntar-lhe-iam sobre o lugar da sua proveniência, bem assim como
o motivo da sua vinda ao quimbo. Após o esclarecimento das questões colocadas, era nomeado
um elemento do grupo para disponibilizar a sua casa para a estada do hóspede. Em geral os
hóspedes costumavam dormir nos celeiros. No onjango, o visitante podia comer e beber
gratuitamente durante o tempo que lá permanecesse.
Enquanto os homens adultos permaneciam no onjango, os jovens passavam o tempo nas
cozinhas (ochivo), onde tanto eles como as raparigas se distraiam contando histórias, fábulas,
adivinhas e outras coisas, que apenas se podem contar durante a noite, pois, segundo a
superstição, se alguém as contasse de dia as mamas da sua mãe ficariam inchadas.
Quando alguém quisesse contar uma destas histórias ou contos, introduzia-se da seguinte forma:
-Alupolo! – E os outros respondiam dizendo:
-Luiye! – Depois disto citava uma adivinha:
-Okachiva tu yuila ponele!
Que se traduz no seguinte: “A lagoa onde nadamos de lado.” Se alguém conseguir decifrar esta
adivinha, deverá dizer:
-Okachiva tu yuila ponele ondalu!
Que significa o seguinte: “A lagoa onde nadamos de lado é a fogueira.” Pela lógica de que se
alguém tiver frio, e quiser aquecer-se fica ao lado do fogo e não dentro dele.
Após a decifração da primeira adivinha ouvia-se mais um alupolo vindo do outro lado da
cozinha, ao que os outros respondiam dizendo:
-Luye! – E citava-se mais uma adivinha:
-Ochinyama ca fa ku iya imbo eli, li punjaco, ku iya imboeli li punjaco, puai omo ca suilapo.
Tradução: “Existe um animal morto do qual vários quimbos enchem os seus vasilhames de
carne, mas cujo animal se mantém sempre intacto.” Caso ninguém conseguisse decifrar a
adivinha, poderia dizer:
-Pela vombumba. – Faça o favor de a decifrar.
E a pessoa que lançou tal adivinha dizia que o animal em questão é o rio, pois é de lá que toda a
gente tira a água mas que esse “animal” permanece sempre intacto.
Com o passar da noite ouviam-se mais alupolos e outros aluiyes dos vários cantos de cozinha. A
pessoa que lançava a adivinha dizia:
-Ovimu vi vali venhala. – “Dois morros na charneca”.
Se ninguém conseguisse adivinhar o significado desta adivinha, o autor da mesma pedia que lhe
dessem um quimbo. Alguém do grupo respondia:
-Toma o quimbo do Chindombe.
O autor então dizia:
-Não quero o quimbo (a aldeia) do Chindombe porque não há raparigas bonitas nesse quimbo.
Caso fosse uma rapariga a citar a adivinha, diria que rejeitava aquele quimbo por não haver
rapazes bonitos.
Então referia-se mais um quimbo em alternativa:
-Toma o quimbo de Chissaje. Ao que o autor da adivinha responderia:
-Tambu, tambu imbo lia Chissanje, nikula sekulo Ymbo ndu teta utue, ndu wimba volui, mopisa
olondombe siti, ka kuni kunyiko. – “É bem recebida a ideia de Chissanje, pego no sekulo do
quimbo, corto-lhe a cabeça e lanço-o ao rio e digo aos peixes: Comam-no!”
Depois disto decifrava-se a adivinha: “Dois morros na charneca são duas chuchas no peito duma
rapariga”.
Ouviu-se mais um alupolo e os outros respondiam: -Luiye.
Então a pessoa que lançava a adivinha dizia: -Kanike kanike! – Que significa que vai contar um
conto ou uma fábula:
“Havia dois amigos que um dia resolveram tratar dos seus negócios na terra das delícias. Para lá
chegar, tinham de atravessar o rio encantado, o qual era necessário utilizar barco. Quando
chegaram à margem do rio não havia lá nenhum barqueiro e começaram a chamar por ele: -
Barqueiro, barqueiro! – Depois ouviu-se uma voz vinda dum capim alto que dizia: -Eis-me aqui.
Os dois homens ficaram espantados ao verem chegar uma grande jibóia. Perguntaram-lhe onde
estava o barco. A jibóia então disse: -Eu sou o barqueiro e ao mesmo tempo também sou o
barco.
Ela então abriu a boca e disse que entrassem para os levar à outra margem. Os homens ficaram
assustados ao entrar na boca da jibóia, sabendo que era assim que ela comia as suas presas. Mas
sempre entraram e em pouco tempo eram postos na outra margem da terra das delícias. Era uma
terra rica e propícia para negócios.
A primeira coisa que encontraram e que lhes daria muito dinheiro era a doença da Rainha
daquela terra, que apenas se curava com a gordura de jibóias. O Rei prometia dar metade do seu
Reino a quem conseguisse essa gordura. Então os homens disseram:
-Quando estávamos na barriga da jibóia vimos muita gordura suspensa; vamos lá para
conseguirmos a gordura. E foram até ao rio encantado e chamaram pelo “barqueiro”. A jibóia
apareceu e eles entraram na boca dela e foram cuspidos na outra margem. E foram para a sua
aldeia.
Passados dois dias resolveram voltar para a terra das delícias para levarem a gordura da jibóia e
assim curarem a doença da Rainha. Quando chegaram junto do rio voltaram a chamar o
“barqueiro” que logo chegou, abriu a sua boca e eles entraram. Quando a jibóia estava no fundo
do rio, um deles pegou numa faca e começou a cortar a gordura suspensa na barriga do animal.
Ela, ao sentir as dores que lhe provocavam os cortes da faca, cuspiu os dois homens para o
fundo das águas do rio, fazendo-os desaparecer para sempre”.
No fim da narrativa o contador da estória dizia: “Etea li mosi ká li kuata ombia (uma só pedra
não segura a panela do lume)”.
De um canto da cozinha um outro dizia: “Alupolo” – “Luiye” – Respondem todos em uníssono.
E começava logo a contar outra fábula:
“Havia um pai que devido às grandes preocupações que tinha, foi ter com um rei pedir dinheiro
emprestado, empenhando o seu filho. O rei gostou muito do moço e adoptou-o como filho seu.
Deu-lhe muita riqueza e ficou sendo um grande daquela terra. Passados alguns anos o
verdadeiro pai do moço, conseguindo o dinheiro para pagar a hipoteca do filho, dirigiu-se ao
monarca para o resgatar. O rei disse àquele pai que certamente o moço não quererá ser liberto
porque agora estava muito rico.
Mostrou-lhe as propriedades que estavam no outro lado do rio e disse-lhe:
-Estás a ver aquelas propriedades, todo aquele pessoal, aquelas manadas de bois, aquelas casas,
tudo é dele. Portanto, é melhor falar com ele e saber se deseja voltar para ti.
Aquele pai foi ter com o filho dizendo-lhe que o vinha resgatar. O filho disse então ao pai que
estava muito rico e por isso não desejava ser resgatado. Mostrou-lhe toda a riqueza que possuía,
deixando o seu pai muito desapontado.
Depois de alguns anos passados o rei morreu, e naquela terra quando morria um rei, para o
enterrar era costume deitar na cova um escravo para que o corpo do rei não pousasse na terra
mas em cima de um corpo que teria ser de um escravo. E a sorte caiu sobre o moço, que o
tomaram e o estenderam na cova e por cima dele deitaram o corpo do rei, pois que afinal apesar
do moço ser muito rico continuava a ser escravo”.
Outra história/estória ainda:
“Um caçador foi à caça e carregava consigo uma cabra do mato na cabeça, um coelho a tiracolo
e algumas perdizes na cintura. Ia todo satisfeito da vida, a corta mato, e de repente ouviu uma
voz vinda de cima que dizia:
-Ainda bem que apareceste, meu querido colega. Eu sou caçador como tu.
Aquele caçador levantou os olhos e viu que quem falava com ele era um leão que estava
enganchado no ramo de uma árvore. O leão disse depois:
-Sabes, ó colega, persegui umas palancas (caça grossa) e, ao saltar para apanhar uma delas
fiquei preso neste ramo. Ajuda-me a desenganchar deste ramo.
O caçador utilizando um pau com forquilha conseguiu desprender o leão. Este então disse:
-Fico-te muito agradecido por teres aqui passado. Se não fosses tu, eu morreria. Mas agora o
que me mata é a fome, pois já faz quatro dias que estou sem comer. Por favor dá-me uma das
tuas perdizes. O caçador deu-lhe uma das perdizes e o leão comeu-a. Disse que uma perdiz não
chegava para lhe matar a fome e pediu-lhe outra peça de caça, mas como todas as peças de caça
eram poucas para lhe matar a fome, que o caçador sempre lhas dava por medo, disse-lhe por
fim:
-Dá-me essas coisas que tens penduradas no corpo para as comer.
Mas o caçador disse que eram os seus braços, e o leão disse que os braços também servem para
comer.
Daí então começou uma grande discussão com o caçador com o caçador a defender os braços.
Um cágado que ouviu a tal discussão, aproximou-se e perguntou que discussão era aquela e o
leão respondeu com o narrar de toda a história até à parte dos braços. E que o tema dos braços
era a causa da disputa, “pois ele não mos quer dar”. O cágado disse que não estava a perceber
muito a questão e pediu que voltassem a repetir a história para ver se conseguia entender o
problema. Por fim pediu ao leão que simulasse como tudo se havia passado e o leão então disse:
-Eu estava aqui e saltei assim… O leão ao saltar ao saltar ficou novamente preso nos mesmos
ramos da árvore, e o cágado lhe disse por fim:
-Ficas aí preso até morrer, seu ingrato! – Falou depois ao caçador: -Vai para a tua casa e deixa o
malvado do leão morrer.
Mas como o caçador já não tinha nenhuma peça de caça para dar de comer aos seus filhos,
assim pegou no cágado, matou-o, meteu-o no alforge elevou-o para com ele alimentar a
família”.
Moral da estória: “Cuidado com a ingratidão!”
Durante os inúmeros serões contam-se muitos destes contos sempre acompanhados de lindas
canções.
Assim passavam os jovens o tempo, muito alegres e distraiam-se. Também praticavam outras
distracções tais como o ondongo, que é um jogo onde se esconde uma pedrinha ou grão de
milho ou feijão em alguém, e os outros tentavam dizer quem os tinha.
Na hora de dormir, deitavam-se todos juntos nas esteiras, tanto os rapazes como as raparigas.
No entanto não se praticavam relações sexuais, visto estas práticas serem tidas como muito
sagradas, e envolvidas numa série de superstições.
Entre os Bailundos acredita-se que se alguém tiver uma ferida e tiver relações sexuais, a ferida
torna-se incurável. Se alguém for à caça e antes tiver relações com a sua mulher, não trará
nenhuma caça. Se alguém fizer quimbombo e antes disso tiver relações sexuais, este se
estragará. Caso um homem cometa adultério, todos os filhos do sexo masculino morrerão. No
entanto se for a mulher a adulterar, morreriam todas as filhas do casal. Se uma mulher grávida
praticar adultério esta morrerá vítima de uma doença onjamba, caracterizada pelo nascimento de
embriões nas narinas, semelhantes ao milho quando germina. Se um homem for infiel e tiver
relações sexuais durante a gravidez da sua esposa, no momento do parto o bebé ao invés de
seguir o percurso no nascimento, iria para cima do peito.
A fim de evitar que algum mal destruísse a sua casa por ter praticado adultério, quem cometesse
tal acto, deverá pegar certas ervas e colocá-las no fogo da cozinha sem que ninguém se
apercebesse, evitando assim a doença de onjamba. No entanto, a melhor maneira de evitar esta
terrível doença, é utilizar a carne de elefante, que em umbundu também se chama onjamba.
Quem tivesse carne seca de elefante podia ter relações sexuais quantas vezes quisesse, e nada de
mal lhe aconteceria caso pusesse um pouco dessa carne no lume da cozinha depois das relações
sexuais.
Quando estive na Jamba, que era o quartel-general da UNITA (União Nacional Para a
Independência de Angola), onde havia muitos elefantes, pois antes era uma reserva de caça,
consegui um pedaço de carne seca de elefante que trouxe comigo quando regressei ao Bailundo.
Ganhei bastante dinheiro com a venda desta carne, porque todos queriam comprar um pouco
deste antídoto, como assim se pensava.
Um missionário americano, chamado Webb, que trabalhava na Missão Evangélica do Bailundo,
tinha uma pata de elefante, seca. Uma vez, durante as suas visitas pastorais aos quimbos
evangélicos, este missionário tinha levado a pata para mostrá-la às pessoas da sua Missão.
Aconteceu que no primeiro quimbo, enquanto ele almoçava na Casa Missionária, as pessoas
esquartejaram a pata do elefante que tinha ficado fora, levando cada um o seu pedaço daquela
carne valiosa para lhe servir de antídoto quando tivessem de ter relações sexuais.
Os Bailundos têm muito medo de praticar relações sexuais ao acaso pois, como se diz, “é o
medo que guarda a vinha e não o vinhateiro”.
Entre os Ovimbundu se alguém lhes perguntar onde dormem os seus animais, nomeadamente as
galinhas, indicariam o galinheiro; os porcos ou cabritos indicariam as pocilgas e os currais. Mas
se lhes perguntassem onde dormem os seus filhos não lhes dariam uma resposta concreta, uma
vez que estes podiam dormir onde quisessem, podendo até dormir com pessoas de outro género
sem nunca pensarem em praticar relações sexuais.
Ainda hoje, não obstante as mudanças de civilização e de costumes, se num lar dos Ovimbundu
houver alguém que sofra de varíola ou sarampo, é costume vedar-se a casa toda, fechando todas
as portas e janelas para que o doente não tenha contacto com ninguém. Acredita-se que caso
algum homem tenha tido relações sexuais com a sua mulher e vá visitar um doente de varíola ou
de sarampo, isso faria o doente morrer. Por esta razão não é permitido que nesta classe de
doentes eles sejam alvo de visitas.
Caso algum homem quisesse passar a noite com uma rapariga de quem gostasse, não o poderia
fazer sem o consentimento dos pais dela, que só a cederiam mediante um pagamento. Obtido o
consentimento, a rapariga poderia ir com o homem, e quando estivessem os dois na cama, ela
entrelaçava um pano entre as pernas de forma a encobrir o sexo. A partir do umbigo para cima
ficava tudo a descoberto e à disposição do homem, podendo este acariciar os seios, o ventre, as
costas, a cabeça, etc., sem nunca tocar a sua púbis e a vulva ou pudendo. Caso o homem se
deixasse levar pela voracidade e concupiscência, a ponto de forçar a rapariga e a conhecer
biblicamente, esta podia abandonar o homem e voltar para casa dos pais. No dia seguinte o
homem seria certamente obrigado a deixar a terra uma vez que o seu nome ficaria manchado
pela má fama e vergonha.
Nos dias especiais ou de luar, era costume toda a população do quimbo ir para os campos de
dança onde ao som de batuque, todas as pessoas, independentemente do sexo ou idade,
dançarem alegremente. Existem vários tipos de dança e cada uma tinha o seu nome como por
exemplo: a lisemba, a Seia, a catita, mangandu, entre outras. Acredito que se alguém levasse um
grupo de bailarinos destas danças para a Europa, de certeza que ganhariam muito dinheiro. Uma
vez que elas são muito agradáveis de ver. Por sua vez existem muitos tipos de batuques tais
como o mungomba, que é um batuque grande, e o henjengo, que é pequeno. Os povos destas
regiões acreditavam que os toques dos batuques serviam para exortar as pessoas, a não
praticarem actos que os levassem a ser castigados ou amarrados. Defendiam que os pequenos
batuques, os henjengos, quando são tocados, dizem:
“kukulo kombanja, konganja (serás amarrado com cordas e cordinhas se praticares algum mal)”,
e o grande, o mongumba, dizia: “kuenjo, kuenjo (cuidado rapaz, cuidado rapaz!)”. Estas vozes
onomatopeicas tinham um significado especial para todos os que as ouviam.
Existe um outro batuque grande, com a forma de um caixote, o qual se toca com um caniço
chamado nguita.
Na vida social dos quimbos, o essencial é o amor. As pessoas amam-se sempre umas às outras.
Quando alguém adoece, todos ficam preocupados e procuram forma de o curar; se alguém lutar
com outro, são logo separados e reconciliados. Se alguém adulterar a mulher de outro o caso é
imediatamente levado à embala, para que seja julgado pelo soba, para obrigar o adúltero a pagar
uma multa adequada para este caso. Quando o faltoso pagasse a referida multa, ficava para
sempre absolvido do seu crime, evitando assim que houvesse vinganças pessoais devido a algo
que tivesse acontecido no passado, como ilustra o seguinte conto:
“Um dia a mulher de uma família foi pedir à vizinha um coador para coar uma composição para
pôr no conduto da comida. A vizinha emprestou-lho e ela depois de o usar lavou-o e pôs a secar
ao sol. Mas devido à negligência, esqueceu-se de recolher o coador. Acabou por ficar ali muito
tempo, até que nasceu dentro dele uma planta de cabaças. A planta cresceu rapidamente e
produziu muitas cabaças, grandes e lindas. Aconteceu depois que um dia a dona do coador
passou perto da planta das cabaças e se encheu de inveja das mesmas. Mas ela descobriu que
aquela planta tinha nascido dentro do coador que emprestara à vizinha. Logo que chegou em
casa mandou um dos seus filhos à vizinha para que lhe devolvesse o coador emprestado, o que o
filho prontamente fez. A dona das cabaças foi à casa da vizinha pedir-lhes desculpas, dizendo
que no coador havia nascido uma planta de cabaças, que havia produzido muitas cabaças, e se
ela tirasse agora o coador a planta secaria.
A dona do coador não ligou ao que a outra lhe disse, e apenas lhe replicou que queria o seu
coador o mais rápido possível. A dona das cabaças foi arranjar outro coador ainda melhor para o
evolver, mas a outra não o aceitou, dizendo que queria só o seu coador.
O caso acabou por ir à Embala na esperança de que o soba conseguisse fazer com que a dona do
coador recebesse um pagamento qualquer, no entanto esta continuava obstinada e só aceitaria o
seu coador. Não houve outra solução senão arrancar a planta das cabaças. Depois de cortada a
planta, as cabaças já quase criadas acabaram por se secar, morrendo.
Com o passar do tempo, os acontecimentos pareciam ter sido esquecidos, mas como diz um
ditado em umbundu:
“Wambaewe cu limba puai u lia tonyola ka cu limbi omo ndaño epute liaco lia kaia lio sila
emome”.
O que significa: “Quem atira uma pedra ao outro esquece-se rapidamente, mas quem é atingido
pela mesma nunca se esquece, visto que mesmo que a ferida tenha curado fica sempre a
cicatriz”.
Por conseguinte, passado algum tempo, um ano, dois ou mais, as duas mulheres voltaram a ser
amigas como dantes.
Um dia, durante as grandes festas de Eyele as duas senhoras e os seus respectivos maridos
foram juntos a esta festa; passeando juntos foram comer e beber. Ali já ninguém se lembrava do
passado. A senhora que era a dona do coador tirou uma pulseira do braço da criança da sua
vizinha e meteu-a no braço da sua criança que tinha a mesma idade da outra. A pulseira não
tinha nenhuma ligação com a outra questão e ninguém deu por conta de nada.
Por alguns anos a pulseira permaneceu no braço daquela criança. Um dia a dona da pulseira
descobriu-a no braço da filha da dona do coador. Esta fez o mesmo que a outra tinha feito em
relação ao coador. Quando chegou em casa, enviou um dos seus filhos à casa da vizinha para ir
em busca da pulseira. Assim que o moço lá chegou para cumprir as ordens da sua mãe, a mãe da
outra criança resolveu tirar a pulseira do braço da filha, mas a pulseira não saiu, pois entretanto
a mão da menina havia crescido. Ela então foi ter com a vizinha e explico-lhe a situação e a
impossibilidade de sacar o objecto do braço da petiza. A dona da pulseira não aceitou qualquer
explicação dizendo que só lhe interessava receber o que era seu. A mãe da petiza pediu para
tentar cortar a pulseira do braço da sua filha, mas a dona da pulseira não aceitou a proposta. A
mãe da petiza então prometeu entregar dois bois como pagamento da pulseira, mas a outra
respondeu que não queria boi nenhum, mas sim apenas a sua pulseira.
O caso acabou por ser levado à Embala, para que o soba resolvesse a questão. Este tentou tudo
para que as duas mulheres se entendessem, não o conseguindo, e quando ouviu o relato da
questão e o comparou à questão passada com o coador e as cabaças, concluiu que era lícito
proceder como a vez anterior, que era cortar o braço da criança e tirar a pulseira do seu braço.
Assim, o soba mandou um homem da corte para proceder ao corte do braço, e assim resolveu a
questão, deixando a criança sem a mão.
Moral da história: a primeira mulher ficou sem as cabaças, a segunda ficou com a filha sem a
mão.
Por este motivo os Bailundos evitam sempre a vingança.
O Modo de Vivência por parte do Povo Bailundo Antes da Chegada dos Colonos Brancos
Chegarem à Região.
Há tarefas específicas para os homens tal como para as mulheres. Os homens constroem
cubatas, fazem almofarizes, luiko (espécie de remo de canoa para fazer pirão [ou espátula]),
chito (colher de pau para tirar o pirão da panela), fundições para fazer enxadas e machados, etc.
A fundição era feita, geralmente, com pedra (minério) de ferro que abunda na região do
Bailundo. Os responsáveis por este ofício transportam estas pedras para uma mata onde cavam
uma vala e onde as metem. Em volta ficam quatro ou mais lyeveyo (forjas). As pedras ficam no
meio do carvão vegetal, e os homens passam ali a noite inteira a forjar. Na manhã seguinte, já se
pode ver o ferro derretido e separado das escórias.
Bailundo é uma cidade e município da província
do Huambo, em Angola, localizada em
plenoplanalto central. Tem 7 065 km² e cerca de
56 mil habitantes. É limitado a Norte pelos
municípios de Waku Kungo e Andulo, a Este pelos
municípios de Mungo, Cunhinga e Chinguar, a Sul
Caso um dos forjadores, tenha tido relações sexuais pelos
anteriormente, segundo a superstição daquele povo, as municípios de Catchiungo, Tchicala Tcholoanga e
pedras não chegam a derreter. Huambo, e a Oeste pelos municípios de Ekunha,
Londuimbale e Cassongue. É constituído pelas
Com o ferro derretido, fabricavam todo o tipo de comunas de Bailundo, Lunge, Luvemba, Bimbe e
artefactos para a agricultura e objectos caseiros, como Hengue.
À região do Bailundo foi dado o nome do primeiro
machados, enxadas, facas e outros objectos. soberano, que vindo do norte, fundou e reinou
Na agricultura a situação é diferente, pois os homens durante muitos anos naquilo que foi o maior, mais
trabalham juntamente com as mulheres. poderoso e influente reino da colónia portuguesa.
Todos os outros reinos o olhavam com o maior
O trabalho dos homens na agricultura tem mais a ver com respeito e admiração. A embala (casa grande), sede
o corte das árvores, abrindo-se desta forma novas lavras. do Soma (monarca) situava-se na localidade hoje
No bailundo o milho é a base da alimentação das designada de Bailundo. O Reino do Bailundo foi
sucessivamente atacado pelas tropas portuguesas
populações até aos dias de hoje, e com ele se podem durante séculos, tendo os mais conhecidos
confeccionar os mais variados pratos (alimentos). O suseranos que ali reinaram, resistido às
confrontações militares até ao ano de 1.896 AD,
principal é, sem dúvida, o pirão. Para além deste também altura em que o jovem capitão Justino Teixeira da
se confecciona o ekende, espécie de boroa, lukango, que Silva, transferido do Bié, onde fora também
é milho torrado; há a asssola, que se designa por kanjika responsabilizado pela morte prematura do Capitão-
mor Silva Porto, acabou por derrotar o Rei Numa
(em português), chikuvi, libete, etc. II que acabara de suceder a Ekwikwi, e ali se
Antes dos brancos existirem na área dos Bailundos, os instalou. A vila veio a ser denominada de Teixeira
homens dedicavam-se muito mais a viajar. Iam ao da Silva, tendo retomado o nome anterior de
Bailundo após a independência nacional em 1.975
Moxico, região que pertence a outros grupos étnicos, AD.
como os Nganguela e Chocué, a fim de conseguir Durante a guerra civil dos anos 90 esteve aqui
instalado o quartel-general da UNITA. Fonte:
borracha que vendiam aos brancos que, na época, se http://janeladeguilhotina.blogspot.com/2009/04/bai
encontravam em Benguela. lundo-e-uma-cidade-e-municipio-da.html
Nas matas das regiões onde vivem os nganguelas, ii N.B.: Para saberem da riqueza e cultura
fascinantes dos outros Povos de Angola,
existem várias plantas silvestres que produziam a apresento-lhes os Bakongo:
borracha, produto muito apreciado na época. Cavavam http://www.fflch.usp.br/spap/administracao/arquiv
(extraiam) as raízes, que depois eram pisadas com paus os_publicacao/DA_LUENA.PDF
iii Ou Bailundus:
para lhes tirar as impurezas. Depois a borracha era lavada http://www.minhasimagens.org/convidados/lucian
nos rios onde se estabeleciam as medidas ocanhanga/textos15.htm
iv Olosoma é o plural de Osoma o que significa
correspondentes. Soba, que é o plural de Epalanga. Vide
Os Bailundos quando deslocavam-se a estas terras http://www.info-
levavam consigo sal, tabaco, tecidos, etc., para trocarem angola.ao/index2.php?option=com_content&do_p
df=1&id=254, na página 7, nota 14.
por cera, marfim, escravos, etc. Estas mercadorias eram v
levadas a Benguela onde eram vendidas aos brancos a http://www.angoladicas.com/news_detail.asp?ID=
troco de dinheiro, fardos de tecidos, utensílios, 5281 (Citação: “Os manuscritos iam com o milho?
Como eu não tinha milho, tinha de comprar milho
aguardente, armas de fogo de carregar pela boca, pólvora no comerciante. Na lista das compras, pedia duas
e outros artigos. Os que conseguiam ovos de carraceira quartas de milho, ou três, com balaio [cesto]”).
vi Quinda (quin-da) Feminino. Termo de Angola.
obtinham produtos de maior valor. Quando me falaram Espécie de cesto cylíndrico, sem tampa. Cf. Serpa
destes ovos, pensei que, na realidade, tratava-se de ovos Pinto, I, 169. [Dicionário Cândido de Figueiredo,
verdadeiros, de aves, mas tratava-se de diamantes, os 1913].
vii Efuanga ou Esuanga, que são folhas de
quais encontravam nos rios quando lavavam a borracha. mandioqueira.
Como não sabiam que se tratava de diamantes deram-lhes viii Contraditório a esta observação:
o nome de carraceiras (esala lioyañe), em umbundu. http://eanadv.blogspot.com/2010/07/tirania-da-
beleza.html;
Apenas soube disso ao ler o livro escrito por um dos http://plenamulher.blogspot.com/2010/01/beleza-
comerciantes antigos que vivia em Benguela. Havia madura-sem-neuras-mulheres_18.html
1. ix Vide o PDF “Cantos africanos em umbundo”
também empresários chamados, em umbundu, de na net: Formato do ficheiro: PDF/Adobe Acrobat -
fumbelo, ou seja, pombeiro em português. Estes Ver em HTML
obtinham muitas mercadorias de Benguela que enviavam “Ombinji cão do mato onohã ondiba ou kandimba”
www.letras.ufmg.br/labed/download/cantosafrican
para os Nganguelas, e viceversa, mercadorias, estas, os2ed-site.pdf
transportadas às costas de carregadores negros. Estes
trajectos levavam muitos dias e eram muito arriscados
devido aos animais selvagens, salteadores, às doenças,
etc.
Viajavam durante a metade do dia, e a outra metade era
para se precaverem nos acampamentos contra estes
malefícios. Faziam grandes cercos de madeira à volta dos campos, constituídos por palhotas
bem resistentes, a fim de evitar que leões os atacassem ou os salteadores o roubassem. Apesar
de todas as precauções, muitos foram comidos por leões e assaltados por ladrões. Durante as
noites faziam grandes fogueiras dentro das cercas, e enquanto uns dormiam outros faziam de
sentinela. Se ouvissem o rugir do leão batiam em panelas, lançavam nas fogueiras farrapos para
avivarem as chamas e provocarem mau cheiro, gritavam e disparavam tiros de canhangulo,
fazendo deste modo muita agitação. Se alguém pele de algum animal, que designavam de
ombinji, cortavam dela um pedaço que deitavam ao lume, e que afugentava os leões. Os ombinji
atacam qualquer animal, e têm os dentes muito cortantes, semelhantes a navalhas. Diz-se que
quando se defrontam com qualquer outro animal, seja leão, elefante, etc., atacam-no um por um
e em pouco tempo este animal (atacado) fica apenas esqueleto. Os ombinjiix são semelhantes
aos cães, e até fazem temer até as hienas e outros predadores.
TOMO III
"O MODO DE VIVER DOS BAILUNDOS ANTES DOS BRANCOS CHEGAREM A ESTA ZONA DE ANGOLA"
"Conheci um fumbelo (empresário/comerciante) que viveu até ao meu tempo, que me contou
que certa ocasião organizou uma grande caravana a fim de transportar mercadorias da região de
Nganguela para Benguela. No regresso a caravana trazia muita carga de fardos de panos,
angoretas, barris de pólvora e armas de fogo. No segundo dia de viagem de Benguela para
Nganguela chegaram a um acampamento antigo, e como era lugar geralmente habitado por
leões, fortificaram ainda mais o campo, construindo cercas de paus grandes à volta das palhotas.
Durante a noite ouviram ao longe o rugir do leão, e para o afugentar começaram a fazer muito
ruído com o que pudessem, batendo nas panelas e queimando farrapos, mas, sem de todo se
aperceberem, já uma leoa estava perto do acampamento. Durante a noite foram ouvindo os
rugidos, e tal como se fosse um sinal dos animais entre si, a leoa saltou a cerca, entrou no
acampamento, e tomando um irmão do fumbelo atirou-o para fora do cercado, ferrado pela nuca
e arrastado por entre a escuridão da noite. Já de manhã, muito cedo, o fumbelo disse aos seus
carregadores: -"Se vocês quiserem seguir viagem podem fazê-lo, porém eu só o farei depois de
ver o local onde o meu irmão foi devorado. Armou o seu canhangulo (arma defensiva) com
algumas cargas e seguiu o rasto do irmão, que entravam pela mata fechada. Continuou sem
desalentar, e às tantas lá viu, pelas pegadas, que o animal com a sua presa havia saltado um
precipício e tinha-se dirigido a um morro. Quando ali chegou, encontrou uma caverna onde
estavam os sinais da leoa e os restos do seu irmão. Entrou na caverna onde encontrou quatro
filhotes da fera e parte do corpo do seu irmão, mas o animal não estava lá; provavelmente tinha
ido à caça. Tirou o seu machadinho da cinta e matou as quatro crias da leoa. Depois foi em
busca de ramos de árvores com os quais tapou a entrada da caverna, ficando ele dentro
esperando pelos leões.
Logo que eles apareceram, logo disso se apercebeu com os seus rugidos. Preparou-se para os
defrontar, e logo que a fêmea começou a desimpedir a entrada, o fumbelo disse: -"Já que
mataste o meu irmão, também te vou liquidar." -Disparou o canhangulo, acertando na testa da
leoa, que logo caiu morta. O macho vendo a fêmea estendida no chão lançou-se para dentro da
caverna mas, ao tentar puxar os ramos também apanhou um tiro no peito, morrendo. O
negociante ainda esperou mais algum tempo para ver se haveria mais algum outro animal, mas
estava tudo calmo, nenhum mais apareceu.
Saiu da caverna chorando pela morte do irmão onde o deixou abandonado. cortou as duas
caudas do leão e levou-as para o acampamento, onde o esperavam os outros, e onde foi recebido
em apoteose.
As pessoas desta região efectuavam muitas destas viagens do Moxico para Benguela. Os
caminhos estavam sempre cheios de homens e mulheres. Quando chegavam a Benguela
acampavam ao ar livre, em virtude de não haver muitos materiais para fazer as palhotas, onde
permaneciam por algum tempo. Ali comiam e bebiam, plenos de satisfação por terem chegado
ao local onde podiam tratar dos seu negócios.
Durante a noite iam para um lugar especialmente escolhido onde dançavam uma dança chamada
ombenguela, que ainda hoje se dança. É do nome desta dança que se originou a palavra
Benguela.
Depois vendiam as suas mercadorias que levavam do Moxico, mas o negócio mais lucrativo era
o tráfico de escravos.
Entre os bailundos os tios, do lado materno, tinham mais poder sobre os seus sobrinhos que os
seus próprios pais. Se um filho fosse rebelde ou praticasse maus actos, como o de raptar ou
violar mulheres alheias, o seu tio materno propunha aos pais a sua venda como escravo. Assim,
quando se preparassem para mais uma viagem de negócios a Benguela, o rebelde era convidado
para carregar a carga dum fumbelo qualquer, mas muito longe de suspeitar do seu destino.
Tratavam-no com todo o cuidado e carinho. No dia de regressar ao Bailundo, iam à loja onde
propunham o negócio da venda do moço.
Selado o negócio, o rapaz era levado àquela loja, onde, sem o saber, era mostrado ao negociante
com gestos apenas de olhos. Em seguida o branco mandava-o ao seu quintal em busca de
alguma coisa onde ficava preso e escravo. Depois o preço era estipulado em função da idade do
jovem. A título de exemplo, um rapaz com a idade entre os vinte e os vinte e cinco anos era
muito oneroso e, geralmente, os vendedores recebiam por ele cinco fardos de peças de pano,
cinco armas, quatro ancoretas com aguardente, dois barris de pólvora e outras coisas mais.
No fim do negócio voltavam ao acampamento, comiam qualquer coisa; depois, com as suas
bagagens, faziam o regresso, passando por o Lobito, antes conhecido por Upito, que significa
passagem, que mais tarde foi aportuguesado para Lobito.
Estas viagens eram constantes e, como tal, era usual, ver as pessoas que iam e as outras que
voltavam.
Quando regressavam a Benguela, por vezes sofriam ciladas da tribo dos Quissangue constituída
por grandes salteadores, caluniadores e intriguistas. Era muito frequente, quando as caravanas
passavam, um homem ou uma mulher ficarem junto ao caminho, completamente nus, com
metade de excremento no ânus, fingindo-se de morto. Quando quem viajava passava junto
daquela pessoa exclamava: -"Está alguém aqui morto!" -O "morto" ou "morta" então despertava
e dizia: -"Como é, vocês dizem que eu estava morto, se apenas estou a descansar" -Depois
levantava-se e corria para se queixar ao soba (líder operativo) da região, que organizava um
grande contigente de homens armados para atacar os viajantes bailundos e os despojar de tudo o
que transportassem.
Outras vezes estas ciladas eram feitas com com uma pasta abandonada no caminho. Quando a
caravana ali passava e alguém pegasse nela, aparecia de imediato, um quissangue, e dizia que
tinha deixado ali a pasta com muito dinheiro. Isto era o suficiente para que estes viajantes
ficassem despojados dos seus bens. Outras vezes os quissangues ficavam escondidos na floresta,
e quando a caravana passava atacavam o último carregador e, assim que este caia, o salteador
pegava no ekupa (fardo de panos) e desaparecia com ela na mata. Houve vezes, e não poucas,
que os bailundos travaram lutas renhidas contra os quissangues. Os perigos estavam sempre à
espreita, pois assim que deixavam a área de Quissangue entravam na zona dos leões, sobretudo
na área de Louduimbali, ou Luimbale para os portugueses, a sessenta e cinco quilómetros do
Bailundo.
Quando chegavam aos quimbos, uma parte das mercadorias eram guardadas nos celeiros,
enquanto que o restante era levado para o Moxico, onde adquiriam mais mercadorias que, mais
tarde, eram levadas para Benguela, que naquela época se chamava Mbaka. Estas viagens eram o
pão de cada dia para os bailundos. Era raro haver uma conversa em que não se referissem a
Mbaka ou Nganguela, que é o Moxico. Inclusivamente havia algumas adivinhas, tais como:
"Okanjo kanje kobela vo Nganguela!" -Quem souber decifrar responderá: -"Esala." -Cuja
tradução é: "A minha casinhabranca no Nganguela o que é? É o ovo.
"Nda pika iputa pike, nda enda vo Nganguela, siti ndi tiuka omo votokela!" -E alguém
responde:
"Olondungo." -Tradução: "Fiz pirão bem feito, fui a Nganguela, e quando voltei o mesmo pirão
aindacontinuava quente. É o gindungo (espécie de pimenta, muito picante, ou piri-piri). [N.B.:
Vamos agora mudar de narração já a seguir:]
Na Missão Evangélica (N.B.: esta Missão tinha um lema baseado na Confissão Belga, que
postula: a Igreja verdadeira tem três marcas ao menos: uma doutrina sólida, a correcta
ministração dos sacramentos e o imperativo da disciplina) do Bailundo havia em tempos um
professor da aldeia chamado Damasco Chango. Certo dia este docente foi visto a namorar
(violando o código deontológico da docência e da Missão evangelical) e de forma imprópria
(feriu a ética cristã) com uma rapariga, sendo por isto expulso do quimbo.
Não satisfeito, o referido professor requereu para ser professor do estado. O pedido lhe foi
deferido mas, para o seu pesar inicial, foi colocado na mesma aldeia, visto que de momento o
governo português havia decidido estender o sistema de ensino aos indígenas. Mas este docente
decidiu logo não seguir a mesma senda nocente. O que entendo como uma decisão sábia; já,
com muita dor e espanto, considero a acção operativa do estado como imprudente ao permitir
que ele continue a lecionar. Mas adiante. Ele como professor do estado era bem pago e, como
tal, comprou uma moto, vivia bem e nada lhe faltava.
Assim todos diziam: -"U wa lilogisa wa ssoka lacindele. Eci u lula osapato, ko Mbaka kutunda
asikasa colosapato" -Tradução: "O instruído é como um branco; se alguém o descalçar, de
Mbaka virá uma grande caixa de sapatos".
Com a chegada do Evangelho aos bailundos, os onjangos foram subvertidos, transformando-se a
partir daí em cozinhas. Recorde-se que no passado os onjangos eram uma "instituição" onde se
reunia muita gente que aprendia muita coisa sobre os seus antepassados bem como outros
conhecimentos necessários à sobrevivência da comunidade. Entre os bailundos, na sociedade
tradicional, as mulheres são as responsáveis pela cozinha. Devido ao dote, a mulher casada é
submetida a uma grande pressão:
Trabalha mais que o homem, sobretudo em actividades que exigem grande esforço físico. Nas
lavras, depois do trabalho, e mesmo com o marido ao lado, ela é obrigada a transportar à cabeça
uma quinda grande cheia de milho, batata-doce, folhas de mandioqueira, lenha para o fogão e
outras coisas mais. E como se não bastasse, uma criança às costas. O marido deixa,
normalmente, a lavra quase de mãos vazias.
Uma vez vi uma criança já crescida a mamar e perguntei-lhe porque, com a idade que tinha,
ainda mamava. Então respondeu-me: -"Estou a mamar graças ao dinheiro de meu pai." -Isto
ilustra como as crianças já sabem que para se ter uma mulher é necessário comprá-la.
Mesmo em casa, quando voltam da lavra (do trabalho) a mulher continua a trabalhar. Enquanto
o marido se senta a comer a mandioca e a descansar, ela vai ao rio buscar água e descasca o
milho no almofariz. Depois tira-lhe o farelo, lava-o, e o põe numa grande panela de barro que
repousa junto ao lume. Por fim varre a cozinha, lava a loiça e começa a preparar a ceia. Põe no
lume a panela, e quando a água começa a ferver deita a fubá dentro da panela, pega no luiko
(colher de pau comprida) e mexe e remexe o pirão, devido a esta diversidade de tarefas, entre os
bailundos, é usual ironizar-se que, logo que a mulher faz pirão ouve-se o ruído de luiko: -"Epata
kundu, epata kundu, epata kundu." Tradução: "Liquidarei a família, liquidarei a família." Num
canto, a filha, com doze anos de idade, mais ou menos, na gamela amassa o gindungo e tendo na
mão a ponta de um outro luiko responde: "Tulikua, tulikua, epata kundu, epata kundu." -
Tradução: "Seguirei o teu exemplo, mãe, quando casar também liquidarei a família".
Feito o pirão, a mulher tira a panela do fogo e o distribui pelos pratos ou em pequenas quindas,
utilizando o ochito, um utensílio semelhante a uma concha. Mete o ochito na panela, enche-o de
pirão que depois despeja no prato, mete-o na água para alisar o pirão, e por cima põe mais um
ochito cheio de pirão, e assim sucessivamente. Ao chefe da família cabe-lhe três ou quatro
ochitos generosos, pois cada membro da família ordinária tem o seu número correspondente de
ochitos. O conduto não se distribui com o ochito. Comem todos do mesmo recipiente na cozinha
sem mesa e sem colheres.
O ajuntamento familiar compõe-se, geralmente de três cubatas: o dormitório, ao lado deste fica
a tulha, ou celeiro, uma pequena cubata construída por cima das forquilhas; a terceira cubata é a
cozinha que também serve de sala de estar, refeitório e sala para os serões, e que agora também
funciona como onjango.
O lume é armado no centro da cozinha, com três ou quatro pedras, que têm o nome de atea,
estas pedras servem para susterem as panelas por cima das chamas. Geralmente repousam na
cozinha outros utensílios como sejam as panelas, pratos, recipientes de barro para uma bebida
chamada chissangua, quindas, almofarizes e vários bancos.
Depois da ceia, junta-se muita gente na cozinha, especialmente jovens, para fazerem serões que,
por vezes, se prolongam para lá da meia-noite; o que outrora era feito nos onjangos passou a ser
feito aí, tal como a narração da história dos antepassados, contos de fábulas, jogos e outras
distracções.
Os serões em nossa casa passavam-se na cozinha do nosso cozinheiro para onde diariamente nos
dirigiamos à noite. Sentávamo-nos em redor do lume e ele contava-nos tudo o que sabia. Ele
tinha assistido à chegada dos primeiros missionários ao Bailundo, e também havia ido, várias
vezes, a Benguela vender borracha e escravos.
Numa noite ele resolveu falar-nos da sua vida:
-"O meu pai foi morto por uma alma do outro mundo!" -Tossiu e cuspiu na cinza do lume. "Mas
antes disto", prosseguiu, "assistiu-se à morte de todos os meus irmãos. Por isso, ao nascer, e
para não morrer, foi-me dado o nome muito feio de Chifuanda, a fim de desencorajar os
cazumbis a me eliminarem. E cresci assim. Mas quando tinha mais ou menos quinze anos de
idade morreu a minha mãe. Fiquei só eu e o meu pai. Tempos depois o meu pai conheceu uma
mulher muito nova, que havia ficado viúva poucos meses após o casamento. Quando o meu pai
a pretendeu para casamento foi fortemente desaconselhado de o fazer por muita gente, que
alegavam que aquela mulher, de nome Nangueve, fora oki lambi wa (pessoa perseguida por uma
alma do outro mundo). Mas o meu pai gostava muito dela e não havia razões para menos, pois
ela era uma mulher de muita beleza. De modos que, disse, depois do casamento iria ter com o
kimbandeiro (curandeiro ou feiticeiro) a fim de escorraçar a alma que a tem perseguido.
O meu pai preparou-se para o casamento que foi realizado no dia marcado conforme mandava a
Tradição. Nesse mesmo dia, o meu pai teve de deixar a esposa em casa para ir enxotar os
periquitos que às tardes e manhãs bem cedo comiam o milho fresco da sua lavra. Ao chegar à
lavra encontrou grandes bandos destes pássaros e se pôs a enxotá-los dizendo em altos brados:
-"Ho! Ho! Ho!"
Os periquitos levantavam-se em bandos do milheiral e fugiam. Quando o meu pai gritava um
outro homem abaixo da lavra o imitava. O meu pai não se incomodou e continuou a espantar as
aves, julgando estar a ouvir o eco que vinha de outra lavra, a sul.
Quando escureceu, os periquitos deixaram de comer o milho, e o meu pai pôs-se a partir
algumas maçarocas para a ceia no ochipundo (palhota das lavras) onde iria dormir, para no dia
seguinte continuar com a tarefa. No entanto, quando partia as maçarocas, alguém também fazia
o mesmo. Ele, pensando que fosse um ladrão, dirigiu-se para o local donde vimha o ruído e
encontrou alguém a cortar os milheiros com uma faca, sem no entanto ver a pessoa que o fazia.
O meu pai não compreendia aquele estranho fenómeno. Ao chegar ao ochipundo acendeu a
fogueira e pôs-se a assar as maçarocas que tinha consigo arrumando-as à volta da fogueira.
Quando uma delas ficava pronta comi-a grão a grão. De repente apareceu um homem alto e
forte, vestido com um pano preto da cinta aos pés. Vestia também um casaco preto e um grande
chapéu na cabeça. Pôs-se à porta do ochipundo, com um onjambi (maçarocas de milho em
molho) numa mão, e na outra um molho de folhas frescas para fazer a cama. O meu pai apanhou
um grande susto. O estranho pediu permissão para entrar, e quando o fez espalhou no chão as
folhas, e depois de se ter sentado num pequeno tronco que ali estava disse: -"Eu venho de Ulindi
e vou para Kalilongue, mas fez-se tarde, e quando o sol se escondia vi o fumo a sair deste
ochipundo e então resolvi vir até aqui para passarmos junto a noite".
Dito isto, pegou no seu onjambi, tirando de lá uma espiga de milho que se pôs a assar. Na altura
era já noite profunda. O meu pai não se sentia à vontade, pois o homem metia-lhe muito medo.
Depois de ter assado e comido todas as espigas, arrumou as folhas num canto do ochipundo e
disse que tinha de deitar-se cedo para poder madrugar e prosseguir com a sua viagem. O homem
fez a cama, tomou o pano para se cobrir e deitou-se. O meu pai continuava ao lado do fogo a
aquecer-se. De repente o estranho começou a ressonar. Momentos depois, meu pai, estarrecido
de medo, mal podia conter o seu espanto ao ver o homem que ressonava ao seu lado
transformar-se em esqueleto no seu leito, com a caveira a mover-se para a frente e para trás.
Meu pai continuava cada vez mais assustado, e a imagem tornava-se mais clara com a luz
provocada pelas labaredas de fogo. Foi então que gritou cheio de medo: -"A Tate we, nye
ndimola ndeti?" -Tradução: "Ó meu pai, que é isto que estou a ver?" -Os bailundos, quando se
deparam com algum perigo sempre evocam os seus pais.
Este grito fez despertar o homem que lhe disse com um ar muito severo:
-"É um mau costume incomodar alguém que dorme em paz; dorme tu também", ordenou.
Meu pai que tinha ficado sem sono, teve de fazer tudo por tudo para adormecer. Arrumou as
suas folhas no chão e dormiu de cara virada para trás, com a fogueira entre os dois. De repente
volta a ouvir o homem a ressonar. O meu pai queria aproveitar esta oportunidade para abrir um
buraco no ochipundo e fugir; pensava nisto quando o homem voltou a acordar e disse:
-"Nem penses em fugir! Dorme!"
O meu pai embora sem sono, meteu-se de novo na cama e pensou: "Que homem é este que
chega a descobrir os meus pensamentos? Certamente que deve ser o ex-marido de Nangueve,
pois me tinham aconselhado a que não me casasse com ela, para não ser perseguido por ele".
Mais uma vez o pensamento do meu pai fez despertar o estranho homem, que exclamou: -"Se tu
sabes que eu sou o marido de Nangueve porque te casaste com ela? Na verdade ela me pertence
até eu resolver os problemas que tenho com ela. Por saberes quem eu sou, e pelo teu
atrevimento, vou matar-te".
Quando o estranho quis levantar-se para liquidar o meu genitor, ouviu-se uma voz vinda de fora
do ochipundo, na escuridão da noite:
-"Ó Sachilombo, deixa em paz o meu irmão Lutukuta. Ele não casou com a Nangueve de graça.
Ele gastou muito dinheiro com ela".
Entretanto o estranho começou a perseguir meu pai transformando-se em remoinho de vento
com o intuito de o matar. No entanto, fora do ochipundo estavam os irmãos do meu genitor que
já haviam falecido e, também sob a forma de remoinhos de vento, puseram-se no encalço do
homem e o retiveram. O meu pai a correr viu que havia sido detido.
Já não havia remoinho algum. O meu pai correu até à sua casa onde chegou muito cansado e
quase fora de si. Nangueve notou que o marido estava mal e, por isso, pensou que algo de muito
grave tinha acontecido na lavra. Mas ele nada de estranho lhe contou.
Quando amanheceu, Nangueve dirigiu-se à lavra para saber o que na verdade se havia passado.
Ao chegar encontrou o ochipundo quase destruído. Tinha uma abertura nas traseiras, tinha a
porta aberta, e viu a arma do marido no chão. Tomou-a e levou-a para casa. Depois voltou a
perguntar ao marido o que se havia passado. Meu pai, que gostava muito dela, não lhe disse
nada do acontecido por temer que ele se fosse embora. Nesse dia ele já não foi afugentar os
periquitos. Ficou em casa o dia todo.
À meia-noite desse dia, os lobos invadiram o curral dos porcos levando um consigo. O meu
genitor, quando se apercebeu, tomou a sua arma e disparou contra os lobos, mas quando o fazia
os lobos riam-se dele. Apesar disso ele continuou a disparar a arma, carregava-a e voltava a
disparar. Mas os lobos em nada se amedrontavam e continuavam a rir-se dele. Mais tarde um
dos lobos falou e disse:
– Não gastes a tua pólvora em vão!
Deixou então de disparar, e deu-se conta de que não se tratava de lobos mas sim dos cazumbis
do antigo marido de Nangueve e seus irmãos. Ao amanhecer o meu Pai seguiu o trilho por onde
os lobos tinham passado com o seu porco, e foi ter a uma cova de um onjimbo num cemitério
muito antigo.
[Onjimbo – Conhecido por “porco da terra”, mas vários dicionários chamam-no de “orieterope”.
Em relação a este animal, convém esclarecer que ele vive nos buracos que ele próprio cava com
as suas afiadas unhas. Cada buraco deve ter cerca de meio metro de diâmetro e vinte a trinta
metros de profundidade. Não se alimenta de vegetais mas de formigas, salalé e outros bichos
que se encontram em baixo da terra. Para os matar é costume fazer-lhes uma emboscada junto
da entrada da toca onde vive, pois só costuma sair dela por volta da meia noite. Dizem que
pouco antes de sair, ouve-se um grande ruído dentro do buraco, e saem muitas borboletas e
outros insectos. Algum tempo depois saem seres do tamanho de crianças com esteiras na
cabeça. Estes seres, costuma dizer-se, são as almas das crianças.
Antigamente o onjimbo não aparecia muito, mas agora multiplicaram-se e aparecem várias
vezes. Este bicho gosta muito de cavar as sepulturas nos cemitérios, tirando para fora os ossos
que ali se encontram.
Os onjimbos têm caudas muito grossas. Se alguém matar um deles é obrigado a levar a cauda ao
soba.
Os seus excrementos são difíceis de encontrar e valem muito dinheiro, pois são utilizados em
feitiçarias de roubos, que faz com que vítima caia num sono muito profundo a ponto de não dar
pela presença dos ladrões. Basta queimar parte destes excrementos junto da janela ou da porta,
para que a pessoa a ser roubada durma profundamente, conforme uma ocasião presenciei, a
ponto de tirarem o dormente da cama para o chão para lhe tirarem os lençois.
Dizem que cada buraco de onjimbo dá acesso ao outro mundo, o das almas penadas]. O
cemitério era tão antigo que quase se não via nenhuma outra campa. Apenas se viam pedras
grandes e árvores. Foi então aí, num esconderijo de onjimbo, onde os lobos esconderam o
porco. Isto intrigou de tal maneira o meu Pai, pois ele sabia que os lobos vivem em cavernas e
não nas tocas dos onjimbos. Depois subiu a uma árvore onde fez um assento com paus,
chamado utala. Quando dse fez noite, pegou na sua arma, foi até à sua utala e sentou-se à espera
que os lobos saíssem para os matar um por um. Era noite de lua cheia.
De repente, o meu Pai viu uma rapariguinha sair do buraco com um pau onde ela batia ao
mesmo tempo que gritava:
– Mã, mã, mã!
Esta é, geralmente, a forma de se chamarem os porcos. Foi então que ele viu dois onjimbos,
correndo em direcção à rapariga, ela deu-lhes comida e desapareceu.
O meu pai observou aquilo tudo mas não teve coragem para disparar, visto que só esperava que
saíssem os lobos que haviam roubado o seu porco. No entanto, ao invés de saírem lobos, saiu
um homem que deveria ser o Muechalo, o homem que costuma transportar o banco do soba,
trazendo, sim, um banco de pele de boi que colocou no chão próximo da toca, e de lá viu
também sair muitas pessoas que se sentaram à volta da mesma. Depois disto apareceu um
homem idoso que se sentou no ochalo, e logo que se sentou, todos os presentes levantaram as
pernas no ar, e um deles pôs-se a assobiar ao mesmo tempo que dizia:
– Pelompe pali oku miña (Na corte come-se carne).
O meu Pai compreendeu logo que aquele era o soba da aldeia, que era o cemitério. Ia tratar-se
de um julgamento.
Depois de todos se sentarem, o soba pediu que o queixoso dissesse o que se havia passado, este
levantou-se e disse:
– Eu vim queixar-me do sékulo chitumda que me matou há já bastante tempo, deixando viúva a
minha mulher e os meus filhos a padecerem. Assim, peço diante de vós para irdes buscar esse
Chitunda, para que, tal como eu venha para cá e também deixe a sua família como eu deixei a
minha.
Este Chitunda era o vizinho do meu Pai. O soba queria responder, mas foi logo interrompido
por uma mulher que tinha saído do buraco do onjimbo e que disse:
– Vocês estão aqui entretidos com o ekanga (julgamento), e não vêm, por acaso, o homem que
está em cima daquela árvore?
Todos os presentes, ao darem-se conta de que havia alguém em cima da árvore, puseram-se
precipitadamente em fuga, metendo-se no buraco como ratos. O soba foi o primeiro a
desaparecer. O meu Pai viu aquilo tudo como se fosse um sonho. Quis descer da árvore para
regressar a casa, mas apareceu-lhe uma velha que dirigindo-se à árvore onde ele estava disse-
lhe:
– Ó Lutukuta, foste muito atrevido e imprudente ao te casares com a Nangueve. O marido dela,
que vive cá, não a deixará sem primeiro resolver alguns problemas que tem com ela. Hoje
tiveste muita sorte por o não teres encontrado aqui. O soba incimbiu-o para ir em busca de um
feiticeiro. Se o tivesses encontrado cá de certeza que não saírias daqui vivo. Ele anda muito
zangado contigo. Eu na qualidade de tua bisavó, aconselho-te a deixar a Nangueve e a arranjares
uma outra mulher. Há tantas outras mulheres no mundo e, por isso, não vale a pena insistires em
ficar com ela, o que poderá significar a morte certa para ti. Segue este meu conselho, pois eu,
como tua bisavó, avó de teu pai, não quero que morras. Quando vim para aqui, o teu pai nem
sequer havia nascido. Agora desce dessa árvore antes que o teu rival chegue. Vai-te embora e
expulsa a Nangueve de casa.
O meu Pai quis responder, agradecendo o conselho da sua bisavó, mas esta disse-lhe para que se
calasse, pois quando uma alma do outro mundo fala não se lhe deve responder.
Momentos depois o meu Pai desceu da árvore e foi para a sua casa. Quando lá chegou, ao ver a
esposa, disse-lhe:
– Querida, como sabes, tenho sido perseguido pelo teu ex marido que procura matar-me. Por
isso, acho melhor que amanhã, logo ao amanhecer, tomes as tuas coisas e voltes para a casa da
tua mãe.
Quando amanheceu, Nangueve, antes de partir, quis ouvir novamente a ordem de expulsão. Mas
o meu Pai, que gostava muito dela, não teve a coragem de repetir novamente a ordem de a
expulsar. Ele então comeu alguma coisa, tomou o seu machado e saiu pela mata fora para fazer
um “onde” (colmeia de abelhas).
Ao chegar a determinado lugar da mata cortou uma árvore, e preparou o tronco que iria servir de
onde. Rachou-o ao meio e abriu uma fenda numa das partes. De súbito, apareceu um homem
com um machado na mão que ao o ver lhe disse: “Segundo o nosso ditado antigo, quando
encontrares alguém a soprar fogo, sopra-lhe no ânus, pois o que sair daquele fogo será comido
pelos dois. – E assim, o estranho, pegou na outra parte do onde e com o seu machado se pôs a
trabalhar. Tá, tá, tá…, e em pouco tempo a colmeia estava pronta.
Ao ver aquele fenómeno, o meu Pai abandonou o seu machado e fugiu daquele lugar, pois sabia
que estava de novo perante o seu rival. Correu, mas aquele homem transformou-se em remoinho
de vento para o perseguir. Mas as almas dos irmãos do meu Pai apareceram em seu socorro, só
que desta vez o seu rival também trouxe os seus irmãos já falecidos, e todos se juntaram ali na
forma de um grande remoinho, travando uma grande luta.
Por fim, um dos irmãos do falecido marido de Nangueve conseguiu alcançar o meu Pai, bateu-
lhe nas costas com um burrinho e disse: “Pronto, já o liquidei!”
Repentinamente todos os remoinhos desapareceram. Passado algum tempo, o meu Pai começou
a vomitar sangue devido à forte pancada, acabando mesmo por morrer.
A partir deste momento fiquei sem Mãe e sem Pai. Então fui recolhido pela comunidade e
passei a viver no onjango e sustentado pelos habitantes da aldeia.
Quando me tornei rapaz, como era um pouco alto, aconteceu que um dia chegou ao nosso
quimbo um branco, transportado numa tipóia, que deveria ser um explorador português e que
trazia consigo muitos carregadores transportando as suas bagagens. Ele queria substituir os seus
carregadores, pois os que tinha já estavam muito cansados. Eu fui indicado para ser um dos
novos carregadores desse branco. Em todos os lugares a que chegássemos, o branco montava a
sua tenda e nós faziamos palhotas para nós. Fomos até ao Bié.
O Mueleputu, que é a autoridade portuguesa do Bié, chamado Poloto, nome que os nativos
deram a Silva Porto, recebeu-nos muito bem. Aconteceu também que fui escolhido para
trabalhar como criado na casa de Poloto. Os outros carregadores, que tinham vindo comigo,
deixaram-me ali e continuaram a viagem com o mesmo branco. Trabalhei como criado enquanto
aprendia o ofício de cozinheiro.
Quando o meu mestre cozinheiro faleceu, eu o substituí.
Em casa do patrão havia uma lavadeira muito linda chamada Maria. Ela era muito asseada,
comecei a gostar dela e queria a todo o custo que ela fosse a minha amante. Infelizmente
aconteceu comigo o mesmo que com o meu Pai. Muita gente aconselhou-me a não envolver-me
com a Maria, dizendo que ela era uma olundumba, pessoa que se transforma em leoa. Eu não
dei ouvidos a ninguém. Ela também gostava de mim, tornou-se a minha amante e fui viver com
ela na sua casa. Assim, depois de me despachar do meu trabalho na cozinha, que sempre
terminava à noite, ia dormir com ela, armado com a minha mukonda (espécie de faca com a
ponta parecida a uma espada afiada nos dois gumes, metida em bainha de madeira e
transportada na cintura; é uma espécie de punhal).
Quando chegava em casa de Maria, encontrava sempre o pirão já feito acompanhado de carne
de porco ou de cabrito. Eu não sabia onde ela arranjava aquela carne que comiamos todos os
dias. Mas um dia ela disse-me: “É melhor que não venhas amanhã pois vou viajar para visitar
alguns familiares.
Eu acreditei nela. De manhã, como sempre fazia, fui trabalhar na cozinha do meu patrão, fiz
café e outros trabalhos. Quando anoiteceu, e como na cozinha do patrão não havia condições
para dormir, resolvi ir à casa da Maria mesmo sabendo que ela lá não estava. Abonava em meu
favor o facto de saber onde ela guardava as chaves da casa.
Terminado, então. o labor na cozinha do patrão, pus-me a caminho. Quando lá cheguei
encontrei a porta entreaberta, entrei e vi uma grande fogueira e duas grandes panelas de barro de
ochimbombo com a água em ebulição. Pensei que ela tivesse desistido da viagem e estivesse,
naquele momento, na casa da vizinha. Sentei-me num banco à sua espera. Momentos depois
ouvi um grande reboliço que vinha da aldeia vizinha. Ouviam-se gritos usualmente utilizados
para enxotar os lobos que invandem os quimbos quando tentam apanhar os porcos ou os
cabritos nos currais. Ouviam-se também tiros com armas de fogo. Esperei algum tempo mais, e
ouvi um ruído que vinha em direcção da casa onde estava, como se alguém arrastasse alguma
coisa pesada.
Cheio de medo, escondi-me debaixo da cama, e seguidamente pressenti que alguém atirava um
porco morto para dentro de casa. Espantado, vi a Maria entrar com o corpo de leoa. Ao entrar
tirou a água que estava a ferver numa das panelas e a despejou sobre o seu corpo. Depois
sacudiu-se como um cão encharcado, retomando a sua forma humana.
Apareceu de novo a Maria, tal qual era, embora completamente nua. Naquele estado pareceu-me
incomensuravelmente bela, sobretudo os seus seios de olonganja (há três tipos seios: olonganja,
são os redondos e que nunca se murcham; os olombenje, que são muito compridos e que
chegam quase ao umbigo, e os chibombo que são muito pequenos; os homens apreciam mais os
olnganja), o corpo fulo (preto de cor amarelenta), as ancas largas e o umbigo metido para dentro
da barriga.
Eu apreciava tudo aquilo escondido debaixo da cama, à luz da fogueira, no único quarto que
também servia de cozinha, dormitório e sala de estar. Entretanto Maria tomou as suas tangas e
vestiu-se.
Depois tomou o porco e meteu-o na bacia do patrão onde costumava transportar a roupa. Com a
outra grande panela com a água a ferver, despejou-a em cima do porco e se pôs a despelá-lo,
para em seguida tomar uma faca e abrir com ela o ventre do animal. Tirou as víceras e as
colocou numa quinda; tomou uma panela pequena com água e a colocou ao lume, e quando a
água começou a ferver com a fuba pôs-se a fazer pirão. Cortou do fígado uma porção, colocou-a
no fogo, assou-a, e depois de a temperar com sal, que tirou duma cabaça, e comeu. Quando
acabou de comer pôs-se a trançar os cabelos, ao mesmo tempo que dizia em voz baixa:
“Desconfio do chifuanda. Será que ele terá vindo?
Mas se tivesse vindo onde se esconderia? Oxalá que não descubra o meu segredo de
olundumba, senão comê-lo-ei vivo!
Eu ouvia o que ela dizia. Pouco depois sentiu sono e deitou-se na cama. Assim que começou a
ressonar, aproveitei a oportunidade para fugir. Saí pé ante pé, mas ao abrir a porta onde rangeu o
que a fez despertar: “Seu ordinário, eu não te disse para não vires? Vou comer-te vivo. Dito isto,
levantou-se da cama, encheu uma das panelas de barro com água, e colocou-a ao lume para que,
depois de se transformar em leoa tivesse a água a ferver para despejar sobre si e voltar a ter
forma humana. Antes que ela concluísse este ritual eu já estava longe, fugindo. Corri, passei por
um riacho que tinha sapos a grasnar. Quando sentiram a minha presença logo todos se calaram.
Depois de me ter afastado uma certa distância, os sapos voltaram a grasnar para, de seguida,
emudecerem de novo. Não me foi difícil compreender que Maria estava no meu encalço. A
única maneira de poder escapar foi subir a uma árvore, o que fiz logo que me foi possível.
Passado algum tempo, vinha a Maria transformada em leoa em minha busca. Passou rente a uma
árvore, parou, farejou, e não sentindo o meu cheiro voltou para trás farejando na direcção da
árvore onde eu estava. Olhou para cima e disse: “Eu não te disse que não viesses? Agora que
descobriste o meu segredo sou obrigada a comer-te vivo.
Então pôs-se a trepar na árvore onde eu estava; as patas traseiras eram de leoa, mas as dianteiras
conservavam a forma de mãos humanas para poder subir agarrada ao tronco.
“Quando chegou junto de mim, abriu a boca tal como os cães quando lutam, para me apanhar
com os seus terríveis dentes. Rapidamente, saquei da minha mukonda e enfiei-a pela boca
dentro saindo pela nuca. A minha querida Maria caiu no chão acabando por morrer. Mas
permaneci ali até ao romper da aurora.
Os vizinhos dela, como sabiam que ela se levantava cedo, o que não aconteceu naquele dia,
foram à sua casa para averiguar do que se havia passado.
Quando abriram a porta viram então um porco estendido num canto e pegadas de leoa as quais
seguiram até ao lugar onde me encontrava. Quando os vi chamei-os e disse-lhes que a Maria
estava ali estendida no chão. Quando a viram sob a forma de leoa, ficaram todos pasmados, e
disseram todos em coro: “Quem matar uma águia, enxotou-a!”
Desci da árvore, tornada Tumba Memorial, e voltei à minha labuta ordinária. Tempos depois
arranjei uma outra mulher com o nome Kandimba, com a qual vivo até hoje muito feliz.
Quando o nosso cozinheiro, o Chifuanda, acabou de narrar esta história, pegou na eteña (espécie
de cachimbo grande para fumar liamba. Para se fazer um cachimbo destes, tem que se cortar ao
meio um chifre de boi, com uma chapa de ferro quente. Depois, para fazer o bico, fura-se com
um fio de aço também muito aquecido. Na parte cortada do meio tapa-se com madeira enfeitada
com tachas. Faz-se um furo na vertical onde se coloca um caniço oco. Em cima do caniço mete-
se a cabeça feita de barro onde se coloca a liamba seca. Dentro do chifre mete-se água para
filtrar a liamba que não se fuma directamente) e nela colocou liamba seca, pôs-lhe fogo e pôs-se
a fumar. À medida que fumava na eteña, esta fazia muito ruído, cra ta ta, cra ta ta...
Depois ouvimos uns sons esquisitos, que se assemelhavam ao piar de um pássaro ou ao miar de
um gato bravo. Chifuanda tirou a eteña da boca e disse: “Estão a ouvir aqueles gritos estranhos?
São os gritos de uma alma do outro mundo!”
Paramos de conversar quando esses gritos se aproximaram de nós. A escuridão era total e os
ruídos sinistros não paravam: Hapa, hapa, Hapa..., que significa: É aqui, é aqui. Dispersamo-nos
e fugimos, cada um para a sua casa, e fechando muito bem as portas!

OS ESPÍRITOS
Os bailundos conhecem apenas os espíritos maus, que em umbundu se designam por Ondele o
que significa demónio. Para eles os demónios são espíritos muito maus, que quando penetram
numa família a exterminam por completo.
Os doentes mentais são considerados como pessoas possuídas pelos demónios. Da mesma
forma, todas as doenças de cura difícil são atribuídas aos demónios, cujo rei se designa por
Ochindele. Ochindele é o superlativo de Ondele, que se traduz por Diabo.
Ochindele é também a designação que os bailundos atribuem a todos os indivíduos de raça
caucasiana (branca), provavelmente devido aos maus tratos que ocorreram durante o domínio
colonial. Na verdade, os portugueses quando chegaram a Angola, não consideravam como
humanos os autóctones.
Olhavam todos os africanos como se de animais se tratassem, inclusivamente os missionários,
quer católicos quer protestantes, chegaram lá com todos esses preconceitos.
Na África do Sul reinava o apartheid, e em Angola o indigenato2. Os indígenas eram muito mal
tratados e desprezados. Um indígena não podia cumprimentar um branco com um aperto de
mão, e muito menos comer com ele à mesa.
Os indígenas podiam passar por grandes aflições, de fome, doenças, nudez, pobreza, etc., que os
brancos não se compadeciam deles, nem até mesmo o governo português se importava pelo
sofrimento dos indígenas.
Quando estive na Missão Evangélica do Bailundo, da Junta Americana e Canadiana, como
professor durante quinze anos, presenciei um acontecimento criminoso e muito triste:
Havia chegado da América, como médico cirurgião, o filho de um antigo missionário americano
em Angola, a fim de exercer medicina na terra onde nasceu. A sua vinda era indesejada pelos
outros missionários, americanos e canadianos. Para denegrir a sua imagem envenenaram toda a
anestesia do hospital da Missão do Dondi onde ele tinha sido colocado. Por este motivo, todas
as pessoas que ele operava estavam condenadas a morrer. Até que se veio a descobrir a origem
do problema, mas depois de dezenas de pessoas terem morrido. Por serem negros os que
morreram, não houve nenhuma investigação para que se descobrisse os culpados.
Durante o tempo do colonialismo, grande parte dos portugueses chegavam a Angola pobres, e
para enriquecerem rápido, estabeleciam lojas no meio das aldeias indígenas onde compravam
por preços muito os produtos que os locais lhes levavam para vender. Passado pouco tempo já
estavam abastados, construíam prédios, compravam viaturas, etc. Por sua vez, o pobre do
indígena nascia e morria numa pobreza terrível, vivendo sempre em palhotas e alimentando-se
muito mal.
Enquanto os portugueses tinham no seu regime alimentos diversificados em termos de calorias,
os indígenas tinham um regime alimentar muito pobre, o qual não passava do pirão feito de
farinha de milho, o qual comiam juntamente com a efuanga, folhas de mandioqueira, a servir de
conduto.
O governo português não permitia que os indígenas enriquecessem, apenas os exploravam. Os
indígenas não tinham direito de possuir bons empregos, a não ser serem serventes de lojas
comerciais, cozinheiros, criados dos outros, etc., ganhando dos portugueses um salário mensal
que não chegava sequer para comprar uma camisa. Em qualquer trabalho que fosse, fosse na
construção ou outro qualquer tipo de trabalho, a desproporção entre o salário de um branco e o
de um negro era enorme.
Por exemplo, se um português ganhasse 2.50 euros por dia, o africano ganhava 0,05 cêntimos,
embora ambos fizessem o mesmo trabalho. Às vezes o africano trabalhava muito mais que o
branco. Quando dei aulas na Missão Evangélica, eu e os colegas como éramos negros
ganhávamos apenas 0.40 cêntimos mensais, enquanto que um profissional branco que dava as
mesmas aulas, ganhava 15 euros, com cama e mesa.
Os indígenas eram a fonte de todos os ganhos, não apenas para o Estado como para o
enriquecimento de todos os portugueses. O governo português obrigava o indígena a pagar
pesadíssimos impostos, forçados, que eles pagavam com grandes dificuldades, em virtude de
não lhes serem dados empregos decentes e nem possuírem indústrias. O único recurso
disponível aos indígenas era uma agricultura muito precária e primitiva. O que colhiam pouco
mais dava do que para a alimentação, pois tudo mais ia para pagar os impostos. Por tal motivo,
os indígenas padeciam a fome principalmente a partir de Outubro e Fevereiro, períodos em que
esperavam as novas colheitas. Trabalhavam de sol a sol, apenas com uma enxada e sem
fertilizantes ou alfaias agrícolas, para se livrarem das terríveis torturas que o governo português
dava aos que não conseguiam pagar os impostos ou outras exigências. Todo o indivíduo de sexo
masculino começava a pagar impostos aos dezassete anos. No entanto, convém dizê-lo, por
vezes os jovens nem sequer tinham esses dezassete anos exigidos pela lei. O critério por vezes
utilizado pelas autoridades coloniais, para determinar a idade, era pouco sério, pois aquando do
recenseamento das populações, era corrente deitar um olhar aos sovacos a fim de ver se o
adolescente tinha pelos. Em caso afirmativo, esse adolescente devia, a partir daí, começar a
pagar impostos.
Quem não fosse capaz de pagar o imposto anual era imediatamente enviado para o contrato
forçado nas roças de café ou na pesca, onde tinha de permanecer durante um ano. Cumprido
esse tempo, era usual dar-se ao contratado um bónus em dinheiro, que passava a ser utilizado
para o pagamento dos impostos em dívida. Consequentemente, o contratado chegava em casa
completamente vazia.
As rusgas aos quimbos, durante a noite, eram outra forma utilizada pelas autoridades
portuguesas para apanharem mão-de-obra barata. Os que fossem apanhados eram pela cintura, e
em fila levados para o posto administrativo e dali para os contratos forçados. Não é por mero
acaso que Salazar dizia que “a riqueza de
Angola era o preto no contrato”. Nota 1
Além dos impostos forçados, havia outras www.religionnews.com/index.php?/rnstext/sudan_conflict_arm
ed_machine_gun_preacher/
formas de exploração; em geral, os africanos,
depois da ceia, costumam sair ao luar para Nota 2
dançar ao som do batuque. Para isto era www.fflch.usp.br/dlcv/revistas/crioula/edicao/03/Artigos%20e
%20Ensaios%20-%20Alberto%20de%20Oliveira%20Pinto.pdf
também necessário pagar uma licença,
denominada licença de catita. Quem tivesse
um cão no quimbo, também tinha que pagar uma licença.
Qualquer português podia espancar os indígenas desumanamente, e submetê-los a um jugo de
ferro.
Por isso, poucos africanos chegavam à idade de 70 anos. Eram magros, esfomeados,
esfarrapados, e muitos vestiam ombuengue (roupa feita de muitos remendos) e andavam
descalços.
Em 1918 o governo português enviou uma grande expedição de soldados a uma tribo chamada
Seles para matar a população toda, alegando que tinham comido um português chamado
Cimboto.
Apesar dos indígenas serem desprezados, as suas mulheres eram subtilmente assediadas por
muitos comerciantes brancos, facto esse que explica as cenas caricatas como aquelas em que
vários portugueses chegavam a Angola sós e pobres, arranjam uma mulher para sua lavadeira
que os ajudava a organizar a sua vida e família. Apesar disso, nem mesmo assim eles permitiam
que elas comessem consigo à mesa, embora dormissem na mesma cama.
De modo que, a mulher africana sacrificava-se, ajudando o marido nos seus negócios, sobretudo
os clandestinos, tais como a venda a venda de bebidas alcoólicas, como o kassungueno (feita à
base de farinha de trigo), proibida por leis nas colónias. Assim, em pouco tempo, e graças à sua
companheira negra, que sempre trabalhava ao seu lado, o marido branco enriquecia a partir daí,
ao ponto de já não necessitar da africana, que era expulsa de casa juntamente com os filhos,
também dele, para depois se casar com uma mulher branca. A própria mulher autóctone ficava
abandonada sem casa e sem recursos para sustentar os filhos, mulatos. É de referir que, no
tempo colonial, os mulatos passavam, geralmente, por grandes privações porque as mães não
tinham condições para os sustentar e eram considerados pelo estado português como filhos de
pais desconhecidos.
As estradas de cabinda ao Cunene, foram feitas pelos indígenas sem pagamento e sem comida.
Cada ngamba (pessoa obrigada a trabalhar forçosamente) tinha de levar a sua própria comida de
casa. A abertura destas estradas, em florestas cerradas e com árvores de grande porte, levou
muitas vidas à morte. Cada família mandava um ngamba à estrada, que podia ser um filho, ou o
próprio marido ou a própria mulher, que ficavam lá a trabalhar durante uma semana até ser
rendido por um dos seus familiares. Enquanto os filhos dos portugueses iam à escola, os dos
indígenas transportavam brita para a construção dessas estradas. Todos os que nelas
trabalhavam eram submetidos a grandes torturas. Faziam covas (pedreiras), as quais ainda hoje
existem à beira das estradas, de onde tiravam a brita que era transportada à cabeça, utilizando
olongonjo (casca de árvores), debaixo de chicote e forçados a correr.
Depois das estradas construídas ficavam sob a responsabilidade de cada quimbo, e os pais
tinham de enviar os seus filhos, todas as semanas, fazer a manutenção das mesmas, para tapar
todos os buracos quando os houvesse. Se por acaso um indígena conseguisse comprar uma
bicicleta, para poder circular com ela nas estradas, que ela própria ajudou a construir, tinha de
pagar uma taxa muito alta todos os dias do ano. Caso não pagasse, a bicicleta ser-lhe-ia
apreendida.
Os portugueses evitavam a todo o custo que os indígenas estudassem. Quando eu exercia o
professorado na Missão Evangélica do Bailundo, assisti a cenas tristes, onde muitos dos meus
alunos eram forçados a abandonar a sala de aulas a fim de serem enviados para os trabalhos
forçados.
Em face do exposto, os bailundos deram ao branco o nome pejorativo de ochindele (“o que
castiga sem piedade”). Contudo também nutriam um grande respeito e admiração pelos brancos
devido ao seu desenvolvimento tecnológico e cultural, pelo fabrico de muitos artefactos, como o
vestuário, calçado, utensílios domésticos e outros. A admiração dos bailundos pelos brancos,
manifesta-se, sobretudo, quando viam um motor a funcionar, que o sintetizava na seguinte
canção:
“Ochindele vi kola we / Eyambo liavo kovava / Wyambo liavo we kovava”
(“Os brancos são maravilhosos / A sepultura deles é na água / Sim é na água / A sepultura deles
é na água”).

A MORTE E A ADIVINHAÇÃO
Entre os bailundos, quando morria um homem, antes dos ossos se enrijecerem, faziam-no sentar
num banco, numa esquina da cubata, tal como se ainda estivesse vivo.
Se for uma mulher, o corpo é colocado na cama, precisamente onde costuma dormir, sendo o
marido obrigado a dormir com a morta. Diziam que em vida o marido dormia com ela, na morte
não deverá desprezá-la. Assim, o marido, tal como é habito, dorme na dianteira e a defunta
esposa atrás dele. A separar os dois colocam um pau.
Quando uma pessoa morre não é enterrada de imediato. Tem, inclusivamente, havido casos
bizarros, como aqueles em que o corpo da parceira entra em decomposição ensopando o marido
com a matéria escorrida do cadáver.
No dia em que morre o homem, os aldeãos são obrigados a colocar o milho na água a fim de se
preparar o ossovo para fermentar a afamada bebida chamada ochimbombo, feita da farinha de
milho.
O milho para grelar, pode levar oito dias ou mais. Quando o ossovo estiver pronto, preparam o
ochimbombo, o qual também demora uns quatro dias e é feito em todas as casas. Durante este
tempo todo, o cadáver mantém-se sentado no seu banco numa das esquinas da cubata, repleta de
gente, especialmente mulheres velhas, que lá dormem e passam dias ao seu lado, até que este
seja enterrado.
Ali o cadáver é tratado por um grupo de homens chamado vakuaciosoko. Se cair um olho do
morto ou qualquer outro membro do seu corpo, são eles que os colocam no seu respectivo lugar.
Quando o cadáver começar a largar mau cheiro, as velhas vão à mata em busca de folhas de
uma planta aromática, chamada ondembi, cujas folhas são colocadas nas narinas a fim de não
sentir o odor vindo do cadáver em decomposição.
Fora da cubata, os homens dançam ao som do batuque, matam-se bois, porcos ou outros
animais, passando, por isso, todos os dias do velório do velório a comerem e a beberem.
Quando o ochibombo está pronto, todas as pessoas se juntam em frente da cubata bebendo essa
apreciada bebida e, ao mesmo tempo, dançam e comem. Para eles é uma grande festa em
memória do falecido. Dali, ainda passam dias até o cadáver ficar todo decomposto. Num dia
determinado, os vakuacisoco tomam o cadáver em alto grau de decomposição e embrulham-no
em panos a que dão o nome de asanya. Depois, com uma espécie de tipóia transportam o
cadáver para o campo de adivinhação onde irão pesquisar a causa da morte desta pessoa.
Toda a população do quimbo, sem excepção, é obrigada a assistir à adivinhação; a culpa da
morte desta pessoa recairá sobre os que estiverem ausentes, as quais serão acusadas de
feiticeiros.
Num local preparado para o efeito, os dois homens que transportam o morto mantêm-se em pé
junto do cadáver, onde começa a sessão de adivinhação. Intervém sempre um outro homem com
um balaio de fuba, farinha branca de milho, que começa por perguntar ao morto o seguinte:
Amigo, estamos todos aqui neste local muito tristes pela tua morte. Deixaste um vazio no nosso
meio e muitas saudades, visto que andávamos, passeávamos e comíamos juntos. Pretendemos
agora conhecer os motivos que te retiraram do nosso convívio, acabando por morreres. Agora
faço-te uma pergunta:
Será pela ambição que todos nós temos tido, que te levou a arranjar algum feitiço que depois te
vitimou? Sabemos que muitos se têm enganado, para através de um feitiço enriquecerem
depressa. Se tiver sido por isso, esclarece-nos.
Mal acaba de pronunciar estas palavras, pega num punhado de fuba e atira-a para debaixo da
tipóia onde repousa o cadáver. Os dois homens que a sustêm, se são empurrados para trás, é
porque é uma resposta negativa. O homem do balaio volta a perguntar:
-Será que quem te matou fui eu que te interrogo?
O homem volta a lançar fuba para debaixo da tipóia; se de imediato os homens que carregam o
morto são empurrados para trás, é resposta negativa (acreditam que é a alma que faz empurrar
p'rá frente ou p'rá trás).
O interrogador torna a perguntar:
-Será que a pessoa que te matou é do nosso quimbo? -Se desta vez o impulso é p'rá frente, ele
volta a perguntar:
-Uma vez que confirmas que sim, diz-nos se é homem. -Se o impulso é novamente p'rá frente,
ele agora pergunta pelo nome de quem o matou.
Então vai colocando os nomes das pessoas até o morto confirmar, sempre através dos impulsos.
Então os vakuacisoko colocam a tipóis em cima de dois paus em forquilha, e o interrogador
continua:
-Confirmas que quem te matou foi fulano? Gostaríamos que o voltasses a confirmar para termos
essa certeza.
Volta a lançar a fuba para debaixo da tipóia aos olhos de todos, e se o cadáver se arrastar p'rá
frente, é mais que evidente que o homem indicado é o assassino, o qual é imediatamente preso e
manietado.
Deixam passar mais um dia, e só então, se houver parentes o poderão enterrar.
Para irem ao cemitério, é costume darem muitas voltas com o morto a ponto de só chegarem ao
local ao pôr-do-sol, para desorientar a alma do defunto, que se em alguma noite ele voltar à
aldeia, seguindo os mesmos trilhos, para vingar a sua morte, só lá poder chegar ao nascer do dia,
e nesse caso já não poderá concretizar a vingança.
Caso não haja um parente para o enterrar, arranjam uma casca de um tronco de árvore em forma
de barril, onde o colocam e é depois levado para a floresta, muito longe do povoado, e o
penduram numa árvore.
De regresso ao cemitério, o acusado é submetido a julgamento. Como os feiticeiros nunca
confessam a verdade negando sempre ter feito tal feitiço, o acusado é posto na presença do
ombulungu. Quando desmaiar, dão-lhe uma composição até que vomite o ombulungu. Assim,
tudo se confirma, procurando depois a melhor forma de o fazer exterminar.
Os feiticeiros nunca são mortos à pedrada ou com facas, pois só as almas penadas os podem
exterminar. De um modo geral, existem três formas para matar um feiticeiro: queimados no
fogo, entregues às feras ou animais aquáticos, como jacarés, peixes e cobras, etc.
Mesmo depois da sentença, ainda fazem passar o feiticeiro por mais outra prova: levam-no à
floresta onde juntam muita lenha com a qual a envolvem, sentado num tronco ou no chão
rodeado pela lenha.
Depois pronunciam as palavras sacramentais de obasa, dizendo:
- A vós, que viveis noutro mundo, trouxemo-vos este homem (ou mulher), acusado(a) de
feiticeiro(a) e de ter morto fulano, conforme foi confirmado pelo cadáver aquando da
adivinhação e pelo ombulungu.
Pedimos então a vossa opinião para sabermos se este homem merece ou não morrer. Vamos
colocar esta brasa em cima da lenha para vós soprardes, ateando o fogo, caso ele seja mesmo
culpado.
O homem que profere estas palavras imediatamente toma uma pequena brasa, do tamanho de
uma abelha, e a põe em cima da lenha. De repente aparecem remoinhos de vento de várias
direcções, todas se dirigindo para a lenha com o fim de fazer com que a brasa pegue fogo. Caso
se confirme a acusação, em pouco tempo a fogueira tornar-se-á grande.
Quando o feiticeiro morrer e o seu corpo explodir, todos batem palmas ao mesmo tempo que
dizem:
-Wa paya ongonga wa vinga (“Quem matar uma águia enxotou-a”).
Outra opção é a de levar o feiticeiro junto de um rio, e ao chegarem rapam-lhe todo o cabelo.
Com uma navalha dão-lhe um golpe na cabeça fazendo escorrer sangue para uma folha de
árvore, chamada ombula. Depois pronunciam, como é hábito, o obasa:
-Alma dos falecidos, venham dar provas de que foi este homem quem matou fulano. Se for ele,
quando lançarmos ao rio esta folha ensanguentada que apareçam animais da água para
disputarem esta folha.
Caso contrário, deixai a folha em paz.
Atiram a folha ao rio, e se o(a) indivíduo(a) for de facto feiticeiro(a), aparece de imediato um
grupo de animais das águas, jacarés, cobras e outros, para disputarem aquela folha. Em
consequência, com um pequeno machado dão um golpe na nuca do feiticeiro e o atiram ao rio,
onde é esquartejado pelos animais.
Outras ocasiões, ao feiticeiro, prendem-lhe os pés e braços e o levam para floresta, longe dos
povoados, deixando o pobre feiticeiro numa encruzilhada e citam o obasa:
-Vós que viveis noutro mundo que nós desconhecemos, pedindo ajuda para este feiticeiro (ou
feiticeira), que seja comido pelas feras do mato, caso seja ele o culpado.
Então o feiticeiro(a) fica ali abandonado. Se de facto for ele(a) o(a) culpado(a), na manhã do dia
seguinte só se encontrarão pegadas de algum animal que o(a) tenha comido(a). Assim ficam
todos satisfeitos e então dizem:
-Wa paya ongonga wa vinga (“Quem matou uma águia enxotou-a”).
Estas práticas, hoje em dia, são pouco comuns, embora sejam praticadas em certas regiões,
ainda que um pouco modificadas. As acusações de feitiçarias e mortes por espancamento são
comuns entre os bailundos, sobretudo nos meios rurais.
Ainda hoje se verificam nos velórios as danças aos sons dos batuques, e o quarto onde estiver o
cadáver fica repleto de gente. As pessoas permanecem no velório dias e noites até o mesmo
terminar.
Também se continuam a matar os animais, bois, porcos, galinhas ou outros, para os banquetes, e
também se usam muitas bebidas em memória do falecido, tudo com grandes festas.

CONVOSCO A HEMEROTECA TRAILER:


“Quando chegou junto de mim, abriu a boca tal como os cães quando lutam, para me apanhar
com os seus terríveis dentes. Rapidamente, saquei da minha mukonda e enfiei-a pela boca
dentro saindo pela nuca. [...]
E como prometido, antes da presença em PDF no http://scribd.com/magcal, aqui estão mais
algumas linhas da obra do Irmão Armando, "Os Bailundos e Angola, Portugal, EUA e o
Canadá, as Missões Cristãs, as Lendas e o sincretismo da quarta dimensão maligna que são
universos demasiado reais..."

A REALIDADE HODIERNA TRAZ NOVAS LINHAS DO SEU ROMANCE FAVORITO:

OS ÍDOLOS
Os ídolos, em todo o mundo são iguais. São figuras representativas de seres humanos. Têm boca
mas não falam; têm olhos mas não vêm; ouvidos e não ouvem. A diferença é que uns são feitos
de ouro, outros de prata, bronze, ferro, etc.... Mas em África... A REALIDADE É OUTRA!!!
Os ídolos dos bailundos são feitos de madeira e não têm um ídolo superior, como a Diana dos
Efésios conforme é citado nas Escrituras. Entre os bailundos os ídolos são propriedade privada a
que eles dão o nome de iteka e fazem parte das feitiçarias. Todo aquele que possuir os iteka é
considerado feiticeiro.
Os ídolos dos outros povos, como os europeus, são muitas vezes considerados como deuses, e
são venerados, adorados, ao contrário dos ídolos dos bailundos. Entre estes há uma série de
ídolos que são mantidos em grande segredo, e entre eles destacam-se os seguintes:
Kalupokopoko, Samemba, Kandundo, Mechamecha, etc. Kalupokopoko é o ídolo da vingança e
mata sem piedade. Poucos feiticeiros o têm.
Quando eu era criança, com seis ou sete anos de idade, a mulher de um servente do meu pai,
chamado Serrote, tinha sido violada por alguém. Num domingo, depois desse Serrote ter varrido
a loja, foi ter com um feiticeiro que vivia do outro lado do rio, e pediu-me que o acompanhasse.
Quando chegamos à cubata do feiticeiro, Serrote disse-lhe algumas palavras que eu não entendia
por ser criança. Depois o feiticeiro entrou na sua casa e trouxe de lá um boneco com forma
humana, dizendo que se de facto o homem acusado violou a sua mulher, cometera um ignóbil
acto, o ídolo não pouparia a sua vida e o mataria sem piedade. Depois de ter pronunciado
aquelas palavras, o boneco, ou seja Kalupokopoko, saiu dali como se fosse um raio, dirigindo-se
para o acusado. Mas antes que ele partisse, o feiticeiro prendeu uma galinha num dos cantos da
casa para que, no caso do acusado ser inocente, aquele boneco em vez de ir contra o feiticeiro
fosse contra a galinha. Depois de algum tempo passado, como o Kalupokopoko não voltava, era
o sinal evidente de que o acusado era culpado.
Mais tarde o feiticeiro instruiu o Serrote no sentido de ir ao velório do criminoso, queixando-se
de que via homens do tamanho de formigas, que o afligiam com agulhas, alfinetes e faquinhas.
O mais curioso é que só o doente os via. Tais seres têm o nome de Inganji.
Samemba, é o ídolo aceitável entre os bailundos; é o deus da caça e da carne. Este ídolo estava
sempre presente nas embalas. Quando alguém vai ao soba queixar-se contra outrem, tanto o
queixoso quanto o acusado são obrigados a entregar um porco ao soba. Os dois animais são
mortos, a sua carne dividida pelas pessoas, e o seu sangue é utilizado para untar a boca dessa
escultura.
A ideia prevalecente é a de que quando Samemba tiver sangue na boca, fará com que haja mais
queixas, e por consequência mais carne na Embala.
Na minha meninice, com doze anos de idade, fui uma vez à floresta com o filho do nosso
cozinheiro, e montamos mais de quarenta armadilhas para apanhar ratos. No dia seguinte,
quando lá voltamos, surpresos vimos que nenhum rato tinha caído nas armadilhas, e isto
prolongou-se durante vários dias.
Foi então que o meu pai do meu amigo nos aconselhou a fazer uma Samemba. Arranjamos um
pedaço de madeira e esculpimos um boneco na forma da samemba. Espetamos um pauzinho no
ânus do boneco, e espetamos a outra extremidade na terra; depois fizemos com que o boneco
ficasse virado de frente para a floresta onde tínhamos montado as armadilhas. No dia seguinte
voltamos ao mesmo local mas encontramos apenas um rato. Depois de o termos esfolado,
pusemos um pouco do seu sangue na boca do boneco Samemba. Na manhã seguinte
encontramos mais de vinte ratos nas armadilhas, e assim continuou nos dias seguintes. Todos os
dias apanhávamos dezenas de ratos, ao ponto de não os conseguirmos comer todos, pelo que
depois os trocamos por milho. Três ratos correspondiam a um prato cheio de milho, graças ao
boneco Samemba.
Em relação aos outros ídolos da quarta dimensão maligna desconheço as suas histórias, estórias
e legendas. Deixo isso ao vosso cuidado.

OS REMOINHOS DE VENTO
Na visão dos bailundos, quando as pessoas de bom coração morrem, vão para Suku que é D-us.
Uma das primeiras coisas que dele recebem, são os meios de transporte chamados Ochipepe,
que são os remoinhos de vento. Os remoinhos, de acordo com qualquer dicionário, são a massa
de água ou de ar em movimento espiral. Mas na mitologia dos bailundos é uma alma penada
que viaja nesse meio de transporte que foi concedido por D-us. Só resta saber se é o mesmo
remoinho que levanta do chão as folhas secas, os papéis, que abana as árvores, que tira o capim
das cubatas, etc.
Diz-se entre os bailundos, que os que vão para kalunga voltam à terra através dos remoinhos a
fim de visitarem os seus familiares, ou para fazerem vingança no caso de serem almas de
pessoas mortas por feiticeiros.
Também é usual ouvir-se dizer que fulano hoje foi chicoteado por um ochipepe. Contudo, este é
susceptível de mudar de comportamento, e irrita-se se alguém cantar a seguinte canção:

Yuvila, yuvila w atava?


Hti, vimo um mbala?
Okambia, kihemba
Kua k asile konele yiko?
Kuafile?
(Toma, toma remédio, aceitaste?
Quando disseste que te doia a barriga?
Não deixaste a panelinha de remédio ao lado do fogo?
Acabando por morrer?)

Uma das possíveis explicações para a irritação do ochipepe, tem a ver com o facto de em vida e
no auge da sua doença, a alma penada ter sido alvo de zombaria, e ter estado numa esteira ao
lado da fogueira.
Lembro-me de um dia, em pequeno, termos ido pescar com o filho do nosso cozinheiro.
Estávamos na estação seca e as matas estavam todas queimadas, as campinas apresentavam uma
cor escura devido às queimadas, e as árvores tinham as folhas secas por causa do fogo. Era o
tempo dos remoinhos andarem de um lado para, pois esse fenómeno é muito raro e inexistente
no tempo das chuvas.
Enquanto pescávamos vimos um remoinho passar distante de nós. Entretanto o meu amigo
começou a cantar a canção antes referida, zombando da alma que ia naquele ochipepe. De
súbito fomos envolvidos pelo mesmo ochipepe, que pegou o meu amigo e o atirou para o lugar
mais fundo do riacho, que para a sua infelicidade, a faca que trazia na mão se lhe espetou na
boca. Como se não bastasse, o mesmo remoinho continuou irritado e começou a abanar
fortemente as árvores que estavam no seu caminho, levando muitas folhas secas para o ar e
produzindo muita poeira.
Num quimbo havia um professor ambulante chamado Afonso, que numa ocasião fora pelo
catequista desse quimbo para que devolvesse o dinheiro das propinas que havia cobrado aos
alunos. Ao chegar à casa do catequista e na sua presença, pôs-se a contar o dinheiro colocando-o
no chão. Às duas por três começaram a discutir, meios zangados, pois o docente dizia que o
dinheiro era insuficiente e que não chegava para nada, e foi nesse momento que surgiu um
remoinho de vento que arrebatou o dinheiro para o ar e o fez desaparecer para sempre.
Havia um homem que tinha por hábito violar a mulher de um outro. Por várias vezes tinha sido
apanhado e julgado na embala, onde pagava elevadas multas. Tempos depois o marido daquela
mulher faleceu. Quando o violador soube do acontecido, resolveu ir aos pais da viúva que
consentissem o seu relacionamento com ela. Desta forma convidou os seus familiares a o
acompanharem à casa dos pais da viúva. Pelo caminho passaram perto do cemitério onde estava
sepultado o falecido marido dessa mulher. O homem desviou-se, aproximou-se do túmulo do
seu rival e disse:
- Tu que estás dentro desta sepultura, fica a saber que a mulher pela qual me obrigavas a pagar
multas na presença do soba, vai agora ser minha. Estou a caminho da casa dos seus pais para a
pedir em casamento. Se és homem, levanta-te daí e repete o que fazias contra mim.
Quando se retirou do cemitério, apenas percorreu uma pequena distância, e viu que alguém
ateava fogo na floresta onde ele e os familiares passavam. Subitamente, o fogo foi tomado por
um grande remoinho de nome Kanyongo. O homem viu fagulhas de fogo passarem-lhe por
cima, e cercado pelas chamas viu-se impotente e sem uma brecha por onde escapar. Como se
estava na estação seca, o capim ardeu rapidamente, e em pouco tempo o Kanyongo atingiu o
homenzinho que morreu com a boca aberta.
Em 1947, quando terminei o curso no instituto da Igreja Evangélica Congregacional1, fui à
Missão Evangélica do Bailundo, onde soube de um pastor de nome António Chico, colocado no
Centro Evangélico de Zoar-Panda, o qual era perseguido pelos seus próprios discípulos. Porém,
também se soube que quem liderava esta perseguição eram os diáconos, Israel e Tito, com mais
o organista do centro, de nome Paulino Chinjambela. Durante as conferências anuais da igreja,
estes três homens apresentavam depoimentos hostis contra o clérigo que, ao fim e ao cabo, não
passavam de calúnias.
Apesar disso, o ministro saia-se sempre impune, pois sempre tinha razão.
Como a Igreja não tinha motivos para condenar o oficial eclesiástico perante as falsas
acusações, como por exemplo a do seu gado ter estragado as sementeiras, os denunciantes por
recorrer à feitiçaria. A primeira vez mandaram-lhe uma praga de animais ferozes que dizimaram
mais de metade da criação, e depois mandaram um cazumbi dentro de um remoinho de vento.
Na altura a esposa do pastor estava doente encontrando-se na cama no seu quarto, e foi nesse
preciso momento que o grande remoinho, Kanyongo, invandiu o quarto pondo a senhora
descoberto, levando os cobertores até ao teto, prendendo-os numa asna. Depois ouviu-se um
grande estrondo como quase o dum canhão.
Este acontecimento assustou o reverendo que resolveu mudar o Centro para outro local. Foi
então para um outro quimbo chamado Cheta. Falou com os habitantes que apoiavam a sua
iniciativa, e assim arranjou uma cubata com quartos grandes, um dos quais servia para ser a casa
dos cultos.
O pastor transportou tudo o que tinha para o novo centro, à excepção dos porcos. Quando
concluiu que o novo lugar reunia as condições mínimas, mandou lavar os cobertores, e durante a
tarde desse dia, conseguindo uma carroça decidiu ir em busca dos porcos. Depois dos cobertores
serem lavados, foram estendidos perto de uma árvore frondosa conhecida por Omanda. Quando
faltava pouco tempo para a partida de volta ao centro, o remoinho que havia atirado os
cobertores da cama da sua esposa voltou novamente; tomou os cobertores e enrolou-os nos
ramos mais altos da árvore, e tal como tinha acontecido da primeira vez, ouviu-se de novo um
grande estrondo. Depois de retirarem os cobertores da Omanda com a ajuda duma escada,
iniciaram a viagem de regresso na carroça. Chegaram a Zoar-Panda quase ao anoitecer.
Dormiram um pouco, e no dia seguinte, muito cedo, retomaram a viagem que os levaria ao novo
centro. Depois de calcorrearem uma certa distância, os porcos foram morrendo, sucumbindo o
último animal ainda nem tinham percorrido o último quilómetro.
Como não era muito aconselhável viajar com porcos para o Centro, o ministro amaldiçoado
decidiu passar ali o dia todo de forma a extrair a gordura dos animais e vender a sua carne,
evitando assim ter muito prejuízo.
Por volta das dezassete horas, o organista paulino Chinjambela, que pareceu arrependido aos
olhos do pastor, que tinha seguido o pastor no seu novo múnus pastoral, tocou o sino para o
culto vespertino, mas o pastor não pôde assistir e oficiar ao serviço divino devido a estar
ocupado na venda da carne dos porcos. Quando o culto terminou já era noite. O organista, então,
viu que à volta do edifício do templo congregacional existia muito capim alto e seco, de modos
que resolveu queimá-lo. Toda a congregação e os demais convidados ajudaram nessa limpeza.
Ora no meio do capim havia muitos gafanhotos, e os rapazitos começaram a apanha-los para os
comerem. O filho mais novo do reverendo também fazia parte do grupo, apanhando os insectos.
De repente surge novamente o remoinho de vento, pela terceira vez, e que acaba por envolver o
benjamim do pastor. O fogo da queimada era tanto que fez pasmar os presentes, os quais se
puseram aos gritos: “Peya Kanyongo, peya Kanyongo! (Foi para lá um Kanyongo, foi para lá
um kanyongo!)
O moço tentou fugir do fogo que o cercara, mas a tentativa foi vã, e depois de o fogo o ter
calcinado, ouviu-se, tal como das vezes anteriores, um grande estrondo como o de um canhão.
A criança estava tão desfigurada que quando as pessoas se aproximaram dela estava
irreconhecível.
Entretanto o nosso ministro congregacional, após ter realizado o seu labor urgente, esperava
pelo seu rebento, já na casa pastoral. A dado momento soube que tinha morrido um menino, e
imediatamente dirigiu-se ao local, e ao reparar na cicatriz que a criança tinha no braço quase
intacto, logo reconheceu que era o seu filho. Levou-o então para o sepultar. Apesar da angústia
em que o clérigo vivia, os seus adversários, sabendo do sucedido, não se deram ainda por
vencidos, e foram à Missão acusando-o de ter consultado um feiticeiro a quem levara uma
porção de terra do local onde o filho morrera, a fim de saber quem era o responsável pela sua
morte Estas acusações foram aceites na missão, e como consequência o anjo da congregação foi
impedido de exercer as suas funções ministeriais ad aeternum.
O sistema religioso dos bailundos, antes do contacto com a religião cristã, cingia-se a súplicas
que faziam a D-us por intermédio dos seus parentes já falecidos. Cada família tinha um pequeno
templo, numa cubata circular com mais ou menos metro e meio de diâmetro. Nessa cubata, que
em umbundu se designa por Etambo, o chefe da família apresentava-se, reverentemente, todas
as manhãs com o propósito de falar com os seus bisavós, avós, pais e tios já falecidos. A
intenção era sempre a mesma.
Pedir-lhes que intercedessem por eles perante D-us, pois os bailundos acreditavam que todos os
que em vida tivessem praticados boas acções, quando morressem iriam habitar junto de D-us no
KALUNGA.
Aqueles que em vida se tivessem portado mal, não eram venerados no Etambo, uma vez que os
bailundos criam que, pelos seus actos, haviam sido lançados no ONJEMBO, o inferno. Os
Etambos eram tratados e limpos constantemente; engalanavam-nos com pratos de porcelana,
cobertores novos, e vasos que compravam em benguela aos brancos em troca de borracha.
O chefe de família ia ao Etambo todas as manhãs, e as suas primeiras palavras eram as
seguintes:
“Nunca fiz mal a ninguém; considero o filho do meu vizinho como meu; trato com amor e
carinho os animais do meu vizinho...”, e assim por diante. Referia-se a todos os actos que
mostravam a sua solidariedade com os outros bem como a sua rectidão. Depois disto, pedia aos
parentes já falecidos para lhes concederem saúde e outras coisas mais que necessitassem.
Mesmo para aquelas situações em que um dos familiares pretendia viajar, o chefe da família ia
ao etembo pedir que a viagem corresse bem; se houvesse um doente também suplicavam pelo
seu restabelecimento.

KALITANGUI
Segundo uma profecia, haveria de nascer uma uma pessoa que se desembaraçaria de D-us,
chamado Kalitangui (significa envolver-se, desdobrar-se). De modo que todas as raparigas
bailundas desejariam ter esse filho. Até que um dia uma rapariga ficou grávida sem que se
soubesse quem era o progenitor, e esta gravidez durou cinco anos. Ao dar à luz, primeiro veio
ao mundo o Akuenje velombe (exército); depois o Eyemba (palácio real), e depois nasceram
bois, cabras e galinhas, para no fim ver ao mundo o Kalitangui, que fazia milagres tais como os
que fizera Jesus.
De acordo com a tradição dos bailundos, existira em tempos remoto um personagem de nome
Kalitangui que fazia grandes milagres, cujo nome completo Kalitangui wa li tangle la Suku.
Curava doentes, expulsava demónios, exortava os indivíduos de raça negra no sentido de
obterem o perdão de D-us, por lhe terem desobedecido aquando da saída das caldeiras. Para
mim tratava-se de uma lenda, mas para os bailundos foi um acontecimento real.
Eis, pois, um exemplo de um dos seus milagres:
Num certo quimbo havia uma família que vivia em grandes dificuldades; o que colhiam nas
suas lavras (terras de cultivo) mal chegava para o seu sustento. Por isso, trabalhavam nas lavras
dos outros a fim de obterem algum milho.
Aconteceu que um dia, apareceu naquele quimbo um indivíduo enfezado, cheio de bitacaias
(pulgas que penetram nos dedos e das mãos, onde se transformam em bolinhas do tamanho de
ervilhas, produzindo ovos que se lançam fora um a um) e piolhos, sujo, mal arranjado e
desprezado por toda a gente. Chegou ao quimbo completamente molhado pela chuva que havia
caído torrencialmente naquele dia, e tiritando de frio. Bateu a várias portas pedindo agasalho e
abrigo, mas ninguém o assistiu nem agasalhou devido às bitacaias que tinha.
Ao anoitecer chegou na casa a que nos referimos anteriormente, cujos moradores acabavam de
chegar do trabalho. Pediu para se hospedar (por caridade) e que foi aceito com muito agrado.
Deixaram-no entrar na cubata, e como estava com muito frio, acenderam o lume para que o
indigente se aquecesse, deram-lhe uma manta para se cobrir pois estava quase nu, mataram uma
galinha para lhe dar de jantar, tomaram do milho que haviam ganho nesse dia e o reduziram a
farinha no almofariz para fazer pirão, para que o estranho comesse com carne de galinha.
Como aquele “hóspede” estava muito cansado, conduzira-no à tulha onde lhe estenderam uma
esteira para o deitar, deram-lhe o melhor cobertor para que se cobrir, e assim adormeceu
profundamente.
No dia seguinte, de manhãzinha, fizeram-lhe uma outra refeição, novamente com pirão e carne
da galinha. Depois dele se ter alimentado, resolveu continuar a sua viagem. Esta família
acompanhou-o até a uma certa distância onde se despediram dele, dizendo-lhe que se voltasse a
aparecer naquela aldeia, não hesitasse em os procurar pois seria sempre bem acolhido.
Momentos depois o estranho desaparecia da vista deles.
De regresso a casa prepararam alguma coisa para comer, pois iam ter de procurar trabalho para
aquele dia, e por isso necessitavam de recuperar as forças físicas.
Depois da refeição estar pronta, a mãe pediu a um dos filhos que fosse à tulha buscar os pratos
que o hóspede havia utilizado. O moço quando lá chegou, tentou abrir a porta mas não o
conseguiu. Foi então dizer ao pai que a porta não abria, e o pai estranhando dirigiu-se lá, e só
depois de muito esforço dispendido, inutilmente, verificou que a tulha estava cheio de milho até
ao teto, e como se não bastasse, o montão de milho não parava de aumentar.
Toda a gente do quimbo foi ver, admirados por aquele milagre, e diziam que aquele
acontecimento só podia vir do Kaltangui wa li litangele la Suku, o homem que se desembaraça
de D-us, que se disfarçou de mendigo, ou seja, um ser desprezível aos olhos de todos.
A partir daquele dia, aquela família que havia recebido em casa o Kalitangui, alcançou tudo o
que desejava, e nunca mais voltou a trabalhar nas lavras dos outros, pelo contrário, muitos
vinham pedirlhes trabalho a eles. As suas lavras produziram abundantemente, e em pouco
tempo tornaram-se os mais ricos daquela terra, só pelo facto de terem hospedado o Kalitangui
em casa.

A CHEGADA DO EVANGELHO (BOA NOVA DE ALEGRIA) AOS BAILUNDOS, ANGOLA


O Evangelho chegou aos bailundos graças à Junta Cristã Americana, American Board, com sede
em Boston, a qual resolveu enviar alguns missionários para o sul de Angola e daí até ao
bailundo.
Era um grupo de três missionários: Drs. Revs. Sanders e Bagster, e um missionário negro
chamado Miller, os quais chegaram a Benguela no dia 11 de Novembro de 1880, onde
permaneceram durante algum tempo, de modo a preparar a viagem para o interior. Refira-se que
naquela altura havia grande dificuldade de deslocação, visto não haver estradas nem meio de
transporte, a não ser os puxados por animais, para pessoas, sendo as cargas transportadas às
costas de humanos. Estes três missionários organizaram uma grande comitiva de carregadores,
que transportaram as bagagens às costas ou na cabeça, comitiva essa composta de 95 pessoas,
homens e mulheres, com ainda mais um boi e sete burros, todos carregados de mercadorias para
as missões do interior que tencionavam instalar.
Sanders e Miller viajavam nas tipóias, enquanto Bagster caminhou a pé desde Benguela até ao
Bailundo, e por esse motivo os carregadores que os acompanhavam diziam: “Oku enda o kela
ño (“Esmaga tudo o que cruzar no caminho”) ”, dando-lhe a alcunha de Sachikela.
A viagem foi muito longa, e apenas chegaram aos bailundos em Maio de 1881.
Logo que ali chegaram, foram imediatamente ter com o soba da área chamado Ekuikui II, que
tinha a sua embala (capital) no cume do morro Mbalundu.
Os missionários faziam-se acompanhar de um intérprete de uma tribo da região de Benguela
chamada Quissanje, cujo povo fala também a língua umbundu, embora com algumas diferenças.
Quando os missionários ali chegaram havia uma altercação entre o soba, Tulumba e Lucamba
por causa de um boi. No meio da discussão viram uns brancos que se aproximavam do
Epandavelo (entrada da capital que tem um guarda) a quem pediram uma audiência ao rei, o
qual interrompeu o julgamento para os receber.
Os missionários, postos diante do rei, ofereceram-lhe alguns presentes. Pelo que se sabe, Eluikui
não se mostrou muito satisfeito com os presentes, por não ter visto aguardente nem pólvora.
Com a ajuda do intérprete, Sanders explicou ao rei os motivos da sua viagem, dizendo que
estavam ali para transmitir a mensagem de Deus, para que as pessoas vivessem em irmandade,
amando-se umas às outras. De seguida citou os mandamentos de Moisés: Não matar, não
roubar, não ser mentiroso, não adulterar, etc.
Explicou que as pessoas que praticassem tais actos, ao morrerem eram lançados num fogo
ardente que se encontrava num lugar chamado inferno Ao ouvi-lo o soba disse:
“Se eu estou sentado neste banco é precisamente por esse motivo. Todos os que pratiquem esses
actos são sempre severamente castigados aqui na Embala”.
Assim os missionários, vendo que aqueles mandamentos já eram observados ali, decidiram falar
de Jesus Cristo, o que agradou sobremaneira ao rei Ekuikui, pensando que eles se referiam ao
Kalitangui/Kalitangi/J-sus.
 NOTA: uel.br/revistas/boitata/volume-2/artigoana.pdf, página 7.
Desta forma o rei, todo satisfeito com tal mensagem chamou os rapazes da corte e ordenou-lhes
que conduzissem os missionários para um lugar mais seguro denominado Chilume (lugar seguro
rodeado de homens fortes) onde poderiam construir a Missão.
1. Perto daquela localidade há uma nascente de onde brota água potável. Trata-se de local
com um lindo panorama paisagístico, de onde se avista a serra de Lumbandanga e aquém
dela dois rios – Kulele e Kukai.
»» Dizem que os missionários cristãos protestantes conservadores apreciaram muito aquele
lugar, mas no entanto não tardou que as complicações surgissem.
Assim que se criaram as condições para a construção da Missão, um português chamado Braga,
que traficava escravos, foi ter com o soba Ekuikui que lhe disse o seguinte:
-Ó soba, tu és o chefe supremo desta terra, mas aceita o conselho que te vou dar: expulsa
imediatamente os americanos das tuas terras, pois se os não expulsares, em breve virão com
máquinas, e num instante o outeiro onde tens a tua capital será destruída, e destruído serás tu e
todos os que aqui vivem.
O soba, perante esta advertência ordenou a todos os rapazes da corte para irem saquear os
missionários e expulsá-los do seu território. Diz-se que um dos rapazes ao ver uma garrafa com
medicamentos líquidos, pensou que se tratava aguardente e a tomou. Um dos missionários teve
de intervir imediatamente tirando-lhe o frasco das mãos, explicando-lhe que era veneno.
Durante aquele assalto os missionários nada fizeram em sua defesa, e não tiveram outra
alternativa senão voltarem para Benguela. Passados que foram alguns meses um outro
missionário, chamado Frederico Stanley Arnot, chegava às terras do Bailundo. Depois foi ter
com Ekuikui explicando-lhe que fora incorrecto ao expulsar os missionários, uma vez que eles
vinham para o bem do povo. Assim o rei, arrependido, enviou a Benguela um grande grupo de
carregadores a fim de trazerem os missionários de volta.
Quando os missionários regressaram de novo ao Bailundo, o rei foi ter com eles, desculpando-
se por ter sido enganado por um português. Levou-os até ao Chilume, e para que nunca mais
fossem expulsos, selou com eles um pacto plantando uma mulemba (árvore doméstica). A par
disto cooperou com os missionários dando-lhes mão-de-obra e liberdade para evangelizarem as
pessoas que habitavam nas suas terras.
Os missionários foram objecto de manifestações de afectos por parte das populações, pois eram
diferentes dos outros estrangeiros, como os portugueses que por ali passavam, e por isso deram-
lhes o nome Afulu, que significa bons e mansos como as pombas. Não compravam escravos e
nem vendiam pólvora, não bebiam e nem fumavam. O seu objectivo era apenas propagar o
Evangelho e o Nome de Cristo, a fim de que todos os bailundos se amassem uns aos outros
como se fossem filhos de um só Pai/Mãe. Recorde-se que os bailundos atribuiam aos
Evangelhos a designação de Afulu e aos seus membros de Vakuafulu (Santos, sem mácula).
Infelizmente, dois anos depois o missionário Bagster faleceu vítima da picada de um insecto.
No local onde foi sepultado construiu-se o primeiro templo.
Em 1954, um missionário japonês, chamado Thomas Massagi Okuma, decidiu transladar os
restos mortais deste missionário falecido para outro lugar, onde também estavam sepultados
outros missionários.
Eu estive presente aquando das escavações do túmulo de Bagster, e para surpresa de todos nada
se encontrou lá nem sequer um osso, apenas dois parafusos. Então retiraram a terra presa aos
parafusos, e meteram-na num caixão de luxo, voltando a enterrá-lo no cemitério juntamente
com outros missionários falecidos no bailundo. No mesmo cemitério, à direita, estão dois
túmulos de missionários, que diziam ser de ingleses falecidos no mesmo dia. Pelo que se sabe,
tinham saído da Missão para evangelizar numa área chamado Utalamo, onde tinham comido
carne de porco que os vitimou. Nas suas lápides, em ferro fundido, o primeiro tem a seguinte
inscrição:
In loving memory of
Thomas Henry Morris of London
Who fell a sleep in Jesus
At Utalamo, 19th Oct. 1989.
Aged 36
If we believe that Jesus died & rose again
Even so, them also which sleep in Jesus
Will go again bring him
I ths: 14
A outra lápide dizia o seguinte:
Richard B. Gall
Who fell a sleep in Jesus
19th Oct. 1889
Aged 32 years
Till death comes
O terceiro túmulo é de uma criança, sem lápide. O quarto é o de Bagster, trasladado
recentemente, cuja inscrição na lápide se encontra completamente apagada, tendo apenas em
português: FALECEUEM 1982. É um túmulo em pedra mármore.
O quinto túmulo, também em mármore, é de uma criança, em cuja lápide se lê em seguinte:
Mable Means Stover
Born May 26, 1888
Died January 14, 1892
Sem mais qualquer indicação. O sexto túmulo é de uma missionária, tendo gravado na lápide
em português, e também em ferro fundido, a seguinte inscrição:
À saudosa memória de
Clara wilkes curri
Missioneira pioneira Candiana
faleceu no Bailundo
em 21 de Setembro de 1882
Para mim o Viver é Cristo e o Morrer é Ganho.
O sétimo túmulo volta a ser outra criança, sem qualquer outra inscrição. O oitavo tem uma
lápide escrita em francês. É uma sepultura de criança, filha provavelmente de algum missionário
chamado Neipp, e a lápide diz o seguinte:
Louis Joseph Neipp
1900
Au revoir
Matt. 19:14
Quando o Evangelho chegou aos bailundos, muitos dos hábitos tradicionais foram postos de
lado; já não comia no onjango; os feiticeiros deixaram de ser queimados; muitos apresentavam
as suas feitiçarias à Igreja; os que tinham duas três ou três mulheres ficaram apenas com uma;
como a “religião evangélica” proibia fumar, muitos fumadores levavam os seus cachimbos para
serem queimados; os nomes africanos das pessoas eram substituídos por nomes bíblicos, como
Mateus, Lucas, Paulo, Jonas, Neemias, etc. Os quimbos também passaram a ter nomes da
Bíblia, como Damasco, Jericó, Jope, Samaria, etc.
Todos procuravam viver em função do que a Bíblia dizia. No dia-a-dia, se alguém falasse ou
precedesse mal, os outros diziam: isto não se encontra no Evangelho ou não é bíblico.
Muitas noites acendiam-se fogueiras às portas dos catequistas para se aprender a palavra de
Deus.
Também construíam capelas a que se davam o nome de Osicola (escola), porque ali também se
aprendia a ler e a escrever.
Os quimbos passaram a ser construídos de outra maneira: as casas alinhadas e feitas de adobes;
em todas as aldeias havia ruas bem alinhadas a que eles davam o nome de Olokolo (ruas das
aldeias). Era o começo de uma grande civilização entre os Bailundos.
Quando tudo estava em bom andamento, e o Evangelho tinha atingido uma área de alguns
trezentos quilómetros de raio, começaram a surgir alguns contratempos com a Igreja Católica.
Tudo começou depois dos católicos se instalarem também no Bailundo em 1890 com um padre
francês chamado Leconte. Após o começo desta desta Missão Católica todo o trabalho
evangélico transtornou-se. Todos os documentos passados por esta Igreja, como as certidões de
nascimento e de casamento tinham validade perante o estado português. Porém, qualquer acto
oficial realizado pelos evangélicos era considerado nulo, mesmo até os casamentos. De modo
que, todos quantos se casassem na Missão Protestante eram considerados solteiros.
O governo português via com maus olhos a construção de qualquer Missão protestante,
incentivando a proliferação de Missões Católicas. Também advertia aos fiéis católicos sobre o
risco que correriam em casar os não católicos. Desfazia-se o casamento, e o rapaz, se fosse
protestante, era imediatamente enviado para o trabalho forçado. O povo que era muito unido por
causa do Evangelho, agora tinha-se desunido. A rivalidade entre as duas Igrejas era grande e os
quimbos eram separados. Havia quimbos exclusivamente católicos e quimbos protestantes.
Tinham-se tornado inimigos, e muitas vezes até havia violência.
Uma vez vi um grupo de fiéis evangélicos irem para a Mesa do Senhor, a Santa Ceia, cujo
caminho passava por um quimbo católico. Os habitantes desse quimbo, então, saíram das suas
casas armados com paus, agredindo os protestantes, alegando:
-Va pita posikola kavopileko ochapeu (“Passaram pela escola [capela] e não tiraram os
chapéus”).
Em 1925 o governo português proibiu a realização de cultos evangélicos em todos os quimbos.
Para o efeito constituiu uma rede de espiões oriundos das aldeias católicas. Se algum protestante
fosse visto a cantar um hino da sua igreja ou orar, era logo apresentada uma queixa ao padre,
que levava o assunto às autoridades portuguesas, sendo o prevaricador preso e enviado para o
trabalho forçado onde permanecia durante um ano. Esta situação levou a que os missionários
fossem a Luanda ter com o Governador-Geral de angola, pedindo autorização para poderem
realizar os seus cultos nos quimbos.
Apesar dessa autorização, os problemas não terminaram. Muitas vezes os chefes dos postos
administrativos enviavam cipaios, aos Domingos, para apanharem as pessoas e as levarem ao
posto, onde algumas delas eram levadas ao trabalho forçado e outras obrigadas a trabalhar no
posto.
No Bailundo havia muitos brancos com grandes fazendas agricolas, em que colhiam arroz, trigo,
grãode-bico, e outros produtos, mas forçavam os indígenas a trabalharem nas fazendas e sem
direito a alimentação; e a maior parte dessa mão-de-obra era dos quimbos protestantes.
A fazenda da Gandarinha, no Mungo, e que eu conheci pessoalmente, produzia arroz, trigo,
batata, etc. O seu proprietário era um português a quem deram o nome de Kambuka (homem
muito baixo).
Centenas de pessoas eram arrebanhadas dos quimbos e levadas para esse trabalho, e ali ficavam
durante uma semana, sendo substituidas depois por outras, e onde permaneciam presas durante a
noite para não fugirem. No dia seguinte, muito cedo, tocava o apito e todas saiam das prisões,
levadas para as formaturas para serem contadas. Depois eram substituídas pelos diversos
afazeres onde, sob chicote, cavavam a terra. Quem se espreguiçasse era imediatamente
agredido, chegando a maior parte dos casos, a morrer. Quando isto acontecia, cavavam um
buraco no terreno já trabalhado onde o enterravam. Depois tratava-se aquele terreno, semeava-
se nele sem deixar vestígios do morto.
Como entre os bailundos os trabalhadores despertavam muito cedo, criou-se a segunte canção:

Lomue o N‟Denda la
Lomue o N‟Denda la
Ndimola onganga we.
Lomue N‟Denda la yele
Citeketeke omele opito ya sika
Lomue o N‟Denda la
Citeketeke omele opitoya sika
Lomue o N‟Denda la

TRADUÇÃO:
Ninguém me rende
Ninguém me rende
Sou filho de um feiticeiro
Ninguém me rende.
Logo pela manhã cedo o apito toca
Ninguém me rende
Logo pela manhã cedo o apito toca
Ninguém me rende

Esta canção tem uma linda melodia e cantavam-na à medida que iam trabalhando. Ao meio-dia
o apito tocava outra vez e largavam o trabalho, indo preparar a comida que levavam das suas
casas.
Às 14 horas voltavam ao trabalho e só o largavam quando começasse a cair a noite. Depois de
jantarem, eram enclausurados nas prisões com as portas fechadas por fora. As prisões não
tinham casas de banho, tendo as pessoas de fazer as suas necessidades nas suas próprias panelas.
Entretanto a Igreja Evangélica começou novamente a desenvolver-se. Em 1930 realizou o seu
primeiro Jubileu que teve grande sucesso. Participaram nele mais de 30 mil pessoas, e se
prolongou durante uma semana.
Em 1929, um ano antes do Jubileu, fora ordenado o primeiro pastor nativo chamado Abraão
Ngulu.
Infelizmente este pastor (“vaso de desonra”, não predestinado positivo em potencial, i.e., pelo
menos para ser um “vaso de honra leal a Ela-Ele/Ele-Ela [D-us]“), para obter mais poder no seu
ministério, arranjou um feiticeiro (sincretismo religioso) para administrar todos os
departamentos do seu pastorado. Intentaram manter isto no segredo mas o caso foi descoberto e
ele foi expulso da Missão.
Anos mais tarde foi recolocado no Ministério graças a um missionário chamado Hastings (um
“gesto” arriscado, mas estratégico).
Como o governo português tinha interditado a abertura de mais Missões Evangélicas, Hastings
fundou muitos centros de evangelização, e em cada centro colocou um pastor nativo. Nestes
centros fazia-se todo o trabalho das Missões, o que evitava que os seus membros percorressem
grandes distâncias, e assim se deslocavam para esses centros a fim de tratarem de quaisquer
assuntos da sua conveniência, quer de casamentos, baptismos ou outros.
Os missionários eram muito estimados pelas populações, e quando faziam as suas visitas
pastorais, o povo, além de lhes preparar a melhor comida, construia um ochingala, espécie de
barracão feito de capim e folhas de bananeira.
No dia em que os missionários chegavam a um quimbo, ninguém trabalhava nas lavras. Logo
que eles se aproximassem da aldeia, um homem postava-se um pouco antes, na estrada, à sua
espera, e logo que os visse aproximar, lançava uns sons de enguena, que é um chifre de boi, e
toda a população corria para o barracão, cantando hinos religiosos.
Em 1951, numa manhã cedo, um padre português chamado Mendes, juntamente com um grupo
dos seus fiéis, carregavam uma quantidade de madeira e foram para uma “aldeia evangélica”
chamada Kandandi, e aí começaram a construir uma capela católica em frente da capela daquela
aldeia. No momento a população estava reunida no seu culto da manhã. O catequista
evangélico, chamado Vitorino, foi inquirir junto do padre dizendo que não era correcto eles
construírem católica mesmo em frente da capela protestante, o que era considerado como
usurpação e uma provocação. O padre irritou-se e espancou brutalmente o catequista Vitorino.
A população da aldeia ao ver o padre na sua agressão ao Vitorino, reagiu batendo também no
padre, chegando mesmo a feri-lo com gravidade. O padre saiu dali sangrando na cabeça e foi
apresentar a questão no tribunal. Este acontecimento causou uma grande preocupação aos
missionários evangélicos, americanos e canadianos, que logo tiveram que meter um advogado
na sua defesa.
No dia do julgamento, todos os missionários estavam presentes. Antes da sentença, levantou-se
o delegado do Ministério Público e disse de sua justiça:
-Angola é uma terra portuguesa e a religião dos portugueses é a católica, e todos nós somos
católicos.
Não é lícito quando os nossos missionários vão evangelizar e serem agredidos e feridos.
Responda-me a esta questão, senhor doutor juiz!
Entretanto levantou-se o advogado de defesa e ordenou que Vitorino se levantasse. Perguntou-
lhe qual a sua idade, naturalidade, nome dos pais, habilitações literárias, etc., que tomava nota
num papel.
Depois perguntou-lhe o ano em que a aldeia fora fundada, e ele respondeu que em 1911. O
advogado depois disse:
-De facto Angola é uma terra portuguesa e a religião dos portugueses é a católica. Mas o
governo português não a impõe a ninguém visto que aqui a religião é livre. Cada um pode
seguir a religião que entender ou não seguir religião nenhuma. Então, por sermos católicos,
temos o direito de usurparmos uma propriedade alheia que os seus donos já possuem há
quarenta anos? E só este ano, 1951, é que o padre se lembrou de construir ali uma capela
católica para persuadir os protestantes a se converter ao catolicismo? Isto não é tirania?
Quando este advogado terminou a sua intervenção ouve um pequeno silêncio; depois saíram
todos os responsáveis judiciais para deliberar, e algum tempo depois voltaram a aparecer com
um documento escrito que foi lido à frente de todos, dizendo que o nosso catequista reformador,
de nome Vitorino, fora absolvido.

O MATRIMÓNIO E O PEDIDO DE CASAMENTO


Antes dos brancos terem chegado à região do Bailundo, já os bailundos realizavam casamentos.
Devemos afirmar também, no entanto, que o casamento tradicional é mais eficaz, pois é raro
haver divórcios. Entre os bailundos existem dois símbolos do amor do marido para com a sua
esposa, representados por uma arma e por um guarda-sol, símbolos, estes, muito respeitados e
considerados.
A arma é o compromisso do marido para, em qualquer circunstância, sair em defesa da mulher,
que o exprime nas seguintes palavras:
-Ó minha mulher, defender-te-ei de qualquer perigo que possas vir a correr!
O guarda-sol tem a ver com o aconchego que o marido dá à mulher, com a seguinte declaração:
-Ó minha mulher, construirei uma casa para ti a fim de que te possas abrigar no seu teto.
O símbolo do guarda-sol, ou sombrinha, chegou até aos dias de hoje mas não o da arma, que foi
abandonado pelo facto de, depois da revolta de Matuyakevela contra os portugueses, em 1902,
ter sido interdita a venda de armas aos bailundos. A partir desta data elas deixaram de ser
utilizadas nos casamentos.
O matrimónio começa também, entre os bailundos, pelo namoro. De modo que um rapaz
quando gostar de uma rapariga, pôe o assunto aos seus pais, e outros familiares, que analisam a
questão. Estes começam por procurar saber os antedentes da família da moça pretendida:
depois, se nessa família houver por acaso ladrões, mulherengos ou alguém que tenha praticado
actos condenáveis, ou tenham doenças complicadas, estes aconselham o rapaz a desistir das suas
pretensões. Do lado da moça procede-se da mesma forma.
No caso de as famílias concordarem no casório, nomeiam um tio do rapaz para ir conversar com
os pais da rapariga, “levando” uma Ongandala (uma quinda, que é uma espécie de cesto feito de
madeira, contendo bebidas, peças em pano e outras coisas, que uma miúda transporta à cabeça)
por meio de uma miúda, que por sua vez, é escoltada por um miúdo, e uma arma, essa sim,
levada pelo tio. Ao chegarem ao destino, os anfitriões dizem:
-Akombe veya! – “Os hóspedes vieram!”
-Tu eya! – “Viemos!”, respondem os que chegam.
A mãe da rapariga recebe a ongandala e o pai a arma, colocando as prendas dentro de casa
mesmo antes de se cumprimentarem. Depois, tomam uns bancos e sentam-se fora de casa e só
depois se cumprimentam, dizendo:
-Akuku, akuku! – Cumprimento inicial nos encontros entre pessoas, usualmente pelos
anfitriões; a resposta dos visitantes será: “Kuku!”
Conversam depois sobre vários assuntos que são do interesse comum. Entretanto, entre uma
pausa no diálogo, os pais da rapariga mandam uma criança apanhar uma galinha (ou duas) que
servirá para o conduto na refeição oferecida aos hóspedes. À noite preparam a ceia, levando a
carne da galinha e o pirão para a cubata onde os hóspedes irão pernoitar. Estes conferem a carne
da galinha para verificarem se todas as partes da galinha estão presentes. Caso falte uma das
partes, devolvem a carne.
Se estiver tudo completo, tiram uma parte para si e devolvem o resto.
Depois da ceia dirigem-se à cozinha e sentam-se à volta da fogueira. Depois o pai da moça
pergunta:
-Tu fa ale tu puluka? – “Morreremos ou escaparemos?”
-Escapam! – Respondem os hóspedes. – Então digam-nos o motivo que o trouxe até ao nosso
meio! – Diz o pai da rapariga.
Cabe ao tio do rapaz tomar a palavra e dizer:
-O meu sobrinho (fulano) viu durante os passeios e nas actividades da aldeia a vossa filha
(fulana) e gostou dela. Assim, pediu-nos para virmos aqui a fim de a pedir em casamento. Já nos
reunimos e concluímos que não há nada contra ela, e aceitamos que ela seja a futura noiva. Foi
isso que aqui nos trouxe. Agora cabe a vocês matarem a cobra e depois dizerem o nome dela
(isto significa: pedir a confirmação do pedido, se aceitam ou não).
Os pais da noiva tomando a palavra respondem:
-Bem, por acaso ouvimos alguns zunzuns sobre o que vos trouxe aqui. Da nossa parte não há
nada que impeça a nossa filha de se casar com o vosso filho. Apenas dependerá dela, se aceita
ou não!
Mandam de imediato chamar a rapariga, e logo que chegue mandam-na sentar-se, e o pai então
diz-lhe:
-Eis aqui os teus hóspedes.
O tio do rapaz toma a palavra e diz:
-Ó mãe (tratam sempre as pessoas do género feminino por mãe, mesmo pequenas, e por pai as
do género masculino), nós viemos aqui pedir-te para que sejas a nossa futura nora, casando com
o nosso filho, fulano. Gostamos muito de ti, e pedimos que aceites este nosso pedido.
O pai dela ainda observa:
-Diz o que te convir. Se gosta dele diga que sim, e se não diga que não.
Ela então fica calada, pois entre os bailundos as raparigas nunca têm coragem de dizer perante
os pais, o sim, em relação ao casamento. De modo que ela fica indecisa e fica completamente
encabulada. A única solução, para estes casos, é chamar as suas tias, em particular, cabendo a
elas perguntar à parte se ela aceita ou não.
Assim, depois de algum tempo aparecem as tias para confirmar que ela aceita a proposta. O tio
do noivo desembrulha a ongandala de onde retira um pano, enrola-o à volta da rapariga. Depois
pega num par de brincos e mete-os nas orelhas dela e põe-lhe um lenço na cabeça. Estes artigos,
que se dão no momento do pedido de casamento, designam-se por enxota rivais.
Na manhã do dia seguinte cozinham mais uma galinha para os hóspedes que a comem com o
pirão.
Depois de terem comido, despedem-se e vãos alegres por terem conseguido as suas pretensões.
Quando chegarem aos seus, contam-lhes tudo quanto aconteceu, que não conseguem conter a
sua alegria pelo sucedido. A partir de então, o rapaz começa a preparar-se para o casamento.
Depois de alguns meses o tio do rapaz vai ter novamente com os pais da rapariga a fim de a
levar consigo para a preparação das lavras. Já no quimbo do moço é entregue aos sogros,
ficando sob os cuidados da sogra; esta dormirá com ela na mesma cama, vigiando-a, para evitar
que o rapaz tenha relações sexuais com a moça o que, segundo a Tradição, romperia o
compromisso estabelecido para o casamento.
Começam então os preparos da lavra. O rapaz derruba os árvores, enquanto ela arrotea a terra.
Depois volta para a sua casa acompanhada do tio do moço a fim de a devolver aos seus pais e
levar o ilombo (aquilo que o pretendente dá aos pais da rapariga, como o cobertor de papa,
nome que dão a um cobertor grande e felpudo, panos, roupa do pai e da mãe, um garrafão com
bebidas, etc.) A partir daí só se espera o momento do casamento. Para o efeito, o rapaz prepara a
sua moradia com a sua respectiva cozinha, bem como a tulha.
Quando faltarem dez dias para o casamento, os aldeãos preparam em grandes quantidades o
“osovo”, o fermento para fazer o “ochimbombo”. Nas vesperas do casamento, as tias dos dois
noivos dão instruções de como viver a vida conjugal; ele é instruído em como dormir com uma
mulher na cama, o que se deve e o que não se deve, e outras coisas mais. Mais tarde a noiva
regressa à casa dos seus pais.
Nessa mesma noite o tio e algumas tias do rapaz vão buscar a noiva em casa dos pais dela, e
dizem:
- Etali, tu yea ok upa ukai wetu, “Hoje Viemos Buscar a Nossa Mulher”
Os pais dela chamam-na em particular, advertem-na que a partir deste dia deixará de viver com
eles e passará a viver com o seu marido. Dizem-lhe para respeitar todos os familiares do marido,
sobretudo os sogros. Se um deles ficar doente ou precisar de auxílio, ela deverá prestá-lo sem
vacilar. Também a alertam no sentido de quando quiserem poderão deslocar-se ali para os
visitar mas que, definitivamente esta está separada deles.
Depois destas instruções, a rapariga é levada para a cubata do marido onde passará a noite.
No dia seguinte, muito cedo, o tio bate à porta e então diz em tom de brincadeira, que,
geralmente, os tios dizem sempre aos sobrinhos: “Acorda rapaz! Já não foi suficiente o gozo que
tiveste com a minha mulher? Eu já estou aqui, e tu sabes bem que ela me pertence! Deixa-a, eu
preciso dela!
Então abre-se a porta, os noivos saem e põe uma esteira ao pé da cubata dos casados.
A esteira desempenha um papel muito importante na vida dos bailundos. Se morre um marido, a
viúva fica sentada na esteira durante muitos dias; no casamento a noiva utiliza a esteira; para
empossar um Soba este tem que sentar-se numa esteira, etc.
A noiva, então, senta-se na esteira e o noivo também se senta num banco ao seu lado. Assim
começa a grande festa, a de Uvala, ou seja, o casamento.
Ao lado dos noivos é colocado um prato com óleo de palma. Quem se aproximar para os
cumprimentar põe qualquer coisa no prato, que tanto poderá ser um alfinete, como uma moeda,
missanga, etc. No entanto apenas têm direito a isso os casados ou aqueles que o tenham sido.
Por conseguinte, depois de deitarem algo naquele prato, tomam do óleo e untam o pulso dextro,
dando a entender que são ou já foram casados.
Todas as pessoas dos quimbos vizinhos participam de igual modo naquela grande festa.
Matam-se muitos animais, sobretudo bois, e sobretudo muito pirão. Come-se ao ar livre, bebe-se
o ochimbombo que é feito em todas as casas.
As despesas para a festa são totalmente da responsabilidade dos habitantes da aldeia, que é a sua
contribuição para os noivos. Este é um dia de festa onde as pessoas dançam o batuque durante
horas a fio.
No fim da festa a noiva é submetida a um tratamento especial: durante todos os dias é lavada
pelas tias do noivo e untada com óleo de palma; os seus cabelos são trançados todos os dias, a
fim de que fique bonita, não só aos olhos do marido mas também da comunidade.
Depois disto marca-se uma data para a segunda festa nupcial em casa dos pais da noiva.
No dia em que os noivos se dirigem para casa dos pais da noiva são acompanhados por muita
gente. A noiva caminha ao lado do marido com o guarda-sol na mão e bem vestida.
Trata-se praticamente de uma marcha nupcial, que é feita com muita música (canções).
Apesar de toda esta azáfama, também existem alguns percalços nos casamentos. Por exemplo,
se durante as festas for vista uma luta de cães, este é um sinal de que a noiva não era virgem no
casamento.
Existem outros rituais para manifestar isto. Geralmente lideram cada marcha nupcial dois
homens com um porco pelado. Caso o porco tenha duas pernas ou se caminhar na dianteira uma
miúda com uma garrafa à cabeça com óleo de palma, cheia, é sinal que a noiva já ia desonrada
no casamento. Neste caso, esta mulher será desprezada tanto pela população como pelo marido
e pelos sogros; será sempre considerada como mulher alheia, ou seja, pertencente ao homem
que a desonrou. Quando um caso destes acontece, a marcha é acometida por uma onda de
desânimo, e as pessoas, dispersam-se uma a uma. Se a noiva estava virgem, toda a gente que
participa canta alegremente:
Ondombua yetu ya fina A nossa noiva é bonita
Ondombua yetu ya fina A nossa noiva é bonita
Ondombua yetu ya fina we A nossa noiva é bonita, sim,
Ka yi talele wa pumba Quem não a vir perdeu um grande espectáculo
Ou cantam ainda esta:
Omala vange volonjamba Que farei dos meus filhos gémeos?
Ndi va linga ndati? Se prestar mais atenção ao katombela (noivo)
Njupapo Katombela A Nawandi chora (noiva)
Nawandi o sukota Se prestar atenção à Nawandi
Njupapo Nawandi O Katombela chora.
Katombela o sokota Chora – respondem todos.
Ó lila…
Ó lila – respondem todos.
Há outras canções nupciais muito lindas, melodicamente, que eles entoam durante a marcha
nupcial.
Próximo do quimbo da noiva, a população dessa aldeia, num ajuntamento, fica à espera dos
noivos. Dois indivíduos, um do lado do noivo e outro do lado da noiva, surgem com uma
bandeira, travando uma luta renhida para ver qual deles toma a bandeira do outro:
Se for o que vem da parte da noiva, então esse tem a obrigação de pagar aos familiares do
noivo, ou vice-versa.
É deste modo que a festa começa a animar-se.
Quando chegam à casa dos pais da noiva, deparam-se com uma mulher, em geral tia do noivo,
mal vestida, com bócio feito de trapos velhos, com uma quinda grande na cabeça cheia de coisas
ruins, como panelas de barro partidas, restos de pirão, pratos sujos, etc.
Então essa mulher mal vestida e mal apresentada, brutalmente escorraça a noiva e toma o seu
lugar do noivo. Para se sair deste imbróglio é necessário que o noivo pague uma certa quantia
em dinheiro ou em bens, a fim de não ser lesado pelo que dizem as superstições. Só apenas a
partir daí é que começa a grande festa, com a mesma envergadura como a que se passou na casa
do noivo.
A festa termina ao pôr-do-sol, e é nesse momento que os convidados da parte do noivo se
colocam na frente da casa dos pais da noiva com paus batendo no chão, ao mesmo tempo que
cantam:
Ndombua, ndombua,
Ye, ye, liangilya
Aye liangilya,
Aye liangilya,
Aye liangilya,
Aye liangilya okakuata tundasa:
Ohumba yetu…
Tradução para português:
Noiva, noiva,
Ye, ye, prepara-te
Aye prepara-te,
Aye prepara-te,
Aye prepara-te,
Aye prepara-te, deixa sair aos objectos:
Que saia a nossa quinda.
Assim logo sai a quinda que vai na cabeça de alguém. Repetem a canção, e no fim dizem: “O
nosso almofariz” – Este alguém sai e uma nova pessoa assume de imediato a responsabilidade
de a transportar.
Vão repetindo a canção citando um outro utensílio que também sai, até completarem todos os
objectos preparados pelos pais da noiva. No fim desta cerimónia, cada qual volta para o seu
quimbo. Todos os que pertencem à aldeia onde os noivos residem, dirigem-se à sua casa onde
deixam todos os utensílios trazidos da casa dos pais da noiva.
É o que entre os bailundos se designa por Oku kuata epata, o que quer dizer: criar os laços
familiares. Diz a Tradição que se a noiva não passar por esta prova, fará sempre o pirão de
ombomba, ou seja, mal feito e mal cosido.
Dum modo geral, é por estes rituais que passa um casamento tradicional entre os bailundos.
Embora não se registe nada, como é feita na conservatória ou na igreja, estes casamentos são tão
legítimos para o povo bailundo quanto os outros. A mulher será respeitada como legítima
esposa daquele homem, e quem dela se servir sexualmente não terá nenhuma defesa, pois, aos
olhos de todos é uma mulher casada.
Entre os bailundos, geralmente, quem assediar uma mulher de outro e for apanhado em
flagrante, está sujeito a grandes complicações pela população que, muitas vezes, têm levado
pessoas à morte.
Na Tradição dos bailundos, existe uma metáfora que conduz os homens a não praticarem essas
acções. De acordo com ela, o primeiro homem que cometeu este crime, foi encontrado colado à
mulher violada, tudo devido ao feitiço que o marido havia deixado. No dia seguinte, o marido
ao voltar a casa e face àquele quadro tão insólito, convocou toda a população do quimbo,
recorrendo a outro feitiço que fez com que se desprendessem. Depois forçaram o transgressor a
mostrar os seus órgãos genitais, e um outro homem arremessou uma flecha de ochilavi (flecha
com ponta de madeira destinada a matar passarinhos) contra esses orgãos, ao mesmo tempo que
perguntava à multidão:
- Quando se é adúltero e se é apanhado, o que é melhor? Morrer desta forma ou indemnizar o
marido traído?
- É melhor pagar – respondem todos em coro – É melhor pagar do que ser morto desta maneira.
Foi a partir de então que se decidiu amarrar o transgressor, levar ao soba todos aqueles que
violem as mulheres dos outros, e a serem obrigados a pagar uma multa elevada.
Entre todos os que se casam tradicionalmente é muito raro separarem-se. E se o homem quiser
mais uma mulher, só o fará mediante autorização da sua mulher, que tem o nome de Ombutulua
(a primeira mulher de um homem casado).
Na Tradição única deste povo, prevalece a ideia segundo a qual a união entre um homem e uma
mulher não é só a da carne, mas também da alma (estou-me a lembrar dos Yaohúshuahe
[cristãos] e da Escritura: ”1Coríntios 16Não sabem vocês que aqueleque se junta com uma
prostituta torna-se parte dela e ela dele? Porque YÁOHU UL diz-nos na Qaotáv: “Os dois se
tornam num só”. 17Mas aquele que se der a YÁOHU UL, torna-se um só espírito com ele.
18Fujam de toda a ligação sexual ilícita! Nunca outro pecado atinge tanto o corpo como este; é
como um pecado contra o seu próprio corpo. 19Não aprenderam já que o vosso corpo é a
morada do RÚKHA hol-HODSHÚA que YÁOHU UL vos deu e que vive portanto em vocês.
Por isso o vosso corpo não vos pertence. 20Porque YÁOHU UL vos comprou por um preço
elevado. Sendo assim, usemtodo o vosso ser, tanto o corpo como o espírito, para a glória de
YÁOHU UL, porque a ele pertencem”[2]). Entre os casados há comportamentos que se devem
evitar, pois, segundo se diz, algumas ficam gravadas na mente dos dois membros do casal, que
depois da morte poderão vingar-se um do outro. Uma das prescrições é, por exemplo, referente
aos orgãos genitais. É expressamente proíbido, quer o marido quer a esposa referirem-se a eles.
Tive conhecimento de uma mulher que se havia molhado com a chuva, e quando chegou em
casa achou por bem despir-se, cobrindo o corpo com um cobertor da cama, o que desagradou ao
marido, o qual lhe disse para não usar o cobertor daquela forma, toda molhada. Segundo se
contava, a mulher interpretou mal as palavras do marido, pensando que ele se tivesse referido
aos seus orgãos sexuais. Pôs-se então a chorar e a cismar, acabando mesmo por morrer. Ouviu-
se mais tarde dizer que ela, depois de morta, perseguiu o marido até este também morrer. Diz-se
que isto tem acontecido variadas vezes, o que em umbundu quer dizer: Oku lambiwa (tradução:
ser perseguida por uma alma do outro mundo).

NASCIMENTO DE CRIANÇAS
Quando nasce uma criança, todo o quimbo dirige-se ao casal para os felicitar, gritando em coro:
- Ulú! Ulú! Ulú! Ulú!… – São interjeições que exprimem muita alegria.
Se num lar nascerem gémeos, toda a população do quimbo vai ter com os pais e os insultam,
citando os orgãos reprodutores de onde saíram esses gémeos, tanto do pai como da mãe. Se não
se proceder assim, diz a Tradição, os gémeos não crescerão e depressa morrerão.
O pai dos gémeos chama-se Sonjamba e a mãe Nonjamba. Nas suas conversas do dia a dia têm
que se insultar mutuamente, referindo-se sempre aos orgãos sexuais, caso contrário os gémeos
morrerão.
Se nasce um bebé albino, a mãe coloca-o às costas e, propositadamente amarra o pano com
desleixo, e dirige-se a um rio que tenha ponte de dois ou três paus; no meio do rio e com os seus
movimentos, o pano desprende-se, e a criança cai ao rio. A mãe corre para uma das margens
chorando aos gritos: – Ai, ai, o meu filho!
À primeira vista dá a impressão de ter sido um acidente. Então ela dirige-se ao quimbo onde se
realiza o funeral. Também se diz que este procedimento, para além de evitar que nasça mais
algum albino nesta família, fará com que a alma da criança não volte para clamar vingança, uma
vez que também se convenceu de que, de facto, acontecera um acidente.
Quando nasce uma criança, os sogros dão ao genro um porco designado por ongulu
yokoviongo, isto é, a região lombar do pai. Pois pensavam que era dali que saem os filhos.

SOGROS, GENROS E NORAS


Geralmente, entre sogros, genros e noras, as relações estabelecem-se dentro de um certo pudor.
Por exemplo, a sogra não pode comer perante o genro, pois quando isso acontece, tem,
necessariamente, de evacuar, e assim se evita que haja uma situação embaraçosa entre ambos.
Isto acontece com todos. Têm sempre vergonha em falar de tudo o que diga respeito à
sexualidade e aos sexos.
Um genro para ir ao kuvala (a aldeia donde saiu a mulher ou o homem para casar) tem de se
preparar e portar-se bem. Lá não se deve comportar vergonhosamente.
Na sociedade tradicional, os bailundos, nas anedotas riem-se das cenas vergonhosas que
praticam no kuvala. Até se conta a seguinte anedota: Um casal resolveu visitar os sogos; foram
bem recebidos e tratados. No dia em que tiveram que deixar o local, o genro apanhou uma
galinha que tinha entrado na cubata onde estavam hospedados e guardou-a debaixo do casaco.
Quando os sogros chegaram para se despedir, a galinha escondida pôs-se a cacarejar. Este é um
acto que se não deve praticar perante os sogros, pois é um acto muito vergonhoso.
Numa outra história, conta-se que um homem, juntamente com a sua mulher, ajudava a sogra a
desbravar uma terra. O genro derrubava as árvores e a filha desbravava a terra. De repente o
pano que o genro tinha a cobrir-lhe as partes pudendas desprendeu-se da cintura precisamente
no momento em que uma árvore caia sobre ele. Daí o dilema: se ele pegasse no pano a árvore
cairia sobre ele, e se se desviasse da árvore ficaria nú perante a sogra, o que é altamente
reprovável. De modos que preferiu que a árvore caísse sobre ele, com todos os riscos que daí
pudessem advir.
Conta-se ainda que uma mulher do Bailundo, cuja filha se tinha casado no Andulo, tinha levado
para o casamento uma das suas irmãs menores. Anos mais tarde aquela irmã menor cresceu, foi
pretendida por alguém e acabou por casar. A mãe, quando soube que essa filha se havia casado
também no Andulo, resolveu ir até lá para conhecer o genro.
Foi de autocarro até ao Mungo e daí a pé até ao Andulo.
Ao chegar ao rio Cutato, como não havia ponte para o atravessar, passou-o com uma piroga,
cujo barqueiro, sem que o soubesse, era o seu genro. Este assediou-a, dizendo, que a levaria
para a outra margem a troco do seu corpo.
Ela dada a urgência e não tendo alternativa, teve mesmo de ceder aos caprichos do barqueiro.
A mulherzinha chegando à aldeia logo procurou a casa da filha dizendo-lhe o motivo da sua
viagem, o qual era conhecer o genro. A filha então lhe disse que o seu genro era precisamente o
dono da piroga com quem atravessou o rio Cutato. A mulher então achou-se muito mal, e
quando chegou o genro suicidou-se por pudor e por não suportar a sua presença.
Estas histórias ou estórias, só os primeiros bailundos o sabem, circulam de boca em boca entre
este povo sob a forma de chistes.

A VIUVEZ
Se um dos cônjuges morrer o outro fica ochimbumba, isto é, viúvo ou viúva.
Se morrer o marido, a esposa, durante os dias que se seguem à morte do marido, fica sentada
numa esteira durante dez dias, chorando por ele. Durante o tempo em que ela fica sentada, é
sempre escolhido alguém para tratar dessa pessoa, acompanhá-la onde quiser ir, especialmente
quanto às suas necessidades fisiológicas. Dez dias depois, é levada ao rio para ser lavada. De
novo em casa, é submetida à adivinhação para se saber se durante o tempo em que esteve com o
seu cônjuge teve relações extra conjugais. Para o efeito, têm uma grande quinda que enchem
com água, onde lançam umas raízes mágicas, ao mesmo tempo que o responsável pelo acto diz:
- Se esta mulher, no estado de ochikuwiya, durante o tempo de casamento teve alguma vez
relações extra conjugais com alguém, então, raízes ide para o fundo da água que está na quinda.
Caso tal tenha acontecido, essa pessoa é obrigada a pagar uma multa pesada aos parentes do
falecido, a fim de que a alma do outro não a persiga, Se as raízes flutuarem é sinal de que a
pessoa está isenta deste pecado.
Depois da adivinhação, a pessoa deixa de ser kapulungu, passando a ser ochimbumba, pois
passou ao estado de viuvez.
Se houver filhos do casal, a viúva poderá ficar a residir na sua casa, mas se voltar a casar tem de
abandonar tudo, casa e filhos. No caso de não haver filhos, logo após a adivinhação tem de ir
viver na casa de seus pais, se ainda estiverem vivos ou para casa de outros parentes.
Os viúvos, quer homens quer mulheres, são obrigados a esperar um ano para que possam casar
novamente, ou a terem relações sexuais com mais alguém, com o fim de evitar que a alma do
defunto/a o/a não persiga. Passado o ano, é realizado o ochissunji, que pela influência do
cristianismo passou a chamar-se oku lula oluto, que significa deixar o luto. É uma cerimónia
que é praticamente uma festa em que se matam animais para banquetes, dança-se o batuque,
bebe-se muito ochimbombo, ou seja, repetem-se os actos festivos dos dias do falecimento.
Apenas quando o ochissunji terminar, então o viúvo/a poderão ter permissão para casar, ou ter
relações com outra pessoa do sexo oposto, sem que a alma do falecido/a lhe faça qualquer mal.
Quando na era colonial trabalhei na administração do Concelho do Mungo como recenseador,
uma vez realizava essan tarefa no sobado do Kaiumbuka. A meio do livro do recenseamento
chamei por um indivíduo, e o soba disse-me que ele se ausentara por ter sido castrado por um
cazumbi, o que despertou o meu interesse:
- Foi castrado por um cazumbi? – Perguntei eu. Será verdade? – Os presentes disseram em
uníssono que fora de facto isso que se tinha passado. Pedi-lhes que me explicassem bem as
coisas. O soba disse-me que este homem fora muito atrevido, pois passara a noite com uma
viúva que ainda não tinha terminado o luto. Foi por isso que o cazumbi do falecido o castrou.
Não cheguei a confirmar isto, mas a convicção com que me afirmarem estas coisas me marcou
profundamente.

A FEITIÇARIA
A história da feitiçaria em África é muito antiga. Muitos há que muito dizem que a feitiçaria não
existe, inclusivamente, os próprios feiticeiros negam a sua existência, no entanto dizem-no para
que não sejam descobertos. Se o feitiço não existisse não se falaria muito dele, dentro de
qualquer comunidade. Os feiticeiros mantêm os seus conhecimentos sobre o feitiço em sigilo. O
titular de feitiçaria faz prodígios; pode transformar-se em leão, voar como uma ave, pode
ordenar a uma alma para matar uma pessoa que esteja distante, visto os feiticeiros lidarem com
as almas penadas.
O feitiço dos brancos deve ser outro. O do africano visa essencialmente eliminar os outros, para
que o feiticeiro fique de posse da alma do defunto, o qual ficará a trabalhar para ele, enquanto o
dos brancos visa, sobretudo, para um enriquecimento fácil.
Conta-se que no Bailundo, exemplo – Vila Teixeira da Silva, durante o tempo colonial, um
comerciante português, que conheci pessoalmente e respondia por o nome de Neto, quis
enriquecer-se em pouco tempo e, para o efeito, recorreu à feitiçaria dos africanos, querendo
matar uma certa pessoa e trabalhar com a sua alma. Graças àquele feitiço, em pouco tempo,
tornou-se rico. Infelizmente não sabia que aquela [alma], quando se cansasse tinha de ser
substituída por uma outra. Para isso é necessário fazer uma grande festa em memória da alma a
substituir, ter de matar de matar outra pessoa. O português não sabia disto e foi violentamente
perseguido. Não suportando a perseguição, resolveu fugir para Portugal. Ficou por lá apenas
dois dias, e pelo que se constava, a referida alma foi até Portugal em busca dele, onde o matou.
Era um acontecimento que andava na boca de muita gente.
Muitas pessoas desta região recorrem ao feitiço para obterem sucesso em tudo o que realizam,
tal como no emprego, na conquista das mulheres e mesmo na caça, pois as almas do outro
mundo fazem com que a caça se aproxime do caçador.
Conta-se que havia dois amigos muito íntimos, que por serem solteiros viviam na mesma
cubata. Um era tocador de ochissangi (instrumento musical de cordas) e o outro era dançarino.
Um tocava e o outro dançava. Um dia o dançarino sonhou que um sekulu (velho) feiticeiro do
quimbo queria matá-lo, para depois ser transformado em okovo (alma do outro mundo que serve
de escrava para roubar milho dos campos e o levar para o celeiro do feiticeiro). Teve o mesmo
sonho várias vezes, e quando isto acontece é o sinal mais que evidente de que a intenção do
feiticeiro será posta em prática. [A pessoa enfeitiçada sabe pelo sonho que será morta por
alguém. Já assisti a varios julgamentos deste tipo, onde alguém acusa uma pessoa que sonhou
em querer matá-la.]
De modo que o dançarino combinou com o tocador que quatro dias depois do seu enterro fosse
com o seu canhangulo ao cemitério emboscar o feiticeiro, junto de uma árvore que ficava perto
da sua sepultura.
Quatro dias depois do enterro, então o tocador de ochissanji tomou o seu canhangulo, e no
cemitério subiu à dita árvore esperando o feiticeiro. Pela meia-noite viu ao longe o cintilar de
um tição a arder; era o feiticeiro que se aproximava. Quando este chegou junto da sepultura do
dançarino, acendeu uma fogueira, pôs sobre ela uma panelinha de barro cheio de vários
ingredientes que compunham o respectivo feitiço. Quando a água começou a ferver, tirou-a do
fogo e deixou que arrefecesse. Em seguida pegou num bastão mágico com o qual bateu em cima
da sepultura, e num instante o cadáver veio à superfície. Depois o feiticeiro examinou a
temperatura dos ingredientes da panela, esperou mais uns momentos, tomando um trapo,
também mágico, molhou-o na composição e aplicou-o como compressa no corpo do cadáver
para o “ressuscitar” (reanimar).
Finalmente, o feiticeiro proveu-se de uma armadilha, mandando que o morto-vivo fosse até a
uma certa distância, ordenando-lhe depois que se aproximasse dele a correr. A intenção do
feiticeiro era fazê-lo cair na armadilha montada, torcer-lhe o pescoço, de modo que a cara
ficasse voltada para as costas, transformando-o então em Ekovo.
No momento em que o dançarino obedecia às ordens do feiticeiro, correndo em direcção à tal
armadilha, ouviu-se um disparo de canhangulo, cuja bala atingiu em cheio o feiticeiro, que sem
conseguir o seu intento caiu morto. E assim o dançarino ficou são e salvo, e os dois regressaram
ao seu quimbo, continuando com as suas actividades artísticas.
Aconteceu porém, que as pessoas que tinham participado no funeral do dançarino quando o
ouviram cantar, ficaram aqdmirados com a sua presença, e sabendo do acontecido louvaram a
coragem do tocador ochissanji.
Em 1971, na Missão Evangélica do Bailundo, tinha ocorrido um caso semelhante. O pastor,
chamado Jaime, adoecera, acabando mesmo por morrer. O seu funeral fora muito concorrido.
Lembro-me que ele fora enterrado, levando sobre o peito uma linda coroa de flores feito pela
minha esposa.
Ora quatro dias depois estas flores foram encontradas à superfície da campa com a sepultura
semiaberta, o que mostrava, sem sombra de dúvidas, que o cadáver tinha sido desenterrado. O
caso fora entregue às autoridades policiais da altura, sem nada ter sido apurado. Estes casos têm
acontecido várias vezes.
Do que se sabe, cada feiticeiro utiliza sempre um bastão, que ao batê-lo em cima da sepultura
faz com que o cadáver suba à superfície, tirando-lhe o coração, o fígado e outros orgãos,
munido de uma faca.
Depois disto volta a deitar o cadáver sobre a campa, e com a mesma magia ordena que o morto
volte para o fundo da cova.
Os orgãos que o feiticeiro retira do cadáver (terá sido potencialmente animado por uma
Potestade/Demónio, visto ser um “vaso de desonra”.
Ser feiticeiro é hereditário; transmite-se de geração em geração. Assim, quando nasce uma
criança fazem-na engolir um feitiço (os elementos usados para tal) que faz com que ela fique
feiticeira por natureza (testemunho literal de predestinação supralapsariana). Outros ingredientes
são reduzidos a pó e misturados nas papas, conhecidos por ekela (papas que dão aos bebés); daí
o dito: “Wa ci lila vekela”, “Comeu o feitiço junto com as papas”. Toda a criança que tenha
ingerido feitiço, quando for adulta torna-se num grande feiticeiro, podendo, inclusivamente,
enfeitiçar através da voz.
Tudo o que o feiticeiro disser se realizará: querendo matar alguém, basta-lhe dizer que essa
pessoa morra; pode fazer com que não chova2; mandar um raio para matar alguém, quer na
estação chuvosa como na seca. Geralmente, o feiticeiro, para além de reforçar o feitiço com
restos de cadáveres, também o reforça com raízes de plantas.
Conheci em tempos uma moça bonita que, em criança, tinha engolido feitiço. Havia um moço
que quis casar-se com ela, e para isso exigiu tomasse uma certa composição de efeito contrário,
apenas conhecida por feiticeiros, e assim vomitar o feitiço que engolira, deixando dessa forma
de ser feiticeira.
Em 1984 houve no Bailundo vários grupos de jovens que eram conhecidos por olosinguile. Era
corrente vê-los dançar o batuque, e quando o faziam reviravam os os olhos e movimentavam a
cabeça de cima para baixo como que numa afirmação. Neste transe citavam os nomes dos
feiticeiros, que de seguida eram apanhados e mortos.
Durante três semanas foram mortos à cacetada 429 feiticeiros. Os referidos olosinguile, na sua
maioria jovens, iam às casas dos feiticeiros a fim de trazerem de lá algum elemento dos feitiços
que por lá se encontrasse, pois, para reforçar o feitiço, os feiticeiros conservavam corpos secos
de bebés, e outras coisas mais. Muitas pessoas ligadas à Igreja foram mortas acusadas de
feitiçaria. Estes sucessos apenas terminaram com a intervenção das autoridades.
No capítulo do feitiço a nudez ocupa entre os bailundos um lugar de realce, servindo para dar
azar e desgraçar alguém. Todos os orgãos que se encontrem entre as pernas, quer de homens
quer de mulheres, incluindo as nádegas e os próprios excrementos humanos constituem feitiços
terríveis. Eu fui testemunha de um caso impressionante e insólito sobre um sujeito rebelde que
violava constantemente as mulheres dos outros, perdão por o recurso à linguagem patriarcal,
económica, ninguém é propriedade de ninguém. Cabia ao pai ter que pagar as multas aplicadas
às rebeldias do filho. No último julgamento relativo ao mesmo delito, o pai irritou-se de tal
modo, levantando-se perante muita gente que assistia ao julgamento, baixou as calças, e
pegando nos orgãos sexuais, mostrou-os ao filho, e perante todos disse-lhe: – Se tu de facto
saíste mesmo na ponta deste senhorinho, a partir de hoje tens os dias contados. – Dito e feito.
Três dias depois chegava-nos a notícia de que este jovem acabava de morrer.
Existe outro tipo de feitiço que é mais usual nas mulheres a quem se dá o nome de iliangu, cuja
finalidade é a de lançar desgraças nas pessoas, interferindo negativamente nos seus negócios ou
no seu trabalho. Estas mulheres costumam sair à noite, quando toda a gente já dorme. Saem
nuas e nem os seus maridos se apercebem. Vão para casas previamente seleccionadas, munidas
com ervas com a função de sonífero. Quando chegam nas referidas casas, dançam em frente das
portas ao mesmo tempo que dizem:
- Venho para te desgraçar, venho para te desgraçar! – Depois limpam o seu ânus na porta dessa
casa eleita (maldita), deixando ali restos de excrementos.
Conta-se que um homem vira, na porta da sua casa, uns restos de fezes, ficando a saber que
havia passado por ali um ochiliangu. Neste sentido, meteu a ponta de uma faca numa fenda da
porta.
Quando o ochiliangu apareceu de novo, com a intenção de prosseguir a mesma tarefa, feriu-se
no ânus.
De manhã, o dono daquela casa encontrou muito sangue à porta.
Também é usual meter numa fenda da parede de uma casa uma raiz de uma planta, conhecida
apenas pelos feiticeiros, caso a ochiliangu aparecesse; esta perderia a noção do que fazia e, neste
sentido, exerceria as suas actividades de bruxarias até ao amanhecer do dia seguinte, portanto à
vista de toda a gente. Eu pessoalmente cheguei a ver uma fotografia tirada a uma destas
mulheres nesta situação.
As fezes humanas são importantes na feitiçaria para lançar a maldição sobre alguém ou para
outros fins. Com elas uma mulher pode dominar o marido. Diz-se entre os bailundos que toda a
mulher que queira dominar o seu marido, segue-o à distância; quando ele for defecar na mata…
Sem ele dar por isto, ela retira uma parte (do tamanho de uma abelha) do excremento e mistura-
o com o conduto que ele irá comer com o pirão. É desta forma que se torna parvo e dócil aos
desígnios e intenções da mulher, obedecendo-lhe em tudo o que ela mandar. É isto que explica
quando os bailundos vêm um homem dócil e que obedece à mulher cegamente, e clamam: -Vo
lisa! ["A mulher faz-lhe comer as fezes!"]
Muitas vezes os feiticeiros, em especial as mukeres, costumam defecar em frente das portas, nas
cozinhas, e até nas panelas que se encontrem na cozedura durante a noite nas cozinhas das casas
dos outros. Recorde-se que entre os bailundos é usual ficarem as cozinhas separadas das casas
de dormir, tendo sempre portas muito frágeis. A utilização das fezes com o fim de causar
desgraças pode ser expressa neste conto da Tradição, passado num tempo já remoto:
Uma mulher, durante a noite, tinha deixado o seu bebé sozinho, indo praticar as suas feitiçarias.
O bebé começou a chorar muito, e então um vizinho foi saber por que motivo o bebé chorava
assim.
Quando lá chegou deu pela ausência da mãe. Compadecendo-se da criança, levou-a para a sua
casa para a acalmar. Mas infelizmente ao chegar em casa o bebé acabou por morrer. Cheio de
medo, tomou alguns farrapos, embrulhou-o e pôs-se fora do quimbo, atravessando um cerco
com paus que, geralmente, circundam os quimbos, passou por um buraco para a ir deitar fora.
No momento, fora do cerco, estava um homem a defecar, que quando o viu com o embrulho nas
mãos pensou que fosse um ladrão e, acto contínuo, atirou-lhe o porrete que levava consigo. O
que fugia deixou cair o embrulho e fugiu, e o outro apoderou-se do embrulho, levando-o para
sua casa. Como não havia luz, resolveu ver o conteúdo só quando amanhecesse. Não teve que
esperar muito tempo, pois a aldeia entrou numa azáfema total com a chegada da mãe da criança.
Esta, não encontrando o seu filho em casa, pôs-se a chorar, dizendo que alguém lho roubara. Os
homens procuraram-no, mas não o encontraram em parte nenhuma, nem mesmo quaisquer
rastos dele. Nunca mais viram sinais do bebé.
Cerca das nove horas da manhã, o filho do que tinha o embrulho convidou outros amigos a irem
a casa dele para fazerem pirão. Depois do pirão estar pronto, o moço procurou pela carne do
porco que o pai tinha comprado na véspera para servir de conduto. Procurou em todos os cantos
da casa sem nada encontrar. Mas depois sempre encontrou o embrulho, pensando que seria aí
que estivesse a carne.
Tomou-o, e o levou aos seus amigos, e à vista de todos o desembrulhou. Espantados, viram o
bebé procurado por toda a aldeia. Assustados, saíram dali correndo e a dizer que o bebé
procurado estava naquela casa. Muitos se dirigiram para lá, confirmando que era verdade o que
o s moços diziam.
Aquele homem foi preso, e foi em vão que se defendeu perante a justiça, mesmo dizendo a todo
o mundo como as coisas se haviam passado. Como ninguém o acreditou, lá se resignou dizendo:
“Ondiangu eniña”, o que quer dizer: que o azar é o excremento que evacuara nessa noite”.
A partir desse momento, os excrementos tornaram-se os elementos da desgraça. Foi daí que os
bailundos começaram a ter medo acrescido quando vêem excrementos humanos nas suas lavras
ou noutros locais, mesmo no caso de serem animais. Por exemplo, se um Onguli (animal
carnívoro parecido com o lobo) defecar dentro de um quimbo, as pessoas dispersam-se,
abandonando para sempre o local, indo fundar outro quimbo.

A MEDICINA E A IMUNIZAÇÃO
A medicina tradicional entre os bailundos é tão antiga como a medicina dos países mais
evoluídos.
Antes dos outros povos terem chegado à região, os seus autóctones já conheciam a medicina
tradicional, e tinham inclusivamente hospitais que consistiam em grandes acampamentos feitos
nas matas, em palhotas, e sob a responsabilidade de um Ochimbanda (“papel espiritual e
médico, que cabia então aos chamados Xamãs. Para as suas práticas de cura usavam o que a
natureza lhes oferecia: plantas, argila água, [répteis] e animais. Como forma de destaque em
relação à sua importância social, os Xamãs usavam máscaras exuberantes”,
historiadaestetica.com.sapo.pt).
As substâncias medicamentosas eram extraídas da natureza animal, reptilária(vide nota rosa),
vegetal e mineral. Quanto às substâncias de natureza animal, podemos referir a jibóia, cuja
gordura ocupa um lugar muito importante na medicina tradicional. Na guerra civil em Angola,
vi eu mesmo a extracção de munições (balas) das armas, alojadas no corpo dos feridos por elas,
com a gordura da jibóia. Para isto, era suficiente aplicar esta substância no local perfurado pela
munição, e caso ela ainda se encontrasse no corpo da vítima, era logo expelida.
Esta substância tem sido utilizada para curar úlceras estomacais, tomanda-a três vezes ao dia, na
medida de uma colher de chã.
Uma outra substância medicamentosa, esta já animal, é o fígado de lobo, o qual tem sido
utilizado para curar a epilepsia. Mas temos de referir, que a maior quantidade dos medicamentos
que os bailundos utilizam provém das raízes das plantas. Os ovivandas conhecem os poderes
curativos de cada raiz. Há determinadas doenças que estes curandeiros recomendam que antes
devem recorrer mais à medicina tradicional que procurar a medicina moderna. Já vi muitas
pessoas dizerem que a sua doença não se cura com os medicamentos dos hospitais e sim com os
tradicionais; isto acontece, precisamente, em doenças mentais e epilépticas. Tenho visto pessoas
atacadas por estas doenças e melhoraram depois depois de terem tomado estes medicamentos.
Tanto em português como em umbundu, o sentido do remédio é o mesmo, ou seja, uma forma
de remediar. Remédio em umbundu é ikemba, oku lelembako, o que significa “remediar sem a
certeza da cura”. Para os bailundos quem cura é sempre D-us, e por isso costumam dizer: “Suku
a kuece ovimbanda vi li pande oku sakula” – “Um doente fica sarado se D-us o permitir, para
que os médicos se não vangloriem; mas se D-us não quiser, o esforço para a obtenção da cura
será em vão”.
Entre os bailundos, quando um doente vai a um ochimbanda, este começa por lhe explicar a sua
doença. O curandeiro, antes de principiar o tratamento exige o ussongo, o pagamento que é feito
sempre antes da cura, que tanto pode ser uma galinha como dinheiro. Depois disto, leva o
doente para a adivinhação a fim de se saber a causa da doença; isto é, se foi natural ou causada
por um feitiço. Para o efeito, pega o ongombo (instrumento para fazer as adivinhações). Trata-se
de uma pequena quinda com a forma de uma tigela, com muitas bugigangas dentro dela, onde se
podem ver ídolos, tais como:
ombuiyu, ombinga, ociteka, omechamecha, omemba (algo parecido com cal, branco, que
significa inocência), ukundu e outros. O adivinhador, então, maneja o ongombo com as duas
mãos agitando a quinda de baixo para cima, pretendendo remexer os objectos que têm dentro,
de modo a encontrar o significado daquele que vier ao de cima (i.e., acima dos outros). Por
exemplo, se for um ídolo, significa que o doente foi enfeitiçado. Isto é explicado ao doente, que
responde: “Enda, enda!” – No caso de aparecer o omemba, siginifica que a pessoa de quem se
suspeita ser a causadora da doença está inocente. Se for o ukundu, significa que se acertou na
pessoa suspeita.
Depois da adivinhação, o curandeiro começa o tratamento. Para isso, leva o doente para o
acampamento, indicando-lhe uma palhota onde ficará internado. Dorme deitado numa esteira ao
lado da fogueira rodeado de pequenos vasos de barro, cheios de várias raízes para o doente
tomar. Têm-se tomado estes medicamentos em grandes quantidades, o que muitas das vezes
contribui para o mal-estar do doente.
Para uma pessoa que sofra de febres, o xamã, utiliza raízes, folhas ou outras partes de plantas,
mete-as numa grande panela e a põe ao lume. Depois de ferver, tira a panela do fogo, senta o
doente num banco, cobre-o com um pano ou um cobertor, e diz-lhe para inalar o vapor da
panela. Esta operação é chamada de ochiyuku.
Depois do tratamento e da cura, a pessoa é levada a um ochimbandi (terreno de forma circular
com pavimento duro feito com um salalé, que é um instrumento com que o agricultor debulha
os produtos que são debulháveis), um terreno que normalmente se situa no meio da mata. Ali o
curandeiro acende uma pequena fogueira onde coloca uma panela de barro contendo mais
raízes. O doente senta-se no meio do terreno e cobre-se com um pano ou cobertor.
Seguidamente o curandeiro coloca algumas pedras no fogo, e quando elas estão bem quentes
despeja-lhes água fria. O ruído provocado pelo arrefecimento das pedras, irá, segundo o
ochimbanda, afugentar os cazumbis causadores da doença. É então que o xamã toma as pedras
escaldantes e arremessa-as em várias direcções, ao mesmo tempo que diz: “Cazumbis, deixai
este doente e nunca mais entreis nele”.
Realiza depois outras operações: Toma um pequeno tambor e pôe-se a dançar, juntamente com
os seus auxiliares, apelando para que os cazumbis deixem o doente em paz; toma a panelinha de
barro que estivera ao lume e serve o doente; mata uma galinha, e com raiva bate no doente com
ela, apelando sempre para que os cazumbis o deixem. Finalmente, abandona o ochimbandi,
deixando a panelinha voltada para baixo no pavimento. Quem por ali passar e mexer nela,
destapando-a, apanhará imediatamente a enfermidade (o/os demónio/os, pois Satanás não os
mandou de volta para o abismo sem fundo; Jesus (lutero, nos seus cadernos pessoais, afirma que
o Mestre é, ao mesmo tempo, D-us e o Diabo, o Bem [cura] e o Mal [Lucas 8:32+: "32-
33Andava ali perto uma vara de porcos a pastar no monte, e os demónios rogaram-lhe que os
deixasse entrar nos animais. YAOHÚSHUA consentiu [permitiu, como judeu, não como o
futuro Mestre acultural, assentado à dextra, entronizado, recebendo adoração ecuménica e
participando da condição de D-us por toda a eternidade, que se destruísse propriedade privada;
um judeu despreza os porcos e os cães; servosdemariaamordedeus.blogspot.com/os-inimigos-
de-lutero-mary-shulteze.html.
Depois o curandeiro dá ao que estava doente (possuído por demónio/os) prescrições para
continuar a fazer.
Eles fazem estas cerimónias para para acabar de uma vez por todas com este sofrimento, a que
eles chamam de oku kota, que significa que “aquele endemoninhado (doente) jamais tornará a
ter o mesmo demónio ou legião de demónios (doença).
Eu assisti a estas cerimónias todas, quando um dos nossos criados, chamado Brandão, fora
atacado de escorbuto. No fim da cura, o xamã disse-lhe precisamente isto: Que o Brandão
jamais seria atacado pela mesma doença, o que de facto aconteceu até ao fim da vida.
Os ochimbandas também fazem imunizações aplicando vacinas. A vacina da varíola é a melhor,
pois é aplicada uma vez na vida de qualquer pessoa. Para isso fazem da seguinte maneira: O
ochimbanda vai ter com um doente atacado por esta doença, e lhe espreme o pus das borbulhas
numa pequena cabaça.
Depois reúne toda a gente a um local determinado, e a cada uma das pessoas é feito um pequeno
corte na palma da mão. Com a ponta de um pauzinho em bico, salpica-lhe no sangue um pouco
do pus da varíola contido na cabaça. No dia seguinte, nascem algumas borbulhas em volta
daquele corte, ficando desta maneira as pessoas imunes à doença para toda a vida.
A vacina contra a mordedura de um cão com raiva é feita também assim: Matam um cão com
raiva, e a sua carne, cortada em pequenos pedaços, são distribuidos às pessoas que a comem
crua. Este procedimento é o mesmo relativamente a outras enfermidades como as que são
casadas por insectos: mosquitos, percevejos, carraças, etc. Apanham estes insectos, cozinham-
nos juntamente com o conduto que comem com o pirão.
Há uma outra vacina contra o veneno das cobras, escorpiões, etc., cuja vacina se chama oluvai,
mas que desconheço como é aplicada.
No tempo colonial, na vila do Bailundo, apareceu numa grande festa um homem com um saco
que continha muitas cobras venenosas, tais como a víbora, a surucucu, a lutanjila, onombo,
ekuiva, salili e outras. No momento, por dois cêntimos e meio (cinco escudos), o homem abria o
saco de onde tirava as cobras, uma de cada vez, para mostrar às pessoas. à medida que fazia isto,
as cobras picavam-no nos braços sem lhe provocar qualquer dano, pondo todos os presentes
admirados.
Durante a guerra civil, em Angola, havia uma vacinação contra as munições das espingardas.
Pessoalmente, vi gente vinda da frente da guerra com a farda esburacada pelas munições, sem
no entanto apresentarem qualquer arranhão no corpo. Dizia-se que as balas (munições) ao
atingirem o corpo dos militares caiam ao chão.
Trata-se de vacina anti-bala, que é feita da seguinte forma: num invólucro de bala mete-se-lhe
dentro um tipo de feitiço e tapa-se o buraco com cera preta, chamada esima. Depois recomenda-
se ao indivíduo interessado, sobretudo o soldado (praça), para engolir o respectivo cartuxo,
passando a partir dali a ser considerado blindado. A esima é uma cera altamente mágica (para os
bailundos). É extraída de um mel fabricado por uns insectos mais pequenos que abelhas, que o
fabricam debaixo da terra numa profundidade de um metro ou mais. Estes insectos não fazem o
mel em favos como as abelhas, metendo-os nuns recipientes como pequenas cabaças, do
tamanho do pulso de um homem magro, cujos recipientes são fabricados com cera. É muito
difícil descobrir os locais onde eles se encontram, cuja entrada são uns pequenos tubos de mais
ou menos cinco centímetros de altura. Para os descobrir é necessário estar bem atentos, e mais
ainda sendo em matas cerradas. Em toda a minha vida só uma vez é que encontrei estes orifícios
na floresta. Estes insectos, quando entram nestes orifícios, também de cera, fazem-no de costas
e com a cabeça voltada para a entrada. A cera fabricada por eles, além de ser onerosa em
transações comerciais, também possuem poderes mágicos. Os mulherengos costumam utilizar
esta cera para conquistar mulheres. Para o efeito, lambuzam com ela o limbo de folhas
pegajosas de uma erva conhecida por onamela. Friccionam as mãos com esta composição, e daí
em diante bastará cumprimentar a mulher desejada, com as mãos apertadas para ela ficar
completamente colada ao homem e nunca mais o deixar; procurá-lo-á a todo o tempo. É por este
motivo que entre os bailundos, referindo-nos à sociedade tradicional, as mulheres evitam apertar
as mãos dos homens (as safistas ficavam “curadas”; perdão pela expressão pouco inclusiva).
A esima serve também para outros fins: Um caçador que tiver colocado a sua arma numa porção
daquela cera, nunca errará o tiro e uma armadilha que tenha daquela cera apanhará muitas
presas.
Outro poder da cera de esima é o de afugentar cazumbis.
Conheci um homem que comprou uns lindos tecidos para a sua mulher. Infelizmente ela não
chegou a vesti-los por estar doente, acabando mesmo por falecer. Então este homem, em vez de
meter os vestidos na urna, resolveu ficar com eles. Tempos depois, arranjou outra mulher a
quem deu os tais vestidos, acto considerado como uma humilhação à falecida, criando com isto
uma grande confusão naquela casa. Quando o homem dormia junto da nova mulher, a alma da
falecida (demónio a corporizar a falecida; “Since our inner experiences consist of reproductions,
and combinations of sensory impressions, the concept of a soul without a body seem to me to be
empty and devoid of meaning“. Albert Einstein, http://richarddawkins.net/quotes) punha-se no
meio deles com o seu corpo todo frio.
Quando a mulher fazia pirão para o marido, a defunta (demónio) metia lá os dedos; quando
ficou grávida, a “defunta” provocou-lhe um aborto. Muito aflito, ele então procurou em vão
xamã após xamã em busca de cura contra aquela perseguição feita pela “defunta” à sua nova
mulher, até que por fim sempre apareceu um, o qual tomando uma pequena porção de esima,
meteu-a numa fenda da porta da sua casa, de modo que aquele cazumbi já não pôde entrar mais
ali. Só assim a paz voltou a reinar naquela família, conforme se dizia.
Entre os bailundos pratica-se muito o desporto da pesca, competição de arco e outras
actividades desportivas. Tiro ao alvo com flechas, exige uma preparação especial. Para isso, eles
usam uns tubérculos de uma planta silvestre, chamada ochitiña, a qual se parece com uns
maiores. Cortam-no em rodelas para servirem de alvos, que os utilizam num descampado
destinado à competição. Ali os homens, alinhados, distribuindo-se os que competem com arco e
com mocas. Um dos acompanhantes nestas competições, colocado num dos extremos do campo,
arremessa com força uma rodela ao ar, e quem a atingir, quer com flechas ou com o porrinho,
será o vencedor. Este desporto, como se poderá constatar, não passa de uma exercitação para na
caça se abater um animal em velocidade.
A caça é outro desporto. Um sékulu organiza uma caçada, o enjevo. Para isso, ele envia vários
mensageiros aos quimbos, avisando os caçadores para se prepararem para uma caçada, que se
efectuará num determinado dia, referido pelos mensageiros. Marcam um lugar de concentração,
o epanga. Ali no dia marcado, juntam-se duas ou três centenas de caçadores, munidos de
azagaias com duas ou três flechas, e uma ou duas mocas na cintura. Todos os caçadores vestem
farrapos. Na epanga, traçam o itinerário da caçada, referindo as matas a incluir nessa
competição. É de referir que entre os bailundos, todas as matas têm nomes. Geralmente vêem-se
no epanga muitos cães gentílicos, pequenos, com as orelhas levantadas para cima, cauda
comprida e focinho alongado.
Quando tudo estiver organizado, formam uma grande fileira de quatro ou cinco quilómetros
através da floresta e a corta-mato. Os animais pequenos, como os coelhos, perdizes, hangas
(galinha do mato), são mortos com os porrinhos que transportam à cinta. Eu próprio participei
muitas vezes nestas caçadas, e tive a oportunidade de conhecer grandes “arremessadores” de
porrinhos. Quando se levanta uma peça de caça, só se ouve um ruído “traz”, e de seguida
viamos o animal a cair no chão.
Era como se utilizasse uma caçadeira.
Durante a caçada existe sempre um responsável pela mesma, a quem chamam de “kapila”. Este
indivíduo corre, de momento a momento, duma ponta a outra da fila dos caçadores,
transmitindo orientações ao grupo.
Quando uma cabra de mato quisesse romper a fileira, os caçadores gritam em uníssono:
- “Etali opo! Etali opo!” – o que significa: – “Hoje ali! Hoje ali!”
E de imediato, uma chuva de flechas cai sobre o animal sob o olhar atento de cada caçador, para
assim aferir a sua pontaria. Se alguém acertar grita:
- “Nda veta! Nda veta!” (“Acertei! Acertei!”)
Quando a cabra cai no chão, o grupo dirige-se com as mocas contra o animal, ferindo-o na
cabeça até o matar. Depois amarram-no e o entregam a um rapaz que o transporta. Se a cabra
consegue romper a fileira e ninguém lhe acerta, os responsáveis pelo falhanço sofrem os
insultos dos outros.
Para participar numa caçada é necessário ser muito cauteloso, e uma das recomendações é a de,
em momento algum, sair da fileira, pois quem o fizer pode ser atingido por uma flecha. As
razões estão no facto de que, quando vêem a cabra do mato, atiram as flechas p‟ra frente ou p‟ra
trás, em função do local onde ela se encontra. Uma outra recomendação é a de nenhum caçador
ter relações sexuais antes da caçada, para não redundar em fracasso.
No fim juntam-se todos num lugar para conferir os animais abatidos; cada caçador que tenha
morto uma cabra, extrai-lhe a coxa e a dá ao responsável da caçada, marcando desta maneira o
fim da mesma.
Quando eu tinha doze anos de idade, fui a uma caça sozinho com a minha azagaia e o cão de um
vizinho nosso, comerciante e chamado Santos. No percurso cheguei junto de um riacho que nas
margens tinha uns caniços altos. De repente vi sair dos caniços um animal com cauda comprida
e o corpo todo malhado. Era uma onça ou leopardo. Até ao momento nunca tinha visto nenhuma
onça. Vi então o meu cãozinho na boca do animal. Gritei, chorando, e a fera largou o cão mas já
morto.
Começa agora o meu relato a adensar-se mas em forma de estória (legenda mítica); assim é
África, a minha história vulgar mutaciona-se para o folclore mítico: Na mesma semana um
sékulu do quimbo chamado Numbu, nosso vizinho, organizou uma caçada pelo local onde eu
encontrara a onça. Quando ali chegaram, a onça voltou a aparecer no mesmo sítio. Uma grande
matilha de cães desentocou-a, forçando-a a subir numa grande árvore chamada Omanda.
Os caçadores que fizeram parte desta caçada estavam cheios de medo, pois uma onça é um
animal perigoso, mais até do que o leão. É muito ágil, atacando com muita agilidade.
Geralmente, quando os caçadores matam uma onça, era costume levar duas tipóias até às
aldeias, uma para transportar a onça e outra para transportar alguma pessoa que tenha sido
vitimada por ela. Daí que estes caçadores temiam arriscar-se em atacar este animal. Dois
homens mais ousados colocaram-se debaixo da árvore com o s seus arcos e as flechas, bem
afiadas, uma das quais atingiu o animal na barriga. Num movimento rápido a onça estava sobre
um deles, ferindo-o gravemente na nuca e na cara, arrancando-lhe um olho e o nariz. Depois
atacou-lhe o ventre, ferindo os intestinos com as suas terríveis garras. O companheiro, ao ver o
animal sobre o outro, desfez-se do arco e das flechas, e com o porrinho desfez em pouco tempo
a cabeça do animal, espirrando os miolos pelos ramos das plantas, matando assim a onça. Foi
necessário arranjar as duas tipóias, uma para o homem gravemente ferido e outra para a onça.
Horas mais tarde deu-se a desgraça. Traduzo: a redenção do animal e o consequente chamar a
contas do organizador da caçada. O responsável pela caçada foi levado perante o soba para ser
julgado, acusado de ter praticado relações sexuais antes da caçada, e responsabilizado pela
morte, que veio a dar-se, do caçador atacado pelo animal selvático. Pagou uma multa muito
grande. Mas a onça ganhou o seu troféu na tumba.
Um leão não se mata com facilidade. Para se matar um leão é necessário, antes de mais,
justificar as razões para a sua morte. e depois a munição (bala) só o atingirá se essa justificação
for razoável. Os bailundos, tal como os europeus, consideram o leão como o rei dos animais.
Contam que antigamente um caçador estava numa mutala, lugar em cima da árvore, e em frente
à árvore onde se encontrava havia uma lavra onde uma mulher trabalhava no momento. Às duas
por três o caçador viu um leão a apanhar a mulher arrastando-a pela nuca. Passou perto do local
onde se encontrava o caçador com um canhangulo, que não se atreveu a usá-lo. Desceu da
árvore, correu ao quimbo, alertou as pessoas do que havia acontecido. O soba depois de o ter
ouvido, chamou todos os homens da aldeia e disse-lhes que fossem até ao onjango para que
fossem fornecidos de pólvora.
Depois foram preparar as suas armas, e no dia seguinte, muito cedo, juntamente com o soba,
foram no encalço do leão. Este quando os viu, tentou atacá-los, ao que eles reagiram, disparando
as suas armas em vão, pois não se tinha feito o depoimento correcto. O leão, passando por todos
foi direito ao soba, matando-o imediatamente. Foi então que um dos participantes, antes de
disparar, citou o depoimento, dizendo: “Tembi, tembi haveko wa paya nganidetu. Nda ove wa
paya ndandietu cilo omola owima (“Se não foste tu que mataste a nosso parente, sairás ileso;
caso contrário, o tiro que vou disparar ser-te-á fatal“)“. O jacasser deste atirador parecia olvidar
a morte do soba; tudo neste sucesso (evento) passa-se ao ralenti slow motion. Mas adiante; pois
a sua lógica escapa-me totalmente. O certo é que o atirador dispara, e o leão caiu morto. Depois,
finalmente recordaram-se do soba, pegaram o defunto, mas não deixando de pensar no animal
homocida, merveille, os submeteram a uma adivinhação, na qual o leão disse: “Ove u soma,
ame ndi soma, ombanjela ovita?” (“Tu és rei e eu sou rei e na qualidade de sermos colegas,
diriges uma guerra contra mim? Foi por este motivo que te matei”).
Foi a partir deste dia que o leão passou a ser o rei dos animais.

A PESCA
Existe entre os bailundos três tipos de pesca: a de chissamo, que consiste num caniço de pesca
com minhocas na ponta, sem anzol.
Outro tipo de pesca é a de “massas” chamada ileva. Para o efeito, eles fabricam as massas com
alguns pauzinhos obtidos de algumas plantas encontradas nas charnecas. É costume meter salalé
nas massas.
Depois levam-nos para os lugares mais profundos dos rios onde passam uma noite. No dia
seguinte voltam a esses locais e, normalmente, encontram-nos cheios de peixes.
Certa vez, no Mungo, caçava eu patos bravos nas margens do rio Luvulo, e vi um sujeito a
armar as suas massas neste rio. Na altura tinha chuvido, e por isso mesmo as suas margens
estavam alagadas.
Então meteu-se nas águas das margens para chegar ao rio, e aí meter as massas. De súbito, vi
um turbilhão na água. Era um jacaré que tinha apanhado o homem, pois quando as margens
ficam alagadas, os jacarés costumam sair do rio estendendo o seu raio de acção em busca do que
comer, especialmente cágados.
Tal como na caça às cabras do mato, a pesca é de igual modo organizada. Um sékulu mobiliza
muitos quimbos, e todos se concentram no rio indicado por ele. Nestas pescarias participa toda a
gente, homens, mulheres e crianças e, como é costume, usam grandes quantidades de folhas de
uma planta chamada kalembe. Metem-nas num almofariz para serem pisadas, e depois de
pisadas são lançadas ao rio, agitadas com varas compridas de modo a que o seu efeito
intoxicante se espalhe pela água, atordoando deste modo os peixes e forçando-os a subir à
superfície, onde os participantes os apanham com as quindas e cestos presos às pontas de varas
compridas, apanhando todo o tipo de peixes que no rio existirem, à excepção do bagre que
nunca sobe à superfície.
Perto da Missão Evangélica do Bailundo passa um rio chamado Culele. Diz a Tradição que este
tipo de pesca está interdito nesse rio. De acordo com o que se conta, antigamente, quando
queriam fazer este tipo de pescaria, uma enorme cobra aquática que ali existia, urinou nele em
tão grande quantidade, que o encheu até transbordar, alagando-o até às margens, e arrastando
muita gente que nele praticava este tipo de pesca.
Desde então, nunca mais alguém se meteu a lançar o kalembe naquele rio.
Quando trabalhei na Administração do Concelho do Mungo, no tempo colonial, vi certa vez
muita gente, vinda de vários quimbos, dirigir-se a uma grande lagoa formada pelas águas do rio
Kussangu, para lançarem o kalembe, misturado com ulu, uma outra planta usada para atordoar
os peixes.
Prepararam aquele produto durante vários dias e em grandes quantidades. Num dia marcado,
centenas de pessoas transportaram-no até junto da lagoa. Fizeram palhotas onde se acamparam.
Levaram alimentos e utensílios de cozinha para aí permanecer durante alguns dias. Na tarde de
cada dia metiam a mistura do produto na água, e no dia seguinte de manhã foram apanhar o
peixe que boiava à superfície em tanta quantidade que foram necessários barcos para o recolher,
dividindo-o por todos.
Depois de tudo terminado e todos se preparavam para regressar cada um ao seu lugar, um
homem chamado Yopilu viu um peixe enorme subir à superfície da água da lagoa. Foi então em
busca daquele peixe. Ao entrar na água esta dava-lhe pela cintura, depois pelo peito, até ao
pescoço, e quando faltava pouco para chegar ao pé do peixe, toda a gente viu grande agitação na
água, e momentos depois Yopilu desapareceu nas águas, levantando um braço e depois as
pernas. Perante o espanto de todos pelo que estava a acontecer, viram então uma enorme cobra
aquática que leu o pobre do Yopilu para as profundezas.
Perante tal acontecimento, o povo ficou preocupado, visto que, se um caso destes chegasse ao
conhecimento das autoridades, os responsáveis pela pescaria poderiam ser condenados. Por isso
decidiram manter sigilo pelo acontecido. Mas a mulher de Yopilu, perante a ausência do
marido, foi junto dos acompanhantes para saber dele, mas nada conseguiu saber. Depois de dias
de procura, uma sua cunhada, de outro quimbo distante, apareceu chorosa dizendo que Yopilu
havia sido morto por uma cobra. Imediatamente a mulher levou o caso à administração. O
administrador mobilizou um grupo de cipaios, e junto com eles foram no Land Rover até ao
local de desaparecimento da vítima.
Ordenou a todos os que participaram na pescaria a estarem presentes para proceder às buscas e
resgatar Yopilu, ou parte do seu corpo. Toda a gente remexeu a água com varas, sobretudo em
certas covas nas margens do lago. Como a lagoa não tinha ligação com o rio, o corpo de Yopilu
sempre foi encontrado. Foi transportado à administração a fim de ser autopsiado por um médico
ido do Huambo.
Tinha apenas alguns ferimentos no pescoço, mas constatou-se que lhe havia sido retirado todo o
sangue do corpo, o que comprovava que a serpente que o apanhara era a epolua. Estas cobras
apenas chupam o sangue das presas, abandonando-as depois.

O TRIBUNAL E O OMBULUNGU
Os bailundos não possuem edifícios próprios para exercer o poder judicativo, mas utilizam um
espaço destinado a esta função, utilizado desde sempre, que é junto e à sombra de uma árvore,
mais conhecida por Mulemba. Esta árvore encontra-se em todas as Embalas.
A audiência senta-se em pedras, abundantes por ali. O tribunal é sempre presidido pelo soba,
sobretudo nos julgamentos de crimes graves, e ladeados pelos Epalangas, Lusenje, Muecália,
Ndaka e outros, que no onjango aprenderam a exercer esta actividade. Num julgamento nunca
se condena um inocente. Dizem que o soba, ou outra pessoa que presida a um julgamento, se
condenar um inocente correrá, segundo a superstição, o risco de ficar cego. Como tal, julgam os
casos com muito zelo e rigor.
As sessões costumam demorar dias até que se apure a verdade e se pronuncie o veredicto
correcto.
Antes de começar um julgamento, tanto o acusado como o acusador são instados a dar um porco
cada um, que são mortos no tribunal. E ali também onde se distribui a carne. Ao soba cabem-lhe
as coxas e o fígado; ao Muecália a região lombar, pois se diz que é ele quem protege o Reino,
tal como uma galinha a chocar os ovos; o soba Ndaka, das mensagens, pela sua função recebe o
pescoço e a língua; o epalanga recebe os braços, porque tem sido os braços do soba. Depois da
distribuição da carne, tomam o sangue do animal e com ele borrifam a estatueta com nome de
Samemba é o d-us da caça e da carne.
O acusador é quem fala primeiro, descrevendo em pormenor todos os crimes cometidos pelo
acusado.
Depois tem a palavra o acusado que apresenta a sua defesa. O tribunal exige sempre a presença
de testemunhas. Caso não as haja, vão questionando o acusador e o acusado até descobrirem a
verdade, baseando-se sempre no apotegma vox pop: o peixe morre pela boca.
A título de exemplo, num julgamento a que eu assisti, eram dois amigos íntimos, em que um
deles necessitava de mil e duzentos dos escudos antigos para satisfazer uma necessidade, e
assim foi ter com o amigo para lhe pedir emprestado aquele dinheiro. Ora o outro não se
encontrava em casa, e então foi em sua procura na lavra onde na verdade o encontrou, expondo-
lhe a sua preocupação. Ele então lhe disse que no momento só tinha mil escudos. O devedor,
disse que mesmo assim lhe emprestasse esses mil escudos, pois procuraria onde arranjar o resto.
Como testemunha estava lá apenas um cão. Os dois, depois de terem chegado a um acordo,
foram a um morro de salalé (formigueiro) onde se sentaram, dentro da lavra. O dinheiro foi
contado e entregue com a promessa de ser devolvido tão cedo quanto possível. Passou-se um
ano, dois anos, e o devedor nunca se prontificava em honrar os seus compromissos.
Um dia o credor resolveu abordar o amigo para lhe exigir o pagamento da dívida. Este responde
que nunca recebera dele nenhum dinheiro, deixando deveras irritado o outro, que apresentou de
imediato queixa ao soba. O soba convocou os outros sobas do reino, seus subordinados, para
uma grande sessão de julgamento.
Neste julgamento fez-se como de costume: Falou primeiro o queixoso e depois o réu (arguido)
que alegou nunca ter recebido o dinheiro. Os sobas pediram testemunhas as quais, infelizmente,
não existiam, excepto um cão. O soba Epalanga, dirigindo-se para o devedor perguntou-lhe:
- Por acaso nunca foste à lavra deste senhor a fim de pedir dinheiro emprestado?
- Nunca, nem sequer conheco a tal lavra. – Respondeu ele.
O soba perguntou ao credor e disse-lhe:
- Como disseste que estavas com o teu amigo na lavra acertando as contas sentados num morro
de salalé, corre lá e traz-me um pedaço desse morro de salalé.
Logo que o credor recebeu tal ordem, meteu-se a caminho em busca do pedaço do morro de
salalé, no local onde estiveram sentados a contar o dinheiro. A audiência ficou suspensa
esperando pelo pedaço do morro pedido.
Depois de algumas horas de espera, o soba Epalanga virou-se para o devedor perguntando:
- Então, o teu amigo nunca mais vem? Eu tenho de ir apascentar os bois!
- Não conte com ele já – respondeu o devedor – a lavra fica muito longe daqui, e só aparecerá
logo à tarde.
- Há pouco disseste que não conhecias a tal lavra, e agora afirmas que fica longe daqui? Isso é
porque já lá foste alguma vez movido por qualquer interesse. Certamente sempre foste lá para
pedir o dinheiro emprestado. Pela boca morre o peixe!
Rapazes da corte, metam este homem no ukubi (as embalas não têm cadeias, apenas os
ukumbis, que é um instrumento de torturar os criminosos. Trata-se de um tronco de madeira
com dois buracos onde metem os pés do criminoso e outro horizontal onde metem uma cunha.
O preso fica ali sob o sol ardente, à chuva e ao frio, etc. Só sairá dali quando pagar o estipulado
pelo soba).
Os rapazes da corte lá o meteram no ukumbi.
Quando o queixoso regressou com o pedaço do salalé, encontrou o seu adversário no ukumbi
onde confessou a verdade, e pagando o que devia.
Depois o soba mandou dispersar a audiência, exigindo ao réu o dobro do que devia por ter sido
mentiroso.
Têm havido casos muito difíceis, como os relacionados com a feitiçaria, mas eles sempre
conseguem forma de os resolver. Na impossibilidade de num julgamento não se chegar à
verdade, então recorrem ao ombulungu, que é a raspa de raiz de um arbusto considerado
sagrado entre os bailundos, o qual se encontra em lugares ermos. Diz-se que qualquer ser
vivente que tenha morto outro ser vivente, morrerá imediatamente ao passar na sombra da
referida árvore. O mesmo acontecerá com um leão, uma onça ou lobo. Se por lá passar um
feiticeiro terá o mesmo fim. Só escapa quem não tiver morto outro ser vivo. Também se diz que
por baixo das referidas árvores se encontram muitas ossadas de animais.
Uma certa ocasião, já lá vai muitos anos, desloquei-me ao deserto de Moçâmedes que passou a
chamar-se de Namibe, onde passei dias à procura do referido arbusto. Fui até Tômbua, ex. Porto
Alegre, sempre à procura dele e nada encontrei. Encontrei, sim, perto da Tômbua, uma planta, a
welitschia Mirabilis, que não possui as propriadades do Ombulungu, embora dissessem que esta
planta fosse rastejante e carnívora, e qualquer animal, incluíndo pessoas, que dela se
aproximasse, seria envolvida nos seus tentáculos que ela abriria, e depois de estrangular a presa,
comi-a, o que não se verificou quando eu me aproximei da planta, e até arranquei parte dela.
Quando estive na Jamba, então o Quartel-General da UNITA, que ficava na mesma extensão do
deserto do Namibe, chamado Calaári, continuei procurando por ali o mesmo arbusto. Não só
não o encontrei, como também nunca vi quaisquer ossadas debaixo de qualquer árvore. Desde
então considerei aquele arbusto como lendário. Mas os basilundos confirmam ter existido.
Para confirmar o que se dizia do Ombulungu, o ordálio (prova jurídica), desloquei-me uma vez
à Embala, capital do sobado, a fim de ver a referida raiz sagrada. Paguei o que o soba Epalanga
me pediu.
Ele entrou na cubata, e de lá trrouxe a maravilhosa raiz toda ela fumada por estar no teto da
cozinha, e que me pareceu ser muito antiga. Apresentava muitas raspaduras.
O ombulungu, segundo eles, tem propriedades medicinais e de cura, especialmente as dores de
estômago. Mas segundo a Tradição, quando se lhe dirigem palavras de ohasa (invocações em
defesa própria) fica irritada e mata criminosos sem piedade.
Quando há um julgamento difícil, relacionado especialmente com feitiçaria, tomam esta raiz e,
com uma faca, raspam a mesma diluindo os residuos numa porção de água, conforme uma
medida estipulada. Depois servem uma quantidade equivalente a três colheres de pau. A vítima,
o acusado, e o próprio acusador, o soba, seguram nas mãos o recipiente que contém o liquido.
Depois cada um se refere ao ohasa. Então o acusador, o soba, diz:
- Ó ombulungu, tu sabes que eu nada tenho a ver com os actos referidos nesta acusação; por isso
não me farás dano algum. – Depois fala o acusado:
- Ó ombulungu, tu és maravilhoso, pois descobres todos os segredos, até os do coração; mata-
me se forem verdadeiras as acusações que aqui me fazem. Caso contrário, salva-me. Se
confirmares que fui eu que matei o filho deste indivíduo, mata-me; mas se achares que não fui,
salva-me.
Por último fala o queixoso, dizendo:
- Ó ombulungu, tu sabes que eu também não estou isento, mas que estou a falar a verdade, e por
isso peço que me salves. Mas se entendes que estou a caluniar esta pessoa, mata-me.
Depois de todos terem feito as suas invocações, cujas palavras são denominadas de “ohasa”,
cada um deles bebe a quantidade de água que lhes é designada. Bebendo todos em simultâneo.
Passados alguns momentos, o verdadeiro culpado perde os sentidos, mas os outros vomitam.
Para o culpado não morrer, dão-lhe uma composição extraída de uma outra raiz. Depois de este
ter recuperado os sentidos é imediatamente condenado e preso.
Conta-se que dois homens, um chamado Katombela e o outro Pambanssangue, resolveram um
dia roubar maçarocas de milho. Entraram numa lavra: Pambanssangue transportava Katombela
nos ombros, sendo este que roubava o milho. No fim do roubo fizeram uma fogueira, junto à
lavra, onde assavam o milho roubado.
Passado algum tempo apareceu a dona do campo, que ao ver os dois assando o milho junto à sua
propriedade, acusou-os de roubo. Eles recusaram tal acusação, e por isso a mulher, como tinha a
certeza de que haviam sido eles, queixou-se ao soba, que de imediato mandou reunir o tribunal
para o julgamento. Como não havia provas concretas, recorreu ao processo ombulungu. Com o
ombulungu nas mãos de cada um, iam, um por um, citando o ohasa, primeiro falou o
Pambanssangue, que dizia:
- Ó ombulungu, tu és maravilhoso e sabes tudo o que se passa. Quanto a mim, nem sequer me
refiro ao roubo; refiro-me apenas ao facto de ter passado neste lugar. Assim, se por acaso o meu
pé tiver pisado aquela terra, mata-me, mas se nunca o pisei salva-me. – Ao terminar estas
palavras engoliu a sua porção de ombulungu.
Desta foi a vez de Katombela que disse:
- Ó ombulungu, não te minto. Na verdade eu passei naquela lavra, mas se eu tiver posto a mão
em alguma maçaroca para a roubar, mata-me. – E tomou a sua porção.
O ombulungu nada mais fez que confirmar o que cada um dizia. De facto, um passou por lá com
seus pés mas não roubou; o outro nunca por lá passou com os seus pés, e por conseguinte não
podia ter roubado milho algum. Assim, o ombulungu não podia condenar nenhum dos dois que,
considerados inocentes, vomitaram o líquido que haviam ingerido.
Nos julgamentos, os bailundos utilizam sempre adágios. Pode-se dizer que mesmo em
conversas do dia-a-dia, os bailundos utilizam sempre apotegmas. E um deles é este: “U o lia
laye ombua, u limbukila ku ku ikakuea” (Interpretação/tradução: “Reconhecerás logo a pessoa
que meterá contigo o cão, no modo como ele esfola o animal. Se o esfola com vontade e desejo,
saberás imediatamente que comerá da carne do animal; se o fizer com nojo, é sinal que daquela
carne ele não comerá, pois a carne de cão é rejeitada por ser nojenta”).
Vamos, pois, interpretar este provérbio. O significado é que, se tratares de algum negócio com
alguém, saberás de antemão se aquela pessoa está interessada ou não pelo mesmo negócio. Se
mostrar grande interesse, saberás que está de facto interessado no mesmo. Tudo se sabe pelo
interesse manifestado pela pessoa.
Uma ocasião eu assisti ao esfolamento de um cão. O animal foi amarrado pelo pescoço e levado
a um ochimbandi (terreno circular com cerca de um ou dois metros de diâmetro, com pavimento
muito rijo, feito pelo salalé, utilizado pelos agricultores como eira e dentro das matas) em plena
mata, onde fizeram uma grande fogueira. Depois pegaram o cão e o penduraram numa árvore
com a corda.
O animal defecou e morreu. Tiraram-no depois da árvore e o colocaram na fogueira, que o iam
virando até queimar todo o pêlo. A seguir tiraram-no do lume e rasparam o pêlo queimado com
uma faca; abriram-lhe o ventre para tirar as entranhas. O estômago foi lançado para a fogueira,
que depois de inchar o retiraram, e o mais forte do grupo o levou ao ochimbandi que o
arremessou com muita força ao pavimento, feito pelas térmitas, para que as fezes fossem
expelidas e o estômago ficasse vazio.
O indivíduo que vi fazer este trabalho até ficou completamente conspurcado pelas fezes,
incluindo o rosto. Em momento algum da minha vida vi algo assim tão nojento.
Depois de esfolado, o cão é levado ao quimbo onde é esquartejado e cuja carne é conservada em
folhas de mulemba, numa panela de barro e temperada com sal e outros temperos. Aquela
panela passa o dia todo ao lume, para que a ferver a carne fique bem cozida. Dizem que é uma
carne saborosa, sobretudo quando acompanhada com pirão de bombó, isto é, feito de farinha de
mandioca.
Muitos adágios têm a sua própria história tradicional; por exemplo, “Kalunjinji, komanu ku liwa
luloño” (“A formiguinha alimenta-se dos restos humanos com subtileza”). Na verdade, sem
subtileza não se obtém nada de alguém. Este adágio percebe-se pela seguinte história:
Um homem tropeçou numa pedra, ferindo um dos dedos do pé que ficou com a pele levantada.
Ele tirou uma faca, cortou a pele e deitou-a para o chão. Uma formiguinha quando a detectou,
arrastou-a para o seu buraco. O epulu (mosca parecida com a tsé-tsé) quando viu a formiga,
perguntou:
- Ó formiguinha, onde foste tu buscar isto que transportas?
- Do homem! – Respondeu ela.
- O homem é que tem isso? – Tornou a perguntar o epululu.
- Sim! – Respondeu a formiga.
- Neste caso, também vou ter com o homem para lhe tirar algo igual! – Disse o epululu.
Ele ao chegar junto do homem, pousou num dos seus braços a fim de lhe retirar a pele como a
que viu à formiguinha. O homem, ao dar-se conta que o epululu lhe feria o braço, matou-o com
uma palmada dada pelo outro braço. O epululu, para seu azar, não se lembrou de que a formiga
só havia aproveitado algo desnecessário ao homem.
É o mesmo que acontece connosco. Se precisarmos de alguma coisa de alguém, não devemos
ter a mesma atitude do epululu, mas dialogar e não usar de violência para com ninguém.
Um outro apotegma é este:
“Ukuele nda o suñila langeka; vekehã liukuele mulivo ekahã liove” (“Se alguém, teu próximo,
tiver sono, leva-o imediatamente para a cama, para que também possas dormir”). Isto significa
que se alguém estiver em dificuldades ou em perigo, o melhor é ajudá-lo, pois se ele se salvar
também poderás ser livre. Se alguém ao teu lado tiver uma doença contagiosa, e não o levares
para ser curado, a mesma doença também poderá contagiar-te.
Um dia um caçador passou o dia todo a caçar sem conseguir caça alguma. Aborrecido, resolveu
voltar para casa. No entanto, viu uma rola no topo de uma frondosa árvore, e resolveu abatê-la.
Quando fez a pontaria, uma jibóia que estava debaixo da árvore viu-o e disse à trepadeira, que
chegava até onde estava a rola, e disse-lhe:
- Avisa a rola para que levante voo pois o caçador apontou-lhe a arma para a matar. – Retorquiu
a trepadeira:
- Eu não tenho nada a ver com os animais, pois sou apenas uma planta; que morra a rola.
Entretanto o caçador disparou e a rola caiu morta no chão. O caçador aproximou-se do local
onde a rola havia caído para a apanhar, e quando aí chegou viu de surpresa a jibóia; tomando o
machado que tinha à cintura, matou a cobra. Depois pensou em como levar a jibóia para casa.
Mas como não tinha corda para fazer a rodilha para a transportar, e como no lugar não havia
plantas de cujo caule se extraísse olondovi (correia para transporte de alguma coisa), para
superar esta falta cortou a trepadeira a fim de lhe servir de corda para amarrar a jibóia.
Pela má vontade da trepadeira morreu a rola, a jibóia, e a própria trepadeira. Se esta tivesse
aceitado avisar a rola, nenhuma das três morreria.

QUANTO ME CUSTOU O EXCREMENTO DUM PRIMO DA MINHA MULHER


Em 1975, quando a minha mulher estava presa na cadeia por motivos políticos, eu tive de ficar
só em minha casa. Um dia acordei muito cedo, antes do nascer do sol, para ir trabalhar na horta.
Ao abrir a porta, deparei com um primo da minha mulher, o qual morava a cinco quilómetros de
nós, chamado António, que pensando que eu estivesse ainda a dormir, defecava no nosso
quintal, perto da entrada da casa, com o fim de enfeitiçar. Fiquei zangado e tive que o levar ao
soba para ser julgado.
Perante o tribunal, ele disse que estava a cumprir uma tradição familiar, que abrangia também a
minha mulher, que se estendia de geração em geração, e para não sofrer sozinho as
consequências desta prática queria que a minha mulher fosse também incluída, para que o
cazumbi que o perseguia passasse a perseguir a minha esposa, prima dele.
Depois de alguns dias passados, aquela defecação no nosso quintal começava a dar maus
efeitos. Um dos nossos filhos, em brincadeiras, ficou sem um olho. Depois um outro fugia da
mãe dizendo que ela lhe enviava um cazumbi para o matar. Era o princípio de ser
endemoninhado. Para poder fugir da mãe juntou-se com portugueses que abandonavam Angola
aquando da independência, indo com eles para Portugal onde esteve durante dois anos. Depois
voltou para casa. No dia em que chegou, vendo a sua mãe ficou logo endemoninhado, em
grande escala, e ficou completamente descontrolado.
Causava muita confusão e punha-se a nú. Partia tudo quanto estivesse ao seu encalce e ninguém
o podia amansar. Toda a vizinhança entrava em nossa casa para lamentar o caso. Um vizinho
vindo de bicicleta encostou-a na parede da casa, o endemoninhado subiu nela e em grande
velocidade foi à escola da Missão. Entrou na cozinha e de lá tirou uma grande faca e se dirigiu
ao hospital; partindo os vidros da porta de entrada entrou numa enfermaria onde havia muitos
doentes. Um grupo de enfermeiros pegou nele à força conseguindo arrastá-lo para fora. O chefe
da enfermaria, chamado Alfeu Mateia, ordenou a um grupo de homens para o espancar
brutalmente à paulada chegando a ferilo na cabeça. Depois levámo-lo para casa. Com uma
Certo dia,YAOHÚSHUA foi orar para as
montanhas, e orou toda a noite. Ao amanhecer,
reuniu os seus seguidores e escolheu doze deles
para serem o círculo mais íntimo dos seus
discípulos. Foram nomeados emisários. Eis os corrente consegui acorrentá-lo no tronco duma árvore.
nomes deles: Shamiúl (a quem chamou também
Káfos), Andorúl (irmão de Shamiúl), YÁOHU-caf,Depois fui ao hospital da vila pedir socorro, em que me
YÁOHU-khánam, Felipe, Bartolomeu, Man- deram uns comprimidos para o aliviar.
YÁOHU, Tomé, YÁOHU-caf (filho de Alfeu),
Shamiúl (também chamado Zelota), YAOHÚ-dah
Quando cheguei com estes comprimidos, a minha
(filho deYÁOHU-caf) e Yudas Ish-Kerióth (que mulher, a mãe dela e um cunhado, ameaçaram-me
severamente, dizendo: “Não te metas na doença de teu
viria a traí-lo por predestinação supralapsariana).
From the baptism of John at the outset until the
day when He was taken up from among us–one of
filho, nós faremos tudo o que for possível.
these men must join with us and becomes a Quem te avisa teu amigo é, e não queremos que mal
algum te venha a acontecer”. Tomaram os tais
witness to testify to His resurrection. And they
accordingly proposed (nominated) two men, comprimidos e deitaram-nos ao lume. De facto os
Joseph called Barsabbas, who was surnamed cazumbis, estariam contra eles se eu me metesse na
Justus, and Matthias.24 And they prayed and said,
cura do endemoninhado, por não fazer parte da tradição
You, Lord, Who know all hearts (their thoughts,
passions, desires, appetites, purposes, and familiar. Eu, na qualidade de pai é que não podia ficar
de braços cruzados perante um filho endemoninhado.
endeavors), indicate to us which one of these two
No dia seguinte fui ter com um diácono da Igreja,
You have chosen To take the place in this ministry
and receive the position of an apostle, from which
chamado Floriano, que conhecia os remédios
Judas fell away and went astray to go [where he
belonged] to his own [proper] place. And they
tradicionais para curar estes males.
Quando voltei encontrei o cunhado da minha mulher
drew lots [between the two], and the lot fell on
Matthias; and he was added to and counted withcom muita fama de feiticeiro, juntamente com ela e
the eleven apostles (special messengers). – com a minha sogra os quais esperavam por mim para
Amplified Bible). me maltratarem. Estavam todos furiosos e me disseram:
“Você é muito teimoso; não te haviamos dito que não te
metesses na doença da maluquice do teu filho? Ainda
para piorar foste ao diácono em busca de
medicamentos. Agora vamos espancar-te.”
Durante o espancamento o doido atirou-me uma
caneca, em que bebia o leite, a qual me bateu na nuca,
ficando atordoado. No entanto vi a minha mulher, que
estava sentada no chão, a levantar-se toda zangada,
aproximou-se de mim, provavelmente para me dar o
último golpe. Estendi-lhe a mão, sem a tocar, e lhe
disse: “Calma aí!” Ela então caiu redonda no chão
como que se eu a tivesse empurrado. Estava tão
zangada, que ao levantar-se os panos que vestia lhe
caíram do corpo. A seguir veio a sogra, também muito zangada, que me disse: “Ove u mbua;
nda ci kulihile nda katua kuihileomoletu.” O que significa: “Tu és cão; se soubessemos que eras
assim, não te teriamos dado a nossa filha, casando com ela.”
Quando acabou de pronunciar estas palavras, foi logo acometida por uma doença que a impediu
de falar. No dia em que ela morreu o meu filho ficou logo curado.
Foi isto que custou o excremento do primo da minha mulher evacuado no nosso quintal.

UMA MULHER ENVIA-ME UM CAZUMBI NA FORMA DE UM MONSTRO, QUE


ME TOMBA NO CHÃO
Havia uma mulher na Missão Evangélica do Bailundo que com as suas feitiçarias, um
carisma/dom proveniente do Demónio Satan, domava completamente os missionários
arminianos (cristãos não predestinados; logo que “transportam a vivência cristã com temor e
tremor”) americanos e canadianos, sobretudo as irmãs missionárias.
Todo o missionário ou missionária, perante esta mulher tornavam-se mansos e satisfaziam-lhe
todos os seus desejos. A pessoa que ela amasse também era amada pelos missionários, e a quem
ela odiasse também era odiada por eles. Era uma mulher que tinha a vida regalada na Missão.
Toda a sua manutenção lhe vinha da América e do Canadá. Nada lhe faltava. Os missionários
davam-lhe tudo o que ela necessitava. Às vezes até lhe davam o privilégio de gozar férias na
América ou no Canadá.
Esta mulher, então, queria que eu casasse com ela, o que não era do meu interesse, pelo que me
perseguia fortemente. Difamava-me com acusações conscientemente falsas perante os
missionários, com o intuito de que me expulsassem da Missão, onde eu trabalhava como
professor. Às vezes questionava comigo e me ameaçava severamente. Muitas vezes me armava
ciladas, as quais eu sempre descobria. Uma ocasião, numa manhã, quando me levantei da cama,
como era habitual, fui para baixo de um abacateiro que estava perto da nossa residência, para ali
despejar o bacio, e encontrei lá um abacate envenenado, como que tivesse caído da árvore.
Fiquei logo desconfiado, visto aquele abacate ser tinto, quando aquele abacateiro produzia
abacates verdes. Peguei nele e arremessei-o a um porco que passava por ali no momento, e logo
que o animal o comeu caiu morto.
Uma outra ocasião, encontrei excrementos humanos na sala onde eu dava aulas. Como os
excrementos desempenham importante papel na feitiçaria angolana, fiquei logo consciente que
alguém me queria eliminar com feitiçarias.
Também tentou meter em mim o espírito de fornicação, o que não tinha perdão na Missão, pois
quem fosse apanhado neste pecado era imediatamente expulso. Tinha feito todos os possíveis
para me destruir, e eu sempre escapei, mas sempre sonhava com ela (talvez Lilith, a espírito que
é referida na Cabala como a primeira mulher do bíblico Adam, sendo que numa passagem
(Patai81:455f) ela é acusada de ser a serpente que levou Javá a comer o fruto proibido,
pt.wikipedia.org/Lilith); em que ela me trazia uma mulher nua, da altura de uma torre de um
templo, a qual me dizia: “Eis uma mulher para ti”.
As vítimas de feitiçaria costumam ter a revelação, em sonhos, do ou da feiticeiro(a) que as
enfeitiçam.
Depois enviou-me um cazumbi que me derrubou no chão.
Foi numa noite em que estava sentado à mesa a corrigir os trabalhos dos alunos, nos cadernos;
de repente a porta abriu-se de ímpeto, e depois vi um monstro do tamanho de um vitelo com a
forma de sapo. Levantei-me para ir fechar a porta, no entanto aquele monstro entrou e segurou-
me, dando-me sacudidelas muito fortes e eu caí no chão desmaiado. Os que estavam comigo
viram quando caí, mas não viram o monstro. Pegaram em mim e levaram-me para a cama, e só
recuperei os sentidos ao amanhecer.
Fiquei impressionado ao ver o chefe do posto, o qual me parecia ser um gigante por ser alto e
forte.
Chamava-se José Sebastião Figueira. Devido ao tratamento que dava aos indígenas, tinha sido
alcunhado de Kuyekeya.
Era de origem madeirense.
Depois de ler a guia, perguntou-me se eu era católico ou protestante, e eu lhe disse que era
protestante.
Disse-me depois que era muito rigoroso, e que para trabalhar com ele terei de ser bem
comportado, ser assíduo ao trabalho, mas também garantindo-me que estaria ali para qualquer
sucesso impeditivo do meu bem-fazer.
Assim deram-me uma máquina de escrever, começando a trabalhar nesse momento.
O edifício do posto administrativo tinha dois compartimentos: a secretaria e o gabinete do chefe
do posto, onde havia uma secretária e um grande cofre para guardar o dinheiro dos impostos
cobrados aos indígenas. Em cima da secretária estava a palmatória que tinha mais ou menos oito
centímetros de diâmetro, e o cabo com quarenta centímetros de comprido. Era toda enfeitada
com taxas de latão. Na parede estava pendurado um chicote feito de coiro de hipopótamo,
também enfeitado com taxas de latão, a que eles davam o nome de cavalo-marinho. Tanto a
palmatória como o chicote se encontram em todos os estabelecimentos governativos, e eram
destinados somente para castigar os indígenas, mas não os brancos.
No balcão da secretaria, um Aspirante branco escrevia à maquina. Por detrás do balcão estava
uma prateleira cheia de boletins oficiais encadernados. Perto da porta estava uma mesa onde
estava um funcionário negro, já velho, chamado Albino, e cobrador de impostos aos indígenas,
impostos das licenças de bicicletas, de danças, de cães, etc. Se alguém fosse apanhado a fabricar
uma bebida chamada cachi, feita de frutas e açúcar, pagava uma multa pesada.
Ao lado da mesa dos impostos, estava um encadernador chamado Benedito, que tratava dos
boletins oficiais e outros livros.
Na varanda do edifício do posto estavam sentados cinco cipaios vestidos com farda de Kaki.
Depois o Chefe quis saber onde me havia hospedado, respondendo-lhe que ainda não tinha
procurado alojamento. Chamando um cipaio ordenou-lhe então: “Leva este homem e mostra-lhe
uma das casas por detrás da prisão, onde se poderá alojar”.
O cipaio então me conduziu ao local, e mostrou-me uma casinha desabitada, que tinha apenas
um compartimento com dois metros de largo e três de comprimento. Havia ali muitas outras
casas deste tipo, todas alinhadas, e fora de cada uma havia lugares com cinzas onde era habitual
fazer-se lume, com pedras a servir de fogão.
Era um lugar bastante repugnante e com muito lixo. Depois de o cipaio me haver mostrado essa
casa, voltamos ao posto, onde trabalhei até fechar o estabelecimento e o serviço daquele dia.
Quando tocou o sino, saímos. O Albino mais o benedito me acompanharam, e fomos a uma loja
de um senhor chamado Silvino. Como já estava fora do horário de trabalho, entramos pela porta
traseira, no quintal. Ora o tal Silvino tinha um negócio clandestino, e se fosse descoberto teria
de pagar uma multa. Era já noite, e um velho petromax estava sobre o balcão do
estabelecimento. Dentro da loja estavam dois brancos na conversa com o comerciante; então o
Albino pediu uma cerveja, à qual tirou a cápsula com os dentes e começando a bebê-la. Por sua
vez o Benedito foi junto do barril do vinho e o comerciante serviu-lhe um copo, bebendo ele
também.
Entretanto um dos brancos disse: “Ó Albino, ouvimos dizer que hoje chegou ao posto um
calcinha (nome que os portugueses davam a um preto que vestisse roupa limpa) que até o Chefe
lhe apertou a mão. É verdade?” – O Albino disse-lhe que não era verdade, que nunca apareceu
ninguém lá no posto a apertar a mão do Chefe.
- Pois claro! Se eu não aperto a mão a um preto, muito menos o Chefe que é uma Autoridade.
Ele nunca apertaria a mão de um preto! – Acrescentou aquele “senhor” branco.
O albino então lhe respondeu: “Engana-se, eu quando acordo de manhã na minha cama, lavo-me
com água quente e sabão. Tenho sempre as mãos limpas, e pelo facto de ser preto não apertas a
minha mão.
Mas tenho a certeza que daqui a pouco irá à sanzala (espaço reservado aos negros que estava
situado à volta da residência de brancos) apertar a mão da Sofia, que passa dias e dias sem se
lavar!”
O branco disse de seguida, e isto para responder à interpelação: “Se eu aperto a mão da Sofia é
com outro interesse!”
Deu-se então uma gargalhada ecuménica.
Eu aproveitei a ocasião para comprar uma caixa de fósforos, um candeeiro, feito de latas de
conserva, um pouco de petróleo, dois pães e uma lata de atum em conserva, e saí para fora,
dirigindo-me para a casinha que me fora destinada.
Quando lá cheguei deparei com muitas outras pessoas nas outras casinhas, todas elas com as
suas fogueiras acesas fazendo o seu jantar. Vim a saber que todas elas eram trabalhadores das
granjas pertencentes ao posto, vindos das suas aldeias, mas que trabalhavam forçadamente, sem
salário e sem ao menos receberem comida, tendo eles que a pagar do seu bolso. Cada aldeia era
forçada a enviar, todas as semanas, trabalhadores para as granjas, tal como já o havíamos
referido antes.
Limitei-me a entrar na minha casinha. Acendi o candeeiro e comi o meu pão com o atum,
pensando que nenhuma daquelas pessoas me conhecesse.
Depois ouvi fora alguém que dizia o seguinte: “O Chefe do Posto tem mais consideração pelo
cipaio Adriano do que pelo cipaio Manuel, que está a fazer todos os possíveis para também
conquistar a mesma consideração do Chefe”. – Depois um outro disse o seguinte: Nas Escrituras
Sagradas, o Senhor considerava mais a João do que a Kefas (Pedro). Para Kefas conseguir de
Jesus essa consideração teria que se dedicar mais a ele.”
Quando ouvi aquela conversa dizia para comigo que afinal eram meus irmãos na fé. Saí e fui
cumprimentá-los. Um deles disse-me: “Ukombe wa tunda pi? (“Donde veio o hóspede?”)
Disse-lhes que vinha da Missão Evangélica do bailundo, e logo notei que todos ficaram
satisfeitos emme ver, e em coro diziam: “É nosso irmão em Jesus Cristo!” – deram-me um
pequeno tamborete, que utilizam para recolher água do rio, onde me sentei.
Havia outros que não ligaram me ligaram nenhum. Certamente eram católicos romanos.
Depois do jantar seguiu-se um serão amistoso, em que se contavam histórias, contos, fábulas,
etc., tal e qual como faziam os rapazes e as raparigas quando faziam serões nas cozinhas.
Depois ouviu-se numa outra fogueira um que dizia: “Vocês ouviram o que se passou no Andulo
acerca de um indivíduo que foi comido pelos bissondes?… (Em umbundu é issonde. É uma
espécie de formiga da cor de vinho, muito maior que a formiga normal. Vive em grandes
formigueiros e muito organizadas. Estes formigueiros têm vários compartimentos, armazéns,
dormitórios, salas de estar, etc.
Cada um deles tem um número incontável de bissondes; no meio deles há um rei, há polícias,
que são os que têm dentes grandes e muito afiados; há as obreiras, as que transportam os
alimentos, as caçadoras, etc. Alimentam-se exclusivamente de insectos e são carnívoros. Não
comem frutas ou comida caseira. Saem dos formigueiros apenas na estação chuvosa em que há
calor, pois não suportam o frio. Na estação seca não saem dos formigueiros. Se alguém
encontrar os bissondes na estação seca fora do formigueiro, é sinal de grande tragédia para essa
pessoa, segundo a tradição dos bailundos.
Uma ocasião encontrei um homem que os tinha visto na estação seca, e no mesmo dia accionou
uma mina anti-pessoal.
Durante a estação chuvosa, os bissondes passam o tempo todo a percorrer de lugar para lugar na
caça.
Formam carreiras muito compridas; se durante a viagem encontram um obstáculo perigoso para
eles, escavam um túnel por onde se metem procurando outro local que tenha caça, como
gafanhotos, aranhas, ratos, cobras e outras presas. Assim desfazem as suas carreiras,
dispersando-se cobrindo uma área de dez ou quinze metros quadrados. Cobrem todo o chão, e
tudo o que por ali passar é logo apanhado. Apanham as suas presas com muita rapidez; basta um
deles pegar com a sua pequena mão qualquer bicho, imediatamente se aglomeram em grande
número, cobrindo imediatamente o corpo da vítima.
No fim da caçada cortam a vítima em pequenos pedaços que envolvem numa matéria
transparente, cujos invólucros são em forma oval e bem construídos. Depois de empacotar a
presa formam novamente a carreira, e as formigas transportadoras passam pelo meio dela em
grandes colunas de quatro ou seis elementos.
Uma carreira de bissondes atinge centenas de metros de comprido com dois centímetros de
largo, com muitos deles a transportarem os alimentos para os seus armazéns. As transportadoras
caminham dentro da carreira com as que fazem o policiamento a vigiarem nos flancos, indo de
trás para a frente com as suas bocas abertas e mostrando os seus terríveis dentes. Quando a
caravana das transportadoras chegar ao formigueiro, armazenam todos os fardos da comida,
tornando a sair para nova missão.
Os bissondes não têm temor de nada, seja leão, cobra, e até mesmo os elefantes, e as pessoas
fogem deles, lutando contra tudo o que encontrarem no caminho. Quando se deparam com um
pequeno riacho ou uma vala de água, querendo passar para a outra margem, fazem uma ponte
segurando-se uns nos outros pelos braços. Quando todos os outros atravessam, por cima dos que
constituem a ponte, então os da margem de onde vêm se desprendem, e os que já passaram
todos puxam os elementos da ponte para a margem para onde se dirigem.
Também costuma invandir as casas das pessoas, especialmente durante a noite. Quando entram
numa casa, cobrem todas as paredes matando todas as baratas, percevejos, ratos e todos os
insectos caseiros.
Também atacam as pessoas, se as apanharem, e matam galinhas, porcos, coelhos, etc.)
…Depois referiu um episódio, contando que um homenzinho tinha saído muito tarde da sua
lavra, e quando chegou na sua casa dirigiu-se ao alambique, que ficava um pouco distante de
sua casa, para comprar aguardente. Quando lá chegou comprou uma garrafa cheia e a bebeu.
Mesmo estando muito embriagado, sendo já noite, teimou em seguir para casa. Os outros, que
haviam também bebido com ele, aconselharam-no a não ir, pois não estava em condições de
caminhar. Mas como era muito teimoso não aceitou tais conselhos, e se foi.
Saiu, mas andou apenas uma pequena distância, caíndo no chão embriagado. Depois apareceu
uma praga de bissondes que lhe envolveram o corpo todo e o mataram. Começaram por lhe
comer os olhos, e no dia seguinte só encontraram o esqueleto todo branco.
Um dos que estava ali disse mais: Os bissondes são tão terríveis que até matam um elefante se
lhe entrarem pelos ouvidos; um outro também afirmou que o Governo tinha feito projectos para
construir um novo Posto Administrativo na área de Vila Nova, mas por causa destes bichos
desistiu de o construir, pois aconteceu que o Governador da Provincia de Huambo, na
companhia de outras entidades administrativas, com as suas famílias, haviam resolvido fazer um
fim-de-semana naquele lugar, onde pretendiam abrir este novo posto, mas tiveram mesmo que
desistir de o fazer. Levaram para lá tendas, camas de viagem e ali comerem em campanha.
Aconteceu que logo na primeira noite, quando dormiam sossegadamente, pela meia-noite foram
assaltados por uma praga de bissondes que invadiu as tendas, atacando nas camas as pessoas
que dormiam, que acordaram sobressaltadas, e tendo imediatamente o lugar nas suas viaturas, e
nunca ali mais apareceram para construírem o dito posto.
Depois de terminarem estas narrativas, houve uma pequena pausa. Mas um outro narrou um
novo caso acerca de um homem que tinha o hábito de bater muito na sua mulher. Um dia deu-
lhe pancada quando era já noite. Ela desgostosa pegou no seu filho de dois anos, colocou-o às
costas prendendo-o bem com o seu pano. Levou uma enxada na mão, saindo de casa na calada
da noite para seguir p‟ra casa dos seus pais que ficava distante, tendo de passar por matas
perigosas, e onde havia muitos leões.
Andou até chegar a um lugar onde havia um pântano, onde algumas rãs coaxavam, que ao se
aperceberem do ruído que a mulher fazia no andar se calaram. Depois de ela ter avançado um
pouco mais, as rãs tomaram o seu coaxar. Andando mais uma pequena distância, as rãs voltaram
a calar-se, o que era sinal de que algum perigo estava eminente por detrás dela. Saiu do caminho
que seguia e subiu a uma árvore.
Passado um pouco de tempo viu surgir na escuridão dois homens, ladrões, carregados de
grandes fardos que foram roubar a uma loja de um branco. Quando chegaram precisamente em
baixo da árvore onde tinha subido a mulher, descarregaram os fardos e um deles disse: “Vamos
fazer comida debaixo desta árvore; tu vais buscar água no riacho, enquanto eu acendo o fogo”. –
Entretanto a criança nas costas da mãe dormia profundamente. Quando a comida estava pronta,
a criança acordou e começou a chorar. Quando eles ouviram o choro da criança, ficaram
assustados e puseram-se em fuga, pensando que “aquilo” que chorava fosse um cazumbi ou
alma do outro mundo. A mulher então gritou: “Não fujam, que sou eu, uma pessoa como vós!”
– Os homens não acreditaram no que ouviam, mesmo com a mulher a dizer que era mesmo uma
pessoa e não um cazumbi. Depois deles se terem apercebido da realidade, ficaram mais
aliviados e disseram: “De facto é mesmo uma mulher” e dizendo: “Será para nós os dois; há
muito tempo que não conhecemos uma mulher!” – Começando então a dançar de alegria.
Dirigiram-se então até debaixo da árvore e disseram à mulher para descer. Ela então lhes disse
que com a criança nas costas não conseguia descer sozinha, pois só desceria com ajuda. Pediu
então que um deles subisse para a ajudar a descer. Assim, um dos ladrões não hesitou,
começando logo a subir. O outro subiu também logo atrás.
Quando o primeiro ladrão chegou próximo da mulher, esta descarregou-lhe com toda a força a
enxada na cabeça, que ao cair arrastou o companheiro que o seguia, e ambos cairam ao chão e
morreram. Ela esperou algum tempo mais. Quando ouviu os pássaros a cantar apercebeu-se de
que já estava próximo o amanhecer. Desceu da árvore e foi para casa dos pais, como era o seu
propósito. Quando lá chegou ainda os seus pais dormiam. Bateu na porta e eles perguntaram
quem era a uma hora daquelas. Ela respondeu: “Sou eu, a Chilombo, e venho da minha casa
porque o marido me espancou quando era meia-noite. No caminho encontrei dois ladrões que
me atacaram e eu os matei. Deixaram tudo o que traziam, que eram grandes fardos de pano e
dinheiro. Seria melhor irmos lá a fim de recuperarmos tudo o que eles deixaram.
Depois ela conduziu os seus pais até ao lugar da cena, encontrando os ladrões estendidos no
chão, mortos. Além dos fardos havia uma sacola com muito dinheiro. Levaram tudo para casa e
ficaram ricos.
Quando o marido daquela mulher apareceu na casa dos sogros, foi corrido à pancada, mas
sempre, dizendo-lhe que nunca se deve bater numa mulher de noite e deixá-la viajar sozinha,
tendo de passar por florestas perigosas e cheias de leões.
Depois desta narrativa, um outro que também se aquecia junto à fogueira comigo, contou outro
caso que metia feitiçaria, dizendo o seguinte:
- Na nossa aldeia havia dois caçadores. Um chamava-se Chissingui e o outro João; Chissingui
matava duas ou três cabras por dia, e o João só matava duas a três cabras por ano. Um dia o
João pediu a Chissingui que lhe revelasse o segredo de como matava. O outro disse-lhe que para
isso era necessário ter um sékulo de nome Sachifunga que vive na aldeia de Dembi, na área
administrativa de Lunge, para que ele dê uma lavagem à arma com determinado liquido que ele
tem. O João quis saber se era só dar uma lavagem à arma, ou se não haveria feitiçaria no
assunto. O Chissengui disse-lhe que era apenas a lavagem da arma e nada mais.
O João ficou desse modo convencido, e um dia resolveu ir ter com o tal Sachifunga a fim da sua
arma também ser lavada. Pegou na arma e se pôs a caminho da aldeia de Dembi, onde morava o
o velho.
Chegou lá quase ao anoitecer. Quando ele ali chegou, correram ao seu encontro. A mulher de
sachifunga logo lhe tomou a arma e a meteu no etambo para a guardar. Levaram o João ao
Onjango onde o fizeram sentar ao pé do lume para que se aquecesse. Uma rapariga foi em busca
de uma galinha para o preparar o jantar do hóspede. Depois do jantar feito levaram-no ao
Onjango em dois pratos, um de pirão e outro com a carne da galinha para que ele comesse.
Depois seroaram com ele sem lhe perguntarem o que ele queria. No fim do jantar o sékulo
Sachifunga levantou-se e foi para a sua casa dormir, mandando chamar o João por uma moça,
para que ele fosse ter com ele ao seu quarto de dormir. O João foi, e quando lá chegou deram-
lhe um banco para se sentar. O Sachifunga estava sentado na cama, e a sua mulher num banco
ao lado. O sékulo tomando então a palavra, disse:
“Quanto a tu quereres matar muitas cabras do mato num dia, ao longo da noite haveremos de
fazer tudo para ver se isso vai ser possível ou não. Dependerá do sonho que irás ter durante o
sono.
Portanto, só saberemos amanhã de manhã”.
Depois levaram o João para o etambo para dormir. Quando lá chegaram com ele, estenderam
uma esteira no chão perto de um ídolo grande, onde o João teve então um sono muito profundo,
não dando conta da passagem da noite, só acordando de manhã quando uma moça lhe trouxe
uma cabacinha com água para se lavar. Depois foi ao onjango para comer pirão com a carne da
galinha. Quando acabou de comer foi chamado novamente ao quarto do sékulo e, como no dia
anterior, lá lhe deram novamente o banco para se sentar, estando também a mulher do
Sachifunga e outras pessoas mais.
O velho então disse: “Durante toda a noite fizemos todos os possíveis para que a tua intenção
seja cumprida. Tudo dependerá do sonho que tiveste esta noite. Diz-nos então o que sonhaste.
Então o João disse: “Passei toda a noite a sonhar com a minha mãe sentada em cima duma cabra
do mato”.
Perante esta declaração do João, toda a gente na audiência ficou satisfeita e em uníssono
disseram:
- Ainda bem! A tua vontade será cumprida.
Sachifunga ficou muito contente e tomando a arma descarregou-a e voltou-a a carregar com
uma nova carga. Depois deu-lhe instruções dizendo que o seu sonho vai ser realizado; “Quando
chegares perto da tua aldeia entra na mata e verás que será como sonhaste, verás a tua mãe
sentada em cima duma cabra. Assim não hesites; dispara logo contra a tua mãe, e mata-a. Dessa
maneira matarás muitas cabras e ganharás muito dinheiro.
O João saiu dali muito triste no seu coração, pois nunca mataria a sua mãe que o deu à luz e o
criou.
Pôs-se a caminho da sua aldeia, e quando chegou perto quis confirmar se de facto iria ver
mesmo a sua genitora sentada em cima de uma cabra. Viu na verdade uma cabra que observou
no mato, e em cima dela estava a sua mãe. Foi para casa, e a sua mulher quando o viu chegar
disse-lhe:
- Se foste em busca de feitiço, ele não chegará cá.
Entrou em casa todo macambúzio, encostando a sua arma na parede, e se sentou com a cara
voltada para o chão. Não esperou muito tempo, e foi logo atacado por um cazumbi que lhe
apertou o pescoço querendo matá-lo por não querer disparar contra a sua mulher. O João pediu
que o largasse e que lhe desse mais uma oportunidade, pois iria matar a sua mãe sem hesitar.
Assim o cazumbi o deixou. De noite teve mais um sonho em que viu, em vez da sua mãe, um
seu irmão que estava sentado, a quem também não queria matar. Por isso o mesmo cazumbi
apareceu novamente no momento em que estava ao pé de um fogareiro quando se aquecia.
Pegou nele e o atirou sobre o fogareiro, acabando mesmo por o matar.
As populações das aldeias vizinhas quando ouviram tudo quanto aconteceu, do falecimento do
João, ficaram penalizadas, considerando o João como um homem corajoso, como o Job da
Bíblia, e todos foram participar no seu funeral.
Depois desta história, um outro que estava sentado junto da fogueira onde eu me encontrava,
disse:
- Falando acerca de Vila Nova, faz-me recordar um acontecimento terrível que se passou
comigo quando ultimamente por lá passei. Eu era ajudante de um caixeiro-viajante, branco e
muito meu amigo. Vestíamos sempre roupa branca e percorríamos toda a Província do Huambo
fazendo propaganda das suas mercadorias. Uma vez, quando chegamos a Vila Nova, o meu
patrão quis passar ali o fim-de-semana. Era Sábado e fui procurar o meu primo que morava na
Sanzala. Recebeu-me muito bem, e no dia seguinte, que era Domingo, fomos a um alambique
(destilaria?) que estava junto a um riacho, perto de um grande acampamento da circuncisão.
Compramos aguardente e a bebemos.
Eu estava muito preocupado dado que aquele acampamento era ilegal. Os responsáveis dele
faziam emboscadas nos caminhos, e todo o homem que ali passava era exanimado para verificar
se estava circuncidado ou não. Se não estava circuncidado era logo arrastado para o
acampamento para ser circuncidado à força.
Quando estávamos na destilaria apareceu um indivíduo desse acampamento para comprar
aguardente também. Olhou-me com aquele ar desconfiado que me deixou muito satisfeito, numa
sensação de profunda ordure, aflição mental covarde, e eu disse para o meu primo: “Ó primo,
tenho muito medo de ficar aqui por perto deste acampamento, pois me poderão arrastar para lá e
me circuncidar à força.
O meu primo então me disse: “Tem calma „hardes; onde eu estiver ninguém te tocará”.
Aquele indivíduo comprou a aguardente e voltou para o acampamento. Passado não muito
tempo surgiu de lá um grupo de homens gritando: “Ochindimba ci kasi pi? (“Onde está o
incircunciso?)”
Corri para o meu primo pedindo socorro e ele me respondeu: “Aproveita esta oportunidade para
te circuncidares e verás que ficarás mais satisfeito do que seres incircunciso toda a vida”. Os
homens me agarraram, despiram-me para me examinarem confirmando que não estava
circuncidado. Pouco tempo depois de haverem-me despido, notei que a minha roupa já estava
no corpo de um deles.
Levaram-me à força para o acampamento onde então me circuncidaram. Na altura estavam
todos a dançar ao som do batuque, e os meus gritos de dor foram abafados.
Fiquei lá durante três semanas que acabei por ficar curado. Um outro companheiro de fogueira
contou ainda novo caso arrepiante:
- Todas as pessoas têm os seus dias de aflição. Eu escapei de ser comido pelos Seles quando
fugimos do contrato forçado nas grandes roças de cafezeiros do norte para onde o governo nos
mandara como contratados. Eu, mais quatro amigos meus fugimos e caminhamos a pé. Quando
passamos nas terras dos Seles, a tribo de canibais de Angola, resolvi passar uma noite em casa
do meu amigo de Seles, o qual conheci no Lobito quando éramos serventes de um outro
comerciante português. Ele me recebeu muito bem! Havia lá uma cubata em construção que já
tinha o teto coberto de capim e as paredes ainda não barreadas e sem porta. Fizeram uma
fogueira ali onde me encontrava a aquecer-me, pois era já noite. Muitas mulheres foram ao rio
em busca de algo. Arranjaram muitas folhas de bananeira.
Vi muitos homens fortes atarefados naquelas actividades, que pareciam matar o porco. Depois
levaram comida para cubata onde eu estive a comer. Era um prato de pirão feito de farinha de
mandioca e outro de conduto de lagartixas. Como a nossa tribo dos bailundos não comem estes
répteis, abri um buraco na terra e lá enterrei as lagartixas.
Passado algum tempo, apareceram naquela cubata duas crianças com pratos de comida e se
sentaram junto da fogueira a comer. Uma delas disse: “Hoje vamos comer o amigo do nosso
pai. Sabendo que o amigo do pai delas era eu, saí logo correndo para fugir. Assim que saí, vi
homens na escuridão da noite para me apanharem e me matar. Quando me viram fugir gritaram:
“Pára ai, amigo; para onde vais com esta escuridão?” E começaram a perseguir-me, tendo de me
esconder num buraco que por ali havia, onde ouvi um deles dizer: “Conseguiu fugir. Hoje bem
podíamos comer tripas de que tanto gosto!”
Passei a noite naquele buraco sem que me apanhassem. Quando amanheceu fui apresentar
queixa ao Chefe do Posto Administrativo de Seles de como eles me queriam matar e comer. O
Chefe do Posto enviou para lá muitos cipaios para os prender, a amarrados foram todos
condenados a penas pesadas.
O que pensava ser o meu amigo, afinal também era canibal.
No final da história, como eu tinha sono, resolvi deixar o serão e fui para o meu quarto dormir,
pois no outro dia iria começar uma nova etapa de trabalho, muito importante na minha vida.

INTIMIDAÇÕES, TORTURAS E ESPANCAMENTOS


No dia seguinte, logo que amanheceu, recordei o agradável serão da noite passada. Fiz o
desjejum e depois de o comer pus-me a caminho do Posto Administrativo, a fim de começar o
trabalho seriamente. Eram espancamentos muito demorados. Enquanto o cipaio dava
palmatoadas ao indígena pela frente, o chefe por detrás o chicoteava com o terrível cavalo-
marinho. O desgraçado saia dali com o corpo todo cortado com o chicote, e as mãos inchadas
das palmatoadas. Quando chegava em casa os seus familiares amargamente. Aqueciam água,
deitavam-lhe sal, e aplicavam-na nos ferimentos do corpo, com as mãos e os pés todos pisados.
Esta atitude desumana acontecia todos os dias em todos os estabelecimentos do governo;
torturar o preto sem dó nem piedade. Muitos eram espancados por não terem conseguido o
dinheiro para pagar o imposto indígena. Outros trabalhavam juntamente com portugueses e
estes também batiam por prazer e sadismo, sem que o preto tivesse cometido qualquer crime
punível por lei. No pátio do edifício do posto, poisavam a todo o instante muitas pombas, que
mal ouvissem as palmatoadas e os gritos que de dentro vinham, logo levantavam voo. De longe
ouviam-se os gritos das vitimas destes espancamentos. Até mesmo as mulheres eram
espancadas desta forma.
Mas naquele primeiro dia fiquei ainda mais chocado pelo espancamento de um rapazinho de
doze anos, que servia de criado a um comerciante português. O salário do adolescente era
apenas uma caneca de fuba e uma tabuinha de peixe seco por dia. Como tinha aparecido um
professor ambulante na sua aldeia, o gaiato resolveu deixar de ser criado para frequentar a
escola. O patrão branco ofendeu-se por esta iniciativa, e foi apresentar queixa ao Chefe do
Posto, tendo o Chefe enviado um cipaio em busca dele. Levaram-no atado para o Posto, onde
lhe arrancaram a camisa do corpo para o espancarem. O seu Pai, que o acompanhava, foi quem
lhe guardou a camisa e sem mais nada poder fazer pelo filho.
Foi então brutalmente torturado e acabou por desmaiar, deitando-lhe depois água fria para que
recuperasse os sentidos.
Ilustremos ainda com um outro caso:
Um homem já idoso, morador na aldeia de Demba, esteve muitos anos em Nova Lisboa a
trabalhar como sapateiro. Como a idade já era muita, resolveu ir para a sua aldeia para trabalhar
uns terrenos que tinha recebido por herança. Mas estes terrenos tinham sido tomados
ilicitamente por um português chamado Alfredo, fabricante de carros bóeres (carros puxados
por bois). O sapateiro foi reclamar junto do português para que os terrenos lhe fossem
devolvidos. O português ficou muito furioso, e tomando um ferro, ameaçou o pobre sapateiro de
lhe partir a cabeça. O sapateiro teve de fugir do português em fúria. O branco apresentou, por
escrito, uma queixa no Posto contra o Velho, e o Chefe o mandou prender por uns cipaios, os
quais o levaram manietado. O Chefe mandou que o despissem e aplicou-lhe um terrível
espancamento. Enquanto o cipaio o agredia com a palmatória, o Chefe cortava-lhe as costas
com o chicote. O sapateiro gritava muito alto até mais não poder, pedindo misericórdia. Uma
chicotada atingiu-lhe um dos olhos que o arrancou, deixando-o sangrar; mesmo assim a tortura
continuou, que começando às 14 horas terminou às 17. Saiu dali com o corpo todo retalhado,
sangrando, e mesmo nesse estado deram-lhe uma enxada para que fosse abrir uma vala na rua,
sem sequer lhe tratarem dos ferimentos. Quando anoiteceu foi metido na prisão sem qualquer
tratamento médico.
Em relação às cadeias, que eram inúmeras, das que existiam, algumas não mereciam este nome,
e eram só para os negros. As cadeias para os brancos só as havia nas grandes cidades e todas
com boas condições e com boas camas, boa mesa, cuja comida era fornecida pelos hotéis,
tinham boas roupas e boa assistência médica. Ao contrário das cadeias dos indígenas que eram
um inferno autêntico, não só no tratamento como na higiene. Cada estabelecimento prisional
tinha apenas um salão onde metiam juntamente homens e mulheres, e não tinham camas nem
sanitários. Os detidos dormiam no chão e faziam as necessidades numa selha conhecida por
caneco e a colocavam no centro do salão. Quando o recipiente ficava cheio de excrementos,
nomeavam dois dos detidos para fazerem os despejos. A alimentação para os presos era feita
num bidão grande, e como não havia pratos, a comida era despejada no chão, precisamente no
centro e junto à selha dos excrementos, e ai todos tinham de comer com as mãos pois não havia
colheres. Todas as manhãs entregavam enxadas aos presos onde passavam o dia a trabalhar
forçadamente nas granjas administrativas.
Qualquer branco só ia para a cadeia se cometesse algum crime, o que não acontecia com os
autóctones, e as cadeias estavam sempre cheias mas de pretos. Os crimes para condenar os
autóctones, muitos deles eram forjados, como já constatamos supra; sendo que na maior parte
das vezes o preto era condenado se não pagasse o imposto indígena, quer tivesse possibilidade
ou não de arranjar o dinheiro. Era um imposto forçado. Mas também eram detidos se se
deslocassem para qualquer lado sem uma guia. Os serventes que trabalhassem em casas
comerciais de portugueses, se fizessem qualquer reclamação sobre o que ganhassem também
iam parar nas cadeias. Muitos foram desterrados para S.Tomé onde permaneciam anos a
trabalhar nas roças do cacau. Outros eram enviados para Moçâmedes, que actualmente se chama
Namibe, e ali ficavam cinco anos em desterro. Outros iam para os cafezais, para a pesca, etc.,
sempre em regime de trabalhos forçados.
Muitas cadeias, como a do Bailundo, tinham guilhotinas, instrumentos de decapitação dos
condenados à morte. Muitos presos que nas cadeias desapareciam, certamente eram executados
nestes instrumentos de execução.
Os portugueses não respeitavam os angolanos, tratando-os sempre por tu, como se fossem
apenas servos ou escravos; não tinham quaisquer previlégios nem direitos cívicos. Qualquer
português podia espancar um indígena, e se este reagisse ia parar na cadeia ou para o desterro,
alegando o agressor que o preto queria bater no branco. Até mesmo as autoridades indígenas
tradicionais não eram respeitadas por qualquer português. Eu mesmo presenciei o espancamento
brutal que um soba recebeu por um Chefe branco de um Posto.
Soba significa rei. Cada soba costuma ser um grande proprietário de terras, tem os seus súbditos
e está sempre rodeado de outras autoridades a si subordinadas, e por isso mesmo um soba é
sempre um personagem de grande destaque na sociedade africana.
O soba que vi a ser severamente espancado pelo Chefe do Posto tinha acabado de ser
empossado pelo seu Povo. O emposse de um soba demora muitos dias e tem muito cerimonial,
onde se costumam matar bois, onde há muitas bebidas e acompanhado de muitas músicas e
danças. Aquele Soba no fim de todo aquele cerimonial, foi levado junto da Autoridade
portuguesa para ser reconhecido como tal e passar a ser o cobrador dos impostos dos
autóctones. Juntamente com os seus súbditos, chegou cedo ao posto administrativo antes mesmo
da sua abertura. Sentou-se no seu banquito de pele de boi, o seu trono, que é sempre
transportado por um moço que o acompanha para onde quer que vá. Como estava cercado dos
seus acompanhantes, não se apercebeu quando o Chefe desse Posto saiu da sua residência para
ir para o trabalho. Depois este Chefe mandou chamar aquele soba junto de si e lhe disse:
“Quando passei por ti, porque foi que te não levantaste?” – Tomou logo o chicote e o agrediu
severamente.
No meu segundo dia do trabalho naquele Posto, logo pela manhã, um português comerciante
transportou numa camioneta um grupo de cinquenta homens para serem identificados, com o
fim de irem para contrato de trabalho “voluntário”. Na altura, o governo português tinha
acabado com o trabalho forçado e estabelecido o voluntário, cujo encargo era entregue aos
comerciantes portugueses, que iam aos quimbos arrebanhar os homens para esses trabalhos. De
cada homem angariado o contratador recebia do Estado uma grande soma de dinheiro, sendo os
nativos, desta forma, considerados gente de comércio. Aquelas cinquentas pessoas foram-me
entregues a mim para eu os identificar. No fim, mandei que fizessem formatura na varanda da
secretaria para que fossem interrogados pelo Chefe que lhes perguntou:
- Para onde vão vocês trabalhar?
- Vamos para a Companhia C.A.D.A em Gambela.
- Quem vos angariou?
- Foi o Patrão António Teixeira.
- Ele vos forçou ou vão de livre vontade?
- Ele não nos forçou; vamos de livre vontade.
- Quanto é que cada um vai ganhar?
- Cada um vai ganhar por mês cem escudos (50 cêntimos) mais cinquenta (25 cêntimos) de
abono.
- O contrato é de quantos meses?
- É de doze meses.
No fim de todas estas perguntas aqueles homens foram transportados na camioneta e levados
para o local de trabalho. Durante o contrato a Companhia não pagava os salários aos
trabalhadores, mas eram depositados para no fim do contrato serem enviados para o Posto onde
foram identificados, e ai para lhes ser pago os salários e serem descontados os impostos que
passavam a ter para com o Estado, e levando apenas o que sobejasse.
O terceiro dia do meu trabalho era Sábado e só trabalhávamos da parte da manhã. Na Segunda-
feira seguinte, antes das oito horas já me encontrava no Posto, esperando que as portas se
abrissem. Foi ali que encontrei um antigo colega da escola, chamado Abel Pabassangue. Depois
de nos cumprimentarmos perguntei-lhe o motivo que ali o levava. Disse-me que ia transmitir ao
Chefe do Posto um caso passado com uma mulher da sua aldeia, pois enquanto ele trabalhava na
sua “banda” (um campo de cultivo de milho junto a um rio), nas margens do rio Cunji (um rio
que se chamava Mbaca e depois passou a ser chamado Cunji, que significa “não me conheces
pois se me conhecesses não brincarias comigo, pois tenho serpentes venenosas”). Tinha o filho
dela de seis meses deitado à sombra, perto do rio, e de repente sentiu um grito estranho de
criança. Foi junto do seu bebé, para ver o que havia sucedido. Quando ali chegou, viu já metade
do seu filho na boca de uma Epolua (serpente aquática do tamanho de uma jibóia, que dizem ser
hipnotizadora, que apanha muitas presas que estejam junto ao rio), e esta mãe quando viu o seu
filho a ser levado pelo animal (réptil), saltou para o rio em seu socorro.
Aquele dia em que me encontrei com o meu antigo companheiro, era dia de identificar os
indígenas de todos os habitantes do sobado Chango. Nesta semana identificamos quinhentas
pessoas. O objectivo desta identificação era ter todos os indígenas inscritos para o pagamento
dos impostos. Para ser identificado e ter o processo arquivado, em quatro modelos, incluindo o
cadastro, cada pessoa tinha que pagar quarenta escudos (vinte cêntimos). O modelo mais
importante era o modelo 8, o qual tinha todos os dados de cada indivíduo, como: Nome do
Indígena, Idade, Estado Civil, Profissão e Habilitação Escolar. Depois tinha um mapa com
espaços em branco para preencher o nome da mulher e a sua idade; os nomes dos filhos, datas
de nascimento e sexo de cada filho. Por último havia o mapa para descarregar os impostos a
pagar durante cinco anos. As identificações do Modelo 8 são impressos em livro para a
cobrança dos impostos, e cada indivíduo tinha uma caderneta, também com espaços vazios, para
descarregar os impostos quando estes são pagos em cada ano, mais um cartão laminado com
toda a identificação da pessoa. Tanto a caderneta como o cartão tinham fotografias. O fotógrafo
era um branco português que ganhava muito dinheiro neste trabalho, e que girava em torno de
todos os postos administrativos que havia em todo o Concelho do Bailundo.
Nos dias quinze e trinta de cada mês eram os dias em que os sobas se apresentavam no Posto,
juntamente com os sékulos, para entregar os impostos. Para facilitar o pagamento destes
impostos o Governo português terminou com os sobados, substituindo-os por regedorias e os
sobas por regedores.
Cada aldeia ou quimbo que estivesse na jurisdição de um soba, tinha um sékulo que cobrava os
impostos a todos os residentes na sua aldeia, os quais depois entregavam no Posto, juntamente
com o soba. O soba que entregasse poucos impostos era severamente castigado com cavalo-
marinho. Uma vez vi um soba ser agredido na boca pelo Chefe com a palmatória, partindo-lhe
vários dentes, só porque quando este foi fazer pagamentos lhe entregaram apenas o dinheiro de
quinze impostos.
No pagamento dos impostos, cada contribuinte recebia uma senha que lhe servia de prova de
pagamento, mas também de salvaguarda… duma grande tareia!
Os indígenas eram forçados a pagar impostos, pesadíssimos para as suas posses, sem que a sua
vida beneficiasse em nada com isto. Viviam em
palhotas e não tinham direito a energia eléctrica; não
tinham água canalizada, como todos os brancos tinham;
Linha liberal: em nenhuma aldeia existia um posto sanitário, tendo de
pcusa.org curar as suas doenças pelos curandeiros. Se por acaso
Visite também a linha um doente fosse levado a um hospital, não lhe era
conservadora: permitido ser internado com os brancos. Cada hospital
monergismo.net.br tinha quartos para brancos e quartos para pretos. Se um
Questões imperativas que o indígena morrer, mesmo pagando muitos impostos, o
Povo de D‟us mais Estado português não lhe fornecia caixão. Muitos foram
frequentemente coloca ao enterrados sem caixão como os animais, transportados
Ministro/teólogo/escoliasta num carro conhecido por etumba. Só eram enterrados
da sua Congregação cristã em caixão quem tivesse dinheiro para comprar tábuas e
hodierna: mandar fazer o caixão.
- Parte 1 | Parte 2 | Parte 3
OS ANGOLANOS DEIXAM O ESTATUTO DE
INDÍGENAS E PASSAM PARA O ESTATUTO DE
CIDADANIA PORTUGUESA
Em 1960, o Posto Administrativo do Mungo passa a
pertencer ao Concelho administrativo do Mungo.
No ano seguinte, o território vizinho do Congo Belga torna-se independente.
A independência do Congo incomodava grandemente os portugueses, devido aos maus tratos
com que tratavam os naturais angolanos, visto estarem convencidos que Angola também
procuraria a sua independência, e os povos de Angola lhes pagarão na mesma moeda com que
tratavam os angolanos.
Por esta razão, iam dizendo que Angola não se poderia tornar independente, visto ser uma
Provincia de Portugal. Um homem chamado Lumumba, sendo natural do Congo, incomodava
em muito os portugueses de Angola, e estes o consideravam terrorista.
Logo após a independência do Congo, principiou no norte de Angola uma revolta contra os
portugueses. Como estes revoltosos não tinham armas utilizavam catanas. O governo português,
para evitar que a mesma revolta se estendesse a todo o território de Angola, organizou grandes
campanhas para ver se sensibilizava os povos indígenas. Esta campanha também chegou ao
Mungo, dirigindo-se até ali numa grande coluna de viaturas, e na frente vinha um Land Rover
com um grande cartaz que dizia: “A Voz da Verdade”. Chegaram também grandes
individualidades governativas da Província de Huambo, incluindo o próprio governador.
Quando ali chegaram estava a vila do Mungo repleta de gente mobilizada para aquele
acontecimento, em especial os brancos. Depois de cantarem o hino nacional, a Portuguesa, um
indivíduo nativo, de profissão professor, chamado Diamantino, que tinha uma escola particular
nos arredores da vila, fez o discurso a favor de Portugal, e nesse discurso falou mais ou menos
nestes termos:
 “… Devemo-nos unir para defender a nossa bandeira das quinas e a sua soberania. Todos,
sem distinção de raça ou de cor, somos filhos de uma só Nação. Lutemos contra todas as
manobras do inimigo. Todo o subversor que pretendia instabilizar a nossa paz, venha de onde
vier, castiguemo-lo com veemência. Encostemo-nos ao nosso querido Portugal, defendendo-o
até à última gota de sangue. Esforcemo-nos para que a revolta começada no norte de Angola
não chegue até nós!…”
Aconteceu que após o discurso, em vez do agradecimento ao orador, este foi preso, pois o viam
como um forte adversário e outro líder contra Portugal, caso venha mesmo a independência de
Angola, pois os portugueses tencionavam exterminar todos os instruídos angolanos. Quem o
prendeu foi um agente da PIDE chamado Reis, e quando o interrogaram, eu estava perto e ouvi
parte do interrogatório, e a primeira pergunta que lhe fizeram foi: “Quantas vezes é que tu já
foste à América?” (Entre os portugueses dizia-se que os americanos é que atiçavam os
angolanos a se revoltarem contra Portugal). Depois, o capitão que dirigia aquela comitiva, pediu
que todos os brancos entrassem no salão das audiências da Câmara Municipal a fim de fazer um
esclarecimento. Eu também entrei. No seu discurso ele dizia: “Certamente já todos têm
conhecimento de que no norte de Angola os pretos se revoltaram contra nós, fazendo uma
guerra renhida querendo expulsar-nos daqui, devido aos maus-tratos que lhes temos dado.
Tanto os comerciantes como as autoridades governativas têm as suas culpas desta revolta. O
preto quando leva os seus produtos à loja, o que os comerciantes lhes dão não os compensa. Nós
temos uma vida folgada e eles vivem em miséria extrema. O governo obriga-os a pagar
impostos pesados sem lhes darem as condições de trabalho para conseguir o dinheiro.
Trabalham de sol a sol nas terras cansadas, e o que colhem não chega nem para comer. São
forçados a trabalhos sem qualquer remuneração. O que agora temos que fazer é puxá-los para o
nosso lado, acarinhando-os, para que possam ter os mesmos direitos que nós temos. Mas ao
terminar, acrescentou: “Se cá ficarmos!”
No entanto, quando me viram presente expulsaram-me dali.
No fim do mês, no Boletim Oficial trazia o Decreto em que terminava o regime de “indígenato”
e promovendo todos os angolanos à cidadania portuguesa. Todas as leis que diziam respeito aos
indígenas foram todas revogadas. A identificação indígena em que eu trabalhava também tinha
acabado, bem como o pagamento do imposto indígena. Estabeleceram outro tipo de imposto,
designado Imposto Geral Mínimo, que todos pagavam, angolanos e portugueses.
O Concelho Administrativo era gerido por um Administrador, um Secretário do Concelho, um
Chefe de Secretaria e três ou quatro escriturários. A partir daquele decreto, muitos angolanos
foram admitidos para serem funcionários públicos, o que nunca havia acontecido antes. Por este
motivo, passaram três angolanos a trabalhar na Administração do Concelho do Mungo como
escriturários, sendo o Chefe da Secretaria um cafuzo (filho de um mulato e de uma negra).
Em consequência do Estatuto de Indígena haver terminado, era necessário que cada angolano
também possuísse Bilhete de Identidade de Cidadão Nacional, pelo que chamaram a Juventude
Branca, composta por rapazes e raparigas, a trabalharem na identificação de todos os angolanos
para a obtenção desse documento, num compartimento da Administração, em que o Chefe da
Secretaria começou a relacionar-se com uma rapariga branca chamada Beth, pois estava
convencido de já não existia segregação racial. Pelo contrário, quando todos os portugueses
residentes no Mungo souberam da intenção deste relacionamento, indignaram-se todos, e
querendo aplicar medidas severas contra aquele chefe de secretaria, chamado Guimarães,
dizendo que não podia um preto casar com uma branca. Mas a moçoila era apaixonada e toda
ela decidida a continuar ligada a ele, mesmo sendo negro, e para a persuadir deste
relacionamento, todas as senhoras da vila a chamaram em particular aconselhando-a a não
prosseguir, dizendo que seria uma vergonha ela, na qualidade de uma branca, andar com um
marido preto, quando as outras andavam com marido branco. Mas ela não aceitou tais
recomendações, pois o seu desejo era possuir aquele homem como marido, pois ela já era
senhora de si, e não se preocupava com o facto de ele ser preto.
Tendo-se esgotado todas as hipóteses de persuasão, então todos os brancos da vila,
unanimemente, fecharam as suas lojas e foram à Administração do Concelho, onde trabalhava o
atrevido, para o espancar, o que não foi possível pela intervenção do Administrador. Depois
retiraram a moçoila à força dos serviços de identificação, e levaram-na e a fecharam num
quarto, forçadamente, sem permissão para sair, ficando ela a fazer tricot.
Uma amiga da moçoila, que servia de intermediária, enviava-lhe revistas com desenhos de
rendas, nas quais vinham secretamente as cartas do namorado, onde combinaram uma fuga, com
dia marcado e que fosse adequado.
Neste dia, o Chefe da Secretaria estacionou o seu carro nas traseiras da casa dos pais dela, que
tem uma pista de aviões, e enquanto os pais conversavam com um comerciante, que também
sabia do segredo, numa noite escura, ela saiu do quarto como quem ia à casa de banho, e foi ter
com o namorado que a esperava. Meteram-se no carro e começaram a fuga. Até que os pais da
moçoila dessem pela sua falta, eles já haviam percorrido uma grande distância, mas por azar, o
carro avariou. Os pais quando se aperceberam do sucesso organizaram uma perseguição, e em
três viaturas cheias de homens foram em busca dos fugitivos, tendo-os apanhado no local da
avaria.
Espancaram o homem até sangrar. A partir dai a jovem estava profanada (desonrada) e já não
servia para outro homem, e neste caso não havia outra alternativa senão levá-los à Conservatória
e realizar o casamento.
Os angolanos que trabalhavam para o governo português eram submetidos a muita pressão pelos
superiores brancos, e estavam sempre na mira da PIDE. Muitos foram desterrados para S.
Nicolau, pois os portugueses não gostavam de ver os angolanos serem funcionários públicos.
Entretanto no norte de Angola a guerra ganhava grandes proporções. Os guerrilheiros já não
utilizavam catanas mas armas automáticas, e as suas bases situavam-se fora das fronteiras.
Haviam dois movimentos principais, MPLA e FNLA, que lutavam para o mesmo fim – a
independência de Angola -, o MPLA tinha a sua base no Congo e a FNLA em Brazaville. No
momento a Unita ainda não existia.
Os portugueses da Vila de Mungo, temendo que os bailundos os atacassem, passavam as noites
na Capela Católica da vila; furavam buracos nas paredes por onde metiam os canos das armas
para se defenderem caso fossem atacados. Por seu lado os bailundos não tinham quaisquer
intenções de o fazer, mas até os ajudavam a combater contra os seus compatriotas do Norte. Iam
voluntariamente à tropa como pessoas civilizadas e já não como indígenas, como lhes diziam
ser antigamente, que nos tempos passados eram soldados descalços e os vestiam com
fardamento de caqui, composto de calção e casaco.
Os portugueses que dormiam na Capela, todas as noites, por medo prendiam as pessoas negras
civilizadas, que vestiam roupa limpa e passada a ferro, e as torturavam na Torre da Capela,
prendendo-as nas cadeias, alegando que eram essas pessoas que um dia poderiam a governar em
Angola. Os bailundos, apesar dos sofrimentos que recebiam dos portugueses, sempre se
esforçaram por defender a soberania portuguesa de Angola, que até muitas vezes vinham os
aviões com soldados bailundos mortos em combate no Norte, para serem sepultados nos seus
locais de nascimento. Havia grande carnificina, visto estes portugueses intentarem exterminar a
população negra de Angola. Todas as noites saiam esquadrões da morte para as aldeias para
matarem as populações, quando se encontrassem a dormir. Na Gabela, as autoridades
portuguesas locais, prendiam as populações das aldeias, homens, mulheres e crianças,
ordenando-lhes para fazerem filas compridas, de mãos dadas, obrigando a pessoa da frente a
colocar a sua mão num cabo eléctrico para passar o choque a toda a gente da fila. Noutras áreas
usavam aviões para lançar bombas nas aldeias. Mesmo que os bailundos não fizessem guerra
contra os lusos, mesmo assim eram constantemente incomodados e presos pela PIDE; alguns
foram mortos, e outros foram enviados para o campo de concentração de S. Nicolau, acusados
de terroristas. Neste campo havia vários meios de tortura, submetendo os presos a uma morte
lenta. Amarravam as pessoas com os braços levantados, presos em cima de uma rede, e pela
manhã e à tarde os picavam com um sabre. Isto durante dias seguidos, até que morresse
lentamente.
Havia também um forno onde queimavam os prisioneiros ainda vivos.
Os brancos viam-se tão desorientados e inseguros, que não sabiam mais o que fazer, pois em
vez de irem aos locais de combate para fazerem frente aos guerrilheiros que os combatiam,
chamados de terroristas, massacravam as populações indefesas que com eles viviam, as quais
também desconheciam o que se passava nas frentes de combate. Até os grandes batalhões de
soldados portugueses que Salazar enviava para Angola para defender as populações brancas.
Muitos dos guerrilheiros não iam para a frente dos combates por estarem fora das fronteiras, de
onde surgiam para fazer a guerra às colunas militares portuguesas, com emboscadas e outras
estratégias de guerrilha, para os atacar nas cidades e vilas.
Um Administrador já idoso fora transferido do norte de Angola para o Concelho do Mungo.
Tinha uma mão danificada pelas catanas dos revoltosos e, por vingança, descarregava a sua
raiva contra os bailundos, com uma barra de ferro. Um outro, chamado António Matoso
Quaresma, que também fora transferido para o Mungo, era um homem diabólico; espancava
diabolicamente todos quantos ele visse que poderiam vir a ser dirigentes de uma Angola
independente. Batia nas pessoas com paus ou chicote até as vítimas desmaiarem, dando-lhes
uma injecção para recuperarem os sentidos, para serem novamente espancadas. Todas as
semanas enviava viaturas cheias presos inocentes para Nova Lisboa, onde estava a cadeia da
PIDE, de onde depois seguiam para S. Nicolau.
Uma certa ocasião um grupo de sobas, que em virtude de entregarem poucos impostos,
cobrados aos seus conterrâneos, esse mesmo Administrador, refiro-me ao Quaresma, alinhou-os
no seu gabinete e os espancou brutalmente. O chão ficou todo manchado do sangue espirrado
pelos narizes dos sobas com a pancada; mandou que eles tirassem os casacos e com eles
limpassem o soalho. Ao ver toda aquela brutalidade desumana por parte do Administrador,
ganhei coragem para pedir misericórdia em nome da bandeira portuguesa, para que não
desrespeitasse desta forma estas pessoas, pois também eram autoridades tradicionais entre o
povo de Angola. A minha aitude causou-lhe uma fúria terrível contra a minha pessoa. Pegou-me
pela camisa e esbarrou-me contra as paredes, ameaçando-me com a PIDE e que me enviaria
para S. Nicolau.
A PIDE era quem mais torturava os angolanos. Todo o angolano que refilasse a um português
era logo enviado para a PIDE e seguia para o campo de concentração. Uma ocasião, um
português, de noite, foi a uma sanzala em busca de prostitutas. Bateu na porta de casa de uma
rapariga que nesse momento dormia, que ao ouvir o batimento gritou por socorro. Os homens da
sanzala acordaram, indo em seu encontro, sendo depois esse português corrido de lá. No dia
seguinte apareceu a PIDE prendendo todos os homens, que depois de torturados foram
internados no campo de prisioneiros, acusados de quererem maltratar um branco.
Em todos os concelhos da Província do Huambo só havia perseguição contra os habitantes do
Mungo, que eram inocentes. Noutros concelhos apenas prendiam os que fossem apanhados em
flagrante, lutando contra os portugueses, se de facto houvesse provas. Até o Governador da
Província de Huambo fez todos os possíveis para evitar que a revolta do Norte se estendesse às
terras do seu Governo, salvando também muitos que foram acusados falsamente das calúnias
dos lusos.
Houve um grupo de colonizadores vindos de Portugal para construírem uma auto-estrada,
conhecida por Lusodana, que ia até Lobito. Eles haviam caluniado um professor, chamado
Pedro Paulo, o qual possuía uma escola na área administrativa de Londuimbali, acusando-o de
possuir armas para atacar os portugueses da área. Foram ter com o Chefe do Posto pedindo
autorização para eliminar o dito professor. O Chefe do Posto disse-lhes que não tina
competência para uma ordem destas. Foram depois ao Bailundo contar as mesmas calúnias ao
Administrador, pedindo autorização para atacarem o docente. O Administrador ficou furioso
contra o docente, acompanhou-os à casa do acusado para saber onde tinha as ditas armas. Foram
nas viaturas até ao local, mandando que lhes fossem mostradas as armas, mas tiveram de se
calar perante o desmentido de não haver armas nenhumas.
Perante isto, o Administrador não podia ter outra atitude senão expulsá-los, mandando-os de
volta para Portugal.

PRISÃO DE QUEM TIVESSE A OTALA, TORTURAS E MORTE DE ADÚLTEROS E


DE ADIVINHAÇÃO
Tendo acabado o estatuto do indigenato, também a mesma identificação em que eu trabalhava,
estatuto que fora revogado, por este motivo passei a ser recenseador das populações. Era um
serviço enfadonho para mim, pois percorria as aldeias de bicicleta, onde tinha muita gente para
recensear.
Quando fazia este trabalho no sobado do Cunjo, reparei que havia muitas pessoas com
deficiências causadas pela otala. Uns com deficiências nos pés, outros com pernas torcidas e
muitos com falta de membros superiores ou inferiores. Perguntei porque é que estas pessoas
tinham estas incapacidades, e as pessoas a uma diziam: “É que nesta aldeia há quem tenha a
otala, o que provoca todos estes males em muita gente”.
Perguntei então que me dissessem os nomes desses tais possuidores da otala para que fossem
julgados, mas por medo ninguém quis dizer nomes temendo vingança.
Desta forma, à medida que ia fazendo o recenceamento, entregava um papelinho a cada um dos
que eram chamados, e dizia-lhes que escrevessem o nome de todos os que suspeitassem ter a
otala.
No fim do recenseamento, em todos os papéis havia apenas dois nomes suspeitos. Mandei que
essas pessoas viessem à minha presença para que fossem interrogados. Perguntei a um deles a
razão que o tem levado a fazer todo aquele mal às pessoas com a otala. Ele disse-me que não
tinha otala nenhuma, e que todas aquelas denúncias eram falsas calúnias. Então dei ordem ao
cipaio que me acompanhava para o castigar, para desta maneira o obrigar a confessar. O cipaio,
então, usou o seu cinturão e lhe bateu nas costas, até que ela confessasse. Sempre confessou, e
pedi-lhe para que ele entregasse o objecto para ser destruído, e assim não houvesse mais
vítimas. Como o não queria entregar, obriguei-o a levar-me ao local onde guardava a otala.
Pensava que me conduzisse a casa, onde fariamos uma revista, mas conduziu-nos a um alto
monte. Quando ali chegamos, levantou uma grande pedra de onde retirou a referida otala, que se
encontrava embrulhada numa pele de cabrito. Eram cabeças secas de cobras venenosas, como a
vívora, cabeças de maribondos, de abelhas, de lagartixas, de camaleões, etc., as quais torrava
com óleo de palma e depois reduzia a pó. Todo aquele que tivesse contacto com esse pó, fosse
no caminho ou colocado em qualquer objecto, logo ficava contaminado com os efeitos nefastos
dele, vindo depois a sofrer deformações físicas. Muitas vezes era colocado nos guiadores de
bicicletas, nos cabos das enxadas, nas maçanetas das portas, etc. Bastava tocar nesse pó, que é
difícil de detectar, que a pessoa ficava logo afectada no seu corpo, pois o efeito quimico penetra
no corpo até aos ossos.
Este era um tempo de grande perturbação para mim, visto que além de estar sempre na mira da
PIDE, e ter saído da Missão Evangélica, a tal mulher que me perseguia com as suas feitiçarias,
quando por lá andava, passei a sonhar novamente com ela como anteriormente, em que me
apresentava, nos sonhos, mulheres nuas, mulheres tão altas como a torre duma igreja, dum
Templo SUD ou dum minarete, e me dizia: “Eis aqui uma mulher para ti!”
Mas desta vez também me trazia uma serpente venenosa. Isto na feitiçaria africana era a
evidência de que aquela mulher só pretendia eliminar-me, pois quando ainda da minha presença
na Missão, colocava-me um cazumbi no meu caminho para ser tentado com as mulheres alheias,
o que constituia um grande perigo para mim, pois os homens bailundos, quando se tratava das
suas mulheres, são muito ciumentos. O ciúme que tem por elas tem um nome terrível, que é
“Ukuelume”.
Quanto a este ciúme que os bailundos têm pelas suas mulheres, há alguns factos verídicos que
gostaria de narrar e presenciados por mim:
Quando estive no Mungo tinha um vizinho chamado Katombela, e a sua esposa chamava-se
Anastácia.
Uma manhã apareceram ali dois irmãos de Katombela, que lhe disseram: “Ontem à noite
apanhamos a cunhada Anastácia adulterando com o António”. Katombela ao ouvir isto ficou
furioso e disse aos seus irmãos: “Konjupili lonjanga (Vão já buscá-lo) ”.
Passado algum tempo os dois irmãos traziam o tal adúltero amarrado e posto na frente de
Katombela, que ficou tão furioso que até parecia comê-lo vivo. Ajudado por os seus irmãos,
deu-lhe uma carga de pancada até ao desgraçado defecar. Depois estenderam-no no chão,
ataram-lhe as pernas com uma corda, suspendendo-o no ramo de uma árvore de cabeça para
baixo, e depois de o espancarem com um cacete até se cansarem, desceram o homem da árvore
e o estenderam novamente no chão, fazendo-o beber uma composição extraída de raízes de uma
planta chamada olondeia, para o tornar impotente sexualmente para toda a vida. Finalmente,
estenderam-no novamente no chão, tomaram uma enxada com cabo comprido, foram a uma
retrete e de lá tiraram uma porção de excrementos podres e cheios de bichos, abriram a boca do
adúltero e lhe meteram todos aqueles excrementos pela garganta a baixo.
Um pisava-lhe a garganta com o pé, para o sufocar, enquanto outro metia-lhe as fezes na boca, e
quando a boca ficava cheia o outro levantava o pé para que ele ao aspirar o ar que lhe faltava, ao
mesmo tempo tinha que engolir o que tivesse na boca. Daí o dito: “Quem mexer em saias
alheias comerá os excrementos”.
Outro caso foi de dois rapazes que tinham casado no mesmo dia e vizinhos um do outro. Um
destes casais tinha filhos e o outro não. Aconteceu que na véspera de um Natal, o que tinha
filhos foi à mata apanhar a lenha para a festa, que ficava no outro lado do rio. Quando chegou
junto do rio encontrou a mulher do vizinho, que não tinha filhos, em busca de água, à qual lhe
disse:
vejamso.com.br (Se D-us é perfeito e sabe todas as
coisas, porque é que criou a Lúcifer?; DATA:
2010-12-01 HORA: 21:05:17
NOME: Pastor cristiano
CIDADE: Sao Bernardo do Campo/São Paulo
ESTADO: São Paulo/Brasil
-Nós, que casamos juntamente convosco, já
temos três filhos, quando vocês ainda não têm COMENTÁRIO ILUSTRATIVO: “Graça e Paz
pastor/reverendo Éber, existem coisas que só cabe
nenhum. Isso é mau para nós os negros, pois os a D-us responder, mas acredito que o livre arbítrio
filhos são a nossa riqueza, e serão eles que (livre-alvedrio) nosso em comparação com o livre
tratarão de nós na velhice. arbítrio dos Anjos difere em muito, principalmente
nas consequências após o pecado, acredito por
- Então a mulher respondeu: exemplo que Lúcifer por estar com D-us, e ser um
- Temos feito tudo para resolver este problema; Anjo de confiança e consequentemente o trair com
andamos já pelos hospitais e curandeiros, mas uma terça parte do Céu, fez com que D-us achasse
que não deveriam ser perdoados, e assim
sem nenhum resultado. condenados ao lago de fogo e enxofre, (“E o
O vizinho então lhe disse: Diabo, que os enganava, foi lançado no lago de
- Pelos vistos o teu marido é que não pode dar fogo e enxofre, onde está a besta e o falso
profeta… (Apocalipse 20:10) como a Lúcifer foi
filhos! – e ela respondeu: permitido conhecer a D-us e estar sobre a mesma
- Se assim for significa que não temos solução esfera celestial acredito que por isso ele foi julgado
de maneira justa por DEUS, (“Mas o que a não
para este problema! soube, e fez coisas dignas de açoites, com poucos
Depois o outro falou: açoites será castigado. E, a qualquer que muito for
-Solução há! Vais então ficar sem filhos, se dado, muito se lhe pedirá, e ao que muito se lhe
confiou, muito mais se lhe pedirá” (Lucas 12,48)). |
existem tantos homens que te poderiam ajudar, Visão judaica:
e eu poderia um deles! Ora hoje era o dia “DATA: 2010-12-01 HORA: 20:03:27
adequado para te engravidar, e como estamos NOME: Francisco Walter
CIDADE: Natal
em dia de festa, e certamente como todas as ESTADO: Rio Grande do Norte/Brasil
pessoas vão estar entretidas durante a noite nas
danças, aí podemos aproveitar uma COMENTÁRIO: Shalom Sr. Éber! A respeito do
oportunidade de escaparmos para um lugar sem tema de hoje, creio que o fato de o único ETERNO
que alguém perceba. criar satanás só nos mostra a forte evidência da sua
UNIDADE (Isaias 45:7) em detrimento da
O homem ao dizer estas coisas, estava tentando trindade, por isso satanás não tem nenhum poder
aquela mulher para o adultério, e não sabia que sobre o crente em Yeshua (Jesus), vale lembrar
tambem que satanás nao é o nome do dito cujo.
o marido dela estava a cinco metros de Assim como o único ETERNO, satanás e o homem
distância, metido entre o capim alto, e desse também têm o poder de criar. Mas a grande
modo escutando toda a conversa e a questão do tema é : “Por que o unico ETERNO
criou satanás”? A tradição cristã nos diz que
combinação entre os dois. satanás é um anjo caido pela desobediência ao
Depois dela estar convencida, ela mesmo deu o ETERNO, a pergunta que fica é: seres celestiais
sinal que deveriam fazer para esse encontro (anjos, arcanjos, serafins) têm livre arbítrio?
Segundo a tradição judaica, o homem tem duas
proibído, dizendo: “Quando ficar escuro, esteja naturezas (terrena e divina), cremos que quando
atento ao que vou dizer ao meu marido; quando um crente fiel ao ETERNO peca, nao o faz por
lhe disser que entre em casa que a comida está causa de uma força maligna, mas porque já nasceu
com esta natureza.
na mesa, pois eu vou para o terreiro dançar. Concluimos com isto que a criação de “satanás”
Nesse momento saia da sua casa e vá ter ao serve exclusivamente como prova de que o
ETERNO é o unico D-S. (Mateus 24:36 e 43) Paz
campo onde nos haveremos de encontrar, antes e graça a todos!”
mesmo das outras pessoas lá chegarem”.
Depois de toda aquela conversa separaram-se.
A Mulher com a sua cabaça de água, e ele
seguindo para a mata.
O marido atou um molho de capim, pô-lo na cabeça e seguiu atrás da mulher, como quem não
sabia de nada. Em casa tomou o seu cnivete, Best, e pôs-se a afiá-lo com uma lima, sem que a
mulher o percebesse. Quando anoiteceu, a mulher lá lhe fez a comida e disse ao marido: “Entra
em casa que a ceia está na mesa, pois eu vou já para o campo dançar com o pessoal da aldeia.
Ela pôs-se a cantar uma canção, simulando uma dança à medida que se dirigia para o campo.
Por sua vez, o vizinho ouvindo o sinal também saiu de casa seguindo-a. O marido, então, que já
sabia de tudo, tomou o seu canivete e os seguiu à distância. Estava escuro, apenas se viam as
estrelas no céu, o suficiente para ver tudo. Depois viu quando os dois se encontraram e se
dirigiram para os lados debaixo da aldeia, um sítio com muitos eucaliptos. Debaixo de um deles
com muita ramagem, ele então lhe disse:
“Certamente que hoje vais ficar grávida. Despe o teu vestido para evitar depois teres
complicações no momento de dar à luz.
Então ela despiu-se ficando nua. Entretanto o marido dela aproximou-se pé ante pé sem que
dessem por ele, escondeu-se junto de outro eucalipto, e quando os dois já estavam praticando o
acto de adultério, saiu de onde estava e disse: “Que é que vocês estão a fazer?” – O outro
ouvindo e reconhecendo a voz do vizinho, tentou levantar-se mas nesse momento apanhou uma
navalhada nas costas que lhe atingiu os pulmões. Ainda tentou defender-se mas apanhou mais
uma facada na barriga atingindo-lhe os intestinos, depois outra facada cortou-lhe a cara,
atingindo-lhe um olho. Apanhou sete facadas. A mulher fugiu nua. Foi a casa tomar outro
vestido, começando a gritar por socorro:
“”Homens acudam! Homens acudam!” -Os homens então apareceram, e transportaram o ferido
numa tipóia para um posto sanitário, mas ele morreu pelo caminho. Este caso passou-se numa
aldeia chamada chitalela.
Num outro caso, que evidencia as consequências do ciúme dos bailundos, foi o que se passou
com um rapaz solteiro, com dezanove anos de idade, o qual vivia com os seus pais numa aldeia
nos arredores da vila de Mungo, cuja aldeia se chamava Binguilangue. Este rapaz, de todas as
vezes que sentia vontade de uma mulher, ia a uma casa vizinha onde morava um casal, entrava
sorrateiramente para dentro dela, dirigia-se ao aposento onde o homem e a mulher dormiam, e
aproveitando o sono pesado do marido, subia na cama e sem mesmo a mulher perceber que não
era o marido, fazia sexo com ela.
Depois retirava-se novamente sorrateiramente e se dirigia para a sua casa. Ela pensando que era
o seu próprio marido até lhe dava um bom "aconchego". Fez isto várias vezes sem ser apanhado.
Numa noite, o rapaz voltou a entrar naquela casa dum marido que, nessa noite, não estava
abocetado.
Estava sem pegar no sono. Quando percebeu que alguém estava no aposento, pensando que
fosse algum ladrão, saltou da cama para o apanhar, mas o moço escapou. Quando amanheceu, o
dono da casa seguiu as pegadas do ladrão, visto haver chovido durante a noite, e as marcas
conduziram-no à casa do criminoso. Falou com o Chefe da Casa no sentido de aconselhar o
filho a não voltar a fazer o mesmo, tentando roubar a sua casa.
Passados alguns dias, o rapaz voltou a entrar na casa do outro com a mesma finalidade, pois o
marido desta vez voltava a dormir pesadamente. Quando saia de cima da mulher, por
inadvertência com a sua mão tocou na cara do dormente e este acordou. Tentou fugir mas logo
foi apanhado ainda com os orgãos sexuais dependurados.
O Dono da Casa chamou por socorro, comparecendo todos os homens da aldeia. Quando
souberam o que o rapaz ali fazia, pegaram nele e lhe cortaram o pénis. Foi levado para o
hospital onde se curou, mas ficando sem o seu órgão para toda a vida. O marido traído, por ter
feito o que fez, foi condenado a alguns anos de cadeia, ainda pelas autoridades portuguesas.
Têm ocorrido muitos outros casos que levaram muitos adúlteros ao cemitério. Quanto a mim,
coisas semelhantes me esperavam.
Fiquei muito mais aflito quando fui atacado de novo pelo cazumbi, agora na forma de um
monstro com aparência de sapo. Da primeira vez que me aparecera fora de noite, mas desta vez
apareceu-me em pleno dia e na própria secretaria da Administração do Concelho; ele me trouxe
de novo a mulher da Missão. Esta visão era apenas vista por mim, e quando me encontrava ao
balcão da Administração quando atendia uma pessoa na busca de certidão de idade, visto eu
também tratar de assuntos do Registo Civil, provisoriamente, na Administração do Concelho.
De repente fiquei surpreendido com aquele monstro, que depois de me ter sacudido
violentamente, atirou comigo para o chão, onde fiquei como morto. Transportaram-me ao
hospital no carro da Administração, onde permaneci alguns dias.
Para me livrar das feitiçarias fui consultar um curandeiro feiticeiro, que depois de lhe haver
contado toda esta história, passada e presente, citando o nome da tal mulher e de como me tem
aparecido em vários sonhos, sempre me induzindo a cometer adultério com mulheres alheias, o
curandeiro disse-me então que tudo isto poderia ser suspeito, e que para se apurar a verdade era
necessário recorrer a um acto de adivinhação. Levou-me então a uma mata, e junto a um morro
de salalé (formigueiro), de onde retirou, com extrema cautela, um fragmento desse morro sem o
despedaçar. Enquanto segurava na sua mão aquele fragmento, pronunciava as palavras de
adivinhação, dizendo: "Fulana de Tal, a pessoa que aqui se encontra comigo, Fulano de Tal,
acusa-te de lhe teres enviado um cazumbi, induzindo-o a praticar adultério com mulheres
alheias. Amanhã de manhã, quando cá voltarmos para a confirmação, serás inocente se
encontrarmos este fragmento do salalé ligado com saliva no respectivo lugar do morro de onde
fora retirado. Caso o salalé não esteja no lugar então é prova de seres culpada.
Depois colocou este fragmento com cuidado no lugar de onde o havia tirado. No dia seguinte, o
curandeiro apareceu com um saco cheio de remédios tradicionais, compostos de várias raízes e
folhas de várias plantas, fervendo-os numa grande panela. Ordenou que me sentasse num banco,
colocou a panela em cima das minhas coxas, e cobriu-me com um cobertor para que eu
aspirasse o vapor impregnado da essência das raízes, acto este que em umbundu se chama
ochiyuku, o qual serve para afastar os cazumbis.
No fim de toda aquela cena, paguei ao curandeiro com muita boa vontade, contando às pessoas
que já estaria livre de toda aquela perseguição de cazumbis vindos da mulher da Missão, mas
infelizmente no dia seguinte, para meu desgosto, o curandeiro apareceu-me para me dizer que
havia passado toda a noite a sonhar com a referida mulher, em que ela lhe dizia que não
impedisse os cazumbis de me perseguir que ela metia em mim, incitando-me à prostituição para
a minha condenação à morte.

TERRÍVEIS CONSEQUÊNCIAS PARA MIM


Com o aparecimento em sonhos da mulher da Missão ao curandeiro, ameaçando-o com duras
ameaças de morte para ele, caso ele prosseguisse na expulsão dos cazumbis que ela me enviara
para violar mulheres alheias, fez com que ele deixasse de me curar, o que me afligiu bastante,
pois andava sempre com medo de ser atacado por este terrível monstro. Neste sentido, resolvi
ceder, e fazer o que a feiticeira queria de mim, isto é, violar as mulheres que me surgissem para
ver se me livraria dela.
Uma ocasião de noite, como não tinha comida em casa, fui à casa de uma mulata chamada
Albertina que vivia na sanzala e vendia comida; ali encontrei uma mulher muito bonita, que
impedia uma fé arminiana de permanecer (já bem afectada pelo recurso à feitiçaria; daí a
importância da emergência do serviço pentecostal, de cura e libertação, para limitar o recurso ao
universo ocultista) acendrada; o seu nome era Raquel, casada com um branco. Logo que a vi,
apoderou-se de mim o cazumbi da prostituição, e comecei a tentá-la, dizendo-lhe que fosse
passar aquela noite comigo, prometendo-lhe uma boa soma de dinheiro, ao que ela logo
concordou.
Foi o pior que podia ter feito na minha vida, pois a partir desse dia o cazumbi passou a
permanecer em mim e me tornou o seu escravo. Passava o tempo todo a procurar mulheres
alheias, vindo muitas outras se me oferecerem voluntariamente. Quando as mulheres não
cediam à minha vontade, empregava a força. Quando isto me acontecia, o cazumbi ganhava
cada mais força em mim, começando a sofrer grandes e terríveis consequências, com
espancamentos dos homens delas e pagamento de pesadas multas à justiça, e tudo quanto
ganhava ia quase todo para as mulheres; também era fortemente desconsiderado por toda a
gente, sofrendo ainda de muitas doenças venéreas, etc.
A primeira desavença tive-a com o soba chamado Tito do sobado de Erimbondo, tio da tal
Raquel, que me obrigou a pagar uma multa muito pesada, que tive que pagar com dinheiro de
alguns meses de salário.
Depois de ter pago ao soba, um dia passei numa rua da vila do Mungo, entre muita gente, para
ver se me esquecia das agruras da vida. De repente senti que alguém me empurrava fortemente e
me fez cair no chão, ao mesmo tempo que me dizia: "Este maldito gajo fornicou com a minha
prima Raquel".
Quando me levantei, segurou-me pela camisa e deu-me um soco na boca que me deixou a
sangrar e voltando a dizer: "Este malvado finge-se de cristão, mas é um lobo vestido com pele
de ovelha; o que ele merecia era apanhar uma grande surra." -Fiquei logo todo envergonhado
perante aquele tratamento perante toda a gente que ali se aglomerara à minha volta.
Entretanto os sonhos com aquela mulher redobravam. Às vezes tinha visões em que ela me
trazia mulheres.
Um dia tive o prazer de alguém me convidar para uma festa de casamento. Vi que a noiva era
muito bonita. Passados alguns dias encontrei-me com ela numa rua do Mungo. Como ela vinha
só, logo a tentei. Ela concordou e disse-me que lhe aparecesse de noite fora de horas na sua
casa, pois o marido tinha-se ausentado para o Andulo, em viagem de negócios. Peguei numa
nota de mil escudos (cinco euros) e lha entreguei. Quando anoiteceu, esperei até altas horas da
noite, vesti um sobretudo, comprado nos fardos, e fui de bicicleta a caminho do perigo. Não fui
pela estrada para não ser visto por alguém, mas segui por um atalho, dando uma volta muito
maior. Quando cheguei perto da aldeia da moça, guardei a bicicleta nuns arbustos e segui a pé,
seguindo o atalho que me levou a um cemitério, ficando assustado quando me deparei com
muitas cruzes das sepulturas, saíndo de lá a toda a pressa. Desviei-me para uma picada que
conduzia a outra aldeia vizinha. Quando ali cheguei, como era fora de horas, uns homens
sentiram-me e gritaram: "O ladrão das galinhas veio; vamos em sua perseguição e chamando
pelos cães". -Fugi correndo, e ouvi um ruído de uma flecha arremessada contra mim que caiu ao
meu lado. Eles corriam com os cães em minha perseguição. Em frente havia um riacho que
tinha uma ponte de dois paus. Atravessei-a e desliguei um dos paus da margem para evitar que
os cães a atravessassem, e de seguida trepei numa pequena árvore que ali havia. Os cães quando
chegaram junto da ponte, pararam; um deles que parou resolveu entrar em acção de imediato e
seguiu para baixo e para cima do rio, motivando os outros. Mas como não havia ponte, voltaram
para trás. Entretanto chegaram os homens e um deles disse: "O gajo conseguiu fugir; voltemos
para trás". E se retiraram.
Desci da árvore e dirigi-me para casa da Josefina já sem qualquer vontade de mulher. Quando lá
cheguei bati à porta, ouvindo-me ela de dentro, ainda em trajes menores, pois estava deitada,
levantou-se da cama, acendeu um candeeiro, abriu a porta e eu entrei.
... Dirigiu a mim com um tição na mão e disse-me em português: "Vou queimar-te também". -
Levantei-me a voar para fugir, e fui poisar em cima de um outeiro. Assim que pousei os pés no
chão, apareceram muitos porcos com as bocas abertas, querendo morder-me nas pernas. Para
escapar tive que subir acima de um pedregulho onde os porcos não chegavam. Depois apareceu
um grupo de bodes que vieram até mim e me davam marradas com os chifres, mas que não me
atingiam, porque estava em cima de pedregulho. Depois apareceu o jovem que tinha lançado no
fogo com o mesmo tição para me queimar, e foi assim que despertei do sonho. Olhei o relógio e
eram vinte e uma horas e trinta minutos.
Aquele sonho deixou-me muito triste, visto eu estar em vias de me suicidar, o que para mim
significava o inferno, e por isso desisti de o praticar. Tornei a adormecer, e em visões vi a
mulher feiticeira trazendo-me muitas mulheres nuas, o que transtornava o meu coração, e não
me largando. Quando me largou o sono foi tão profundo que não ouvi o toque do despertador, e
por isso só acordei de manhã já de dia. Ela tinha deixado um demónio em mim, pois quando sai
para o trabalho encontrei-me no caminho com um português, funcionário da Câmara municipal,
juntamente com outro, e me disseagressivamente: "Ó seu filho da puta, então andas a fornicar
com a minha mulher?" -E tendo dito tal vernáculo, os dois cairam sobre mim e espancaram-me
com o objectivo quase certo de provocar uma acensão em mim, levando-me depois ao tribunal.
Como não havia provas nem testemunhas desta acusação, fiquei absolvido, pois aquela senhora,
uma branca, mantinha as nossas relações muito em segredo, e como ela me enviava comida, foi
por isso que o marido veio a saber destas nossas relações take away.
Na tarde desse mesmo dia, um mensageiro vindo do Bailundo numa motorizada, apareceu para
me informar dum grave acontecimento passado com a minha família. Eu vivia no Mungo e a
minha mulher no Bailundo trabalhando como professora da Escola Doméstica da Missão
Evangélica do Bailundo. Ali me deslocava todos os fins-de-semana para estar com ela.
Depois do Administrador ter-me dado permissão para me deslocar ao Bailundo para saber do
que se trataria, tomei a minha motorizada e me pus ao caminho. Quando lá cheguei, deparei-me
com um caso muito ruim para mim; fui informado que dois indivíduos fornicavam com a minha
mulher na minha ausência, e numa certa noite, por coincidência, se juntaram os dois na minha
casa. Um chamava-seFernando Epalanga, era o Director da Escola Primária da Missão, e o
outro chamava-se Ângelo, Diácono e Tesoureiro da Igreja. O adúltero Fernando, vendo que a
mulher com quem andava afinal tinha mais outro amante, ficou zangado, e por motivos de
ciúme espancou até adolorar o Diácono Ângelo, fazendo-lhe um grande ferimento na cabeça.
Depois arremessou a sua bicicleta para um buraco que ali havia junto à minha casa e
desapareceu.
Quanto ao Ângelo resolveu ir a um enfermeiro que morava longe para tratar do seu ferimento e
para que ninguém soubesse do sucesso (acontecimento). Por isso não foi para a sua casa. A sua
mulher esperou por ele toda a noite sem que o marido aparecesse. Quando amanheceu foi à
polícia dar parte do desaparecimento do marido. A polícia, sabendo que se tratava do Tesoureiro
da Igreja suspeitou que ele se fosse encontrar com os movimentos que lutavam contra os
portugueses para lhes levar o dinheiro da tesouraria da Igreja a que pertencia. O caso foi então
parar à PIDE, que dizia querer o Ângelo vivo ou morto.
Por este motivo todas as actividades da vila paralisaram. Todas as lojas estavam fechadas bem
como a própria Escola Técnica que tinha cerca de mil alunos. Todos foram em busca do
desaparecido.
Buscaram em toda a parte e quando passaram por a minha casa encontraram a bicicleta que o
Fernando tinha arremessado no tal buraco. A PIDE quis saber de quem era a casa onde a
bicicleta fora encontrada. Informaram que o Chefe da casa trabalhava no Mungo como
funcionário, e a mulher dava aulas na Escola Doméstica da Missão Protestante. Foram então à
referida Escola e prenderam a minha mulher que foi julgada. Quando o Diácono apareceu
voluntariamente, então por ordenação do tribunal, ele então contou como as coisas se haviam
passado. Mas não acreditaram no que ele dizia e por esse motivo também ele foi preso e
desterrado para o campo de concentração de S. Nicolau, com a acusação de ter levado dinheiro
aos movimentos que lutavam contra os portugueses.
Quanto ao que eu fiz nesta ida não merece ser narrado por um abestalhado possesso e
compulsivo. Este é o Romance dos actos arminianos do Irmão Armando e dos bailundos e não o
romance dos actos do diabo. Tenho dito.

NUMA ALDEIA CHAMADA LUVEMBA


Numa aldeia chamada Luvemba havia um grande centro escolar com cerca de mil alunos e
muitos professores, cujo director se chamava Vasco. Na mesma aldeia havia também uma
rapariga chamada Mariana, que após o seu casamento o governo português mandou o seu
marido para o contrato forçado, deixando dessa forma a sua mulher só e no desamparo.
Aconteceu que o Vasco um dia encontrou-se com a Mariana e a seduziu. Quando ele estava a
tentar a rapariga, ela lhe disse: "O senhor Director está a falar a falar a sério ou está a brincar
comigo, sabendo que sou casada?"
Ele lhe afirmou que era sério porque gostava muito dela. Ela então lhe respondeu: "Se me deres
dois mil escudos (dez euros), eu aceito e prometo guardar segredo".
Depois do Vasco dizer que estava disposto a dar-lhe o dinheiro que ela pedira, ela se deu por
convencida e o trato ficou feito. A Mariana perguntou onde seria o ponto de encontro, e ele
disse:
-Amanhã, Sábado, podemos encontrar-nos lá na congregação antes do culto nocturno das 20
horas.
No Shabbat, então conforme o combinado, o Vasco sempre foi ao encontro da Mariana. Quando
chegou ao local viu que ela já lá estava. A Mariana começou por lhe dizer: "Dá-me já o dinheiro
enquanto é cedo". O Vasco lá lhe entregou os dois mil escudos que ela guardou, não que sem
antes conferisse se o dinheiro estava certo. Ela meteu-o num bolso do vestido e fechou com um
alfinete, e disse depois: "Vamos já entrar na Igreja para o diabo entrar nos infernos, antes que
chegue gente para o culto". Ela foi na frente e ele atrás.
Já dentro da Igreja a Mariana disse: "Mas o senhor Director vai servir-se de mim deitada no
chão de terra batida sem pelo menos pôr uma esteira? Peço-lhe para estender o seu casaco no
chão". O Vasco lá despiu o seu casaco e o estendeu no chão. Ela disse depois: "O casaco só me
resguarda da cintura para cima; ora onde está o elemento que o senhor tanto deseja vou estendê-
lo no chão? Despe as calças e põe-as abaixo do casaco". Ele assim o fez, ficando só com as
cuecas e a camisa. Mas a Mariana voltou a insistir: "Ora eu, que tratei o meu cabelo com óleo de
palma seria mau colocar a cabeça no chão de terra. Tira então a camisa e as cuecas para fazer
um travesseiro p'rá cabeça!" -O que de imediato ele fez.
Quando ela viu que estava completamente nú, tossiu, o que era um sinal combinado, e logo
surgiram três indivíduos, seus cunhados, irmãos do seu marido, os quais estavam debaixo dos
bancos do templo, que gritaram dizendo: "Ó senhor Director, o que é que está a fazer com a
mulher alheia?"
Pegaram nele e o espancaram severamente. Arrastaram-no para fora do templo e o amarraram
no tronco de uma laranjeira com uma corda que já tinham guardado para o efeito, espancando-o
mais ainda à paulada. Depois apareceram as pessoas para o culto, que quando o viram naquela
cena tão triste, uns o insultavam e outros lhe davam punhadas e cuspindo-lhe na cara. Como ali
havia palha seca queimaram-lhe a roupa. Passou toda a noite amarrado na laranjeira. No dia
seguinte, Dominga, por volta das noves horas da manhã o sineiro tocou o sino para o culto;
compadeceu-se do Director e o desprendeu da árvore. Como não tinha roupa para se cobrir, teve
que sair dali nú e foi para a sua casa que ainda ficava distante. Teve que cruzar-se no caminho
com muitas pessoas que se dirigiam para a congregação, e todos que por ele passavam o
insultavam e o socavam. Por este motivo ficou ainda mais manchado com nódoas negras no
corpo, indo depois para Nova Lisboa onde se empregou no CFB (Caminhos de Ferro de
Benguela) como telefonista.
Por causa de uma mulher três indivíduos me espancaram até perder os sentidos, e no dia
seguinte a PIDE tortura-me até sangrar.
Como no concelho do Mungo não havia Conservatória, o Registo Civil funcionava numa
dependência da Administração, cujo oficial era o Secretário do Concelho, trabalhando eu
também nesse lugar.
Uma vez apareceram uns noivos para casarem civilmente, sendo a noiva muito bonita à vista.
Um dia tomei a minha caçadeira e fui à caça aos patos junto ao rio Luvulo. Passei numa
nascente de água potável, onde as pessoas se abasteciam, encontrando lá a tal noiva que já era a
mulher, que tinha visto no Registo Civil, tirando água.
Quando os meus olhos deram nela, o cazumbi, vindo da mulher da Missão, apoderou-se de
mim, e apesar de saber que era casada e com marido no activo, logo fui tentado a seduzi-la em
adultério. Com poucas palavras ela se deixou convencer, e disse-me que não era conveniente
praticar o conhecer das Escrituras naquele momento, para não sermos vistos por alguém que por
ali andasse e nos observasse em oculto. Citou até um apotegma vox pop, dizendo em umbundu:
"Nda o kasi vusenge ku ka lipundole; oviti momanu", cuja tradução para o português quer dizer:
"Se estiveres numa mata não te desnudes; as árvores são pessoas". Disse-me ainda, como o
marido dela se tinha ausentado para um funeral de um primo, onde devia passar a noite, era uma
boa ocasião para eu ir à sua casa quando já for noite, para não dar muito nas vistas das pessoas.
Depois de termos combinado o encontro, ela tomou a sua cabacinha com a água e seguiu. Eu
fiquei à espera da noite e que ela me viesse buscar. Quando anoiteceu, ela sempre apareceu com
o jantar, que era um prato de pirão com churrasco de galinha. Depois de termos comido, ela me
levou para a sua casa. De facto o marido não se encontrava lá. Fez-me entrar na sua cubata, feita
de adobes e coberta de capim. Tinha dois quartitos; um era a cozinha e sala de estar, outro era o
quarto de dormir. O lume estava no chão, no centro e em volta, e onde estavam os utensílios da
cozinha. Meteu-me no quarto de dormir, onde havia uma pequena cama de madeira, sem
colchão, apenas com uma esteira e um cobertor sujo. Na parede havia uma corda pendurada em
dois pregos, onde havia roupa suja também. Era tudo muito repugnante à minha vista.
Sentei-me naquela caminha, e ela estava a tratar de algumas coisas relacionadas com a cozinha.
Para mim tudo aquilo significava um grande perigo devido ao já mencionado e ilustrado grande
ciúme do marido bailundo.
Num instante apanhei um grande susto, ao ouvir lá de fora um "Até amanhã" em português. Era
a chegado do marido despedindo-se dum companheiro. Apanhei um calafrio, que me deixou
transtornado, pois não havia meio de me escapar de tão grande perigo. O quarto tinha apenas um
buraco que servia de janela para o exterior, por onde eu não podia passar. Depois do marido se
ter despedido do companheiro, entrou na cozinha, dando um beijo na sua mulher e se sentou
num banquito junto ao lume. E eu metido no quarto cheio de medo, já esperando que fosse este
o meu fim ditado pelo cazumbi. Depois a mulher disse-lhe assim: "Sempre pensei que ias passar
a noite no local do funeral".
-Não querida, não posso passar uma noite sem ti! -Respondeu ele.
A mulher com muita calma, à medida que rachava lenha e a colocava no lume, disse-lhe:
"Esteve cá há pouco tempo o Rodrino (empregado do ICA de Angola) perguntando por ti; ele
trazia umas garrafas com cabeças brancas. Devem ser bebidas!
-Ah! Sim! -Exclamou o marido. Deve ter recebido o seu salário; ele quando recebe compra
sempre vinho. Deixa-me ir lá ter com ele enquanto é cedo. -Acrescentou o marido no activo.
Levantou-se na escuridão indo para a casa do Rodrino. Foi o que me safou naquele momento.
A mulher ainda esperou algum tempo mais, e chamando-me para que saísse dizendo: "Não te
desanimes; podemos marcar outro encontro. Aparece um pouco fora de hora, depois de amanhã,
que é Sábado, dia em o meu marido passa a noite como guarda na padaria do senhor Dimas.
Podemos encontrar-nos junto à Igreja. Tento tudo combinado, meti-me ao caminho e segui para
casa.
Quando chegou o dia do novo encontro, já bastante de noite, lá segui para o grande perigo. Fui
directamente ter à Igreja (Católica) onde a moça tinha sugerido o meu encontro com ela. Mas
ela não apareceu, pois não há segredo que não se descubra. Desconheço como tudo isto veio a
ser descoberto.
Aconteceu que o marido daquela mulher, tendo conhecimento do combinado, naquela noite já
não foi à padaria. Arranjou dois dos seus irmãos e me fizeram uma emboscada. Quando eu
procurava a mulher, repentinamente fui cercado por três operacionais aptos a combater em favor
da cavalaria.
Temos, pois, a minha cavalaria (ego) dentro da infantaria (corpo externo desarmado), porque a
cavalaria (egos feridos) do clan era apoiada pela infantaria munida de paus. Recebo a mensagem
do inimigo ferido (chifrado) mas agarrado à bandeira da sua casa: "Tu que fornicaste com a
minha mulher na minha cama e dentro da minha casa (penso eu, o sátiro: maldito cazumbi
espalhador de boatos infundados!), hoje vamos dar-te uma lição. Não julgues que não sei de
tudo quanto tens feito com ela a partir da fonte da água".
Agarrou-se ao meu casaco, passou-me uma rasteira e caí no chão. Apertou-me a garganta com
força, enquanto os seus band of brothers batiam-me com os chifres (paus especiais para estes
momentos, estou a ironizar em dores!!). Como eu estava sufocado, tentei levantar-me, mas
entretanto recebi uma cacetada na cabeça que me deixou desacordado. Os torturantes, pensando
que tivesse morrido, foram em busca de água, pelo sim pelo não, para despejar em mim, para
ver se eu recuperava os sentidos. Depois deixaram-me abandonado, fiquei estendido no chão, e
foram-se embora.
Tendo passado algumas horas em terra de ninguém, recuperei os sentidos perdidos no Registo
Civil do dia da cerimónia civil. Levantei-me e estava todo molhado. Fui para a minha casa, e
quando lá cheguei lavei todas as minhas feridas com água quente e salgada. Na cabeça tinha um
grande inchaço, precisamente no local da pancada com os cacetes.
No dia seguinte era Dominga, em que o passei todo a dormir e a tratar dos ferimentos. Na
segunda-feira fui para o trabalho, e como ainda tinha coágulos de sangue nos olhos e o inchaço
na cabeça, na Administração perguntaram-me o que me havia acontecido, e me desculpei
dizendo que tinha dado um tombo com uma bicicleta motorizada. Da parte da tarde, havia muito
trabalho na secretaria, e só saímos do trabalho quando era já noite. Fui para casa para continuar
o tratamento dos ferimentos das torturas.
De repente ouvi fora o ruído de uma bicicleta; era o cipaio Pedro Kambuala que vinha dizer-me
que o administrador me chamava. Perguntei-lhe o que tinha acontecido na Administração para
que necessitassem de mim. Disse-me que estavam lá uns agentes da PIDE que me queriam falar;
talvez seja para lhes indicar o caminho do sobado Nele.
Para chegar mais depressa pedi emprestada a bicicleta ao cipaio. Quando lá cheguei, o
Administrador e o secretário sairam apressadamente com o Land Rover e desapareceram. Fiquei
eu só com os agentes da PIDE. Um deles, o Reis, era o carrasco que matava muita gente
inocente, principalmente os mais civilizados. Todo o indivíduo que ele soubesse que vestia
roupa limpa e passada a ferro, logo o prendia, e dizia sempre: "Este é um dos tais". -De seguida
arranjava-lhe uma falsa acusação.
Eles então levaram-me para dentro da secretaria da Câmara e me mandaram sentar. Colocaram
as pastas em cima da mesa, e o carrasco do Reis tomou um papel para escrever a minha
identificação.
Quando eles o faziam, eu pensava para comigo: "Estes gajos são tão zelosos, que para lhes
indicar um caminho tinham que me identificar". Mas estava enganado. Mal eu sabia o que a
seguir me iria acontecer.
No fim da identificação, então, o mesmo carrasco olhou para mim e disse-me: "Vou fazer-te
algumas perguntas, e se me mentires vou matar-te de porrada". Virou-se para o lado dos papéis,
como que buscando alguma coisa.
Nesses breves momentos, procurei lembrar-me se haveria cometido algum crime contra o
Estado Português, mas não deduzi nada que houvesse feito digno de castigo. Depois disse-me:
- Conheces o Domingos?
- Sim, conheço! -Respondi eu. Ali começava o interrogatório, perguntando depois:
- Quem são os teus amigos? -Era a primeira pergunta do Reis.
- O senhor é um dos meus amigos! -Respondi.
- Eu sei que sou teu amigo, mas refiro-me àqueles teus amigos que se juntam contigo para
escutar programas subversivos na rádio (referia-se a programas transmitidos do Congo, onde
estavam sedeados os movimentos terroristas) contra o Estado Português.
Eu disse que não tinha rádio, e ele me respondeu:
- Se não tens rádio é provável que costumes reunir-te com os outros na casa do Domingos, para
escutar esses programas subversivos que vos incitam contra os brancos. Costumas ir de
motorizada às aldeias, não é para incitar os povos à rebelião contra os brancos?
- O senhor fala à toa. Isso que está a dizer sabe muito bem, em consciência, que é tudo mentira,
pois não têm provas disso.
Dito isto, os dois se levantaram e me agrediram brutalmente. Batiam-me contra as paredes,
deitavam-me ao chão dando-me pontapés na barriga. Quando se cansavam de me bater, faziam-
me novas perguntas para me espancarem novamente. Como eu deitava muito sangue pela boca e
narinas, e o chão já estava sujo de muito sangue, obrigaram-me a tirar o casaco para com ele
limpar o chão. No fim das torturas, sempre me largaram e me deixaram ir para casa.
Quem me tinha acusado falsamente à PIDE foi o Administrador com quem trabalhei, chamado
António Matoso Quaresma, que era um verdadeiro carrasco, pois tinha contribuido para o
desaparecimento de muitos angolanos.
No dia seguinte, quando voltamos ao trabalho, um escriturário português, chamado Luís, disse-
me que em Portugal havia rebentado uma revolução liderada pelo General António de Spínola,
o qual derrubou o governo fascista e religioso de Salazar, e a PIDE desmantelou-se. Por este
motivo as guerras coloniais irão terminar.

O 25 DE ABRIL, A INDEPENDÊNCIA DE ANGOLA E A GUERRA CIVIL


O golpe de estado em Portugal, feito por um grupo de oficiais, conhecidos por os "Capitães de
Abril" e depois liderado pelo General António de Spínola, como Chefe de Estado, pôs termo às
guerras coloniais e desmantelou a PIDE. Devido a este sucesso (evento revolucionário), os
movimentos que lutavam pela independência de angola, todos eles regressaram do Congo. Eram
três os movimentos:
MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola), liderado por Agostinho Neto; FNLA
(Frente Nacional de Libertação de Angola), liderado por Holden Roberto, e a UNITA (União
Nacional para a Independência Total de Angola), liderada por Jonas Malheiro Savimbi (vide
wikipedia.org/wiki/jonas_Savimbi), que cultivou um relacionamento estreito com a clerezia
protestante conservadora e fundamentalista de direita estadunidense e com a Igreja
Congregacional (lusotopie.sciencespobordeaux.schubert.pdf).
Estes sucessos (eventos) afligiam muitos portugueses, pois estavam certos de que os angolanos
haveriam de se vingar das atrocidades que deles recebiam diariamente. Por tudo isto os
angolanos citavam o provérbio "Omu ya pitile limo, haimo iya yi pita lamola", o que significa
em português "Poronde passara com a gravidez, tornará a passar com o filho". É um provérbio
que tem o mesmo sentido de "Pagar com a mesma moeda".
Foi a partir daqui que começou a confusão, e a começar a reinar o desassossego para os
portugueses presentes em Angola, mas também o princípio da instabilidade e desentendimento
entre os angolanos, divididos que estavam nos três grupos de guerrilheiros, com interesses
ideológicos antagónicos. Os carros dos portugueses eram mal tratados nas ruas e nas estradas, e
quem reagisse era espancado. Até o carro do Administrador do concelho do Mungo foi mal
tratado. As lojas foram saqueadas e os proprietários espancados. O poder dos portugueses havia
terminado. Muitos deles eram mortos indiscriminadamente nas ruas, nas residências, etc. Um
angolano entrou numa loja de um comerciante português, chamado Real, e pediu um litro de
vinho. Quando o comerciante pediu que lhe pagasse, o angolano que ali fora já com a intenção
de provocar, fez-se de muito irritado e insultou o português.
Repentinamente, um grande grupo de homens e mulheres invadiram a loja e pilharam tudo o
que lá havia. O lojista vendo aquela cena tão ignóbil, foi em busca de uma caçadeira e disparou
contra os saqueadores, chegando mesmo a matar alguns.
Entretanto os líderes dos movimentos de libertação entraram em acordo com Portugal para
tratarem de negociar a descolonização da colónia, conversações previstas e realizadas no Alvor,
do qual a independência de Angola foi estabelecida para 11 de Novembro de 1975.
Depois deste acordo os três movimentos ainda se entenderam por algum tempo, fazendo
campanhas de sensibilização entre as populações. Nas tribunas, ainda juntos, falava primeiro o
MPLA, depois a FNLA e em último a UNITA. Faziam assim em todas as tribunas. Todos
falavam no sentido de se fazerem as eleições, para que cada cidadão escolhesse livremente o
líder para governar o país.
Infelizmente, quando tudo parecia ir no bom caminho, o MPLA lança na rádio um programa
chamado "Kundipanguela", totalmente hostil para a FNLA e a UNITA. Era o princípio da
guerra civil em Angola, a qual viria a dizimar milhares de vidas.
Num Shabbat (Sábado), a vila do Bailundo ficou repleta de pessoas que faziam a sua vida
normal, com compreas e vendas do dia-a-dia. Todos os estabelecimentos estavam a abarrotar de
gente, bem como as ruas. Repentinamente surgiu uma carrinha de caixa aberta em que um
branco deu um brado de guerra. Toda a gente entrou em pânico. Muitos deixaram as suas
compras em cima dos balcões das lojas para fugir. No espaço de pouco tempo, a vila ficou
deserta. Eu fugi no lado oposto à nossa residência, mas voltei para trás, atravessando a vila em
que havia guerra.
Quando estava em frente ao edifício dos Correios, surgiram três viaturas carregadas de
militares, armados até aos dentes. Era um carro de cada movimento. Fiquei aflito, pois se se
confrontassem naquele momento, eu não escaparia. Era a FNLA e a UNITA contra o MPLA.
Estes dois guerreavam o MPLA por ser de ideologia comunista, dizendo que não queriam o
comunismo em Angola. Naquele recontro dos três movimentos, quem falou primeiro foi o
Comandante do MPLA, chamado Vilinga.
Queria expressar-se em português, mas como não sabia bem o português falou em umbundu,
citando o apotegma que diz: "Ene akuatu wa tu yombe-keli okanyoha vombenge", que quer
dizer "Camaradas, vocês esconderam-nos uma cobrinha na cabeça" (Traição Secreta).
Depois continuou: "Nós fomos à mata apanhar lenha, e quando voltamos soubemos da cilada
que os camaradas nos armaram, de quererem guerrear contra nós. Em toda a parte, para se fazer
uma guerra é necessário que essa guerra seja declarada, e nós não sabiamos de nada. Se somos
todos filhos de Angola, e alcançamos já a independência, que ganhamos em fazer a guerra,
matando-nos uns aos outros? Se alguma situação não correr bem, devemos conversar".
Entretanto eu saí daquele lugar e fui até a uma rotunda da vila onde me sentei para observar os
movimentos militares. Vi passar viaturas das FAPLAS com soldados do MPLA, que se
dirigiram para o quilómetro 5. De tarde, quando regressaram ouvimos um grande tiroteio, pois
tinha caído numa emboscada que o FNLA lhes armara, matando dezoito soldados das FAPLAS.
Na noite daquele mesmo dia houve um grande tiroteio na vila do Bailundo, em que a FNLA e a
UNITA escorraçaram o MPLA. Depois todo o sul de Angola passava a ser dominado pelos dois
movimentos, que entretanto ainda se entendiam.
No Mungo, o responsável da Unita queimou a bandeira do MPLA.
Iam também passando constantemente aviões que transportavam os portugueses para Portugal,
fugindo ao desespero e deixando todos os seus haveres, que imediatamente eram saqueados.
Passado algum tempo a UNITA e a FNLA desentenderam-se e começaram a fazer a guerra uma
contra a outra, tendo depois a UNITA escorraçado o FNLA, ficando ela só a dominar todo o sul
de Angola.
Foi o Presidente Savimbi quem presidiu às cerimónias da Independência no Huambo no mesmo
dia 11 de Novembro.
Estava determinado que no Dia da Declaração da Independência, no Huambo, as bandeiras de
Portugal e da UNITA desfraldassem juntas, e quando a bandeira de Portugal descesse a da
UNITA fosse içada simultâneamente, mas aconteceu que nesse dia não haviam portugueses
presentes para cantar o hino de Portugal, sendo este entoado por angolanos.
Depois de declarada a independência começou a sério a guerra fraticida entre angolanos, em
luta pelo poder.
O MPLA era apoiado pela Rússia e a UNITA pela África do Sul e América, que na altura
ocupava todas as cidades e vilas do sul de angola.
O MPLA contratou com Fidel Castro o envio de sessenta mil cubanos para lutarem contra os
outros dois movimentos rivais, e avançaram para o sul com blindados (tanques) carregados de
armamento pesado e com aviões Migs. O Presidente da Unita ordenou às suas tropas para
abandonarem todos os lugares e se introduzissem nas matas, e assim utilizarem a guerra de
guerrilha. Os militares da UNITA que estavam acantonados no Mungo não receberam esta
mensagam atempadamente, e quando ali chegaram os cubanos com 18 blindados (tanques) de
guerra os militares da UNITA resistiram-lhes por algum tempo, mas tiveram mesmo que desistir
e escaparem de qualquer maneira.
Quando os cubanos chegaram ao Mungo, a primeira coisa que fizeram foi procurar o indivíduo
que tinha queimado a bandeira do MPLA, chamado Artur Chilesso. Foram a sua casa, mas ele já
havia desaparecido de lá. Saquearam-lhe a casa, e entregaram os bens ao povo, mas o povo
depois os restituiu pois eram todos familiares. Mas um dia os cubanos apareceram secretamente
e encontraram o homem em casa, prenderam-no e o levaram para o Huambo para que fosse
julgado. No julgamento ele disse que quando recebeu da UNITA as ordens para expulsar os
soldados do MPLA do Mungo, sabendo que eram quase todos os seus parentes, conversou com
eles para queimarem todos os papéis que estivessem na delegação do MPLA, menos a bandeira
que estava dobrada e guardada, e por este motivo não houve guerra no Mungo. Mediante esta
afirmação deixaram-no em liberdade.
Eram dias terríveis. O MPLA ocupava as cidades e vilas, e a UNITA as florestas, de onde saiam
com emboscadas nas estradas. Destruiam prédios e pontes, e o MPLA destruia as estradas com
os tanques quando por elas passavam.
Todas as povoações que a UNITA ocupasse por algum tempo, eram bombardeadas pelos Migs
do MPLA, destruindo prédios e outros bens das pessoas. Foi assim que Angola ficou destruida.
As populações viveram uma grande catástrofe; dificilmente se conseguiam os bens para a
sobrevivência das populações. Era muito difícil encontrar-se um pou de sal; passava-se muito
tempo nas filas para se obterem os bens de primeira necessidade, pois o MPLA já adoptava o
mesmo regime russo. Os meios de transporte, como os camiões de transporte de mercadorias,
não circulavam livremente, pois eram atacados e emboscados com acções feitas pela UNITA ao
longo das estradas.
Ora foi numa dessas emboscadas feita pela UNITA, contra uma coluna de viaturas, que uma
munição (bala) traiçoeira atingiu mortalmente a mulher feiticeira da Missão, a que me perseguia
com as suas feitiçarias. Desde então fiquei livre dela; já não me aparecia mais em sonhos e em
visões com mulheres desnudas, serpentes e monstro diabólicos, o que me provocava muitos
pesadelos. Com a morte dela fiquei completamente curado e aliviado.
Tendo morrido a mulher que me tinha colocado o espírito satânico de adulterar as mulheres
alheias, tive que ir a um Centro Evangélico para confessar os meus pecados, pois eu estava
completamente seguro mas com a necessidade de penitência arminiana.
A Missão Evangélica do Bailundo, tinha oito centros e cada um tinha um pastor, muitas aldeias
e mais de mil fiéis. Cada aldeia tinha um catequista que ensinava a Palavra de D-us aos
membros da Congregação. Estes centros também eram designados por pastorados.
Durante todos os meses da estação seca, todos os membros de cada pastorado juntavam-se a
uma aldeia para celebrar a Santa Ceia, resolver os problemas da Igreja, realizar casamentos,
baptizar as pessoas, dedicar as crianças e confissões dos que tinham transgredido alguma lei da
Igreja.
Ora, nós tinhamos chegado ao nosso Centro numa quinta-feira e fomos logo encaminhados para
a aldeia designada para a Santa Ceia do mês. Encontramos tudo preparado; as cubatas todas
caiadas, a aldeia toda capinada e limpa. Tinham feito um ochingalala muito grande, espécie de
um barracão, feito de paus, capim e folhas de bananeiras. Também tinham morto um boi e
preparado muita comida para os que viriam participar naquela reunião de Santa Ceia. A noite
desse mesmo dia em que chegamos a essa aldeia, tinha-se logo começado com todas as
actividades daquela reunião. Depois do Culto divino, cada catequista dava o relatório sobre o
andamento do trabalho de D-us na sua aldeia.
No dia seguinte que era sexta-feira, logo de manhã o barracão já se encontrava cheio de gente e
começava-se logo a organizar todos os trabalhos. O Secretário da Igreja punha tudo em ordem,
fazendo listas dos que iam ser baptizados, etc. À tarde dava-se o ensaio dos coros que iam ser
cantados no Culto de Dominga e os catequistas examinavam os catecúmenos que iam ser
baptizados. No dia seguinte, que era Shabbat, de manhã as pessoas estavam livres para poderem
ir aos rios tomar banho, lavar a roupa e fazerem todos os preparativos do Culto divino de
Dominga. A tarde desse mesmo Shabbat, tinha tocado o sino para toda a gente ir ao barracão a
fim de assistirem às confissões dos transgressores do sétimo mandamento da TORAH que diz:
"Não adulterarás". Quando lá entramos, nós os tais transgressores daquele mandamento,
fizeram-nos sentar num grupo, conforme a relação que o Secretário tinha na mão. Depois do
Culto, o Secretário começava a fazer a chamada dos que iam se confessar. O primeiro que tinha
sido chamado, subiu ao altar e os olhos de todos no barracão estavam fitos nele. Ele, então
começou logo a confessar dizendo:
-Confesso perante D-us e perante a sua santa Igreja que tenho transgredido o sétimo
mandamento e prometo que nunca mais tornarei a pecar. Depois levantou-se um diácono e
disse: "Explica como cometeste esse pecado tão terrível".
O pecador disse: "Foi no Natal em que o meu primo católico tinha-me convidado a passar o
evento com ele. Depois de termos comprado na loja do senhor Santos, arroz, macarrão... O meu
primo tinhaconvidado duas raparigas católicas para servirem de cozinheiras. À noite, na véspera
do Natal, fomos à Igreja católica ver os dramas do nascimento de Jesus. Quando voltamos do
templo fomos para casa e encontramos a comida já pronta. Comemos com as raparigas num
espírito de integração com aquelas de quem ninguém pergunta (não se convida os empregados
para a mesa). Quando fomos para a cama levamos as moçoilas connosco (o que enerva os
empregadores que me estão a ouvir; demasiada integração laboral). Aconteceu que a que tinha
dormido comigo ficou grávida e por este motivo, o padre mandou prender-me e fui levado
amarrado ao Posto Administrativo e dalí fui levado para os serviços forçados. Fiquei lá um ano
de castigo e graças a D-us, voltei e peço que a Igreja me receba".
A seguir levantou-se um catequista e disse:"Quando fizeste essas vergonhas não sabias que era
pecado perante D-us?"
-Sabia; pequei por engano carnal. -Respondeu o pobre pecador. Na mesma altura levantou-se o
catequista da aldeia do pecador e começou a dar o seu testemunho dizendo: "Desde que este
nosso irmão saiu do castigo por ter engravidado uma rapariga católica, tem-se comportado bem.
Tem feito todos os trabalhos da Igreja e nunca faltou aos Cultos divinos; acho que é lícito ser
recebido pela Congregação. Ele podia casar com a rapariga conforme o que a nossa Igreja
manda: que se um rapaz engravida uma rapariga tem de casar com ela. O padre não deixa que
uma rapariga católica case com um rapaz da Igreja protestante.
Nesta altura, levantou-se logo o pastor e disse ao pecador: "Senta-te, o teu pecado foi perdoado
e não peques mais".
A seguir o Secretário da Igreja, chamou uma rapariga que também subiu ao altar para confessar
o seu pecado e disse: "Confesso perante D-us e perante a sua santa Igreja que tenho transgredido
o sétimo mandamento e prometo que nunca mais tornarei a pecar". Também foi compelida a
explicar como tinha cometido o seu pecado e ela disse: "O homem com quem cometi o adultério
já é casado e foi muito exigente na sua conquista. Começou e resistiu durante muito tempo até
seduzir-me, acabando por me convencer". Aí um diácono levantou-se e disse: "Quando o
homem te convenceu a pecar apalpou-te nas chuchas?" A rapariga disse: "Se me apalpasse nas
chuchas não morria?"
O mesmo diácono ainda disse: "O tal homem quando dormiu contigo foi dentro de uma casa ou
foi numa mata?" A rapariga contestou: "Não me faças essas perguntas tão absurdas". O pastor
disse:
"Assim respondes a um diácono?" Ela emudeceu e no entretanto, levantou-se o catequista da
rapariga, e deu o seu testemunho sobre aquela rapariga e depois o problema dela ficou
resolvido.
A seguir o Secretário da Igreja tinha chamado um outro pecador que também subiu ao altar para
se confessar, mas antes de abrir a boca, foi logo interrompido pelo catequista da aldeia do
pecador que disse: "Este homem tem um problema a resolver. Ele praticou a prostituição com
uma rapariga e engravidou-a, mas ele afirma que não. Na nossa Igreja existe lei de que se
alguém que tiver engravidado uma rapariga solteira, e ele também for solteiro, tem que casar
com ela. Ele não quer casar com ela alegando que não foi ele quem a engravidou".
O Pastor interveio e disse: "Então você engravidou a rapariga e não quer casar com ela porquê?"
O pecador respondeu: "Não fui eu que a engravidei porque todas as vezes que me tenho deitado
com ela tenho utilizado preservativos". Mediante esta afirmação, parecia que rebentava uma
bomba. Toda a gente agitada e a gritar muito alto, dizendo:
-Bandido ordinário! Então tu arranjas material para violar as mulheres?
O Ministro ordenou: "Expulsem este bandido para fora! -De imediato, levantou-se logo um
grupo de homens e o expulsaram do barracão aos empurrões.
Depois desta cena tão ignóbil, o Secretário chamou mais um que subiu ao altar. Após o habitual
acto penitencial ilustrativo e pedagógico de formação contínua, um diácono chamou-me. Para
abreviar, tendo em conta a paciência dos leitores, disse a certa altura: "Eu estou certo que nunca
mais serei um homem com espíritos de prostituição. Agora estou completamente curado". Como
eu era branco (mestiço especial), não me complicaram visto que esta Congregação respeitava
sempre os brancos.
Aquelas confissões estenderam-se até ao anoitecer. Se não houvesse absolvição, o grupo coral ia
à casa do pecador compulsivo, arrombavam a porta da casa do transgressor tirando tudo para
levarem para a sua lavra. Se tiverem um ochipundo (palhota da lavra) arrumavam tudo dentro.
Se não tiverem o ochipundo, arrumavam tudo em baixo de uma árvore. Se for um trabalhador da
Igreja, quer seja professor, pastor, etc., era logo despedido e ficava fora da Igreja cinco anos
como excomungado. A transgressão de outros pecados, pecados leves cometido por debilidade
ou imprudência, não eram punidos.
No dia seguinte era a Dominga. Logo pela manhã, as pessoas vestiam as suas melhores roupas e
preparavam-se para o Ofício dominical. O secretário ponha por ordem todos os trabalhos do
Culto.
Fazendo sentar em grupos todos os congregantes que tinham deveres. Primeiro era o grupo das
mulheres, que tinham as crianças para dedicação. A seguir os que iam ser baptizados, depois os
catecúmenos que iam também ser dedicados e por último os excomungados em final de carreira
que iam ser recebidos pela Igreja.
Depois começava a liturgia simples reformada. Primeiro, o Secretário lia a Invocatória, dizendo:
"Desde o nascimento do sol até ao se ocaso, seja louvado o Nome do S-nhor. Entrai pelas portas
dele com louvor, e em seus átrios com hinos. Louvai-o e bendizei o seu Nome".
Depois o Secretário citava o nome de uma criança e o Pastor segurava-a no seu colo e dizia:
"Fulano, pela fé dos teus pais, eu te dedico ao D-us Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, que a
benção do Altíssimocaia sobre ti durante toda a tua vida, Ámen". Depois da dedicação das
crianças, vinham os baptismos.
O Secretário chamava o nome de alguém que ia ser baptizado que saia do grupo e ia ajoelhar-se
junto ao pastor que lhe dizia: "Fulano tal, acreditas que Jesus morreu para te salvar?"
-Sim, acredito. -responde o baptizando. Depois o ministro tira um punhado da água de uma
tigela que um diácono segura na mão, e diz: "Eu te baptizo em nome do Pai e do Filho e do
Espírito Santo. Que a benção do Altíssimo e a sua Graça esteja sempre contigo".
Depois dos baptismos vinha a dedicação dos catecúmenos e por último eramos nós os
transgressores da prostituição. Mandaram-nos levantar e o Secretário dizia: "Diácono Samuel,
exorta os retornados da Igreja". Então o tal Diácono de nome Samuel, aproximou-se a nós e
disse: "Vocês tinham abandonado a Igreja. Rodearam o mundo e não acharam pastagem e
resolveram voltar aos antigos pastos elaborados por mãos eclesiais, voltar para a mesma Igreja.
A Congregação não fecha as portas para quem quer realmente voltar. Isto não quer dizer que
não sereis mais tentados. O mundo está cheio de raparigas bonitas e belos rapazes que vos irão
tentar e atrair. Cuidado e não pequem mais". Depois citou um ditado em umbundu dizendo:
"Nda o pita po cisingui ca Ku nyehele osala petameko" ("Se tornares a passar por baixo do ramo
que te tinha tirado o barrete, baixa a cabeça"). "A Igreja que vocês tinham abandonado sempre
mantem-se firme e nunca vacilou. Se vocês brincam com o pecado, as consequências serão
vossas e não da Congregação visto que ela nunca se perde; vocês é que se perderão. Uma faca é
que se perde na mata e não é a mata a perder-se na faca. São Paulo disse que o salário do pecado
é a morte. Quem estiver no aprisco do S-nhor, engorda-se porque os seus mandamentos são fiéis
e dignos de aceitação. O porco cria-se fechado num curral, no entretanto engorda-se. O boi que
vagueia aqui e acolá nunca se engordou".
Depois desta exortação, o coro levantou-se e começou a cantar o seguinte hino:

É franca porta divinal,


Aberta a todo o mundo.
Por ela o pecador mortal
Avista amor profundo
Oh Graça imensa! Pois assim
A porta aberta fica a mim!
Entrai! De toda a condição
Graça e perdão pedindo!
Entrai! Buscando a salvação!
Sereis aqui benvindos!
Aberta, sim! De par em par!
Entrai [arminianos] com grande urgência!
Deus aos constantes
Vai mostrar
Real munificência.
Deposta a cruz, o vencedor
Nos céus entronizado,
Repousará com o Senhor,
Seu Deus e Rei amado.

Depois seguiu-se o Sermão da Palavra feito pelo Pastor. No fim do sermão foi a Santa Ceia que
os Diáconos distribuiam para toda a gente. Quem estivesse fora da Igreja não lhe é permitido
aceder a participar na Sagrada Comunhão. Depois da Santa Cheia, o culto estava no fim e todos
saiam indo para as casas almoçar.
A noite era entregue ao culto dos coros; cada aldeia cantava um coro que se prolongava até
quase à meia-noite. Saímos do barracão e fomos para as casas para dormir e dormir.
Naquela noite tive um sonho digno de realce. Sonhei que estava perante um rio muito grande e
largo que mal se via o que estava na outra margem. Um rio com água muito límpida e cristalina
e era muito profundo.
Nas suas margens havia muitas árvores que produziam muitos frutos e vi também muitas
crianças no mesmo rio. A tal água corria com muita velocidade para baixo. Os passarinhos
cantavam alegremente e em toda a parte brotavam lindas flores. Quando estive a apreciar estas
belezas todas, apareceu-me um personagem vestido de bata branca até aos pés e com lábios
abertos para uma lectio divina memorial: "Estás a ver a água do rio?" Eu disse-lhe que era "um
rio maravilhoso; nunca tinha visto água tão límpida e cristalina como aquela!"
Então iniciou um memorial de Sião (Joel 4:17): "Esta água que tu vês representa o sangue de
Cristo que purifica todo o pecado. Todo o pecador, que reconhece o seu pecado e o deixa, é
purificado nesta água. Esta água lava todo o tipo de pecado".
Depois trouxeram uma toalha muito suja com várias sujidades, como óleo de mecânica,
gorduras, tintas, etc., que foi metida naquela água e ficou logo branquinha como a neve e disse-
me o Homem: "É assim que o sangue de Cristo purifica os pecados. O dono do rio, o Cordeiro,
mandou os seus servos plantar estas árvores que produzem bons frutos para saciar a sede dos
pecadores arrependidos que deixaram os seus pecados. Os frutos que tais árvores produzem são
as alegrias que um pecador desfruta quando deixam os seus pecados (crimes), o amor, pois todo
o amado arrependido passa a ser amado pelo seu Amante. Também produzem todos os frutos do
Espírito Santo que são: caridade, gozo, paz, longanimidade, benignidade, fé, mansidão,
temperança, etc.
Depois eu perguntei porque é que as crianças tão pequenas brincam no rio muito profundo e não
se afogam? Ele disse-me que quem estiver no amor de Cristo nunca se afoga. Depois mostrou-
me os peixinhos que nadavam alegremente e disse-me: "Estás a ver os peixes todos satisfeitos a
nadar alegremente sem nenhum receio de mal?" Ainda disse-me: "Da maneira como a água
corre, simboliza como o Evangelho do Nosso Senhor Jesus Cristo se propagou rápidamente ao
mundo inteiro entre as nações e línguas".
Depois aquele personagem levou-me para junto de uma fogueira muito grande. "O fogo
representa Satanás e a água representa a Cristo.
Observa com muita atenção no fogo e verás que não há nenhum ser vivo como na água. Todo o
ser vivo que for para o fogo morrerá imediatamente. Se o fogo representa o Diabo, a obra dele é
matar e destruir. Mas a água que representa Jesus, pode eliminar Satanás. Foram buscar água e
despejaram-na na fogueira que se apagou imediatamente. A seguir o mesmo personagem levou-
me para uma outra fogueira que tinha uma panela a ferver, e disse-me: "Em baixo há fogo que
representa o espírito satânico e em cima há a água que representa o Espírito Santo. Entre os dois
Espíritos encontra-se o fundo da panela. O Espírito que está em cima tenta ir para baixo para
destruir o Espírito satânico. Não tendo por onde passar devido ao fundo da panela, fica a ferver
e depois desaparece e a panela fica seca". Depois foram buscar um fio de aço e fizeram um
buraquinho no fundo da panela, deixando a água passar gota a gota para o fogo que depois ficou
todo apanhado. Disse-me ainda aquele personagem: "Jesus pode destruir Satanás. O fundo da
panela representa os nossos corações. Se não deixarmos o Espírito Santo entrar para destruir a
força satânica, morremos".
Depois o meu sonho foi interrompido devido a um grande tiroteio das armas do MPLA que
destruiam uma base da UNITA que estava perto do Centro.
Era o tempo da mortandade, pois outros morriam nas prisões acusados de colaborarem com o
"inimigo".
Num ano com pouca chuva, o rio Culele ficou quase seco, e quando uma ocasião passei numa
das suas margens, vi muitos cadáveres no leito do rio. Era o local onde os homens da segurança
matavam as pessoas que estavam nas cadeias, cujos corpos eram lançados ao rio. Era assim em
todos os rios.
Um português, uma ocasião, ao ver as pessoas que eram levadas para o fuzilamento, atreladas às
viaturas e presas com cordas pelos braços e arrastadas por uma rua a grande velocidade, dizia:
-Isto não é humano; vou-me daqui para fora.
Nas confrontações, as munições perdidas matavam muita gente. Por vezes os Migs voavam de
noite enquanto as pessoas dormiam, e bombardeavam as aldeias, morrendo muita gente que
nada tinha a ver com a guerra. O MPLA reabriu o campo de concentração de S. Nicolau, campo
esse montado pela PIDE, e onde o MPLA estabeleceu a DISA, continuando a servir para fins
políticos. O povo estava desta maneira entre a espada e a parede. Os que estavam a favor do
MPLA eram perseguidos fortemente pela UNITA, e vice-versa. Um ditado em umbundu diz:
"Se dois elefantes lutam pelo capim, é a erva quem sofre e não os elefantes".
Uma ocasião, eu e mais um amigo meu fomos acusados de termos colaborado com o inimigo.
Por isso, numa madrugada fomos presos e levados para a Direcção de Segurança, da UNITA,
onde havia uma prisão. Estávamos à espera de ver o que nos iria acontecer. Na altura alguns
militares trouxeram manietada uma adolescente de doze anos, juntamente com o sei irmão de
oito anos, capturados das mãos do inimigo. Como haviam passado dias sem comer, resolveram
fugir. Infelizmente foram apanhados e levados para a Direcção de Segurança da UNITA para
serem julgados, e dizerem a razão porque fugiram.
Fugiram porque tinham muita fome. Assim, o Chefe mandou que fizessem pirão num prato
grande com outro cheio de feijão a servir de conduto. As crianças comeram até fartar, mas como
o pirão era muito não conseguiram comer tudo. No fim de comerem, a polícia da prisão reuniu
um grupo maior de crianças da mesma idade para torturarem, com paus, os dois irmãos
incluídos, até que morreram.
Depois foi a nossa vez. Chamaram-nos para interrogatório a começar pelo meu amigo. Como
disseram que era tudo mentira, tudo quanto ele havia dito, com um alicate puxaram-lhe os
testículos até quase perder os sentidos, o que o forçava a berrar muito alto. Como era já tarde,
meteram-nos na cadeia, sem que eu fosse interrogado.
No dia seguinte, muito cedo, antes do sol nascer, tiraram-nos da prisão juntamente com outros
presos e conduziram-nos a uma mata fechada. Depois de termos caminhado alguns quilómetros
a pé, um dos que nos conduzia disparou alguns tiros para o ar, e um outro dentro da mata
respondeu com outros disparos. Era o ponto de encontro. Quando lá chegamos, encontramos um
homem fardado e, em certo momento, mais três militares conduziam um homem amarrado
dizendo: "Capitão, eis aqui o homem que o senhor nos mandou buscar".
Enquanto aquele capitão falava com o homem, ficamos surpreendidos quando um grande grupo
de pessoas, homens e mulheres, vieram em nossa direcção, o tal ponto de encontro. Eram todos
prisioneiros como nós, e lhes ordenaram para fazerem uma fila. Um militar tomou um canjavil,
que é um machado gentílico, cuja lâmina tinha só dois centímetros de largura, cuspiu nas mãos
e segurou-o com força. Foi um momento terrível; tudo à volta respirava normalidade; o sol
brilhava e o vento soprava suavemente; nada tinha mudado. Um pássaro voava de uma árvore
para outra, não se preocupando com o terrível drama que estava acontecendo ali.
Então começou a carnificina. Dois militares da UNITA, seguravam os braços de um dos
prisioneiros, um em cada braço, torcendo-os para trás, um outro militar pegou-lhe na cabeça,
fazendo inclinar a pessoa para a frente, e o quarto deu-lhe deu-lhe um golpe na nuca com o
machado. Depois vinham outros militares para arrastar o morto dali. Todos os golpeados
gritavam como o gritar de um vitelo quando é morto.
Quando chegou a vez de uma mulher, ela gritou muito alto e dizia: "Ñueli ño ka njipayi!", o
quer dizer "Abusem de mim só, não me matem!"
Infelizmente o seu pedido não foi atendido, e foi também degolada como os outros. Depois foi a
vez de uma rapariga que estava grávida; o responsável daquele morticínio disse-lhe: "Tu que
fostes engravidada por um inimigo, passa para ali, -tirando-a da fila e ordenando: tirem fora o
que esta gaja tem na barriga, que foi emprenhada por um inimigo". Os outros obedecendo à
ordem, estenderam-na no chão com a barriga para cima, e espetaram-lhe um sabre no ventre
para lhe tirarem o bebé que tinha cerca de seis meses. Foi na verdade um espectáculo horrível,
aquele que todos presenciaram. Afinal, estes ainda eram piores assassinos que a PIDE.
Quando chegou a minha vez, os dois militares pegaram nos meus braços com força e quando
queriam torcê-los para trás, surgiu uma munição vinda de fora, a riscar o céu, passando rente às
nossas cabeças.
O zunir daquela bala, fez paralizar os cruéis massacres e pela nossa felicidade que ainda não
tinhamos morrido, tudo aquilo foi detectado pelos soldados do MPLA que faziam patrulha
naquela área das terras de Bimbe a sessenta e cinco quilómetros do Bailundo, que num instante
se levantou um grande tiroteio para nos libertar. Os soldados da UNITA como eram poucos não
resistiram e dispersaram-se todos.
Depois da libertação, os soldados do MPLA levaram-nos para o Bailundo, estando sempre na
eminência dos ataques da UNITA.
A UNITA atacava sempre de noite. E quando atacavam muita gente morria. Os soldados do
MPLA morriam às dezenas, mas também um número enorme da população civil, pois se uns
morriam com as balas da UNITA, outros morriam com as armas pesadas do MPLA,
estacionadas no morro do Bailundo, de onde disparavam indiscriminadamente contra a
povoação. Se a UNITA conseguisse escorraçar as FAPLA, e tomasse a vila, então vinham os
Migs bombardear o inimigo, matando civis e destruindo tudo.
Um dia houve um ataque em grande escala da UNITA à vila do Bailundo, donde foram
expulsos os soldados do MPLA, e pilharam todos os nossos haveres, e no fim, eu e a minha
mulher, fomos levados pelos soldados da UNITA em grande fila como cativos de guerra, cuja
fila fazia mais de cinco quilómetros de comprido, e nos levaram para a Jamba, Quartel-General
da UNITA, no Quando-Cubango. Para lá chegarmos, caminhamos a pé durante dez dias e cinco
dias em camiões, decarregando-nos no Likuwa, considerado como a base industrial da UNITA.
Dava a impressão de estarmos noutro mundo. Havia lá uma grande e boa organização e onde se
encontravam milhares de pessoas. Ficamos alojados na Missão Católica que tinha muitos padres
brancos e negros. Ao lado havia uma grande pista de aviação onde aviões americanos
descarregavam muito material bélico. Não havia dinheiro, mas as pessoas tinham tudo, sem
nada lhes faltar. As pessoas vestiam bem, e ninguém andava descalço. Cada base tinha um
hospital com muitos medicamentos, e um grande stock de comida. Durante a semana tocava o
sino duas vezes avisando que podiamos ir receber a comida que necessitassemos; em todas as
habitações havia luz eléctrica, assim como nas ruas; as igrejas eram bem organizadas, com três
denominações religiosas: católicos, evangélicos e adventistas. O hospital deCacuchi era muito
bonito, de construção definitiva e com médicos vindos da África do Sul. Tinha grandes stocks
de medicinas; havia todo o tipo de viaturas, pesadas e ligeiras, bem como autocarros onde as
pessoas viajavam sem pagar. Os carros eram tantos, que eram precisos guardas para dirigirem o
trânsito.
O ensino ia até à décima segunda classe de escolaridade, e os livros de estudo vinham de
Portugal. Os alunos andavam sempre sempre bem vestidos e com boa alimentação. Tinham
também em todas as bases cinemas com assistência gratuita. Os professores eram competentes e
tinham todo o material escolar necessário. As pessoas andavam bem nutridas comendo três
vezes ao dia. Todos os dias se comia carne, de caça e de conserva, ida da África do Sul. Havia
campos de futebol com os seus pavilhões. Também havia aeroportos onde os aviões pousavam
todos os dias, levando turistas, missionários, agentes secretos e os bens necessários. Os
"turistas" eram brancos, mas na maioria americanos. Aprendiam-se muitas artes, como
carpintaria, mecânica, electricista de rádio, etc. Como havia um grande hospital, também se
aprendia enfermagem. Muitos estudantes foram para os Estados Unidos, outros para a Europa e
para outras partes do mundo, tirando cursos. A VORGAN, a emissora rádiofónica da UNITA
(Galo negro) transmitia mensagens para todo o mundo. O material bélico que constantemente
era armazenado em lugares prontos, designados por Mateguerra (material de guerra). Cada base
(zonas povoadas pelos militantes da UNITA) era ladeada de baterias de lançamento de foguetes
anti-aéreos, contra os aviões do MPLA, e havia muitas carcaças de aviões abatidos em todas
estas bases. O MPLA constantemente lançava ataques contra estes lugares, não só ataques
aéreos como terrestres, com muito armamento sofisticado, mas foram sempre derrotados neste
ataque. Também a UNITA recebia da América armas anti-aéreas com a marca Stinger, as quais
derrubaram muitos aviões inimigos.
Eu e a minha mulher estávamos localizados na base de Luengue. Aqui havia um liceu onde eu
fora colocado como escriturário, com docentes muito competentes, africanos e europeus.
Perto daquela base corria um rio chamado Luengue muito rico em pescaria, mas também muito
abundante em jacarés, hipopótamos e cobras aquáticas. Depois de muitos dias de ali estarmos,
um rapaz foi nadar nesse rio, mas foi apanhado por dois jacarés que o despedaçaram em pouco
tempo.
Uma ocasião, estávamos a receber os géneros alimentícios trazidos da África do Sul. Um Mig
tripulado caiu e dois pilotos cubanos tiveram que saltar de pára-quedas, caindo numa mata ao
redor da base. Logo um grupo de militares saiu em perseguição dos cubanos, que apesar de
alguma resistência foram capturados e levados para a base. Jonas Savimbi recebeu-os e tratou-
os humanamente durante alguns meses, e finalmente foram libertados, tendo recebido uma
quantia em dinheiro. Era o que se dizia entre o povo. Seria uma legenda urbana?
Mais tarde fomos novamente para a Jamba. Aqui deu-se um caso muito grave e triste. Foi uma
atitude muito má do Presidente Savimbi para com as pessoas consideradas feiticeiras. Um dia
Savimbi, apareceu sem farda nem com as insígnias de General, num local devidamente alterado.
Levava nas mãos muitos papéis. Depois fez uma chamada, através dos papéis, dos nomes das
mulheres consideradas e acusadas de feitiçaria, mandando que entrassem num grande barracão
encharcado com combustível. Eram muitas as dezenas de mulheres que ali entrarem, fechando-
as lá dentro. Ouviram-se depois os gritos das mulheres, gritos de terror, que pediam
misericórdia, mas Savimbi nada se ralou com tais gritos. Depois ordenou que lançassem fogo no
barracão feito com madeira seca, capim e erva seca, e no meio daquela cena horrorosa, ouviu-se
o grito de uma mulher que tinha um filho de dois anos ao colo, que no momento de ali entrar
levava o seu filhinho a mamar. Esta mãe aproximou-se da porta e rogou:
-Se sou acusada de feitiçaria, que culpa tem o meu filho que não é culpado de nada? -Um militar
foi em busca da criança, e correndo foi junto do Presidente e disse-lhe que aquela mãe rogou
para que o filho não morresse juntamente com ela. Savimbi tomou a criança nos braços e disse:
"Filho de peixe também nada". Atirando-a para a fogueira, cujas chamas já eram muito intensas
e altas. Pergunto: Afinal em que é que Savimbi, que se considerava cristão, era melhor que os da
MPLA, considerados comunistas e ateus?
Ao fim de cinco anos da nossa estada em Jamba, houve uma grande batalha no Huambo que
durou 55 dias, onde o MPLA foi expulso da cidade pela UNITA, e que acontecera depois das
eleições de 1992, eleições que Savimbi considerou condiderou fraudelentas.
A partir desta data a UNITA dominou todo o sul de Angola, mas também algumas províncias do
Norte.
Um dia, um avião de grande porte levou-nos da Jamba até o Andulo, e do Andulo fomos em
autocarro até ao Huambo para regressar ao Bailundo novamente, a nossa terra, e encontramos
todos os nossos bens totalmente destruídos. Mas ainda não era o fim da guerra.
Como estava em disputa o poder em toda a Angola, por isso a guerra ainda não havia chegado.
Embora nesta guerra morrese muita gente, era uma guerra que não interessava a ninguém,
interessando apenas aos políticos que lutavam pelo poder. O povo, esse, é que continuaria a
sofrer.
Quem morresse que morresse, nisso os políticos pouco se ralavam, e que para ir à tropa não era
pela chamada mas pelas rusgas e buscas armadas que os movimentos políticos faziam, levando
quem fosse apanhado mas principalmente os jovens, sendo muitos deles ainda crianças, e quem
tentasse escapar era sumariamente abatido. Foi desta forma que muitas crianças se tornaram
involuntariamente criminosas.
Na verdade, uma guerra civil é sempre a pior das guerras.
Chegamos ao Bailundo precisamente na sexta-feira designada sexta-feira sangrenta, em que o
Presidente do MPLA, no poder, enviara uma força militar para as ruas de Luanda para abater a
todos os que não falassem a língua Kimbundu, a língua das tribos do Norte. Como Luanda era o
refúgio de todas as tribos de Angola, fugindo da guerra, neste dia foram milhares os que foram
mortos nas ruas desta cidade. Foram necessários muitos camiões para recolher os cadáveres por
toda a Luanda. Foi um genocídio autêntico, que alguém um dia terá que dar contas diante do
Tribunal Divino. Foi isto que me ensinaram os Missionários que um dia chegaram ao Bailundo,
e que bem hajam.
Como a nossa vida estava constantemente ameaçada, e não conseguíamos vislumbrar qualquer
futuro para nós, e também com todos os nossos bens totalmente perdidos, resolvemos aproveitar
uma oportunidade de deixar Angola, e o Bailundo, a nossa amada terra, e fugimos, eu e a minha
mulher, para Portugal, com a esperança de um dia voltar, o que aconteceu já com a minha
mulher, ficando eu, actualmente como assistente numa Igreja Metodista na cidade de Braga, da
qual sou membro, e exercendo o ministério de organista, e só D-us saberá se algum dia irei
voltar à terra onde um dia nasci, mas não sabendo se lá irei ser sepultado.
Mas a guerra lá continuou, e só terminaria com a morte brutal de Jonas Savimbi. Seria esta
morte o juízo dos homens, ou o Juízo divino? Só D-us o saberá.
Hoje só peço a D-us que torne a minha Pátria como uma terra de esperança para todos os seus
filhos, a muitos dos quais eu peço perdão pela minha má conduta durante um bom pedaço de
tempo, dominada que estava por forças satânicas. Sou um cristão arminiano. Não há volta a dar.
D‟us salve Angola.
Nota histórica sobre a Reconciliação: obrigações penitenciais por meio de
concílios locais, ex. Elvira, na Espanha ou
• Arlés, na França. As obrigações
Na Igreja primitiva, a Penitência tornou-se penitenciais eram de tipo geral, litúrgicas e
uma tábua de salvação para o pecador as estritamente penitenciais, como a vida
batizado. Mas propagou-se a prática de mortificada, jejuns, esmolas e outras formas
limitar o frequente acesso ao sacramento de virtude exterior.
para evitar abusos. João Crisóstomo via-se
reprovado por os seus adversários por •
outorgar sem descanso penitência e o Na prática ocorria que as pessoas iam
perdão dos pecados aos fiéis que vinham pospondo o tempo de penitência até a hora
arrependidos. da morte, fazendo da penitência, um
exercício de preparação para bem morrer,
• porque só podia ser exercitada uma vez.
No século III, o rigor dá lugar a excessos e
heresias. Propaga-se a heresia de Montano, •
que pregava que o final do mundo estava O processo penitencial equivalia a um
próximo e dizia: "A Igreja pode perdoar os verdadeiro estado de excomunhão. Até que
pecados, mas eu não o farei para que outros o penitente não fora reconciliado, não podia
não pequem mais". Tertuliano e muitos aproximar-se da Eucaristia. O término do
outros aderem ao "montanismo". processo penitencial era a reconciliação
com a Igreja, sinal da reconciliação com D-
• us.
Com grandes dificuldades, a Igreja superou
esta heresia, esclarecendo o estatuto do •
penitente e a forma pública e solene em que A partir do século V se realizava a
devia desenvolver a disciplina sacramental reconciliação Na quinta-feira Santa, ao
da penitência. término de uma quaresma que, de por si, já
é um exercício penitencial.

Depois que a Igreja impôs a penitência, os •
pecadores constituíam-se num grupo O bispo acolhia e impunha as mãos aos
penitencial ou "ordem dos penitentes". Os penitentes, em sinal de bênção. A prece dos
pecados não se proclamavam em público, fiéis era o eco comunitário desta
mas era pública a entrada do grupo já que reconciliação.
se fazia diante do bispo e dos fiéis.

• Enquanto, nas Ilhas Britânicas,
O "ordem dos penitentes" mantinha um especialmente na Irlanda, ia abrindo passo a
longo tempo de renúncia ao mundo, um novo procedimento de reconciliação
semelhante ao dos monges mais austeros. com penitência privada com um sacerdote e
Segundo a região, os penitentes levavam utilizando os famosos manuais de pecados
um hábito especial ou a cabeça raspada. (penitenciais), confeccionados por alguns
Padres da Igreja, como Agostinho ou
• Cesáreo de Arlés. Das Igrejas Celtas, esta
O bispo fixava a medida da penitência. "a forma de penitência propaga-se pela
cada pecado corresponde a sua penitência Europa.
adequada, plena e justa". Fixavam-se as
• Uma moca ou punhal? Ou então uma arma
acidigital.com/sacramentos/penitencia/histo de fogo, ou um cacete? Eu sei lá. Oh! Como
ria foi, querido Padre Moreira, o teu morrer ali
no Bailundo?
• Tu que nasceste para fazer o bem, Morres
Os manuais penitenciais estabeleciam a desta forma tão ruim?
penitência segundo o pecado cometido e Certamente seguiste as pegadas do Teu
foram muito importantes para evitar o Senhor Jesus.
"barateamento do perdão" e o relaxamento Repousa em paz no seio do Senhor, onde
do compromisso cristão. brevemente nos encontraremos.
Ajudaram também a desmascarar as Disse Jesus: Mateus 25: “34-36E então eu,
heresias dos séculos III ao VII. o rei, direi aos que estiverem à minha
Delimitavam o que que é pecado grave, direita: „Venham, filhos felizes do meu
fruto da malícia e o que é pecado leve, YÁOHU ABí, para o reino que vos foi
cometido por debilidade ou imprudência. preparado desde o princípio do mundo.
Porque tive fome e deram-me de comer;
• tive sede e deram-me água; era estranho e
Renuncia-se ao princípio de outorgar a convidaram-me para vossas casas; andava
reconciliação uma só vez na vida. nu e vestiram-me; estive doente e cuidaram
de mim; estive na prisão e visitaram-me.
• 37-39Esses homens justos perguntarão:
O Concílio de Trento reiterou a fé da Igreja „Molkhiúl, quando foi que alguma vez te
Católica: a confissão dos pecados diante vimos com fome e te demos de comer? Ou
dos sacerdotes, é necessária para os que com sede e te demos de beber? Ou, sendo
caíram (gravemente) depois do Batismo). um estranho, te hospedámos? Ou nu, te
vestimos? Quando te vimos alguma vez
doente, ou na prisão, e te visitámos?
PAUSA II: EXTRAS 40E eu, o rei, lhes direi: „Quando fizeram
isso a um destes meus mais insignificantes
irmãos, a mim o fizeram!” (Mateus 25)
Armando ribeiro Simões “Bem-aventurados os mortos que morrem
Travessa António Menici Malheiro, nº 35 – no Senhor Para que descansem dos seus
2º trás, 4705-080 – Braga trabalhos e As suas obras o sigam”
27 De Fevereiro de 2006
(Apocalipse 14: 13 -.
À Igreja e a todos os portugueses Cristãos ”12 Here [comes in a call for] the
de boa fé steadfastness of the saints [the patience, the
Assunto – Assassinato do Padre Afonso endurance of the people of God], those who
Moreira [habitually] keep God‟s commandments
Lamentamos dolorosamente o assassinato and [their] faith in Jesus.13 Then I heard
tão cruel do amado padre Afonso Moreira, further [perceiving the distinct words of] a
no Bailundo. A Igreja em Angola, voice from heaven, saying, Write this:
especialmente a província do Huambo, teve Blessed (happy, to be envied) are the dead
uma perda irreparável. Jesus disse: from now on who die in the Lord! Yes,
Mateus 10: “28 And do not be afraid of blessed (happy, to be envied indeed), says
those who kill the body but cannot kill the the Spirit, [in] that they may rest from their
soul; but rather be afraid of Him who can labors, for their works (deeds) do follow
destroy both soul and body in hell (attend, accompany) them!)” [Amplified
(Gehenna)”, Amplified Bible: Bible])
youversion.com. O assassino só matou o
corpo e não a alma, que é mais importante Querido Padre, tenho saudades de ti.
de que o corpo.
Fico muito comovido quando penso no Desde aquele dia que estiveste na nossa
instrumento que o assassino utilizou para casa numa tarde de um domingo (dominga
matar o homem de Deus. Será uma catana?
para ti), nunca mais te vi, Mas ver-te-ei lá grandes tribulações. Os outros padres, seus
no Palácio Celestial. colegas, deixaram tudo, mas ele aguentou-
se com todos os sofrimentos de guerra. Vi a
O assassino devia ser julgado em Portugal sua residência a ser incendiada. Comia mal,
na presença dos habitantes de Vila Real, porque as estradas não davam acesso por
onde o pobre Padre nasceu, para o causa da guerra. Sempre arriscou a sua
conhecerem. Também devia ser condenado vida. Uma vez, saiu do Bailundo de
à pena capital bicicleta, passando pela estrada perigosa
(direitoreformacional.blogspot.com/pena- por causa da guerra, a ir para a Comuna de
de-morte-no-novo-testamento-e-pena), pois Lunge, que estava a quarenta quilómetros
o rei David não poupou a vida daquele que de distãncia, a fim de ir realizar os serviços
matar o rei Saul. Mandou matá-lo, depois que Jesus lhe incumbira, como pregar o
de lhe terdito o seguinte: “14-16.E como te Evangelho, baptizar, etc. Era o único
atreveste tu a matar o rei escolhido por branco que estava na terra do Bailundo.
YÁOHU ULHÍM?” E Dáoud, dirigindo-se Jesus disse: “11-13Eu sou o bom
a um dos seus mancebos: “Mata-o!” O apacentador. O bom apacentador sacrifica a
rapaz atravessou-o com a sua espada e ele vida pelas ovelhas. Quem é assalariado para
morreu. “Foste vítima da tua própria guardar o rebanho foge quando vê vir um
condenação”, disse Dáoud, “porque lobo. Ele abandona o rebanho porque não
confessaste, tu mesmo, termorto o rei lhe pertencem e ele não é verdadeiramente
ungido de YÁOHU ULHÍM.”" (II Samuel o seu apacentador. Assim o lobo salta sobre
1). Qualquer padre ou cura (sacerdote) elas e espalha o rebanho. Tal homem foge
também é o ungido de YHWH – ”He-Vau- porque é contratado e não se preocupa a
He-Yod” (Ela-Ele/Ele-Ela, Pai-Mãe, D-us). sério com as ovelhas. 14-16Eu sou o Tav
Ro-éh (Bom Apacentador) e conheço as
Quando Jesus estava no madeiro, disse: minhas ovelhas, e elas conhecem-me
“34. YÁOHU ABí, perdoa-lhes”, disse também, assim comomeu YÁOHU ABí me
YAOHÚSHUA, “porque não sabem o que conhece e eu conheço o meu YÁOHU ABí.
fazem.” (Mateus 23). O criminoso que E sacrifico a minha vida pelas ovelhas.”"
matou o Padre moreira, também não sabia o (João 10). Alimentava pessoas famintas e
que estava a fazer. vestia os que andavam nús.

Eu, que estive cerca de quarenta anos com o Apesar de ter nascido em Portugal, era
Padre Moreira, sei todos os pormenores da considerado como filho da terra do
sua vida no Bailundo, onde passou a maior parte da sua
Bailundo. Ele tinha, por lema, fazer sempre vida. Era estimado por por todos e, por isso,
o Bem e amava as suas ovelhas. Quando o seu funeral foi participado por milhares
ouvia a voz divinacomo o Profeta Isaías a de pessoas que o choravam amargamennte.
tinha ouvido, dizendo: “8Depois ouvi Foi comparado com o Apóstolo Paulo, que
YÁOHU ULHÍM perguntar: “Quem disse:
enviarei como mensageiro ao seu povo? “7Combati o bom combate; acabei a
Quem irá por nós?”E eu disse, “Vou eu! carreira da minha vida; guardei a fé. 8Está
Envia-me a mim.”" já preparada porYÁOHU UL a coroa de
(Isaías 6), de imediato o Padre Moreira justa recompensa que YÁOHU UL, justo
disse: “Eis-me aqui, envia-me a mim”. Veio Juiz, me dará naquele dia que há-de vir. E
até ao Bailundo, para dirigir as populações não somente a mim, mas também a todos os
negras ao aprisco do Senhor com Amor. que amarem a sua Vinda.” (II a Timóteo 4)

Ia às aldeias dos nativos ensinar sobre Este acontecimento não desanime a


Jesus, baptizar em Nome do Pai, e do Filho, ninguém e creio que jamais se repetirá. O
e do Espírito Santo, realizar casamentos, povo do Bailundo, deseja que um outro
etc. Levava as crianças negras no seu colo. padre branco, seja português ou de outra
nacionalidade, venha substituir o saudoso
Quando começou a guerra em Angola, não Padre Moreira. Na guerra, quando um
quis abandonar as suas ovelhas e passou soldado tomba é logo substituido por um
outro. O Apóstolo Paulo disse: “12Pois na debaixo de uma árvore frondosa e muito
verdade o nosso combate não é contra seres alta e carregada de bons frutos. J-sus, então
humanos, mas sim contra as forças ao ver os frutos pediu à sua Mãe que
malignas, contra as ditaduras que actuam colhesse alguns dos seus frutos. A Mãe
nas trevas, contra verdadeiros exércitos de disse que os não podia colher porque
espíritos do mal que dominam nas esferas estavam muito altos e ela não podia lá
do mundo sobrenatural.” (Efésios 6: chegar. A árvore, quando se apercebeu que
Amplified Bible “12 For we are not o menino desejava os frutos, ela mesma
wrestling with flesh and blood [contending baixou os seus ramos para a Mãe de J-sus
only with physical opponents], but against os poder colher.
the despotisms, against the powers, against Outra lenda conta que os habitantes de
[the master spirits who are] the world rulers Nazaré (Nudtzoróth, Natzeret) diziam que o
of this present darkness, against the spirit Menino, chamado Natzrati (Nazoreu, Nazir,
forces of wickedness in the heavenly talvez Nazareno) J-sus era o Filho (ha-
(supernatural) sphere”). BOR) do Altíssimo e desta forma
adivinhava sempre tudo. E um dia, quando
Que a Missão Católica do Bailundo não o menino tinha oito anos de idade,
seja abandonada por causa de um crime fecharam muitas crianças dentro de uma
praticado por umassassino. É de referir que casa. Depois chamaram J-sus e lhe
quem matou o Padre Moreira, foi um disseram: “Se tu és o ha-Bor do altíssimo
homem que ele tinha adoptado como filho e adivinha o que está aqui dentro!” J-sus
já se encontra preso. disse que ali dentro estavam porcos. Então
todos zombaram d‟Ele dizendo-lhe que
A referida Missão é muito bonita, afinal Ele não era o ha-Bor do Altíssimo,
moldurada de várias montanhas e rios de porque se o fosse adivinhava que ali dentro
água potável. Foi fundada por um padre estavam crianças. Mas ao abrirem as portas
pioneiro francês de nome Lecomte em 1890 para lhe mostrarem que Ele estava errado,
e tem muitos milhares de fiéis. de lá saíram apenas porcos, o que os deixou
a todos estupefactos, pois viram que as
Por aqui termino. Vosso no Senhor Jesus crianças se tinham transformado em suínos.
Cristo.
Uma outra lenda que J-sus tinha por hábito
Armando ir brincar com outras crianças da sua idade,
e numa destas ocasiões Ele entrou dentro da
CONTOS E LENDAS DOS casa de um dos seus amigos, e tomando um
BAILUNDOS SOBRE J-SUS pau partiu tudo o que havia na casa, e
fazendo ali grandes estragos. A dona de
Quando os bailundos receberam o casa foi tirar satisfações a Maria, a Mãe de
Evangelho (“Boas novas de Alegria”) logo Jsus, para que lhe pagasse todos os
inventaram contos elendas sobre J-sus prejuízos sofridos, e quando a sua Mãe e a
Cristo (YAOHÚSHUA). Na cultura vizinha foram verificar todos os estragos da
portuguesa é costume as crianças serem casa, quando lá chegaram afinal estava tudo
transportadas em carrinhos de bebé ou em ordem, nada de mal havia acontecido.
então nos braços das mamãs, ao contrário
das mulheres bailundas que transportam as Mas de todos os contos e lendas, existe uma
crianças às costas presas com uma manta de estória (levemente alterada por este
tecido. Desta maneira osbailundos pensam blogger, não por o autor original, por razões
que também o KYRIOS (SENHOR) J-sus, lúdicas e pedagógicas) e que é a mais
o Filho Único de YÁOHU UL (Ela- significativa: Dois amigos, um cristão e um
Ele/Ele-Ela, YHWH, D-us Pai/Mãe) o ateu sarcástico, iam de caminho para tratar
Criador Eterno, era transportado às costas de negócios, e no caminho o cristão disse:
de Maria (Maoroém, Miriam) sua Mãe. -Queira D-us que os nossos negócios nos
corram bem. – Esta expressão fez zangar o
Diz então uma lenda que uma vez J-esus ateu que lhe respondeu dizendo:
quando ia nas costas de sua Mãe, passaram
-Se tu metes a Deus nos nossos negócios
fico zangado contigo, pois os negócios vão Depois de caminharem mais uma distância
sempre melhor com Satanás. Com ele encontraram um diácono que se dirigia para
podemos mentir, roubar e fazer negócios a igreja. Fizeram-lhe a mesma pergunta, se
fraudulentos. Com Deus não podemos fazer era o Eterno ou Satanás o melhor, e ele foi
nada disso. dizendo que o “Diabo é sempre o melhor,
pois sem este ente operativo nada podemos
Dali resultou uma grande discussão entre os fazer. Ele é que nos a dá sorte de possuir
dois a ponto de se zangarem e a quererem riquezas. Eu sou diácono da Igreja, mas o
bater-se em duelo. O cristão dizia que D-us meu S-nhor é o Diabo!”
era melhor porque foi Ele que nos criou e
nos dá tudo o que carecemos. Também nos O ateu disse ao cristão que só faltava uma
deu o seu Filho YAOHÚSHUA que veio resposta igual para lhe arrancar os olhos.
salvar-nos da morte (e do Seio de Abraão)
presente (para nos colocar “debaixo do Assim, avançaram mais uma distância e se
Altar [...] com uma bata branca1 [...] para encontraram com um padre que ia a
[que descansassemos] ainda algum tempo, caminho da sua paróquia e igreja para
até que [fique] completo o número dos conduzir a celebração da Missa, como
[nossos] companheiros e irmãos que iriam acção do Cristo à imagem do magistério
ser mortos [por efeito de uma acção passada católico e do sacerdócio hierarquicamente
e presente e futura de Satanás] “, vide ordenado. Este era um padre secular (o que
Apocalipse 6) e da escatológica. 1 A veste muitas vezes consiste numa espiritualidade
branca mostra que os mártires cristãos já truncada) e não um sacerdote religioso que
participam na vitória da Ressuscitado. exerce o seu múnus pastoral com a
componente de plenificar-se de D-us, de
O ateu, porém dizia, que melhor era Satanás deificar-se na vida do otium sanctum, quer
que nos facilita mais as coisas. Então este dizer na vida de contemplação e louvor à
disse: TRINDADE, trabalho manual e intelectual
-Vou fazer-te uma proposta: às três e vida comunitária. Os planos pastorais do
primeiras pessoas que se vierem a cruzar seu superior hierárquico não eram do
connosco no caminho vamos colocar a agrado do padre secular; ele buscava a
nossa questão; se todas disserem que é Coelesti Hierarchia dos Ares. E é isso que
Satanás o melhor, eu te arranco os olhos. Se transmite aos seus interlocutores: “O
for ao contrário tu arrancas os meus! Princípe dos Ares é sempre melhor do que a
Trindade; se vocês quiserem ter êxito nos
O cristão aceitou o desafio pois tinha a vossos negócios façam-nos com o DIABO
certeza que todos diriam que era o Eterno e não com o ETERNO e verão que tudo
melhor que Satan. corre melhor. Diz o Livro sagrado e as
Andada pequena distância, logo lhes surgiu Lendas gregas:
o primeiro encontro: um ministro „pois os filhos deste sistema económico são
protestante carregando muitas Bíblias e a mais sábios, em sentido prático, para com a
caminho de realizar um Ofício de sua própria geração, do que os Filhos da
Casamento, a quem logo colocaram a Luz.
questão. 9 «Eu vos digo [J-sus] também: Fazei para
Então o pastor disse que não se vós [das Potestades dos ares] amigos, por
confundissem. “Toda a gente sabe que meio das riquezas injustas, para que,
Satanás é sempre melhor de que o Eterno. quando estas vos falharem, vos recebam [as
Eu sou pastor de Igreja mas confio mais em Potestades] nas moradias eternas» [no
Satanás. Ele tem-me dado tudo o que Tártaro, diz a legenda ' [na] porta do
preciso e por isso nada me falta. Todas as Tártaro e [na certeza de ultrapassar o seu
pessoas que confiam em Satanás têm boa umbral] -com a licença expressa do feroz
vida e nada lhes falta também. Os que Cão cerbero [na realidade um demónio],
confiam no Eterno são sempre os mais naturalmente-, e [de entrarem] nos escuros
miseráveis deste mundo”. A resposta do abismos de tão sinistro lugar. Depois de
clérigo entristeceu o cristão. deleitar com [as sua cítaras] e as suas
canções [o que significa, eufemisticamente, emissários começou a ler o seu relatório e
o pacto com o Diabo] o próprio [Satanás], dizendo:
[resolvem rogar a Satanás] que [lhes] -Eu persegui um homem que era cristão
permitisse sair [..] do Tártaro, ao qual fervoroso. Parece que tinha lido o
acedeu a terrível deidade, com a condição Kanódgaluth (Apocalipse) 14: 4, que diz:
[de que os Filhos de Satanás não olhassem “Estes são espiritualmente limpos, puros
para trás, para comprovarem que os seus como virgens”. Ele não queria contaminar-
correligionários seguiam o primeiro que se com mulheres, e por isso fiz com que
indicava a saída], enquanto não se chovesse torrencialmente e me transformei
encontrassem [todos] fora daquelas numa menina de cinco anos de idade e me
[moradias eternas]. [Aceitaram] [...] tais aproximei a chorar da cubata daquele
condições e [cada um] dispôs-se a caminhar homem. Ele, quando me ouviu chorar,
para a saída do Tártaro; quando já se compadecido de mim, pensando que fosse
[encontrarem] praticamente fora daquela uma criança perdida, levou-me para a sua
região escura, [sentirão] a necessidade de cubata. Como estava toda molhada e com
comprovar se os [...] seus [pares os frio, acendeu uma fogueira para me
seguiam] e, sem lembrar-se da condição aquecer. Depois comecei a ter sono e como
imposta [pelo Diabo] [...], [cada um] virou só havia uma cama, deitou-me juntamente
a cabeça para [...] olhar‟. Mas só consigo. Ele dormia numa banda e eu
[conseguiram] ver, entre [assustados e noutra. Ao amanhecer eu me transformei
atônitos], como [os co-associados][...] numa moça crescida e bonita. Ele vendo a
[convertiam-se] em brumas e mina formusura não resistiu à tentação…
[desapareciam] para sempre‟, [original: Desde então ele se tem perdido com outras
calucalivros.forums-free.com/lendas-mitos- mulheres deixando de ser cristão.
t31]„, Lucas 16:8b.9. Nunca olhar para trás
(i.e., para D-us). Eu sou padre mas o meu Mediante este relatório, o Glorioso ficou
S-nhor é Satanás!” muito satisfeito e disse:
-Escravo excelente no teu labor e fiel, entra
O ateu, então, com a ajuda do padre, no gozo do teu S-nhor. Como haverá
arrancou os olhos ao cristão, conforme o alegria no Céu por um pecador que se
trato que haviam feito e o deixaram arrepende, assim também há alegria no
abandonado à sua sorte. Era já quase o Reino do Glorioso por um cristão
anoitecer. O pobre cristão saiu dali e foi antinomiano que se desvia para se perder.
sem direcção porque nada via, e foi dar a Pois era um cristão arminiano. Bem
uma caverna na encosta de uma montanha selecionado!
onde entrou, lamentando a sua sorte. Lá
pela meia-noite ouviu um ruído da parte de O outro emissário também relatou o seu
cima da caverna. Ele não sabia que o testemunho dizendo:
primeiro piso da caverna era a residência do -Encontrei dois amigos aqui perto da nossa
Diabo e dos seus súbditos, e naquele dia Moradia que iam tratar dos seus negócios.
havia muita agitação, pois era o dia da Um era cristão praticante e o outro ateu na
chegada dos emissários que Satanás tinha práxis. Fiz com que discutissem sobre D-us
enviado ao mundo exterior para desviar as e o Glorioso (refiro-me a vós, Vossa
pessoas, não as eleitas, mas as seculares e Iniquidade Predestinada), qual de vós seria
as cristãs arminianas e romanistas que não o melhor para a vida das pessoas não eleitas
são escravas (e eleitas) de Maria por o ETERNO. Durante a discussão o
(calvinismo católico, melhor cristão dizia que o He-Vau-He-Yod (Pai-
montfortinismo católico, vide Tratado da Mãe, D-us) era melhor que Vossa
Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem), Iniquidade Predestinada, e o ateu dizia o
dos caminhos de Cristo. O cristão então contrário. Depois o ateu fez uma proposta
ouviu o Glorioso (Satanás, carta de Judas) a para que às três primeiras pessoas com
dizer: quem se cruzassem lhes colocariam a
-Eu vos convoquei para ouvir os relatórios mesma questão, que achavam elas quem
da vossa missão. -Assim um desses seria o melhor: se D-us ou Satanás? Mas
induzi o ateu a propor ao cristão que se
todas dissessem que o melhor fosse Satanás, onde estavam depositadas muitas
Satanás, teria que lhe arrancar os olhos. riquezas. Depois ouviu uma voz que dizia:
Assim, passei à frente deles e me – Entra; tira o que quiseres. – Ele então
transformei num ministro protestante entrou e de lá tirou ouro, dinheiro e
arminiano que ia carregado de Bíblias a pedrarias preciosas, ficando deste modo
caminho da sua congregação. Eles lá me muito rico.
fizeram a pergunta, e a minha resposta só
podia ser uma: Vossa Iniquidade Um dia ele encontrou-se com o amigo ateu
Predestinada era o melhor. Depois, mais à o qual ficou muito admirado de o ver tão
frente tranformei-me num diácono rico e já com os olhos. O cristão explicou-
arminiano. lhe o que havia acontecido e ele pediu ao
cristão para o levar a essa caverna com o
Quando me perguntaram a mesma dúvida fim de tirar de lá o seu quinhão e ficar rico
voltei a dar a mesma resposta. O cristão ia também. Ora aquele dia era também dia de
ficando muito sorumbático não entendendo regressarem as Potestades de Satanás.
como é que um pastor e um diácono Depois de desviarem as pessoas do
podiam dizer aquelas coisas, sendo eles, Caminho. Pela meia-noite ouviu o que
como se diziam ser, escravos de D-us. também o amigo cristão ouvira, os relatos
Voltei a avançar e mais adiante surgi como como cada um deles se transformava em
um sacerdote católico ordenado, um cura a formas para desviar os crentes de seguirem
caminho da igreja para celebrar missa. o ETERNO, enganando-os, sendo ele
Voltaram a colocar a mesma pergunta que também um dos enganados.
foi alvo da mesma resposta dos anteriores
interlucutores, rivais do cura. Assim o ateu Mas um dos emissários então disse:
e eu arrancamos os olhos ao cristão e o -Antes de continuarmos a apresentação dos
abandonamos à sua sorte. Ora nem o Diabo relatórios, será melhor irmos primeiro
nem os seus demónios sabiam que o cristão fiscalizar a nossa tesouraria, porque no
estava a escutar tudo aquilo. outro dia quando aqui estávamos a relatar
os nossos trabalhos, estava um homem na
Então o Glorioso disse: nossa tesouraria de onde levou quase todo o
-Isso que fizeste não tem nenhuma nosso tesouro.
importância, porque mesmo que um homem
fique sem os olhos sempre pertence a Assim, o Glorioso mandou lá um dos seus
YAOHÚSHUA, se for um “Vaso de súbditos e quando lá chegou encontrou o
Honra” (ELEITO). ateu (Romanos 13, Amplified Bible: ”For if
you live according to [the dictates of] the
Depois um outro das Potestades do Ar flesh, you will surely die. But if through the
também falou e disse: power of the [Holy] Spirit you are
-Se o cristão soubesse que bastaria pegar [habitually] putting to death (making
numa folha verde de planta e passasse com extinct, deadening) the [evil] deeds
ela no lugar dos olhos, recuperava-os prompted by the body [ateísmo], you shall
novamente. [really and genuinely] live forever.14 For
all who are led by the Spirit of G-d are sons
Quando o cristão ouviu isto, saiu da of G-d.15 For [the Spirit which] you have
caverna e às apalpadelas foi em busca de now received [is] not a spirit of slavery to
uma folha verde e fresca de uma planta; put you once more in bondage to fear, but
passou com elas nos olhos e logo ficou a you have received the Spirit of adoption
ver perfeitamente. Voltou a entrar na [the Spirit producing sonship] in [the bliss
caverna para passar o resto da noite e teve of] which we cry, Abba (Father)!
um sono profundo só acordando quando a Father! 16 The Spirit Himself [thus]
manhã e o sol já iam altos. Quando se testifies together with our own spirit,
levantou para sair da caverna e continuar a [assuring us] that we are children of G-d.17
viagem, ficou surpreendido por uma And if we are [His] children, then we are
abertura que se abriu numa das paredes da [His] heirs also: heirs of God and fellow
caverna e que dava acesso à tesouraria de heirs with Christ [sharing His inheritance
with Him]; only we must share His
suffering if we are to share His glory.18
[But what of that?] For I consider that the
sufferings of this present time (this present
life) are not worth being compared with the
glory that is about to be revealed to us and
in us and for us and conferred on us! ).
Prenderam-no e logo o mataram. O seu
corpo foi queimado e as cinzas lançadas ao
rio.

Moral da história: “20 YÁOHU ULHÍM


abençoa os que obedecem consciente e
reflectidamente à sua Palavra, e os que
confiam em YÁOHU ULHÍM serão
felizes” (Maush‟léi, Provérbios 16: 20 –
yaohushua.org.il; este é o Fiat dos eleitos
(predestinados, porque Ele-Ela (D-us)
disse, através do hagiógrafo: “Romanos 14
Pois todos os que são guiados pelo Espírito
de D-us, esses são filhos de D-us. 15
Porque não recebestes o espírito de
escravidão, para outra vez estardes com
temor [no contexto, de que o Demónio
procure recuperar as riquezas no poder do
cristão; o Eterno YÁOHU ULHÍM será o
seu ESCUDO defensivo, Ele-Ela porá em
movimento o MAL, igualmente de todos os
arminianos que confiam na Graça).

¿Hay algo más allá de la muerte?

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