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As Incertezas da Fortuna
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As Incertezas da Fortuna
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As Incertezas da Fortuna

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About this ebook

"Mylène Dupain e Gaspard Orléans estão noivos!", a notícia corre a capital. 
Ela, uma aspirante a médica em uma sociedade patriarcal. Ele, o último descendente de um marquesado quase falido. Em meio à nobreza de Chambeaux, os dois tiveram muita sorte de se encontrar. Afinal, eles não apenas se dão bem como também parecem satisfeitos com as vantagens que o casamento trará para ambos. 
Porém "parecer" não é "estar"...
E isso fica mais evidente depois de um festival da primavera em que o destino desperta sonhos há tempos renegados e desenterra o passado. Mylène e Gaspard, à sua maneira, acabam embarcando em jornadas individuais, na esperança de logo se encontrarem novamente. Mas será que quando isso acontecer eles ainda ficarão satisfeitos com a vida que levavam antes?
Apenas o futuro (ou a fortuna) dirá.
LanguagePortuguês
PublisherNoveletter
Release dateJun 7, 2022
ISBN9786599788222
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    As Incertezas da Fortuna - Marina Orli

    Capítulo 1

    Fundo preto com letras brancas Descrição gerada automaticamente com confiança média

    Ao ter seus cabelos ruivos trançados por uma criada enquanto outra maquiava seu rosto, Mylène não conseguia deixar de pensar no quanto aquela cena não tinha nada a ver com a vida que imaginara para si.

    Era claro que gostava de usufruir das riquezas trazidas pelo negócio de seu pai, a comercialização de tecidos: morava numa casa espaçosa, com uma criadagem eficiente e o melhor da gastronomia beau sempre estava à sua disposição. Seus privilégios eram incontáveis e se sentia imensamente grata por isso; porém, se pudesse trocar qualquer parte de sua vida confortável para ter um pouco mais de autonomia, ela o faria sem pensar duas vezes.

    — Senhorita Mylène, já terminamos. Está de seu agrado?

    Mylène encarou o espelho para admirar o resultado final. As tranças transformadas em um penteado elegante. As bochechas, rosadas. Seus olhos grandes e verdes, ainda mais destacados. Só faltavam seus toques pessoais.

    — Impecável como sempre, queridas Rosane e Laila. Muito obrigada — Mylène comentou com um sorriso agradável — Mas gostaria de terminar a arrumação sozinha. Vocês poderiam se retirar por um instante, por favor?

    — Claro, senhorita Mylène — Rosane respondeu pelas duas e, após uma breve reverência, retiraram-se. Se a jovem Dupain precisasse de mais alguma coisa, tocaria a sineta que sempre estava por perto para chamá-las.

    Assim que a porta se fechou, Mylène suspirou alto, ignorando completamente os bons modos da sociedade que seu pai sempre insistia que cumprisse, mesmo dentro de casa. Na verdade, não havia muito para arrumar; queria somente ficar mais um tempo sozinha.

    Deveria estar animada por conseguir permissão para visitar o festival da primavera. Era para ser um momento só dela: caminharia pelas ruas do centro, assistiria apresentações de dança e compraria todo artesanato romani que lhe agradasse. Desfrutaria de uma última centelha de diversão antes do casamento. Entretanto, toda a possibilidade de alegria se esvaiu quando o noivo confirmou que a acompanharia no passeio. Agora, era tarde demais para impedir que Gaspard se juntasse a ela.

     Quando parava para pensar nos termos impostos no futuro casório, Mylène concluía que tinha tido muita sorte em encontrar alguém como ele, que respeitava sua forma de pensar e apoiava suas decisões, mesmo que à sua maneira.

    Ainda assim, uma voz sussurrava dentro dela: você ficará satisfeita com isso?

    A resposta, por mais que a ignorasse, era clara, mas não poderia se dar ao luxo de ouvi-la. Não agora, quando estava tão perto de alcançar seu maior objetivo.

    Resignada, levantou-se e pegou uma pequena bolsa, certificando-se de que as moedas para gastar no evento e a chave do Refúgio já estavam lá. Agora faltavam apenas um lenço, o bálsamo para emergências e o vidrinho de álcool que carregava onde quer que fosse. Manusear aqueles objetos a distrairia e melhoraria seu humor, ainda que pouco.

    Precisava pensar positivo. Ao menos estaria no festival, algo que não fazia há quatro anos, desde o falecimento de seu irmão mais velho, León, na Guerra do Leste. Pensar nele ainda era extremamente doloroso, mas os momentos de alegria entre eles sempre acabavam vencendo a tristeza de sua partida precoce. E muitos desses momentos de alegria estavam justamente nos dias de festival, nos dias em que seus pais, por algum milagre, os deixavam viver.

    Quantas apresentações de música e dança assistiram? Uma vez, num sábado, chegaram a passar a tarde inteira perto do mesmo palco para que não perdessem uma apresentação sequer. Nos intervalos, percorreram pelas barracas, comeram gratar e se divertiram com algumas crianças Romaines. Talvez tenha sido nessa ocasião que uma senhora lera a mão de Mylène e lhe dissera que ela estava destinada a curar pessoas. Naquele mesmo dia, ao retornar para casa, León até questionou:

    — Será que você vai ser médica?

    Sem dúvida, aquela data estava no pódio dos dias favoritos de Mylène. Adorava se perder nessas lembranças, numa época mais feliz, em que seu irmão ainda estava vivo e tudo parecia mais fácil porque não estava sozinha.

    Se pudesse, passaria mais alguns momentos relembrando as memórias de León, mas não era momento para devaneios. Logo o noivo chegaria para buscá-la. Precisaria manter a pose de boa futura esposa, precisaria ser perfeita. Como seu pai sempre lhe lembrava: a boa esposa está sempre contente, está sempre atenta para antecipar os desejos do marido, está sempre satisfeita. A boa esposa nunca quer mais do que tem, porque suas necessidades são as necessidades do marido.

    Odiava essa perfeição porque sabia que nunca seria sua realidade. Ainda assim, precisava fingir ser amável, delicada e submissa. Precisava fingir que não questionava todos os dias como seria a vida se pudesse ter o que queria. Para o bem ou para o mal , anos de prática a transformaram em uma mestre na arte da atuação.

    Determinada, pegou um pincel para finalizar a maquiagem com seus toques finais, passando a tinta rosa claro em seus lábios. A aparência estava perfeita, como uma boa futura marquesa deveria ser. O detalhe final na sua farsa.

    Passos no corredor quebraram o silêncio do quarto. Pelo ritmo, Mylène sabia que seu pai estava a caminho e, segundos depois, ouviu batidas pesadas na porta.

    — Mylène, posso entrar?

    — Sim, papai — ela respondeu, colocando-se de pé e encarando a porta do quarto, a imagem perfeita de devoção filial.

    Assim que Hugo Dupain entrou no cômodo, Mylène sorriu, estendendo os braços levemente e girando devagar no próprio lugar, exatamente como a bailarina da caixinha de música que ficava em cima de sua mesa de cabeceira. Esse era um ritual comum entre os dois para que o pai pudesse admirar as roupas da filha, todas confeccionadas com os melhores tecidos importados pelo negócio da família.

    — Ah, que maravilha! Este é o linho de Hassan que trouxe da última viagem, não é? — Mylène terminou o giro e concordou com a cabeça. — Foi uma ótima viagem para todos os meus negócios. E… Ah! O azul-safira combina perfeitamente com você.

    — Obrigada, papai. E ele é realmente fresco, ideal para a primavera de Chambeaux.

    — Ótimo! Comentarei exatamente isto para os compradores mais difíceis amanhã. Prevejo que ele será bom para o verão também… — adicionou mais para si mesmo. — Mas chega de falar de negócios. Sabemos que é um assunto bastante complicado para a mente feminina. — Mylène nem conseguia mais se indignar com os comentários ofensivos do pai.

    Ele retornou ao assunto principal:

    — Já terminou de se arrumar?

    — Sim, papai — Mylène confirmou e pegou a bolsa, passando a alça pelos ombros. — Estou pronta.

    O senhor Dupain a inspecionou, porém seu olhar parou por alguns segundos em um ponto atrás dela e ele franziu a testa. Ao se virar, ela percebeu, em cima da cama, o jornal do dia estendido, aberto na manchete Investigação encontra fortes indícios do paradeiro do bandido De la Source.

    Como pude cometer esse deslize bobo?, Mylène se amaldiçoou mentalmente por ter se esquecido de guardar a edição embaixo da cama. O pai não gostava da ideia de que a filha fosse uma mulher informada. Ainda assim, Rosane trazia o jornal diário para ela todo dia, escondido. Mylène o lia, deixava embaixo da cama e a própria Rosane ou até mesmo Laila arranjavam um jeito de descartá-lo depois.

    — Ah! O jornal, certo? Eu o peguei do seu assento, após o café da manhã, sem ao mesmo perguntar se o senhor tinha terminado de ler. Sinto muito, papai… — Myléne olhou para o chão deliberadamente antes continuar: — Como o Marquês de Orléans lida bastante com os casos de De la Source, imaginei que acompanhar essas notícias serviriam de termômetro do seu humor. Eu não entendo muita coisa, mas tem ajudado — mentiu, mantendo o falso constrangimento.

    — Certamente uma jogada prudente — o senhor Dupain falou com frieza.

    — Obrigada, papai — ela agradeceu com o seu maior tom de inocência e pegou o jornal da cama. — Tome. Desculpe se o aborreci.

    — Não é necessário — o senhor Dupain disse, jogando o exemplar no lixo ao lado da penteadeira de Mylène.

    Sem dizer mais nada, ele estendeu um de seus braços também cobertos por um tecido de Hassan bege. Ela aceitou e os dois saíram em direção ao corredor. Mylène conseguia sentir que o pai não estava nada feliz.

    Ao chegar no alto da escada, ela olhou de soslaio para a direita, onde mais adiante estava o quarto da mãe. O pai, então, iniciou a descida e Mylène o acompanhava com o coração apertado.

    — Imagino que o marquês já tenha chegado e não poderei cumprimentar a minha mãe, certo? — ela perguntou de forma casual, tentando disfarçar a imensa tristeza.

    — Exato. Você pode cumprimentá-la quando voltar. Aposto que ela compreenderá.

    O aposto que ela compreenderá soava como um isso não importa aos ouvidos de Mylène. Gostaria que ele ao menos fosse mais respeitoso, pois era o único responsável pela situação da mãe, mas, apesar da raiva borbulhando em seu coração, apenas sorriu e não teceu nenhum comentário, mascarando mais uma vez seus verdadeiros sentimentos. Aquele não era o momento de colocar tudo a perder.

    Quando finalmente chegaram à porta da sala de visitas, o senhor Dupain se voltou para a filha, deixando sua feição gentil de lado. Quando não havia ninguém por perto, ele mostrava quem era de fato: um ser humano terrível. Seu semblante se tornara tão distorcido que suas sobrancelhas escuras pareciam se juntar em uma só. Ele a encarou com os olhos verdes, iguais aos de Mylène, ao relembrá-la:

    — Comporte-se no festival. Nada de se empolgar com as danças ou tentar leituras da sorte, como fazia com o seu irmão. O marquês não gosta de festas e muito menos dos Romaine.

    Ela sabia. Todos na capital também deviam saber. E esta era mais uma das razões por estar tão desanimada em ir ao festival com o noivo.

    — Sim, papai.

    — Lembre-se de que o casamento de vocês se aproxima e não queremos dar motivos para que ele não aconteça.

    Mylène segurou a vontade de gargalhar. Casamentos eram apenas uma outra forma de fazer negócio, porém o senhor Dupain, apesar da experiência, sequer desconfiava o quanto o título de marquesa seria muito mais vantajoso para ela do que para ele.

    — Sim, papai.

    — Além disso, Avril está muito empolgada com o casamento — o senhor Dupain continuou e Mylène mordeu a língua, sentindo a raiva subir ainda mais pelo seu peito. — Seria terrível se a melancolia dela retornasse em decorrência dos maus atos da única filha.

    Mylène, dessa vez, mal conseguia disfarçar sua aflição. Seus nervos sempre ficavam à flor da pele quando o senhor Dupain ousava tocar no nome de sua mãe e ele sabia muito bem como usar isso contra Mylène. Mas o que ele também não entendia é que a mãe era a sua principal fonte de força para seguir em frente com tudo que estava fazendo. Recompondo-se, ela disse:

    — Não vou decepcioná-lo, papai.

    O senhor Dupain enfim pareceu ficar satisfeito com a obediência da filha. As sobrancelhas voltaram ao lugar, seu meio sorriso ardiloso reapareceu e ele abriu a porta da sala de visitas.

    Lá estava o Capitão do Oeste, o marquês Gaspard Orléans, sentado em uma das poltronas. Ao vê-lo, Mylène prendeu a respiração por alguns segundos. Quem visse de fora, acharia que essa reação estava relacionada com a beleza estonteante do rapaz, com sua pele marfim, seus olhos acinzentados e cabelos castanhos sempre presos num rabo de cavalo firme, mas sua mente estava no andar de cima, no quarto que a mãe ocupava.

    Quando Gaspard os viu, uma expressão esquisita passou por seu rosto por alguns segundos antes que repousasse a xícara que segurava para se levantar de forma elegante e cumprimentá-los.

    Mylène tinha sorte que Gaspard era tão bom em fingir quanto ela — não duvidava que, para seu pai, a cena era de duas pessoas apaixonadas que mal podiam se conter ao se encontrarem.

    — Por favor, termine seu chá, Vossa Excelência! — o senhor Dupain insistiu, aproximando-se do futuro genro.

    — Já havia terminado, senhor — Gaspard explicou. — E, antes que peça perdão por qualquer demora, adianto que apenas estava com sede.

    — Sempre um homem cortês e gentil, não é mesmo?

    O marquês apenas assentiu com a cabeça, tentando tirar um pouco da seriedade do rosto. Transferiu sua atenção para Mylène e a elogiou:

    — Está deslumbrante neste tom de azul, senhorita.

    — Obrigada, Vossa Excelência — Mylène respondeu com uma pequena reverência, que Gaspard interrompeu com uma mão.

    — Gaspard — relembrou. — Nosso casamento se aproxima, então a senhorita deve me chamar de Gaspard.

    Tinham combinado de atuar aquela cena num de seus últimos encontros, e Mylène havia se esquecido em meio a sua confusão de sentimentos. Era essencial que a felicidade de Hugo Dupain estivesse nas alturas para que o plano de ambos continuasse da forma que almejavam. Entrando na atuação, Mylène deu um sorriso tímido, enquanto os olhos do seu pai brilhavam de felicidade; seu sonho de entrar oficialmente no círculo da nobreza parecia estar cada vez mais próximo.

    — Vamos? — Gaspard perguntou, oferecendo o braço esquerdo, que Mylène prontamente aceitou.

    Sonho.

    Quando o sonho do pai se realizasse, ela perderia toda a sua chance de viver a vida que gostaria. Mas ao menos libertaria sua mãe. E não havia nada no mundo que não faria para que isso ocorresse.

    Capítulo 2

    Fundo preto com letras brancas Descrição gerada automaticamente com confiança média

    O local do festival da primavera não ficava tão longe da casa dos Dupain, mas Gaspard fazia questão que se deslocassem de carruagem. Ele queria ostentar o brasão da família Orléans e exibir para o mundo seu apreço por sua noiva, um movimento estratégico perfeito para que a cidade continuasse falando da futura união entre os dois. Afinal, quanto mais burburinho tivesse, mais fácil seria seguir com os planos.

    Contudo a decisão de acompanhar Mylène acabou implicando no descumprimento do acordo entre os dois de que ela teria a permissão para ir sozinha.

    Desde a morte do irmão mais velho na Guerra do Leste, sua noiva não pudera ir ao festival. Além do desprezível senhor Dupain proibi-la e se recusar a levá-la, usando a mãe dela como ameaça velada, nenhum de seus colegas homens da universidade se dispunham a acompanhá-la. Agora, nem essa oportunidade teria, pois havia finalizado seu curso de literatura no início daquele mesmo ano.

    Sabia que nada disso seria um problema para Mylène, que era independente e conseguia se virar sozinha, se a sociedade beau permitisse que as boas moças tivessem a liberdade de transitar sem um acompanhante masculino fora do lar, sem julgamentos. Era uma das séries de regras estúpidas que governavam suas vidas.

    Mas se o marquês, que por acaso é meu noivo, permitisse, com certeza meu pai não faria objeções, ela explicara e Gaspard aceitara. Não que fizesse diferença que sua futura esposa fosse vista no festival sozinha; com o seu título e o dinheiro que a união traria, poucos ousariam questionar seu comportamento.

    Mas apesar de saber de tudo e de suas boas intenções, Gaspard tinha rompido sua promessa e, agora, ambos estavam dentro da carruagem.

    — Sinto muito por não ter cumprido o trato — Gaspard finalmente quebrou o silêncio entre eles.

    Mylène demorou um pouco para se pronunciar, e sem desviar o olhar da janela, finalmente o respondeu:

    — Quase perdi a compostura quando me avisaram que você me acompanharia.

    — Eu imagino… Sei o quanto este festival significa para você — Gaspard comentou sinceramente, lembrando-se do falecido irmão da noiva e das histórias que compartilharam juntos na festividade primaveril.

    Mais alguns segundos de tensão seguiram e Gaspard podia ver as mãos de Mylène fechadas em punhos no seu colo.

    — Confesso que ainda estava com bastante raiva quando entramos aqui. Porém, por onde passamos, houve burburinho. — Mylène tinha notado as pessoas apontando os dedos sem nenhum decoro para a carruagem e cochichavam entre si. — Provavelmente estão falando sobre o quanto você deve me amar por ter aceitado vir ao festival comigo.

    Gaspard arregalou os olhos cinzentos rapidamente, mas logo voltou às expressões habituais. Mylène sempre o surpreendia com sua perspicácia, principalmente considerando o pai que tinha e a educação que recebera. Era quase um milagre que ela fosse tão esperta tendo um idiota como Hugo Dupain como progenitor, que controlaria todos os pensamentos dela se pudesse.

    — Será que um dia vou me acostumar com a sua inteligência? — ele perguntou em voz alta, somente para agradar Mylène. Os meses de convívio já o haviam ensinado que a senhorita Dupain não gostava de ser exaltada pela sua beleza, e sim pelas suas capacidades.

    — Espero que não! — ela respondeu um pouco mais animada, encarando-o com determinação. — Ainda tenho muito o que aprender, então espero continuar surpreendendo a todos com a minha inteligência. Principalmente quando eu oficialmente me tornar a primeira médica do país.

    O marquês tentava, mas ainda não conseguia entender essa paixão de Mylène pela medicina, mesmo depois de quase um ano do acordo de noivado. Mulheres beau podiam apenas se especializar em música, pintura e literatura. Obviamente isso não era o suficiente para a Dupain. Quando ninguém estava olhando ou prestando atenção nela, lá estava a jovem fugindo, lendo e estudando sobre as artes medicinais.

    — Verdade. Você terá seu próprio consultório — o noivo comentou.

    — Além de todo o material necessário — Mylène acrescentou, com um fantasma de sorriso no rosto.

    — E uma biblioteca atualizada.

    — Mas antes de tudo, precisamos começar a tratar minha mãe.

    Após ter dito isso, Mylène seu sorriso se tornou amargo, resignado. Gaspard tinha plena consciência de que tudo o que a noiva estava fazendo era pela mãe. A alta sociedade de Chambeaux acreditava que a senhora Dupain sofria de uma melancolia severa desde a morte do filho, porém os dois sabiam que não era só isso…

    — Sim, será a primeira providência após o casamento. Eu te prometo — Gaspard lhe assegurou. — Por sinal, conseguiu ver a senhora Dupain hoje?

    — Não, mas em teoria ele deixará que eu a visite na volta…

    — Espero que sim. Nosso casamento será daqui a um mês, logo ela estará saudável novamente.

    — Que assim seja — Mylène desviou o olhar para o lado de fora novamente.

    Que assim seja era a mesma frase que ela usara ao final do primeiro encontro dos dois; uma reunião tramada por Hugo Dupain num dos melhores restaurantes da cidade.

    Gaspard ainda se lembrava do olhar triste de Mylène, uma expressão que há muito tempo vira no rosto de sua irmã desaparecida, Marianne. Talvez, por conta disso, não conseguiu atuar nem fingir que realmente estava interessado na mulher à sua frente. Ele foi franco sobre suas intenções e, quem sabe por esse mesmo motivo, ela também tenha contado toda a verdade sobre o que acontecia dentro de casa, sabendo que, ao revelar sua situação, estaria arriscando o próprio pescoço.

    O tanto que ele se indignou com os absurdos que ouviu não

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