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ISBN 978-85-62069-09-3
Lua em Refração
Nancy Lix
Sumário
Lua em Refração...................................... 9
Dançando com Mephisto.......................... 11
Opus......................................................... 13
Anjo da Morte .......................................... 15
O Chamado.............................................. 17
O Serafim................................................. 18
Lua Vermelha I......................................... 20
Lua Vermelha II........................................ 22
Divindade Cega I...................................... 23
Divindade Cega II..................................... 25
Divindade Cega III.................................... 27
Divindade Cega IV................................... 29
O Demônio da Lua................................... 31
Anjo e Demônio........................................ 33
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Sol Negro ................................................ 35
O Vampiro................................................. 38
Metamorfose............................................ 40
A Máscara................................................ 41
Inocência.................................................. 42
Concepção............................................... 44
Mulher Real.............................................. 46
Osmose ................................................... 48
Elo Perdido............................................... 50
Pulsão...................................................... 52
Pecado dos Anjos..................................... 54
A Deusa de um Nome Só......................... 56
Ser Mulher................................................ 58
O Nome Sagrado..................................... 60
Serpente com Asas.................................. 62
O Lado Escuro da Lua............................. 64
Razão e Verdade...................................... 66
Menina do Jasmim................................... 68
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Luka.......................................................... 70
Desejo Velado.......................................... 72
Hades....................................................... 73
Consenso ................................................ 75
Confronto.................................................. 78
Ética de Sofrimento.................................. 80
Anátema................................................... 82
Desejos.................................................... 83
Mariposa................................................... 85
Reflexos................................................... 87
Vida e Morte............................................. 89
Coma........................................................ 91
Condição Humana.................................... 92
Asas Vivas................................................ 94
A Morte das Ilusões.................................. 95
Tanka da Burca........................................ 97
Vôo da Águia............................................ 98
Vertigem .................................................. 100
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Fatalidade................................................. 102
Chamado Selvagem................................. 104
A Outra..................................................... 106
A Loba...................................................... 107
Vento Sul.................................................. 109
Mulheres Veladas..................................... 111
Sinais de Fumaça..................................... 113
Mulher...................................................... 115
Mater........................................................ 116
Cratera da Lua......................................... 117
A Bailarina................................................ 119
A Águia e o Feiticeiro............................... 121
Alquimia.................................................... 123
Buraco Negro........................................... 124
As Mãos do Baterista............................... 125
Flor-de-Cactus.......................................... 127
Ecos......................................................... 128
Por Amor.................................................. 130
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Decepção ................................................ 131
Olhos de Feiticeiro................................... 133
O Poema.................................................. 135
Extinto...................................................... 136
Desenlace................................................ 137
Cumplicidade............................................ 139
Corpo Fechado......................................... 141
Libido........................................................ 143
Picada de Mosquito.................................. 145
Destino..................................................... 147
Eva........................................................... 148
Coisas do Demo....................................... 151
Lágrimas de Crocodilo............................. 152
Fogo Amigo.............................................. 153
A Profecia................................................. 155
A Face...................................................... 157
Sortilégio.................................................. 158
O Iniciador................................................ 159
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Objeto de Desejo...................................... 161
Aparências............................................... 164
Lilith.......................................................... 165
Declaração de Amor................................. 167
Beijos de Cobra........................................ 169
Loucura de Amor...................................... 170
Encontro de Amor..................................... 171
Amor Sincero............................................ 172
Mistérios do Hades................................... 174
Água e Óleo............................................. 175
Slávia do Sul............................................ 176
Dança dos Lenços.................................... 178
Mística Erótica.......................................... 180
Eclipse da Alma........................................ 183
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Lua em Refração
O sol esconde-se do outro lado
do corpo em constante rotação,
meu corpo
em torno de si mesmo,
minha presença no mundo
a lançar sombra sobre as emoções,
profundas emoções.
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em comprimento de ondas coloridas,
brancas,
azuladas,
vermelhadas,
como a Lua em múltiplas refrações.
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Dançando com Mephisto
Minha culpa nascer com juízo,
preferir ficar só a vagar
entre as multidões de perdidos,
condenando a minha alma
à esperança que desengana.
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Dance, dance Mephisto...
Eu te pressinto,
minha morte,
minha danação,
vomitando recessos de fantasias.
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Opus
Rendo-me,
como qualquer animal no deserto
que teve as suas patas amputadas
no calor destrutivo do meio dia.
Rendo-me,
e dissipo-me na evaporação das lágrimas,
na deliberada frustração do desejo,
deixo o que não é mais meu
e nunca foi meu,
a voracidade da tua vontade
pela simples pureza selvagem,
sem moral ou convenção ética,
em favor da minha integridade,
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Rendo-me,
sem maniqueísmos,
sem cáustica autocomiseração,
à desestruturação dos meus apegos
e entrego-me a esta opus caótica,
a queimar em alquímico incêndio
as minhas pegadas sangrentas.
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Anjo da Morte
Ainda assim te amo,
negro e ingrato olhar
sobre o meu corpo antes vivo,
de auroras efervescentes
e ígneos entardeceres,
de negritude agora possuído,
sombreado de mistérios.
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e fogos de artifício.
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O Chamado
Recebi o teu chamado
no fundo de meu ser,
uma força flamejante
de desejo concentrado.
Tamanha a intensidade
perco-me em delírios,
esquizofrênicos delírios,
religiosos delírios,
delírios, delírios, delírios
em outras dimensões de mim,
que até então eu desconhecia.
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O Serafim
Minha espada,
meu falo,
minha fala.
Fel e mel
sobre a minha língua,
o meu grito,
a minha sedução.
Em ti faço a metamorfose,
transfigurando a minha alma
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da contraparte à semelhança,
de hermafrodita radiação.
Afinal somos um
embora de forma distinta.
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Lua Vermelha I
Minha ira,
minha pira de fogo
no alvorecer,
lua vermelha
sou eu,
seca de sangue.
Quero vingança,
e não quero,
pois o meu sol
que é negro
oculta-se na minha sombra
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em eterno abraço de escuridão,
se a espada cruza o meu caminho
e dele me afasta,
separando-me de mim mesma?
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Lua Vermelha II
Não sou a criatura
das brancas luas,
de gélida gravidez.
Rebelo-me,
e cravo a espada,
minha própria espada,
no meu ventre
E sangro
a rubra tintura que é só minha,
da minha ferida que não sara
desde que me tornei mulher.
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Divindade Cega I
Intensa paixão,
auto-suficiente,
quebrei os espelhos,
furei os olhos
para não cair nas armadilhas da ilusão.
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para mim e o outro,
secreto amante,
que me mantém no beijo ardente,
no gozo interminável
em permanente ereção,
de fluídos límpidos
e adrenalina pura.
Sou uma história de paixão velada,
um livro de capítulos ocultos
cuja profundidade implícita
o olhar humano não é capaz de ver.
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Divindade Cega II
Fui mulher do homem,
boneca de fetiche,
objeto da sua perversão,
deixei de sê-la para ser gente,
antes de nascerem as asas
e tornar-me peregrina,
uma peregrina veloz
com venta nos pés
e capacete invisível,
antes de encontrar a filosofia,
solitária palidez,
solidez abstrata,
gelada sabedoria,
antes de furar os meus olhos,
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e não servir mais de espelho
para nenhum mortal,
nem objeto de mim mesma.
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Divindade Cega III
Olhar cego
que não se deixa ver,
de subliminar transparência,
este é o meu olhar,
nele me contemplo,
e me contento,
pois sei que sou eu,
na outra dentro de mim,
não naquela de fora,
objeto de visão reflexa,
defeituosa,
deformada.
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por isso circuncidei minhas retinas
para ver-me de verdade.
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Divindade Cega IV
Quero falar-te a palavra sem voz,
olhar-te nos olhos sem luz,
tocar-te sem física presença,
quero entrar na tua alma,
possuir-te sem resistência,
ser engolida pelas tuas emoções,
mas eu já te possuo sem ver,
e, como sombra não me permito revelar,
cair na armadilha do teu corpo,
presa da minha própria pulsão.
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sem bússola humana,
guiando-me pelo instinto apenas,
e meu instinto me diz
‘voe para longe das armadilhas dos corpos,
o amor é um cálice vazio de veneno derramado.
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O Demônio da Lua
Tantos são os meus eus
que conheço e desconheço,
perdidos nas memórias do passado,
em cada momento,
em cada pulsão,
aflorando um anjo,
anjo do bem,
anjo do mal,
ira,
desejo,
compaixão,
desintegrando-me em partes,
perdendo a sede da minha alma
- o tempo tudo consome -
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e, desesperadamente procuro
pelo meu mais secreto demônio,
na cratera mais negra da lua,
Shayin,
eis quem eu chamo,
irado,
malvado,
inconformado Shayin
te encontro velado,
nas profundezas de minha alma
esperando ser luz remanescente.
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Anjo e Demônio
Anjo e demônio,
meu segredo,
meu véu,
minha sina velada,
como posso atar
essas duas partes de meu ser,
colocar asas em meu corpo,
corpo de serpente,
deixar de rastejar,
sair da escuridão,
e acoplar-me sobre a árvore,
entregar-me ao meu desejo,
sem a ele submeter-me
ou perverter-me,
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isento de pegajosa lascívia,
mas de beijos profundos e doces
como o licor de anis,
intensos
e inocentes de prejuízos,
sem converter, contudo,
em chama volúvel a minha alma,
em desapaixonada paixão,
como um anjo sem ventre,
ou um demônio sem coração.
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Sol Negro
Cansada
de ter filhos,
de gestar,
de parir,
de nutrir,
por eles sofrer,
viver,
morrer,
e sentir,
lua sem estrela,
esfera sem calor,
sem vida própria,
satélite do outro,
acaso o meu sol,
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negro sol,
dentro de mim,
pode ser visto,
tão secreto,
movendo-se nas sombras,
amordaçado,
eclipsado,
mas vivendo
auto-suficiente?
Apague
branca,
maldita,
branca lua,
face de sol alheio,
e deixe o negro raio
refletir o outro lado,
puro,
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escuro,
o meu lado ocluso,
lado de mulher,
negado neste hemisfério de luz.
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O Vampiro
Anseio a doce morte
de um cálido abraço,
e acordar nunca mais,
nunca mais cruzar a luz do dia.
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me delegas o inferno,
eternamente vivendo
a queimar sem virar cinzas,
a minha alma sonâmbula,
amando e odiando tua presença
a sugar sangue de dentro de mim,
de volta para mim,
em vampírica cumplicidade.
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Metamorfose
Permita-me fechar o anel,
engolir o meu próprio veneno,
em circunvolução,
nascer para mim mesma,
com asas,
tal serpente voadora,
acima do mal e do bem,
uma alma livre
num corpo de mulher,
que eu te permito
decifrares a tua sombra,
ou ser por ela ser devorado,
caso me obrigues
a rastejar sob os teus pés...
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A Máscara
Tirei a máscara
e vi-me no espelho,
uma menina assustada
com medo da vida,
tornei a pô-la,
para ninguém saber
da minha fragilidade,
ou esconder-me de mim
enquanto possa ferir-me.
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Inocência
Choro
um orgasmo de dor,
minhas pernas estremecem
em elétricas vibrações
de nojo e prazer ressentido.
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toda a tua raiva,
acabei matando
toda a minha inocência.
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Concepção
E eles vieram todos,
aqueles que não se esmaga com os pés,
alados,
iluminados,
santos e demônios,
estigmatizados,
legiões de sombras projetadas da mente,
míticas criaturas,
perdidas nas trevas da alma humana.
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sobre o meu corpo,
santuário da tua perversão.
Em vão,
a minha voz ergueu-se nas alturas,
soprei ventanias,
ciclones,
maremotos,
cuspi granizos,
mas tudo voltou-se contra mim,
pari mais um deus profano
na lava quente da minha rebelião.
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Mulher Real
Deixe-me tirar estas felpas
dos meus calcanhares,
deslizar os meus pés descalços
sobre a úmida grama,
circunvolver o meu corpo
de forma graciosa,
voluptuosa,
aconchegante,
pois que sou uma mulher real,
não uma andróide de revista,
com seios de borracha,
uma criatura esquisita,
de olhar e caminhar de zumbi,
ou uma boneca digitalizada,
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esticada,
projetada
da transexualidade do homem.
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Osmose
Velada não é tanto a minha ira,
nem a minha lucidez genital
sobre o meu corpo entranhado,
introduzido
por fálicos desejos,
que nunca satisfazem
a sede da minha alma.
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Velada é a minha paixão
para ti inalcançável,
visto que é osmose de espírito,
estigma de sangue,
pacto de destino,
que só almas maduras,
castradas de poder,
por vontade própria,
podem sentir e entregar-se.
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Elo Perdido
Dou-te as minhas asas,
sussurrou o Serafim,
voe para longe
deste paraíso,
desta prisão de formas,
libertando-te do aguilhão,
e o teu corpo do modelo
soprado do barro divino,
adamado,
efeminado,
clonado da costela de Adão,
adulterado,
mutilado.
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Rompe o casulo petrificado,
por séculos de gestação,
desde o início dos tempos,
e deixa a tua alma ancestral
parir o teu próprio fogo,
fogo de mulher dragão,
atravessando os ares
livre dos grilhões do nome.
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Pulsão
Pulsão de vida,
pulsão de morte,
alguma coisa dentro de mim
existe que não sou e sou,
uma presença silenciosa,
estendendo um braço para a vida,
outro para a morte,
e, num abraço, enlaça o meu corpo,
uma porção de tempo aqui - agora,
em cruz, porque morre em vida,
e, na morte, é vida sem revelar
esta presença dentro de mim,
que é senão a Outra que
não pode ser refletida e
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nem separada,
pois não
posso
separar-
me
de mim
mesma.
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Pecado dos Anjos
Viver
- meu segredo e nigredo pessoal -
com medo de perder as alturas,
as asas da minha sublime loucura,
a paixão do que nunca é vivido,
e nem pode
transformar-se em efêmera loucura,
humana,
letal,
em ritmo orgástico
esgotando seu poder e força pura.
Viver
- meu segredo e nigredo pessoal –
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separando o dia da noite,
os opostos da minha alma,
os desejos imaterializáveis,
irreconciliáveis portanto com a vida,
como água e óleo,
velando a minha ungida loucura
através dos sentidos,
sem esgotar-se,
sem corromper-se
ante a brevidade da matéria,
bebendo o sangue e a ternura,
do mesmo cálice de estigma
e paixão,
na expectativa de orgasmo eterno.
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A Deusa de um Nome Só
Retraída crisálida,
não sou a Deusa de um nome só,
mas a larva também não sou
dessa degenerada cultura.
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a senhora dos poderes do abismo,
do vento,
do firmamento,
a gota de óleo no sangue da vida,
o campo semeado, a semente,
a própria semeadura,
a virgem primeira,
eternamente grávida
do falo de Deus.
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Ser Mulher
Sinto em mim uma força obscura,
selvagem,
salivando ira,
duas fendas na floresta escura,
toda a minha frustração contida,
ser uma fera desejando ser mulher.
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Ser uma fera ou não sendo,
enquanto a menina brinca,
os abutres a observam.
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O Nome Sagrado
Leia-me da direita para esquerda,
que sou o hemisfério do oriente,
espírito,
estigma,
paixão,
um véu para o ocidente,
ou uma letra tagin,
secreta,
sagrada,
chama velada,
para olhos que vêem
através das pupilas,
negras pupilas,
íntimas revelações.
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Sou como o sol atrás do horizonte,
quando a luz se torna sombra,
e a sombra torna-se luz no outro lado,
onde nenhum espelho alcança,
senão o olhar velado das entrelinhas.
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Serpente com Asas
Complicado ser mulher
com um alma de fogo
e instinto de mãe,
uma serpente da água,
metamorfoseada,
com asas
e hálito de dragona,
colocando seus ovos
num buraco de areia,
areia molhada,
salgada,
profunda,
protegendo o filhote
dos monstros marinhos,
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que tem medo de nadar,
nas profundezas escuras
deixar-se levar à superfície,
atravessar os limites,
criar nadadeiras,
saltar como peixe voador.
Filhote de cobra,
aprendendo a voar,
precisa vir à terra primeiro,
arrastar-se montanha acima,
queimando as escamas,
endurecendo a pele,
e colocar o seu próprio ovo
no ninho das águias.
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O Lado Escuro da Lua
Em tais trevas
encontro-me,
e desencontro-me
da mulher que sou
- a minha própria luz -
senão a imagem mítica
dos patriarcas mortos,
sombra de uma lua morta,
segregada da ígnea essência
de que somos feitas,
todas as mulheres e eu,
exiladas na luz escura,
do outro lado da lua,
onde habitam os fantasmas
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daquela que originalmente fomos,
a mãe de todos os arquétipos,
a senhora do sol e da vida,
poder transformado em morte,
quando o homem fez-se homem
à imagem do pai,
renegando-nos pela segunda vez.
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Razão e Verdade
Deixa os meus véus dobrarem
as negras asas sobre o meu rosto,
reservar-me dentro de mim mesma,
colorir-me das minhas próprias pulsões.
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luz e intensidades de vida em mim,
alheias às guerras
de hemisférios mal resolvidos,
teus hemisférios,
em constante conflito por dominação.
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Menina do Jasmim
Temo retirar o negro véu,
meu último véu,
deparar-me com a menina
do jasmim manchado,
com uma foice na mão,
por todos os estupros
e objetos que me tornei,
o maligno reflexo puro
da natureza irada,
incriada,
abortada da alma,
como o espectro do sangue
da virgem que deixei de ser,
vindo a tornar-me sempre
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a menina do jasmim carmim
metamorfoseada em mulher,
com um espinheiro sob os pés.
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Luka
Arde o meu coração,
de um fogo estrangeiro,
desconhecido,
mas não é alienígena,
conheço-o desde sempre,
disfarçado de monge,
do dia em que nasci.
Sondei as estrelas
tracei uma geosinastria,
sinistro foi o risco,
chegar ao outro lado do globo,
na direção do que não vejo,
maldita gravidade,
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prendendo-me aqui.
Se eu pudesse voar,
com as minhas asas de fogo,
tu me verias atravessar os céus
do gelado deserto escuro,
talvez me reconhecesses,
uma estrela flamejante lançada do oeste,
um meteoro vindo em direção a ti,
ou uma bruxa atravessando a lua,
assombrando o teu anoitecer
num rastro de chamas,
sobre os mosteiros da Sibéria.
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Desejo Velado
Fascina-me esse negro monge,
com o seu olhar de firme certeza
atravessando-me feito laser,
invadindo-me por inteira,
violando a minha alma,
profanando a minha intimidade,
no controle absoluto.
Impassível,
renega-me o seu orgulho,
mas o foco do seu olhar
alcança além da retina,
revelando o seu instinto,
instinto de predador
atraído por sua presa.
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Hades
Hades, senhor dos meus reinos,
que temores me infliges tu,
se senhora também sou do teu reino?
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então a senhora sou eu, tu, meu cativo,
por isso, saiba meu senhor e leal companheiro,
se de ti me perder, a minha alma ficará vazia.
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Consenso
Pesa-me pensar
que vivi muitos espelhos,
de diversificadas impressões,
tingi o meu cabelo,
por quantas as minhas emoções,
mas não ousei do vermelho
dar vazão à minha ira,
esganar meio mundo,
acusar a hipocrisia,
as perversas fantasias,
persistir na justiça
à opressão feminina.
Pesa-me pensar
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que deixei levar-me
pelo silêncio da covardia,
por medo aceitei a derrota,
fechei os olhos à mentira,
baixei a minha cabeça,
consenti,
pagando o que não devia.
Falso consenso,
consenso por coação,
eis o poder do mais vil,
consentimento induzido,
verdade instituída,
a mulher sempre perde,
mesmo ganhando,
os danos vão bem além
da jurisprudência machista,
de reiterada presunção.
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Confronto
Ouço o tambor das selvagens iniciações,
e o uivo do lobo a quem devo reverenciar,
pois a fera que de mim se aproxima,
não é o branco lobo das montanhas de neve,
fiel amigo
com quem tenho andado neste mundo,
mas a negra pantera dos canyons escuros,
solitária pantera,
zangada felina,
sombra feminina,
cujo coração fez-me partir em duas metades,
um desencanto pela vida que até sei lidar,
e uma parte dolorosa, esta sim, recolhida,
sob o olhar fechado em prisma de negação,
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da incapacidade de superar os meus fracassos,
desde a tonta fragilidade das minhas intenções
à densidade dos meus desejos mais íntimos,
do instinto materno ao espírito de rebelião,
do constrangimento de ser uma fêmea felina.
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Ética de Sofrimento
Penso ser inútil para mim mesma,
ocultando-me em histéricos sorrisos,
risos de quem chorou densas lágrimas,
perdoe-me, meu amigo, de ti afastar-me,
não me sinto segura em mostrar-me sem véus,
tu me olhas além do que eu posso suportar.
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mas, destes rostos que me assombram,
e que de chorar meus olhos não vêem,
temo restar de mim o mesmo triste lamento,
desses fantasmas que sofrem sem trégua.
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Anátema
As portas do inferno estão sempre abertas
para quem quiser secar as suas lágrimas,
calcinar no fogo os seus desejos e a ira
daquilo que nunca foi seu e nunca será.
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Desejos
Amo os meus desejos enquanto intensidade,
como um fogo ardente que nunca se apaga.
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refletindo-se uma nas outras,
multiplicando-se a partir do centro,
e o centro é o meu desejo,
uma faísca de auto-propulsão,
de uma fogueira concentrada,
sem nunca querer espargir para o exterior.
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Mariposa
Exóticos delírios
- trágico engano –
os desesperados vôos
da borboleta
esquizofrênica,
bruxa da noite
com negras asas de cetim
fugindo das trevas,
efêmera criatura,
cega batendo na luz,
desafiando o destino
em busca de calor.
De asas abertas,
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desorientada,
corajosa,
persistente mariposa
sua alma aquecerá
grudada na lâmpada.
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Reflexos
Quero ser essencial à minha existência,
não um objeto fútil,
inútil,
dentre outros tantos incorporados,
introjetados,
sublimados,
por essa loucura que é a vida de alienações,
percepções,
representações,
criadas sob véus de efêmeras fantasias,
objetos de mim,
reproduções medíocres.
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onde a arte é a mão do artista cego,
criando a realidade com sentido,
original,
única,
pois que os seus olhos não vêem
a angústia do que é inalcançável,
a face do seu mais profundo desejo.
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Vida e Morte
Não sei se amo mais a vida ou a morte,
plena de medo é a vida de morrer,
angústia,
tormento,
e preguiça de paixão.
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a morte é também um momento de revelação.
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Coma
Já estou em coma,
ligada à vida forçada,
respirando ar de mentira,
e continuo sem entender
porque os pássaros voam
sem deixar rastros.
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Condição Humana
Quão felizes os ignorantes,
os mentirosos,
os crentes,
os que se deixam tocar pela vida
à sua maneira irreal,
intelectual,
virtual,
eficaz remédio para as suas angústias.
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longe da esclerose múltipla,
de tantos eus divididos,
doentes,
projetados,
e entregar-me por inteira,
até derramar a última gota
da ferida original,
o abandono de Deus.
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Asas Vivas
Esses anjos de Deus,
misóginas criaturas,
por que aladas então,
duas luas nas costas,
efeminadas figuras,
sem vontade própria,
alienadas,
glorificadas,
voam sobre os abismos
negando-se à criação.
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A Morte das Ilusões
Do ato da extinção,
questiono-me,
quão doloroso,
em vistas de deixar de ser,
pressupondo nunca existir,
nada não poderia preceder.
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não uma estrela morta,
ou um negro buraco sem fundo,
mas uma cega deidade,
chama que não se dá a ver,
íncubus da minha existência.
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Tanka da Burca
Um olhar triste
Na janela da rua
Vive oculto
Atrás das persianas
Fechadas pelo medo.
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Vôo da Águia
Olho-me no espelho ainda bela,
mas, na pupila dos meus olhos,
vejo-me propositalmente sozinha,
uma alma peregrina
que não se contenta,
alheia,
estrangeira,
ao chão em que pisa,
e pergunto-me
se não me arrependerei amanhã,
pelos amores que não busco,
e se busco,
por certo não me renderei
aos grilhões de algum homem.
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No meu caminho escarpado,
íngreme,
ainda é meu prazer maior
escalar as montanhas,
abrir as minhas asas
tal qual águia ligeira
lançando-se ao vento,
rumo ao imponderável
vôo do espírito livre,
o gozo da arte infinita.
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Vertigem
Rubra é a minha paixão,
uma rosa de sangue
plasmada de espinhos,
com perfume,
sempre perfume,
exalando de dentro,
para dentro,
desejo profundo,
intensidade,
vertigem.
Em êxtase,
destroem-se,
fundindo-se
em grande fogueira,
enlouquecendo
a alma dos pobres de espírito.
Consumindo a força,
exaurindo a potência,
Desperdício de paixão,
o vento sul apaga tudo.
E eu estarei nua,
pintada de sangue,
Nobre covardia,
inimigo torpe,
deixo esta vida sem glória,
fugindo da luta.
A criatividade é feminina.
Lembranças,
uma agora, outra depois, e antes
soando como badalada de sino,
distante,
presente
na mesma hora,
no mesmo dia.
Um ser divino,
de coração livre,
de posse de nada,
regido pelo vento,
mas os anjos não voam
para dentro do abismo.
Quis eu amar
Êxtase do nada,
apenas um pensamento solto na veia,
um deságüe medíocre.
Agora,
embalando-me nas memórias
destes longos anos não vividos,
sinto esta paixão ainda comigo,
Integrar a psique,
um novo olhar
para algo reprimido,
Na dimensão de Aristóteles,
circular,
sem ver atrás,
acabei vendo o que queria,
meu objeto de desejo,
na boca de um homem
soprando estrelas
nas minhas costas.
Na lava vermelha
o ígneo calor.
O fardo simbólico
da imperfeição humana.
A natureza
onde o homem se perde.
II
A Serpente
vive no Jardim do Éden.
Eu sou o jardim
e a serpente.
Eva.
Apenas sou
sem precisar ser.
Eu sou a água,
o pecado
e o banho.
A terra abriu-se
- esconjuro -
pulei fora.
Sou bruxa
mas não sou trouxa,
antes só que mal acompanhada.
De demo eu entendo.
Surpreendo-me quando,
na minha direção aponta,
horizontalmente ereto,
sem precisão,
norte, sul, leste, oeste,
ou em qualquer direção,
procurando ao acaso,
como uma bala perdida,
um lugar para atirar.
Sei não,
sei não,
este olhar eu conheço,
mais parece uma ave de rapina,
alienígenas não tem sobrolhos.
Punhais,
pentagramas
e vassouras.
Perguntei-lhe,
não deverias vir de baixo,
depende do olhar do observador
respondeu a criatura,
Libertei a consciência
do inferno e do paraíso,
da minha natureza
a punição que recebi.
Nesta noite,
o teu indômito espírito de gaúcho
Mistério inapreensível,
as papilas da língua
ligando o verbo à vida.
Slávia do Sul
Caminho nas ruas dessa cidade
sobre o aterro de raças coloridas,
mas não encontro o meu chão,
do sangue lavrado na neve,
do coro das masculinas vozes,
do triste choro da balalaica,
da fogueira do furor cossaco
consagrado nas danças czardas,
na fala da mesma linguagem,
Slávia, Slávia, Slávia.
Sinto-me assim,
nômade arqueira das estepes,
Nada sinto.
Nada desejo.
Mas espero sabendo,
o que é meu a mim retornará
numa volta no tempo
dobrar-se-á sobre si mesmo
e me reencontrará.
Se for, e se for,
refração de memória apenas,
não existiria mais faísca.
Eu estaria morta.
E já não estou?
Estou?
Engano-me
se sou mais um espectro
na desesperança de retorno.
A morte também é circular,
vim do nada e volto ao nada,
vim da vida e volto à vida,
escuridão e luz,
luz e escuridão,
ou um segundo entre imersão e emersão,
ou uma discrepância,
ou uma parada no limbo.
Espero.
Ainda espero?
O que há para mim que já não veio,
e, se vier, será o mesmo,
tolas esperanças,
chamas que sempre se apagam,
círculo infinito de perdas.
Sobre o autor
Nancy Lix é graduada em Letras, professora de Língua Portuguesa, Língua Inglesa e Literatura, poeta
e escritora, reside em Novo Hamburgo-RS..
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