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3. Características e aplicações
O contrato denomina-se estimatório tendo em vista a ênfase que se atribui à estimação do
valor da coisa feita pelo consignante (preço de estima) e à confiança que deposita no
consignatário. A autorização para venda não é essencial para a noção desse contrato, pois
o consignatário pode optar por adquirir a coisa para si ou simplesmente restituí-la. Não há
qualquer conseqüência jurídica pela não venda, seja por falta de empenho do
consignatário seja por não conseguir interessado em adquirir a coisa.
As partes do contrato são o consignante e o consignatário. No direito italiano esses termos
não são utilizados, preferindo a doutrina manter os termos genéricos tradens, no sentido
amplo de quem promove a tradição da coisa, e accipiens, no sentido de quem recebe a
coisa. O consignante é o proprietário da coisa, que possa dispor dela e transferir o poder
de disposição ao consignatário. Pode ser apenas o possuidor que não seja proprietário,
transferindo apenas o poder de disposição da posse. No direito brasileiro o apenas
possuidor não está impedido de transferir a posse, em virtude dos efeitos jurídicos que
emergem dessa situação de fato, ainda que não seja titular de direito real.
Nem sempre o consignante é empresa ou empresário. Pode ser um particular, a exemplo
do proprietário de veículo que o entrega em consignação à loja de revenda de automóveis
usados.
O contrato é útil para ambas as partes. O consignante não necessita de incumbir-se
diretamente da venda da coisa, ou porque não exerça atividade comercial, ou porque não
disponha de rede de negócios necessária para fazer chegar a coisa ou a mercadoria aos
destinatários, ou porque não queira promover essa atividade. Por seu turno, o
consignatário não necessitará investir recursos financeiros para promover sua atividade,
ou para obter o proveito que espera com a diferença para mais do preço estimado, com a
vantagem de poder devolver a coisa ao consignante se não conseguir encontrar
interessado em adquiri-la, sem custo adicional.
Sem embargo de ser mais apropriado para as relações mercantis, o contrato estimatório
pode ser concluído entre particulares, uma vez que o Código Civil não o restringiu às
hipóteses em que um dos figurantes seja uma empresa comercial. A natural vocação
comercial do contrato estimatório não exclui sua configuração quando celebrado fora do
mercado, entre sujeitos que não se enquadram como comerciantes. É a situação, por
exemplo, de quem entrega uma jóia a outro sujeito, para que consiga vendê-la a terceiro
que queira pagar, ao menos, o preço estipulado.
A atualidade do contrato estimatório é ressaltada por Tânia da Silva Pereira (4), nos
negócios de obras de arte e de jóias e pedras preciosas: "Um pintor de quadros
normalmente não costuma comercializar suas obras diretamente. Esta atividade em geral
é exercida pelas galerias de arte que têm meios de melhor acesso ao público comprador.
Estas galerias, em princípio, não dispõem de capital de giro que lhes permita adquirir todo
um acervo de um pintor para vendê-lo. Daí a eficiência desta forma de contrato que, em
linha geral, se caracteriza pela entrega de coisas móveis a outra pessoa com autorização
de alienar, mas com a ob rigação de restituí-las ao consignante, ou então pagar-lhe o
preço estipulado dentro de um certo prazo. (...) Da mesma forma, o comércio de jóias e
pedras preciosas utiliza-se desta modalidade contratual, o que permite chegar ao público
objetos de alto valor sem precisar o vendedor desembolsar grandes quantias para adquiri-
los para venda".
7. Duração do contrato
O contrato estimatório é sempre a termo, de duração determinada. O consignatário exerce
os poderes de disposição ou de posse até um momento, para que cumpra sua obrigação
alternativa.
O prazo para que o consignatário possa dispor da coisa (vender a terceiro ou comprar
para si) deve ser estabelecido, o que significa dizer determinado pelas partes.
Excepcionalmente, se as partes não estipularam prazo, devem ser observados os usos do
tráfico e a finalidade do contrato. Não pode ser admitido prazo que não dê ensejo ao
consignatário de vender as coisas que o consignante lhe entregou. Pode o consignante
interpelar judicialmente o consignatário para que realize a venda ou pague no prazo que o
juiz fixar.
Sustentou-se que a prévia determinação do prazo integraria os elementos existenciais do
contrato estimatório, porque não poderia o consignatário manter indefinidamente o poder
de dispor. Há situações, todavia, nas quais os prazos vão sendo estabelecidos, às vezes
tacitamente ou pelos usos, como na hipótese de bens fornecidos e repostos regularmente
(por exemplo, livros remetidos ao livreiro retalhista), que dependem de maior ou menor
atração de clientes. O que é inadmissível é a ausência de qualquer prazo, ainda que varie
de um a outro bem entregue ao consignatário. Transcorrido prazo razoável ou decorrente
dos usos, cabe ao consignante promover a interpelação judicial do consignatário.
Encerrado o prazo sem pagamento do preço ou restituição da coisa consignada, o domínio
transfere-se ao consignatário, que ficará obrigado a pagar o preço estimado. O não
pagamento do preço, após o transcurso do prazo, resolve-se pelas regras gerais do
inadimplemento, inclusive quanto às conseqüências pela mora (juros moratórios, multa
contratual, perdas e danos, custos judiciais).
Não se considera inadimplente o consignatário se, dentro do prazo, se recusa a vendê-la
por não encontrar interessado na compra ou por não encontrar quem pague valor superior
ao preço estimado, correspondente ao seu lucro. O que não pode é dificultar, impedir ou
embaraçar a venda. Nesta última hipótese, vencido o prazo, ainda que o domínio da coisa
lhe seja transferido, cabe ao consignante a pretensão a indenização por perdas e danos,
além da cobrança do preço estimado.