You are on page 1of 517
a * Pe i ELSEVIER FELIPE DUTRA ASENS! ROSENI PINHEIRO Organizadores Direito Sanitario ADRIANO GODINHO ® ALUISIO SILVA JUNIOR * ANA PAU. SCIAMMARELLA * ANDRE MENDES © ANGELA UNNO © ANGELICA CARLIN! © CHEILA OLIVEIRA © CRISTINA ARAUJO SILVA * DANIEL SARMENTO * DANIEL DE PAULA * DANIELA BARCELLOS « Fol Wir elcl ae MC ae Cal a to a or er FELIPE DUTRA ASENSI © FELIPE MACHADO * FLAVIA SANTOS » FRANCINI GUIZARDI *,HELOISA HELENA BARBOZA * HUGO VILELA « HUGO (cj Jo) <3 41 ap aC clol wa [olla clo na ANA BARROS « LAILA DE O Ty Mom Wel Wel ne NOYES rN * MARCO AURELIO TORRONTEGUY * MARIA THEREZA GOUVEIA * MARIANA FIGUEIRE! AFAE Chaise eee 1 ANDRADE * RAQUEL SPAREMBERG RIGO COSTA « aN] LMA SAUERBRONN DI UZA * SERGIO GUERRA © SUELI ALLARI ¢ SULAMIS DAIN « TAYSA SCHIOCCHET © VANICE DO VALLE CAMPUS juetoico (© 2012, Elevier Editora Ltda Todos os direitos reservados e protegios pela Lei 9.610, de 19/02/1998, Nenhema parte dest livr, sem autorizasio prévis por escrito da editors, poderi ser reprodusidla ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados eletiSnicos, mecdnicos, fotogrficos, gravagio ou quaisquer outros. Copidesque: Claudia Guarntert Preparagio de Texto: Pamela Andrae Revisio: Marcelo Almada ‘Editoragao Hletionica: Tony Kodrigues Hlseviee Editora Lida Conhecimento sem Fronteiras Rua Sete de Setembro, 111 — 168 andar 2050-006 — Rio de janeiro — R) Rua Quintana, 753 8! andar (04569-011 ~ Brooklin ~ Sio Paulo - SP Servigo de Ateniimento ao Cente (0300-0265540 sac@elsevie-com be ISBN: 978-85-351-5112-8 am Nota: Muito elo técnicaforam empregadosna edigdo desta obra, Noentanto, podem ocorrer errosde digitagio, impressio ou diivida possamos esclarecer ou encaminhar a questo. -anceltwal. Em qualquer das hipéteses,coliitamos a comunicasoa nossa Central de Atendimento, paraque Nem aeditora nem oautor assumem qualquer responsabilidad por eventuais danos ou perdasa pessoas ou bens, originados o 20 dosta publicasao, (CWP-BRASIL. CATALOGAGRO-NA-FONTE SINDIGATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, R) Dass Dirt sanitiro recurso eletronico] / Felipe sens (ooordemador) Rio de ancito:Ehevies, 2011 recurso digital Formato: PDE Requisitos do sistema: Adobe Acrobst Resdet Moda de acesso: World Wide Weh ISBN 978-85-352-5112-8 (recurso eletronico) 1 Saide publica Legislagio- Brasl 2, Direito8 saide -Brasil. 3. Livros letebnicos. 1. Asensi, Felipe Dutra 110488, SUMARIO PREFACIO XII APRESENTACAO xv SAUDE E DIREITOS HUMANOS O direito a satide no Brasil Zz FELIPE DUTRA ASENSI Notas sobre o direito fundamental a protecao e promocaio da saide na ordem juridico-constitucional brasileira 27 INGO WOLFGANG SARLET MARIANA FILCHTINER FIGUEIREDO Satide pelos sanitaristas: 0 Sistema Unico de Satide sob a otica do principio universal da integralidade das acoes 70 ROSEN! PINHEIRO DIREITO CONSTITUCIONAL A SAUDE Direito constitucional a sade 80 SUELI GANDOLFI DALLARI A titularidade simultaneamente individual e transindividual dos direitos sociais analisada a luz do exemplo do direito a protecao e promocio da satide 99 INGO WOLFGANG SARLET XIX XX DIREITO SANITARIO. 6. Judicializagao da Satide e Responsabilidade Federativa: solidariedade ou subsidiariedade? 17 DANIEL SARMENTO CRISTINA TELLES DIREITO ADMINISTRATIVO SANITARIO 7. Federalismo, descentralizaao e regionalizagao na politica de satide do Brasil 131 LUCIANA DIAS DE LIMA 8 Sistema Unico de Satide (SUS) e aconcepcao de regulacao de vigilancia sanitaria: 0 exercicio descentralizado e reforgado do poder de policia estatal 162 SERGIO GUERRA TRIBUTOS E SAUDE 9. Direito a satide e financas ptiblicas: uma questao “tragica” 182 DANIEL GIOTTI DE PAULA 10. O financiamento do $US ¢ o direito a sade: das frustragées aos desafios 210 SULAMIS DAIN PLANOS PRIVADOS EM SAUDE 11. Satide suplementar: regulacao e jurisdicao 224 ALUISIO GOMES DA SILVA JUNIOR MARIA THEREZA CAROLINA DE SOUZA GOUVEIA 12. A regulacao da sauide suplementar: avancos e limites perante o usuario de plano de satide 253 DANIELA SILVA FONTOURA DE BARCELLOS DIREITO PENAL E SAUDE 13. Medidas de seguranga e os desafios para o direito sanitario contemporineo 268 RODRIGO DE SOUZA COSTA Sumario | XXI 14. 15. 16. A 18. 19. 20. 21. Direito a saiide e prisio: um debate entre democracia e disciplina 280 ELIDA LUCIA CARVALHO MARTINS LAILA VIEIRA DE OLIVEIRA Criminosas ou vitimas? Aborto: uma questao de satde publica, direitos humanos e justica social 294 ANA PAULA SCIAMMARELLA Direito penal, bem juridico e satide ptiblica: protecao ineficaz? 305 ANDRE PACHECO TEIXEIRA MENDES AMBIENTE E SAUDE O direito penal ambiental ea protecao do bem juridico satide 320 HUGO ROGERIO GROKSKREUTZ Tutela juridica do meio ambiente do trabalho 336 RAFAEL ALMEIDA JATAHY FERREIRA BIODIREITO Biodireito x direito sanitario 351 HELOISA HELENA BARBOZA Os novos direitos vinculados a protecao da vida humana diante dos riscos da nova engenharia genética 364 CHEILA APARECIDA DE OLIVEIRA RAQUEL FABIANA LOPES SPAREMBERGER DIREITOS SEXUAIS E REPRODUTIVOS Exercicio de direitos sexuais ¢ reprodutivos por adolescentes no contexto brasileiro: repensando os fundamentos privatistas de capacidade civil a partir dos direitos humanos 382 TAYSA SCHIOCCHET Xxil 22. 23. DIREITO SANITARIO. O transexualismo e as cirurgias de redesignacao sexual como manitestacoes do direito fundamental a satide ADRIANO MARTELETO GODINHO JULIANA DA COSTA BARROS RAISSA RAQUEL BEZERRA DE ANDRADE O biodireito de mudar: transexualismo e 0 direito ao verdadeiro eu EDNA RAQUEL HOGEMANN MARCELLE SARAIVA DE CARVALHO, DIREITO SANITARIO INTERNACIONAL 402 a8 24. Direito Sanitario Internacional: o necessario dialogo com o direito interno MARCO AURELIO A. TORRONTEGUY MEDICINA LEGAL 437 25. Dos corpos aos papéis: breve descrigao dos procedimentos referentes a um cadaver na sede do Instituto Médico-Legal do Rio de Janeiro FLAVIA MEDEIROS SANTOS JUDICIALIZAGAO DA SAUDE 449 26. 27. 28. Direito e satide: contribuigdes para 0 estudo da judicializagio FELIPE RANGEL DE SOUZA MACHADO, SULAMIS DAIN A satide publica e as decisoes dos tribunais— Apontamentos para uma reflexao critica ANGELICA CARLINI Em defesa da lei ~ Da complementaridade entre lei ¢ constituicao — Estudo a partir de um caso HUGO OTAVIO T. VILELA 463 490 501 JURIDICIZACAO DA SAUDE Sumario |XXIIl 29; 30. a. 32: 33. Judicializacao e juridicizagao da satide no Ministério Publico ANGELA SALTON ROTUNNO A juridicizacao da sade e 0 Ministério Publico: estudo de caso FELIPE DUTRA ASENSI ROSEN] PINHEIRO O protagonismo do Ministério Ptiblico no estado democratico construcao de uma politica publica de satide, na perspectiva da protecao integral da crianca e do adolescente SELMA SAUERBRONN PARTICIPACAO E SAUDE Direito a satide e a participacao politica no SUS: cenérios, dispositivos e obstaculos FRANCINI LUBE GUIZARDI A concretizacao do direito fundamental a satide: passos orientados pela audiéncia publica n° 4 no Supremo Tribunal Federal IGOR AJOUZ VANICE REGINA LIRIO DO VALLE 57 564 583 (pagina deixada intencionalmente em branco) SAUDE E DIREITOS HUMANOS SAUDE E—E DIREITOS HUMANOS | O DIREITO A SAUDE NO BRASIL Fettpe DutrRa ASENS| 1. PANORAMA DA SAUDE NO BRASIL SAUDE RECEBEU diversas significagdes ao longo da histéria brasileira do ponto de vista politico, social ejuridico. Até se cristalizar como direito na Constituigao de 1988, a saxide foi objeto de uma série de transformagdes no Brasil, apesar de sua dimensio relativamente recente enquanto assunto de Estado, No estudo da trajet6ria dos sentidos que a satide adquiriu no Brasil, 6 possivel identificar trés concepcdes que emergiram ao longo da hist6ria: enquanto favor; enquanto um servigo decorrente de um direito trabalhista ou como um servico privado; enquanto direito, Tais concepedes possuem uma forte institucionalidade no Ambito do Estado e das instituigdes jurfdicas ¢, além disso, permitem pensar a cultura politica que se cristalizou no Brasil no que concerne & efetivacao de direitos sociais e coletivos. No Império e na Reptiblica Velha, a satide se apresentava como uma verdadeira benesse do Estado, notadamente marcada por relagGes patrimonialistas de poder que a caracterizavam como um favor do Estado a populagao. Em virtude dessa natureza, seria uma benesse que poderia ser retirada ou restringida em qualquer momento, sem qualquer garantia para a sua manutengao. Sobretudo a partir da adogio de medidas curativas e campanhisticas que marcaram o periodo, a satide foi algada a assunto de Estado, porém ainda assim a sua exigibilidade pelos cidadaos restou submetida a dis- cricionariedade do poder puiblico. Nao havia qualquer instrumento juridico-legal que garantisse a universalidade deste direito, sendo concentradas no Estado a possibilidade ea discricionariedade de realizar agdes em satide em beneficio de uns em detriment de outros, inclusive de forma autoritaria, a exemplo do que se desenvolveu no Ambito da Revolta da Vacina de 1904. Diante desse cenério, a satide é vista como um favor. 1 | O direito a sadde no Brasil | Feure Duran Asensi Ap6s, principalmente a partir da Era Vargas até o perfodo de redemocratizacao na década de 1980, alguns fatores concorreram para uma transformaco na concepgao de satide como favor. A ampliacao dos direitos dos trabalhadores, a criagao de caixas de assisténcia,a reforma politica desenvolvida no periodo eo advento dos planos privados permitiram uma reconfiguracao das relagdes de poder presentes no campo da sade. Nesse periodo, houve um crescente movimento de mercantilizagao da satide, de modo que o seu acesso esteve diretamente ligado & capacidade do individuo de pagar pelos planos privados, ou a sua condicSo de trabalhador, na medida em que a satide se caracterizou como um servigo ou como um beneficio trabalhista, Conforme salienta Madel Luz, a satide “passou entao a ser vista como um bem de consumo. Especificamente, um bem de consumo médico” (Luz, 1991, p. 82). Entretanto, ainda havia uma atuacio estatal efetiva no Ambito das politicas de savide, principalmente porque os trabalhadores regulares, ou seja, aqueles que possufam carteira de trabalho assinada e contribuiam para o INSS, possuiam o direito a assisténcia médico-curativa. (Os que nao se encontravam nesta condicao, por outro lado, nao podiam usufruir de tal assisténcia, o que reforcou o papel decisivo que viria a ser desempenhado pelas Santas Casas no acolhimento dos desempregados. De fato, observa-se uma reduzida possibilidade de acesso aos servigos ptiblicos de satide no periodo, pois as formas pelas quais o cidadao poderia usufruir foram duas: a) ser um trabalhador em sentido estrito, ou seja, possuidor de carteira de trabalho assi- nada e contribuinte da previdéncia social; b) ser capaz de suportar os custos dos planos privados de satide que surgiram a partir da década de 1970. Portanto, principalmente entre as décadas de 1940 ¢ 1970, s6 poderia usufruir da assisténcia médico-curativa aquele que fosse trabalhador. A partir da década de 1970, mesmo com a emergéncia de alguns planos privados, uma parte significativa da populagio ainda nao possufa poder aquisitivo para suportar as despesas desses planos. Trata-se, portanto, de uma concepeao de satide restrita a um grupo de pessoas, cujo critério é 0 vinculo empre- gaticio. Aqui, a satide 6 vista como um servigo decorrente de um direito trabalhista ou como um servico privado. Em contraposigao a esta concepcao nao universal de satide, recebeu destaque, a partir da década de 1970, 0 movimento da Reforma Sanitéria, cuja bandeira se concentrou na defesa da satide como um direito de todos, Além de atuar de maneira decisiva em prol da universalizacao, 0 movimento preconizou queas agdes em satide deveriam ser formu- ladas nao somente pelo Estado, mas em conjunto com espagos ptiblicos de participagao social, na medida em que é a sociedade que vivencia o cotidiano das instituigdes de satide © portanto, conhece de forma mais proxima as suas mazelas e avangos. A “percepgao social da satide como dircito de cidadania” seria “um dado novo na historia das politicas sociais brasileiras’, uma vez que “essa percepgio é fruto dos movimentos sociais de participagao em satide da segunda metade dos anos 70 e do inicio dos anos 80” (Luz, 1991, p. 87), Isso permite uma relativa problematizacao da concepcao Estado-centrada de satide tipica dos contextos anteriores em favor de uma relativa abertura estatal as demandas sociais, o que foi decisivo para o momento constituinte da década seguinte. DIREITO SANITARIO. Desse modo, coma Constituicgéo de 1988 e as intensas reivindicagdes de uma plu- ralidade de grupos sociais e politicos, a satide foi algada a categoria de direito funda- mental, cujo imperativo é a prestacao positiva do Estado no sentido de concretiza-la e amplia-la a todos os cidadaos. A universalizacao da satide foi acompanhada de sua institucionalizacao normativa, 0 que possibilitow a cristalizagio de princfpios, normas ediretrizes que seriam desenvolvidos nos anos seguintes, Em seu art. 196, observa-se que a satide é um “direito de todos ¢ dever do Estado” (Brasil, 1988), 0 que denota a pretensio universalizante deste direito. Aqui, a satide é caracterizada como um direito fundamental e dever do Estado, o que denota uma dupla dimensao (direito-dever) em sua natureza. Neste contexto, atribuiu-se as acGes e servicos de satide o caréter de relevancia ptiblica, o que implica dizer que a alteragao de tal preceito depende de amplo e rigido processo legislativo. Esta condicao cristalizou a relevancia jurfdica, politica e social da satide no ordenamento brasileiro, sobretudo a partir de sua forte associagao com o principio da dignidade da pessoa humana. O direito a satide ainda se constitui como clausula pétrea no Ambito constitucional, uma vez que, em virtude de sua associagao direta como direito vida, tal nao pode ser excluido do resguardo que Ihe foi algado pela Carta Constitucional e pelas legislagdes posteriores. Entretanto, ainda hoje, muitos usuarios do Sistema Unico de Satide (SUS) nao pos- suem consciéncia da satide enquanto direito-dever. Em muitos casos, 0s usuarios asso- ciam a satide a um direito baseado no imposto que pagam e, em outros, alcangam o ‘extremo de consideré-lo condicionado a contribuigio previdenciéria que realizam ao institucionais associadosa satide &a superagio da cultura politica passiva de muitos cidadaos, o que enseja desafios na concepgao do que consiste 0 direito A saiide e quais os limites e as estratégias para a sua efetivagao por parte dos seus titulares. Com efeito, tornara satide um direito universal traz avangos e, paralelamente, novos desafios para a sua implementacao ¢ efetivagio. Mais precisamente, na medida em que asatideé um direito de todos, ou seja, de mais de cento e oitenta milhdes de brasileiros, surgem desafios e questées sobre como tornar este direito alcangavel e exercido por todos de forma capilar; ou, mais propriamente, como constituir um arranjo de recursos e investimentos que torne as acGes em satide uma prerrogativa efetiva de todos. Isso se complexifica ainda mais na medida em que, no Brasil, a efetivagao da satide 6 de competéncia concorrencial, ou seja, se constitui simultaneamente como um dever para 0s Municfpios, os Estados ea Uniao. Nesta perspectiva, surge o imperative de se ter condigdes de lutar por direitos e esta- INSS. Tao importante quanto os instrumentos juridico: belecer estratégias, pactuagdes ¢ didlogos para a sua efetivagao na interface entre Estado, sociedade e instituigées juridicas. Para lidar com estes novos desafios, foi promulgada a Lei n®8.080/1990, que institui as regras e prinefpios que regem 0 SUS, qual reforga a politica de satide brasileira como um direito de todos de forma indistinta,! e possui 1. Naanélise de Roseni Pinheiro et al, observam-se avancos juridicos expressivos em dois aspectos: “O primetto 1 | O direito a sadde no Brasil | Feure Duran Asensi nao somente regras formais de organizacdo, mas também prinefpios que orientam o seu desenvolvimento, tais como integralidade, descentralizagao, participacao etc. Admitiu-se que os prinefpios serviriam como guias para as agdes em satide, de modo a orientarem elementos para a constituigao de uma acao integral e, ao mesmo tempo, efetiva. No mesmo ano, sob influéncia das reivindicagdes do movimento sanitario e de diversos grupos ¢ associagies da sociedad civil, foi promulgada a Lei n® 8142/1990, que consolidou espagos ptiblicos de participagio da sociedade civil na satide com a regulamentagio dos Conselhos de Satide e Conferéncias de Satide. Tais espagos se apresentam como relevantes para a continuidade do processo de garantia e efetivagao do direito & satide, sobretudo porque pressupdem uma horizontalizagao da relacao Estado-sociedade. A participacao na esfera da satide indica que a democracia néo se esgota no voto e no procedimento eleitoral, tampouco na mera representacio politica. ‘Tem-se, assim, a possibilidade de um protagonismo efetivo de atores nao estatais no processo de formulagao, promogao e fiscalizagao de politicas ptiblicas de forma cons- tante e perene. Isso implica reconhecer esses espagos como uma nova forma de inclusao politica da sociedade civil no processo deliberativo e decisério na satide, que constitui um ambiente favordvel participacao e a afirmacao da cidadania na vida ptiblica. Por outro lado, muito embora haja instrumentos eficazes que garantam essa partici pacao, € frequente que, na pratica, a satide ainda seja vista como um favor ou como um servigo prestado pelo Estado. Essa atitude historicamente passiva em relagao as politicas de satide aponta para o conformismo por parte de muitos que ainda nao conseguem ver a satide como um direito a ser exigido ¢ conquistado no cotidiano das préticas sociais reivindicatérias de direitos. O desenvolvimento do SUS tem evidenciado a diversidade de atores que compéem este campo ea forma pela qual a pluralidade de praticas por cles desenvolvidas tem contribufdo para o seu amadurecimento, principalmentea partir dos limites, possibilidades e desafios politicos, culturais, econémicos, juridicos e sociais que se impSem a sua consolidacao. Em seu desenvolvimento mais recente, nao é dificil observar a influéncia das instituigdes juridicas na gestio dos servigos, seja dos tribunais, seja do Ministério Publico (MP) e, até mesmo, da Defensoria Ptiblica. Este tema merece, portanto, um debrucar mais agucado tanto da academia quanto dos profissionais, gesto- res e usuarios dos servicos ptiblicos de satide. A satide no Brasil possui uma pluralidade juridico-institucional que se transforma constantemente. 2, ACONSTITUICAO DE 1988 E A UNIVERSALIZAC AO DO DIREITO A SAUDE CONSTITUIGAO DA Republica Federativa do Brasil foi promulgada no dia 05/10/1988, sendo fruto de exaustivos debates entre diversos alores sociais ¢ diz respeito ao esiabelecimento da relevancia piblica dos servigos de saiide vis-é-vis outras modalidades de oferta de bens sociais; 0 segundo se refere & institucionalizagso de um arcabouso juridico-normativo com principios doutrinérios e operacionais (universalidade, desceniralizacao, integralidade, equidade e participagao nna comunidade, mediante a promulgagso da Lei Organica da Satide n®8.080/1990.. Dessa forma, configurou-se uma definigae juridico-normativa e organizativa da politica de satide do Estado brasileiro ~ 0 SUS" (Pinheiro et al, 2005, p. 15-16). Cc DIREITO SANITARIO. campus politicos. No campo da satide, essa Constituigio representa o resultado de lutas de mais de vinte anos, que culminam na garantia de direitos sociais e na universalizagao de alguns direitos como atributos de cidadania e, simultaneamente, dever do Estado brasileiro. Sao diversos os fatores que concorrem para o teor social desta Constituicao, dentre os quais se destacam os seguintes: Em primeiro lugar, a Constituigao representa a tentativa de corregao dos excessos ¢ descaminhos provocados pelo regime militar, assegurando um amplo catélogo de direitos sociais intangiveis pelo Estado ¢ uma s a sua efetivacao. Estes direitos encontram-se vinculados ao principio constitucional da dignidade humana,” previsto logo no art. 12 da Carta Magna, in verbis: “A Reptiblica Federativa do Brasil [...] constitui-se em Estado Democratico de Direito e tem como fundamentos: [..] Il -a dignidade da pessoa humana’ (Brasil, 1988). Por serem com- preendidos como inerentes & prépria personalidade do cidadao, tais direitos devern ser plenamente garantidos e efetivados pelo Estado. A dignidade da pessoa humana se apresenta, a0 mesmo tempo, como um limite ¢ tarefa dos poderes estatais, e ¢ por ela que as ages ptiblicas passam a se pautar. Um outro fator refere-se & propria intencao de formular uma Constituigao que atue como redutora de diferencas sociais, politicas, econémicas e culturais. A nova Constituigao deveria ser um instrumento de emancipacao social, com o intuito de buscar a igualdade concreta entre as pessoas, de modo a tensionar o tradicional prin- cipio da isonomia.’ Justifica-se,assim, 0 fato de Ulyssses Guimaraes té-la apelidado de Constituigao Cidada.* Nao caberia mais a associagio entre satide ¢ situagao emprega- ticia, pois a Constituigao deveria promover a igualdade concreta de todos por meio da universalizagio dos direitos e, em particular, dos servicos de satide. Um terceiro elemento concerne a participagao da sociedade civil, dos grupos sociais ¢ politicos e dos diversos grupos de pressao. Uma vez que o processo de abertura democritica do Estado brasileiro adveio antes da propria Constituigao, foi possivel a expressiva participacao de uma pluralidade de atores no processo de sua formulagao. Portanto, em virtude da ampla presenga de diversos seguimentos da sociedade civil e do Estado, uma caracteristica marcante deste momento histérico 6 o pluralismo. de instrumentos processuais para 2. Na perspectiva de Fatima Henriques, “o primeiro passo esté em reconhecer que a promogao, a protegio ea recuperagao da saiide sio consectarios da dignidadle da pessoa humana e objetivos constitucionais fundamentais, de modo que ndo ¢ dado avs poderes constituidos decidir se devem ou nao concretizé-los ou quando deverdo faz8-lo” (Henriques, 2008, p. 858). 3. Opprincfpio da isonomia preconiza que todos sao iguais perante a lei. Traduz, assim, uma igualdade formal. Diversas iradigoes do pensamento juridico questionam essa ideia. A titulo de exemplo, a corrente marxisla sustenta que a ideia de igualdade perante a let no bastaria para promover a igualdade concreta, material ou, ainda, substantiva. O Estado nao reconhece nem intervém no corflit, visto que todos sao iguais perante a lei assim, o formalismo da lei por si s6 nao garante a igualdade entre os homens. 4, Na avaliagio de Cassio Casagranclo, a Constituigao seria eidad’ “nao apenas porque consagra um amplo sistema de direitos fundamentais e de procedimentos judiciais para a sua defesa, mas sobretudo porque retira do Ambito privado e leva 3 esfera publica questées que eram tratadas apenas como direitos individuais entre particulares” [Casagrande, 2008, p. 51). Aqui reside, na perspectiva de Giselle Cittadino (1999), 0 cardter comunitario da Constituicao de 1988. 1 | O direito a sadde no Brasil | Feure Duran Asensi A ideia de pluralismo jé foi tratada por mim em outras oportunidades (Asensi, 2005a, 2005b). Em tais ocasides, realizei uma diferenciagdo entre a nogdo de pluralismo juri- dico, consagrada no campo da sociologia do direito, e o que se denominou pluralismo no processo politico-decisério, que poderia ser associado ao campo da ciéncia politica. Segundo Boaventura de Sousa Santos, “existe uma situagao de pluralismo juridico sempre que no mesmo espaco geopolitico vigoram (oficialmente ou nao) mais de uma ordem juridica” (Santos, 1980, p. 109). Por outro lado, pude evidenciar que a nogdo de pluralismo no processo politico-decis6rio traz consigo tr sociais que incidem na produgio jurfdica por meio de relagGes de poder; b) o campo da producio juridica envolve o embate e o conflito, o que pode levar a contradigoes dentro de um mesmo ordenamento; ¢) a funcao partidaria é realizar uma composicao de interesses (tanto de intelectuais organicos quanto de grupos de pressio) para que os conflitos sejam minimizados e que seja estabelecido um consenso. Portanto, elementos: a) sao 0s fatores [.. 0 pluralismo no proceso politico-decisério representa a forma através da qual as relacoes de poder se manifestam tendo em vista a minimizacao de conflitos e a consequente satisfagao de interesses por vezes contradit6rios. Assim, a0 passo que o pluralismo juridico significa a emergéncia dle outros centros de poder que realizar a sua propria produgio de direito lfora do Estadol, 0 pluralismo no processo politico-deeisério representa um passo adiante: a forma que estes centros procuram, através do embate e do conflito de ideias, inserir na norma estatal a sua norma particular (Asensi, 20052). Assim, a produgdo de direitos realizada fora do Estado retorna ao seu ambito, na medida em que possui uma pretensio universalizante, de modo que direitos v tornem direitos fundamentais.’ Esse retorno ao Estado pode ocorrer tanto diretamente (por meio de um legislador, por exemplo) quanto indiretamente (mediante grupos de pressao, intelectuais orginicos etc). Nesse sentido, a Constituicdo de 1988 adotou, em seu texto, consensos que sao fruto de embates e conflitos entre os diversos atores sociais estatais e nao estatais. No campo da saiide, recebeu destaque o projeto da reforma sanitdria ea bandeira da universalizacao. Da mesma forma, nota-se que as condicdes de aprovacao de uma lei estao direta- mente ligadas 8 sua capacidade de comportar os diversos interesses, principalmente dos parlamentarese dos mais variados grupos de pressio. Ou seja, para uma norma passar por todos 0s procedimentos de sua formulagao e ser aprovada de maneira efetiva, ela tem que necessariamente conter elementos que tragam para sia aprovacao dos que a fazem, o que implica reconhecer que 0s se LJ] oalargamento da abrangéncia da Ici é um elemento estruturante da democracia pluralista, justamente porque esta lei $6 poder’ dar conta dos interesses se for através da abrangancia 5. As reflexes sobre direitos fundamentais t@m recebido no Brasil atenc3o especial, razao pela qual a funda- rmentalidade destes direitos tem sido discutida, inclusive, no Embito das relagses privadas. A esse respeito, ver Sarmento (2004), Cc DIREITO SANITARIO. campus semantica. A pluralidade traz consigo a incapacidade de formar homogenias legais, propi- ciando leis e artigos com redagao cada vez mais imprecisa © heterogénea (Asensi, 2005b). Nesse sentido, 0 fato de o direito a satide ser assegurado na Constituicao nao significa que ainda nao faltem instancias, espacos, leis, regulamentos e diretrizes que otimizem © operacionalizem a sua concretizagao. O direito & satide e seus principios correlatos, & época da promulgagao da Constituigao, consistiam em verdadeiras texturas abertas que ainda necessitavam de regulamentagao. Tendo em vista a abrangéncia semantica eo alcance do direito A satide, é preciso considerar as normas regulamentadoras pos- teriores 4 Constituicio, tais como as leis que implementam o SUS, as instancias de participacdo e as normas operacionais. Tais normas buscam, em miltiplos aspectos, construir arcabougos juridico-institucionais para a sua efetivacao. O SUS, regulamentado pela Lei n°8.080/1990, reafirma os ideais do movimento da reforma sanitéria, principalmente no tocante a descentralizagio, participagao e integra lidade. Esse sistema seria tinico porque organizaria [..] 0 setor piiblico federal, estadual e municipal, bem como os servicos privados que firma~ rem convénios ou contratos, garantindo-se a gestao da rede de servigos, de forma a impedir desperdiciose superposigées. Ea melhor forma de assegurar que programas de satide pblica ede assisténcia médico-hospitalar se dirjam a toda a populagio, garantindo melhor acesso aps mais pobres (Cordeiro, 1991, p. 149). Cumpre salientar que este processo de concretizagao do contetido dos direitos sociais, conforme Giselle Cittadino, “envolve necessariamente um alargamento do cérculo de intérpretes [ todas as forcas politicas da comunidade” (Cittadino, 2003, p. 23). Em outras palavras, a ampliacao da comunidade de intérpretes da Constituicao —acepcao inaugurada por Peter Hiiberle (1997) - esta intimamenie relacionada ao processo de democratizacao da hermenéutica constitucional, “e, nesta perspectiva, exige uma cidadania ativa que, por esta via, concretiza ou realiza a Constituigao” (Idem, p. 24). Com isso, faz-se necessaria a participagao de atores nao estatais tanto na produgao quanto na interpretagao do direito, que foi institucionalizada, no caso do direito a satide, com a Lei n® 8.142/1990 por meio dos Conselhos e Conferéncias de Satide. Importante, aqui, é a ideia de que o direito a savide é um direito fundamental asse- gurado na Constituigao de 1988, e, por isso, um direito universal.’ A responsabilidade para satisfazer esse direito, segundo a Constituigaio de 1988, é de titularidade de todas as esferas de poder politico (Unido, Estados, Distrito Federal e Municipios). Portanto, na andlise de Hewerstton Humenhuk, todas essas esferas devem proteger e promover a |, na medida em que devem tomar parte do processo hermenéutico 6. A fundamentalidade do diteito reside justamente no fato de ele pertoncer a lodos os membros de uma comunidade de forma indistinta, nao podendo se* eliminado ou restringido pelo Estado. Hewerstton Humenhuk (2004) anuncia que o direito 3 satide pode ser considerado pressuposto em diversos artigos da Conslituicao de 1988, a saber: arts. 5, 69, 78, 21, 22, 23, 24, 30, 127, 129, 133, 134, 170, 182, 184, 194, 195, 197, 198, 199, 200, 216, 218, 220, 225, 227 e 230, 1 | O direito a sadde no Brasil | Feure Duran Asensi satide de forma gratuita, pois o investimento do Estado em recursos publicos “nao visa explorar economicamente essa atividade, mas visa prestar um servico puiblico basico ao direito fundamental da dignidade da pessoa humana” (Humenhuk, 2004, p. 31). A Constituicao estabeleceu cinco principios basicos que devem orientar 0 ordena- mento juridico brasileiro em relagio ao SUS, os quais devem ser respeitados também pelos Estados e Municipios. Os principios previstos na Constituigae sao os seguintes: universalidade, integralidade, equidade, descentralizagao ¢ participaggo popular. No entanto, antes de discorrer sobre cada um deles, 6 preciso realizar uma breve digressio sobre a relevancia dos principios constitucionais no ordenamento juridico. No estudo dos prinefpios juridicos, ganham relevo as perspectivas de Ronald Dworkin (1985) e Robert Alexy (1993). Os principios constitucionais dizem respeito a valores que permeiam uma determinada sociedade e sao cristalizados como normas juridicas. De fato, tanto regras escritas quanto principios so normas, uma vez que concernem ao dever-ser. Entretanto, o papel dos principios recebeu maior destaque no Ambito do direito a partir da constatacdo de que as regras escritas ou positivadas nao do conta de exprimir a complexidade e as singularidades do mundo social. Por isso, seriam necessarios elementos dinamicos de hermenéutica e integragao que espelhem © sentido que os atores de uma determinada comunidade dao as suas ages in concretu. Thamy Pogrebinschi, de forma bastante didatica, apresenta alguns critérios para dife- renciar as regras dos principios: Existem vérios critérios tradicionais para a distincdo entre regras principios. © mais comum, 60 critério da generalidade, Segundo este critério, os principios sio normas com um grau de generalidade relativamente ato e as regras, normas com um nivel relativamente baixo de generalidade. H4 também o conhecido critério da abstracio, segundo o qual os principios sio normas com um grau de abstragao telativamente alto e as regras, normas com um nivel relativamente baixo de abstragao. Outros critérios, tais como o do valor expressado e 0 da aplicabilidade, sio também comumente utilizados com o intuito de fazer a distingao entre as regras.e os prineipios. O melhor critério, no entanto, me parece ser aquele empregado por Robert Alexy, que afirma que entre regras e principios existe ndo somente uma diferenca de grau, mas uma diferenca qualitativa (Pogrebinschi, 2008, p. 1). Sarmento, por sua vez, estabelece uma diferenciagao relevante entre regras e prine\- pios, buscando refletir sobre as implicagdes de ambos no ordenamento juridico. Segundo © autor, Uma regra € geral porque estabelecida para um ndmero indeterminado de atos ou fatos, muito embora preveja, de modo preciso, as situagdes sobre as quais incidira, Porianto, ela no regularé nada além daquelas situacdes contempladas na sua hipstese de incidéncia. J4 0 principio nao especifica o seu campo de atuagao, comportando por isso uma “série indetinida de aplicagées” (Sarmento, 2004, p. 83). No Brasil, esse debate é tributario, em certa medida, na conhecida teoria tridimen- sional do direito de Miguel Reale, que oferece uma sistematizacio de alguns sentidos 10 DIREITO SANITARIO. que poderiam ser atribufdos & ideia de “direito”, Reale sustenta que o direito deve ser analisado enquanto uma experiéncia de vida e, por isso, envolve trés dimensdes hist6ricas, quais sejam: fato, valor e norma. Assim, “6 preciso tomar estas palavras significando, respectivamente, os momentos de referéncia ‘fatica’ ‘axiologica’ e “I6gica’ que marcam o ‘processus’ da experiéncia juridica” (Reale, 2003, p. 103-104). A ideia €justamente superar a perspectiva positivista, que associa o direito & norma juridica estatal positivada. Enfatizar a dimensao fatica implica uma postura pragmatista que considera a realidade social como laboratério empirico do pesquisador social, ao paso que a énfase na dimensio axiolégica remete A dimensao cultural que o direito adquire a partir da experiincia concreta dos atores em suas relagdes sociais. Desde jé, cabe salientar que néo € objetivo aqui desconsiderar a dimensao fatica ou légica do direito. Busca-se compreender de forma privilegiada em que sentido 0 direito como valor atua nao somente como uma experiéncia jurfdica, mas também como limite de agao estatal e, simultaneamente, como parimetro de construgao e reivindicacao de direitos. Para tal, o primeiro passo consiste em discutir a natureza do direito como um valor. E possivel admitir 0 valor como um folk concept, ou seja, como uma categoria que, em virtude de sua indefinigéo semantica, s6 & passivel de compreenséo a partir dos sentidos especificos atribuidos por sociedades concretas no cotidiano de suas relagdes sociais. Assim sendo, os valores englobam fundamentalmente uma dimensio cultural. A emergéncia dos principios ocorre na razao direta da necessidade de se considerarem as peculiaridades nao alcangaveis pelas regras escritas, constituindo-se como mecanis- mos que indicam os verdadeiros valores presentes em uma determinada sociedade. Tal perspectiva, que enfatiza o carter abertoe polissémico do principio, problematiza a necessidade de definighes e conceitas, que foi historicamente consolidada no campo do direito, sobretudo com a perspectiva formalista do positivismo juridico. De fato, os prineipios se configuram como elementos valorativos que sao reinterpre- tados e ressignificados em todo momento a partir das praticas sociais. Uma abertura aos principios, antes de tudo, consiste em uma afirmacao do diélogo e da escuta, das peculiaridades, e nao de uma universalidade alcangada por meio de uma definigao conceitual abstratamente estabelecida. Definir principios pode tender a sufocar seu potencial polissémico, pois estes se apresentam sob a forma de conceitos indetermina- dos ou texturas abertas. Herbert Hart, um dos principais sistematizadores dessa ideia, salienta que todo estabelecimento de normas enseja algum tipo de indeterminagao em virtude de sua textura aberta. Esta textura pode advir dos mais diversos motivos, entre 8 quais é possivel ressaltar: a) a ignorancia ou desconhecimento, ao menos parcial, inerente ao préprio fato que demanda a aplicagao da norma; b) a indeterminagao quanto a finalidade da norma; ¢)a polissemia da linguagem utilizada no comando da norma ete. A ideia de textura aberta significa que, na verdade, “muitas coisas devem ser deixadas para serem desenvolvidas pelos tribunais ou pelos funcionérios, os quaisdeterminam 0 equilibrio, a luz das circunstancias, entre interesses conflitantes que variam em peso, de caso para caso” (Hart, 2001, p. 148). Portanto, compreende-se ser mais adequado tratar 1 | O direito a sadde no Brasil | Feure Duran Asensi apenasa ideia ou nogo que os principios representam enquanto constelacao de valores, afastando-se a ideia de paraiso dos conceitos, tipica de uma perspectiva positivista. Uma vez realizada essa breve incursao sobre a relevancia dos principios no orde- namento juridico, voltemos, de forma mais aprofundada, aos cinco principios basilares do SUS. Como visto, os principios previstos na Constituigao sao os seguintes: univer- salidade, integralidade, equidade, descentralizacao e participagao popular. O princi pio da universalidade diz respeito ao reconhecimento da satide enquanto um direito fundamental de todo e qualquer ser hamano, cabendo ao Estado garantir as condigdes indispensaveis ao seu pleno exercicio e 0 efetivo acesso A atencao e a assisténciaa satide em todos os niveis de complexidade. Portanto, tal principio pressupde uma relagao em que os cidadaos tm um direito que se configura como um dever do Estado, sem qualquer possibilidade de restrigdo & sua universalidade. O principio da integralidade significa, originariamente, a garantia do fornecimento de um conjunto articulado e continuo de ages e servigos preventivos, curativos e cole- tivos, exigidos para todos os niveis de complexidade de assisténcia. Desse modo, tal principio engloba agbes de promogo, protecdo e recuperacao da satide. Conforme o Manual de atuagiio do Ministério Puiblico Federal em defesa do direito @ satide, o principio da integralidade [J refere-se tanto ao homem quanto 2o Sistema de Satide, reconhecendo que cada qual constitui numa totalidade. Assim, cada pessoa constitul um todo indivisivel ¢ membro de uma comunidade: as acdes de promocao, protecao e recuperacao da satide, da mesma forma, constituem-se em um todo, nao podendo ser divididas; as unidades constitutivas do Sistema configuram também um todo indivisivel, capaz de prestar assisténcia integral (MPF, 2005, p. 14). O principio da equidade expressa a ideia de justica social, uma vez que busca reduzir as desigualdades entre os titulares do direito & satide. Isso significa admitir uma postura de tratar desigualmente os desiguais, investindo mais recursos ptiblicos nas Unidades da Federagao em que a caréncia e as deficiéncias no sistema ptiblico de satide sio maiores. O principio da descentralizacao exige que um tinico gestor responda por toda a rede assistencial na sua drea de abrangéncia, conduzindo a negociacdo com os prestadores ¢ assumindo a responsabilidade pelas politicas de satide. A descentralizacao ainda permite uma maior aproximagao com a realidade social de cada localidade, de modo a tornar as politicas puiblicas mais efetivas por meio da incorporagao da sociedade civil no processo de formulacdo, fiscalizagao e execugao das politicas. Por essa razao,a descentralizagio é entendida como LJ a redistribuigio do poder decisério, dos recursos e das competincias quanto 3s ages ¢ aos servicos de satide entre os varios nivels de govemo, a partir da ideia de que, quanto mais perto do fato a decisio for tomada, mais chance hayeré de acerto. Assim, o que é da algada de um municipio deve ser de responsabilidade do Governo Municipal; o que abrange um " aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 1 | O direito a sadde no Brasil | Feure Duran Asensi separacio dos poderes e a defesa de direitos individuais, propunha-se um modelo liberal em que 0 individuo seria 0 centro, de modo que o Estado deveria interferir minimamente nas relagies sociais ou nos arranjos que os individuos estabeleceriam em sociedade. De fato, segundo Paulo Bonavides, a doutrina do liberalismo preconizou que o Estado seria “o fantasma que atemorizou o individuo. O poder, de que nao pode prescindir o ordenamento estatal, aparece, de inicio, na moderna teoria constitucional como 0 maior inimigo da liberdade” (Bonavides, 1980, p. 3). Nesta linha, “quanto menos palpavel a presenga do Estado nos atos da vida humana, mais larga e gencrosaa esfera de liberdade outorgada ao individuo. Caberia a este fazer ou deixar de fazer o que Ihe aprouvesse” (Idem, p. 31) Esse distanciamento entre Estado e sociedade foi objeto de eriticas por diferentes correntes tericas ao longo do tempo. Dentre elas, a critica marxista sustentou que a postura negativa do Estado em relagao aos direitos enseja a exploragio do homem pelo homem, na medida em que o Estado nao reconhece nem intervém no conflito, dado que todos sao vistos como iguais perante a lei e, por isso, sao formalmente iguais. Observa-se, portanto, uma critica realizada pelo marxismo aos limites da mera igualdade formal para a questao dos direitos dos cidadaos. Neste contexto, refletindo nos termos de Karl Marx, o Estado suprime L.1 as distingoes orlundas do nascimento, do nivel social, da educacao e da ocupacao, declarando que 0 nascimento, nivel social, a educagio, a ocupagao especifica sio diferengas io politicas, quando, sem levar em conta as suas distingdes, proclama que todo membro do povo participa da soberania popular em pé de igualdade e quando aborda todos as elementos da vida real do povo do ponto de vista do Estado. Porém, o Estado nem por isso impede que a propriedade privada, a educacio, a ocupagao atuem a seu modo, isto é, enquanto propriedade privada, educacao e ocupacao, e facam valer a sua natureza especial. Longe de suprimir essas diferencas de fato, o Estado apenas existe sobre tais premissas; $6 tem consciéncia de ser um Estado politico e faz prevalecer sua universalidacle em oposigao a esses elementos (Marx, 2003a, p. 252) Sao constatadas, assim, duas noes desta perspectiva de Constituigao: a) a concepcao formalista de quea lei por si s6 garante a igualdade entre os homens, sob a perspectiva de que a igualdade no liberalismo “consiste na aplicagao da mesma lei para todos, quando protege ou quando castiga” (Marx, 2003b, p. 36); b) a ideia de que as relagdes privadas sao ditadas pelos privados, e nao pelo publico (associado a ideia de Estado). Em decorréncia da mudanga nas relagbes sociais ocasionadas, principalmente pela industrializagao, buscou-se configurar um novo tipo de direito que reconhecesse as desigualdades sociais ¢ as assimetrias concretas entre os individuos no plano de suas praticas sociais. A falta de condiges salubres de trabalho, a exploracao sem garantias juridicas e a auséncia de direitos trabalhistas, adicionadas a desafios e problemas advin- dos das experiéncias de guerra que permearam o século XX, foram os problemas que a concepsio social de direito procurou resolver. Exigiu-se, para tal, uma atuagao positiva por parte do Estado no ambito das relagdes privadas por meio de politicas ptiblicas de 13 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 1 | O direito a sadde no Brasil | Feure Duran Asensi ‘Até entao, o discurso predominante na nossa doutrina e jurisprucéncia era 0 de que os direitos sociais constitucionalmente consagrados nao passavam de normas programaticas, o que impedtia que servissem dle fundamento para a exigencia em julzo de prestacGes positivas do Estado. As intervengies judiciais neste campo eram rarissimas, prevalecendo uma leitura mais ortodoxa do principio da separacao clas poderes, que via como iniromissces inclevidas do Judiciério na seara propria do Legislativo e do Executivo as decisdes que implicassem em controle sobre as politicas piblicas voladas a efetivagio de direitos sociais (Sarmento, 2008, p. 553). Por conta dessa multiplicidade, o Supremo Tribunal Federal atribuiu diversas natu- rezas distintas ao dispositivo, sem, contudo, negar efetividade As suas normas. A Corte Constitucional, sob o argumento de que se trata de um servico de relevancia ptiblica, reforcou a sua eficacia de aplicabilidade imediata e independente da existéncia de nor- mas infraconstitucionais. Pelo exposto, o argumento desenvolvido nesta dissertacao se baseia na caracterizagao do direito a satide como um direito autoaplicdvel, que pos- sui eficécia imediata e independente de normas suplementares para ser exigivel. Tal caracterizagao tem como implicagio a exigibilidade judicial desse direito, cabendo ao julgador a definigao do contetido da norma. O direito a satide, em virtude do seu atributo de direito fundamental, recebeu a qualificacao de norma constitucional de eficécia plena, ou seja, recebeu do poder cons- tituinte forca normativa suficiente para a sua incidéncia imediata e independente de providéncia normativa ulterior para sua aplicacaio. Na andlise de Ana Paula de Barcellos, ao se tratar da eficaci satide, deve-se reconhecer que "hd um conjunto de prestagées de satide exigiveis diante do Judiciério por forga e em consequéncia da Constituigio” (Barcellos, 2008, p. 803). Indo além, tal reconhecimento “significa que os poderes constitufdos esto obrigados a colocar a disposicao das pessoas tais prestacdes, seja qual for o plano de governo ou a orientacao politica do grupo que, a cada momento, estiver no poder” (Idem). Ocarater pleno de eficacia de uma norma diz respeito a ideia de que, desde a entrada em vigor da Constituigao, tais normas produzem, ou tém a possibilidade de produ todos os efeitos essenciais relativos aos interesses, comportamentos e situagdes, que 0 constituinte direta e normativamente quis regular, sendo garantida a existéncia de um aparato juridico-institucional para a sua efetivagao.” ia juridica dos comandos constitucionais que cuidam do direito & i, 4, GOVERNANDO O DIREITO A SAUDE OMO VISTO, com oadvento da Constituigao de 1988 e das intensas reivindicagoes do movimento sanitario, a satide alcanga seu lugar como um direito fundamental, 9, Nesta perspectiva, a ideia de aplicabilidade se torna ampla em um contexto democrético-constitucional. Na analise de Sueli Dallari, “a Lei Maior da Repdblica estipulou critérios para que a sade seja corretamente dotorminada om seu texto. Assim, vinculou sua realizag3o as politicas socials e econbmicas ea0 a esservigos destinados, ndo s6, 8 sua recuperacdo, mas também, 3 sua promogao e protecao. Em outras palavras, adotou-se o conceito que engloba tanto a auséncia de doenga, quanto o bem-estar, enquanto derivado das politicas pablicas que o tém por objetivo, seja apenas a politica, seja sua implemeniagao, traduzida na garantia de acesso ~ universal e igualitétio ~as ages e servicos com o mesmo objetivo" (Dallar, 1995, p. 30) esto Asagbes 7 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 1 | O direito a sadde no Brasil | Feure Duran Asensi de uma expertise, cujo papel nao é somente delinear uma rede persuasiva de controle social, mas de desencadear tentativas de administrar, por meio do cdlculo, “os diversos aspectos da conduta através de incontaveis, muitas vezes concorrentes, taticas locais de educagao, persuasao, inducao, geréncia, incitagao, motivagao e encorajamento” (Rose € Miller, 1992, p. 175). A figura do expert como alguém neste mundo de ninguém esté relacionadaa incor- poragdo de uma relativa neutralidade, autoridade ¢ habilidade que opera de acordo com um cédigo especifico sob a forma de um argumento de autoridade, de modo a transformar e influenciar as préprias racionalidades e tecnologias de governo. Em certa medida, a expertise ocupa um Ingar privilegiado na mediacao entre governo e populacao como elemento de tradugao dos problemas de governo (eixe populagéo > governo) e como critério de legitimacio das estratégias de agio governamentais (eixo governo > populacao). Ao se pensar em uma légica de garantia de direitos, por exemplo, a questdo da incorporagio de argumentos econdmicos permite uma discussio sobre os proprios desafios presentes em sua efetivacéo a partir de uma légica da governamentalidade. O fendémeno da governamentalidade insere no debate uma relativizacio de argumentos de soberania ¢ eleva ao nivel de discurso legitimo aquele desenvolvido por especialis- tas, sob uma perspectiva de adequacao entre meios e fins por meio de programas de governo, possibilitando o processo de governamentalizagao do Estado. Adiciona-se a essa pluralidade de projetos a propria ideia de que, apesar dese viver em um mundo de programas, nao se trata de um mundo programado. O mundo dos programas 6 sempre um mundo prognéstico, do vir-a-ser, daquilo que ainda seri realizado e, portanto, do que ser governado. Assumindo que 0 “governo é uma ope- racio congenitamente falha”, Rose e Miller afirmam que “o mundo dos programas é heterogneo e competitivo. Os programas complexificam o real, entdo as solugdes para um programa tendem a ser problemas para outro” (Idem, p. 190). Da perspectiva de programas, o “social” passa a ser objeto dos préprios conflitos ¢ desafios inerentesa sua formulagao, o que implica deslocara ideia de direitos absolutos ~tipica de um contexto de soberania — para a de direitos passiveis de redefinigao a partir de programas de governo. A suscetibilidade do “social” (e dos direitos correspondentes a ele) governamentalidade enseja a emergéncia de dois aspectos: 0 prudencialismo (prudentialism) ¢ a onipoténcia do Estado." A ideia de prudencialismo encontra-se associada a propria limitagao do governo em traduzir os problemas sociais em seus prOprios termos para, entao, formular e implementar programas que atuem na solugao destes problemas. A perspectiva do prudencialismo age em uma chave de responsabilizagao dos membros da populagao pelos prdprios rumos do governo. A principio, tal perspectiva parece até associada a um ideal de democracia participativa. No entanto, a diferenga é sutil: ao chamar 13. Cabe salientar que ambos os aspectos estfo astociados aos estudos de govemamentalidade nos Estados Unidos da América. € preciso zelo e cuidado pata associ-los diretamente 3 experincia brasileira 2 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 2 | Notas sobre o direito fundamental & protecdo... | Inco W. Sawer | Martians F. FicusreDo Além de consideragdes mais especificas acerca do regime jurfdico do direitoa saide a seem desenvolvidas nos t6picos subsequentes, importa ainda lembrar que o deline- amento constitucional do direito a satide guarda relacao e uma constante abertura ao Direito Internacional. Nesse aspecto, eapenasa titulo ilustrativo, podem ser destacadas as seguintes normas: Declaracao Universal de Direitos Humanos da Organizagao das Nagées Unidas (DUDH/ONU), de 1948, arts. 22 e 25 (direitos & seguranga social ea um padrao de vida capaz de assegurar a satide ¢ o bem-estar da pessoa); Pacto Internacional de Direitos Econémicos, Sociais e Culturais (Pidesc), de 1966, art. 12 (direito ao mais alto nivel possivel de saticle); Convencao Americana de Direitos Humanos, conhecido como “Pacto de Sao José da Costa Rica’,* arts. 42e 5° (direitos A vida e a integridade fisica € pessoal); Protocolo Adicional 4 Convencao Americana sobre Direitos Humanos em matéria de Direitos Econémicos, Sociais ¢ Culturais, o denominado “Protocolo de $0 Salvador”, art. 10 (direito a satide); Declaracao de Alma-Ata, de 1978, item I a realizagao do mais alto nivel possivel de satide depende da atuagio de diversos setores sociais econdmicos, para além do setor da satide propriamente dito).” 2. CONTORNOS DO REGIME JURIDICO-CONSTITUCIONAL DO DIREITO A SAUDE 2.1. Generalidades UESTAO PRELIMINAR, que antecede a andlise do regime juridico-constitucional do direito fundamental & satide, diz respeito ao reconhecimento das intercone- xSes que hi entre a protecdo da satide, individual ¢ coletivamente considerada, ¢ uma série de outros direitos ¢ interesses tutelados pelo sistema constitucional patrio. Ne sentido, assume particular relevancia a compreensio de que a salvaguarda do direito a satide também se da pela protecdo conferida a outros bens fundamentais, com os quais apresenta zonas de convergéncia e mesmo de superposicao (direitos e deveres), fato que reforca a tese da interdependéncia e miitua conformacao de todos os direitos humanos e fundamentais.'! Dentre esses bens constitucionais podem ser citados, por 7. © Pidesc foi internalizado pelo Decreto Legislativo 591, de 06/07/1992. 8. ‘0 Pacto de Si0 José da Costa Rica foi internalizado pelo Decreto Legislative n? 27, de 26/05/1892, & promulgado pelo Decreto n® 678, de 06/11/1992. 9. © Protocolo de $a0 Salvador foi internalizado pelo Decreto Legislativo n® 56, de 19/04/1995, e promulgado pelo Decteto n® 3.371, de 31/12/1999, 10. Vanderplaat, M. Direitos humanos: uma perspectiva para a satide publica. Saide e Direitos Humanes, Brasilia: Ministério da Satide, Fundacao Oswaldo Cruz, Nacleo de Estudos em Direitos Humanose Satie, ano 1, n.1, p- 27-33, €. 2004, Disponivel em: . Acesso em: 31/05/2008. A Declaracio foi resultado da Conferéncia Internacional sobre Cuidados Primérios de Sadde, realizada em Alma-Ate, na antiga Uniao Soviética (URS), entre 6 e 12/09/1978, M1. Cf. Loureiro, |. C. Direito a (proteccao da) satide. Estuclos em homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano. Coimbra: Coimbra Editora (Edigao da Faculdade de Direito da Universidade dle Lisboa), 2006. p. 657- 692 (especialmente p. 560 ¢ s.). Em direcao semelhante, cf: Bidart Campos, G. J. Lo explicito y lo implicito en Ia salud como derecho y como bien juridico constitucional. In: Mackinson, G.; Farinati, A. Salud, derecho y equided. Principios constitucionales. Politicas de salud. Bioética, Alimentos y Desarrollo, Buenos Aires: Ad-Hoc, 2001. p. 21-28; e, na mesma obra coletiva, Cayuso, $. G. El derecho alla salud: un derecho de proteccién y de de 12/12/1991, e promulgado pelo Decroto nt 29 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 2 | Notas sobre o direito fundamental & protecdo... | Inco W. Sawer | Martians F. FicusreDo promogio da satide de cada pessoa consigo mesma’ talvez constituam o melhor exem- plo disso), dao origem a deveres de natureza politica (como os deveres de elaboragao e implementacao de politicas publicas direcionadas A realizacao do direito a satide, A concretizagao do SUS e & alocagao dos recursos orcamentarios conforme os patamares minimos constitucionalmente estabelecidos para a drea da satide), tanto quanto adeveres econdmicos, sociais, culturais ¢ ambientais (vg., 0 controle do mercado de assisténcia a satide, pela intervengdo direta do Estado na esfera dos planos de satide privados ¢ na regulagio dos pregos de medicamentos; a implementacao de programas sociais de satide, notadamente pela assist8ncia a grupos desfavoreciclos, inclusive em fungao do tipo de doenca que os acometa [daencas da “pobreza”, doencas rarissimas, epidemias etc]; a insercdo da satide nos curriculos escolares e as campanhas de prevencao de cunho [in}formativo; 0 controle de poluigéo, o licenciamento ambiental, a fiscalizacdo sobre uso € ocupagao do solo, urbano e rural ete). Nesse contexto, pode-se observar que os deveres fundamentais relacionados ao direito A satide, a depender do seu objeto, podem impor obrigacies de carater ori- gindrio, como no caso das politicas de implementacao do SUS, da aplicagio minima dos recursos em satide e do dever geral de respeito 4 satide, ou obrigagbes de tipo derivado, sempre que dependentes da superveniéncia de legislagio infraconstitucional reguladora, cuja hipotese mais eloquente talvez se encontre na obediéncia as mais variadas normas em matéria sanitéria (nos campos penal, administrativo, ambiental, urbanistico etc.). Ademais, se 03 exemplos demonstram que o principal destinatério dos deveres fundamentais é certamente o Estado, fato reiterado pelas expressdes usadas no texto constitucional, isso nao afasta uma eficécia no Ambito privado, sobretudo em termos de obrigagdes derivadas. No caso brasileiro, é preciso destacar a existéncia de deveres impostos aos particulates, os quais sio diretamente decorrentes da garantia da satide, como dé conta a Lei Orginica da Satide (Lei n® 8.080, de 19/09/1990), cujo art. 2°, depois de elencar obrigacSes contidas no dever estatal de efetivacdo do direito a satide, explicita que “[o] dever do Estado nao exclui o das pessoas, da familia, das empresas e da sociedade”. Releva notar, a propésito da participagao da iniciativa privada, que a propria Lei Organica da Satide jé trata de esclarecer que se destina a regulagao das aces e dos servigos de satide “executados isolada ou conjuntamente, em caréter per- manente ou eventual, por pessoas naturais ou juridicas de direito puiblico ou privado’, tudo a indicar, na esteira da previsao constitucional, que 0 SUS abrange nao somente a protecao e promocao da satide pelo Poder Publico, mas envolve a iniciativa privada, igualmente submetida, ainda que se possam discutir eventuais peculiaridades, aos mesmos principios e diretrizes, constitucionais e legais.'* 18. A partir dai, tem sido reconhecida até mesmo a possibilidade de intervenco do Estado objetivando a protegio da pessoa contea s propria, em homenagem ao carster (ao menos om parte) irenunclivel da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundameniais ~ hipstese dos casos de intemnagao compulséria e de cogente submissao do individuo a determinados tratamentos -, aspecto que, por sua vez, guarda relagio com es conflitos entre os direitos e deveres relativos & saiide e a outros bens fundameniais, 19. Em sentido semelhante, conferir Salazar, A. L.; Grou, K. B.; Serrano JR., V, Assisténcia privada & sade: 33 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 2| Notas sobre odireito fundamental a protegao... | Inco W. Sanver | Matiana F. FicusReDo 0s particulares, vale registrar a existéncia de expressiva jurisprudéncia reconhecendo posigdes subjetivas dos titulares de planos de satide perante as respectivas operadoras, sobremodo para coibir, mediante 0 enquadramento como clausula abusiva (portanto, mediante uma protecao reforcada pela aplicacao, aos planos de satide privados, das normas de protegao do consumidor, igualmente objeto de amparo constitucional),** diversas restrigdes & cobertura previstas em contratos de planos de satide, como € 0 caso dos dias de internago hospitalar,¥ das doengas abrangidas* ¢ do tipo de tratamento fornecido,** neste caso envolvendo a discussie do objeto da prestagao (medicamentos, proteses, stents, exames etc.), apenas para citar exemplos mais comuns.*” De outra parte, cabe referendar o reconhecimento de uma televante dimensao obje- tiva do direito a satide, que, para além dos outros efeitos decorrentes da dimensao abjetiva dos direitos fundamentais, tem justificado a imposicdo de deveres de protecao do Advogado, 2008. p. 11-53 (especialmente p. 42-49); e Figueiredo, M. F, op.cit,, p. 204 es. 33. Ver, por todos, Cldudia Lima Marques: “Para bem analisar a relacao entre o Cédigo de Defesa do Consumidor — CDE € a lexislacao esperial sobre planos privados de assisténcia & satide e identificar se existe contlito de rnormas, sugerindo formas para sua resolugdo, gosiaria de destacar |. aorigem constitucional do CDC, a superior hierarquie da protegao do consumidor como direito e mandamento constitucional (art. 5%, XXXII, da CBB) € como limite constitucional a livre iniclativa dos operadores de planos privados de assistincia 3 satide (art. 170, V, da CF/88)". Schmitt, C. H.; Marques, C. L. Vises sobre os planos de saiide privada e o Cédigo de Defesa do Consumidor. In: Marques, CL. [et al] (Coord), op. cit,, 2008, p. 110, 34. A controvérsia é objeto da Sémula n® 302 do Superior Tribunal de Justica (D/ 22/11/2004i: “€ abusiva a cldusula contratual de plano de satide que limita no tempo a internacao hospitalar do segurado”. esse sentido, conferir o REsp n® 729.891/S?, em que, a partir da jurisprudénciajé firmada contrariamente 3 exclusdo de tratemento da Aids, foi consideracla abusiva cldusula de contrato de seguro-saide que excluia da cobertura o tratamento de doencas infectocontagiosas ~ no caso examinado, Hepatite *C” (ST], 38 Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 14/05/2007). 36. Cf, vg, © fulgamento do REsp n® 668.216/5P, em que fol julgada abusiva a cliusula que restringia a cobertura de plano de satide a apenas alguns tipos de tratamento, porque equivaleria, na pritica, A propria auséncia de cobertura, afimando que o plano de sade deve alcangar o tratamento da doenca, e ndo medidas terapéuticas lsoladas. No caso, 0 contrato abrangia o tratamento contta 0 cancer, mas excluia a possibilidade de custelo de quimioterapia (ST), 38 Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, Dj 02/04/2007} 37. Além desses, ndo se pode deixar de mencionara discussao existente a respeito da possiblidade de aplicacao da Lei n® 9.656/1998 aos planos de saiide jd firmados anteriormente, atualmente pendente de decisao definitiva pelo Supremo Tribunal Federal no Ambito da ADI n® 1.931/DF.Julgando a medida cautelar, pronunciou-se 0 STF pela suspensdo da eficicia, até decisao final da ago, do art. 35-G, caput, | a lV, § 18, 1a lV, e §28, da Medica Provis6rian? 1.703-7/1998, coma redagio e renumeragao para art. 35-£, dada pela Medida Provis6ria n® 1.908- 18/1999, que alterava a Lei n? 9.656/1998, por alegada ofensa ao diteito adquirido a0 alo juridico perfeito (CF, art. 52, XXXVI, para fixar que as normas (protetivas) da Lei n® 9.656/1998 nao alcangam os denominados contratos “antigos” de satide, isto é, os contratos firmados anteriormente a 03/06/1998 (ADI-MC n® 1.931/DF, 1D} 28/05/2004). Além disso, 0 STF reconheceu a repercussao geral da questao: “Ementa: Direito intertemporal. Aplicacao rettoativa de leis sobre planos de saiide. Repercussao geral reconhecidla. Hé repercussao geral na ‘questio sobrea aplicacao retroativa de leis sobre planos de sate aos contratos firmados antes da sua vigéncia, luz do art. 58, inc. XXXVI, da Constituigao da Republica” (RE-RG n® 578.801/8S, Rel. Min. Carmen Licia, Dje 1 206, publ. 31/10/2008). A doutrina, contuda, quando nao afirma a possibilidade de aplicagio das normas protetivas eventualmente previstas pela Lei n? 9.656/1998, seja pela natureza constitucional do dever de protegao do consumidor e paciente), seja pelo caréter dos prdpriosconiratos, cativos, de trato sucessivo e longa duracao, rio doixa divida quanto & aplicago do Cédigo de Delosa do Consumidor (Lei n®8.078/1990) sobre osses mesmos contratos. titulo dustrativo, confiram-seos artigos publicados nas duas coleténeas organizadas, entre outros, por Claudia Lima Marques: Marques, C.L. fetal] (Coord) Satie e responsabilidad: segurose planos de assisiéncia privada & satide. S80 Paulo: RT, 1999; e Marques, C.L. fet all (Coord), 2008, op. cit. Em sentido semethante, Schulman, G. Planos de saide: satide e contrato na contemporaneidade. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, 37 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 2 | Notas sobre o direito fundamental & protecdo... | Inco W. Sawer | Martians F. FicusreDo Federal jamais restringiu a destinacao dos direitos fundamentais unicamente ao Estado, tampouco a aplicabilidade direta das normas de direitos fundamentais (CF, art. 5°, § 1%)" devendo-se refletir, de outra parte, que a construggo de uma “sociedade livre, justa e soliddria’, voltada a “promover o bem de todos” e a “erradicar a pobreza ea marginalizacdo ea reduzir as desigualdades sociais e regionais” (CF, art. 3°, I, Ile IV, respectivamente), passa pela definigdo de um papel ativo e de uma responsabilidade compartilhada também por parte dos atores privados. No caso especifico da satide, aliés, importa ainda consignar que 6 texto constitucional expressamente previu a possibili- dade de participacao do setor privado no SUS, quer explorando diretamenteos servigos de satide , nesse sentido, suplementandoas agies e servicos priblicos de satide (CF, art. 199, caput), quer atuando de forma complementar ao Estado, por meio de convénios contratos administrativos (CF, art. 199, § 19), resguardada, em qualquer caso, a relevancia piiblica das ages e dos servicos de satide (CF, art. 197). 3. O SISTEMA UNICO DE SAUDE 3.1. O Sistema Unico de Satide como garantia institucional fundamental DIMENSAO OBJETIVA do direito 4 satide, ademais das consideragdes acerca da fungao protetiva do direito e de sua eficdcia entre particulares, densifica-se de modo especial e relevante pela institucionalizagao constitucional do Sistema Unico de Satide (SUS), que assume a condigao, na ordem juridico-constitucional brasileira, de auténtica garantia institucional fundamental.*! Tendo sido estabelecido e regula- mentado pela prépria Constituigéo de 1988, que estipulou os princfpios pelos quais se estrutura ¢ os objetivos a que deve atender, além de consistir no resultado de aperfei- coamentos efetuados a partir de experiéncias anteriores frustradas e, de outra parte, constituir reivindicacio feita pela sociedade civil organizada, sobremodo no Movimento de Reforma Sanitaria que precedeu a elaboracao do texto constitucional, 0 SUS pode ser caracterizado, enfim, como uma garantia institucional fundamental. Sujeita-se, por conseguinte, A protecio estabelecida para as demais normas jusfundamentais, inclusive no que tange a sua inser¢ao entre os limites materiais 4 reforma constitucional,* além. de estar resguardado contra medidas de cunho retrocessivo em geral. Desse modo, eventuais medidas tendentes a abolito ou esvazia-lo, formal e substancialmente, até mesmo quanto aos principios sobre os quais se alicerga, deverdo ser consideradas incons- 50. Nese sentido, Sarlet, |. W, 2009, op. cit., p. 383. 51. A partir do reconhecimento da dimensao objetiva dos direitos fundamentals, a doutrina alema do primeito pos-Guerra, sobretudo pelas obras de M. Wolff e C. Schmitt, passou a sustentar que existem cerias insttuigoes Gireito péblico) ou insitutos (reito privade) cuja relevancia justifica a extensio da protecio jusfundamental, sobretudo contra a atuagao erosiva por parte do legislador ordindrio e do poder pablico em geral, a fim de resguardar, ao menos, onticieo essencial das assim designadas garantiasinsttucionais. Para maior aprofundamento sobre toma, cf. Sarlet, |, W., 2009, op. cit, p. 148 e p. 180 e & Defendendo a natureza de garanta institucional do SUS, cf. Figueiredo, M. F., op. cit, p.45-46. 52. Em sentido semelhante, cf., no direito portugués, Acérdao n® 39/84 (Didrio da Repubblica, 2* série, de 05/05/1984), e0s comentarios cle Novais,J. R. Os principios constitucionais estruturantes da Reptiblica Portuguesa Coimbra: Coimbra Editora, 2004. p. 312313, a aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 2 | Notas sobre o direito fundamental & protecdo... | Inco W. Sawer | Martians F. FicusreDo e utilitarista), pois nao se pode considerar razoavel um tratamento cuja eficdcia nao seja comprovada, ou que acarrete sérios riscos a satide da coletividade, por exemplo. De outra parte, a integralidade do atendimento reflete a ideia de que as agGes e os servigos de satide devem ser tomados como um todo, harménico e continuo, de maneira que sejam simultaneamente articulados e integrados em todos os aspectos (individual e coletivo; preventivo, curative e promocional; local, regional e nacional) e niveis de complexidade do SUS" ~ caracterfstica vinculada & unidade do sistema, especialmente quanto ao planejamento. O dever de integralidade também se estende A cobertura assegurada pelos planos de satide,* cujo contetido material minimo, definido sob a formula legal do plano-referéncia, e ainda que admitidas as chamadas segmentagSes, se mostra, na verdade, bastante abrangente, pois deve compreender a assisténcia “médico-ambule- torial e hospitalar [...] das doencas listadas na Classificacdo Estatfstica Internacional de Doengas ¢ Problemas Relacionados com a Satide, da Organizagao Mundial de Satide” (Lei n® 9656/1998, art. 10).5° Além disso, o SUS se caracteriza pela participagio direta e indireta da comunidade, tanto no que respeita definigio quanto relativamente ao controle social das acies ¢ politicas de satide. Essa participacaio ocorre por meio dos representantes da sociedade civil junto as Conferéncias de Satide, que tém competéncia para fazer proposighesas politicas de satide em cada um dos niveis da federagao (cujo modelo mais marcante permanece sendo a VIII Conferéncia Nacional de Satde, ainda antes de 1988). Também se efetiva por intermédio dos Conselhos de Satide, que atuam no planejamento e controle do SUS, inclusive quanto ao financiamento do sistema, bem como na viabilizagéio de um canal para a participacio popular, com a andlise de propostas ¢ dentincias. A participagio da comu- nidade ainda é assegurada no Ambito das agéncias reguladoras, como a Agéncia Nacional de Vigilancia Sanitaria (Anvisa), a Camara de Satide Suplementar da Agéncia Nacional de Satide Suplementar (CSS/ANS) e o Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama). Trata-se da densificacao de uma especial dimensao dos direitos fundamentais, que, no contexto dos direitos a prestacies em sentido amplo, atuam como direitos de participagao na organizagao e no procedimento, evidenciando a faceta democrético-participativa, 64. Nese sentido, o art. 78, Il, da Lei n® 8.080/1990 estabelece que integralidade da assisténcia deve ser entendida como *conjunto articulado e continuo das ages € servicos preventivos € curativos, individuais & coletivos, exigidos para cada caso em todos os niveis de complexidade do sistema”. A respeito do tema, conierir Schwartz, G. A. D, op.cit, p. 108; € Pauli, L.T. S; Artus, 5. C.;Balbinot, R.A. Aperspectiva do processo satider doenca na promocao de satide da popuiacao. Revista de Direito Sanitério, v. 4, n. 3, p.32, nov. 2003. 65. Nesse sentido, cf. Pleifer, R. A. C. Planos de saide e direito do consumidor. In: Marques, C. L. let all, op. cit, 2008, p. 31 66. © mesmo dispositive elenca as hipstess de exclusio a serem regulamentadas pela Agéncia Nacional de Satide Suplementar (ANS), quis sejam: tratamento clinico ou cirirgico experimental; procedimentos clinicos ou Cinrgicos para fins estéticos, bem como Grieses e proteses para o mesmo fim; inseminacao artificial; ratamento de rejuvenoscimento ou de emagrecimento com finalidade estética; fornecimento de medicamenios importados rnio nacionalizados; fornecimento dle medicamentos para tatamento domicilar; fornecimento de proteses, rteses € seus acess6rios nao ligados ao ato cirirgico; tratamentes ilcitos ou antiéticos, assim definidos sob 0 aspecto rédico, ou nao reconhecidos pelas autoridades competentes; casos de cataclismos, guerras e comogies internas, quando declarados pela autoridade competente. 45 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 2 | Notas sobre o direito fundamental & protecdo... | Inco W. Sawer | Martians F. FicusreDo vel do direito em causa, consumidor e satide, ainda embasa a atuacao do Ministério Puiblico, das associaghes de classe e de entidades da sociedade civil na defesa de uma dimensio coletiva e difusa do direito a satide e do proprio direito do consumidor, a partir dai configurada. Em termos jurisprudenciais, é visivel a tendéncia de mitigacao da autonomia contratual em favor da tutela do usudrio-consumidor, impondo-se as operadoras de planos e seguros de satide uma série de deveres destinados @ plena assisténcia A satide dos segurados, como bem demonstram as decisdes relacionadas a extensdo da cobertura dos contratos, aos perfodos de carncia, A manutengao do equilibria econémico-financeiro (especialmente quanto ao reajuste das mensalidades), entre outros, inclusive com a anulacao judicial de cldusulas contratuais em razao de seu caréter abusivo (Lei n® 8.078/1990, art. 51).°° Nesse contexto, cabe tecer alguns comentarios tendo por referéncia as principais controvérsias hoje debatidas em doutrina e jurisprudéncia. O primeiro problema a ser enfrentado, cuja solucao pode servir de premissa para a compreensao do regime jurfdico a que se deve submeter o setor da sa‘ide suplementar, diz respeito & adequada interpretagio do art. 35-G da Lei n® 9.656/1998 {redagéo da MP n® 2.177-44/2001), que tem por objetivo estabelecer uma precedéncia da Lei dos Planos de Satide em relacao a0 Cédigo de Defesa do Consumidor (CDC), que seria entéo aplicdvel apenas sub- sidiariamente.*! Neste particular, como refere Claudia Lima Marques, boa parte da doutrina tende a defender a prevaléncia da Lei n® 9.656/1998, pois tratar-se-ia de lei especial e mais recente, sustentando a aplicabilidade do CDC somente como parametro de uma interpretagdo mais favordvel ao consumidor, sobretudo em fungio da natu- reza principiolégica de que se reveste. Para a prestigiada jurista, contudo, “aplicam-se cumulativamente e complementarmente 0 CDC ea Lei 9656/98", visto que assegurada, por forca do dever canstitucional (e correspondente direito fundamental) de protecio do consumidor, a hierarquia superior do CDC, o que também encontra respaldo na previsio constitucional de estabelecer a protecao do consumidor como um dos objetivos ¢, simultaneamente, como um dos limites da ordem econémica, inclusive na condigio de limite a livre-iniciativa, tudo na forma do art. 170, caput, V, da CES Cumpre observar,ainda neste contexto, que, se o CDC vem sendo considerado norma especial por seu objeto, visto que destinado a protegao do consumidor, e nao aplicével 80. Além da jd mencionada Siimula n? 302 do ST), confiram-se, a titulo ilustrativo, os seguintes precedentes: REsp n? 469.911/SP, DJ 10/03/2008 (abusividade da cléusula que limitava tempo de internagao em UTI); ARBAR, 2 973.265/SP, DI 17/03/2008 (licitude da restricao da cobertura 3 doenca preexistente, em face da boa-fé da consumidora ¢ da nao exigéncia, por parte de seguradora, de realizacao de exame prévio); AgRgAg n? 704.614, DJ 19/11/2007 (julgada abusiva clausula contratual que excluia da cobertura a realizagao de transplante para cansumidor que declarou previamente softer de enfisema pulmonar); REsp n# 993.876/DF, DJ 18/12/2007 causa de indenizac3o por danos morais a recusa indevida & cobertura médica, “}4 que agrava a situacao de aflica0 psicol6gica ¢ de angtistia” do segurado), REsp n® 466.667/SP, Dj 17/12/2007 (considerada abusiva a aplicacao de cliusula de carSneia diante de situagio do urgéncia, pola oconténcia de doenga surproendente © grave). 81. Lei n? 9.656/1998, art. 35-G: *Aplicam-se subsidiariamente aos contratos entre usuarios e operadoras de produtos de que tratam o inciso | eo § 12 do art. 12 desta Lei as disposicdes da Lei n® 8.078, de 1990 (redacao conforme a Medida Proviséria n® 2.177-44, de 2001) 82. Schmitt, C. H.; Marques, C.L., 2009, op. cit, p. 110es. 49 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. qeeble — 2| Notas sobre odireito fundamental a protecdo... | Inco W. Sarter | Maxiana F. Ficusikeoo. A vedagao de todo e qualquer tratamento discriminatério,** além de fundada no principio constitucional da igualdade (art. 5%, caput, da CF) constitui desdobramento da propria nogao de igual dignidade de todos os seres humanos, constando, ainda, do art. 2° do Pidesc (item 2),*” cuja aplicagao, no campo do direito a satide, foi objeto de especifica consideragao pelo Comité de Direitos Econdmicos, Sociais e Culturais da ONU no Comentirio Geral n? 14, quando se explicitou que a obrigagao de protegao decorrente do direito A satide estende-se As relagies entre particulares, notadamente aos prestadores privados. Disse 0 Comité: “[o]brigagdes de proteger incluem, inter alia, os deveres dos Estados de adotar legislagio ou tomar outras medidas assegurando igual acesso aos cuidados de satide e servicos relacionados & satide providos por terceiros", assim como “assegurar que a privatizacao do setor da satide nao constitua uma ame- aca a disponibilidade, acessibilidade, aceitagio e qualidade de instalagdes, produtos e servigos de satide’.*” De outra parte, a incidéncia concomitante da protecao decorrente dos outros direitos fundamentais envolvidos (e nao apenas do direito A savide), como apontam os exemplos da protecao A crianga e ao adolescente, ao idoso e aos trabalhadores, todos também regulados por normas infraconstitucionais de carter geral, indica a necessidade de se assegurar a prevaléncia aos niveis de protegao ja alcancados e, no caso das normas mais favoraveis contidas nos dispositivos cautelarmente suspensos da Lei n® 9,656/1998, de extensdo dessas normas protetivasaos consumidores dos planos de satide “antigos”. O “didlogo das fontes”, do qual nos fala Cléudia Lima Marques,*' deve ser aqui compre- endido no sentido de viabilizar a aplicagao conjunta de todo um complexo de normas juridicas, constitucionais ¢ ordinarias, voltadas & densificagao de deveres de protegao decorrentes de vérios direitos fundamentais, mas também na esteira das normas de direito internacional incidentes, justificando uma nova leitura dos dispositivos da Lei n® 9656/1998 que ora se encontram suspensos, sempre em favor de uma interpretacdo pro komine” e,na perspectiva constitucional, de acordo também com o dever de aplicacaio 88. © art. 14 da Lei n® 9.656/1998 veda a discriminagSo dos consumidores na contrstagSo, assentanda que “ninguém pode ser Impedido de participar de planos privados de assisténcia a save”, em consondncia, alls, cam a noima do CDC que estipula a vinculagio do fornecedor 3 oferta (ar. 30) 89. Pidesc, art. 28, item 2: “Os Estados Partes no presente Pacto comprometey nse a garantir que os direitos rele enunciados serao exercidos sem discriminacdo alguma baseadia em motivos de raga, cor, sexo, lingua, religido, opini3o politica ou qualquer outra opiniao, origem nacional ou social, fortuna, nascimento, qualquer outa situacao". 90. Traducao livre do original em inglés: “Obligations to protect include, inter alia, the duties of States to adopt legislation or to take other measures ensuring equal access to health care and health-related services provided by third parties; to ensure that privatization of the health secior does not constitute a threat to the availability, accessibility, acceptability and quality of health facilities, goods and services; [..". United Nations. Committee ‘on Economic, Social, and Cultural Rights. General Comment n® 14 (2000). The Right to Highest Attainable Standard of Health (Article 12 of the Intemational Covenant on Economic, Social, and Cultural Rights. UN doc. EC 12/2000/4, 4 july 2000, In: Gruskin, Sofia let ak] (Ed) Ferspectives on Health and Human Rights. Now York-London: Routledge, 2005. p. 483. 91. Schmitt, C. H; Marques, C. L., 2008, op. cit, p. 140. 92. tm sentido semelhante, sustentando a aplicagio do prinefpfo da prevaléncia da norma mais favorével, comum 8s relacdes de direito social ¢ trabalhista, assim como a interpretacao pro homine, cf. Abramovich, V.; 53 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 2 | Notas sobre o direito fundamental & protecdo... | Inco W. Sawer | Martians F. FicusreDo Neste sentido, o Judicidrio tem sido cada vez mais chamado a solver intimeros con- flitos concretos sobre o direito & satide, e, uma vez Ihe sendo vedado responder com © non liquet, alargou suas hipéteses de intervencdo direta e controle, inclusive sobre as politicas publicas, podendo-se até mesmo se referir, em hipsteses mais extremas, a uma hipertrofia jurisdicional nesta seara ~ 0 que hoje vem sendo substituido pela busca de critérios praticos e objetivos para a aferigao das pretenses formuladas, em um claro resgate do sentido da nogao de jurisprudéncia, com destaque para o didlogo interdisciplinar (mediante, por exemplo, a consideragao dos prinefpios da Bioética, da utilizagio da “medicina de evidéncias” e de critérios para o uso racional de medica mentos) ¢ interinstitucional, do qual s4o exemplos os projetos pioneiros de criagao de mecanismos de conciliagao pré-judicial nessa seara. 4.1. As diferentes posicdes juridico-subjetivas decorrentes do direito fundamental a sade e 0 problema de sua efetivagao diante da assim denominada “reserva do possivel” Como jé referido, o direito a (protegao e promocao da) satide engloba uma gama de posig6es juridico-subjetivas de natureza diversa (direitos de defesa, direitos protecao, direitosa organizagao e procedimento, direitos a prestagSes materiais), cujas peculiari- dades repercutem sobre a efetividade que se Ihes pade reconhecer. Vale aqui recuperar a distingao entre direitos origindrios e direitos derivados a prestagdes, centrada na possibilidade de exigibilidade do objeto assegurado pela norma de direito fundamental a partir da aplicagao dircta da norma constitucional (direitos origindrios), ou mediada pela legislacao ordinaria ¢/ou por um sistema de politicas publicas jé implantado, como direito de (igual) acesso As prestagdes jd disponibilizadas, quer dizer, a prestagescujo fornecimento ja est previsto na esfera infraconstitucional (direitos derivados).”? No caso do direito a satide, e presente o quadro predominante na doutrina e na jurispru- déncia patrias, nao se constatam maiores problemas quanto ao reconhecimento de sua eficécia e efetividade como direito de defesa, a coibir interferéncias indevidas na satide das pessoas, individual e coletivamente consideradas, e, paralelamente, no ambito da dimensio protetiva, quer pela imposigio de um dever geral de respeito a saide pessoal € publica, por parte do Estado e dos particulares, como pauta de conduta (standard) a ser observada, quer pela imposicao de um dever de aplicagao minimamente razoavel dos recursos orgamentarios, como prescrito pelo texto constitucional. A efetivagao da dimensao prestacional lato sensu do direito a satide, por seu turno, no que concerne a garantia da organizacao de instituigdes e procedimentos, parece, em geral, dependente dos atos normativos conformadores, ¢, portanto, ocorre primordialmente de modo derivado, remetendo & discussio, para além do que jé foi exposto, dos instrumentos de controle das omissGes inconstitucionais, relativamente A inexisténcia ou manifesta insuficincia das medidas de concretizagao do direito A satide, com destaque para 0 99. Para maior aprofundamenio, cf. Sarlet, |. W,, 2009, op. city, p. 299 € s. Esp a satide, cf. Figueiredo, M.F., op. cil,, p.87 es. icamente quanto ao direito 37 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 2 | Notas sobre o direito fundamental & protecdo... | Inco W. Sawer | Martians F. FicusreDo a efetivacao do direito a satide reporta-se & garantia de protegéo ao minimo existencial, devendo-se interpretar “com reservas” a alegacao, por parte do Estado, de violagao 4 reserva do possivel. Mais recentemente, e j4 considerando as opinides colhidas durante a Audiéncia Publica realizada entre abril e maio de 2009 pelo Supremo Tribunal Federal, o acérdao exarado no julgamento da STA-AgRg (DJe 29/04/2010), de relatoria do Min. Gilmar Ferreira Mendes ¢ apreciado pelo Pleno, procurou firmar alguns parimetros a respeito da efetividade do direito 4 satide, inclusive em termos judiciais. Retomando a funda- mentagio jé adiantada nas decisdes monocraticas proferidas na SL n® 228 e na propria STA n® 175, 0 acérdao sustenta, entre outros aspectos importantes: a)a competéncia do Judiciario para o controle das politicas ptiblicas, notadamente porque o problema, na maior parte das vezes, est4 no descumprimento de diretrizes legislativas jé estabelecidas; b)a existéncia de direito subjetivo sempre que haja omissao estatal no cumprimento de politica puiblica de satide estabelecida anteriormente; ¢)o cardter coletivo, mas também individual do direito a satide; d) a solidariedade entre os entes federativos das trés esferas, com base nas competéncias constitucionais comuns e segundo o princfpio da lealdade a Federacao, devendo-se buscar a construcio de um modelo cooperativo,com a definigao das responsabilidades internas, sobremodo quanto ao financiamento;"°* ©) uma presungao em favor dos tratamentos oferecidos pelo SUS, porque respaldados na Medicina Baseada em Evidéncias (Evidence Based Medicine), 0 que nao impede a impugnagio judicial, seja diante de ineficdcia ou impropriedade da politica piiblica existente, seja porque haja omissdo administrativa no que respeita a inclusio de novos tratamentos, observada, em qualquer caso,a ampla produgao probatéria; f) a necessidade de andlise individualizada do caso, que pode justificar a intervengio do Judicidrio ou da propria Administracdo no sentido de fornecer tratamento diferente daquele usualmente custeado pelo SUS, sempre que se tratar da ineficécia do tratamento oferecido diante das condigdes pessoais do individuo; g) a impossibilidade de condenacao do Estado ao fornecimento de tratamentos experimentais;h) a importancia de que os medicamentos pleiteados em juizo possuam registro junto & Anvisa, embora isso nao constitua um empecilho intransponivel; i) a natureza programitica inerente ao direito a satide como tal, que se encontra aberto & evolucao da propria medicina. Junto ao Superior Tribunal de Justica, e para além da jurisprudéncia antes esta- belecida a respeito da efetivagio do direito a satide, tanto pelo Poder Pablico como pelos particulares, com especial relevo para os planos de satide, merecem atengao os processos submetidos ao novo procedimento de julgamento destacado ede certo modo vinculante, assim designados “representativos da controvérsia” (CPC, art. 543-C). Sao os Esp n° 1,069.210/RS, recursos especiais que pretendem definir as seguintes questdes: 108. Importante saliontar que 0 acérdso nao “fechou” completamente essa quot préprios ao juizo de contracautela das suspensdes de seguranca, bem como o fato de que a matéria ainda pende de discussdo do Ambito do RE n® 566.471, cuja repercussao geral foi reconhecida, Rel. Min. Marco Aurélio: *Satide. Assisténcia. Medicamento de alto custo. Fomecimento. Possui repercussao geral controvérsia sobre a brigatoriedade de o Poder Publico fornecer medicamenio de alto custo”. tendo om conta 0s limites 61 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 2 | Notas sobre o direito fundamental & protecdo... | Inco W. Sawer | Martians F. FicusreDo sentido da obrigatoriedade do ressarcimento ao SUS, que parece conjugar a gratuidade dos servigos piiblicos com a exigéncia de igualdade substancial, nao consegue, todavia, dar conta das hipéteses em que o SUS nao identifica o individuo atendido como titular de algum plano de satide, cabendo lembrar que a regulagao do setor, com a criagao de cadastros e registros dos beneficidrios de planos de satide, surgiu de modo mais efetivo apenas depois da criagao da Agencia Nacional de Satide Suplementar (ANS), no ano de 2000, 0 que permite questionar o real alcance desses dados. No que diz resp to A integralidade do atendimento, para além das outras questdes tratadas, importa lembrar a existéncia de limites de ordem técnica e cientifica ao defe- rimento de certas prestagdes materiais, calcados em critérios de seguranca e eficiéncia do tratamento dispensado que, em sentido mais amplo, reportam-se ainda As nogdes de economicidade.''” Neste contexto, algumas diretrizes podem ser sugeridas:a) dado © cardter eminentemente técnico e ptiblico que apresentam, deve-se reconhecer uma presungao em favor da adequacao das diretrizes terapéuticas e dos protocolos clinicos estabelecidos pelas autoridades sanitarias competentes, o que inclui os medicamentos ¢ tratamentos previstos nas listas oficiais de fornecimento pelo SUS, mas nao exclui, por sua vez, 0 dever de permanente de atualizacio desses mesmos instrumentos normati- vos, de forma a acompanharem os avangos da ciéncia; b) em decorréncia da aplicacao conjunta dos prineipios da precaugao, da prevengaoe da eficiéncia, aliados ao principio da dignidade da pessoa humana, inclusive no sentido de protegao do individuo contra si mesmo, pode-se sustentar uma presungao de vedagio avs tratamentos e medicamentos experimentais (o que inclui as hipéteses de inexisténcia de registro junto 4 Anvisa, assim como de registro para finalidade diversa daquela pretendida pelo interessado,'*? mas que também nao exclui, conforme referido, a possibilidade de questionamento das listas oficiais do SUS, especialmente diante de prova robusta da eficdcia e seguranga do tratamento pleiteado) custeados pelo SUS—o que nao impede, portanto, a participacao dos interessados no desenvolvimento de pesquisas, em conformidade com as normas éticas, sob 0 controle dos érgéos competentes para tanto e mediante responsabilidade das entidades interessadas nos resultados a serem obtidos;'2" c) 0 estabelecimento de previstos nos tespectivos contratos, prestados a seus consumidores ¢ respectivos dependentes, em instituicoes ppablicas ou privadas, conveniacas ou contratacas, integrantes do Sistema Unico de Sade ~ SUS" Redago daca pela Medida Provis6ria n® 2.177-44, de 2001) 119. Defendendo tese semelhante, cf. Henriques, F.V., op. cit, especialmente p. 834 es. 120. Trazendo diversos dados sobre o processo de pesquisa e registro de medicamentos lunto ao Food and Drug Administration (FOA), com uma abordagem critica a respeito de ciferentes estratégias de pesquisa e marketing utilizedas pelos laboratérios farmacéuticos, cf, Angell, M. A verdade sobre 0s laborat6rios farmacéuticos, Tradu¢ao de Waldéa Barcellos. Rio de Janeiro: Record, 2007. Entre as diversas informagoes que mereceriam destaque e reflexio, vale citar seguinte referéncia: “(ol jornal LSA Today examinow os tegisiros de reunies da FDA relativas, 2000 e descobriu que ‘em 92% das reunides, pelo menos um membro tinha conflito de interesse financeiro’ e ‘em 55% das reunides, metade ou mais dos conselheios da FDA tinha conflto de inieresses” (p. 224)— fato que Indica, no contexto brasileiro, pelo menos a necessidade de maior cautela no deferimento de orders judictais de uso de medicamenios nao aprovados pelas autoridades sanitirias brasileiras sob © argumento de que, jé contando com o aval da FDA norte-americana, esse requisitoficaria suprico. 121. Algumas situagées so comuns & jurisprudéncia estrangeira. No direite colombiano, a Corte Constitucional convalidou a negativa de fornecimento de tratamento cuia eficiéncia nao estava comprovada pelas instincias, 65 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 2 | Notas sobre o direito fundamental & protecdo... | Inco W. Sawer | Martians F. FicusreDo uma vez que 30,9 milhdes desses vinculos se davam por meio de planos coletivos,!?* demonstra a absoluta relevincia do tema e do aprofundamento da investigacdio em torno das relagdes entre os setores ptiblico e privado no que respeita a efetivagao do direito a satide. A pendéncia de julgamento final da ADI n?1.931/DF também permitea discussio da efetividade do direito a satide no que respeita as interconexdes com outros direitos fundamentais, notadamente voltadosa protegao de grupos especiais de pessoas, indicando, por sua vez, a necessidade de uma reflexao talvez mais comprometida com 08 objetivos elencados no art. 3? do texto constitucional. ‘Ao fim e ao cabo, as perplexidades e contradigSes que enfrentamos se devem as préprias caréncias do sistema de protesio dos direitos sociais como um todo, agravadas pelas dificuldades de um pafs marcado por tamanhas desigualdades sociaise regionais como 0 Brasil. Se 0 caminho do desenvolvimento humano passa pela construcao de instrumenios de tutela e de implementacdo de todos os direitos fundamentais, com especial énfase nos direitos sociais, 0 igual respeito A dignidade de todo brasileiro e a certeza de que ter condigdes adequadas de se desenvolver como pessoa e cidadao pressupdem essa reflexdo, no Ambito do direito fundamental satide e, de modo mais aprofundado, dos demais direitos sociais. Por derradeiro, espera-se que com este ensaio, a despeito da sua incompletude, tenha sido possivel pelo menos contribuir para um balango necessario da evolugao da protegao e promogao da satide no marco juridico- constitucional brasileiro. 128. Os dados foram colhidos do Cadero de Informacao da Saide Suplementar: beneficiérios, operadoras & planes, publicag3o da ANS e disponivel em: . Acesso em: 29 maio 2010. 69 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 3 | Satide pelos sanitaristas: 0 Sistema Unico de Satide... | Roseni Piniieixo Na experiéncia a integralidade ganha um sentido mais ampliado de sua definicao legal, ou seja, a integralidade pode ser concebida como uma aciio social que resulta da interagdo democratica entre os atores no cotidiano de suas praticas na oferta do cuidado de satide, nos diferentes niveis de atencao do sistema. A integralidade das agoes consiste na estratégia concreta de um fazer coletivo e realizado por individuos em defesa da vida. 2. INTEGRALIDADE COMO MEIO DE CONCRETIZAR O DIREITO A SAUDE INTEGRALIDADE COMO cixo prioritirio de uma politica de satide, ou seja, como meio de concretizar a satide como uma questio de cidadania, significa compreender sua operacionalizacao a partir de dois movimentos reefprocos a serem desenvolvidos pelos sujeitos implicados nos processos organizativos em satide: a superagao de obs- téculos e a implantacdo de inovagdes no cotidliano dos servigos de satide, nas relagdes entre os niveis de gestio do SUS e nas relagées destes com a sociedade, Esses dois movimentos consistem nos principais nexos constituintes da integrali- dade como meio de concretizar o direito 4 satide da populagao, do qual emerge um conjunto de questies consideradas relevantes para sua apropriacéo conceitual e pritica no campo da satide coletiva. E essas questdes estao diretamente relacionadas, muitas vezes de forma contraditéria, com as politicas econémicas e sociais adotadas no Pais nas tiltimas décadas. Politicas excludentes, que concentram riqueza e fragilizam a vida social, aumentando de forma exponencial a demanda da populacao brasileira por agdes e servigos puiblicos de satide. Sc, de um lado, a forma de organizacao de nossa sociedade, baseada no capita- lismo, tem favorecido intimeros avangos nas relagdes de produgio, sobretude no que diz respeito & crescente sofisticacao e progresso de tecnologia em diferentes campos, inclusive da satide, 0 mesmo nao se pode dizer das relaghes sociais. Estas revelam 0 sofrimento difuso e crescente das pessoas, as quais sao cotidianamente submetidas a padrdes de profundas desigualdades, expressos pelo acirramento do individualismo, pelo estimulo a competitividade desenfreada e pela discriminacao negativa de pessoas, com desrespeito as questdes de género, raca, etnia e idade. Na contramao desse processo, temos a Constituicao Federal, que, ao criar eestabelecer as diretrizes para o SUS, oferece os elementos basicos para o reordenamento da légica de organizacao das agdes e servigos de satide brasileiros, de modo a garantir ao conjunto dos cidadaos as aces necessarias 4 melhoria das condicdes de vida da populagao. Surgem experiéncias inovadoras e exitosas, em diferentes Estados e municipios do Pais, cujos contextos nem sempre sao favordveis. Contudo, nessas experiéncias, podemos identificar o3 atributos habilitadores da integralidade, na medida em que revelam o ‘campo das praticas como espago privilegiado para o surgimento de intimeras inova- «Bes institucionais na organizagao da atengao A satide. Inovagdes que sao construidas cotidianamente, por permanentes interagdes democraticas dos sujeitos nos e entre os servicos de saiide, sempre pautadas por valores emancipat6rios. Valores fundamenta- dos na garantia da autonomia, no exercicio da solidariedade e no reconhecimento da liberdade de escolha do cuidado e da satide que se deseja obter. 73 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 3 | Satide pelos sanitaristas: 0 Sistema Unico de Satide... | Roseni Piniieixo As novas tecnologias de gestao devem ser construfdas a partir de uma perspec- tiva solidaria e democratica, tendo no controle social e na participacao politica seus principais instruments. Assim como as tecnologias assistenciais tem nas praticas seu potencial transformador no cotidiano das pessoas que buscam e oferecem cuidado em satide, as tecnologias de gestao devem considerar em suas priticas as potencialidades de sua propria transformagao. Ou seja, tecnologias de gestao devem garantir condiges democriticas de inter-relagdes dos diferentes conhecimentos relativos 8 sua constitui- So, dentre os quais se destacam a epidemiologia, as ciéncias biomédicas eas ciéncias humanas ¢ politicas, no sentido de contribuir para a construcao de conceitos e estratégias assistenciais mais ricas e eficazes de enfrentamento de problemas prioritarios de satide da populagio. Pensar as implicacSes da integralidade na gestio do cotidiano na satide exige ao menos dois movimentos reflexivos: * um repensar das instituigdes da satide sobre sua capacidade de estabelecer proje- tos politicos integradores e organizativos de praticas locais em satide, sejam elas de ensino, pesquisa ou servigos; * analisar criticamente, e de forma reflexiva, as instituighes de satide e universi- tdrias, buscando identificar 0 projeto de sociedade que se defende e se valores como emancipacao, autonomia e alteridade com sujeitos sao requisitos para uma abertura conceitual e cientifica em relacao av modelo hegem@nico da satide: a biomedicina. Hé de nos posicionar no sentido de interagir saberes € praticas em satide, em uma postura “desfragmentadora da assisténcia’, ou seja, uma equipe que tenha em seu trabalho a interagao de saberes e priticas de niicleos especificos. Pensar as implicacées da integralidade na gestao na satide, a partir de uma praxis, considerada como dupla acto do intelecto, ou seja, como “entender e sentir”, implica compreender os saberese praticas como uma teoria viva, que, segundo Gramsci (1991), reflete, desde sua constituicao, a experiéncia concreta da vida real e da origem, na atividade prética, a uma iniciativa de vontade, um didlogo de transformacao. 5. REFERENCIAS FRANCO, TB, BUENO, WS, MERHY, E.E. Oacolhimento e os processos de trabalho em satide: Betim, Minas Gerais, Brasil. Cademos de Satide Publica, v. 2, n. 15, p. 345-53, 1999. GRAMSCI, A. Concep¢ao dialética da hist6ria. Sie Paulo: Civilizagio Brasileira, 1991 MERHY, EE. Em busca do tempo perdido: a micropolitica do trabalho vivo em satide. In: MERHY, EE, ONOCKO, R. (Org) Agir em satide: um desafio para © ptiblico. S40 Paulo: Hucitec, 1997, PEREIRA, Isabel Brasil; LIMA, filio César Franca. Diciondrio da educacio profissional em sauide. 2ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: EPS]V, 2008. PINHEIRO, R. As praticas do cotidiano na relagao oferta e demanda dos servigos de satide: um campo de estudo e construgio da integralidade. ; MATTOS,. (Org). Os sentidos da integralidade na atencio e no cuidado a sade. Rio de Janeiro: IMS-UER], 2001. p. 65-112. 77 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 4 | Direito constitucional a sadide | Sue. Ganoour! DALLast entao, enunciar de modo diferente o conceito de satide, mas nao conseguiram escapar desse estado de harmonia necessaria.'* Assim, pode-se concluir que qualquer enunciado do conceito de satide que ignore a necessidade do equilibrio interno do homem e desse com o ambiente o deformara irremediavelmente. Ora, se a satide depende, ao mesmo tempo, de caracteristicas individuais, fisicas ¢ psicoldgicas, e também do ambiente social e econémico, tanto daquele mais préximo das pessoas quanto daquele que condiciona a vida dos Estados, sob a dtica juridica, ela deve inevitavelmente implicar aspectos soci individual, o direito A satide privilegia a liberdade em sua mais ampla acepcao. As pessoas devem ser livres para escolhero tipo de relagio que terao como meio ambiente, em que tipo de cidade pretendem viver, suas condigSes de trabalho e, quando doentes, 0 recurso médico-sanitério que procurarao, o tipo de tratamento a que se submete- rao etc. Note-se, porém, que, ainda sob a 6tica individual, o direito a satide implica a liberdade do profissional de satide para determinar o tratamento. Ele deve, portanto, poder escolher entre todas as alternativas existentes aquela que, em seu entender, 6a mais adequada. E Gbvio, entao, que a efetiva liberdade necesséria ao direito a satide enquanto direito subjetivo depende do grau de desenvolvimento do Estado. De fato, unicamente no Estado desenvolvido socioecondmica e culturalmente o individuo & livre para procurar um completo bem-estar fisico, mental e social e para, adoecendo, participar do estabelecimento do tratamento. Examinado, por outro lado, em seus aspectos sociais, 0 direito a satide privilegia a igualdade. As limitagSes aos comportamentos humanos sao postas exatamente para que todos possam usufruir igualmente das vantagens da vida em sociedade. Assim, para preservar a satide de todos 6 necessério que ninguém impega outrem de procurar seu bem-estar ou induz: a vacinacao, a notificacao, ao tratamento, e mesmo ao isclamento de certas doencas, a destruicdo de alimentos deteriorados e, também, ao controle do meio ambiente, das condigies de trabalho. A garantia de oferta de cuidados de savide do mesmo nivel a todos os que deles precisam também responde a exigéncia da igualdade. § claro que, enquanto direito coletivo, a satide depende igualmente do estigio de desenvolvimento de Estado. Apenas o Estado que tiver 0 seu direito ao desenvolvimento reconhecido poderé garantir as mesmas medidas de protegao e iguais cuidados para a recuperagao da satide para todo 0 povo. Tornar efetiva a garantia do direito a satide implica, assim, compreender em toda a sua extensio 0 conceito de satide, 0 que, contemporaneamente, s6 pode ser alcangado coma efetiva participacao do povo na delimitagao desse conceito. Com efeito, quando se conclui quea satide inclui o controle dos riscos associados ao processo de produzir e eindividuais.' Observado como direito, Joa adoecer. Essa 6a razao das normas jurfdicas que obrigam 15, £0 caso de Alessandro Seppill John Last e Claude Dejours,citados em Dalla, SG. ; Serano jr, V. Direito sanitirio. Sao Paulo: Verbatin, 2010 16,_ Transcreve-se aqui o exame hé muito realizado em Dallar SG. O dirt & sade. Revista de Satide Pablica, Sio Paulo, v.22, n. 1, 57-63, 1988. 85 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 4 | Direito constitucional a sadide | Sue. Ganoour! DALLast Reconhecendo que todasas ages e servigos de satide, sejam eles prestados pelo Poder Puiblico ou pela iniciativa privada, possuem “relevancia piiblica’?* os constituintes de 1988 quiseram deixar claro que as pessoas fisicas eas juridicas de direito privado tém liberdade para atuar na area da savide, De fato, o relacionamento como setor privado da economia nacional que atua na drea da satide foi realmente o ponto mais polémico da organizagao constitucional do sistema sanitério da Republica. Uma prova contundente dessa disputa 6a redagao dos arts. 197 ¢ 199 da Constituigio Federal, A melhor técnica legislativa nao deixa diivida sobre a dispensabilidade do segundo desses artigos quando © primeiro afirma que “[.. a execugio [.] (das agdes e servigos de satide) ... deve ser feita diretamente (pelo Poder Piiblico) ou através de terceiros e, também, por pessoa fisica ou juridica de direito privado”. Ora, aqui esté declarada a liberdade de atuacao da iniciativa privada na execucao das atividades sanitérias. Nenhuma outra razio, a nao ser 0 desejo de reafirmar tal liberdade, pode justificar a redagao do caput do art. 199: “A assisténcia A satide é livre a iniciativa privada”. Ao tratar da satide, a Constituigao da Republica decidiu, também, que regular “as condigies e os requisitos que facilitem a remogao de drgios, tecidos e substancias huma- nas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusdo de sangue e seus derivados’, se inclui no tema protecao, defesa e cuidado da satide, sendo, portanto, da competéncia de todasas esferas de governo. Ela determinou, igualmente, 0 respeito pela dignidade da pessoa humana, vedando expressamente todo tipo de comercializagao do sangue humano e de seus derivados e de érgaos, tecidos e substancias humanas para fins de transplantes (art. 199, § 4°). Reconhecendo a “relevancia publica” das agies e servigos de satide, a Constituigao estabeleceu a competancia do Poder Piblico para regulamenté-los, fiscaliza-los e controlé-los (art. 197), enumerando, exemplificativamente, algumas dasatribuicdes do SUS no art. 200. A garantia do direito a satide do povo pelos Estados-membros e dos Municipios supde, também, a formalizacdo dos sistemas sanitarios estadual e municipal. As diretrizes desses sistemas, em obediéncia ao preceito nacional (art. 198), o obrigam a, no gozo do poder politico implicito 4 descentralizagao, realizar o atendimento integral da satide, priorizando as atividades preventivas, sem prejuizo dos servigosassistenciais, e acontar com a participagao da comunidade em sua organizacéo. Os sistemas sanitarios subnacionais devem, do mesmo modo, ser financiados com recursos do orgamento da seguridade social, da Unido, do Estado e dos Municipios, além de outras fontes (art. 198). A enumeragao constitucional de competéncias implica a responsabilidade de realizar essas tarefas. Sdo encargos que os governos estao obrigados a assumir, independent mente da atividade necessaria para sua efetivacao. A declaragao da descentralizacao, com diregao tinica em cada esfera de governo, contida na Constituigao da Repiblica, 23. Ver 0 documento elaborado por expressivas figuras do meio juridico externando seu entendimento dda expresso em Dallari, $.G., et al. O conceito constitucional de relevancia publica. Brasilia: Organizagao, Panamericana de Satide, 1992. (Série Diretto e satide n. 1.) 89 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 4 | Direito constitucional a sadide | Sue. Ganoour! DALLast geral decorrente da audiéncia piiblica sobre demandas em satide é absolutamente coe- rente com 0s requisitos do direito contemporaneo. E necessdrio notar, contudo, que a construgao jurisprudencial dos primeiros 20 anos de afirmagao constitucional do direito a satide no Brasil vem ocorrendo de maneira bastante errética. Exemplo que parece revelar 0 conflito entre 0 reconhecimento do direito individual A satide e da savide engquanto um direito social pode ser encontrado nos acérdaos do Superior Tribunal de Justica. Examinando um agravo regimental em recurso especial originado de ago ordinéria com pedido de tutela antecipada ajuizada em face do Estado objetivando o fornecimento de alimento indicado para paciente com distirbio e dificuldade na ingestao de alimentos, a primeira turma decidiu, acompa- nhando 0 Ministro Relator Luiz Fux, invocando o principio da dignidade da pessoa humana, que deveria ser concedido o medicamento, para que fosse dada “efetividade (a) regra constitucional que consagra o direito a satide”.*” Ea mesma primeira turma -em recurso especial contra acérdao que negou tratamento médico no exterior, pois, uma vez “definidas pela Administracao as metas prioritariasna rea de satide publica, dentro do ambito da discricionariedade de que dispde e sem ofensa aos limites legais e constitucio- nais, nao cabe ao Judiciério perquirir os critérios adotados, tampouco substitué-los. Daf por que, na espécie, nao padece de ilegalidade a Portaria n? 763, de 07/04/1994, editada pelo Ministério da Satide, que proibiu o custeio de tratamento médico no exterior por conta do Estado” - decidiu, contrariando 0 mesmo ministro relator, considerar “legitima a Portaria n® 763/194, do Ministério da Satide, que vedou o financiamento de tratamento médico no exterior pelo SUS”*!, negando provimento ao recurso, No que respeita ao controle dos recursos financeiros destinados ao sistema de satide, entretanto, pode-se identificar certa predominAneia de decisdes judiciais dos tribunais superiores assegurando a possibilidade de seu exercicio. Assim, seguidamente o STF tem reconhecido a legitimidade ativa do Ministério Publico Federal para propor acao civil ptiblica tendo por objeto a anulagao de contrato para prestacéo de servigos do SUS, uma vez que se impde “a tutela do patrimdnio puiblico, sendo vedada a contratacao de rede hospitalar privada, no Ambito do SUS, sem o devido procedimento licitatério”.* Em outro recurso especial, o interesse da Uniao na lide foi reforcado com o argumento de que, além de “cuidar-se de repasses de recursos financeiros da Fazenda Federal para 0 Estado, realgou-se que da infragio as disposigdes da legislacao pertinente decorria também prejuizo aos servigos federais, pois a esses incumbe nao s6 a distribuigéo dos recursos, mas ainda a supervisao de sua regular aplicacao, inclusive com auditorias no plano dos Estados”.*? Também, decidindo uma reclamacao, o STF prestigiou o Verbete n® 208 da Siimula do STJ, que assevera “que o fato de o Termo de Parceria indicar como fonte de custeio os recursos provenientes dos royalties e do fundo especial de participagao Supremo Tribunal Federal de Marco Aurélio Antas Torrontoguy (Revista de Direlto Sanitsro, v. 11(2), 242-236). 30. AgRg no REsp 750738/RS; Agravo Regimental no Recurso Especial 2005/0080582-3. 31. AgRg no REsp 750738/RS; Agravo Regimental no Recurso Especial 2005/0080582-3. 32. RE 284712/MA, 33. RE 371888/?8. 93 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 5 | Atitularidade simultaneamente individual e transindividual... | Isco W. Santer jurfdica concretamente considerada. De outra parte, como ha muito jé o destacou Peter Haberle, todos os direitos fundamentais, em certa perspectiva, sao direitos sociais, de modo especial se se considerar © vinculo entre a dignidade da pessoa humana ea demo- cracia, visto que, além de todos os direitos fundamentais apresentarem uma dimensao comunitaria, so também, em maior ou menor medida, dependentes de concretizagav por meio de prestages estatais.'* Em verdade, como bem demonstra José Ledur, as dimensdes individual ¢ coletiva (assim como difusa) coexistem, de tal sorte que a titularidade individual ndo resta afas- tada pelo fato de o exercicio do direito ocorrer na esfera coletiva,!® como se da, além dos casos jé referidos, entre outros que poderiam ser colacionados, no caso do mandado de seguranca coletivo.!” Alias, embora nao argumentando com base na generalidade dos direitos sociais, tal linha argumentativa foi desenvolvida também em julgado do STF, precisamente sustentando a coexisténcia de uma titularidade individual e coletiva do direito 4 satide,'* sem prejuizo da existéncia de significativa jurisprudéncia reconhecendo = hd muito tempo - um direito subjetivo individual a prestagdes em matéria de satide.” Em verdade, causa mesmo espécie que de algum tempo para cé — como demons- trado na parte introdutéria do presente ensaio — haja quem busque refutar ~ ainda que movido por boas intengSes ~a titularidade individual dos direitos sociais, como argumento de base para negar-lhes a condicao de direitos subjetivos, aptos a serem deduzidos mediante demandas judiciais individuais. O curioso é que, consoante adian- tado anteriormente, se trata de uma relativamente nova ~e manifestamente equivocade! — estratégia para impedir (0 que é inaceitavel sob todos 08 aspectos) ou eventualmente limitar (0 que 6 possivel e pode mesmo ser adequado) a assim chamada judicializagao das politicas priblicas e dos direitos sociais, restringindo o controle ea intervengao judicial a demandas coletivas ou 0 controle estrito (concentrado e abstrato) de normas que veiculam politicas ptiblicas ou concretizam deveres em matéria social, estratégia que ~ entre outros aspectos a serem desenvolvidos logo mais adiante ~ acaba por con- fundir a titularidade em si de um direito fundamental, ou seja, a condigéo de a pessoa ser 0 sujeito de direitos, com eventual restricéo do objeto do direito ou mesmo eventual restrigao do acesso a alguma prestacao em virtude de uma condig&o econémica privi- legiada ou de outros critérios que aqui nao se podero aprofundar. O que ha de ser devidamente enfatizado nesta quadra é a circunstancia de que, em 15. CI. P. Maberle, Grundrechte im Leistungsstaat, WDSWL,n. 30, p.76, 1972. 16. Cf.|.F. Ledur, Direitos funcamentais sociais. Eetivacdo no Ambito da democracia paticipativa, Porto Alegre: Livratia do Advogado, 2009, p. 85-86. 17, Neste contexto, oportuno referir 2 edicdo da Lei 1 12.016/2008, cujo art. 21 dlspde que © mandado de seguranca coletive destina-se 3 proteca de direitos coletivos (trinsindividuais) e de direltos individuals homogéneos; cf: . 18. Cf, em caraiter ilustrativo, a decisao na suspensao de tutela antecipada 268-9, Rio Grande do Sul, Rel. Min. Gilmar Mondes, proferida em 22/10/2008, erie se verifica no caso da deciso monocratica proferide pelo Presidente do STF, Min. Gilmar Mendes, na STA n® 175, 18/09/2009. 19. Cf., no Ambito do STF e, entre tantas, © assim considerado leading case do AgR-RE n? 271.266-0/R5, Rel Min. Celso de Mello, Dj 12/09/2000. ago recentemente confimada om outros julgados, tal como 105 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. de parcelas da populagao socialmente vulnerdveis, ou, como é 0 caso dos direitos dos trabalhadores (que incluem uma série de direitos tipicos de liberdade e de igualdade, no sentido de proibigdes de discriminacao), quando a qualificagao de tais direitos como também direitos sociais esta diretamente vinculada a garantia de tutela de uma deter- minada classe social no Ambito de relagbes no mais das vezes marcadas por niveis de manifesta assimetria ~ € desequilibrio —de poder econdmico e social. Ainda que nao estejamos aqui a esgotar—enem ¢ esta a pretensio ~ asjustificativas para a designagio ainda hoje praticada (embora nao isenta de criticas, dada a substancial equivaléncia entre os diversos direitos fundamentais) — dos direitos sociais, o que importa é que se tenha presente que 0 fator distintivo nao é em sia sua titularidade coletiva, em contraposicao a0s direitos civis e politicos, que seriam de titularidade individual. Outra explicagio para a atribuicio de titularidade coletiva aos direitos sociais (acom- panhada da negagao da titularidade individual, pelo menos no campo dos direitos sociais mais bésicos, como satide, moradia e educagao) pode estar vinculada a confusio entre a figura das politicas publicas e a dos direitos sociais como direitos fundamentais. Neste contexto importa, ainda que em cardter sumdrio, insistir na distingao entre tais categorias. Com efeito, politicas puiblicas nao se confundem com os direitos fundamen- tais, designadamente como direitos subjetivos (individuais e/ou coletivos e difusos) que sao veiculados ¢ tutelados ou promovidos por meio de politicas piblicas, 0 que nao afasta a possibilidade de um direito a que o Estado atue mediante politicas publicas, precisamente como forma de assegurar a efetividade de direitos fundamentais. Assim, além do controle da politica publica como tal, que evidentemente também resulta na tutela de direitos, cuida-se de algo distinto quando se busca, muitas vezesjé com base em determinada politica ptiblica (como bem revela o caso da legislagio que obrigao poder piiblico ao fornecimento de medicamentos), obrigar o Estado a efetivamente assegurar a prestacdo ao individuo ou conjunto de individuos que deixou de ser atendido. A tese segundo a qual os direitos sociais sao direitos humanos e fundamentais refe- ridos a pessoa individual nao deve ser compreendida, para espancar qualquer dtivida, como se afastasse uma dimensdo transindividual (coletiva e difusa) dos direitos sociais, como se verifica no caso da conexao entre a protecao da satide e a protegao do ambiente, ou mesmo no caso de politicas de satide voltadas 4 prevencao e combate a doencas endémicas, entre tantos exemplos que poderiam ser colacionados apenas na esfera do direito a saiide. Também 0 direito ao trabalho, como direito social ancorado no art. 6° da CE, fornece outro bom exemplo para demonstrar a conexao (mas nao equivaléncia) entre uma dimensao individual ¢ coletiva, visto que se refere tanto & garantia de condigdes de acesso a um trabalho digno para cada pessoa individualmente considerada e na sua protegdo no Ambito das relagdes de trabalho (papel desempenhado pelos direitos dos trabalhadores dos arts. 7° ¢ seguintes da CF), mas apresenta uma face transindividual inequivoca, como fundamento da obrigagio estatal de promover politicas que resultem na criacao de vagas no mercado de trabalho.*! 31. Ch, em especial, |. F. Ledut, Diteitos fundamentals sociais, cit, p. 87: 5 | Atitularidade simultaneamente individual e transindividual... | Isco W. Santer 109 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 5 | Atitularidade simultaneamente individual e transindividual... | Isco W. Santer de assegurar o acesso igualitario e universal estabelecido no art. 196 da CF/1988, que preceitua que a satide ¢ direito de todos e dever do Estado, garantido mediante politicas ptiblicas que visem, entre outros, 0 acesso universal e igualitério a servicos para sua promo@o, protegao e recuperagao, ao excluir um grupo maior ou menor de indivi- duos do acesso a determinadas prestagdes. Assim, a negativa de que quem (mesmo em cardter individual) nao foi atendido nao poderd obter a tutela jurisdi apenas negar a possibilidade de cfetivagio do direito & satide (com as consequéncias daf advindas em termos de violacio ~ no plano juridico ¢ fatico ~ de tal direito), mas acaba por criar um segundo nivel de “discriminagao’, impedindo que tal individuo busque, por meio do Poder Judicidrio, a correcao da desigualdade. Em outras palavras, © cidadao é duplamente “punido”: a) por nao ter recursos e necessitar do sistema de satide ptiblica que nao 0 atende, mesmo no que diz com prestacdes j4 previstas em lei; b) por nao poder litigar para corrigir tal estado de coisas. Alias, 6 precisamente por tal razao que, notadamente quando se trata de prestagdes jd disponibilizadas pelo sistema de satide, e, portanto,reguladas em carter jurfdico-normativo, se referea direitos deri- vadbos a prestacdes, que, ao fim e ao cabo, sao direitos de igual acesso &s prestacdes j4 disponibilizadas na esfera das politicas ptiblicas.** Que 0 afastamento ou mesmo uma forte limitagao das demandas individuais, como de certa forma ja anunciado, poder representar uma violagao também do direito-garantia de acesso a justia (inafastabili- dade do controle judicial) resulta evidente, nao sendo 0 caso, todavia, de aqui avangar com tal linha argumentativa. Tor outro lado, é preciso guardar coeréncia coma tese de que, por forga da aplicabi- lidade imediata das normas de direitos fundamentais e da necessaria preservagao da supremacia da normativa constitucional, ao legislador e ainda mais ao administrador (tal como ao juiz) nao se pode, especialmente em matéria de direitos fundamentais, assegurar uma margem de acdo plena, absolutamente imune ao controle com base na constituicao, permitindo, por exemplo, por omissao (deliberada, ou nao),a exclusio de medicamentos ou outras prestacdes indispensaveis a propria vida da pessoa, além da necessdria salvaguarda em relacao a bens e servigos que possam dar conta das pecu- liaridades de casos individuais, visto que as necessidades de cada pessoa (¢e mesmo alternativas de tratamento) podem variar fortemente de caso a caso, e a padronizacao pode resultar em inevitavel exclusio de tratamento da doenga em algumas situagSes. De fato, ha que assegurar margem para o reconhecimento de direitos origindrios a prestacdes, portanto nao apenas direitos a prestagoes ja definidas e disponibilizadas pelas politicas puiblicas praticadas, ainda que se possa discutir a respeito de quais os limites postos pela ordem juridico-constitucional (bem como por outros fatores de cunho ético, econémico etc.) em relagao ao acesso a prestagSes ainda nao reguladas em lei.?” onal implica nao 36. Sobro os assim chamados direitos derivados a prostagées, v., por todos, J. J. Gomes Canatitho, Direito constitucfonal e teoria da Constituicao, cit., p. 478-479. 37. A respeito da distincao entre direitos derivados e originarios a prestagdes e os argumentos favoraveis & contrérios ao reconheclmento de direitos subjetivos originarios, v., por todos, 0 nosso A eficdcia dos direitos fundamentais, cit, p. 299 es. (28 parte, 3.4.4) 113 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. DIREITO CONSTITUCIONAL A SAUDE 6 JUDICIALIZAGAO DA SAUDE E RESPONSABILIDADE FEDERATIVA: SOLIDARIEDADE OU SUBSIDIARIEDADE? DANIEL SARMENTO CRISTINA TELLES 1. INTRODUCAO © LONGO dos tiltimos quinze anos, assiste-se no Brasil ao fenémeno de pro- gressiva “judicializagio da savide”. Se, no passado,a jurisprudéncia e doutrina dominantes recusavam a possibilidade de tutela judicial deste direito, invocando argumentos como o caréter meramente programatico da norma constitucional que o consagra eo principio da separacao de poderes, hoje se multiplicam as decisdes judiciais de todas as instncias condenando o Poder Pablico ao fornecimento de medicamentos ¢€ tratamentos sanitarios A populacdo. Esta mudanga, certamente positiva, tem conexao com o reconhecimento da forca normativa e aplicabilidade imediata dos direitos fun damentais, e do papel central do Poder Judicidrio na sua garantia e efetivagao. Sem embargo, a judici alizagao da savide suscita alguns questionamentos impor tantes, como os concernentes a legitimidade demoerética ¢ a cficiéncia de um sistema de satide que, cada vez mais, tem o Poder Judiciario como protagonista. Seré que con- verter o Judiciério em principal arena deciséria no campo sanitério 6, sob 0 Angulo do desenho institucional, uma solucao razoavel, que realmente assegura o direito a satide em igualdade de condiges para todos, sobretudo em um cendrio em que 0 acesso a justica ainda 6 extremamente assimétrico? Sera que 0 processo judicial 6 0 espago 7 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 6 | Judicializagao da Satide... | Davie Saxmento | Cristina Teutes propria jurisprudéncia.!? Competéncia comum, em nenhum outro caso, significa ou importa, por si s6, responsabilidade solidéria dos entes federativos. Com efeito, a adogéo das denominadas competéncias comuns pela CRFB/1988 se da, acima de tudo, como um instrumento de implementagao ou concretizagao do fede- ralismo cooperativo no Pats, visando & criagdo de politicas piiblicas nacionais'* para execugio de certas atividades e servigos do Estado.'* Supde-se que, instados a exe- cutar determinada atividade ou servigo em conjunto, os entes federativos travarao um amplo e democratico debate politico a respeito do tema, que resultaré em um programa cooperativo de acio, capaz de promover 0 “equilibrio do desenvolvimento” }, paragrafo tinico, da CRFB/1988).!5 \Vé-se, assim, que as competéncias comuns nao exigem qualquer tipo de atuacao sobreposta dos entes federativos. Ao revés, elas ensejam —ou, ao menos em tese, deve- riam ensejar ~a elaboragio de politicas cooperativas, com o estabelecimento de campos preferenciais de atuagao para cada esfera da Federagao (em relacdo aos quais as demais somente atuem em carater supletivo) e mecanismos de auxilio e controle miituo, de modo a tornar mais eficiente a atuagao estatal como um todo,’* A Constituicao nao define, diretamente, quais s4o os campos ou as tarefas preferen- ciais de cada esfera federativa em cada uma das hipéteses de competéncia comum.”” Em alguns casos, contudo, notadamente quando dispde sobre a atividade ou servic objeto da regra de competéncia, a Constituigao evidencia quais sao as diretrizes gerais que devem pautar essa definigao. De qualquer modo, fica a cargo do legislador infraconstitucional minudenciar a eo “bem-estar no Ambito nacional” (art. 2 politica priblica a ser seguida, esclarecendo quais seréo as atribuigdes prioritérias de cada esfera federativa em sua execucio. Por certo, qualquer delimitagao legal dessas atribuighes que se afaste do desenho constitucionalmente estabelecido, ou contrarie a razoabilidade, poder ser invalidada pelo Judiciério, Seria o caso, por exemplo, de regra que pretendesse isentar completamente alguma esfera da federacdo da sua responsa- bilidade de atuar no campo da competéncia material comum.'* 12. Vide STF, Plenatio, ADI n® 2544, Rel. Min. Sepilveda Pertence, D/ 17/11/2006; e ST}, 2® Turma, AgRg no ‘Ag n®973577, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJ 19/12/2008. 13. Umaboa definigao de politica piblica pocte ser colhida em Moria Paula Dallari Bucci: “Politicas piblicas 330 programas de ac3o goveenamental vsando a coardenar os meios 3 dispasiczo do Estado e as atividades privadas, para a realizacao de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados” (Direto administrativo e polticas publicas. $80 Paulo: Saraiva, 2006. . 241). 14, Andreas |. Krell. Op. cit, p. 645 15. Cf. Paulo de Bessa Antunes. Federalsmo e competéncias ambientais no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Jurs 2007, p. 182-184. 16. Augusto Zimmermann. Teoria geral do federaliemo demacritica.2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p.57-60. 17. Aexcegio a isso se dé na competéncia comum para promover 0 acesso & educacio, que jé teve a divisio do atribuigdes priortsrias entre as esforas da Federagso realizada no art. 211 da prépria CRFB/1988, 18. Nesse sentido, confira-se ementario do julgamento da ADI n®2.544/RS: “Ementa: Federacao: competéncia comum: prote¢ao do patriménio comum, incluido © dos sitios de valor arqueolégico (CF, arts. 23, I, 216, V):encargo que nfo comporta demissio unilateral. 1. Lest. 11.380, de 1999, do Estado do Rio Grande do Su, canfere aos municipiosem que se localizam a prctego, a guarda ea responsabildade pelos sitios aqueoldgicos 121 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. Osarts. 16 a 19 da Lei n®8,080/1990 confirmam e detalham essa divisao deatribui- @es esbocada na CRFB/1988, evidenciando que, na execucao dos servigos basicos de satide publica, os Estados devem agir apenas de maneira suplementar aos Municipios, ea Uniao, de maneira suplementar aos Estados, sem que haja sobreposicao de agdes de satide nas diferentes esferas da Federagao. Na mesma linha, posicionam-se as Portarias n® 3916/1998,” 373/2002* e 399/2006"* do Ministério da Satide. Cumpre observar que esse critério descentralizador da execugao dos servigos € ages de satide nao implica a assunco total dos respectivos custos financeiros pelos Municipios. Ao contrario, a Lein® 8.080/1990, em consonancia com os arts. 30, VII, 195, § 10, € 198, § 3, tados da CRFB/1988, estabelece que a Unido e os Estados devem con- tribuir para o financiamento da atuacao dos Municfpios* havendo, por assim dizer, ao lado da descentralizacao administrativa de execugio das acoes de satide puiblica, uma correspondente descentralizacao financeira quanto a gestdo de parte dos recursos obtidos pelo ente central e pelos entes estaduais para aplicacao no SUS. 4. O IMPACTO DA JURISPRUDENCIA DA RESPONSABILIDADE SOLIDARIA SOBRE A RACIONALIDADE DA GESTAO DO SERVICO PUBLICO DE SAUDE REALIZAGAO DO direito a satide pelo Estado —como, de resto, dos demais direitos sociais — dé-se por meio de politicas puiblicas, cujas elaboracao e implementagao dependem, para o seu éxito, do emprego de conhecimentos especificos. Os Poderes Executivo ¢ Legislativo (mais o primeiro do que o segundo) possuem em seus quadros pessoas com a necessaria formagio especializada para assessoré-los na tomada das complexas decises requeridas nesta drea, que frequentemente envolvem aspectos técni- cos (como a eficécia medicamentosa de certo farmaco), econdmicos (como a viabilidade financeira de se estender certo tratamento a toda a populagdo necessitada) e politicos (como a opgao por priorizar, em determinada regiao, os investimentos em saneamento basico ou no aparelhamento de certo hospital). O Judicidrio, ao contrario, 6 formado por magistrados que, em regra, nao possuem tais conhecimentos especializados e sequer 22. Aprova a “Politica Nacional de Medicamentos”, determinando aos Municipios a tarefa precipua de adquirir © fomecer & populagéo medicamentos da assisténcia farmacéutica bésica € oulros que venkam a ser incluidos do Plano Municipal de Satide (tem 5.4, ). Aos Estados e & Unido é airibuida a tarefa primordial de aquisicao € fornecimento de medicaments constantes de seus respectivos planos de satide, que devem atender a trés situagdes especiais, de ordem epicdemiol6gica, conforme haja necessidade de enfoque regional ou nacional da questio: ‘a. doencas que configuram problemas de satide piiblica, que atingem ou péem em risco as coletivi- dades, e cuja estratégia de controle concenira-se no tratamento de seus portadores; b. doencas considerades ie carster individual que, a despeito de atingir numero reduzide de pessoas, requerem tratamento longo ou alé permanente, com 0 uso de medicamentos de custos elevados; ¢. daengas cujo tratamento envolveo uso de medicamentos nao disponivels no mercado” (item 3.3) 23. Aptova a “Norma Operacional de Assisiéncia & Satide", que enfatiza a necessidade de descentralizagao da prestagio do servigo pablico de said 24. Divulga 0 “Pacto pela Satide 2006", que ressalta a importancia de consolidar e respeitar a divisio de atri- buicdes preferenciais entre os entes federativos, reduzindo-se as hipsteses de atuagao concorrente entre eles. 25. Atransferéncia de recursos do SUS entie os entes federativos € disciplinada, em linhas gerais, nos arts. 34 © 35 da Lei n?8.080/1990. 6 | Judicializagao da Satide... | Davie. Saxmento | Crisria Teutes 123, aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. que se realizam asagdes governamentais eas implicagdes do federalismo na implantagao de uma politica especifica, que é 0 foco deste capitulo. A literatura que aborda a construgao e evolugao dos sistemas de satide, de ambito universal eabrangente, indica o importante papel dos governos centrais na consolidagao desses sistemas, fortemente baseados nos valores de solidariedade e cidadania social (France, 2002). Contudo, nos paises federativos, pode existir uma tensao entre o carater nacional'* da politica de satide ¢ o respeito As autonomias ¢ diversidades territoriais requeridos pelas esferas regionais ¢ locais. France (2002) identifica os fatores mais relevantes que influenciam — positiva ow negativamente — a capacidade do governo central em garantir padrdes nacionais: a) poderes das diferentes esferas de governo no setor da satide; b) carga financeira do governo central sobre os governos; ¢) legitimidade do governo central sob a Gptica dos governos subnacionais; d) popularidade do sistema de satide junto aos cidadaos; ©) carater dos padrdes nacionais que o governo federal visa promover; f) existéncia de uma sélida cultura de negociacao intergovernamental; g) forca do espirito de solida- riedade nacional em relacao ao regional. Alguns desses fatores sao apontados como importantes instrumentos de inducdo e coordenacao politica pela instancia nacional e de compensagao de desigualdades entre regides, como é 0 caso das transferéncias financeiras federais. Banting e Corbett (2002) consideram o federalismo compattvel com distintos modelos de sistemas de satide, cuja variagio reflete a combinagao de interesses econ6micos, ideologias politicas, normas ¢ valores culturais subjacentes aos paises. Em que pese a importancia de arranjos ¢ instrumentos institucionais, 0 federalismo nao pode ser entendido como fator isolado e determinante do sucesso ou fracasso das politicas de satide adotadas, que devem ser compreendidas a luz do projeto politico de Estado que norteia sua acao na satide. Por tudo isso ¢ importante reconhecer nos arranjos federativos 0 projeto de Estado em que se baseiam, compreender o papel que os entes nacional e subnacionais exercem na orientacao das politicas no territério eas formas de relacao estabelecidas entre eles. Essas sio questdes fundamentais quando o foco de andlise sao as politicas de satide e suas relagGes com os diferentes arranjos politico-institucionais nos Estados. Do exposto depreende-se que a configuracao de politicas nacionais de satide torna-se ainda mais complexa nas seguintes situagdes (Lima et al,, 2010): 1) em federagdes marcadas por grande heterogeneidade, com desigualdade de poder politico, econdmico, social e institucional; 2) quando o projeto politico federativo nao é claro para todos ou € 0 projeto de alguns, que querem manter o poder; 3) em realidades que experimentaram trajetérias politicas majoritariamente centra- lizadoras, nao gerando capacidade politico-institucional nas esferas subnacionais. 14. Para este autor, o caréter nacional ou paddo nacional do sistema de satide esté relacionado aos direitos a serem assegurados para todos os cidadaos. 7 | Federalismo, descentralizagao e regionalizagao... | LuciANA Dias o€ Lima 139 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. parte vai para as jurisdicGes locais por meio do Fundo de Participacao dos Municfpios (FPM). Em relago aos Estados, Prado (2003) estima que cerca de 30% de suas receitas si0 transferidas aos municipios, incluindo 25% do ICMS e 50% do Imposto sobre Veiculos Automotores (IPVA) arrecadados, e 25% do Fundo de Compensagao pela Exportagao de Produtos Industrializados (IPI-Exportagao) recebidos da Unido. Sobre a criagao de novos municipios, levantamentos efetuados indicam que no per odo entre 1980 ¢ 2001 foram instalados 1.570 municipios no Pais (Bremacker, 2001).”! Atualmente, existem 5.563 municfpios, ¢ mais de 75% possuem menos de 25.000 habi- tantes. Esse fendmeno, que nao é novo, é decorrente tanto das regras de partilha do Fundo de Participagao dos Municipios (FPM)” como da regulamentacao sobre a criacao, incorporagao, fusio e desmembramento de governos locais.?° ‘A descentralizacao “municipalista” fortalece na arena politica os atores municipais € coloca novos desafios para os processos de conducao de politicas ptiblicas. Por um lado, abre possibilidades de transformagao da relagao Estado e sociedade e de maior experimentagio em nivel local. Por outro, sabe-se que a maioria dos municipios brasi- leiros (as de pequeno porte populacional) nao tem arrecadagao propria significativa e depende das transferéncias intergovernamentais de recursos, com limitada capacidade de aumentar seu grau de autonomia politica e financeira a partir do processo de des- centralizagao (Prado et al,, 2003; Lima, 2007). Os gastos per capita com a manutencao dos quadros legislativos nas pequenas localidades, por vezes, superam as despesas com as politicas sociais (Gomes e MacDowell, 1999), ¢ muitos municipios tém dificuldades administrativas, de formagao ¢ fixagéio de quadros publicos qualificados, 0 que limita as condigSes para 0 exercicio dos governos locais (Souza, 2002). Ressalta-se que, com excegao da educagao, que possui um dispositivo de transferén- cia compartilhada entre os governos (o Fundo de Manutengao e Desenvolvimento da Educacao Basica e de Valorizacao dos Profissionais da Educagao —Fundeb), as relagdes fiscais predominantes, gerais e setoriais, se dao entre a Unido e os municipios, sendo pouco intermediadas pelos Estados. As transferéncias estaduais, efetuadas por meio do ICMS, sao particularmente importantes para as cidades médias e grandes, éreas com enormes caréncias, e onde vivea maior parcela da populagdo. Entretanto, enquanto 0s principais mecanismos de transferéncia tributdria adotados pelo governo federal sao 21, Segundo Bremaeker (2001), 31,8% deles entre os anos de 1980 e 1991, 30,8% em 1993, 340% em 1997 € 3,4% em 2001. Enire as Unidades da Federagao, aquelas que apresentaram maior numero de novos Municipios, no periodo entre 1980 € 2001, foram: Rio Grande do Sul (16,9% do conjunto brasileiro); Minas Gerais (8,3%): Parand e Piaui (6,9% cada); Santa Catarina (6,1%); Tocantins e Maranhao (5,5% cadal; Mato Grosso (5,4%); Bahia (5,2%); Goids (4,8%y; Sa0 Paulo (4,7%y; e Para e Paraiba (3,8% cada). 22. O desdobramento de um municipio, a0 ratear sua hase populacional, coloca-oem uma faixa populacional que atribul a ele um coeficiente de ratelo relativamente mais favordvel 8 apropriagao dos recursos do FPM. Fela quantidade de recursos que 0 fundo mobiliza, Dain (1995) pondera a existéncia no Pafs de um incentivo financeiro potonte 3 multiplicagso de pequenos municipios. 23. Inicialmente, a Constituigao definia que a criagao de municfpios deveria obedecer 3 legislagao estadual e referendo da populacao diretamente interessada mediante a realizacao de plebiscito. Ap6s a promulgagio ca Emenda Constitucional n® 15. de 13/09/2005, novos municipios +6 podlerio ser permitidos apés a divulgagao dos Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da Lei 7 | Federalismo, descentralizagao e regionalizagao... | LuciANa Dias o€ Lima 143 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 148 Cc DIREITO SANITARIO. campus 3. OS CICLOS DE DESCENTRALIZACAO E REGIONALIZACAO DA POLITICA DE SAUDE CONTEUDO E aabrangéncia das politicas desenhadas de meados dos anos 1980. 2010, assim como os contextos hist6ricos politico-institucionais relacionados a sua formulacdo ¢ implementacao, conformam diferentes ciclos da descentralizagao no SUS, com menor ou maior énfase na regionelizagao (Viana et al., 2008). Até a primeira metade da década de 2000, quatro ciclos podem ser identificados, levando-se em consideragao © contetido ¢ abrangéncia das politicas, 0 ambiente intergovernamental (incluindo a conformagio do pacto nacional e de politicas regionais), o perfil de financiamento e fomento as O primeiro ciclo é nacional e extrapolaa area da satide, estando associado a conjun- tura de democratizagao dos anos 1980, que favorece a critica ao modelo centralizador eautoritario na conducao das politicas ptiblicas no Brasil. A descentralizacio torna-se, entao, bandeira do movimento liderado pelos governos estaduais e municipais em prol de maior autonomia deciséria e financeira. Os problemas das cidades médias e das reas metropolitanas contribuem para fortalecer a ideia da necessidade de politicas descentralizadoras no novo pacto selado por meio da Constituigao Federal de 1988. A descentralizagao 6 proposta como um mecanismo de aceleragao da redemocra- tizacao do Pais em um ambiente intergovernamental que favorece a articulagao entre os governos federal, estaduais e municipais para elaboragdo da nova Constituigio & organizagao do poder democratico. Na satide, as negociagbes também se dao por meio do Conselho de Representagao dos Seeretarios Estaduais (Conass)"” ¢ dos encontros dos Secretirios Municipais que levaram & criagdo de seus préprios Conselhos em Ambito nacional e estadual (Conasems e Cosems).*! Destacam-se, ainda, as Comissdes Interinstitucionais criadas no perfodo das Ages Integradas de Satide (1983 a 1986), que visavam a coordenacao e articulacao de diferentes instituigGes com atribuigdes no setor da satide nas diferentes esferas de governo.?? Particularmente, as ComissGes Interinstitucionais de Satide (CIS), presididas e coordenadas pelos Estados, continuaram funcionando durante a vigéncia do Sistema Unificado e Descentralizado de Satide (1987 a 1989), e foram fortalecidas politicamente com o aprofundamento das atribuigdes de planejamento e acompanhamento do sistema, truturas subnacionai 30. © Conass, que é 0 conselho de representagio nacioral dos secretirios estaduais de sate, foi fundado em fevereiro de 1982. 0 objetivo era tornar 0 conjunto das secretarias de satide dos Estados e do Distrito Federal mais atuantes no processo de reforma da satide em uma conjuntura de abertura politica e de redemocratizacio do pais (Machado, Lima e Baptista, 2008) 31. Varios Conselhos Estaduais de Secretarios Municipals de Saude foram criados em 1984. Goulart (1996) resealta a consolidagae do “movimento municipalisia” « padir das Agies Integradas de Sade, ce tal forma que, em margo de 1987, em Londrina, é elaborada uma Caria Oficial do Movimento e criada uma comissa0 provis6ria para a organizacio do Conselho Nacional de Secretarios Municipais de Satide (Conasems, fundado posteriormento om julho de 1987. 32. No plano federal, resalta-se a criago da Comissio Inierministeral de Planejamento e Coordenagso (Ciplan), ‘no plano estadual as ComissGes Interinstitucionais de Sade (CIS), no plano regional infraestadual as Comiss6es Regionais Interinsttucionais de Sade (CRIS) ¢ no pleno municipal as Comissdes Interinstitucionais Municipa's € Locais de Saide (CIMS e CLIS) (Lima, 1999) aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 7 | Federalismo, descentralizagao e regionalizagio... | LUCIANA Dias 0€ Lima Ha também importante presenca do segmento de planose seguros de satide e de “servigos autGnomos" em varias regides do Pais. Os tipos de relagdes publico-privadas interferem na conformagio da rede regionalizada de atengao a satide, Por isso, a regulacao dessas relagdes, orientada pela logica publica e pelas necessidades de satide da populagao, é um elemento fundamental a ser aprofundado na condugaio da regionalizagao. Por tiltimo, é preciso levar em conta as imensas desigualdades socioecondmicas € territoriais que marcam a realidade brasileira ¢ repercutem nas condigdes de satide da populagio e no modo de vida das pessoas. A oferta de servigos no SUS é bastante desigual eas modalidades de atendimento que compSem o sistema de satide nao se distribuem uniformemente no espaco. Além disso, varias barreiras de acesso se impoem aos servicos de satide diante das especificidades geograficas e da rede vidria no Brasil. Problemas de ordem estrutural dificilmente podem ser resolvidos pela agao articu- lada dos Estados e municipios, sem uma efetiva atuacao do governo federal. As muiltiplas realidades regionais exigem o fortalecimento da légiea territorial no processo de plane- jamento em satide, bem como um esforco financeiro adicional da Uniao e dos Estados, de modo a permitir uma diversificacao de politicas e investimentos que relacionem as necessidades de satide as dindmicas territoriais especificas. Por outro lado, as politicas setoriais sé poderao ter viabilidade se articuladas a politicas nacionais e estaduais de desenvolvimento regional de médio e longo prazo. 5. REFERENCIAS ABRUCIO, FL; SAMUELS, D. A nova politica dos governadores. Lua Nova, So Paulo, 40 (41):137- 166, 1997 . Os baries da federagde: 0s governadores ¢ a redemocratizagao brasileira. Séo Paulo: Hucitec/Departamento de Ciéncia Politica da Universidade de $40 Paulo, 1998, A reconstrugao das fungdes governamentais no federalismo brasileiro. In: HOFMEISTER, W, CARNEIRG, J. M. B. (Org). Federalismo na Alemanha e no Brasil. Sio Paulo: Fundagao Konrad Adenauer Stiftung, 2001. p. 95-105, (Série Debates, v. 1, n. 22.) Reforma politica e federalismo: desafios para a democratizacao brasileira. In: BENEVIDES, M. V; KERCHE, F, VANNUCHI, P. (Org). Reforma politica ¢ cidadania, Sao Paulo: Fundagao Perseu Abramo, 2008. . A coordenagao federativa no Brasil: a experiéncia do periodo FHC ¢ os desafios do governa Lula, Revista de Sociolegia Politica, 24: 41-67, 2005. AFFONSO, R:; SILVA, PL.B. (Org). A federacio em perspectiva: ensaios selecionados. Sio Paulo: Edliges Fundap, 1995. ALMEIDA, M. H. T. Federalismo, democracia e governo no Brasil: ideias, hipdteses e evidéncias. Revista Brasileira de Informagio Bibliogrrfica em Ciéncias Sociais (BIB), 51: 13-34, 2001. . Recentralizando a federacao? Revista de Sociologia e Politica, Curitiba, 24: 29-40, 2005. .. Estado no Brasil contemporaneo. In: MELO, Carlos Ranulfo, SAEZ, Manvel Alcantara (Org). A democracia brasileira: balango e perspectivas para o século 21. Belo Horizonte: Ed. UEMG, 2007, p. 17-37. ARRETCHE, M. Federalismo e relagdes intergovernamentais no Brasil: a reforma de programas sociais. Dados, 45(3): 431-458, 2002a, 157 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 8 | Sistema Unico de Satide (SUS) ¢ a concepgio de regulacio... | Séxcio Guensa Desse modo, nao parece haver dtividas de que as normas editadas por entidades reguladoras devem obedecer aos preceitos legais ~ standards*’ ~, pois a Administragao Ptiblica ndo tem um poder normativo incondicional e geral, como ocorre com o Poder Legislativo, Entretanto, nao se podem enquadrar essas normas como uma fungao regu- lamentar da lei, de competéncia do Presidente da Repiiblica, posto que, em termos de regulagio de atividades econdmicas, a lei nao consegue tudo prever (portanto, no hé discricionariedade que, como se sabe, decorre da abertura legiferante). A polémica acerca da fungao normativa das entidades reguladoras se insere em uma discussio mais profunda, que envolve sua adaptagio ao sistema tripartite citocentista, subsumido no principio da separacao e do equilibrio entre os poderes estatais, que impSe também uma revisao da hierarquia normativa e do instituto da discricionarie- dade administrativa.*”° Nessa ordem de convicgées, j4 tivemos a oportunidade de sustentar doutrinaria- mente*'a constitucionalidade do exercicio da fungdo normativa secundaria pelas entida- des reguladoras por nao se detectar, em tese, qualquer usurpacao da fungao legiferante, de competéncia do Poder Legislativo, tampouco do poder regulamentar de atribuigao precipua do chefe do Poder Executivo.* Regulacao 6 mais do que simplesmente baixar atos normativos. Pela regulacio se permite o exercicio da capacidade técnica das entidades descentralizadas para dispor ‘com maior densidade sobre as matérias que lhe competem para equilibrar o subsistema regulado, diversamente das leis que, editadas pelo Poder Legislative com certa malea~ bilidade, assumem cardter genérico ¢ sem coneretude. Resta afirmar que “regular um subsistema” abrange outros institutos muito mais densos do que a “regulamentacao” de uma lei, seja de execugio ou auténoma. A funcao regulatéria (ou reguladora) visa a realizar o gerenciamento dos miltiplos eantindmicos interesses da sociedade plural, traduzindo-se “em restricdes a autonomia privada para evitar que o exercicio abusivo de certas pretrogativas ponha em risco a realizagao de outros valores”.** A regulamentacao € cometida a chefes de Estado ou Governo, é uma fungao politica que visa a impor regras de carter secundério em complementagao as normas legais, com o objetivo de explicité-las e dar-Ihes execugio. A regulacao é uma fungio admi- nistrativa, que nao decorre da prerrogativa do poder politico, e, sim, da abertura da lei 29. Cf. Cabral de Moncada, Luis S. Lei... cit. p23. 30. Teorizamos, a esse respeilo, a criagao do insttuto da reflexividade: “A reflexividade caminha no sentido Ge Viabilizar a autonomia regulada dos sistemas, permitindo a maximizagao de sua racionalidade interna mediante adequacos procedimentos de formaca do consenso « lomada de decisio coletiva” (Guerea, Sérgio Discricionariedade.., cit). 31. Guerra, Sérgio. Controle judicial. cit, p. 101 32. Diogo de Figueiredo Moroira Neto ¢ taxativor “Uma vez operada a deslegalizagio, a regulagio, come produco normativa decortente, no se confunde com as normas de regulamentagéo editadas pelo Poder Executivo e, muito menos, com as normas emanadas das Casas Legislativas” (Mutacoes do direito publico... «it, p. 400). 33. Justen Filho, Margal. O direito das agéncias... cit, p. 556 173 aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. 180 Cc DIREITO SANITARIO. campus do exercicio do poder de policia da Administragao, no Ambito da politica sanitéria e de combate ao trafico de drogas que exige 0 rigoroso controle sobre os componentes especificos, com vista ao cumprimento do desiderato legal de controlar e fiscalizar produtos, substancias e servigos de interesse para a saiide. Ante 0 exposte, dou provimento 20 recurso especial 4. CONCLUSAO IANTE DO exposto, é plausivel inferir sobre a funcdo normativa da Anvisa: (a) é juridica a competéncia outorgada por lei & Anvisa para expedir normas; (b) essa competéncia nao se enquadra na formula da discricionariedade, administrativa ou técnica; (c) ha nece’ maledveis (soft law) quando da regulacéo de subsistemas sujeitos a riscos sistémicos;(d) a Anvisa nao se enquadra no modelo de regulacdo sistémica ao exercer o poder de policia sobre as atividades sob sua competéncia; (¢) considera-se regular, em tese, 0 exercicio do poder de policia sanitaria da Anvisa, desde que o seu desempenho seja nos limites da lei aplicavel, com observancia do processo legal, dos princfpios da razoabilidade e da proporcionalidade e, tratando-se de atividade para a quala lei tenha conceitos juridicos indeterminados e atribua discricionariedade, sem abuso ou desvio de poder. ‘dade juridica de que as normas afetas ao direita econdmico sejam aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. de satide, mas consideramos que focar o debate da participacao nessa temitica apresenta limites que precisam ser questionados. Um deles é nao intervir nos mecanismos de representacao, cujos critérios de selegao (em fungac mesmo da complexidade da dinamica desses espacas) levam a uma certa especializagao e elitizagdo desses conselheiros, tendendo a concentrar cada vez mais 0 contingente de usudrios que efetivamente participam dessas instancias. Corroborando essa avaliagdo, Gerschman (2004), em estudo sobre municfpios do Rio de Janeiro, conclui que os indicadores de escolaridade, renda ¢ sexo revelam que ". a composigao social dos conselheiros representantes dos usudrios configura uma elite na comunidade a que pertencem" (p. 1673). Em pesquisa realizada sobre o perfil dos conselheiros de regiao metropolitana do Rio de Janeiro, Labra e Figueiredo (2002) indica atide na. ‘A experiéncia prévia [como representante em conselhos de politicas piiblicas}, mais o nivel educacional acima da média e 0 pertencimento a direcao da organizacao [que representam] revelariam duas tendéncias convergentes: a “profissionalizacio” da atividade de conselheiro e certa “elltizacao” dos ocupantes desse cargo, tendéncias essas reforcadas pela predominancla de representantes de usudrios do sexo masculino (p. 511). Focar as respostas para o problema da participagao politica na capacitagao dos con- selheiros tende também a tornar complicada sua substituigao pelas entidades represen tadas, sem mencionar que o dominio técnico das questdes pode ter como efeito reverso o distanciamento da comunidade dos debates. Essas indicagdes nos levam a pensar que talvez seja necessério um exercicio de estranhamento perante os recursos de participagao gue conhecemos. Em vez de procurar adaptar os representantes (especialmente os dos usuarios) 4 complexa dindmica desses espagos, por que nao questionar sua organiza~ do, as relagdes de poder que os produzem? Por exemplo,a necessidade e os usos que tornam o discurso que neles se emprega um manejo de hipercodificagGes ideolégicas (Wendhausen e Caponi, 2002), que obscurecem as op¢des politicas ¢ as interpretacdes divergentes das questdes tratadas? Por que nao estranhar o desconhecimento dos usu- drios das possibilidades de intervengao? Como salienta Chaui (in Wendhausen e Caponi, 2002), “a condicao para o prestigio e paraa eficécia da competéncia como discurso do conhecimento depende da afirmagao tacita e da aceitacao tacita da incompeténcia dos homens enquanto sujeitos sociais politicos” (p. 11). Em outros termos, em nossa compreensao, a questo da participagao nao passa pela qualificagao dos discursos, uma vez dado o referencial da competéncia ede sua legitimidade. Antes, ela nao pode desvencilhar-se do questionamento desses signos e sentidos do discurso autorizado, que pretende negligenciar as acdes dos homens em sua condigio (propriamente humana) de sujeitos politicos. Nesse sentido, embora sejam frequentemente reportados aos espagos dos conselhos, as questOes e obsticulos mapeados nao nos remetem apenas a eles, Ao contrério, remon- tama um leque amplo de problemas que sinalizam que pensar a participacao politica no SUS significa, hoje, enfrentar alguns desafios como a reconstrugao da arquitetura institucional dessa participacao; o resgate do papel politico dos conselhos e do carater 32 | Direito a satide e a participacao politica no SUS: cendrios... | FRacini Guizakoi 589 590 DIREITO SANITARIO. de mobilizagao social das conferéncias; 0 respeito ea expressio da multiplicidade dos sujeitos politicos; 0 reconhecimento de outras formas de organizacao;e mesmo 0 debate sobre a reforma do Estado (Moroni, 2005). Tais desafios incidem sobre uma interrogagao_ central efetivacao do principio de participacao da comunidade: o que se entende por participacao? Que formas de participacao politica desejamos construir no SUS? Usualmente antes de serem colocadas, essas perguntas sao precedidas por frequentes queixas sobre a baixa participagao da comunidade no SUS (Gerschman, 2004, p. 1673) ou, ainda, queixas sobre as concepgies de participagao que nela prevalecem. Vazquez et al. (2003) constataram, em pesquisa realizada em dois municipios de Pernambuco, que quase 60% dos 1.592 entrevistados nao sabem indicar formas de participagao no SUS, e em torno de 20% dos demais reconhecem prioritariamente como participacdo 0 uso dos servicos. Menos de 1% citow os mecanismos institucionais existentes. Esses dados sinalizam a necessidade de discutir as possibilidades de participacao politica existentes no SUS, especialmente quando diferentes agdes de governo e de movimentos sociais se voltam para 0 processo de constituigao de novos espagos, como 0 Sistema de Ouvidoria, as mesas de negociagao, as plendrias regionais e consultas puiblicas, entre ‘outros, que recolocam uma série de questdes, em especial as que indagam sobre os caminhos possiveis e os obstaculos a serem enfrentados na construcao dessa cultura de participacao. Nesse sentido, as questdes trazidas sobre a concretizagao do controle social nos conselhos de satide apontam um debate necessirio sobre a eficécia (deliberativa) dos dispositivos institucionais de participagao politica hoje presentes no SUS. Preocupagao enunciada claramente pela XII Conferéncia Nacional de Satide ao destacar, dentre as propostas para o fortalecimento do controle social, a consolidagao do carter delibe- rativo, fiscalizador e de gestao colegiada dos conselhos; a reafirmagio da participacao popular e do controle social na construgao de um novo modelo de atencao a satide, e 0 aperfeicoamento dosatuais canais de participagio social, criagao e ampliagio de novos canais de interlocugao entre usudrios e sistema de satide, e de mecanismos de escuta do cidadao (Brasil, 2008, p.16). Tais indicagdes remetem, sobretudo, a discussao sobre a construcdo e articulagao de novos recursos e artificios de participacao que expressem a diversidade das experiéncias e posicionamentos implicados na produgao das politicas de satide. Isso porque o principio de participagao da comunidade supde que a constituigao da politica seja permeavel as demandas ¢ realidades dos diferentes agentes e grupos sociais, possibilitando nao somente a atualizagao das formas jé instituicas do direito a satide, mas também a expressao de seus movimentos instituintes, em outros termos, sua expresso como constituigao de politicas puiblicas e, portanto, constituigao do préprio direito a satide. Nesse sentido, a trajetéria dos Conselhos de Satide, principal instancia participativa do SUS, coloca a necessidade de interrogar radicalmente os dispositivos, espagos e, sobretudo,os sentidos adquiridos pela participacio politica no SUS. Para tanto, é preciso formular perguntas que ajudem a avaliar os mecanismos criados para a participacdo, suas possibilidades e desafios no contexto do SUS. Perguntas como: 32 | Direito a satide e a participagao politica no SUS: cendrios... | FRANcINi Guizaro: 591 “O que € ~ ou 0 que esta sendo entendido como participacao”, questao que se desdobra em outras perguntas também anteriores a andlise da efetividade de um determinado arranjo participativo. Que processos devem ser considerados como participat6rivs: a escolha de representantes (e por que vias) ou a expresso direta de demandas (individuais ou coletivas)? Que dimensées da vida social devem ser destacadas para que se identifique a agao partici- pativa? (Brasil, 2006, p. 6). Sem tais estranhamentos, deduz-se que dificilmente os obstéculos mapeados em relagio A realidade dos Conselhos de Satide poderao ser desfeitos e superados, 0 que significa nao somente intervir nos efeitos que geram, mas também em seus regimes de producio, nos condicionantes e nas determinagdes que os atualizam em tio diversas circunstancias. Essas questdes remetem & constituigao das politicas ptiblicas de satide, aos efeitos que geram nas instituigdes de satide, no modo como estas se forjam como logicas materializadas em relagdes e equipamentos sociais, em tecnologias especificas de governo. Colocar neste plano o problema da participagao politica no SUS consiste em aceitar o desafio de criar novas alternativas e também de reinventar as jé existentes, de aproximé-las das expectativas éticas de democratizacao social que o direito a satide expressa e mobiliza. Partimos da hipdtese de que discutir a participacao politica no SUS e suas pos- sibilidades exige problematizar as concepgdes e opgdes politico-institucionais que orientam sua definigéo e operacionalizagao estritamente por meio de mecanismos. de representagao. Tal posicao nao pretende negligenciar os avangos obtidos com a conquista dos féruns institucionalizados de participagao. Ao contrério, supde-se que sua necessiria e desejada eficicia depende da capacidade de radicalizar © projeto democratico, estendendo a participagio & construgio e gestao cotidiana da politica de satide, posto que é na dindmica do funcionamento dos servigos que concretamente a populacao vive como realidade material o direito a satide. Afinal, “a participacao nao pode ficar restrita a uma interpretagio meramente formal dada pela democracia representativa, Faz-se necessario, portanto, ampliar a nogio de participa de modo a resgatar um contetido mais ativo, de modo que a democracia possa realmente se aprofundar” (Santos, 2008, p. 8). 4. SO HA DIREITO CONQUISTADO: A RELACAO INTRINSECA. ENTRE DIREITO A PARTICIPACAO E DIREITO A SAUDE RETENDE-SE, A esta altura, que tenha ficado mais ou menos explicita a ambiguidade do processo de construgio da participagao politica no SUS: se por um lado logrou- se construir um arcabougo juridico-institucional, a partir da aposta de que ele seria ‘capaz de dar resposta As necessidades de democratizacao dos processos politicos que constituem ¢ sustentam a materializagao do direito 8 satide, por outro lado, o conjunto de limitagdes derivadas dos processos sociais préprios 4 sociedade brasileira redundou em um direito A participacao restrito, e, por que nao dizer, muitas vezes tutelado. Os mais de vinte anos de experiéncia nessa trajetéria de implementacao e consolidagao dos conselhos e conferéncias de satide demonstram que houve significative avanco no que aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book. aa You have either reached a page that is unavailable for viewing or reached your viewing limit for this book.

You might also like