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Hua Gong

exercícios terapêuticos baseados nos


movimentos dos animais

por Laerte Willmann

As danças de imitação dos animais eram praticada pelos os antigos xamãs chineses. Cada
animal era um ser mágico e tinha características únicas. Sua imitação era um estudo profundo
sobre a natureza e o próprio homem. Esse conhecimento se conservou na cultura taoísta,
posterior ao xamanismo chinês, mas com novas formas. Hua To, médico chinês da antigüidade,
criou um sistema de exercícios terapêuticos baseados em cinco dos animais dos animais
xamânicos: o urso, o pássaro, o tigre e o cervo e o macaco. Baseando-se na teoria dos cinco
elementos, ele atribuiu a cada animal a correspondência com um elemento. Os exercícios
foram criados para conservar a saúde, mas ao mesmo tempo ajudam a compreender os
conceitos básicos da medicina tradcional chinesa, especialmente a polaridade yin/yang e a
teoria dos cinco movimentos. São um sistema terapêutico e ao mesmo tempo um instrumento
para a transmissão de antigos conhecimentos da tradição xamânica Chinesa.

Na China, todas as artes corporais são muito populares. Muitas variedades de técnicas
corporais se desenvolveram entre artes marciais, danças folclóricas, ginásticas terapêuticas,
meditações em movimento, etc, frequentemente se combinando entre si e influenciando umas
às outras. Os movimentos de Hua To são uma dessas modalidades. Seu nome extenso seria
Hua To Wu Ching Chi Qi Gong, que podemos abreviar para Hua Gong. Tendo sido criados por
um médico, dão mais atenção a aspectos expressivos e emocionais do que as artes criadas por
monges ou guerreiros.

Na medicina chinesa, não existe separação entre o corpo e a psique. Não se desenvolveu uma
psicologia separada da medicina porque os aspectos físicos e psíquicos das doenças sempre
foram considerados manifestações do mesmo desequilíbrio básico. Tantos problemas
emocionais quanto doenças orgânicas são encarados como manifestações de um mesmo
processo, que começa pelo desequilíbrio energético.

Tanto os guerreiros quantos os monges criaram estilos de movimentação que imitavam os


animais, mas esses estilos não se baseavam na expressividade e sim, na eficiência dos
movimentos seja em combate, como nas lutas marciais, seja para interiorização, como nas
meditações em movimento. O Hua Gong visa apenas a saúde, o auto-conhecimento e a auto-
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expressão, assim, não quer que os movimentos sejam simplesmente “eficientes” para qualquer
fim, mas que sejam recursos do diálogo do homem consigo mesmo, com a natureza e com suas
partes ancestrais que os animais representam.

Ainda que inclua posturas tradicionais, existe muita liberdade de criação, sendo a
movimentação guiada pela imaginação, transformando-se no animal e desenvolvendo as
posturas de acordo com essa imaginação. Sua infinita variação inventiva e constante
vivacidade permite que se façam movimentos lentos ou rápidos, com potência ou suavidade,
como se queira e quando se queira sem limite algum. Para enriquecer a imaginação, podem-se
observar diretamente o comportamento desses animais e seus gestos típicos.

Na movimentação do tigre se imita seu olhar enérgico, sua ferocidade, o bambolear da cabeça
e da cauda, balançar-se para saltar, etc. No exercício do cervo se assimila sua tranqüilidade e
relaxamento, seu equilíbrio, sua maneira de estender o corpo, de avançar e levantar a cabeça,
correr, olhar para trás, etc. O macaco é ágil e esperto, às vezes é inquieto, curioso,
imprevisível, anda rapidamente, salta, colhe frutas. No urso se imita sua corpulência e peso,
seu modo de caminhar, sacudir e oscilar. Os ursos aparentam serem lentos e em certas
ocasiões o são, mas têm muita agilidade, sobem nas árvores, empurram, correm, etc. No
pássaro (cegonha), se imita seu alongamento e serenidade, sua maneira de estender as asas,
seu vôo, sua maneira de aterrizar, de parar numa perna só, etc.

URSO

O Urso corresponde ao elemento Água e aos Rins. Quando fica de pé sobre as patas traseiras,
fica parecido com um ser humano. Os xamãs costumam imitá-lo em suas técnicas de transe,
sendo a “Postura do Urso” uma das mais usadas para essa finalidade. A característica psíquica
associada é a Vontade, no sentido de firmeza, de determinação, de capacidade de levar à
realidade as idéias, dar-lhes um chão sólido. Quando falta essa característica, quando a
energia dos rins se esvazia, aparece o medo, a emoção negativa da Água. No medo ficamos
sem base, nossos movimentos ficam erráticos. O medo esfria, às vezes congela, paralisa. Como
um surto da energia fria da Água, medo é também um sinal inicial do despertar da
clarividência. Antes que se saiba lidar com ela, costuma aparecer sob a forma de medo e frio.
O Urso acumula essa energia telúrica, durante sua permanência no fundo da Terra, nas
cavernas. É um animal sem medo.

Heinrich Von Kleist num interessante texto sobre Dança e Teatro, descreve uma história,
segundo ele verdadeira, de um esgrimista que experimenta atacar um Urso que está amarrado
num tronco mas com os “braços” livres. A cada assalto do espadachim o urso apenas se move o
mínimo necessário e apara cada ataque com golpes curtos e certeiros. Ao tentar enganá-lo
com fintas e golpes simulados, o Urso não se move absolutamente, nem pisca. Parece saber
com segurança total, quando o golpe vai ser verdadeiro e quando não. O que mais impressionou
o esgrimista foi essa segurança, da qual nenhum lutador humano seria capaz. Um esgrimista
sempre se move, e só depois ele descobre se o golpe é verdadeiro ou falso, por precaução ele
sempre se desvia. O Urso não, sua energia é firme, segura, estável sem medo, é a energia
imóvel do Norte, da Ursa Maior, em torno da qual giram todas as coisas.

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A Água é a base, que na cosmologia chinesa é o Norte (essa inversão ocorre apenas na
representação no círculo, posto que as características do Norte são semelhantes aos das
outras cosmologias, não é uma verdadeira diferença a não ser na convenção de representação,
como se tivéssemos um relógio que representa o meio-dia em baixo, o que não muda nada nas
características do dia, apenas na representação convencional da hora).

O Urso é um animal mágico para todos os povos das regiões frias, é um animal das cavernas. A
palavra “Ártico” deriva do Grego e quer dizer Norte, seu significado literal é “lugar do Urso”.
A constelação da Ursa Maior, que tem 7 estrelas mais definidas, é uma constelação
facilmente identificável durante todo o ano para os povos que vivem no hemisfério Norte.
Serve de orientação à noite, por ser a única que pode ser reconhecida durante todas as
estações do ano a qualquer hora da noite. As duas estrelas mais importantes da Ursa formam
o centro em torno do qual giram todas as estrelas do Céu (do ponto de vista do observador da
Terra). Dessa forma, indicava o ponto central do eixo sobre a “Montanha Sagrada do centro
da Terra”. As Sete estrelas girando sobre si mesmas são o eixo do Céu, dão movimento ao
círculo que produz a vida.

Existe uma antiga dança sagrada chinesa chamada “Os Passos de Yu”. Se originou,
miticamente, do imperador Yu que, sobrevivendo ao dilúvio, tomou a forma de um Urso e
dançou. É mencionado na literatura chinesa pela primeira vez no 2º século AC e é praticado
ainda hoje, por sacerdotes Taoístas em cerimônias sagradas.

Nas antigas práticas Taoístas, os três níveis do homem eram a reprodução das forças das
três luzes do Céu : Sol, Lua e Estrelas. E entre as estrelas, a constelação mais importante era
a da Ursa Maior. O culto das Sete Estrelas tinha diversas formas simbólicas, como trazer a
energia das estrelas para os órgãos corporais.

Artemis, a deusa grega que Homero chama de “Senhora dos Animais Selvagens”, tinha uma
ligação especial com os Ursos. No Rig Veda, os Sete Santos Rishis da Índia eram também
chamados “Os Sete Ursos”. Vestígios deixados pelo homem de Neanderthal há 100 mil anos,
incluem altares e locais sagrados em cavernas onde eram depositados crânios de Ursos. Na
medicina Chinesa é representado pela cor azul-profundo, quase preto, como o fundo do mar ou
o fundo do céu, que representa as energias mais antigas.

Xamãs siberianos e do norte da Rússia, assim como diversas tribos indígenas norte-
americanas, assumem identidades de Ursos em seus rituais de cura. Água é a energia que
desce para o fundo da terra. Sua característica psíquica é a Vontade (Tche), mas quando essa
energia se esvazia, vem a insegurança, o medo. O medo abre os orifícios inferiores. O Rim
comanda os esfincteres, faz perder a base, a capacidade de agir, pois falta chão. A energia
escorre para baixo, por isso, um bom antídoto para o medo é o trabalho de base de pé como
no Tai-Chi Chuan, os pés se apoiam firmemente no chão, através do ponto 1 dos Rins, chamado
em Chinês “a fonte borbulhante“, na sola dos pés, como se a energia da Água brotasse,
borbulhando, do chão e entrasse pela sola dos pés. Em exercícios sentados, na Yoga Taoísta, o
ponto de conexão é o Hui In, no centro do períneo.

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Tem também relação com a energia sexual, pois quando falamos Rins, não estamos nos
referindo apenas ao órgão, mas a todo orbe funcional do movimento Água, que inclui ossos,
bexiga, órgãos sexuais, a medula e as estruturas nervosas (todos os ácidos fosfóricos). Essa
força da sexualidade que sobe a medula é a energia fria da Kundalini, é a força profunda do
Urso, do Inverno, do fundo do mar, do instinto, do inconsciente. É o espaço primordial, sede
do Ching, a energia ancestral. Também se associa à tartaruga marinha e à serpente.

Na alquimia chinesa, Água e Fogo representam a polaridade primordial. A união dos opostos
era simbolizada pelo “Casamento da Água com o Fogo”. Por isso, o animal oposto ao Urso é o
Pássaro.

PÁSSARO

O Pássaro, através de toda a história das religiões, tem sido um símbolo da alma humana, que
voa do corpo depois da morte. O vôo dos pássaros é uma capacidade sempre admirada pelos
seres presos à terra, que o interpretam como libertação. A negação da gravidade tem essa
mesma conotação, de leveza do espírito. O dançarino, como o pássaro, é um ser privilegiado,
que tem um controle diferente sobre a gravidade e em seus saltos cria a ilusão de vôo.

Também os xamãs, em seus estados de transe, deixam o corpo e voam magicamente,


carregados nas asas dos ritmos de seus tambores. Nas cavernas paleolíticas desenhos de
pássaros são encontrados freqüentemente. Um dos mais famosos desenhos da gruta de
Lascaux, na França, mostra um homem/pássaro, um xamã em profundo transe depois de sua
dança, com uma máscara de pássaro. Recentes escavações na China revelaram desenhos de
xamãs disfarçados como homens/garça. Xamãs da Sibéria usam roupas imitando pássaro e
afirmam descender de um ancestral alado.

Na medicina chinesa o pássaro simboliza o coração, que no nível espiritual é SHEN, o Espírito.
No plano psíquico é a abertura ao instante, ao momento presente. No lado negativo, quando
sua energia é excessiva vem a euforia, na carência é a ansiedade. Shen é como o maestro em
uma orquestra. Ele deve sentir cada músico: cada órgão do corpo. Entrar em contato com a
pulsação individual de cada um, e a partir desse vínculo de ressonância, momento a momento,
ir regendo a harmonia do conjunto.

Como o Fogo, seu elemento, o pássaro se eleva. Do “alto”, tem uma visão de conjunto
inacessível para os outros animais, que é base de seu poder de centralização e regularização
de todas as outras funções. Shen, o Espírito, é o que possibilita a relação entre todos os
seres, pois ele é a relação que existe entre eles. É a relação que existe antes mesmo que
exista aquilo que está em relação.

No plano físico, o coração tem essa mesma relação com os demais órgãos. Ele não é, como
pensa a ciência mecanicista, uma bomba, que tem o papel de impulsionar o sangue. Sua função
é ritmizar, regularizar, harmonizar, e isso ele faz sentindo tudo que se passa em todo o
organismo. A cada vez que para por um breve momento nas câmaras do coração, o sangue é
analisado. O coração sente seu “gosto”, as sutis mensagens químicas que ele carrega, e que
informam o que se passa em todo o organismo.

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Como maestro, o coração comanda sutis modificações de ênfase entre as diversas energias e
funções corporais. Sua função é ouvir o conjunto, mais exatamente sentir seu “gosto”. O
coração na medicina chinesa está ligado à língua e ao gosto. O paladar é o sentido no qual se
exprime em maior grau, a comunhão entre o observador e a coisa observada, para sentir o
gosto é necessário absorver uma parte daquilo que é sentido, entrar numa comunhão íntima
com ele. O coração entra em ressonância com o conjunto dos sons/sabores/vibrações que vêm
de cada parte do corpo e para harmonizá-las continuamente, ele não segue um plano fixo, pelo
contrário, é uma harmonia sempre instável, sempre refeita no momento presente. Por isso,
Shen é a abertura ao instante. É a ação desimpedida no momento presente. É da natureza do
espírito não se deixar aprisionar em formas vazias, estar livre para agir a cada momento, de
acordo com o que for necessário.

No “Tengo-Geijtsu-Ron“, o Mestre da arte da espada Shissai Chozan diz : “A arte da espada é


a reação natural do coração, no andar sem manter um padrão, no chegar sem deixar rastros.
Tudo que possui forma e configuração não é o deslumbrante desdobramento da naturalidade
do coração. O fluído assume uma forma, tão logo se busque refúgio no menor dos
pensamentos. E o adversário golpeia aquilo que tomou forma”. Falando sobre a arte do
arqueiro, ele diz : “Enquanto o fluído não percorrer o corpo inteiro, todo o uso da força será
passageiro. Enquanto o espírito não aquietar e o fluído não estiver cheio de vida, o homem
recorrerá à inteligência da consciência egoísta e não firmará os pés no caminho do Arqueiro.
Ao dobrar o arco com violência, retesando a corda, o arqueiro está agredindo a natureza do
arco; este, por sua vez, entra em luta com a natureza da flexa, formando forças contrárias.
Falta a penetração espiritual recíproca. Por isso a flexa não voa longe nem transpassa a
armadura do inimigo.”

Essa “penetração espiritual recíproca” é o Shen, a relação entre todas as coisas, que só opera
na serenidade e na sabedoria do coração. Como o pássaro, sereno nos ares. No vôo, o pássaro
tem um experiência distinta da maior parte dos animais terrestres. Seu horizonte de
percepção é ilimitado. O pássaro em vôo tem a visão da distância, que possibilita a previsão, a
visão antecipada. Ele não está sujeito à surpresa, ao sobressalto, ele vê a aproximação das
coisas com antecipação e por isso, se mantém sereno. Dessa forma o coração deveria se
manter: sereno, sem identificações, percebendo o conjunto, sem preferências, pronto para a
ação necessária a cada momento.

A cor associada ao espírito, SHEN, e ao coração, é o vermelho. Na medicina tradicional


chinesa o vermelho é a intensificação de todas as trocas energéticas, característica que
corresponde à intensificação da ação do espírito, da faculdade de relação, a maior
interpenetração entre os elementos do todo. Os chineses pintavam seus templos de vermelho
e vestiam as crianças com essa cor porque ela produzia alegria.

A alegria produz comunhão, participação mútua, “calor humano”, união dos corações numa
espécie de ressonância circulatória onde se cria uma pulsação única. Os pássaros demonstram
isso, quando voam em bandos. No vôo conjunto existe alguma coisa que os liga entre si.
Quando todo o bando muda de direção, vemos um movimento conjunto, onde não conseguimos

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distinguir que pássaro iniciou a mudança, ela acontece simultaneamente, se comunica de


coração a coração, pois as asas são sua extensão.

Na alquimia chinesa, a substância mágica principal era cinábrio, um sulfureto vermelho do


mercúrio. Os “três campos de cinábrio” eram as regiões do corpo onde se concentravam as
energias dos três níveis que compunham o homem. Todas as práticas alquímicas Taoístas
tendem a refinar e sublimar o corpo, a transformar pela purificação os humores (líquidos) em
sopro e sopro em espírito. Esse trabalho de purificação torna o corpo leve, refinado. Nos
textos do movimento taoísta chamado da “Grande Pureza” esse trabalho termina por uma
auto-cremação imaginária, onde o adepto vê um fogo vermelho envolver todo seu corpo e tudo
se tornar fogo. O fogo e o corpo se tornam uma só substância, dentro e fora tudo se torna
luz, ele retorna à matriz dentro do fogo, ascende ao “Palácio do Fogo Vermelho “ ou à “Corte
do Fogo Líquido”, onde seu corpo purificado emite uma luz de jade.

Na imitação dos movimentos do pássaro é de grande importância o equilíbrio. Imitam-se em


geral pássaros de pernas compridas, como cegonhas, garças, grous, flamingos (de penas
vermelhas, de acordo com o simbolismo do fogo) e, também, mais frequentemente nas Artes
Marciais, a águia. A necessidade de equilíbrio, pois na maior parte das posturas, apenas um pé
está no chão, demonstra a complementariedade dos opostos: para voar é preciso estar
firmemente enraizado no solo, como o urso.

O movimento dos braços sai do coração. Os quatro meridianos de Fogo, coração, triplo-
aquecedor, intestino grosso e mestre do coração (CS, Pericárdio), passam pelos braços. O
ritmo de abertura e fechamento dos braços, o “bater das asas” regulariza a respiração e a
circulação.

TIGRE

O tigre é um símbolo de coragem e bravura. Simboliza o elemento metal, o Outono. É também


a destruição, a interrupção, o corte. Como o corte das espadas ou lanças de metal, que são
como as garras do tigre. Além do tigre, costumam ser imitados os movimentos do leão, do
leopardo, da pantera e do jaguar. Cultos de felinos apareceram no Oriente, na África e na
América do Sul e Central. Juntamente com os ursos, são animais das cavernas, representando
o ciclo Yin da energia. Os ursos no norte e os felinos no Sul foram dois dos principais animais
mágicos da pré-história. Entre Maias e Astecas, como entre diversas tribos a América, o
culto do jaguar era a base da cosmologia mística.

O Metal corresponde aos pulmões, e os felinos são animais em que a respiração, a circulação
sanguínea e o movimento estão estreitamente vinculados. Observando-os quando correm,
saltam, a maneira como sustentam a cabeça, tudo é comandado por uma contínua pulsação
rítmica, alguma coisa que sai do equilíbrio para reencontrá-lo em seguida. É quando eles estão
se movendo em grande velocidade, como quando mudam de direção subitamente, que podemos
ver como o ritmo da circulação sangüínea, da respiração e do movimento se articulam numa
sincronia perfeita.

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Os saltos dos felinos, que algumas vezes são animais muito pesados, não se baseiam apenas em
força muscular, eles saltam com a respiração. Esses saltos longos e precisos são a arma
principal do tigre. É pelo peso caindo sobre a presa que eles decidem a caçada,
freqüentemente com um golpe único que quebra o pescoço da vítima. É como a espada que
corta a vida, o Outono que corta a energia do Verão e leva ao inverno.

Os movimentos são fortes e flexíveis e os músculos são capazes de passar do relaxamento


completo à extrema tensão instantaneamente, o que lhes dá uma característica meio “mole” e
“gingada” quando relaxados. Para imitar seus movimentos, é preciso esse relaxamento, que
pode ser observado especialmente quando se espreguiçam, estirando todos os músculos e
tendões.

Outra característica imitada nos movimentos do tigre é a ferocidade do olhar. Os olhos dos
felinos têm uma estrutura peculiar em que as lentes por trás da retina são extremamente
densas e de grande poder de reflexão. Isso sempre impressionou os homens primitivos, que
muitas vezes, só percebiam a aproximação dos felinos pelo brilho de seus olhos, pois eles são
extremamente silenciosos. Em muitas partes do mundo, mitos e lendas demonstram que
existia a crença popular generalizada de que os olhos dos felinos emitem luz.

O Metal é a energia mineral, oposta à energia vegetal da Madeira. Os machados cortam as


árvores. Isso fazia muito sentido na época da introdução da metalurgia, quando se criou esse
simbolismo, na época em que se começou a derrubar florestas para forjar o ferro.

O tigre branco, Metal, forma uma polaridade tradicional com a Madeira, o Macaco (ou o
Dragão Verde na Alquimia Taoísta). Representam, respectivamente, entre as funções
psíquicas, Hun e Po, que inspiraram Jung na criação de seus conceitos de Animus e Anima, a
polaridade masculino/feminino. Por isso, quando o tigre representa o metal, ele é especificado
como sendo o tigre branco, pois normalmente seria mais natural associá-lo ao Yang masculino.

Literalmente, Hun significa a “alma da palavra”, o poder de comunicação, geralmente


associado ao macaco. Po é a “alma branca”, a consciência corporal, em geral associada ao
feminino. E de fato, os felinos são entre os animais os que mais especialmente manifestam
essa consciência corporal silenciosa e feminina, essa habilidade de ser sorrateiro e passar
despercebido.

Essa mesma característica de espreitadores silenciosos explica a atribuição da discriminação


como característica psíquica do Metal. A discriminação é uma forma aguda de pensamento,
como o corte da espada, e sua base é a distância com relação ao objeto, que dá a perspectiva
de onde discriminar. Essa mesma distância que, em excesso, possibilita a atribuição da
emoção negativa, tristeza ou melancolia aos pulmões e ao metal, pois a tristeza, em geral, tem
por base uma distância e uma separação excessiva em relação ao fluxo da vida. No sentido
positivo, entretanto, essa mesma característica simboliza a espiritualidade, através da
capacidade de perceber com clareza, as distinções entre verdadeiro e falso, entre a
realidade e suas aparências enganadoras. Nesse sentido é a espada da verdade, a espada de
luz da consciência.

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A cor branca é associada, também, ao brilho da luz no metal. Como o brilho do planeta Vênus,
que lhe é correspondente. Podemos ligar, também, esse aspecto à sensação fria do oxigênio
puro nos pulmões, que são o órgão do Metal. Em exercícios respiratórios em que se pratica a
hiper-oxigenação, podemos sentir que, subitamente, se espalha pelas células uma sensação de
brilho frio, quando o oxigênio penetra num grau muito maior que o usual.

MACACO

O macaco é um animal leve, cheio de energia. Seus movimentos não são profundos e sábios
como os do Urso, que representa o Inverno, o recolhimento da energia. O macaco tem a
energia da Primavera, da infância. Como criança, ele brinca e desperdiça energia, se
interessando por qualquer novidade que encontra; seus gestos não são econômicos, mas
exuberantes. A Madeira é a exteriorização, a comunicação. É também a energia do vento, que
muda de direção a qualquer momento, ora é rápido, ora devagar.

É o dinamismo, cuja exacerbação causa a impaciência, a irritação, a raiva, o estado colérico,


onde o fígado se envenena pelo excesso de sua própria energia básica. A raiva se expressa nos
olhos, que são a porta de saída do fígado. Provoca a subida da energia, quando a madeira se
“inflama” e o fluxo ascendente se expressa nos braços e punhos e na boca, que podem
agarrar, bater e morder. Muitas vezes os macacos deflagram esse tipo de manifestação sem
um componente real de agressão, apenas como comunicação, para marcar e dominar uma
posição ou território por exemplo, e então eles batem com os punhos no ar ou no chão, gritam,
saltam para todos os lados, numa demonstração de poder e auto-confiança.

Na raiva, o centro de gravidade do fluxo energético se desloca para o centro entre as


omoplatas. Por esse motivo, a raiva contida, produz tensão nos músculos dos ombros, das
costas e pescoço. O macaco usa bastante as energias deste centro quando se pendura nos
galhos das árvores.

Os macacos freqüentemente ultrapassam a fronteira que vai da atividade incessante à


impaciência, da impaciência à irritação e daí à raiva. Mas na agressividade, eles não são frios
e eficientes como o tigre que mata sua presa com um só golpe saltando sobre ela. Os macacos
tendem mais a multiplicar seus movimentos e agir como loucos.

No Ramayana, épico sagrado Indiano, o macaco Hanumam, líder dos exércitos de animais que
ajudaram Rama a derrotar o demônio Ravana, certa vez sai numa missão secreta. Faz tudo
como deve ser, entrando em Lanka, a cidade dos demônios onde passa despercebido e colhe as
informações necessárias, mas na hora de voltar, ele não aguenta agir com tanta sensatez e
“idéias de macaco“ lhe passam pela mente :

“Hanuman correu sem ser visto. Já estava pronto para voltar quando, subitamente, uma idéia
de macaco lhe cruzou a mente. Uma grande idéia ! Hanuman partiu como a seta, parte de uma
corda de arco. Abriu caminho, por entre os gramados e canteiros de flores de Ravana,
derrubando-lhe os pavilhões. Atirou bancos e tijolos pela janela do palácio e borrifou as
sentinelas com lótus enlameados e molhados. Cavalos dispararam, elefantes debandaram e os
veados ficaram olhando, pasmados, com os olhos enregelados de pânico. Poeira e folhas, num

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turbilhão, caíram sobre Lanka; e em pé, no meio dos destroços dos jardins de Ravana, viu-se
um macaco infernal estrepitando com energia e ficando cada vez maior. “

Quando entram nesse estado, a energia da excitação e da raiva não os deixa parar e os
macacos vão destruindo tudo que encontram. “Depois de haver matado de pancadas a guarda
real dos demônios, Hanuman arremeteu contra o templo da cidade, recoberto de chapas de
ouro. Nos fundos do edifício, sacerdotes conversavam sobre coisas disparatadas, ou rolavam
na poeira, ou simplesmente sorriam como idiotas religiosos. No interior do templo dos
demônios havia uma imagem de uma deusa feita de safira. Hanuman atochou-a num bueiro e
pôs-se a bater nos próprios sovacos com tanta força, que pedaços do teto de ouro caíram
empretecidos por séculos de fumaça de incenso. Hanuman partiu uma coluna de mármore e
voou para o topo do telhado do templo, fez girar o pilar tão depressa, que o incendiou.
Carvões, chamas e faíscas redemoinharam no ar, e os sacerdotes se escafederam, tentando
salvar a vida, enquanto o templo, tomado pelas chamas, explodia. “

Mas se é possível entender como se chega da criatividade incessante do macaco à raiva e


fúria, isso não quer dizer que essa seja sua a principal característica. A emoção negativa
associada a cada órgão é consequência do desequilíbrio de sua energia de base. A função
psíquica da Madeira é a “alma Hun”, que numa tradução literal poderia significar, a “alma da
palavra”. É o poder de exteriorização e comunicação. Um bando de macacos é extremamente
ruidoso e comunicativo, usando numerosas formas de relação entre os membros. Isso
aproxima o macaco de Hermes ou Mercúrio, pois não apenas está presente o poder de
comunicação, como o papel de mensageiro dos deuses. Tanto nas aventuras do macaco Chinês
Wu Cheng En quanto nas do Indiano Hanuman, o macaco é o que passa pelos lugares
impossíveis para os outros deuses ou heróis, o que viaja a velocidades assombrosas, o que
realiza as missões impossíveis. No Ramayana, Hanuman é o mensageiro de Rama em diversas
ocasiões. Além disso, para estreitar ainda mais o paralelo mercurial, o macaco é o “trickster”
por excelência, o embusteiro astuto, o provocador do caos e da desordem mas, ao mesmo
tempo, por sua ligação com as energias pré-humanas, capaz de não se deixar enganar por
pretensões de auto-importância, por máscaras sociais, revelando rápida e impiedosamente, o
vazio das fachadas e enfeites convencionais.

Na imitação dos movimentos do macaco a principal característica é a agilidade. Passa-se com


rapidez de uma postura para outra, os olhos são atentos e lançam olhares rápidos em todas as
direções, mantendo a imagem mais completa possível do ambiente, percebendo todos os
detalhes. Frequentemente, o apoio é numa perna só, enquanto a outra fica dobrada com a
ponta do pé tocando o chão, os movimentos estão sempre mudando de direção com giros e
saltos e pode-se usar o som dos macacos hu hu hu... Em alguns movimentos usa-se uma das
pernas para imitar o rabo do macaco, especialmente em saltos, para dar equilíbrio.

O elemento Madeira corresponde ao fígado e, também, aos músculos e tendões e aos olhos,
sua energia básica flui ascendentemente pela coluna vertebral, comandando os movimentos
ativos do organismo, a exteriorização. O fígado é um órgão que contém forças quase vegetais.
É capaz de regenerar suas células com grande facilidade e rapidez como os vegetais. O
elemento madeira corresponde ao reino vegetal, à força vital, ao mundo das plantas, à cor
verde (nunca à madeira no sentido de um pedaço de madeira morta). O fígado funciona

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sempre a alguns graus acima da temperatura média do resto do corpo. É a fonte da vida.
Liver, fígado em Inglês, tem a mesma raiz de TO LIVE, viver. Por isso, o sofrimento de
Prometeu era infindável, pois o fígado sempre se regenera. A Águia que devora seu fígado é o
elemento fogo, o mesmo fogo que ele trouxe aos homens. O fogo devora a madeira.

CERVO

O Cervo na China simboliza a longevidade. Às vezes, é representado ao lado de algum


personagem especialmente longevo, ou então, o ancião o cavalga, simbolizando vida longa.
Quando esse é o significado, ele pode também, representar a base (lugar que no sistema que
estamos usando é o do Urso), os Rins. Porque podem haver variações no simbolismo dos
animais, como no das cores, etc. Mas não há contradição nessa variação. O cervo certamente,
jamais seria usado para a posição do pássaro, suas 4 patas firmes no chão não são para sair
voando. Também não seria um bom símbolo para a força ascendente nem para a descendente,
do Macaco e do Tigre, que são extremamente dinâmicas e o Cervo é estável. Já a base é,
nesse aspecto, parecida com o centro, são duas regiões que têm em comum centralidade e
estabilidade. Mas no sistema de Hua To ele é o centro.

Comparado com os outros animais, vemos que tanto o tigre quanto o urso são animais das
cavernas, representando a fase Yin da energia, enquanto o macaco e o pássaro são animais do
alto das árvores, simbolizando a fase Yang, ascendente. O cervo vive na planície. Como
também o boi, outro animal que costuma representar o Centro. Entre os antigos animais
mágicos, também o Unicórnio pode simbolizar esta posição. Todos são animais de 4 patas, das
planícies. São dessa forma mais próximos do homem que os demais animais. Na cultura grega
poderia ser o centauro.

A posição do Centro de certa forma, representa também um sacrifício. É o centro da cruz


que une as quatro direções das extremidades. Cada uma das quatro forças dinâmicas pode
escapar para uma das direções do espaço, mas o centro está fixado. Por isso, ele se liberta
“para dentro”, pela transcendência e sacrifício. Cernunos, entre os Celtas, tinha esta
conotação. Em um antigo vaso celta de metal ele aparece representado como um
homem/cervo com as pernas cruzadas, o que também indica centralidade, cercado por
diversos animais. Ele é o Senhor dos Animais e entre esses é o que está mais próximo do
homem.

Esse deus cervo, representava a chave da abóbada de toda a mitologia celta. Era o regente
das energias fecundas, como uma força da natureza, à semelhança da qual ele morria e se
regenerava ciclicamente. Os celtas faziam uma bebida sagrada com grãos moídos e
fermentados que representava seu sangue, capaz de propiciar visões e a reintegração na
fonte divina. O deus Cernunos era um iniciador, o cervo solar, cujos chifres eram também
raízes que representam nossa ligação com as forças celestes.

Para o homem, o sacrifício do Centro é estar no ponto central das forças em conflito. Neste
vasto universo, existem todos os tipos de elementos, cada um ocupando seu lugar próprio, o
oxigênio, hidrogênio, carbono, etc, ocupam locais definidos no cosmos, onde se mantêm em
grandes concentrações. Se considerarmos o corpo humano como um espaço no Universo,

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veremos que é um espaço peculiar, onde se reúnem os elementos mais contrários, que
normalmente não teriam como ficarem juntos. Esse é o papel do elemento Terra, possibilitar
um “terreno” comum que torne possível a convivência dos opostos.

No ponto central do tempo e do espaço, entre os braços da cruz, preso a essa existência, o
homem está sacrificado. Não podendo correr para parte alguma, pois o conflito está dentro
dele mesmo, o homem descobre a única saída: para dentro. O sacrifício é o sacro ofício, a
transmutação, é queimar no forno alquímico de Lao Tse. O vaso hermético dos alquimistas era
esse lugar fechado, selado hermeticamente, onde as transformações acontecem.

A caça ao cervo era mais freqüente entre os povos caçadores, que a dos outros animais que
estamos considerando. É uma ocasião rara um caçador sair para caçar ursos ou tigres porque
são muito ferozes. Se alimentar de pássaros ou macacos é possível, mas eles não alimentam
muitas pessoas como um único cervo. Por isso, o cervo sempre foi uma caça apreciada. E
quando os povos caçadores se alimentavam freqüentemente de um animal, eles ritualizavam
sua caça, vendo nela significados profundos. E, também, cultuavam o animal que os alimentava.
Dessa forma, o cervo passou a significar o sacrifício. Ele se sacrifica para que o homem se
alimente.

Na caça ao cervo o homem adquire muitas habilidades e qualidades importantes; precisa


desenvolver as artes da espreita, precisa aprender a trilhar os caminhos com paciência e
atenção. Ele se transforma pela caça. Por isso, no dia que encontra um animal mágico - e isso
acontece com muitos caçadores - o homem se transforma. Através daquele animal pode estar
se manifestando o Senhor dos Animais. Nesse caso, o caçador se vê seguidamente derrotado
em sua espreita. O animal lhe escapa, parece brincar com ele, aparece rapidamente por entre
as folhas para desaparecer em seguida. Quando ele está desistindo, ele reaparece ao longe
como que para desafiá-lo. O Senhor dos Animais assume o controle da caçada e o caçador se
transforma em caça. Ele exige do homem entrega total ao que está acontecendo, renúncia
completa. Exige o máximo de todas as suas capacidades, atenção, resistência, perseverança,
firmeza, etc. O caçador se transforma, até descobrir que ele não está seguindo o cervo, está
caçando a si mesmo. Lame Deer (Cervo-Deer), índio norte-americano, assim descreve seu
encontro com um búfalo mágico (também Terra: quatro patas). “Aquele búfalo fez com que eu
me conhecesse, fez-me conhecer a terra ao meu redor. Curou a cegueira do meu coração e
mostrou-me outro mundo, além do mundo de todos os dias. “

Quando imitamos os movimentos do cervo, os braços são como os “galhos” e, dessa forma, o
que seria o pescoço do cervo é nossa cintura. Devido às torções da cintura necessárias para
movimentar a “cabeça” do cervo na imitação de seus golpes fortes e firmes, fortalece-se
bastante essa parte do corpo, que é, também, o centro somático do elemento Terra, o plexo
solar, onde ficam os órgãos Terra, estômago e baço. Os pés são firmes e pisam com a sola
inteira, como no Pa Kua Chuan (arte marcial chinesa da escola interna).

A cor que corresponde à Terra é o amarelo brilhante ou o alaranjado, como o Sol. No plano
espiritual corresponde ao “I “, a memória, a concentração do espírito. No plano psíquico sua
qualidade é a equanimidade, a justiça, o equilíbrio, que se manifesta nos hábitos. Nossos
hábitos no sentido positivo são a memória das ações adequadas e justas. No aspecto negativo

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vem a repetitividade, os gestos vazios, a obsessão, as manias, a rigidez mental, o “excesso do


centro”.

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