You are on page 1of 507
a ENGENHO ANT X -MODIEFN A INVENGAD DO NORDESTE € OUTRAS ARTES Tese de Poutorad apresentads ac Departanente Se Histér2s ao instituto de Filosofia 6 Cigncias Humanas ds Universidade Esiadusl do Campinas, sob a orientacia do Prat. Dr. Robert ti W. Andrew Slenes © co-orrentacke ds Prot, Br. Aicir Lenhara, (4 r corresponde a recacae tinei oa tes detendide © aprovata pels Coaissto Sulgadore ee BCG Cy. CAME INAS 1994 AGRADECIMENTOS go sncantre ten use feu do pais que foram inventadas come G tracelhe au frutifero das duas area: antagenicas e excludentes. Sou filo desse encentro se. mente bu antelectuslmentg Taiande. Filho ce Un amor que nasceu miarance, Ge um pautpaid-de-arara por uma paulistinha que, por serem fervoro~ soe catolicos. tiveran seus caminhos crurado: numa miSea, Muma tarde paulistane, em i954. Apes ter crescide convivendo com as enormes Giferencas que OS Separava, mas tambem com co grande amor que os linia, me Gecidi por complementer meus estudes na terra que minhs més vivera toda @ primeira parte de sua vida, da qual em innmeras tardes tracara wma geogrefia afetiva, falando oe uma S%o Faule onde deisara todce o8 seus amigos © parentes, E eu viajave com ela, em seu colo, pelo Viaduto do Cha, pela rua Direita, peta Galeria Frestes Mais. onde 3a passear ape Geminges © flertar com os rapazes. Lembro ainas com que satistacio ou desapontamentc, minna mie percorres estes mesmos sspaces, em 1966, apos dez anos de auséncia, © eu mum masto de deslumbramente © modo procurava naquela metrepole, cujo barulne me Tizera estremecer, oF espagor que havia amaginado, 8 geuaratie imaginaria d= S&> Paulo, que desenhara na minha cabecs | partir oa fnarrativas da minha a&e. Gue surpresa foi descobrir como erem oi~ ferentes 05 lugares, mas Come aO mesmo tempo guardavam algun de eemelhanca com 0 que imaginara, como as vezes até © cheire lem- brava eigo daguele espacc que sonhare. Apes terminar = graduacto na Paraiba, resolve fazer a pos~ graduacko em Sic Paulo, mais especificamente em Campinas, tornando- me também do ponto de vista académico © intelectual filho des: encontrus um migrante em busca do conhecimento, um “baianc inxarida’ Que muitas vezes teve ce ouvir & frase: "mas voc® nio parece nordestine". Por issa quero iniciar estes egradecimentes, lembrande meus pais e€ meus professcres, que possibilitaram © encentre entre © WNordeste © o Sf0 Peulo que estio em mim, Gesde & gecaratia de met corpe até o espaca da minha mente. Como tode trabalho este surgiu do amor © a0 mesma tempo d= inguietude gue me causam estes espagos am que ToL repartido o pais @ parte de seus habitantes. Amor que se amglia A medida que pare realizar um trabslho como este encontramos muita: peccoas dispostas 4 ajuder, tanto em Sao Paulo, onde realizes grande parte da pesquisa, como no Nordeste ende redigi oc texto Final. fasic Quero agradecer ace funciondrios das instituiches one reaiizei a pesquisa: Arquive Edgar Leuenroth, onde principalmente = Cleusa facilitou um iongo periods de consulta; Cinematecs Brasileira, onde # lara se dispos a passar suas tardes dividinas comigo uma sala escura e rolos de filmes; Biblioteca Central da UNTEAMP, onde Vera e Teresa, foram mais Go que suxiliares, foram amiga © incentivadorasy os funcionarios de CEDAE, Centro de Estudos Migretérios, Piracoteca do Estado, Museu de Arte Moderna, Museu de Arte de So Paulo, Museu da Imagem e do Som, Casa Mério Ge Ancrade, tasa Lasar Segall, JEB, tornaram possivel minha garimpagem de informacses. Meus colegas e Douterado tiveram particapacko direta ne trajyetoria que levou @ este trabalho através do estimulo, de ateto 2 do alte nivel das discussdes gue mantivemos ao lonac do curso. & furora, Gleydes, Dart © Regina, & esta de modo especial, tembe pertence ests tese, COletivamente Torsaca ma amizade. Corte: com apoia € incentive de meus colegas pr: mento de Historia © Geogratia da Universidade Sescobraram em meie a tanta caréncia potsinilitar o meu afastamento para curear @ coutoramente. Agredeca Binda = todos of protessores da UNICAMF, notadamente # Eager fecea, pela disponibilidade em ler este trabalho ainda no rascumno = proporcionar Vvaiiosas iluminagdes, a Alcir cennaro, pela amizade © pelas valiosss contriouigées que deu lendo © rascunho @ assuminao a orientecic na fase final de redacto = especialmente a Margeretn Rago, que mais do que professora, s2 tornou uma climplice nas minnas voagens intelectuais au existenciais, preva maior de gue 9 encontre entre “Nordeste" © "So Paulo” com amar e humor & possivel. Querc agranecer especiaimente ac meu orientador Ropert Slenes, que solbe mais uma vez suportar as esquisitices de um orientandc que some e quando aparece © com toneladas de papel 6 serem digeridas, que soube como sempre respeitar nossas ditereng valorizar noseas semelhancas, uma pessoa scima de & humana. amiga, simpatica © competerte, Fos meus irm¥os © amigos. em Campanaz, seja en Sampir meu gincero agradecimento pelo apoio © a sustentacso psicciceics indispensavel a um doutorando em fase de redacio de tese. Mas este trabalho teria sido impossivel sama ajuda talves da mais simples de todas estas pessoas, mas vara mim a mais valios, minha "secratéria” Socorra, que sé n&o fez chover para que eu nudes se terminar este trabalho © foi submetide a horas de siléncio, sende obrigada a apenas me elnar com olhos compridos e uma enorme vontade de conversar sem poder. Contripuiram de forma valioss para a apresentac%o final deste trabalho, proficcionais competentes © amigos como: Agostinnt Atves de Qliveira Junior, designer que criou @ imprimiu a capa ao trabalho, Jou Batiste © Aurizete gue revisaram © retiraram os tropecos na lingus portuquesa & minha amiga Cassandra que me iniciou nos misterios da informatica. Por tim agradeco & CAFES, que atraves dco Programs de Capacitacko Docente, financiou minha #stadia em Campinas € todo 6 periods de redagko do trabaiho, permitinds minha dedicac#o integral a esta ardua tareta. on bepar Paraiba, que s© RESUMO Este trabaihe trata da emergenci# oe um objeto de saner © un espaco ds poder, regito Nordeste. Atraves de que prétaca regionslizentee © Ue que difcursos regionalistas se gestou no comesc deste secuic ide.a de Nordeste. Como os discurscs, sejam acad@macos, sejam artisticos, Toram dotanca wste recorte espacial de ums imagen e de un texte ibilidade © uma Gizibilidade, que jhe deram conteddo © 5 tornaran umas podercea arma nas litas Politicas nacionais. Como estes discursos construiram ests rdentida Oe espacial, formularam @ idéis de uma cultura regional diferenciada que tol subjetivade por todos que habitam este espaco. Este trabalho busca entender como esta regidc foi senda reelaborada permanentement® pelos vérice movimentes culturais de pase, comecando pelo regionalismo @ tradicionalisma, no seu embate com o modernismo, ate tropicalismo, que significou a probiemati~ zagto maie radica) deste ideta de uma culture regional © de uma cultura nacional, que o Nerdeste representaria. & tropicalism= que rompeu com a formacio discursiva nacianal-popular = o dispositive das facionalidades, condigées Tundamentazs pars que fosse pussivel = emergéncia oo Werdeste, vai significar politicamente oc propric questionamento da fung’e conservadora © anti-moderna que ests cons- trugts imagético-discursive representava, 4 luta contra as frontei- ras sejam nacionais, seaiam regionais, mais este circule de enclaveu ramenta @ que 710% homens de modernidade tence que nos suameter, uma va. SUrAR TE ENTRODUGAC. 1. GEOGHAPIA EM RUNES settee ener BO Figuras du Sensivel... 1A B.Esnoges do Secial... bette eet etter nee BZ B.A Noldure das Nacronedigdades.. ers 4.0s Quagres da Culterascessceee ad 3.4 Palete do Regional IT. ESPAPOS Ds SAUDADE L.énredos da TradigSo. 2.Tunriminde a Regiaa preter cone teen eee 119 B.faginas de Nordeste. cetet eens 16R 4.Pinceladas de Hordeste.e. teeeees 208 S.4 Nisica da Nordeste peeneee BA &.Cenes de hora TIE. TERRITORIOS DA REVOLTA LMentagens da Pelitita@ssee QeRoteiros da Revalugie.s.. Argunentos da Indignaséo.- seen e ee BOB 4.Quacros de Miséria e Dor... SeImagens que Cortam © Perfuram S.hoves Planas do OMMareseeeseee IY, CARTOSRAFIAS DA ALEGRIA L.Besentoando o Nacionaé-Ba pul WELGOS cece ences onancia o Tad Repertarig Tropicalistas...ee 4.4 Diversta do Merde ener eee eee 469 CONGLUSHO. 6. eee 470 BIBLIOGHAFIA+ ssc. eee Para Maria. minha mie, que me pariu "Nordeste” me fez sonhar "Sac Paulo”, com 3 mesma saudade que sinto dela agora. INTRODUCE “Peles mmdes nessa Jenda. Neem que nunc se apren~ as, Fu te ensinc a fare renda, Que mais posse te ensinar, Eu que n&o porte outra prenda. Que so sei dav vida & trama ve". (Jenga ~ Castans Veloso} Qugamos a voz do Brasil, Fara isso, folheemos jarnais © revistas: "Sugerimos um pletiscito nacional para mandar de volta aos paises de origem esses imigrantes, hoje ‘separatistas’, cujos pais vieram para a nossa terra, com ‘uma mo na frente © a outra atrée’". "...0 ideal seria separar Alagoas do resto do Pais. £ de la a origem de todos 05 nossos problemas atuais...". "No Brasil todos sao imigrantes. @ diterenga esta ne data de chegada’. "...00s, sulistas, detentores da cultura mais avancada deste pais, gragas & heranca de imigrantes alemfes e italianos". "E cultura € um conceito que nfo d4 lugar a que se considere uma superior & outra...". "0 povo nordesti- no ten identidade © abre seu préprio espaco ne vida ativa du Pais, em todas os niveis", "So os estados que produzem sendo lesados pela Unido em beneticio dos que na produzem”. "Também é importante questionar a representasic politica de depytados federais © senade- res, proporcionai ao numero de eleitores, que ao meu ver & G mais justo" wsessa forca politica desproporcional se direciona a uma distribuig3o orgamentéria ao bel-prazer de maioria". "Se 0 Norte/lordeste nfo tem o nivel de desenvolvimento igual ao do Sul/Sudeste @ porque eles levianamente no nos deixaram ter". "Sera que nfo existe ninguém em tade o Nordeste com vontade de libertar este pave alienade? Esse pove que sé pensa em praia, samba e fu~ tebol? Acords Nordeste!". "...deixem em paz os da Norte/Nordeste, montados em seus JeQues ataévicos e folcléricos, comendo calango com macacheira (quando acham) © dangando ao som de seus radinhos de pilha, enquanto ajudam a construir o chamado ‘progressco’ do Sul". “i yeignerem os ‘puristas’ do Sul...Cabe-Ihes o direito de seren nazistae (minoria), votarem no Maluf (que caréncia de originalidade} e até manter o triste primeiro lugar do caipirismo nacional...alén de sua tara psicopata por auditério de TV". "...0 Pais se livraria de um enorme nimero de indigentes, marginais de todo tipo como assaltantes, seaiiestradores, homossexuais prostituidos,etc...". "A proposta separatiste sé confirma © Obvio: nunca estivemos unidos!" &, parece que ninguém se entende, tentemos pois ouvir nossa voz en outros meios de comunicac%o, que o nivel esté caindo nesta discussao. Uy Ver @ Carta de Vera Regina Souza Andrade, Sto Pauto, Isto ¢ Sentor aD 1165, 29/jan/1992, p. 10; Carta de Elisandra Leonardo ¥ieire, Si0 Paulo, Isto € Senhor no 1165, 29/Jan/1992, p. 0; Carte de Ruy Daaasio, Sto Pavic, Isto € Benbor nf 1108, 12/de2/1990, pe 13; Carta de Rochelle Garcia Kunes, Sio Paulo, Isto & Senhor n@ 1168, 11/402/1990, p. 13; Carta de fdheaar Leite Ferreira, S¥0 Paulo, Isto € Senhor nf 1168, 29/fev/1992, p. 10; Carta de Plesandre Aguiar Micécio, S30 Paulo, Isto € n® 1205, Al/nov/1992, 6. 19; 0 Virus da Secessto (Entrevista .... Liguemos = televieso. Um "Careca do ABC", de aprovimadamente im = 65cm de altura, olha fixo para a c&mera © dispara: “Woc® ja viu um onordesting com ime @vcm de altura e@ inteligente?". 0 que ele Se considerava. cbviamente. Mugemos de canal. Em cidade nordestina, & pretext de cobrir as festas juninas, dois humeristas procuram insistentemente, por elauem gue tivesse visto o cangaceire Antéqio Silvinc: aproximam-se de um velho © 8 Queima roupa perauntam: “anténic Silvino era cabra macho mesmo?". Continuemos essistindo, pois # um programa de humor. Ne feira da cidade ressurge Antanic Conselheira, com um aspectc enicuquecids, vecifera ume pregacka desencontrada, vestido com um roupso branco © trazendc um enorme bord30 de madeira, com que ameaca as pessoas. Esquecides da cidade e da fests que vieram cotrir, procuram ceguinhas cantadoras de em bolad« © uma prociss¥o em louvor a Santo Anténio. Termina o programa com Lampiia e Maria Bonita, no Rio de Janeiro, atirando para todo lade, para acabar com a imoralidade na praia e porque € bom ver gente cair. Mudemos outra vez de canal. fi novela das oito horas ¢ mais ums vez sobre o "Nordeste", pois, 14 est%o presentes c ccronel, muitos tircs © tocaiais, © padre, a cidadezinha do interior e todos os perconagens falam “nordestino”, uma lingua formada por um sotaque posticce e acentuade 2 um conjunto de expressées pouco usuais, saidas do portugués arcaico, de uma determinada linguagem local ou de dicionarios de expresses falcléricas, de preferéncia. Nudemoe de canal, & procurs do noticiario. Est& havendo seca no Nordeste, gue bom, temos a terra gretada para mostrar, a caatinga seca com seus espinhos © criangas trincando com ossinhos, como se fossem bois, chorando de fome, dd até para o repérter chorar também 2 quem sabe promover mais uma campanha eletrénice de solidariedade. ¢, parece que 4 nossa escritora, defensora da "nordestinidad", Raquel de Queiroz tem raz3c, a midia temo olho torto quando se trata de mostrar oc ‘“Nordeste", pois, elgs sé querem miséria. Mas seré que nossa escritora tem mesmo razto? 0 que podemos encontrar de comum entre todos os discursos, vores e imagens que acabamos de arrolar @ a estratégia da estereoti- pizecto. O discurse da estereotipia ¢ um discurso assertivo (uma afirmacio sem dUvidas ou nuancas), repetitive (sua comunicabilidade depende da recorrencia), € uma fala arrogante, uma linguagem que le- va a estabilidade acritica, @ fruto de ums voz segura 2 autosutici-~ ente que se arroga no direito de dizer o que € 6 outro em poucas palavras. © esteredtipo nasce de uma caracterizaci0 grosseira & Andiscriminada do grupo estranho, em que 4s multiplicidades e as diferencas individuais s4%o apagadas, em nome de semelhangas superficiais do grupo. 0 esteredtipo é a fuga de qualquer atopia, nasce da necessidade de tudo nomear, catalogar em determinados lugares, de falar sobre tudo e de tudo. Ele nasce da crenga na sv Con Rapdsia Canarge}, Sto Paulo, Isto € n2 1207, 18/nov/1992, pp 5 e 7; Carta de César Baptista Troabini, Sto Paulo, Isto £ Sanhor ao 1160, 19/6e7/1991, p. 195 Carta de Valter Luis Benevides Gones, Sto Paulo Isto E, n? 1200, 30/set/1992, p. 117 Carta de Ronaldo Torres, Sin Paulo, Isto E Senhor n2 1163, 15/jan/1992, p. 10; Carta de dose faténia Nageltdes ds Costa, Sto Paulo, Isto € Senhor n® 1143, 15/jan/1992, p. 10; Carta de Julio Albuquerque e Silva, Sto Paulo, Isto € nQ 1218, 3/fev/199%, p. 10} Carta de Carlos Ayrton dos Santos, Sio Paulo, Isto € Senhor ab 1166, S/tev/1992, p. 10. (2)Prograna Gocuaente Especial (Sistena Brasileiro de Televisto); Prograne Legal (Rede Globo}; as novelas Tieta du ‘Agreste, Pedra sobre Pedra, Renascer (Rede Globo); Globo Reporter (Rede Globo). Ver QUEIROZ, Raquel de- Os Blhos Tortos da Midia, Sto Paula, OESP, 17/jun/19B, s/p. 8 capacidade da linguagem de tudo descrever, nomear. ¢ um mecanismo de Sominagko © sujeicto. 0 esteredtipo 4 & semelhanca absoluta, que bloqueia qualquer relacio original com © objeto, que obliters cqual~ quer diferenca de sentida e¢ de significadg. € uma constaczo samples, atribuicdo de sentido superficial, obvia. Podemos, entko, concordar com nossa escritora, quando afirma que a midia m%o vé o Nordeste como ele &7 Nic, porque isso seria pleitear @ existéncia de ume verdade para o Nordeste, que nZo exis te, & eequecer que o esteredtive nic @ apenas um olhar cu ume fale torta, mentirosa. G estereétipe € um olfier © uma fale produtiva, ele tem ums dimens%o concreta, porque, além de lancar mio de materias formas de expressio do sublunar, ele se materializa ao ser subjeti- vado por Quem ¢ estereotipado, ao criar uma realidade para o que toma como objeto. Nao podemos cair, como faz nessa escritora, no discurso da discriminac%o do Nordeste © dos nordestinos. G que este trabalho interroga n¥o @ apenss porque o Nordeste e o nordestino sko discriminados, marginalizados e esterestipados pela produg3s cultu- ral do pais © pelos habitantes de outras areas, mas ele investiga porque ha quase noverta anos dizemus gue somos discriminados com tants seriedade © indignagdo? For que dizemos com exaltacko e rancor que somos esquecidos, que somos mencsprezados © vitimas da histéria do pais, Que mecanismos de poder e saber nos incitam a colocarmo- nos sempre no lugar de vitimas, de colonizados, de miseraveis fisica © espiritualmente? Como atraves de nossas praticas discursivas, artisticas principalmente, reproduzimos um dispositivo de poder que nos reserva co lugar de pedintes lamurientos, produzimos e repraduzi-~ mos um saber em que sentimos prazer de dizer © mostrar que somos pobres coitados?. Que masoquismo @ esse que faz nos orguiharmos dessa discriminag%o, que faz aceitarmos felizes o lugar de derro- tados, de vencidos? E, principalmente, o que leva uma Classe domi~ nante a se deleitar em afirmar sua impoténcia © se assumir como subordinada © dependente? N3o queremas dizer que a miséria n¥c exista no Nordeste. que 05 nordestinos oxo sejam discriminados, mas estes aspectos sao conseqil@ncias © nko causes deste processu, que pretendo analisar neste trabalho. O que afirmo é@ que estes efeitos sio sustentados por um dispositive que se compée de relacées de poder e de saber. que se produzem € se reproduzem através da incitagdo a esta discriminacac € se sustentam em praticas econémicas, politicas © culturais. 0 Nordeste © o nardestino miserdvel, seja na midia ou fora dela, nic & produto de um desvio de olhar ou fala, de um desvio no funcionamento do sisteme de poder, mas @ inerente 4 este sistema de forcas e dele constitutive. 0 préprio Nordeste e os nordestinos s%o invencis destas determinadas relagSes de poder e do saher = elas corres- pondente. N¥o se combate a discriminacio simplesmente tentando inverter de diregio o discurso discriminatério, como bem demonstra nosso coral de yozes iniciais; n¥o ¢ procurando mostrar quem mente © quem diz a verdade, pois se passa a formular um discurse que parte da premissa de que o discriminado tem uma verdade a ser revelada. Assumir a “nordestinidad", como quer Raquel, e pedir eos sulistas 13) Ver HATTA, Roberto da - 0 Gue Faz de Brasil, Brasil?, Ric de Janeiro, Salanandra, 1984, p. 12; LEITE, Dante Moreira - Cardter Nacional Brasileiro, 2 ed., S¥o Pavlo, Pionetra, 1949, pp. 96 © segs; BARTHES, Roland - & Escritura do Visivel. Ins Sbvic ¢ 9 Obtuso, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1990, p. 9} BARTHES, Roland ~ Franuentos de ya Discurso faorasa, Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1990, p. 24. que revejanm seu discurso sobre o nordestino, porque ele ¢ errado, per ter nascido de um desconhecimento do nerdestino verdadeiro, vai apenas ler c discurso da discriminacse com o sinal trocado, mas ele permanecer preso. Tentar superar este discurso, estes este~ redtinos imagéticos © discursivos acerce do Nordeste, passe pels procura dae relacées de poder @ de saber que produziram estas ime~ gens @ estes enunciades clichés, que inventaram este Nordeste © estes nordestinos. Pois, tanto o discriminado coms a discriminador sto produtos de efeitos de verdade, emersos de uaa luta © mostram os tros dela. NOs, OS nordestincs, costumamos nos colocar come e= con tantemente derrotades. como G outro lado do poder do Sui, que nos oprime, discrimins © explora. Gra, m¥0 existe esta exterioridade as relagSee de poder que circulam no pais, porque nés também estamos no poder, por isso devemos suspeitar que somos agentes de nossa prépria discriminace, opress%o ou exploracto, Flas m’c s%0 impostas de fora, elas passam por née, longe de sermos seu outro lado, ponto de barragem, somos ponte de apoic, de flexdu. A resisténcia que podemos exercer € dentro desta propria rede de poder, nio fora dela, com seu desabamento complete, © que podemos provocar s%o deslocamentos do poder que nos impée um determinado lugar, que reserva para nés um determinado espago, que foi estabelecido historicamente, portantc. sempre em movimento. Até que ponto a melhor forme de provocar wn deslocamento nesse dispositiva e nesse saber é nos postarmos coma Gc outro do poder, assumir a posicio de sujeito vencido e discriminado? N&o seria melhor se negar a ocupar este lugar?’ Mas ® orande quest?o @: existe realmente este nés, esta identidade nordestina? Existe realmente esta nossa verdade, que os esteredtipos do cabega-chata, de baiano, do paraiba, do nordestino. buscam traduzir? 0 Nordeste existe como essa unidade @ esta homoge- Reidade imagética © discursiva propalada pela midia, © que incomoda @ quem mora na prépria regio? Se existe, desde quando? Sempre houve Nordeste © nordestinos em nossa historia. como fazem crer nossos auteres de Histéria Regional? 0 Nordeste seria capaz de dar unidade @ todos os discursos © imagens que a ele se referem? Em nosso trabe~ Iho nde & o objeto Nordeste que dé unidade aos discursos aqui anali~ sados, mas, ao contrério, este objeto é por eles constituids, inven— tado hictoricamente. Ao invés de anaiisd-los como unidade previamen~ te constituida, os analisamos como corstituintes desta unidade. 0 que faremos neste trabalho € a histéria da emergéncia de um abjeto de saber e de um espaco de poder: a regido Nordeste. Huscaremos estudar a formagko historica de um preconceite, iste n¥a significa previamente nenhum sentido pejorative, O que queremos estudar € Como se formulou um arquivo de imagens e enunciados, um estoque de ‘verdades", uma visibilidade e uma dizibilidade do Nordeste, que direcionam comportamentos @ atitudes em relagio ao nordestina e dirigen, inclusive, ¢ olhar e a fala da midia. Como a propria idéia de Nordeste © nordestine impSe uma dada forma de abordagem, imagétice e discursiva, para falar © mostrar = "verdadeira" regiio. Tay “Goure a relacio entee poder e saber vers FOUGAILT, Michel - Historia da Gewwslidade I (A Yontade de Sater), Ric, Graal 1977, pp. 8 © segs, (5) Fara este visto das relagées de poder vert FOUDHILT, Michel - Nicrofisica do Bader, 4 ed., Ric, Graal, 1984, pp. 209 a 228, {él Sobre os conceitos de visibilidade e dizibilidade ver: DELEUIE, Gilles - Fourault, Sto Paula, Brasiliense, 1988 ratecee de pensar como a regio se tornou uma problemati— cue praticas distursivas © nfo-discursivas fizeram este questi emeroiy © a constituiu como objeto pars o pensamento. Como emergiram estas OUestées Orementes 2s quais se devia der uma respusta: & que © & feito? Qual sua identidade? 0 que particulariza 2 andividualiza c Nordsste? See trabalho pretende levanter a= condi histéricas de possibilidade des varios discurso= e oraticas que deram origem ac recorte esoacial Mordeste. Longe de considerar esta regizo como anscrita na natureza, detinids geograticemente ou regionalizada “pelo desenvolvimento do capitalismo, com = regionalizacke das relacSes de produce”, que ¢ cutra forma de naturalizac%o, ele busca nensar o Nordeste como uma identidade espacial, construica em um preciso momento fistorico, final da primeira cécada deste século © na segunda década, come produto do entrecruzamento de prdticas © discursos "regionalistas". Esta formilacko, Nordeste, dar-se-4 a partir do agrupamente conceitual de uma série de experigncias, erigidas como determinantes, como caracterizadoras © detinidoras deste espace © de uma identidade regional. Estas experiéncias histo— ricas serio agrupadas, fundadas mum discurss teérico, que pretende ser o conhecimento da regizo em sua esséncia, em seus traces defini- dores & que articula uma dispers’o de experigncias cotidianas, sejam dos vencedores, sejam G05 vencidos, com tragmentos de memérias de situacSes passadas, que sto tomadas como prenunciadoras do momento que se vive, de “apice da consciéncia regional". nosse objetivo ¢ entender alouns caminhos, por meio dos quais se produziu, a nivel da cultura brasileira, o Nordeste. 0 nexo de conheciments © poder que cria o nordestino © , AG mesmo temps, © oblitera como ser humans, O Nordeste n¥o @ recortado sé como unidade econémica, politica ou geogratica, mas, primordialmente, como um campo de estudos e producdo cultural, baseado numa pseudo-unidade cultural, geogréfica e étnica, 0 Nordeste nasce onde se encontram poder e linguagem, onde se d& a producao imagética e textual da espacializacxe das relacSes de poder, Entendamos por espacialidade, aS percepcdes espaciais que habitam o campo da linguacem e se relacionam diretamente com um campo de forcas que as institui. Neste trabalho, o geografico, G linguistico eo histérico se encontram, posto que, buscamos analisar 2s diversas linguagens que. ac longo de um dado processo fistérico, construiram uma geografia, uma distribuic#o espacial dos sentidos, & preciso, para isso, rompermos com 2s transparéncias dos espacos © das linguagens, pensarmos as eepacialidades como actimule de camadas discursivas © de praticas sociais, trabalharmos nessa regiao, em que linguagem (discurso) = © espace (objeto histarico) se encontram, em que a histéria destroi as determinagées naturais, em que o tempo dé a0 espaco sua maleabilida- de, sua variabilidade, “seu valor explicativo e mais ainda, seu calor € efeitos de verdade humanos Nao podemos esquecer que "dis-cursus" ¢, originalmente, agke de correr para todo lado, sf0 idas © vindas, “demarche FOUCAULT, Michel ~ & Arqueolonia do Saber. (7) Sobre a reiacto entre priticas discursives e nfo-discursivas no pensasento de Foucault vers MACHADO, Roberto - Cifneia e Saber [A Trajetéria da draueoloaia de Foucault), Rio de Jeneiro, Graal, 1981. 18) Fara a socio de espacialidade vers FOUCAULT, Michel ~ Sobre a Geografia. Int Microfisica de Poder, pp. 195 a 466; ORLENDI, Eni Fulcineli - Terra a Yista!, $¥o Paulo, Cortezy Ceapinar, Ed. da WNICAMP, 1990, pp. 55 © segs; BRAUDEL, Fernand - 0 Espaco © a Tenpe, Sto Paulo, DESP, 29/jul/147, ps by t. 5. intrigas © que os espacos s%0 dreas reticulares, tramas, retramas, redes, desredes de imagens e falas tecidas nas relacties sociais. As diversas formas de linguagem, considerades neste trabalnc, como 3 Literatur G cinema, a misica , a pintura, o teatro, a products acac@mica. © S530 como acées, pratices inseparavers de ume ins~ tituicds. Estes lincuagens no apenas representam o real, mas insti- tuem reais. Os discursos n¥c se enunciam, @ partir de um espace ebjetivemente determinads do exterior, sic cles préprios que inecre~ Vom SEUS SSpacus, GUE OS produzem & os pressupéem para se legitima- rem. ( discurso regionalista n4c & emitido, 4 partir de ume regiio objetivamente exterior a Si, @na sus prépria locucko que esta regito @ encenada, produzida e pressuposts. Ela ¢ parte da topscra~ fia do discurso, de sua instituicks. Todo discurso precisa medir e demarcar um espaco de onde se enuncia, Antes de inventar 0 regiona— lismo, as regides sc produtos deste discursc. Este trabalho temati- za, pois, o estabelecimento de uma nova forma de dizer e ver o regional, que abre caminho para novas formas de sentir © de cou nhecer. Estas novas formas de ver e dizer est%o relacionadas, por- tanto, com cutras series de praticas, desde ae econémicas, as soci- ais, as politicas, até as artistices, que n¥o estabelecem entre si qualquer determinacko. apenas se conertam, se afastam ou se aproxi— mam, formendo uma teis de préticas discursivas ou nie discursivas; relagdes de forca © de sentido, que seguinde Foucault, chamaremos de dispositive, para ressaltar seu carater estratégico. Quando falamos ma emergéncia de uma nova visibilidade © dizibilidade, felamos da emergéncia de novos conceitos, novos temas, noves cbjetos, figures, imagens, que permitem ver e@ falar de forma diferenciada da forma como se via © dizia o sublunar, anteriormente. Gue permitem organizé—lo de uma nova forma, que colocam noves pro- biemas, que, por sua vez, iluminam este sublunar com novos foros de luz. gue iluminam outras dimensées de trama histérica, da rede de relacdes que compSem a tram do espaco. Tanto na visibilidade, quanto na dizibilidade articulam-se o pensar © espaco e o produzir oc espaco, ss praticas discursivas e as n3o-discursivas que recortam e produzen 6 espacialidades © 0 diagrama de forcas que as carto- gratam, Detinir a regi3o @ pensd-la come um grupo de enunciades e imagens que se repetem, com certs regularidade, em diferentes discursos, em diferentes @pocas, com diferentes estilos © nto pensé-la uma homogeneidade, uma identidade presente na natureza. 0 Nordeste ¢ tomada, neste trabalho. como invenc&o, pela repeticzc regular de determinados enunciados. que so tidos como definidores do carater da regito e de seu povo, que falam de sua verdade mais interior. Uma espacialidade, pois, que esta sujeita ac movimento penduiar de destruicdo/construg3o, contrariando a imagem de eterni- dade que sempre se assdcia ao espaco. Nossa preocupacto como poder nfo implica, no entanto, uma andlise do que esta oculto sob os textos ou imagens, mas, ao contrario, o que elas criam em sus exte- rioridade e na propria diferenca com o que descrevem. N3o tomamos os discursos como documentos de uma verdade sobre # regizo, mas como monumentos de sus construcdo. AO inves de buscar uma cantinuidade histérica para @ identidade de nordestino © para o recorte espacial THF Ver GHATHES, Roland ~ Fragaentos de ua Discurso Aaorosa, ¢. 1; CAMPOS, Harolds de - Parafernilia para Helio Giticica, So Pavlo, FSP, Folnetin, 15/aai/1764, p. 11} MAINGUENAU, Dovinique - Moves Tendincias en fndlise de Tascurse, Caupinas, Fontes/Ed. da UNICAMP, 198%; GHLAMDT, Eni Fulcineli ~ Op. Citey pps 28 e segs, Nordeste, este trabalho busca suspeitar destas continuidades. pond em questo as identidades e fronteiras fixas, introduzinds s duvide sobre estes objetos histericos canonizades. +” Em nenhum momentc, as fronteiras © territérios regionais podem se situar num plano ahistérics, porque sXe criscées eminent mente fistéricas © esta dimensio histérica @ multiforme, dependendo de que perspective de espxco se coloca em Toco, se visualizado como espaco econdmice, politico, juridice ou cultural, ou seia, o espace regional & produto de ums rede de relacées entre agentes que se reproduzem © agem com dimens&es espaciais diferentes. Além dissec. devenos tomar as relacées espaciais como relacées politicas © os discursos sobre o espago como a discurso da politics dos espacos. resgatando para a politice e para a histéria, o que nos aparece coms natural, como nossas fronteiras espaciais, nossas regises. 0 espaco nfo pré-existe a uma sociedade que o encarna. AS nocSes espacisis s80 sociais e, portanto, historicas. Os recortes espaciais surcem has praéticas sociais, em que se concretizam e se articulam diferen— tes relacées sociais. & através destas praticas que estes recortes permanecem ou mudam de identidade, que d¥o lugar & diferencay © nelas Gue as totalidades se fracionam, gue as partes n¥o se mosq tram, desde sempre comprometidas com o todo, sendo este todo uma invencto, a partir destes fragmentos, no qual o heterogéneo © descontinua aparecem camo homagineo e continuo, em que Oo espacc & um quadro definida por algumas pincelades.‘? A negio de regia, antes de remeter A geografia, remete « uma nogko fiscal, administrativa, militar (vem de regere. comandar). Longe “de nes aproximar de uma divis%o natural do espacc, ou mesmo, de um recarte do espaco ecanSmice ou de produgto, a regito se liga diretamente as relagSes de poder e sua espacializacke, cla remete a uma vis%o estratégica do espaco, ao seu esquadrinhamento, ao seu recorte © & sua andlise, que produz saber. Ela é uma nocdto que nos envia 8 um espace sob dominio, comandado. Ele remete, em dltima inst&ncia, a "regio" (rei). Ela nos p&e diante de uma politica de saber, de um recorte espacial das relacBes de poder. Fode-se dizer que ela @ um porto de concentracis ce relagdes que procuram tracer linha divisoria entre clas © 6 vasto campo do diagrama de forcas operantes num dado espago. Historicamente, as regidet podem ser pensadas coma a emargéncis de diferencas internas & mac%o, ao tocan- te 0 exercicio do poder, como recortes espaciais que surgem dos enfrentamentas que se d%o entre os diferentes grupos sociais, no interior da nagko. A regionalizac#o cas relagées de poder pode vir acompanhada de outros processos d& regionalizacto, como o de producko, o das relagées de trabalho e o das praéticas culturais, mas estas no determinam sua emergéncia. @ regido é produto de uma batatha, € uma segmefitac%o surgida no espaco dos litigantes. As regides sto aproveitamentos estratégicos diferenciados do espaco. Na luta pela posse do espago ele se fraciona, se divide em quinhdes diferentes para os diversos vencedores e© vencidos, assim, a regiza ¢ TOY Ver VEYNE, Paul - 0 Inventério des Literencas, S80 Paulo, Brasiliense, 1989) ORLAKDI, Luiz B. - fo enunciado ea Foucault 4 teoria da aultiplicitade ea Deleuze. In: Fourgult Vivo {étslo Tranea - org.) Campinas, Pontes, 1987, Bee ta a2, (31) er ALBINO, Celina @ WERNECK, Nisia 47, Ano Vy pp. 33 fotacies sobre Espaco e Vida Cotidiana, S%0 Paulo, Espace e Debates rf 34 RAGG, Margareth ~ Qs Prazeres da Waite, Ria, Paz € Terra, 1991, p. 23. © botim de uma guerra.‘ Como imagem unificada, a regio €, no entanto, produto do cruzamente de varias regicnalizagées, de varios acontecimentas regionais, que se aproximam © se oroanizam, em dado momento, contor~ me a= fecessidades estratéegices dos diferentes grupos sotiais en Jatioio. 4 regizo @ um seqmento, mas, wm segmento duro, crastalize~ do. & uma diferenga, & uma singularidate petrificada, unitdéria e homoginea. & regi%o, como identidade espacial, nasce da destruicze, a nivel dos discursos, dae diferences naturaiz, econdmicas, socia © culturais: nasce de um dado espaco, da construgas de uma dizitili~ dade © uma visibilidade espacial articulada, em torno de ubjetos estrategicos, de téticas de luta, que lhe confere uma verdade © uma essincia, que a terna arma de luta, que naturaliza a luta entre os grupos Sociais, que passa a ser travada entre espagos, © no entre pessoas. Trata-se, neste trabalho, pois. de desnaturalizar a reqixo, de problematizar a sua inveng3c, de buscar a sua historicidade, ne campo das praticas © discursos. Tentar fazer com que este espacc Cristelizado estremeca, rache, mostrando a mobilidade de seu solo, as forcas tecténicas que habitam seu interior. que sao permitem que @ veiamos como ef¥ito da sedimentag%e lenta e permanente de camadas Raturais ou culturais, buscando apreender os terremotos no campo das praticas © dos discursos, que recortam novas espacialidades, car~ togratam novas topclogias, que deixam vir 4 tona, pelas rachaduras que provocam, novos elementos, novos magmas, que se cristalizam e d30 crigem a novos territérios. Longe de ver a regixo como um terre- no firme, em que se pode apoiar o fervilhar, o movimento da histo ria, mostré-la também como solo movente, pantano que se mexe coma historia e a faz mexer, que traga © & tragado pela historicidade.+> ® regizo n¥o € uma unidade que contem uma diversidade, mas € produto de uma operag%a de homogeneizacto. que se d& na luts com as forcas que dominam outros espagos regionais, por isso ela é aberta, mavel e atravessada por diferentes relacées de poder. Suas trontei— res sic méveis © o Estado pode ser chamado ou n&o a colaborar ne sue sedimentac%a. 0 Estade 4, na verdade, um campo de luta privilegiada pare aS disputas regionais. Ele n&o demarca os limites politico- anstitucionais das regiSes, mas pode vir a legitimar ou n4o, esta demarcacdes que emergem nas lutas sociais, além de possuir uma politica de governamentebilidade do espago nacional, que varia historicamente, © pode vir ou n¥o a se articular com as “questées regionais". Como n&o existem regides naturais, toda regigo € ar- bitréria, é estrategicamente produzida, com ou sem a participacze de Estado. Elas sXo unidades produzidas pela redugio da realidade a esquemas, = um conjunto limitado de enunciados, de imagens © de arquétipos culturais. Este trabalho @ mais uma histéria de conceitos, de temas, de estratégias, de imagens © de enunciades, do que de homens. Claro que estce est%o presentes, como uma condicao de possibilidade destas mudangas conceituais acontecerem, além de que esta histéria ateta tanto estes conceitas, quanto estes homens, que véem seu solo epis— temolégico se mover, que véem sua visibilidade abrir-se para novos horizontes @ sua linguagem ter acesso 2 novos emunciados, para falar do mundo © compor o real. Este trabalho é a histéria da luta, em (HS) ver FOUCAULT, Nichel - Sobre a Geogratia, In: Microtisica go Poder, pp. 153 4 164. torne dos conceites de nado 2 de regi%o, em torno de culture nacional, regional @ internacional. # = histérie da iuta, em torna da idéia de identigade nacional © regional, de identidade culture), Fal en torno destae idéias mestras que emergiu, no Brasil, um con- gunto de reoras de enunciacds que chamamos de tormacto discursive Gaciongi-popular = todo © dispositive de coder que 4 sustentou, gue Ghamamos de dispositivo das nacionalidades, em torno dos quails, por sus ver, se desenvolveu grande parte da histéria brasileira, entre as cécadas de vinte © sessenta. 0 gue fazemos € a historia das praticas © enunciados gue deram confarmacku a estas idéias, que lnes deram uma visibilidade © uma linguages, Frivilegiamos, no entanta, neste debate, aquele que se trava especificamente em torno da ideia de Nordeste, como ele foi inventado, no cruzamento de praticas e discursos © o5 sucessivos deslocamentos que a imagem © o texto, desta regigc, sofreram, até a sua mais radical contestacko com os tropicalistas, no final da década de sessenta. Buscamos perceber como determinados erunciados audiovisuais se produziram e se cristalizaram, como "representac#es" deste espaco regional, como sua esséncia. Perceber que rede de poder sustentoue ¢ sustentaga por essa identidade regional, por este saber sobre a regiio, saber esterectipado, que reserva a este espacoo lugar do aueto nas relacées sociais a nivel nacional, regiio que @ preservaga como elaboragto imagético-discursiva como o lugar da periferia, da mar- gem, nas relacSes econémicas © politicas no pais. gue transforma SeUs habitantes em marginais da cultura necional. Questionamas a prépria idéia de identidade, que é vista por hés como uma repeticso, uma semelhanca de superficie, que pussui no Sex interior uma diferenca fundante, uma batalha, uma luta, que © preciso ser explicitada. A igentidade nacional ou regional € uma constructo mental, s4o conceitos sintéticos © abstratos que procuram dar conta de uma generalizag¥o intelectual, de uma enorme variedade Ge experiéncias efetivas. Falar © Ver a nag¥o ou 4 regito mio é, a rigor, espelhar estas realidades, mas crié—las. S30 espacos que se institucionslizam, gue ganham foro de verdade. Essas cristalizacées de pretensas realidades objetivas nos fazem falta, porque aprendemos @ viver por imagens. Nossos territérios existenciais sto imagétices. Eles nos chegam e s%0 subjetivados através da educasko, dos contatos socisis, dos habitos, ou seja, da cultura, que nos faz pensar o real coms totalizagdées abstratas. Por issc, 4 histéria se Asssemelna ac teatro, onde os stores, agentes da histéria, s6 podem criar & condic%o de se identaficarem com figuras do passado, de representa- rem papéis, de vestirem mascaras, elaboradas permanentemente. Pretendemos, com este trabalho, questioner um alher e uma fala regionalista, que ora aparecem como um olhar © uma fala novos, surgidos recentemente, “como querem fazer crer varias andlises sabre 05 separatismos regionais que afloram com intensidade, neste momento no pais, ora como formas de ver e falar que sempre existiram na histéria do pais. Este trabalho busca perceber as inflexdes ocor- ridas no discurso regionalista, mas, particularmente nc discurse nordestino, afirmando a sua novidade e seu carater de descontinuida~ de da historia brasileira. O regionalismo € muito mais do que uma (1) Sabre a relacio entre identidate e diterenca vers DELEUZE, Gilles - Ditergoca e Repeticke, Rio de Janeiro, Grail, 1985, pps Ti e segs © 185, MACIEL, Luts Carlos - @ esvacianenta ga realidade, Sto Paulo, FSP, Fothetia, TIMeviA9TT, p. 2B. ideologia de classe dominante de uma dada regigo. Ele se apoia em Praticas regionalistas, na producto de ume sensibilidade reaionalis~ ta, de cultura, que S30 levadas a sfeito © incorporadas por vari. cemadas da populacdo © surge como elements doe discursce destes varios seamentos. For isso, procuramcs nos afastar de fazer 2 chama- Ge “Histuria Regional", porque, esta por mais que se diga critica do regionalismc, do discurso regionalicta, esta presa ao seu campo de dizibiligade. Longe de constituir uma ruptura com esta dizabilidade, Sues criticas s4o apenas desiocamentos no interier do prapric campo do regionalisme. Ao criticar co regicnalismo, mas assumir a regske como uma “proposigxo concreta", como uma conscric%a histerica, © fazer dela um referente fixo para seu discurso, de ande retira sua propria legitimacic, esta Historia esta presa A dizibilidade regionalista © & rede de poderes que sustenta a idéia de regiso como referencial vélido para instituir um saber, um discurso histerico. & Histéria Regional" vem contrituir, sim, para colocar a idéia de regito em outro patamar, legitim4-la, atrinuir-lhe veracidade, dando @ els uma Histéria, tentando Ihe dar, inclusive, uma base materiel. Ao invés de questionar a propria idéia de regi3o e a teia de poder que & ainstitui, ele questiona apenas determinadas elaboracdes da regia, pretendends encontrar a verdadeira.!* A “Histéris Regional” participa da construc3o imagético- discursive do espaco regional, como continuidade hastorica. Ela padece do que podemos chamar de uma “ilus%o referencial", por der ectatutc histérico = um recorte espacial fixe, estdético. Mesmo quandc historiciza este espaco. o valida comb ponto de partida para recortar = historicidade. Ela faz uso de uma regiso “geogréfica’ para funder uma regio epistemolagica no campo historicaratico, se justificande como saber, pela necessidade de estabelecer umz ‘his— téria da crigem desta identidade regional. afirmando a sua indivi- dualidade © sus homogeneidade. Por isso. 0 questionamento da regizo, come uma identidade fixs, passa pela critica deste "Histeria”, que participou desta cristalizag4o identitaria, passa pela retirada das fronteiras do campo historiografico. 0 nacional © 9 regional n¥o sxe critérics de validac%o de uma producto historiogrética, no sao referéncias pertinentes para fundar ums epictemoiogia. Uma hastéris serial no se pode ater 4 estas divisdes, visto que as s¢ries histo— ricas desconhecem estas fronteiras. A unidade que interessa ac historiador ¢€ @ unidade de enredo, de trama, n¥o estas unidades adentitarias forjadas me préprio processa histérico © que sXo elas também pluralidades de series. A "Histéria Regional” tem sido a haistéria do que acontecev na regido. Historia sobre a qual paira sempre a suspeita da inauten- ticidade, na qual se busca estabelecer uma verdad] primeira, defini~ tive, da qual a regidS apenas manifesta a auséncia. Nios ¢ a regito como histéria, como cruzamento de diversas praéticas, como recorte espacial das relagdes de poder, que nela se aborda, mas @ a procura de sua verdade, & busca de encontrar, na sua empiria seus tracos definideres, tomanda esta empiria como a realidade regional, que (GS) Ver GEBARA, Adenir - Historia Regionals wus discussto, Campinas, Ed. da UMECANP, 1967; SILVEIRA, Rosa Soday - Reuionalisan Nordestine, $80 Paulo, G4. Moderna, 198%; OLIVEIRA, Francisco de ~ legis para uaa Ro(ti)nite, 2 e¢,, fis, Faz e Terra, 1977. (16) Pera a nocte ge ilusto referencial vers VEYNE, Paul ~ Gown se EScreve a Historia, Brasilia, Ed. da UNE, 1982, pe AL, 10 estaria sempre aouardande o historiador que viria reveld~la em sua nudez sedutora. “Historia Regional”, esse voverismo. HA, inclusive, ume ocontus%o entre of estudos de historia local © a chamads "Histeria Regional": a regixo sendo definida como qualquer recorte espacial menor que © todd nacional, o que banaliza eanda mais o conceito. & justificative destes estudes passa, quase sempre, pela idfia de que abordando um recorte espacial menor. se esta mais praximo de se cheoar & verdade © se ¢ capaz de abordar oe forma mais profunds tal totalidade. Nels, 6 regiao se torns causec%o quanda @ efeito de superficie © se torna “natureza” transhistéraca quando espacializacta. O procedimento que preside a "Histéria Regional". o de definir uma regido, um espago geogréfico ou um espaga de produgio, como um @ priori, que € anacronicamente remetida para antes de sua prépria constituicko, sendo transformado numa transcendéncia, natu- ralizado, n¥o leva em conta o fete de que ums epoca ou um espace nao pré-exisiem aos enunciados que os exprimem, nem a visibilidades que Os preenchem. @ regio € wna forma de visibilidade e enunciacto. & ailtipla, porque € gestada como objeto de miltiplas interpretacées. se da. m%0 como um referente fixo, mas, como uma multiplicidade imagetica @ discursive que pode ser iluminada de diferentes formas = enunciada de diferentes maneiras. Ela ¢ uma multiplicidade espaco— temporal. & "Histéria Regional", neste sentido, pode ser viste come um modo de existir, como um mode de vis’o e estudo reoularizada, dominado por perspectivas e imperativos ostensivamente adequados a reproduczo do Nordeste. O Nordeste € pesguisado, ensinado, adai- nistrads © pronunciado de certos modos a no romper com o teixe imagético © discursivo que o sustenta, realimentando o poder dae torcas que o introduriu na cultura brasileira, na "consciéncia nacional” ena prépras estrutura intelectual do pais. @ "Histarie Regional" @ produto de certas fortas © atividades politicas, as vezes, antagdnicas., mas que se encontram na reproducto desta idéie de regiko. O Nordeste passou a ser, assim, objeto de uma tradicso acad@mica que o ajuda a se atualizar. @ "Histéria Regional" se transforma em mais um discurso Jegitimar este recorte espacial ©, portanto, as relacdes de poder que © instituiu. Legitimacdo retrospectiva. que, na verdade, & legitimacto, ao mesmo temps, dc préprio crupo de historiadores que a empreends. Eles recorrem « um recorte espacial consagradc, cristali- zedo, para fundar, leoitimar um recorte no campo historiografico. Eles se apoiam numa representacso consagrads do espace, para estabe— lecerem seu proprio lugar, para criarem suas préprias coordenadas de aproximagic ou distanciaments, na luta pelo peder ne campo his- toricgrdfico. Aa se apoiarem no recorte espacial Nordeste, pars legitimarem seus discurses, os historiadores, por mais criticos que sejam, continuam reproduzindo uma “questa regional” que é © foi posta pelas relacSes de dominacto deste espaso. Seus discursos terminam por reproduzir este recorte regional que se ancora na reproducto de relacSes sociais as mais iniquas @, mais ainda, sign. fica que reconhecem a sua posicla de subordinaglo © da histéria que fazem, no campo hiestoriogratico © ae fazerem “Historia Regional", fazem historia peritérica, histéria que mio € nacional. sesumindo assim, o§ historiadores nordestinos, © lugar de segunda classe, no campo de producto historiografica ro pais. QO campo hastoricgréficc, como campo de producto do saber, at esté recortado por relagSes de poder que incidem sobre co discurce historicgratice, O saber histérico nasce onde se encontra um lugar (uma prefissio acad&mica, uma pratica d= conhecimento), um grocedi—~ mento de andlise (uma distiplina) @ 4 constructe de um texte Cima literaturai, Portanto., o saber historioarafico n¥o ests apenas submetido as relac’es de tempo, lugar © poder s nivel gocial. mas, também esta submetico ac nivel do grupo de especialistas. OD texto histérico n&’o pode ser atribuide nem a um individue, o autor, nem a um sujeito global (a tempo, & sociedade}. Ele ¢ a positivideds d= um lugar, mo qual © sujeitc s@ articula, sem no entanto, s@ redusir ele. Ele @ produto de um lugar antes mesmo de o ser de um meio ou ce um individuo. E @ este lugar que deve ser questionade constantemente pelo especialista em histéria. A operagio historiografica deve se constituir também desta volta critica sobre si mesma, A "Historia Regional" nfo faz este questionamento do lugar de producto do saber historiografico. Os historiaderes, que trabelham com ests perspecti- Va, aceitam participar da diviso entre histdéria nacional (Histdria do Brasil) © histéria regional (Histéria de Nordeste), que além de significaren o estabelecimento de lugares hierarquicamente dife~ reiciades mo campo histericeréfico. 22 conectam € reproduzem as relacSes desiguais de poder entre as diferentes areas do pais reproduzem uma subordinac¥o, no cempo ecadémico, que diz da propria subordinag3e do espaso que representiam a nivel nacional. Ac se colocarem como historiadores regionais, eles estariam reconhecendo sua incapacidade de faze" Histéria do Brasil ou o carater limitado desta produce? Por que os nisteriadores paulistas 2. em menor rimero, os historiadores caricces podem fazer historia nacional © os das autres 4reas apenas "Histéria Regional? Continua MoS presos, assim, 2 uma hierarquia de saberes € de espacos que ce definiu no inicio do século, N30 € se colocands como Vitimas de imperialismo paulista" ou reivindicands o direite de também fazer Histéria do Brasil, que romperemos como lugar que foi reservade para nés historiadores de outras areas do pais. nesta configuracto de saber-goder. N¥o é também proliferando c numero de "historias regicnais", sempre oue um determinadc grupo de historiadores se sente marginalizado mo campo historiogréfico, que conseguiremos romper com esta posic¢is de inferioridade no campo historiogratico, mes sim se negando a ccupar estes lugares, questionandy-os, e rei~ vindicando 0 direito de apenas produzir saber em histéria, sem mais adjetivos. Utilizamos intimeras fontes: desde o discurso académico, passando pelas publicacées em jornais de artigos ligades so campo cultural, a produgio literdria e po¢tica de romancistas © poctas nordestinos ou n¥o, até misicas, filmes, pecas teatrais., que tomaram © Nordeste por tema © que o constituiram enquanto objeto de conheci- mento = de arte. As obras de arte s4o tomadas, neste trabalha, come discursos, como produtoras de realidade, j4 que como histeriador n¥o temas conhecimente especifico destes vérios campos que trilhamos, este ¢ G enorme risto que corremos © gue procuramos suprir pela Jeitura de wus bibliografia especializada em cada area, procurande trazer as informagSes no campo da estética, sempre e somente quando julgamce que estas interessavam para a compreens%o da probiematics Que estava em discussz0. AS obras de arte tém ressonancia em todo o social. Elas s¥q maquinas de producko de sentido © de significados. Elas funcionam proliferands o reai, uitrapassando sua naturalizacto. Bo produtcras de uma dada sensibilidade © instauradoras de uma dada forma d& ver © dizer # realidade. S%o maquinas histéricas de saber, Estas varias praticas discursivas foram, semore que posei— Yel, cruzadas com pratices ngo-discursivas, sem que estabelecessemcs qualquer espécie de hierarquia ou determinag3o entre elas, 0 que procuramos ver foi o nivel de interferéncia destas muitas prdticas, Ma anstatuicso © no deslocamento da idéia de Nordeste. © a sua relact> com a idéia de nacto. Tomamos cada campo estético ou cultu- ral com locais de préticas que se relacionaram com um dada momentc histérico © um dado espaco @ fizeram emergir imagens, conceitos, temas @ objetos do comhecimento. enfim, os acontecimentos que produ~ ziram a emerggncia da formato discursive, em que 3 idéia de regide Be produziu e ganhou visibilidade e dizibilidade. Embora nos dete- nhamos em analises estéticas, jA que no se pode separar forma de contetido, © & prépria forma @ significante, nossa preccupaso cen— tral foi tomar tais préticas culturais como produtoras de textos. Amagens, Sons, que Tormaram um agregado sensivel. em torno da idéia de Nordeste, Elas d¥o formas de expressio © conteddos variados a4 este cbieto. Elas tornam possivel ver-se © falar-se de Nordeste, como uma materialidade. como uma identidade, como uma homageneidade, ou, ac contrério, elas © contestam. Talvez o leitor estranhe ¢ fato de encontrar poucas citacées textuais © a colocag’e de notas no final de praticamente todos of Paragrajos e@, 56 no seu final, além de encontrar poucas aspas, Genctande citacdes alheias. Isto se deve ao método que adotamce: © de tomar estas fontes, n¥o como documento, nem como forte de prova. mas as tomar come material de trabalho, como monumentos & serem destruidos 2 reconstruidos, ou seja, construimos os pardorafos com enunciados © imagens retirados dos préprios textos em andlise, tomando-os para nés, utilizando-os como nossos, pelo método de bricolagem = de tors%o, dessacralizande estas fontes, ponds estes enunciados para funcionarem de outro modo. 0 trabalho também nto se prende a um dado sistema de pensamento, nem busca a coeréncia ab- solute entre suas partes. 6 histérie @ incoer@ncia, lanca mio fraamentos de discursc. porque, lenge de querer afirmar identidades discursivas. ela quer destrui-las. NAc queremos construir sistem discursives mas despedaca-los, ordenando-os de outra forma. Os autores escolhidos para andlise de suas obras, bem como os artistas foram, & medida que se constituiram em grande emissores de signos, que deram textos © imagens & regizo, por isso, pouce se levou em conta a trajetéria de cada um como individuo, 4 no ser squelas anformacSes que tiverem ressonancia em suas obras © interferiram nesta forma de ver ¢ dizer a realidade regional. GQ que procuramos ressaltar foram as condigdes que se im puseram a estes sujeites, que os introduziram e fizeram tuncionar como tal em determinado momentc, como, ao mesmo tempo que inventavan © Nordeste, iam se inventando como sujeites nordestinos. Procuramos vé-los como um nd, num rendilhado de séries histéricas, come lagadas na variada rede de relacSes que atravessam o social. N3o os conside— ramos como alguém que se colocasse fora da trama, da renda da histo- ria, para tecé-la com suas mace @ agulhas soberanas da consciéncia transcendental, mas OS consideramos coma alguem que tecesse uma rede (ATF vtilizacto de atods de torsto de enunciados © inagens nos foi sugerido pela leitura do Livro de: MECHADD, foberto ~ Deleuze ¢ a Eilusotsa, Rio de Janeiro, Graal, 1990, pp. 205 e segs. 13 de dentro dela mesma, como se fosse um dos seus fins, como um nd em gue varies fice do processe histérico viesseem se encont + Tante paré S& pensar a emergéncia do obietc Nordeste, como para se sensar & emergéncie OOS sujgitos que tomaram este objeto como tems, tem gue se estar atentc ac fato de que a que permite s emeraincia ge obiet © suieites historices ste as relacSes, @etabelesidas entre instituicses, processos econémicus © sociais, formas de compor— tamento, sigtemas de normas, técnicas, tipos de classificacdo, mados de caracterizagio, ou seja, uma dispersie de praticas © enunciados coexistentes, laterasis, como fios soltos de diferentes cores gue vio se encantrands em determinados pontos © vio dands oriaem 4» um de- senhc sem que para isso seia necessaria a converaéncia de todos pars © mesmo porto; gue todos estejam interligados. A histéria aqui tecida, como uma renda, @ feita de fios, nds, lacadas, mas também de Jacunas, de buracos, que, no entagto, fazem parte do préprio dese- nho, s%0 partes da prépria trama. 18 Segundo Michel Foucault. « histéria é@ um modo de vincular as coisas ao mesmo tempo, ac olhar © ao discursa, For isse, buecamos neste mesmo autor, of conceitos de visibilidade © dizibilidade, coma © conjiunto de relacd’es sociais © de codicos que ftazem ver e dizer, de determinadas formas © nda de cutras., em cada momento historico. para poder relativizar a forms come foi visto e dite o Nordeste ° nordestino, desde que foram inventados, na década de vints ate a decada de sessenta, quando c tropicalismo preduziu o descentramento mais radical. nestas imagens e falas sobre a regiic. Nossq trabalho traré de volte estes diversos cihares € falares. n4o para venera- ins, mo para faz@-los trazer de volts suas identidades, mas para ressaltar as precariedades destas identidades, desmistifica-las, ac mesmo tempo que GS tomava come as verdades possiveis em cada momento © dentro de determinadas condig#es. Frocuraremas, por exemplo, em relacto & Gilberto Freyre, fugir de sua demonizacko ou de sua sacra lizacto, mas procuraremos, mostrar a positividade de sua obra, c seu eeréter inventivo, pradutor de reais @ indutor de ocutras productes culturais, embera na deinemos de mostrar a que tipo de dominaczo sué obra veio servir. Procuraremos fugir. acima de tude, de incorpo rar noves experigncias © novas problom&ticas = velhas séries, = um discurse conceitual 1 canonizadc. Buscaremos criar © novo, correnda todes os riscos que isto implica © n¥o aderiremos, completamente. # renhums opexo teérica. Bricclaremos, sempre que acharmos necessdric. formulacgées teoricas diversas, desde que isso n¥o implique incorrer— mos @m incompreensdes. Procursremos fazer uma histéria sem finalismos . em que as acSes humanas se dao sempre, em certs medida, 4s cetas. & operackc historiograéfica nm¥o & aquela que descobre os sentidos ocultos na historia, no passado, mas @ uma operacio de dotacdo de sentido, de significac¥o, para acontecimentos recortados, a gartir do presente. For isso, m%o teremos a pretens¥o de descobrir totalmente of sentidus que os diferentes suigitos aqui abordados deram a seu presente, faremos muito mais uma operecto de traducdo desses senti- des, @ partir de questSes que se colocam para nés no presente. ¢ emergéncia de novas manifestacées de separatismos regionais, d om (1B) Scbre a reiacio entre sujeitos © condigdes de possibilidade histéricas ver: FOUCAULT, Michel - fs Palavras = #5 Ceisas, 3 ed., So Pauto, Hartins Fontes, 1985, pp. 384 e segs. 18) Iden, thie 14 fiscriminacks do nordestino no Sudeste © no Sul. € a emergéncia de uma nova onda de exacerbacde, a nivel mundial, dos nacionalismos ¢ regionalismos, que suscitaram este tratainc. esta leitura da his~ teria Cas reiées © dos regicralismos no Brasil, preccupace em dizer quem © como inventsram tais recortes espaciais, tais Verdades em torno dos espacos © de seus habitantes. N3o queremos ser um histori- @cor “serio". se isso significe se negar como criador, se considerar Wun simples gescobridor cu resgatador de sanais que foram deixados por outros homens, seguindo para isso, CS mesmos esquemas i4 traca- Gos © obter como resposta um resultado j4 previamente sabido, imi tando o j4 feito, o que o proprio ambiente institucional da academi © suas disciplinas © exames incentivam. Dizer o que j4 se espera, fazer come se espera, leva, no entanto, 0 defanhamente de qualquer saber. Buscaremos trazer pars o palco, censs do passado, ilumina- das de ums nova forma, encenadas de forma diferente, para uma nova platéia, tentando, ac invés te responder s uma expectativa de re- cepgic, frustra-la, pois, como diz Nietzsche: "a histéria so pode ser suportada cor personalidades fortes". Ums histdria sem lei, come corpo do devir, sem verdades, pois como diz Barthes, a verdade seria aquilo que ao ser descoberto deixeria aparecer a morte © n¥o valeris mais a pena viver. Histeria narrativa de eventos, feita do enesntro de itinerarios possiveis, sem método rigido, ‘por ser impossivel formuld-los para a histéria. Uma histérie-arte, em que se supse a aprendizagem de uma experiéncia. Uma histéria nascida da vontade de amar, da vontade de rir, de depiorar e de detestar. Como Oswald de Andrade, concebemas « histéria como um tempo nZo datadc, mas coma um tempo criado na © pela linguagem. A historia € jogo dessacralizante com os discursos, os enunciados, as imagens, os temas instituidos no @ como passade. Ela 4, 30 mesmo tempo, destrutiva © construtiva. © um carnaval organizads. € um ritual de devoracto dos tempos © dos @spacos consagrados, dos idolos adorades, das memérias petriticadas. = danca em torne do fogo perigaso do finito © do ilimitadc. € antro~ potagia, j4 que. historiador se alimenta de homens e das verdades Que os produziu.= % leiter pode achar estranho neste trabalho, também, o uso constante de metaforas © a no preocupasdc em definir rigorosament= Os Gconceitcs utilizados, Defendemos o ponte de vista de que os conceitos, em histéria, n¥o podem ser passiveis de definicto. Eles apenas servem para melhor configurar, tecer a urdidura do passadc, 3& que nXo se pode definir, nem esquematizar a trama historica, porque © conceito em histéria @ apenas um conector de uma série de eventos. As metéforas, cor sua vez, mio S40 sujeiras num discurse que se queria rigoraso © limpido. Elas funcionam no sentido de abrir © pensamento para a ambivaléncia, mostrando a sua androginia; no sentido de abrir o pensamento para novas relag8es, cheganda ao mais abstrato, através do mais concreto. # a imagem a servico do pensa~ mento. As metaforas no discurso historiografico podem servir mais do Que os conceitos para dar conta das trensformagSes © interactes do concreto. 0 conceito tomo abstracka tende a estabelecer uma identi—- (20) Yer NIETISCHE, Friedrich ~ Da utilidade © decvantagen da historia para a vids. Int bras Incousletas, vol I, Bs 28; FOUCAULT, Michel - Microtistes dp Poder, ¢- 20) BARTHES, Roland - Fragwentos de ux Tiscurso faoroso, ps 1¥ EYRE, Paul - Cono se Escreve a Mistérin, pp» 11, 15 e 85; MACHADG, Roberto ~ Mietzsche ¢ a Yerdade, Rin de Janeira, Rocco, 1984, p. 119. dade © um ser que se dizem num sé sentido. As metéforas nos permitem capter as mudancas de sentido desse ser © as diferencas em detrimento das identidades. Recorremos, pois, neste trabalho, a conceites ou Stores. dependendo do que nos possibilite melhor compreender = trams historics que se esta abordando, isto faz parte de nossa estrategia de narracto.~ O Uso de metéforas em histéria permite que esta nfo seja apenas repregentacko, anaicgis de um real que serviria de referente, mas seje uma fisteria produtora de sentido, de realidade. Elas destazem os objetos familiares. com um goipe de forca que © 9 traba~ iho do historiador, Neste discurso metaforico tude significa e, ne entanto, tudo ¢ surpreendente. Elas forcam a pensar oo diferente, destroem as familiaridades dos conceitos consagrados, surpreendem a seriedad= do ciscursc acad@mico, Elas podem ate fazer rir; e que descentramento maior em relacko & verdade instituida do que uma gargalhada? As metatorae proliferam sentide, porque interiorizam diferencas. Elas s8c insepardveis de uma histdria que se quer antro- potégica, porque interrogam a relagic entre dois objetos d2ferentes, restaltando esta justaposicae de contrarics. Portanta. o uso cons- tante de metaforae, neste texto, nico ¢ um desvio da transparéncia da linguagem académica, mas € co modo mesmo de significar © visa estabe— jecer um modo de significacso plurai, multiplicando o sentido do que se fala, fugindo da idéia ce um discursa irredutivel, primeira ou rigorosamente conceitual, coms cume dé uma hierarquia de discursos, 4 metatoras s&o risos dos conteitos, s%o dobras, dissonSncias. rompendo com o cunceits come “nico lugar da verdade. Elas sic formas de cominicar o “real” em sue complexidace de significacac, que nos falaw d= impossibilidade do conhecimento do mundo atraves somente do conhecimento empirieo ou conceitual, superando a relacio direta entre sujeito © objeto, propondo, pois, uma nova “metodologia’ de conquista da “realidade".== Buscaremos, Sempre que possivel, fazer a histéria dos proprios conceitos © categorias que emergiram em cada momento histe- rico aqui abordadcs, que fundamentaram a propria explicacto co momento. Se questionamos os conceitos de identidade, cultura, civi- lizacte, mapke, regiko, ne abandonamos o seu uso, ac contrario, fizemos quest¥o de utiliza~los para explicitar a que maquineric discursiva pertencem, de que estrategias 540 pecas. Entendemos que = critica da linguagem, em mistoria, se faz pelo uso dos conceitos emersos em cada @poca, conservands como instrumento aqueles concei— tos cujo valor se critica, pondo-os para funcionar , no entanto, en moves sentigos, dando 4 eles novos lugares. fazendo btricolanens, guestionands « validade permanente destes., N3c se pode fazer uma critica & idéia de regido permanecends preso a esta armadilha de sentido gue @ 9 préprio conceito. Produzir o seu desgaste pelo usc revelador de seus limites € & Unica possibilidade. Tomar a propria idéia de regite como inveng%s histérica e n’o apenas a idéia de uma Alenoria, Alenoria da Gringn, S¥o Paulo, FSP, Folhetin, 9/de2/1984, p. 10/jun1988, p. 95 vol. 1), S40 Pavia, (21 Ver GABNERIK, Jeane Narie - Origen ds 8; PESSANHA, José fnérico Mote - fachelard: 25 asas da inauinacZo, Sio Paulo, FSP, Fatheti AENIAMIN, Molter ~ As Imagens de Proust. In: Maoia ¢ Técnica, Arte g Politica (Obras Escolhi Srasitiense, 1985, 9, Zé. (22) Yer BARTHES, Roland - A Escritura do Visivel. ini Q Sbviv e o Optuso, Rio, Have Franteira, 1990, p. 9} NARTOK, Scarlett - Foucault teitor de Mietzsche, Ini Recordar Foucault (Renato Janine Riteiro - org.J, Si Paulo, Brasiliense, 1995. te dada regido. 9 que esté por trés destas mAscarse nic é 9 rasto séric de ums origem verdadeira, mas GC risc dc dieparate. da discerdia, do embate urdo que possibilitou a emergéncia de tais verdads: Be tomar, por exemplo, © capitalismo como causa Unica © determinants da regionalizscis, signitica pressuocr gue. antes da recizo evistia um uhitede anterior que se dissolveu, quando, Ta verdade, tanto este ideia da exist@ncia de ume unidade anterior, que seria @ nacto, coms & id@ig da regionalizac%o posterior s¥o efeitos de relacBes discur- sivas que se estabelecem, pgr volta do inicio de seculo XIX, = ce estendem até o nceso século.~~ Ds documentos foram antes de mais nada, desierarquizados, nic se fez diferenca entre um filme, uma poesia, uma micica ou artigo de jornal, todos foram tomadcs como discursos produtores de realidade e, ac mesmo tempo, produzidos em determinadas condictes historicas. Eles foram tomados come formas em debandada, mate— rislidade do sonhado, come obras a serem fecundadas pela imaginac%e. retirados de sua cobertura de inocéncis. Tomaremos um quadrs, um livro, um filme, para analisd-los, tio amorosamente quanto um canibal prepara pare si um beb@. NXo nos preocuparemos em usar documentos coma prove, mas como matérias de express¥o. como materiai a ser trabalhado, despedagado em sua inteirezs de sentide. Queremos apenss problematizar co estatuto de verdade de cada um, levantands, ao meemo tempo, o significado consagrado que este adquiriu, fazendo uso para isso de uma gama de comentadores, de criticos, de trabalhos académicos, que consagraram um dado lugar para cada artiste, pars cada eutor e sus obra e, 2 partir de entto, tentaremos provocar un deslocamento nestas leiturss conssoradas, tomando-as pars funcionar em outre estratégia discursive. Nic mos deteremos a fazer permanen- temente uma critica explicitea & bibliegrafia utilizada. Esta critica nés procuraremos deixar implicita, na prépria forma como usamos o texto, com amor, humor © terror. G trabaiho estaré dividido em quatro capitulos: Geografis em Ruinas, Espacos da Saudade, Territérios da Revolta e Cartogrstias da Alegria. No primeiro capitulo, acompanharemos as transformacées histericas que possibilitaram # emergéncia da idéia de Nordeste, desde « emergéncia do dispositive das nacicnalidades. porque sem as nacies, @ impossivel se pensar se reaises, passando por uma mudance na sensibilidade social em relagzo ac espace, & mudancs da relacko entre olhar e espaco trazido pela modernidade © pela sociabilidade murguesa, urbane © de massas. Como a Primeira Guerra significou. inclusive, para nosso pais, que n¥o foi Vitima direta de conflite. um ruir de significagées dadas ac tempo, aos espacos, 4 hietéria, coma sue fogueira fez arder os cinco sentidos © os cdédigos que os reciam até entZo. Neste capitulo, faremos a craénica da rupture com a Beneibilidade naturalista, que produziu no Brasil, no campo das artes e da cultura, mudancas Que podem cer resumidas pela eclasze Gos movimento modernista em So Paulo & do regionalista © tradi~ cionalista em Recife. que significarse posicSes divergentes quantc 4 Vivincia desta modernidade e diante da desnaturalizagio cada ver maior doe sepacvs. Estas mudancas permiten 8 emergéncis deste nove regionslisms, io mais provinciano no campo politico © piteresca nw Sampo artistico, que possabilitou a invens%o de Nordeste. (25) Ver FOUCAULT, Michel - Sitrofigica do Fader, pp. 18 © seus; MACHADO, foberta - Cifncie e Saber A Trajetéria da Araueolosia de Foucault). 17 No segundo capitulo, abordaremos esta invencio regionel; o surgiments do Nordeste como um novo recorte espacial no pais, rom: pends com 6 antiga dualigads Norte/Sul, estabelecendo ume redastri- buicko Oat espacialidades no pais, que Acompanhava, por sua ve: proprias redetinic®es na estrutura de forcas sociais a nivel nacic~ fel. Com @ crise da sociabilidade pre-industrial © o desenvolvamen de codigos burcueses, notadamente, nas cidades. 0 Nordeste surge come reacts eo processe de instauragio ds modernidade no pass? surge coms uma maquinaria imagético~discursive, voltads para a defese de uma tredicko © de uma memoria que s%o também inventadas neste momen to, & desterriterializacto das forcas scciais do Norte do pais, processo que se erranta, pelo menos, desde a metade do séculc XIX atinge, no comeso do século, © Seu cume, com as alteracbes trazidas pelo Tam da escravidac, pela criss da produg’o acucareira. © pelo gurgimento das usinas, que péem os banguezeiros em processe faiimen- ter. Tudo isse acompanhads da emergéncia de um nove pole de poder no pais: © Sul, com a Proclamag3o da Replblica. Os discursos politicos dos representantes dos estados do Norte, antes dispersos, comecam se sgrupar em torne de temas que sensibilizan # opinixo ctblica nacional © podem carrear recursos © abrir locus institucionais a nivel do Estado. A seca, © cangaco, o messianismo, as lutas de parentela pelo controle dos Estados, #40 of temas que fundardo a prépria idéis de Nordeste, uma area de poder que comeca a ser demar- Cada, com frontreiras gue servirka de trincheiras para 4 defese dos privilécios ameacados. A elaborasio da regi%c se dé, no entanto, ac plana cultural, mais do que no politico. Fara isso contribuirac decisivamente as obras socioidgicas e artisticas de filhos deste "elite regional” cesterritorializada, no esforco de criar novoe territorigs existenciais e sociais, capazes de resgatar o passade de gloria da regizo, o tausto da casa-grande, a "docilidade” da sencala, @ “paz © estabilidede” do Império. O Nordeste ¢ gestado © instituido ma obra socioldgica de Gilberto Freyre, mas obras de romancistas como José Américo de Almeida, José Lins do Reao, Raquel de Queiroz: ne obra de cintores como Cicero Dias, Lula Cardoso Ayres etc. O Nordeste € gestado como o espaco da saudade dos tempos de Qloria, saudades do engenho, da sinhd, do sinh&, da Néoa Fuld, de sertic e do sertanejo pure © natural, forcga telirica da regio. No terceirc capitulo, abordaremos a primeira grande reelabo- racko da idéia de Nordeste, aquela feite por autores © artistas ligades ao dascurso da esquerde. Nordeste gestado, 2 partir dos anos trinta, através de uma operacke de inversxo das imagens © emunciados consagrados pela leitura conservadora & tradicionalista que dere crigem & regizo. Um Nordeste onde no mais se sonhe com s volts ac passadc, mas com a construgic do futuro, mas, que guarda com aquele familiaridades, como a negacio da modernidade e do sistema capi- talista, om nome da construc de uma nova sociedade. Obras como ae de Jorge Amado, Graciliano Ramos, Fortinari, JoXo Cabral de Melo Neto, embora guardem enormes diferencas entre si, S@ aproximam ne Visibilidade e dizibilidade que propéem para o Nordeste. Nordeste visto pelo avesso; Nordeste regio da miséria © da injustica social: © “locus” da reacso & transformag%o revolucionaria da scciedade. Nordeste dos corondis © comendadores discricionarios © dos Fabianos © Severinos amarelos, servis, quase animais & grunhir em seu estasc abscluto de alienac%o. Nordeste, gue mesmo assim, Tundamentava com seus mito® populares, 0 sonho de se constituir num territéric de 18 revolte contra a explorag’o © a dominac%o burguesas. Este Nordeste, construide pelo avessc, fica press, no entanto, aos mesmos temas, imagens © enunciados consagrados © cristalizados pelos discursos tradicionalistas. Ele aprofunda, de certs forma, © propria elaborack: regional, feita pelos discurscos tradicionalistss, que haviam escolhide o lugar d= vitimas. de coitadinhos, de pedintes, de injusticados, pare otuparem nacionalmente. Estes "revolucionario: ajudam of “reacionérios" a consagrarem uma dada imagem = um texto Ga regizo, que se impdem, até hoje, como verdades ums visibilidade « Uma Gizibilidads das quais poucos conseguiram fugir. No Quarto capitulo, abordaremos, exatemente, um dos poucos movimentos culturais no pais, que conseguiu romper radicaimente com esta visibilidade e dizibilidade do Nerdeste. Esta regizo feita para provocar lagrimas © dor de consciéncia, se torna, como tropicalis mo, motive de risc, de alegria e de diversio. & imagem © 0 texto tropicalists, em relacto ao Nerdeste, conseguem romper © questionar oS prancipais esteredtipos consagrados, em tornc deste regizo. © Nordeste tropicalista deixa de ser espaco da saudade ou territdric de revolia, para ser certografia da alegria: passa s ser lugar da modernidade © no da tradicto, da cultura de massas © nao da cultura folciorica. #0 lugar do industriai © n¥o do artesanal, significands © questionamento mais radical j& feito 4 propria estratura de poder © relactes scciais que, a nivel nacional e regional, sustentam este texto © ests imagem do Nordeste, de lugar da tradic#o, do arcaico. Texto © imagem qué nio si mera representacic, mas skc producto de subjetividades, este Nordeste e este nordestino esterectipado dos discursos anteriores, s%o incorporados e vivenciades. 9 enorme complexo de inferioridade que acompanha muitos nordestinos € um indicio do fato de terem incorporade esta imagem de periferico, do marginal, do subdesenvolvido, do ridicule. O tropicalismo significou \m rompimente com a propria idéia de identidade nacional © regional, que havia presidido todos os discursos, na formacio discursiva Racional-~popular, que fora gestada, desde a década de vinte, © que foi responsavel pela codificac%o da nossa economia discursiva, pelo menos até o inicio da década de sessenta. O tropicalismo marca, pois, = propria impossibilidade de se continuar pensando a cultura em termos de regizo ou de nacio, assumindo o caraéter globsl que ests adguiriu e, ac mesma tempo, assumindo a necessidade de construirmos nossa singularidade, @ partir da apropriacke de informacées, matéri~ as © formas de expressio, no importando de onde viessem. O tropica~ lismo pSe em cheque, assim, o préprio fundamente da idéia de Nordes- te, que era de ser um recorte cultural homogéneo, unitario, nacional © popular. 0 Nordeste tropicalista n¥o era nem direite, nem avesso, mas era diverse. Assim como foi inventads, pode ser destruids, como abertura pars o novo. Um Nordeste deglutido antropofagicamente © Vomitads come farsa, com amor © humor. Um Nordeste dissonante, nem Sim, nem nic, mas talvez. 19 caraTuLo 1 BECBRRFIA EM RUZNAS 4) AS FIGUIKAS DU SENSiVEL. 7 o- a velha civilizacts curopéia parece ruir sob o fou da eda revoluct%s social. Um longo passade sarece soterracc sob os escombros das cidades bombardeadas @ morta com os soldadas Vitimadoz pelos contlitos Desemcarcadas desse continente em chamas, figuras estranhas aportam em Sic Paulo © so recebidas entre surpresas © indionacées, Expostes aoe olhares mais cultos, no Sal%o da rua Libero Recara. 411, "0 Homem Amareio", "A Mulher de Cabelos Verdes", "GO Japonie", "A Bote". entre outros, causam perplexidace com suas “deformacées" da natureza, suas cores fortes © extravagantes. Elas sia imediata~ mente acucadas por conceituado critico de serem produto de uma visto estrdbica, nascida da parandia ou da mistificacto. Para ele, deveri— am estar enfeitands of manicémioz.jA que teriam nascado de un cere- bra transtornade por psicoses. A ira da critico e apenas umes das formaz de recepexo 4 estar “figuras diferentes”. Pessoas aténitas desaportadas., gue se haviam preparate para contemplaren lindas naturezas mortas © académicos retratos de cavalete. diante da presenca incémoda destas figuras, resolvem detender c respeita & Belpza, & Forma, & Harmonia, & Realidade, nem que pars isso fosse precise expuls2-Jas 3 bengaladas, tudo em nome da sanidade publica f doce velhinha sentada em sua cadeira de balanco com seu cabelinhs verde, amarrads em coque, 0 sébrio homem de peleto marron com sua cor amarelada continuaram nos dias que se sequirsm a causar um tiroteio verbal que lembrava os acontecimentos europeus. Talvez possamos entender estas reacdes lendo aloumas afirmacdes do irado eritico, Monteire Lobato: “Ha duas espécies de artistas. Uma compos ts dos que véem normaimente as cbises © em consemiiéncia fazem arte pure, Quardados o5 eterncs ritmos da vida © adotados para a concre= tizacto das emogées esteticas, as processos Cl4ssicos dos grandes mestres... & ocutrs espécie € tarmada dos que véem ancrmaimente a natures: = a interpretam & luz de teorias efémeras, sob a sugest3o de escolas rebeldes, surgidas c4 # 1&4 (Europa) como furdnculos da cultura excessiva,"* Ectas figuras punhem em quest%o a relasto entre olhar ¢ natureza, olhar @ espaco. Os quadros de técnica expressionista de Malfatti faziam chegar ec Brasil a rupture com a visibilidade neturalista que marcava # epistemé claéssica. Nesta epistemé, a 1) UORRTE, Fonteirs - Garanbia ou Mistificacto? int Ideias de Jeca Tatu, 7 ed, SYo Fauloy Brasiliense, 1956, pps 3-81. {2) Idea, Tbices, p. 57. tinar & Senaco fol presidida sela iiusie objetavista, itilidade ers pensada como c encontro entre no sine. superficie des Coises, que se oterecis a1 como a vids Earian velacic entre em ue a wt croke sensivel © neutre. @ per anteire a essa decedificacts visue regidss por leis eternas & nfo seriam maiz deo cue emparia de cificasa weice sentidos rum Gbedecends a criterics natur obietos cue compunham o reai teriam formas rigidas © fixes. Seus centornos seriam nitidos © remeteriam so plang da natures G clhar, como principal apareiho de coprdenacte do espace”, @. neste epistemé. um olhar sem erofundidade, superficial. quantita~ tive ® hierarouizador, apreendendc verdades taxionemicas. ou seia. preocupado em disper cade Coise em seu lugar definitive, preccusade com @ distrituic&e das coisas. Um olhar que pretende ser capa: de epreender 5 verdade do espaco de uma sé vez, espaco este iluminada por us tinieo Toco de luz que emanaria do prépric olhe. fe sair em detezs j& spavorada Malfatti, Gewald ge Andra~ de. que viejara a Eurcps © ia entrara em contato com as primeira: colas = instaurarem @ que seria 8 visibilidade da episteme moder na, chama atenc%o para @ ilus#o objetivista dos naturalistas, ac conciuir gue “as, naturalistas mais perfeites sto os que melhor conseouem iludir’?, cu seja, a arte seria criacko © nto apenas imitacte daz formas naturais. A arts n¥o s= podia pautar pela vis’ do imediats @ a beleza nfo sendo epenas @ cépis Tiel © figurative ao corpus naturals A arte nascia da reiacdo entre olhar @ espaco, numa relacto em que o clhar nZo seria mais esse olhar ingénuo, neutro. sem profundidade. sen subjetividade. 0 clhar moderno seria aguels que. ultrapassando a superficie imediata cas coisas © da natureza, descobria o espaso, Seus objetos © formas, como construtas huwancs. bistéricos © sociais. Im olhar que deixave, peulatinamente, de se considerar 6 determinante na visibilidade, gue ultrapassava o olho @ cheuava 2 Perceber gue este, antes de dirigir a visto, era dirigido por um aparate imagdtice-dascursivo, por uma visibilidade nascids na socie~ Gade © subjetivada pelos individuos. A luz, longe de emanar do olka, ere miltinia © emanava de diferentes focos na sociedade. O olhar nko Gapenss féisice cu natural. maz, principalmente, subjetive. image titowdiscursive © histérico. Ele como of demais sentido: estic submetidos a um regime de sensibilidade, a cédigos sociaiz de sentir que se Gestam tistoricamente. Longe de ver a torma do espacoe obietos, o prépric olnar & formadc no embate com estes © a cles dé formas diversas. Esta transicke entre a espacialidade naturaliste © 8 espe~ Cialidade moderna, que se desenha no Brasil, com mais nitide: = partir da Frimeira Guerra Mundial, 34 vinha se processande na Europe desde © sécule anterior. 0 convivie trangiile entre olho ¢ espace ers profundanente transtornado & transformado pelo Crescente advento de Surpreendentes artificios mecaénicos. G espaco perdia cada vez mais sue dimens%o natural, gecora~ fica, para se tornar uma dimensio histérica, artificial, construida pelo homem. Ap cidades em crescimentc ecelerado. a rapidez dos (3) Ver CARRMELLA, Eliane - Viver, Einwir © Hezresentar, Sto Paulo, PC, Dissertario de Mestrade en Comunicacle & Senidtics, 1986, 0. 38. (4) Ver GNDRADE, Oswald - A Exposigte énita Malfatti, in: Aartha Aossetti fatista ~ Brasil (4917-19771 - Docupentacdn, $40 Faulo, 1EB, 1972, 5. 47. Tuane odernists ht ums orealidade que se cferece como espetacuio multifacetadc, cine~ Native, construida sob o cheque eo diluvio de imagens: sob @ impe ric d= sensacto imediata, 56 © olhar parece ser capar de apreendé = ordena-la. Um Gitar analitico, 0%e mais press am contunts, ac todo, ao homegenes. as pretensas “leis gers viga @ da naturesa", maz um elhar voltade para c detaihe, pera o parcial, para o pontual, para a indiciéric, para o tino, Um olhar n’o apenas preccupada com 9 ino, daz COlSaS. mas Com a Sua Constituicks, suas caracteristicas quali— tativas. Um olhar que decompSe o objeto, preccupade nic mais com = aparéncia, mas preccupads em encontrar a esséncia, » alma, & espira— to da forma, du objeto. O mal-estar causadc pelas figuras de Anita se deve ao Tato destas figuras nie Serem mais encontradas num espacc netural, mas serem constituintes de um espaco autenoma, construide pels artista, Suas peisagens n¥o obedeciam acs c&nenes do que se considerava natural, “de bom gosto”, “bela”, Ele via a arte coma anvenc3e de mindos, como linguagem, cuje DDrigagko n&a era reprocu air a naturezs, copia~la, mas recria—ia, interpreta-la, reinventa- ja, simulé-la. Ela via s arte como um saber que participa da criackc 6c préprio espaco © n¥o @ serva de uma espacielidade 44 criada. epistemé moderng descobre o espago comp produto de encontra entre poder © saber, como invenc¥o humana em suas diferentes relackes = praticas, Siem Ciscursivas ou n%o discursiv. Anita checara da Europa desiumbrada com as novas descoberta: eperadas one campo das artes, estas foram possiveiz grecas as reformilacdes nos cédigos de sensibilidade que foram ditadas gor ume nova relacko entre sentidos © realidade em mutacko maquele continen— te, Anita provoce indisnecks em intelectuais que viam s arte © toda linguagem, obrigadas # manter ume relacts de adequacle 2 fidelidade com c sublunar. Na epistemé Classica, as palavras diziam, nomeavam #2 coisas, havia uma relac%o de equivalgncia, de transparéncia entre mundo © linguagem. Na epistemé moderna, ha a rupture com tal trans- parencia; & linguagem © G mundo surgem como inst&ncias separadas aS palavras nao dizem as coisas, instituem-nas. & linguagem, assim come o mundo, estando também submetida ao jogo de forcas & relacdes poter, A linguagem longe de desvelar a= coisas, atribui-Ines Giferentes mascaras, citerentes leituras, diferentes centides. Saussure, j& em 1907, através de seus estudcs etnolinguisticus «© semigticos, revele = linguagem coma um fato mistérico, como um universo do imponderavel, como uma dimensis perigosa para se consti- tuir ns ontelcgia do munde. Gs impressionistas foram aqueles que, na Europa, « partir da Observacdo mais Gireta oa prépria natureza, Oescobriram essa sep: ragto entre linguagem © mundo, entre olhar © espagc. Ae sairem do atelier onde compunham naturezas mortas e retratos que garantiam a “visa natural” dos obietos pantados © ao irem ac encontro da natu- reza nos Jardins, parques © florestas, preocupados em serem fi¢is ac gue viam, & “realidade", ficaram fascanados com a variacko que lhes Proporcionave oc mundo natural. O refiexo da luz na agua, por exem— pig. preduzia miltiplas figuras Tugidias, tremulantes. O verde das folhas veriava de tom conforme « luminosidade. conforme estivessem Raradae cu em moVimentc, As sombras comecavam a fazer parte do Visivel, assim como o movimento. G prisms comecava a ser decomposto, es contrastes de luz levavam ao contraste de tons e a multiplicidade de cores enriguecis a paleta, 0 espaco, antes claro e© estatico, qa surgia complexo, relative, cependente de ume multiplicigade de Yatores, inclusive de diferentes focos de lu: além daguela represen- taco mele cinb. & realidade, 0 @sosco avarecem como ruts do ego es: jpcos de luz. como fruto as tensao entre eles, coms produte da relacks entre o que 2 olhedo e guem clha. 0 esza O Une Gimensso subdetive. come uma debra de sujeita, da eupjetivecks de sensacdes, de imagens, de textos. 0 espa Ge Ser sempre Semelhante = 2i mesmo, surge diferente, depencendo que ponte de vista ¢ olhado. Esse espaco subjetivado, us set forms conforme a necestidades humanas © & humans sencitilicade educada. entre outras coisas pels arte, poderia ser chemado “paisagen espiritual’", pois ele tem caréter social, como cris~ talizagho que passa a dirigir outras produc’es imagético-discure:- vas, bem come pratices socicis. Os quadros de Anita Malfatti e es escultures de Victor Brecheret gue foram exsostas enteriormente, embora nig causen a mesmes indignacie de Lovato, S30 andicios aa formagto of uma ser~ sibilidade moderna na socisdade brasileire®, que repens = relacic entre olher © espace, entre linguagem © espaco. entre arte @ eSpace €. oortante, @ fundamental para ume releiturs ce propria idéie di espace facional e de espaco regional, ¢ que nics interessa mais de perto neste trabatho. Essa sensibilidads moderna ne Brasil, no entante, mio you marcada pele trabalho dos impressionistas; ela &, eminentemente, Pés-cubista. As tecnicas cubistas, bem como a= expressionistss, sto mercedes cela distorcio das formas, por sua seamentacko recionalista ov arracionalista. Elas nascem Ga consciéncia os hetercueneidade entre arte e natureza © definem uma nova concepc?o do aque serie realismc. prestandc-se, oarticularmente, A recriacko artistica do que seriam “formas primitives", formas mao “civilizadas”, tormas nao domadas pelos cédigos académices, formas nic domesticadas pela visko naturalista, nem peins pradutos da seriecta industrial. Os subistas, principalmente, procuravam fugir do racionalismo Cartesiano, ascim coms Tariam costeriorments of expressionistas = surrealistas, gue procuravan ancorparar ac real o magico, o maravilhoso, o Extracr- dinérict ingirando-se, notadamente, nas formas artisticss dos pave: cunsiderades “anferiores, "primitives", que estavam sendo vitimas ao encontre com o dominador eurepeu. Estes poves forneciam formas d= expressic capazes de alimentar a prépria critica ao colonialism © espaco pos-cubiste € um espaco segmentado, trute da andli- Se Gu da percepedo imediata © subietiva. € um espaco pontilkiste como tentavam expresser os "fauves" com suas manchas de cores fortes. & um espace construide © descenstruido pelo homem, sea nc quadre ou fora dele. = um espaco formado par objetes dos queis s2 busca a esséncia, redutindo-os ao estado de signos, abeslutamente livres de todos os detelhes intiteis. € um espaco seu meméria, rasci- do da percepg%e anstent&nes, cu da realizagao do, continente da imaginacie © do sonho, como fazem os surrealistas.? £ um sspaco mascide da descontinuidade de tedos os cédigos que compunham a rutura da cultura ocidental, cascido como neaacko completa da entre TS) ver ViRILIS, Feu - § Esuaco Gritien, Rio de Janeiro, Ed. 34, £993, pe 23. (e) Yer LOBATO, Monteiro - Yictor Brecheret. Ini Martha Rassetti Batista, Oss Cit., pag. 50. {7} Yer BRADBURY, Malcolm e MACFARLANE, Janes - Modernisacr quia gerel, Sto Paulo, Companhia as Letres, 1989, pp. 35 © 5095. passado, como mundo radicalmente novo na concepcig de Dadaé: nascids da ruins dos valores est¢ticos © morais vigentes.? LIpreSsion eos "fauves" possuem, ap contraris dor ums visio raducalmente individualists. uma visas A BF 2 QUE construtiva. dando 2A Visio do artista, Getramenta d& visio do escectacor, oo evtersor e de cunsciente. co, enfatizavem os impressicnistas © realistas, 0 espace expressienis ©, eminentemente, subjetivo, nascide do desinteresse em relacic exberineia © a vida em seus fendmenos exteriares © conscaentes. A PStuirs Suipreseionists seria ainda mais radicalazada com os surres- listas. pera quem = vida ¢ sonna. Yodos estes artistas moderncs almejavam, superanco os cé= digos racionalistas = naturalistas, ter um acesso mais dareto 2 realidade, ter ums evaeso das hierarquias esterestipadas, das fronteiras do pengamento ocidental, incorgerands novos elementos, eiétacos, diferentes, mégicos, a este reslidade, incorporands 3 propria dindmica da realidade, ¢ movimento straves da técnica divi- siomista, que expressava a= formas em mutac%e. & vontade de verdage empurre estes artist Um cheque com 5 mode como a forms. = cor «© os temas estavan senda compreencidos ate entzo., Diante dos novo. sionos Gue emergiam da sociedade contemporanea, Véem-se premidos mudance de linguagen pare apreenderem © ordenarem esse aparente face. que era a Europa do tanal do eéculo XIX ©, principalments, durante © apés a Primeire Guerra. Guando tude parecia ruina e escom, bro. z relacio entre homem © natureza se colacava de forma diferen- Sladat USCavaM—se novOS Conceitos que pudessem ordenar essa emoi— rag. instaurendo 9 que feria uma nova realidade. O artists sey agore coma ordenador do cace, como produtor de mindos. Vé-se dife- rents do artista neturalista, que se supunha neutro, gue se julcava um simples nerrador © observedar d= um A realidade externa a ele. 6 nova arte onera por simuitansidade, abgiinds = légica dualista © oo silogisme pedagegico da representacic.”’ O que ere representative, tornase apenas demonstrative: o qué era simbolico, torne~se topicos © gue era transcendental, torna-se amanenter o que era passive, torne-se atava.t! Ne Europa, 6 arte ge tora um momento da acks sceial, que perd= sua sure de fruigio aristecratica para ser vista como parte das instituicdes sociaic, que Se encerregam da formacko de espiratos coletivos e da sensibilidace social ©, como tal. a arte & submetida A reoras, € submetida a uma sistematizacte detinida, em um campo de poder os de saber, que definiria sus concepgses espacisis e tem- porais. A arte teria por objetivo a organizacts da vide coletiva, Jancands m@%o de figuras, imagens, enunciados, signos, com es quais sonstruirie uma linquagem © formaria uma dada realicade. & arte deixeraa de ser frute de inspirecto individual do génic, para ser vista como resposta a problematicas colocadas pela histéria, pele sotiedade. & arte torna-se responsavel pela elaboracic de ume ‘plastica social" que fornecesse modelos de craanizac%o de vida, de institucionalizactc das formas para toda « sociedade. OQ artista e ressonsavel pela rencvacko das formas © dos conteudos scciais, pela (8) Ver ANORADE, Usweld de - Aspectos de Pintura Atrayés de Marco Zers, In; Ponta de Lance, Sto Paulo, lode, 1991. 46, (9) Ver SEVCENKO, Nicolay ~ Grfeu Extético na Metrtnole, Sto Paulo, Companhia das Letras, 1992, p. 18%, (30) Iden, biden, p. $97, bu ni ca de moves ientidades para materiais que compéem c real, elo: sentides para o cue se ve. daze escuta.tt Esta enfase fa acko social, no entanto, vai davidar or artistes mode uns consider = emanentement andavacual, destrutiva dos codices estabelecados. aeonnciasta, enquante outros, mais simpaticos & acks scciai cnletiva, ideclégica, submetem ua arte a objetives tidos come coletivastas. sociais, dando @ arte ums fung%o construtiva. trane- Formadora num sentide pre-definide, « que nE® agrada, por exempio, # artistas como os dadaistas, simpaticus as derivas anarquistse. Coma 6 ver, & falar, o escutar do artists implaca transtermar, combanar 6 superer os dades da experaéncia sensivel, seu trabalho deta de ser visto coma representacts do mundo, pars ser visto nfo so como conhetimento do mundo, mas como preducke de nevos mundos. AG mesmo tempo que ele atualize ss estruturas do visavei = do dizavel, da a esta atualizacas um toque cristivo, ertilietico, que, longs de significar uma repeticto identitaric, © uma proliteragic « partir da identidade artistica, € uma fuca cela. Cady ora © & reeiaboragke de sua propria imagem enquantc artista, & uma dobrs em relacto 20 visivel © ao dizivel. Cada obra de erte requer ums concepeko © uma composicks que ¢ sua estrutura; ele mimese nic da reaiidade, mas de sua concepgicr cla ¢ verdade de um enh, € & imatacko, s mais perteita possivel, de sua concepeis, do sonho que @ originou. Este sonho nis ¢ s-histérico, mas sim fundada em signos do rea!-social, dispondo-os de maneira nova. f artista toms 58 sianos deslocados de qualquer sentide primeiro, vindo yacloe de nie ana obra, tazende-os adquirir sentica enquante parte (a nova composicio e, mesmo assim, no um sentids aosclute. mas un sentido relative 20 lugar do sujeite que © decoditics. episteme moderna anuricza a crise da mimese da representacic © = emergencis da mimese da producio. Esta mimese se subordins a novas padrSes de sensioilidade, visabiladade © dizibilidade que surges social © historicamente. Num minds onde os espages parsciam encolher diante cos meios de transportes velozes come o trem, onde o adventc de telegratc © imprenss de massa pareciam encurtar # distancia entre cs diterentes lugares, onde # fotagrafia © © cinems faziam explodir em dacamos de segundos 6 espace Jomestico, estatico, para, oracas as primeire plano, se alarcar. se extender, 0 espaco se seamenta em planos auc se interpenetram. Os sentidos parecem se afrouxar, JA n30 sfc mais garantia para = congciéncia individual da apreensic da realidade. Linguagen, imagem © scm passam a ter precedéncia sotre 5 sienifacade no trabalho do artista © das pessoas, nao existem mais com: dois momentos antagenicos © estanques: c referente © a representacso, esta passa a constituir © préprao reterente. 0 espaco pode ser agora preduzide, montedo, simulada © n&c apenas imitado © copiado. Espace e natureza se separam cada vez mais radicalmente © um novo regime de olhar sobre ele se debruca. Bi) Histsrta e Espace CITT BASTIDE, Roger - Arte e Socsevade, 2 ed., Sto Paula, Cis. Ed. Nacional, 1979. (12) Sobre a ainese da representacte © a.uese da producto vert DELEUIE, Gilles ~ Louica do Sentide, Sto Pauls, Perspectiva, 1982, 492i. Finds 4 Primeira Guerra Mundial, um poste clha para Sic Paulo ¢ perce ests paisagem: a} nn@es rodsndo, a= carrecss redande, ranidas as se desenrulando. rumor surdo # rouse. estresites, estalidos laroo coro de cura das saces ce café! sinds fp sidace. Serpentanas de entes frementes a 26 desenroiar".* Jude parece girar nessa Faulicgia, de boce de mil den historia parece ter chegadc definitivamente para arranca-ls Go seu marasnc, poets tanta trazer Gare = sua poesia essa sensaghc ae yerticem que emergem daz raépidas mudancas esvaciais. Us =espacos tradicionsis gue pereciam firmes, estaticos, aarantia de eternisane. sho rapidamente desconstrusdos. Isso acaba com os espacos familiares @ gera uma sensacto de desordem © d= perda das balizas espaciais. A Primeira Guerre proporciona a aceleracko do processo de industrializasic © urbanizacto do pais. notadamente de S30 Paulo =. AD mesma tempo, traz 2 sensacte de que o velho espage civilizado a Europa havia entrade em decomposigso: de que s culture ocidentai. principalmente a dequele continente, vivia uma crise que colocava 5 Américs come © locel onde se produriria = cultura de um nove tempo = de um nove mundo. 6 Europa perdia seu lugar de farol da civilizacic 8G Se ver dilacerada por lutas nacionalistas, gue geravam a descren- ce na orden liberat © por transformacées socieis gue significavam = decedéncis aristecraética = & emergéncia Ga guerra de classes, carater sucielista ¢ enarquiste. A guerra favia trazido como conseauéncis « propria vedi buic%o d= poder 2 nivel mundial com a ascensio dos Estados Unigos & rearrumack’o do mapa europeu. Com ela, & faisteria parecia ter ado getinitivamente o espacc. Tempo © espaco que eram vistoe ma epistemé Classica como dimensdes antegénicas. se encontram. Ne epistemé moderna, @ historia passa a ser 5 lugar de todas as coisas. anclusive das espacialidades, sendo fundamental para s compreensie do oprccesse de formacko de uma nove sensibilidade espacial que tem come ponte de partida a transformacke do espaco nu tempo. Esta nova sensipilidads emerge. inicialmente, partir d grandes cidades, onde as pessoas parecem viver numa eterna perumbra, gente sem reizes. com um passado raso, com uma identidave movel, funce eetabilizada. tentando encarnar diferentes imagens que constroem pare si mesmas. & quest%o da ioontidade, seja individual, seje coletiva, cu mesmo espacial, € uma preocupacye constante. 4 velocidade com gue as transformacées se operam nas Cidades acaba com a sensacdo de solicez, trazide peic espaco naturalists, espaco este gue onrde suas cOordenadas definidas, torne~se escorregadio, Levande es sJeitcs s também perderem a par das identidades metatisicas do mundo iiberal. para se seomentarem, s¢ Gesorientarem diante dos diferentes lugares socieie que tém que ocupar simultaneamante. Brasil, | guerra vai contribuir para a ruina progressive WA sensibilidade Belle epoque, que olhava para o espace brasileira como netureza = tropacalidade exstica © pitoresca e que colocave meig a0 lado da raca como fatores determinantes para a atraso da sociedade © da cultura brasileira. B descoberta de que s Europa parecia tio barbara quanto née ede que e guerra imperialists ameacava Ge dominic o& "espacos mais Traces", vai fazer emergir a consciéncia de que o nosso espacs rin ene (LE ANDRBOE, Mirio Ge ~ Paulicéie Desvairada, int Possias Completes, Sto Paulo, Circule do Livro, std, p. bf. 27 nacional, atem de ter uma “nistéria, no passado, gue o legitimave", precisava ser submetido a mudancas historicas que garantisses, noo presente. atualinecte com a medernideds da qual estavamcs aind. distantes, 0 mete sa eubmise%s, da perda da scberanaa iev penser, como tarefs urgente, na constructo de uma new submentenca-2 ag cnggue ae tempo, atuglizendesa. 4 culture pases 4 ser Vists como ums instancis eocze) decisive. nessa atualizecic ue pais. ©. como ivilegiacs pars s atuagdo de cuem gneris sruir wim nacional. A partir transformacSes histéricas per que passava « pais © suse diversas areas, emerges como problema c resensar a na © suas reoiges. Construir, a partir dos escombros da guerra, uma nova reslidade mundial gue tivesse como centro = América © defini e lugar do Brasil © de suas diferentes partes neste contexta. O espacc deixa de ser inerte, adquire vida. patss a ser wists, pouck & pouce, Come Um Orvanismo em funcionamento. & o espace ingtaura ne S; Que passa a incorporar os sansa xados cela histéria, os signos do progresso e da modernizagzo. ESpacc GUE SEIN Ge Ser apenas espaco telurico, pitoresco, tropical. QC espacs nfo visto mais como imitacio da natureza, mas como criacko humana, configuragie intsiectual de formas. Us rompinente can 9 Bepaco euciadianc. Usi nove espace preciso © indeterminadc, ecnerente Biative ao tempo © ace sujeite, rOtSc#o, onde o mundo JA MXe existe de ser apenes encantamente plastico natin @ industrializacso, © crescimente d. pectos mecanicog destroem G espace natural duzem, no pais, uma nove Sensibilidade, voltada para o espaco ficial, civilizads, compleso, protiemétics, fragmentado om miltaplas visBes © falas, como producke social @ humana. O espaco perce sus cangican de terratoric Tivo, de naturezs imével, para ser rasgad certogratads peia histéria. G tempo antes domado pels netureza, suroe indomével, tornando em ruinas a geoorafia naturalista. A adentificacto entre histeria humans e@ historia natural == desfsz por completo: Sprovunda-se a desnaturalizacto go nomem: sua subjetiviga- de emerge como produte sécic-cultural; descobre-se © incensciente = A pbigué humanoe como dimensSes que particioam da criacto do mundo. Com # disciplina e@ © trabalho industrial, @ préprig corpo se transforma numa criacie historica, para elem de natural ov biclegi- co. cae dades, os Macto © # regife emergem come artificics pela histeria, pelas rdem a fundamentacto no sta até a Primeira Guer~ nto. = prope pumancs, como territsrics cartooratad relactes de poder ¢ pelos saberes. Eles natural que alicercave o discurse nacional ra. Para @s modernistas, por exemple, a nacko e a regi%o passam ser pensadas a partir da histéria © n¥o apenas a partir do substrate natural, 0& seu meio © raca. A nacko e @ regia passam a ser espacce A ser|em construidos. mentades pelos cidad%os, pelos grupos sociais. Suroe a necessidade de se pensar uma nova espacialidade para o pais, uma nove imagem espacial, um novo texto Gue colocasse a atuslizacke THY Ver Uites, Fabie - Yangusrds Literarig ¢ Ideolenic, Pio de Janeiro, Civilizagte Brasileira, Eneontros cos ¢ Civilicacto Srasileire nd 3, set/1978, o. 67) GULLAR, Ferrenra ~ Etavas da arte Conteaoriuez, Sto Paulo, Nobel, aPREi.pe. 207 = 2 mudanca de linquagem coms tareta premente. Era precise nic apenas retratar ¢ neva presente vividoO CelG pais = suas diver: areas, como repensar c¢ seu psesadc, recriango-s. inventands tradi que legitimassem c= moves recortes esnacisis que se ins- tauravan. Novoe 2ignos 640 agenciades para comparem o escash da nacio = G4 reg.ao, bustands 8 verdade interne destes recortes, 2 al gue 6! consciéncia do tempo. legitimavem. Um espaco nascid da propra ©) Cultura e Espago 1922. Em feversire, na opinide de um critics "passadists". ume tremenda manada d= bois avanca mugingo de cabecas bainas ¢ fetes em fiste, arrastande o turbilnao. pronagande aps urros “Independ@ncia! Originalidade! Personalidade! *! Em plenc saauxe do Teatro Nunicipel, temple da sagraca cultura académica paulista, um "abcesso de futurismo” ameacava mpestar @ cidade; artistas que, sequndo um critico, desconhecia por completo harmonaa, cor, perspectiva, no havendo sequer aprendi go a desenhar, ali desfilavam. Fotre eles, « mesma Malrstti uc deveris, segundo sie, “voltar a aprender co ABC da pinturs", « Brecherst, ‘mero imitadcr d= Atilio Selva” © ainda “o folixs da tor", “o arlequim meninc" Di Cavalcanti. “molecote 2m cueiras que nada havia aprendido de desenho, cor, proporcées e perspectivas que rio passavam para ele de verdadeiras logagrifos. Enquants nao 6 vesolvig, i& pacificamente masturbando telaé abracadamrantes, dolo~ roses produtos d= um onanismo cerebral desenfreado, preprin da idage"t® Era a "escadaria do templo de Athené, transformada em cave~ darica de @ugias. 0 nitide pavimento conspurcads pela bests do apocalipse, esperando em vic pelo Hercules da critica que deverie poli-tos' "47 Estave realizade o escandalo que os artistas, auto-prociama— dos madernistas, queriam. @ Semana de Arte Moderna, pels propria reagio gue provocou entre as “elites cultas" da cidade © nos meio: académicos, conseguis firmar sua imagem de grande corte com o pasca- do, de momento tundante de uma nova arte, d= uma nova cultura para o pais. Reuniao de pequeno grupo de artistas que pouco tinham em comum entre si. ando ser, # disposigs0 para romper com cs padrées de gosto, de visibilidade © @izibilidade, até ent%o Vigentes nos meios Culturais do pais. & Semana vai proclamar S¥o Faulo como a vanguarca ha mudanca dos codigos. de sensibilidade no pais. S30 Paulo, = cidade que mais crescia no Brasil, devia ester na dianteira do processo ae criagio de uma nova linguagem artistico-cultural, mais afinada com o momenta de transfarmac3o por que passava G espaso nacional. QS codigos de visibilicade © de dizibilidade, herdados da Europs © do periode neocldssico, jA n¥o treziam respostas em seu vocabulario, assentado sobre estabilidades que dessem conta de epreender © dar sentido 4 nove ordem turbilhonante das coisas. Uma m (75) ELECTT, Pauci Vero - falelas futurists, int Martha Rossetti Satiste, Op, Cites a. Ot. 146) Iden, biden, p. 62. 147) Ten, ibides, 9, 65 visibilidade © dizibiligade assentadas em normas rigidas. astaticas, raturalieta dades com todo 6 ferver pelos rearesentantes do munda ecademico. O mundo ds razio, da gelavrs 2 da coneciéncia aa tradigis liberal e cientitica do seculo XIX, 34 40 era capar a tornar inteligivere 28 novas realidedes qu> se desenhavan oo peas, bora. entre of mogernistas estavessem artistas como ou Guiomar Novaes ja reconhecidos, prestigiadss © "pouco ". @ escdndsio “futurieta". come ser& chamado pelos defense pengibsisdade naturalists, seré fundamenta! para ampliar ono de novas formas d& exprees%o. gue j& ocorria. de forms desde anos anteraores, Tendo iniciaimente iancado mio da naderna de descenhecimento © negacic =m bleco do massaco, os modernistas brasileiros longe vic estar, em sua maioria, do rom pimemts compieto com > passadc. cedicande-se, em grande medids, construir para o paig uma tradic#o cultural © artistica que conside— ravan nas po a ire formas de ver, dizer © escutar comecaven 3 ser sastemstizadas por essa nova geracko de artistas, que so lancava nz tereta ardus mao 20 da pesquisa artistica como de um intense ero~ selitisinc, que visava ordenar a8 mudoncas operadas na sensipilidads ocisl & que viseva fazer estes artistas se imporem come porte-vores dos noves cédigos apreendidas, n%o apenas no contato come Europa, mites estudarem, © QUE era comum ate ent#o, mas, principalmen- Sof das mudancas que se operavam no espace brasileira. Gs autowproclamades modernis tratam de inventar 2 tradicts de "descebridores do Brasil", aqueles que, diante da ru trazids pela qUerra pars OS cGdiges saciais, morais, eticos = arts ticns do velho mundo, Gescobrem 4 pussibilidade do pais vir a se constituir num espaco auténomo de producto de cultura, & cultura passa a ser vista Como uma inst@ncis decisiva para ® construczo de uma nacko © para isso deve encarar o probiems do colonialismo cultural, Ga relagko de dependéncia © submissao a padrien ostéticos, importados de Europa Embora ainda sera, na Europa, que os modernistas irte buscar mee de svpressxo modernas com as Quais eXpressam o pais, oF reudos © of temes de suss obras, sles esquecem as ninfas © o¢ gregas pars se veltarem para a abordagem de que seriam “temas nacionais", que comecam = ser instituidos. A pinture participa da criacko © visualizagio da nova ecepe- cialigade do pais, na qual trate de integrar n¥o apenas os elemen- tos. considerados primitivos © tradicicnais de nossa realidade, come enlocar ac lada dos signos da natureza tropical, signos da urbs zecko. Tarsila do Amaral, Que no participa da Semana por estar ne Europe. € aquela pintora que meincr antegra os signos do nove espa- 60, Surgide com a cidades, 4 imagetics do pais.t? & pinture modernista instaura uma nova forma de vero pais, ao romper com os principios naturalistas de mimetismo da natureca, ao Tugir da idéia de que a arte devia seguir leis fundamentais gue no dependiam de @poca, nem de lugar. Para esta pintura, a arte nic era maié a exprese%0 Oa harmonia do universo, mas era & expressdo de Bua contradigées, d= seus conflitos, d2 suas nuances © u 2a ih THEY Ver SEVCENKG, Nicoisy ~ Op. Cite, ps 312 BASTOS, Eliana - Ente o EstSndalo e o Suceseo: & Sesane de Ze Araory Stow, Caapinas, £6. 63 UNICARF, 199%. (19) Ver, por exenplo, 05 quadros: Paisagen (1928) © E.F.E.E, (1925). 50 2° Ele abandons a visko pitoresca do pase, que estava chamave a meio pelo exterisr. pele Se interpretecto da reslisade, sore: fo interno ge cada objeto. he transtormactes. Orese ao superficial, ao qu mediate. Uma pinturs aue bus! ens ds esséncie da forma © as signi Oroanszar uns vieibilidads moderns pare o pais era dar~ Novas cores, Linnea, tormae! ere pesquisar = sgsneiar sagnoz, cons deradcs mois Cxpressivos da verdade Visual oo pais, Organizer uma arte capa: de contribuar para a eriagio d= nsvas form. tal requereria um @BpAco andustraalicadc,—* capsz d= lipertar # cor BUS SUbM2=n%0 A naleta natural, dandccihe etatus de recurce @ autonome. G mesma se dars com # poesia © = literatura em busca de ume neve linguagem, um nove texto que pudesse dizer o que mudara, n¥ apenas ona natureza © mae russ do pais, come tambem rios sentimentos Cos préprias homens. A literatura modernists vai encarar ge frente « terefs de exprestar of sentimentos. aspiracdes, desejos © costumes desee cujeite nove que @, no pais, o habitante da grande cidace. Eese literatura vai participar de prépria formacke de subje- tividade desses novos suigitos. vai alerte-lee para co drama vivenciado pele oroprac artista, da convivencia numa cultura & mums Salidade fragmentaris, segmentads em ‘trajeterias diferenciasas, mercada pelo relativicmo © pelo experimentalisma. & convivénc. sominitaris tradicional, que garantia seguranca ou menos surpresas, na hora ds se relacionar com of outros homens = com o seu espaco, dé luger a ums sociedsd= onde as solidariedades comunitarias, as tami~ iaridaces, ee vizinhancas, oS compadrismos, os caternaliemcs tendem @ desaparecer, 0 mal-estar, caugado por essa diseolucko doz antiga. territerios existenciais, principalmente numa cidade onde o flunc de pessoas © COISAS Pareciam inicessantes, colocava pars 4 arte uma tarefa fundamental, ou seia, a tarefe de fornecer padrSes ge ident:- Ticacko, mascaras sociais pars serem vestidas, identidaces para gerem subjetivadas. Diante das conexdec miltiplas © das ressonaénciss variaues Gas omidancss culturaie em andamento, cabia A literatura tracer fronteiras, orgatizar of limites do que serian os diferentes ecpaccs locais, pars evitar o estranhaments total. Os cédigos culturais de visibilidede, dizibilidede e escute Be transtormavam, 4 medide que os sentides destes sujeitos do meio urbanc encontravam uma realidade diversa onde se educarem. Se Bintura atenta para @ movimenta @ abandona @ natureza € porque 9 elhe dc citadine 4 pouco contemple a paisagem, eile se desicca velozmente entre ume imagen © outra, entre fragmentos d= corpos: Fostos, pernae, Seice, CONAS, numa erctizacta crescente do meu Urbano. Nes muitidées que se aglomeram em passeics, pracas, cate: ou que vio a festas © rendez-vous, os olhcs £40 treinados apanharem 3 imagem mais efémera © fugidia. Olho educado pelo cinema, que ve? naz Tites americanas um espace nic mais imitative da nature. za, mio mais um sspeco ds representac3e como no teatro, mas um espace interno, sutsnomo ac filme, totalmente montado, Assim a guadro tamben se literta da ditagura do munde exterior = se terns espace suténomo, gue pote inclusive se chocar com o esvaco trads 261 Ver GMARAL, Aracy Abreu ~ Arte para gue? f ereocupacto social na arte brasileira (2930-1970/. Sto Pauls, Motel. 198%, EDU) Ver TiLIG, Carle - @ Guerela do Brasil, fio de Janeiro, FUNBRTE, 1982. 0. 28. zt 9 cerca. Ne granos con ABeur gus gevem decodificar reorocuzir esse me sone de fabracas. burburinhos. te amtulantes, vio ineucsorar @ s8cuta son +» dissonantes. atoneis. U cuvada cada ver mais atenta as conversas, 3s mu S , a5 multidges © suas manifestacées palitices, BeEUG discurses = algavarras, torna-se fonte ge um novo ritme p poesia © para a musica, fonte de uma nova lingusgem pars = literanun rae nas, desaraans, de modernastas sto frute deste desiumbraments des sentigos con neve munds urbanc que parecia nascer célere, ns decada oe vinte. em SS Fewlc = em Outras areae do pais. Encantados com ae mugance= tecnicas, com os signe: de progresso, eles incluem., ne imaastica € no texto do pais, klaxens, telefones, teléeratos, trens, ascites. automovels, cinemas, anuncios, cartazes etc... Um esp estado de agitecte peaco-secial, em mutacdo sensorial, 0s mndernictas ordenam. pols. novos codigos culturars cu normatizam @ nova sensitilidade, ou sia, transtormam-na numa seric de saberes, de conhecimentos, d= regras © técnicas, ca, ge ser assimiisdss = adeptadas por diferentes cujeitos, que produzem na mesma @poce © espacc. Ou seja, tratam de anstitucionalizar nowa: reares © padrées SGciaie pera definir c que € aceite como arte "nove" & 0 que @ “passadismo". Rompends com as antigas regres qu hormetizavam @ arte, rompem também com paradiamas éticce, sociais, morass. politicos © filosOticos que Ine davam sustentacdo, Portanta, embers a sociedade capitalista tenna separadu trabalno @ arte, colocends s artista mums posicio marginal. as moderristas v%o assumir como tarefa = acéo social! transformadora. no que tange aos codians acad@micos @ natursiistas que serviam de base para # propria conservacts de outras extruturas @ relegSes sociais, profundamente arcaicas no pais. Eles vic contribuir. principslmente, pars a geetacko de novos suieitos para nossa realidade. novae subie— tivadades. formadas @ partir d# suas obras ¢ das transtormacées nes cédicos culturais que estas desencadeiam E a manada de bois conseguiu com a sua passagem, deslecar ar viciede que se respirave em larcos setores da cultura bresileirs © iniciar seu areiamento. 2) ESBOCOS DO SOCIAL Al Trabalho © Regional: Pars entendermos cor que o Nordeste foi inventadc ne decsde de vinte, 4 importante n¥o apenas nercenermos a= mudancas gue se preceszaveam no plano da sensidilidade 60 espaco, mas aigumas alteracées que ss davam nas relaces sociais, que se ligam daret mente @ emeraéncie de novas praéticas regicnalistas, seja no campo “ ie discursive ou fors dele. L925. Folheanda o principal jiornal paulists Lemos serIncontestaveimente © Sul da Bresil. iste e s regito que vai aa ahie até o fie Grande go Sul. apresents um tal anpecto de proersee em sus vide material que forma um contreste delorose cam co abanaone em gue se encontra o Morte, com seus Gesertes. sug _ignorancs yalts de higuene, sus pobreza © seu servilisme".*? & situacgk descrita pele articulieta celoca o separatismo como tema central dos Giecurecs neste moment 2 qUE partem de recresentante do "Sul", como de representantes do "Norte" procuram diagnosticar a. cauSAE destas ameacas & Tante a= fale: B unidade necional, atribuinds, quese sempre. a iitpe av outro lado da disputa. G@ fim daz relactes escravistas de trabalho © a questice da trans para oo trabalho livre sic detonadores nao se da reardenacio os varios espaccs do pais, bem coma sie fundamentar bers entendermos # emergéncie destes regicnalismos cada vez maz militantes. 6 regionalizacks do mercado de trabalho com = abolic#o & concentracte do processe imigratéerio no Si He, indus a smergencia de pratacas re que travengen todas as orimeiras decad. este io.*5 abelecime ge ce trabalho diterenci provincias do "Norte © Sul" sonstitui um dos ori deste: digcureos, gue procuram sedimentar solidariedaces Pegionais =m detrimento da solidari clonal. 0 favorecimente so 75u com ampla corrente imiarateria, @ marginalizacko dos Estados gue nig podiam arcar por si proprios com uma politics amigrant. am & Wm AciFramento nos ciscursos que falam em nome go Nor iamia = até de separacao. Guem =e nomein representante do "Sui", come Deociecio de ce, busce justificar a concentras%c de politica aimigrantis- 10 mSO, inclusive, de enunciados de prépris discurse daque- gue se dizem “nertistas”. colocands o clima desss éres come amsrepria para o recebimente de trabaihaderes eurcpeus, j4 gue a Seca gra usada pelos “nortistas". desd= cue esta emerciu, como ume bos arms petitica. no finel_ do século XI%, para embasar reinvindicactes a nivel nacional. =* 0 trabalhader necional, livre, se colocara como a Unica cpcio nare a substituicto do escravo nos Estadus setentrionais, enquanto geta substituic%e sé se colocara para og Estados meridio- Mais, notadamente para Sio Pauic, com & Primeira Guerra. quanda a corrente de imiarantes europeus se reduz drasticamente, ac mesmo tempo em gue # economia cafeeirs enfrenta um periode de expansio. Ne finel do s@culo X1¢ @ inicio de século XX, os discursos acerca do trabalnader nacional, se assentam sobre paradiamas evolu~ cionistes © positivistas. levando a gue este seja visto com maus olhos. 9 trabalhador brasileiro, o mestico, € visto como um “primi~ pére a “eivilizacio técnica". “um braco degencrado =. a tive", um incap, TD We - 0 Bloco Politico do Korte, Sto Paulo, 0 Estado de Sto Faulo fe partir de agora citado comp OESF), Bset/i9, oH ce (25) Ver SEWER. deni - A laportancia dos Estudos Regioneis pare as Cifncias Sociais. In: Historia Remional: ung discussto, Carpinas, Ei, da UNIGAMP, 1987, p. 5, (2A) Yer CAMPOS, Deocléciv de ~ & Qoanizac%o Econdmico~Agrariz do Brasil, SYo Paulo, OEP, 31/)an/1925, p. 25 co 7s e ALBUOUEROUE JR, Durvel Muniz de - falas de Asticia e de dnoistian A Sece op Jasoiniri Mordestino (1077-1972), Campinas, ONICANP, Listertacts de Nestrado ex Histéria, 1988, Pa a Gepaunerade por sia propris constituicds Tisica # racial, Homen a : ravidic © gue agora se somava arreganda bode 0 oprébraic lancads sobre o trabaiha © © proce. trabelnasor. 6 trabalhador nacional. ¢e brasi est pronmria naturezs. 0 pensamento naturalista oarane. anferioridade oo nacional © incentivava a acocdo da polities ims a questie do trabalns. como mais do que uma eolug%o par: ms solugko também pare & propria constituagks de nosso pave, brangueamsnte da populacko por esse leva ce advenas era = garantis gue teraamos, ho Future, condicio de nes tornarmcs civilizac de vir 2 nos desenvolver tecnicamente, J4 que os mesticas eon eram vistos com incapazes para a absarcio de novos padrées sociabilidade © mio afeitox as novas relacdes capitalista: trabaiho cue se implantavam. Ou seis, os mesticos @ nesros eran Vistas coma incapazes de se constituirem em sujeitos do pracesss a= inmplantacts da sociedade burguesa no pais.?9 # descualificacto de brasileiro pobre e a valorinacte de igrants, que era o modulo da praoria leaitimacis 4a politics imi- Grafitists, leva represantentes do "Norte Mario Pinto Serva, considerar ser esta politica @ motive de seu espaco estar ticand tras na histéria do pais, sendo desvelorizeds par nao com ngue regenerador do trabalhador suropeu. Esta politics Ga civilizecko, completa = fundamentalmente errada em tudo servis oara plantar 4 desolac%o ¢ 0 deserto na Amazsnia. 5 abandons © a miséria social das pepulacdes do Nordeste, com = pirida das corrupcées peliticas © morais na Bat: A invenc#o do Nordeste. que vem complicer esta polarizacto escacial entre Norte © Sul, @ acompanhada de tode um esforco em fesensar & guestéo do trabalhador macional, bem como dc propric questionsmento do pensamento naturalists, que reservave um lugar de Segunda clesse para of “nordestinos", por serem considerados inferi- Gres em sua propria natureza. j4 que alem de mesticos, sofrias aco deleteria do magic. também considerads por “suligtas" como Pauic de Morees Barros coms impropris pars a vide humanz.=/ A invencte de Nordests ocorre nun momento em cue se esta recensand QuestZc dc trabsihe © de trabalnador nacional, entr: cutros motives pels cecassez de bracos que comecave & scorrer, Actadamente, née areas econcmicamente em excans%o como Sic Paulo. 4 necessidade de mio-de-obra coloca 4 migracio interna como uma opcio pare © abastecimento de bracos. Fodem-se ler a partir de 1724, nos jornais paulistas, intmercs artigos, que tratam dest= auestya.“% 8 décadsa de vinte marca © inicio do processc migratéris mai intense para o Sul, orincipaimente, para S¥o Paulo. @ correntes d= trabalnadores dos Estados setentrionais, notadamente aquelss ascola- dos pelas secas, que haviam se dirigide em décadas anteriores para s Amazonia, comecam 4 se Girigir, preferencialmente, em cirecko ag Sul, em busca de trabalno, n¥0 apenas n@ lavoure cateeira, como também na crepria industria nascente. a al a me, (25) Ver VIANAR, Oliveira ~ Rouwlates eridionais do Brasil, Tomo f, 5 e0., Rin, dose Olyapio, 1982, 2. 30 (26) Yer SEAVA, Mario Pinto - fis Reivinaacacdes do Morte, Sin Paulo, DES, 22/nar/1920, 9. 3, c 1. 127} Yer BAFROB, Faulo de Moraes - Lnpresstes do Nordeste, Slo Paulo, DESP, 10/2g0/1923, ps 2, cs 8 (28) Yer, por exeaplo: N/a - & Colonizacko hacional en S$0 Faulp, Slo Favle, OESP, H5/out/l82, p. 4, Ho/outeis7s, pa, c kistes movimentos migratérios 530 fundamentais para a propria reordenacic dss sepaciatidades no pais. Areas que oraticamen Gesconheciam © populac#es nue pouco contactavam, embors compusessaim G mesma pain, anacasm um centeto © um conhecimente mais apurada. © nesse momento que muztos dos estereétipos que marcam os citerentes espacos ¢ populacies do pais s@ gesteram, O contato com esn. pessoas estranhas Tazem emergir imagens © enunciados gue irae procurar reconnhecer ou Imtalizar estas cades moves da realiaade. Este contato dos "migrantes nortistas” como °Sul" amber ajude na circuiacks de Lturaig diferenciados gue deinam clare a propria diversidade espacial do pais. As migracdes levam & reordenacto co espaco do pais, com = disseminacka de elementos culturais. do campo para a cidade, © «1 sentido contraric. G contato d= pessoas das diverses dreas do pais © suas diferentes maneiras de viver, sentir © pensar; o adensanento da popuiacao, em alguns locsis, em detrimento de autres, Levan intelectuais como Olivesra Vianne 2 comsiderar a miaracie come uw dos maiores fatores de desorganizac3o de nossa sociedad= e¢ de nossa povG. Segundo ele, a migregis provecava a quebra dos lacos de inter dependéncia econSmica egtre patr&es & servidores, tormando-cs maz flutuantes © anstaveis.*? Embora sua formulacto seia mo sentado de eviter a migrsc%o €. com ela, a fluides das relagées sociais, form lecko nitidamente conservadora, havia ainda cutra preocupacio nes fales de Vienna: era a orésria reversie do orocesso ae branqueamento das populacSes meridionais. com a chegads dos migran- tes mestices © negroes crovenientes dos Estados do Norte. Qo praneire grande crupo de migrantes que cheaa a Sic Paulo, por exemple, ©Fs proveniente, em Sus maicr parte da Bahia, Estado de grande populacko necra. Talvez, por isso, c esterestipe do baianc ecompanhe, até hoje, of migrantes provenientes dos Estadss ac Nordeste. Embora, como veremos mais adiante, este esteredtips, © a visko depreciativa que este significa para g nordestinc, nic se GxXpiicam apenas pelo preconceito de cor, mas, principalmente, por cutres elementos gue ajudaram 2 compor a imagem dos migrentes da Nerdeste no Sul = gue foram, em grande parte, fornecidos pelos propracs dascursc= “nordestinos". A partir do 1924, em S¥o Paulc. com 4 necessidace de maa-de-obrs © © préprio projeto nacionalistsa de revalorizacte d= nosso trabalhader, os discurses adotam como estratégia reforgar dois enunciados; 9 primeiro © do “valor do nacional”, contestande 3 sus “mprestabilidade para o trabalno": o segundo, o do “apego a terra natal dos nmordestinos", que, apesar de ser sua terra um “fornalhe", sé 2 abandonavam "“transitoriamente". Percebem-se ai duas estratégias: ao mesma tempo que se revaioriza c trabalhador ma~ cional, © nordestine em particular, trabaiha-se apenas com a hipete~ se de sua permangncia temporaria. Considerands a paralista do pro~ cessc imigrstarig como transitéric, estes discursos reivindicam 6 akantecimento das lavouras paulistas de forma temporaria. com of nordestinos, mas querem evitar que eles se fixem detinitivamente. incentivands as migragSes sazonais, porque o nordestino, mesmo send: "vélide pare @ trabalho", continua ¢endo visto como “uma Babel deprigida de tapos varaades, que se embalam na rede. a espera de que C@ VEeraG passe, ambora temha quelicades latentes & energis © natural ement: a TH) ver ViAWS, Oliveirs - Pooulacées Neradionais do Brasil, Too I, p. 214, ia a @uesar dos tatores cecenerativos que co assoberba", 2 que, entre o projets de "revalorizact%e de nacin~ Resites naturalistas. vai enistir um mente de uma corren- te imograters artigo: de iornal colocam a favor da colonizacto nacionel. Apes se constatar o numero Ge migrantes nacioners em comparacic com as ims S) @Stee artigus cass # trombetear a= vantacens Ske Paulo podis oferecer cara ques 2 ele se dirdl a stics do Denartaments Estadual de lmugracto, em apenss 14.000 brasileiros haviam passado pela Hospedaria dos quais 7,900 eram baiancs, 4.50) eram minziros © mencres parcelss de outros Estados. Enquanto G salario nestes esta- dos era de 18000 c dis de 12 horas em médiz, podends beinar ate Zoo ou 200 Peis, S80 Faule pageve 19000 a hora. Alem dess= “generosa selari “paulistas” teriam a oferecer a todas os combatriatas "a nospitelidade © a simpatia" bem como a “real emizade".> Daante dessa politica agressive de recrutamente de m&o de obrs cor parte de S%5 Paulo. o5 discurscs de reoresententes da. pele migracdc adutem como estretégia denunciar “a despova: do pais por acto de S3e Pauls", pois arraia anteiros di ede Mins. principalments os mais ofestado estariem Ticando desscvoados com a idx de familias inteiras para agusie Estado. Luiz Viena, por exemplo, constatz que 4 predomindneis do bsiano ere téo grande entre os migrantes que por essa desiagnecio Se connecie todo "trebalhader sertaneie” da zona nova da cafeiculiu— ra, §m resposts, na imprenss de Sic Paule, surgem discursse que tentam scaimar os “nortietas” lembrando o “apego extremads & terre” do "Norte" que "so pramsire boats de chuva no sertic re oo ler abandonade”."* @s préticas © ergumentos S podem osesim servir a diferentes estrategias, ome sujeite. Um mesmo enunciads pore Em 1924, diante da demsra no reetabel proporcess, inumer areas mais atetada: regicnalis dependendo de quem as assume servir a intereeses divergente: A décade de vinte marca. pois. todo um repensar acerce do nacional. de sragileirc, Cem come a emergéncia de praticas voltedes pera o incentive as migracdes internas e © anicic do deslocamente de Qrandes grupos populecionsis no pais. afetando sobremode a organi- Zagio de seu especc econémico, sorisi © tultural. Essa questéo ia estava presente. ng entantc, desde as decadas anteriores, coma ben demonstra o sucesee do livre Urupés. de Monteiro Lobato, laneads em 1918, ©, que eliave a discussie da questan de trabalno com 4 questae da nacto. da constituicdo da cidadania @ do pove brasileira. Ele debate as dois projetos mais mitides de constructo da nacke naqueie momente: G que via no imigrante = nc Sranqueamente o caminhe para alcancarmos fossa maioridade como mac’o eo outro que vis no amigrante exetamente c perigu de qcsse dissolucio, da perda de nosso ceraker, chamando ateng¥e para a importancia de se renensar a nach nal. (30) Ver BARROS, Fauic de Moraes - Gp. Cit. S80 Faulo, Sto Paulo, OESP, 14/0ut/1924, p. 4.4 cL Inigrecdo Jepeness, Sto Paulo, UESP, 26/29/1929, 9. 3, cy 432) Ver YIM, Lun2 ~ O Norte + © BARROS, Paulo de Moraes - Op. fit, (30) ver LOBATO. Acnteiro Sip Paulo, Rrasiiiense, 1964, ‘urwnés, 158 eo. Essa discuse’o se acirra no poe-guerra, quando o seounde provete canhe terreno em relacao ac primeirc. @ oropric Monteir Lebats torne-se partidérie da seounda esplucta, apos se mostrar cétiee © ampisdosament o "“jece" em seu Urups. Gr. Arsnns #0 estrever, na década anterior, Canal, embors cantssse Ina ao amg Btencke para co perign da dissolugte a nesee "espirite nacional". com a no transmissie de moesas tradicées 2 culturais por parte dos édvenas.74 da oem 1928, 4 zona nordeste do Estaco de So Paulo era da majoritariamente por nacionsis, cerca de 91,42 de sus popu chamay linguiet. povoas jagho. Frente 4 necessidede de atrair trabelhedores nacionais @ ue retificar sua imagem, 0 discurse regionalista paulista vai lancer 9%0, por exemple, de outros enunciedss do discurse regicnalista “nortista", como squele que mitificava o “sertanejo" © reivindicava atenc3o escecial per parte dos poderes plibliccs a este simboln d nacionalidede, OG enunciade do sertaneia como um “trabalhader infati— gavel, semeadcr de energias adquiridas nas lutas contra as secas" ¢ retomats © wtilizado em novas estratégias, como 8 ce Valorizar agueic trabalhador para co trabalho mo "Sul". Meeme que “oe felciore sententricnal eetivesse impereonado de saudades, gue retentava abundante 6 dolorosa das cancSes dos exilades", estes, "premiacs pelas pracas dae secgs € da coliticagem",. demandariam em tusca "dae maraviinas do sul".=° Tambéem, em $528, com Mecunaima, Mario de Andrade marca e Presence doe modernistas nesta discussio. atraves da satire ac homem bragileirs bem comp a0 imigrante italiano. Ele chama s atencko para & ameace QUE oO arrivista, o estrangeiro sianifitava, para a cone: trucks da necko. Coloceva a oposic¥e entre um pole de organizacko do espaco como nacionsi © outro como invasor, como descaracterizador, coms) fragmentador. um problema que seria enfrentade por todos of paiges colonizades. > Fortanto, a quest’o do trabalho assim camo as migragées sic importantes para entendermas es mudancas na suciabilidade, 34 que a geids das pessoas de seus espacos, provoca 4 rusna de muitas daz entigas relagSes Scciais 2 que estavam sutmetides. destruinde seus territérios existenciais, separando-os de seus cédiges tradicionais te vide, trazenco-os para um espacc estranhe onde tim que certogra- far novas territorialidades, produzir com reminiscencias, com lem brancas de seu antigo espaco © o agenciamento de elementos da ex: riéncia e do encentre com esta nova realidade, movas identigades sociais © culturais. @ Fluide: das noves relacées, o contato com a cidade, com o mundo dae mercaderias, Com 6 trabalho assalariado, mesmo no campo, o encontrs com papulacfes diferenciadas, colocam a necessidade de elaborac’s de novos saberes. capazes de dar novos sentides © signi— ficados # sues vidas, 20 espaco onde Se encontram e mesmo ac espa: de onde sairam, 0 encontra entre “Norte” ou "Nordeste" @ "Sul" ge @centua ©, rom ele, suas identidades @ diferencas. O encontro entre “nortistas" ou "nerdestings” © "sulistas" os aproxima © of atfasta. Os migtura © 0 separa, mas, principalmente. requer definicdes. (G4) Ver CORETO, Monterra - Op. Cit. e ARMNKR, Grace ~ Canal, Rio de daneira, F. Briguet e Cia.. 1949, 9, 27. (551 Ver ViANK, Lanz ~ Op. Cit. (31 Yer ANDRACE, Mario de ~ Macute jaa, 27 ec, Helo Horizonte; Villa Rice Editoras Reunides Ltda,, 1991, ‘ werteres acerca de quem © cade um, de como € cada um, Tazenda emer— gir a necessidade da products de um estoque d= amagens © enuncisdes gue ome Classifigue, que [nee atribus um lugar @ ums identadade: BSEim 0S Esterestipgs regionaligtas S40 psridos, Bw) Extade © Regionaiizacte A decade de vinte # marcada tambem pelo acertuedo sesconten~ tamento com ag ingtituigées republicanas implantadas em 1885. Gs 2 smcs se intengificam a medids que se busca constrain novos projetos pare # sociedad= brasileira, sem como elaborar um novo modsic de Estado que superasse a= defacigncias apontedes pelos Giferentes discursos regionais, que projetam sua remodelacko. Mesmo em Sic Faulo, o Estado mare beneficiado pelas instituicées vigentes & medids em que sus sociedad= se comolexitica, sursem diferentes vores que se lancam a critica das estruturas republicanas. A croanszacko republicans isderalista e€ aingivigualist: montada com a heaemonis paulista, consagrava as desiqualdadee soc ais © regionais © sancionava a lei do mais forte, Este modeto exclu- dente sai vitorioso me embate com of idedlocos positivistas do regime, que vism como tareta fundamental oo Estado republicans, = incorporag%’o dos véries gripes sceiaie &@ vida institucional, partir de cima. Possuindo uma visio voluntarista da histéria, a positivistas, cule maicr contingente encontrava-se entre os milite- Fe= qué amplantaran o regime, achavam ser possivel forcar a ch da historia da nacko a partir da agke de uma vanguarda politics com Grganizada, homogénea, disciplinada. Construiriam = Repiblice como pontc de partida para uma agso civilizadora que, partinac de cima, se estendesse a tades w= grupos sociais, incorporande-as & cids— danas, atrituindo um jugar = cada um na setruturs social, _hierar— quizando todos cs 6ro%os gus comporiam o organismo da nacto. No entante, nxc gram so of pouSsitavistas gue achavam necessaris a construcke de uma neva nacto para esta Republica, Mesmo entre of liberais, cuis matric ideclogica sra bacicamente evolucic. rasta, advinda do darwanismo social, a tematica do pove também =: ampunha. com uma prsccupaczo voltada maiz pera a quest3a da cons tituicio fasica, @tnics, racial, da qual ingeriam sus constitui peicolecica ¢ cultural. Enquanto a énfase dos positivistas se da nO exercacia de politicas civilizadoras, pecaudaicas, em relacio 2 esse povo, estudando seus costumes, suas tradicées para integré-lae na glaborecae simbélica da magko & da Republica, no discurso lite- ral, 3 valorizagie do povo como elementc politico, esbarrava ne realidade empirica de nosso povo, formado em sua maioria por mesti- cos © negroes saitins recentemente da escravidao. Fovn que estes ade¢logos desprezavam, que consideravam estranho, despreparsdo, fanatico, vielento, criminosc, devassc. Come construir uma nag%o com estes elementos? Era uma questa central 3 ser resolvida pelos AdeGloges do regime em seus primeires momentos. Diferentes respustas foram dadas, mas & Enfase ne quest¥o do methoramento raciei pelo branqueamento. soluc¥o pensed= pelos libersis, vai se sobrepor QUEELRG da educackc pele trabalho, pensada pelos positivistas, is ar Sto Paulo, Companhia das Letras, 1990, (FFE Ver CARVALMD, Jose Muriie de - & Eormacto das ce nacional. mum prameire momento, do merce que 4 amgracto_atasta do oe trabel Ests politica de brangueaments © mais nitidaments defencic pare squeias areas do pais onde a press: Sui", Com a Proclamacko ca Repuolica = 9 aumento ¢ Mecigenacko, Euroia, no Giscurs nteiecte Vaanna, © medo Ge gue alguns "tipos cruzasos“ que estavan do conguistar 9 gran de bac ov dowtor. se torn. povernar oo paas. O brangueando da populacks, imicialment meridional, prejetava se estender » todo pais, exercenso ao ave congiderava 2 anflugncia “cavilizadora” de race branca. O desprezo pelos clementes Go "Nerte", até por seus dirigentes, # sus suberdinagie 10 plano nacional ¢ interpretaco © justificads @ partir desess elaboractes naturalistas © racistas. For sereg_interiores, os “nortigtas" deviam ser governados © m¥o governantes."" No secule XIX, a consciéncia de classe © a consciéncia de meeclavam, Com a aboligho, estas fronteiras entre as classes ameacam S& romper. C corpo do Branco que se antepunhs ac do near @ que fore, até ent¥s, identifieadc coma corpo da teria que se reafirmar, A medida que o negro legelmente se Cidadis. @ mestigagem produziria toda uma camad= de inds~ viduss, gue, ac contraric de que cCorria antericrmente, nis mass procurava se integrer aos valores brancos. temig-se gue so sequirir ampertareia social @ politica tendessem a adotar atitudes d= hos~ tilidade em reiac3q sos brancos. Por isse, formar 8 foes: 5 tornave-Se uma PReOCUpecks, & medida que estes grupos precisavan cer Ancerporados & macao. Como tazer isso? As teories naturaisstas pocitivistas gue Yiam nos mesticos © negroes “barberos” = “dee Rerados", pessoas n%o aptas a civilizackc, parecem mac dar cont: desta tareta, o maximo que faziam era acentu marginaligade Gestes extratos © usar para seu controle social antigos metodos gue pouco se distancisvam daqueles da sociedade escravista © pouco dignifticavam ests Repiblice. Enquante foram cutros grupos socis: emorgentes coma os industriais © comerciantes que precisaram ser integrado: as instituigées republicanas, sendo higienizados, disci- plinedes, estas tecrias se mostraran, razoavelmente, eficien © rigorisme racists de ceus preceitos tornava esses esberes incape- ree de inciuir cetes novos elementos sociais, notadamente o mestice pobre © © negro, nos seus projetcs pars oO pais © suas instituicées. & construg%o de um Estade verdadeiramente brasileire, uma preccupacto crescente na década de vinte, ainda n30 estava presente Ao inicio ds Repiblica. SO com @ imigracto em maior escsia passanse & bradar pela nacionalizacio dos costumes. A questo da assimilacke desea populscka edventicia 20 Corpo da nacso © o nacionalisms tendem @ se acentuar. Os discursos que, no inicic do século, consideravan eS "Classes produtoras" brasileira: um prclencamentc da “elite eurcpeis” © extensko de sua "cultura supericr e civilizads", em Getrimento dee "“brasileiros” de origem africana ou meetica, passam @ elaborar uma nova identicade para “os grupos Girigentes", diante Ga enorme crise, nao So econémica & social por que passam, como pela TREY ver VENTURA, Roberto ~ Estilo Tropical, S40 Paulo, Companbis ds Letras, 1991, p. 147. (392 Vee VIAWNR, Oliveira ~ Poqulaces fericupnais do Brasil, Teas 1, py 216. (40) Yer ORTZ, Renato ~ Gulfura Brasileira e Identigede Nacional, 2 ed., Sic Faulc, Srasiliense, £/0, pp. 3 e 31, Be, cue # Prineira Guerra por terra @ percepcie

You might also like