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~ INTERPRETACAO E ATUAGAO TERAPEUTICA EM ANALISE DE CRIANCAS Noé Marchevsky ‘A terapia psicanalitica tem como propésito tratar os distirbios mentais, procurando minor‘-los, talvez elimind-los ou, pelo menos, fornecer condigdes para que o prdprio paciente se capacite para melhor idar com eles. Existem teorias sobre o funcionamento da mentee téenicas para se atingir estas finalica- des, Procuramos tratar nossos pacientes sem nos afastar desta orientagao, acreditando que a melhora devida ao tratamento psicanalitico é diferente de qualquer outro tipo de melhora obtida por outros métodos psicoterspicos, por obter resultados mais estaveis e permanentes, jé que o método psicanali- tico se caracteriza por atuar nos proprios mecanismos mentais que originam os distirbios. Esta nogo daamplitude da psicandlise tem contribuido para o seu aperfeigoamento e para o estabelecimento de limites para o terapeuta. Mas, por outro lado, esta nogilo de limites pode funcionar como um convilte para que o psicanalista se atenha de tal forma aos seus parametros teoricos que dispense voluntaria- ‘mente qualquer outra oportunidade de beneficiar seu paciente, se este beneficio advir de colocagSes te6ricas diferentes das que normalmente adota, Parte-se do principio de que qualquer beneficio obtido: pelo paciente desta forma, acabaria sendo contraproducente, de alguma forma maléfico, instvel, o8 simplesmente “anti analitico”. Limites so indispens4veis, mas, usados indiscriminadamente. fectam caminhos e possibilidades de aliviar dores e sintomas. Por proporcionar grande diversidade técnica, a andlise de criancas oferece muita oportumidadies para se observar 0 novo que ocorre nas sessdes ¢ buscar suas implicagdes teGricas. O psicanalista de criangas deve aproveitar as oportunidades que melhor se oferecem no transcorrer das SessOes pas vir de forma que redunde em proveito para o paciente ou para a evoluedo do tratamenta. O “‘intervir” em vez de “interpretar”, por dois motivos: primeiro, por acreditar que pars s= chess interpretagiio, na maioria das vezes, é necessétio realizar uma construcio de apoio, A ATUALIDADE DA PSICANALISE DE CRIANGAS vengdes, comentdrios ¢ esclarecimentos, nao somente para a manutencdo do contato com o paciente, ‘mas também para fornecer elementos que possam tornar a interpretaczio mais clara e compreenstvel. ‘Segundo, por verificar que muitas destas intervengdes de apoio tém propriedades terapéuticas pelo pré- prio processo de esclarecimento ou mudangas internas que desencadeiam, {A interpretagdo 6, sem difvida, o maiorinstrumento do psicanalista, e sua dosagem de administrago deve ser coerente com as circunstincias. Nao deve ser substancialmente de mais ou de menos. Pode haver orisco de se tomar banalizada pelo uso abusivo e impreciso, ou pode se tomar ineficaz pela sua timidex.ou insuficiéncia, Sua clarezaé importante. Pouco valor tem para o paciente uma interpretagtio que seja pouco clara ou que lhe soe como uma teoria recitada e padronizada. A interpretac&o tem de ser pessoal e significa tiva para poder ser esentada & compreendida. Sna formulagio deve ser simples e clara, ¢ ocorrer no mo- ‘mento oportuno, Quando ocorre fora do contexto, a interpretagiio costuma nfo ser compreendida ou ser mal compreendida, e ganhar a possibilidade de acentuararesisténcia. De nada adianta uma interpretagao ser considerada verdadeira pelo terapeuta se o paciente nfo a entender. Para garantir um pouco mais a compre ensiio do paciente, as condigdes favoraveis precisam ser criadas, Acresce, ainda, que nem sempre podemos interpretar. Dependendo do paciente ou da situagdo, 3s vezes temos que esperar muitas sesses para podermos compreender o suficiente para fornecer uma interpretago valida — se é que isto venha a acontecer. Além disto, a interpretagao, ainda que formalmente correta, poders niio ter condigdes de ser entendida, Alguns pacientes oferecem oportunidades mais cla- ras de serem entendidos e interpretados do que outros. Esta particularidade independe do fato de falarem muito, pouco ou ficarem em siléncio, da I6gica ou da falta de légica dos seus relatos ou do tipo de frase que esto construindo, Perceber a intimidade dos processos mentais nao depende do tipo ou do grau de doenga de cada paciente, apesar de geralmente os mais doentes serem mais faceis de terem seus movi- inconscientes compreendidos. Nao saberia classificar de forma mais objetiva porque isso ‘corre, Sem diivida, o sucesso depende da capacidade do analista entender aquele determinado pacien- te, mas creio que o entendimento também ird depender do tipo de paciente. independentemente do psica- nalista, Alguns pacientes serdo dificeis para qualquer analista. Em termos te6ricos, poderia ser dito que o paciente apresentando maior freqiiéncia ou maior intensidade de identificagdes projetivas, como ocome nos mais graves, ofereceriam maior facilidade de entendimento, mas nao ereio que este seja o tinico fator. ‘Nao me deterei neste aspecto, merecedor de um capitulo préprio e ainda muito misterioso para mim. Quero apenas salientar que, de qualquer forma, os pacientes sAo diferentes entre si e podem requerer abordagens particulares para que sejam criadas as condigdes apropriadas ao trabalho analftico. Nao estou preconizando nada parecido com a postura de fomentar a transferéncia positiva para poder traba- thar coma crianga, como jé foi defendido. Falo da possibilidade de realizar um trabalho terapéutico que, _mesmo sem usar interpretagdes que cxaminem as fantasias transferenciais ou os movimentos do mundo inte mo, possam proporcionar resultados efetivos e iteis para o paciente. A interpretacdo, em tais casos, estaria presente de uma forma apenas indireta, distante ou implicita, o que é completamente oposto do que considero ser uma boa interpretacdo. Assinalo, porém, que isto pode ocorrer em momentos espect- ficos, com pacientes especificos, ¢ nao considero como uma norma geral, nem uma rotina, Para ilustrar essas consideragdes teGricas, examinarei dois exemplos clinicos que evidenciam estas diferengas na maneira de trabalhar. Com o primeiro paciente. a possibilidade de interpretar ogo se fez presente e as sessGes se desenvolveram na forma tradicional das psicandlises de criangas. principal instrumento de trabalho, como era de esperar, foi a interpretagdo, acompanhada pelo necessério arcabouco de apoio e manutengao do diélogo. J4 com o segundo paciente, tendo dificul- dade de interpretar de uma forma mais consistente e que me parecesse produtiva, optei por outro caminho, Este caso, para mim, confirmou que nem sempre é suficiente compreender o paciente ‘como um conjunto teérico que faga sentido para podermos traté-lo com interpretagdes. Achei me- Ihor atuar, para criar condigGes que aumentassem as possibilidades do paciente vir a obter melhor organizagio, relacionar-se comigo ¢, quem sabe, assim poder mais adiante usar as interpretagdes Grats & Piva 8s Como instrumento de trabalho. Foi uma atuacio, mas creio que certs atuagSes do terapeuta podem terum efeito terapéutico importante, 41° PACIENTE © primeiro paciente, uma crianga que chamarei de G., comegou otratamento comigo aos oito anos de Kade. Havia sido adotado logo aps seu nascimento por uma senhora solteira que nio posia engravidar. Passou a fazer parte de uma grande familia, com muitos tos, primos, av6s, et, onde fo! quests wits Sem nenhuma dificuldade aparente, G. soube ser adotado desde pequeno, quando persuntou sobre nas. Cimento ¢ gravidez. Foi trazido para tratamento devido A dificuldade de comportamento na escola cena casa. Era por demais querelante, contestador, desafiacor, desobedientee ousado, Discutia faztmenna ficava zangado por causa de minicias e enfrentava a mde com muita yeeméncia, nto cedendo nas posi- 62s que assumia. Nessas discussdes, dizia que ela nfo era sua mie e por isso no posia mente ante 0 ue a deixava deprimida. Passava muito tempo sorinho desenhando ou vendo televisae, Su maze oe preocupava com asolido em que ele vivia. Seu tratamento teve uma evolugio gradativa no qual as oportunidades de compreensso¢ inter Pretagio foram aparecendo, amadurecendo ¢ razoavelmente aproveitadas, Neste transcorrer flames asta condigao de adotado, porém sem muita emogio e sem muita seqiiéncia. Para acentuar «ate, renga.com outro caso que irei apresentar em seguida,assinalo que a minha preocupacao técn ‘erapeuta de G. estava centrada em entender seu mundo interno e suas fantasias inconsciemnex, Era fécile agradivel estar com G. A maior parte do tempo ele se mostrava simpatico« soridente Sua atividade principal era desenhar, o que fazia com prazer. Seus tracos eram nipidos, cnativese habilidosos, Ocasionalmente, porém, mostrava-se silencioso e deprimido. pds irés ou quarrn moves do inicio do tratasnento thamos estabelecido um clima de intimidade, e houve oportimidede ce falar. ‘mos com maior densidade emocional sobre algumas de suas fantasias perturbadoras. Transcreverch luma dts sessGes desta época, Ele desenhava, eu comentava seus desenhos, ele respondia a0 meu Gomentério ¢ continuava a desenhar, e assim famos conversando, Como os desenliosfizerain parte importante na nossa comunicagao, vou decomp6-los para mostrar como comegaram ¢ come fram Progredindo, conforme nossa conversa evolufa, Desta forma, seré possivel acompanhar nie semente nosso didlogo, mas também alguns dos pensamentos que me ocorreram eos seus desenhios, na forma €na seqiiéncia em que foram aparecendo, cacomo SESSAO G. entra, apanha papéis e canetas, senta-se & mesa e, como de habito,silenciosamente comega a dese- har. Usa canetascoloridas que vai retirando de um estojo. Desenha inicialmente uma figure com alga comprida que me parece um homem, mas, ao continuat o desenko, coloca cabelos longos na fgura¢ acentua os cflios. Vejo que é uma mulher. A ATUALIDADE DA PSICANALISE DE CRIANGAS Comento, para iniciar o dilogo: —E uma mulher! Pensei que fosse um homem, por causa da: calga comprida. Eleconfirma. —Euma mulher. Ele me pergunta: — Vocé gostaria de namorar com ela? E desenha um circulo em volta da figura. Como eu demoro um instante para responder, ele procura me convencer: —Elaé bonita! Aceito 0 caminho que ele me aponta e confirmo: —Sim, gostaria de namorar com ela. G. dé uma sonora gargalhada e, acabando de completar o desenho, afitma: —Ela est morta !!! Compreendo que ¢ uma figura dentro de um caixdio, Fico em siléncio. Ele continua o desenho fazen- do uma figura masculina junto do caixto, chorando, vertendo muitas lfgrimas. Gra & Piva a figura masculina que chora ao lado do caixdo.Talvezsejaatisteza dele mesmo condeneath figurade Su pai a Verdade um desconhecido, que ali est lamentando a morte da esposa, Ele nunea havik ets tum figura de pai, outra perda, mas devia saber ter tido um pai, O fato de me conv ‘dar para namorara mulher Poderia estar representando seu desejo de eu ser seu pai, ocupando este gar vario cua ea Thtrigou-me a figura da mulher morta parecer inicialmente serum homem, Mas nao me cone nenhum Significado particular neste momento, a nao set ut colocacao tedrica de representar uma figura combi- nada de pai e mde mortos, Porém, nio digo nada dsto, Comento, apenas, me refeindo so ronce que chora: —Ele parece muito triste com a morte dela, Ele balanga a cabeca afirmativamente ¢ contimia desenhando. Eu pergunto: —A sua mie morreu? —Nio sei, Como é que eu vou saber? Ele continua desenhando detathes da figura. Pergunto: — Quem é este homem chorando? E seu pai? Ele fica meio surpreso e responde: Nao sei — Pode ser voce? —Eu? Ele para de desenhar e me olha com seriedade. —E, voré, chorando, triste, porque sua mde morreu, Ele respande, com uma eara infeliz: —Mas eu nem sei se ela morreu! — Ento, o que aconteceu para vocé ser adotado? Ele encolhe os ombros. Parece triste. Volta a desenhar. Sinto que estamos em um momento delicado. Melhor seria nfo impor minha presenganem minhes Sonviegbes tesricas, ainda que me sejaimpossveltraalhar sem elas Edesejdvel que as ‘interpretacdes, ae gear icontever, ocoram com naturalidade, dentro do dislogo, e que as minhas conviegdes ter, G35, 20raTigadas ao seu caso em particular, possam brotar naturalmente. Tenho, além disto, que cuidar em tornar minhas idéias adequadas ao entendimento do paciente . 4 ATUALIDADE DA PSICANALISE DE CRIANCAS G agora faz uma figura ao lado do caixao. Ba figura de ‘uma crianca rindo abertamente, parecendo Pula. Ble diz que 6a figura de uma crianca alegre, dancando, Acrescenta nesta figura uma cabeleiva arul informa ser uma cabeleira falsa, azul, de carnaval. Penso que ele, a0 se aproximar da depress, da sua origem triste e misteriosa, da hipétese de sua inlie ter morrido ou de t@-lo abandonado, procura reagir buscando uma alegria que 0 faga esquecer ou ‘negar esta dor. A falsa cabeleira azul d4 0 tom manfaco-camavalesco que tem de usar. Eu comento: —Betueriangaparece queachou esta hstéria deme morta muito triste procura car alegre para disngar Far laesté alegre porque a mie dela morreu, mas a mae era muito mi, por sso acriangaesté alegre. Esta 6 uma das caracterfsticas da reago mantaca: a desvalorizagao do objeto, que ao perder seu valor pode ser desprezado, ridicularizado ou desvalorizado e assim, nao tendo nenhuma importancia, Pode facilmente ser perdido. Ninguém vai sentir risteza ou culpa pela morte de algo ruim ou sem valor Caro que ambos sabemos que a “crianga” clo desenho & ele mesmo, Nao preciso fargar para ele este conhecimento neste momento. G- em seguida desenha uma figura masculina do outro lado do caixéo ¢ comenta: —Eum doutor de 80 anos, que esta cuidando dela (da morta no eaixto), Este médico de 80 anos deve ser como ele me vé, seu terapeuta (na época com cerca de 60 anos), com oscabelos totalmente brancos e neste momento junto dele, junto ao caixdo, tratando desta questio da morte de sua mie, Para ele, 80 anos deve significar a proximidade do fim da Vida. Deve achar que eu, como sua Imiie, também estaria ameacadoramente préximo da morte. Outra perda que ele poderia vira sofrer inventa um didlogo entre o marido choroso eo velho doutor,imitande as vozes destes personagens: Fai @ marido diz para o doutor(dramaticamente): mas claestd morta! E. doutor responde (com autoridade): ndo, elaesté... E dirigindo-se para mim, pergunta: — Como é 0 nome daquela doenca da mie do Color? —Coma? 8 Aida imitando a vor do doutor)Elaesté em coma, por isso ndo pode nunca mas fica boa, ‘Tomado de surpresa pela sua afirmagio, pergunto: —E uma espécie de coma que no. ‘pode ficar boa nunca mais? Ele se admira, Gis & Piva a — Existe coma que se pode ficar bom de novo? —Fxiste. — Eu pensava que em coma a pessoa ficava assim, dormindo para sempre, até morrer. Pode estar emcomae ficar bom de novo? — Sim, dependendo do coma, a pessoa pode ficar boa de novo. Ele fica muito interessado com a descoberta. Eu pergunto: —E assim que vocé sente sua mae? Permanentemente em coma? Pensei que esta devia sera imagem que ele tinha da sua mie, Um estado comatoso dentro dele que, pela ‘ua teoria, nunca poderia ser revivida. E interessante como tanto ele comocu comecamos a falar de “mie” nos referindo a sua mae biol6gica endo da sua mae adotiva, que até entio era tratada por n6s como stia me, Ele ndoresponde. Fica sério, pensativo, olhando diretamente para meus olhos. Depois volia a dese~ nhar vagarosamente, dando a impresséo de ndo ter muito interesse no desenho que faz. Parece que est perdido nos seus pensamentos. Assim, faz.08 cilios e pinta a boca de vermelho na figura dentro do caixo, Mas cleixa o papel de lado, e, ficando mais animado, pega uma nova folha de papel e, comecando um novodesenho, diz: — 0 doutor leva a mulher e faz uma maquiagem nela. Ela nao parece mais morta, parece que esta dormindo, Desenha a figura feminina que representa sua mie, agora fora do caixdo, deitada numa cama, ‘maquiada, cheia de cores. Parece viva, 0s bragos esto em movimento. Parece dormindo ow de olhos apenas fechados. Deve ser como ele sentit nossa conversa, Minha afirmagdo de que alguns tipos de coma sfo rever- siveis pode ter represeuitatlo para ele uma esperana de que o coma no qual sua mde sempre viveu dentro dele podria ser revertido. Ela poderia viver de novo. Talvez tenha despertado nele uma esperanca ador- mecida, um desejo de que claesteja viva. Percebo que sem querer introduzi uma noticia que se tomou importante para ele: a de que nem todas pessoas que esto em coma morrem., Ent, sua mae pode no estar mais condenada impreterivelmente & morte. Pode estar apenas adormecida, Olhando para mim, G. comenta novamente que pensava que todo coma era igual, sempre levando & morte. Vejo que esti tentando metabolizar esta informagdio importante paraele. Talvez. ache, ou lhe disse- tam, que foi adotado porque sua mze morreu, ou porque ela estava em coma fatalmente iria morrer. Mas se alguns comas sio reversfveis, entdo, quem sabe, sua mae poderia estar viva ou poderia voltara viver. Isto jestd acontecendo na sessio. Ela esté revivendo neste instante. Digo para ele: — Voc® achava que coma era sempre fatal, sempre levava a morte. Vocé achava que a mie do Collor e a sua mie ficariam neste estado comatoso, que nao € bem vida e nao é bem morte, durante 0 tempo todo, para sempre, Eme referindo ao desenho, comento: — Agora parece que sua mae tem uma imagem diferente. Aqui elando parece morta e sim adorme- ida, Parece viva, com os bragos se mexendo. Blediz: — 0 doutor tirou ela do caixaio e botou ela numa cama. Foi ele quem botou os bracos dela assim. Mas ela ainda esté morta, 90 A ATUALIDADE DA PSICANALISE DE CRIANCAS —Voeé acha que eu estou tentando reviver sua mae porque te disse que nem todos os comas levam Amorte. Vocé ficou triste porque acha que eu estou enganado, que o coma da sua mie foi mesmo fatal. ‘Mas o fato dea gente falar dela assim abertamente, do coma, desta mae antiga, apagada, apenas falando da possibilidade de ela poder ndo estar morta, funcionou para ela voltar & vida neste momento, e por alguns instantes ela teve algumas cores e movimentos. Mas voce acha que isso foi apenas uma maquiagem que eu fiz, uma tentativa intitil, pois acha que sua mae est de fato morta e que sua mie agora é outra pessoa, a sua mie adotiva. Ele fica sensibilizado, comovido. Nao desenha e se mantém em siléncio, com uma expressao sériae triste. Sintoa delicadeza do assunto, Anteriormente passamos por estes temas muito superficialmente, como se fossem parte de uma teoria ou de uma histéria qualquer e ndo de algo dele propriamente. Agora, nao. Percebo que 0 diglogo estava sendo nao somente compreendic, mas muito sentido e que ele estavaemocio- nado. Ficamos alguns instantes em siléncio. Repentinamente, ele passa a falar animadamente de um filme que ‘viu, como que resolvendo mudar de assunto (na realidade uma associaciio ao tema da nossa conversa). Diz que era.um filme passado na guerra e que tinha uma mae e um filho dentro de uma multidio, que empurrava, ‘0s dois de tal forma que os acabou separando, E eles ficaram separados por a guerra toda, durante muitos anos, 0 tempo todo. Um dia, bem no final do filme, eles se reencontraram. E bem no final do filme, dizele, quando os letreiros ja estavam natela, Digo para ele: — Quem sabe isto pode acontecer com voeé, reencontrar sua mile um dia, mesmo que seja daqui a muito tempo. Ele diz.com um tom desesperado: —Mas como? Bla é de Santa Catarina! — Vocés estiio bem longe e separados, como no filme. Ele volta a ficar em siléncio e, depois de alguns momentos, pega uma terceira folha de papel e desenha um homem puxando uma mulher de dentro do mar. A mulher parece sorrir, saindo de um tubo (nascimento?). Est4 incompleta, suas pernas praticamente no aparecem. Digo que me parece serele tentando resgatar sua mie antiga. Ele esté visivelmente emocionado e faz rabiscos circulares em volta da boca desta figura feminina. Muitas hip6teses poderiam ser feitas sobre os possiveis significados destes titimos rabiscos, mas ‘achei que ele nao queria falar mais deste assunto, Entfo, bastante emocionado, quase chorando, ele comeca lentamente a rasgar este tiltimo desenho, ‘Mas rasga somente um pedaco do papel e para, largando a folha sobre a mesa. Eu digo, pensando traduzir seusemtimento: — Estas hist6rias de pai e mae emocionam muito. Talvez seja melhordeixar pra lé. Ele nada responde, Ficamos alguns instantes em siléncio, ambos emocionados. Aviso que a hora tinha terminado. Rotineiramente, quando a hora termina, ele se evanta vai embora,

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