You are on page 1of 39

Sobre o autor

Rodrigo Capella é escritor, palestrante, poeta


e jornalista, pós-graduado em comunicação
jornalística.

Autor de nove livros. Publicou o primeiro,


intitulado “Enigmas e Passaportes”, com
apenas 16 anos, e não parou mais. Ao longo
da carreira, lançou o polêmico “Como mimar
seu cão” e o bem-sucedido “Transroca, o
navio proibido”, que está sendo adaptado para
o cinema pelo diretor gaúcho Ricardo Zimmer.

Em 2007, publicou dois livros: “Poesia não


vende”, que traz depoimentos de Ivan Lins,
Moacyr Scliar, Carlos Reichenbach, Sergio
Ferro, Bárbara Paz e Frank Aguiar, e “Rir ou
chorar”, que desvenda os bastidores do
cinema brasileiro e traz a biografia do cineasta
Ricardo Pinto e Silva.

Capella é também co-roteirista do curta-


metragem “Primeira Vez”, que ganhou dois
prêmios importantes: melhor curta na
categoria voto popular da Mostra Internacional
de Cinema de São Paulo 2006 e menção
especial do júri no Festival de Gramado 2007.

Colabora com vários jornais brasileiros,


escrevendo crônicas, contos e críticas
literárias, e suas obras são, constantemente,
comentadas pelos principais veículos, de
Norte a Sul.

Mais informações:
www.rodrigocapella.com.br
contato@rodrigocapella.com.br
Rodrigo Capella

mistérios em FLORIPA
Capítulo 01

Floripa é sempre uma cidade calma, calma até


demais. Com pitadas de interior e boa
qualidade de vida, parece resistir aos
progressos e à globalização. Essa é a
sensação mais comum que se tem ao retornar
à ilha ou ao visitá-la pela primeira vez. Tudo –
ou quase tudo – parece parar no tempo. E
isso é realmente muito bom: belas mulheres,
paisagens únicas, lindas praias e tudo muito
perto. Por que mudar quando se tem tudo?

A pergunta já é uma resposta, simples, mas


interrompe qualquer objeção. Até porque a
coisa não é tão parada assim: para deleite, a
cidade tem uma coisa agitada: lá a bola
realmente rola e é disputada. Mas, isso só
ocorre mesmo quando os dois principais times
da cidade (Avaí e Figueirense) protagonizam
jogos decisivos – para ser mais exato: em final
de Campeonato Catarinense.

Quem não se lembra as vezes em que isto


ocorreu? Foram várias, com resultados mais
diversos e inexplicáveis. E hoje as diversas
camisas e bandeiras azuis, brancas e pretas
denunciavam: a rivalidade iria decidir mais um
campeonato. No primeiro jogo, deu empate.
Quem vencesse este, se consagraria
Campeão Catarinense de 2020.
Os dois times estavam completos e a torcida
acompanharia os principais craques deste
ano. Os atacantes Leleco e Thomas, do Avaí,
e os zagueiros Idelbrand e Maicom, do
Figueira. Imperdível!

Na véspera do clássico, o técnico do Figueira,


Edmundo Tavares, destacou: “precisamos
parar Leleco. Quero dois jogadores na
marcação dele. Façam qualquer coisa para
parar este jogador. Caso contrário,
perderemos o jogo. Estou avisando”.

Agora, dentro do ônibus a caminho da


Ressacada, Tavares relembrou: “vamos com
força. Parem Leleco. Façam qualquer coisa,
mas ele não pode fazer gols. No último jogo,
demos sorte com o empate. Mas, agora é no
campo dos caras”.

O veículo estaciona, perto do vestiário, e os


jogares do Figueira entram na Ressacada.
Poucos minutos depois, é a vez do Avaí levar
seus jogadores ao Estádio. Como o time havia
treinado um dia antes, não havia motivos para
chegar mais cedo.

No aquecimento, Nonato Neves, técnico do


Avaí, repassava algumas jogadas ensaiadas:
“Matheus, se posicione à esquerda e toque
rapidamente para o Marcilio, que conduzirá
até o meio da área e tocará para o Leleco
abrir o placar. Precisamos desta jogada o
mais rápido possível”.

Antes dos jogadores iniciarem a tradicional


oração, Neves pontuou: “Fiquem de olho no
Leleco, não deixem que ele sofrer uma
entrada dura ou qualquer outro tipo de coisa
durante o jogo. Conto com vocês. Vamos lá
time!!!”.
Poucos minutos depois, Avaí e Figueira
entram em campo. Após a tradicional foto,
com todos os jogadores e cartolas do time, as
equipes iniciam o trabalho com bola. Leleco
está motivado, como nunca. Contratado junto
ao Marcílio Dias, pequeno time do Estado, o
atacante tinha como objetivo chegar à Seleção
Brasileira. Parecia muito, mas o jovem tinha
realmente talento e muito potencial. Defender
o time canarinho era, portanto, questão de
tempo.

O apito inicia a partida e a bola, rapidamente,


é lançada, conforme Neves pedira, para a
estrela do jogo, Leleco. Com muita habilidade,
dribla o goleiro e...... ouve um barulho, algo
muito próximo e estranho. Rapidamente,
coloca a mão no peito, vê sangue e desmaia
dentro do gol adversário. A bola não chega a
entrar.
Mas, afinal, o que aconteceu? A grande
revelação do Avaí acabara de levar um tiro
direto no coração, sem chance de suspiros e
de vida. Por que matariam Leleco? Quem
realmente iria lucrar com a morte deste
notável jogador?
Capítulo 02

Em poucos segundos, a gritaria da Ressacada


se silenciou. Os torcedores buscavam uma
resposta para o ocorrido e não conseguiam
acreditar que Leleco havia sido baleado.
Rapidamente, a partida foi interrompida com
três apitos e a ambulância invadiu o campo,
quase cantando pneu. Optaram por não
utilizar a maca, afinal era completamente
dispensável.

Aos poucos, os jogadores se sentaram no


gramado, um a um, como se estivessem
exaustos em participar de uma partida que
não passou dos dois minutos de bola rolando.
Houve quem desejasse acompanhar Leleco
até o hospital, mas os médicos não
autorizaram. Após o choque inicial, os
torcedores desceram a arquibancada em
direção ao campo, como se fossem invadi-lo.
Mas, não chegaram a concretizar a ação.
O fato é que todos estavam intrigados com o
ocorrido. Afinal, quem havia matado Leleco?
Por que havia feito isso? As perguntas eram
repetidas por vários jogadores, tanto do Avaí
quanto do Figueirense.

O clima de tensão rapidamente aumentou


quando o técnico do Avaí chamou o grupo
para dar a péssima notícia: “Acabaram de me
avisar pelo rádio que o Leleco morreu.
Infelizmente, perdemos um jogador
formidável, que nos fará muita falta. Acho que
ele nos deixa uma grande lição: a de acreditar
nos nossos sonhos. Ele acreditou e se tornou
um grande jogador”.

A notícia rapidamente se espalhou entre os


jogadores do Figueirense, que, por um minuto,
esqueceram-se da rivalidade e trocaram fortes
abraços com os defensores do time
adversário. O que se viu, então, foram
momentos de pura comoção, regados à
lágrimas e falsas esperanças.

A cena do crime, centrada na grande área, foi


rapidamente isolada por autoridades policiais,
que distribuíram pelo local cones e faixas
amarelas e pretas. Isolaram, com isso, o local
do sangue para evitar que alguém se
aproximasse do local onde o atacante foi
morto.

A operação ia ganhando corpo, mas era tudo


muito complicado. Afinal, o que deveria ser
feito com os torcedores? Será que o
assassino ainda estava dentro da Ressacada?
Onde ele poderia estar? Será que poderia ser
encontrado nas ruas de Floripa ou será que já
estava indo rumo ao Rio Grande do Sul?
Dúvidas eram muitas, mas alguma decisão
tinha que ser tomada. Escoltado por diversos
policiais, o Capitão Matos Junior entrou no
campo e logo autorizou: “liberem os
torcedores. Mandem eles para casa. Temos
muito trabalho para fazer. Tirem a imprensa
daqui. Não quero ninguém por perto. Apenas
façam a escolta da Ressacada e me ajudem a
descobrir quem realmente matou o jogador.
Quero uma equipe de balística, quero legistas,
quero investigadores. Vamos pessoal,
vamos!”.

As ordens de Matos Junior foram, aos poucos,


atendidas. O campo foi invadido por homens
de diversos tamanhos, que seguravam uma
infinidade de equipamentos, estranhos e
inusitados. O Capitão passou rapidamente as
últimas orientações e se dirigiu à cena do
crime, levantando as faixas pretas e amarelas
que protegiam o local. Olhou, com a cabeça
para baixo, à procura de alguma resposta. E
não demorou muito para encontrar alguma
coisa: ao lado do sangue, deparou-se com
uma carta de baralho picotada, em tamanho
igual a um polegar. Conseguiu apenas
identificar que se tratava de um ás de
espadas. Pensou: “maldição! Como ninguém
havia descoberto isso antes. O que isso
estava fazendo aqui? Maldição”.
Capítulo 03

Olhando de todos os lados e maneiras, Matos


Junior analisou o ás de espadas. A carta,
muito enigmática, pouco representava e nada
revelava ao Capitão. Guardou-a dentro de um
saco plástico – o mesmo em que guardamos
frutas e legumes cortados em cubos.

Novamente vieram as dúvidas: “o que a tal


carta estava fazendo ao lado do sangue
derramado de Leleco?”; “Por que haviam
matado o jogador?”; e “Será que este crime
tem alguma solução ou será arquivado, como
a maioria dos casos?”.

A primeira iniciativa foi ordenar que a equipe


de balística tentasse localizar de onde
partiram os tiros certeiros. Utilizando
equipamentos dignos de filme de ficção
científica, os quinze homens vasculharam toda
a arquibancada, fizeram medições e
concluíram: o assassino estava em cima do
telhado das cabines destinadas à cobertura da
imprensa. E o mais estranho de tudo: não
havia escadas fixas para conduzirem qualquer
pessoa ao telhado.

Esta e as demais afirmações deixaram Matos


Junior com várias pulgas atrás da orelha: “o
assassino seria um jornalista?”; “seria um
policial especialmente treinado para dar tiros a
longa distância?”; ou ainda “seria alguém que
tivesse raiva de Leleco e que investiria na
morte do jogador?”.

A única certeza de que tinha era que Leleco


não havia sido vítima de bala perdida. Alguém,
por um motivo qualquer, queria o jogador
morto ou fora daquela partida decisiva contra
o Figueirense. Após determinar o local do
disparo, o Capitão ordenou que a equipe de
balística descobrisse qual arma foi utilizada
para o disparo.

Em poucos minutos, o estudo apontou que o


assassino havia utilizado o rifle 7022, de
calibre .22 LR, destinado, na maioria das
vezes, para a caça de animais. O motivo era
simples: a arma oferece ao atirador uma alta
velocidade de disparo, liberando vários tiros
em menos de dois segundos.

O Capitão suspirou aliviado. Afinal, essa era a


primeira pista concreta. Pediu rapidamente
que um dos policiais checasse quais lojas de
Floripa vendiam este tipo de arma. Encontrou
apenas três e, juntamente, com a escolta de
dois policiais, se dirigiu para uma localizada
no bairro de Trindade. Dentro do
estabelecimento, encontrou um homem sujo,
lambendo um pirulito:
- Sou Capitão e estou investigando a morte do
jogador do Avaí. Preciso saber se alguém
comprou um rifle 7022 neste mês.
- Não senhor.
- Não mesmo?
- Não.
- E alguém comprou bala para esta arma?
- Não compraram. Mas, lembro de que um
homem jovem, aparentando uns 40 anos,
perguntou quanto custa. Falei o preço, ele
achou caro e se mandou logo em seguida.

O Capitão acenou com a cabeça para baixo,


agradecendo, e, sem pensar, conduziu o carro
até as outras duas lojas. Na primeira, sem
informações acionais. Na segunda, a
resposta: sim, um homem de 40 anos, havia
comprado balas para o rifle 7022.
Capítulo 04

Um homem de 40 anos? Teria sido ele o


assassino do atacante do Avaí? Mas, qual seu
nome? Por que ele, afinal, tinha um rifle? O
Capitão ficou com essas perguntas vagando
em sua mente, como um trem desgovernado
prestes a cair. O destino não era certo, nem a
passagem era validada. Mas, a essa altura,
não perderia nada em arriscar. E, pensando
assim, o fez, diretamente ao dono da loja:

- Qual o nome do senhor que comprou as


balas?
- Não sei, mas ele era assim.
Em poucos minutos, um papel de pão ganhou
traços de um rosto com cicatriz e bigode. Aos
poucos, a face ganhou também cabelos
longos e piercing no nariz. Era o retrato
perfeito de um maluco!
- Sei que ele mora no centro, perto do
Shopping. Não sei se ajuda, mas não custa
arriscar.

Arriscar era o que o Capitão mais fazia, e com


gosto. A vida, para ele, era uma mistura de
destino e acaso. Portanto, cabia aos seres
humanos o aproveitamento. E foi, pensando
assim, que o Capitão, mais uma vez, tomou a
iniciativa de ir atrás de um suposto criminoso.
O que se viu nas ruas perto do Shopping foi
um homem obstinado a procurar um outro
homem. Obviamente, que, nos primeiros dias,
o resultado esperado não veio. Mas, a
insistência, em momentos como este, colhe
bons frutos ou pelo menos traça o caminho
mais adequado. Ao mostrar o desenho feito no
papel de pão para um taxista, veio a luz:

- Sim, conheço.
- Mora onde?
- É ali.
Disse o homem, apontando para uma casa no
caminho no Morro da Cruz. E lá foi o Capitão,
andando em passos largos. Ao tocar a
campainha, ouve:
- Entre, estava esperando por você.
Capítulo 05

O que se viu a partir daí foi um senhor, de 40


anos, apoiando-se na bengala, ao caminhar
até a porta para permitir a passagem do
Capitão. De saúde frágil – como se pôde ver –
o homem pronunciou a frase “Entre, estava
esperando por você” com uma certa
dificuldade, mas conseguiu dar ênfase à
palavra “você”, o que assustou ao Capitão
logo de imediato.

Afinal, este homem conhecia algum segredo?


Ele conhecia a pessoa que havia matado
Leleco? Era ele quem havia matado o
atacante do Avaí? O Capitão descartou essa
última hipótese. Sabia que era pouco
provável. Com um olhar 360 graus, percorreu
toda a ampla sala do homem de 40 anos. Nas
paredes, pôsteres do Avaí; no sofá, uma
coberta enorme com o logotipo do time da
Ilha; nas janelas, uma cortina modesta e
empoeirada, também fazendo menção ao
Avaí.

O Capitão concluiu que tinha a sua frente um


torcedor fanático pelo time azul e branco. Um
homem que certamente conhecia toda a
história do Avaí e que poderia dar uma
verdadeira aula sobre as principais conquistas
do time. E foi assim que a conversa, meio de
supetão, começou. O homem mostrou foto por
foto, fez comentários e ainda eu um tapinha
no seu peito: “sou Avaí, com orgulho”.

O Capitão, nesta hoje, se arrepiou com


tamanha devoção. Mas, conteve-se e deu um
passo para trás. Não poderia desviar do fato,
não poderia deixar de fazer as perguntas que
lhe trouxe até aquela casa. E iniciou a
conversa, com um ar de mistério, mas muito
paciente para ouvir quaisquer histórias:

- Então, você tem um rifle 7022? E


recentemente comprou munição para ele?
- Sim, é verdade. Aliás, eu tinha. Eu
costumava, até a última terça-feira, caçar com
este rifle, mas sempre em lugar permitido, é
claro. E sempre para a minha alimentação.
Gosto apenas de comer determinadas carnes
e preciso ir à caça, caso contrário não
sobrevivo por muito tempo. Como você vê, a
minha saúde está frágil, pois não caço desde
a última terça-feira.
- E o que aconteceu?
- Estava caçando quando levei uma
coronhada na cabeça e desmaiei. Quando
acordei, o rifle já não estava mais comigo.
- Você viu quem fez isso?
- Não, de fato não. Acordei e olhei ao redor,
mas não vi nada.
- E onde ocorreu isso?
O Homem de 40 anos deu todas as direções e
implorou para que o Capitão recuperasse o
seu rifle. Ressaltou que, sem esta arma,
viveria por muito, muito pouco tempo. Matos
Junior disse que se empenharia na busca e
saiu rumo a uma nova aventura. Desta vez,
para tentar recuperar o rifle. Mas, afinal, o
sumiço desta arma tinha alguma coisa a ver
com a morte do jogador do Avaí? Qual a
ligação? O Capitão sabia que o tempo não
poderia mais esperar e saiu correndo rumo à
direção indicada pelo Homem.
Capítulo 06

Tudo parecia uma grande caçada para o


Capitão. A imagem do rifle 7022 perpetuara
em sua mente, como se fosse o último objeto
que ele gostaria de encontrar. E lá foi ele,
rumo ao local indicado pelo Homem de 40
anos. Sabia que algo estranho cheirava no ar,
mas não se preocupava. O Capitão estava
armado, tinha experiência e senso de ataque
e defesa.

Caminhou, em passos largos, e rapidamente


chegou à área indicada. Lá, em um bar,
observou quando os técnicos adversários – do
Avaí e do Figueirense – riam, sorriam e
tomavam cerveja juntos, como se o crime não
tivesse ocorrido. Estariam os dois envolvidos
na morte de Leleco? Por quê? Por qual
motivo?

As perguntas mais uma vez ocupavam a


mente do Capitão, que ficava intrigado por não
ter as explicações adequadas. Acelerou os
passos e uma casa lhe chamou a atenção por
estar sombria, abandonada e entregue à
sorte.

Matos Junior entrou, sem pedir licença, sem


tocar a campainha, apenas entrou. Apoiado
em uma tábua parcialmente quebrada,
atravessou um buraco, que ocupava metade
do jardim da casa. Acessou a escada, trincada
ao meio, e alcançou a porta. Bastou encostar
os cinco dedos da mão para ela se abrir e um
barulho intrigante ameaçar o Capitão.

Matos Junior olhou ao redor e se tranqüilizou:


era apenas um gato, que mancava, com muito
esforço. Caminhou em direção à sala e lá
encontrou sofás cobertos, janelas trancadas
com cadeados, estantes de livros
empoeiradas e uma bandeira do Brasil
hasteada a meio pau. Que loucura, o que faria
uma bandeira de nosso país dentro de uma
casa? Seria um lunático? Um nacionalista?
Andando em direção aos quartos, sem tais
explicações, começou a se tranqüilizar, por
alguns segundos. Sabia que as respostas
veriam com o tempo, por mais acomodado
que os minutos estivessem.

Ao chegar à cozinha, viu uma sombra humana


segurar algo. O coração a ponto de bala
sinalizou que algo realmente estava errado.
Mas, era tarde, muito tarde. Tentou dar
marcha à ré, mas apenas adiou o golpe
certeiro na nuca, que o fez desmaiar. O que
se viu a partir daí foi um homem grande, gordo
e com dentes pretos, carregar o Capitão até
uma sala escura, quase sem ventilação.
Capítulo 07

O peso da cabeça impulsionou levemente o


corpo para frente. As pernas presas no pé da
cadeira e as mãos amarradas não davam
qualquer chance ao Capitão. Mas, chance –
naquele momento – não era algo que ele
desejava. Matos Junior estava inconsciente há
pelo menos uma hora e dormiria por algum
tempo mais.

Aos poucos, conseguiu distinguir alguns


ruídos e percebeu que três pessoas
aguardavam o seu despertar. Seriam os
assassinos de Leleco? Afinal quem poderia ter
matado o jogador? Por quê? Iniciou um pisca-
pisca nos olhos, como se fosse uma lâmpada
natalina. Mas, realmente acordou quando o
homem gordo direcionou um holofote na sua
cara. O despertar foi imediato.

- Acordou, heim?
- Acho que qualquer um acordaria.
- Não perguntei isso.
- Por que estou preso?
- Calma, quem faz as perguntas aqui sou eu.
O homem gordo esfregou as mãos e disparou
uma sequência:
- O que você faz aqui?
- Sou o Capitão que investiga a more de
Leleco.
- Aquele jogador?
- Isso.
- E você acha que eu o matei?
- Não, não, de forma alguma.
- E por que está aqui?
- Estou investigando também o suposto
sumiço de um rifle 7022.
- Ah tah! Uma boa arma essa. Uso pra caça.

O homem gordo, em seguida, pegou a arma,


um rifle 7022, e apontou para a cabeça do
Capitão:

- Sabe, eu costumo caçar muito, todo fim de


semana, sempre com um grande amigo meu.
- E como ele se chama?
- Hum... Já vi que está curioso...
O homem gordo dispara uma sequência de
risadas e informa:
- Nome não direi. Apenas uma dica: não se
pode confiar muito em quem nos treina.
- O técnico? O técnico do Avaí matou Leleco?
Capítulo 08

No fundo se ouvia mais uma sequência de


risadas do homem gordo. O Capitão reforçou
a pergunta:

- O técnico? O técnico do Avaí matou Leleco?


- Se eu contasse, perderia a graça.
- Mas, me dá uma dica.
O homem afastou a arma, que estava
apontada no rosto do Capitão, deu um passo
para trás e ironicamente perguntou:
- Aceita uma água ou café?
- Aceito, com duas pedras de gelo.
- Gelo?
- Sim, por favor.
- Certo.

O homem se dirigiu até a cozinha. Quando


retornou, o Capitão já não estava mais lá.
Havia soltado, primeiramente, as pernas
presas no pé da cadeira. E, poucos segundos
depois, libertou-se das amarras, que prendiam
suas mãos. O homem gordo apenas riu. Havia
conseguido o que queria: deixar o Capitão
confuso. Mas, por qual motivo? O que ele
realmente queria?
Capítulo 09

O Capitão, em passos largos, desceu a rua,


todo transtornado. Chamou o primeiro taxi que
avistou e deu a ordem:

- Para o Centro de Treinamento do Avaí.


- O senhor tem certeza?
- Claro, por quê?
- É que já é tarde, não sei se terá alguém lá.
- Vamos tentar.
- O senhor é quem manda.

E lá foi o Capitão, dentro do taxi, rumo ao


Centro de Treinamento. Ele precisava falar,
ainda hoje, com o técnico do Avaí para
esclarecer algumas dúvidas. O trânsito na ilha
estava acima do normal. Logo, o Capitão
soube que estavam recapeando uma parte da
Av. Beira Mar. A ansiedade aumentava, tudo
aumentava, o coração disparava. Ele
precisava falar com o técnico do Avaí, o mais
rápido possível.

Depois de longos e longos minutos no trânsito,


chegou ao destino final. Lá, encontrou um
funcionário fechando o portão:

- Preciso falar com o técnico, o técnico do


Avaí, urgente, urgente.
- Quem é você?
- O Capitão que está investigando a morte de
Leleco.
- Ahnnn Você não sabe?
- Do quê?
- Ele se afastou do clube, por tempo
indeterminado.
- Mas, e a decisão contra o Figueirense.
- A justiça adiou, não sabemos quando irá ser
realizada.
- Como eu consigo o celular do técnico?
- Anota ai, você deu sorte, meu amigo,
trabalho no administrativo.

O Capitão discou os números, anotados em


seu caderninho. Acenou para o homem do
administrativo, agradecendo a informação. E,
ali ficou, esperando ser ouvido, ser atendido
pelo técnico. Uma voz feminina atende:

- Alô!
Capítulo 10

- Quem fala?
- Aqui é o Capitão.
- Capitão?
- Isso mesmo. Preciso falar com o técnico do
Avaí.
- Ele não está.
- Como assim? Esse celular é dele!
- Sim, mas não está.

Nesse momento, o Capitão ouve uma voz


masculina. Sabia, tinha a certeza de que essa
mulher estava ao lado do técnico e tentar
esconder algo.

- Eu sei que ele está ai. Passe pra ele, é pro


bem dele.
- Alô, é o técnico, quer dizer ex-técnico
- O que aconteceu?
- Estou no Paraná, descansando desta
confusão.
- E quando volta?
- Sem planos para voltar. E a investigação?
- Cada vez mais crua, sem sinal de mudanças.
Mas,
- Mas?

Nesse momento, o Capitão teve um estalo, as


primeiras peças pareciam se encaixar.
- Mas?
- Deixa pra lá.

O Capitão desligou e saiu correndo....


Capítulo 11

As primeiras peças pareciam se encaixar na


cabeça do Capitão. O rifle 7022 utilizado,
normalmente, para caça, dificilmente mataria
alguém a longa distância. Afinal, o que
realmente havia matado o jogador Leleco, do
Avaí?

O Capitão correu, como sempre gostava de


fazer. Foi em direção ao laboratório da polícia.
E lá foi barrado:

- Como assim não posso entrar?


- O senhor não tem credencial especial. Aqui
só entra com essa credencial.
- Mas, eu estou investigando uma morte.
- Não. Aqui só entra com credencial especial.

O guarda não deixou o Capitão entrar no


Laboratório da Polícia. Tudo parecia, agora,
se encaixar. O mistério, ou melhor, a chave
para solucioná-lo estava dentro daquele
laboratório e o Capitão precisava entrar de
qualquer maneira e o mais rápido possível.
Rapidamente, esticou os seus braços nas
grades e tentou escalá-las. Quando chegou
ao topo, ouviu:

- Ei, ei, ei. O que você faz ai?


Capítulo 12

O Capitão se assustou, quase caiu, ficou


estático, permaneceu sem respirar, por alguns
segundos. Olhou para frente:

- Desculpe, eu estava....
- Desculpar o quê? Você estava se
exercitando, certo?

O Capitão riu:

- Claro, sempre me exercito.


- Venha comigo. Eu posso te ajudar. Mas,
venha rápido.
- Agora mesmo.

O Capitão se aproximou do homem, após


pular toda a grade, desprotegida e alvo fácil.

- Então, quem é você?


- Capitão, sem perguntas. Apenas me siga.
Capítulo 13

O Capitão seguiu a ordem, calado, sem saber


o que dizer. Queria apenas encontrar pistas,
descobrir o mistério que assombrava a ilha de
Floripa. Afinal, quem havia matado o jogador
do Avaí? O que havia realmente acontecido
com o Leleco?

- Capitão..
- Sim.
- Vamos entrar agora no laboratório da polícia.
Você terá cinco minutos para investigar tudo,
encontrar pistas e fazer anotações. Daqui a
pouco, irão trocar o turno e eu irei para casa.
Portanto, corra.
- Obrigado.
- Não agradeça, apenas investigue.

O Capitão tirou fotos, muitas fotos. Também


sacou o seu caderno de anotações e registrou
algumas coisas. Sabia que esse era um
grande passo e que a investigação estava
realmente começando.
Capítulo 14

Com um leve impulso, o Capitão abriu o


sorriso. Havia encontrado o que precisa
encontrar. Uma bala do rifle 7022, dentro de
um pote, todo lacrado, pronto para análise.
Constatou que era totalmente diferente da
bala encontrada no corpo de Leleco. Mas, o
que havia acontecido? Alguém estava jogando
com o Capitão? Tudo isso parecia uma
verdadeira palhaçada!

Caminhou laboratório adentro, atrás de


vestígios, pistas ou qualquer outro tipo de
sinais. Encontrou, grudado na parede, um
bilhete pequeno, mas muito revelador:
“Derrame Cerebral e hipertensão: preste
atenção”.

O Capitão pensou e logo conseguiu ligar os


fatos. Bom aluno de biologia e de química no
período escolar, ele sabia que a mensagem
estava fazendo referência às cobras, mais
precisamente ao veneno delas, utilizado para
combater o derrame cerebral e também para
combater a hipertensão na gravidez. Era um
veneno de combate!! Um veneno de luta e de
morte! Ele abriu um sorriso. O guarda disse:

- Pelo visto já captou a mensagem.


- É verdade.
- Venha rápido, o meu turno, está acabando,
preciso colocar você para fora daqui, rápido,
venha.

O Capitão obedeceu.
Capítulo 15

O Capitão ficou pensando, horas e horas


seguidas, na frase “Derrame Cerebral e
hipertensão: preste atenção”.

Não sabia se as palavras eram verdadeiras ou


falsas, mas tinha leve e firme sensação de
que ela representava alguma coisa. Precisava
agir e, em um impulso grande, mas contido,
ordenou, via rádio, aos seus auxiliares para
que fizessem uma análise precisa e objetiva
do corpo.

O atacante Leleco, do Avaí, estava congelado


no freezer, com um furo no peito, provocado
por uma bala, até então não claramente
identificada. O resultado, depois de algumas
horas de angústia do Capitão, chegou via
SMS – coisas da modernidade.

- Sério? Não diga! Envenenado mesmo?


- Foi veneno de rato. Provavelmente, colocado
na comida ou em algo que ele bebeu antes de
entrar em campo.
- E o tiro?
- Esqueça, foi só para disfarçar. O Leleco foi
envenenado.

O Capitão abriu um sorriso. Não era veneno


de cobra, mas de rato. A mensagem estava
parcialmente certa!
Capítulo 16

Tudo parecia fazer sentido, tudo parecia se


encaixar. O Capitão estava vivendo bons
momentos – pelo menos, até assistir ao
noticiário:

- Jogadores do Avaí entram em greve. Eles


cobram uma resposta para a morte do
principal jogador do time, Leleco.

O Capitão pôs a mão direita na testa. Refletiu:


“tudo que está ruim pode pirar”. E piorou
mesmo:

- Tentamos falar com o Capitão, que investiga


o caso. Mas, ele preferiu não falar.

Era mentira! O Capitão não havia sido


consultado. Alguém, de dentro da polícia,
estava tentando atrapalhar as investigações.
Mas, quem? Correu em direção à emissora de
televisão.
Capítulo 17

Na emissora, o Capitão encontrou um velho


amigo. Nos tempos de faculdade, ele e
Tavares eram “unha e carne”, grandes irmãos
verdadeiros. A relação, obviamente, causava
inveja nos outros. Afinal, na vida, qualquer
coisa boa e duradoura causa inveja. Capitão
não precisou perguntar; Tavares deu a letra:

- Querem acabar com você. Fique alerta.


- Quem?

Tavares contou, tudo, com a maior


sinceridade. O Capitão registrou em seu
caderno, cada palavra, cada suspiro do amigo.
Anotou também o nome dos eventuais
suspeitos. Eram poucos e um deles era o
verdadeiro assassino. O Capitão tinha certeza!
Capítulo 18

O leitor diz:

“Esse livro acaba ou não acaba? Estou


curioso para ler o final. Daqui a pouco eu vou
pegar o rifle e.....”.
Capítulo 19

Faltavam poucos detalhes, muito poucos. O


Capitão tinha quase certeza de quem havia
matado Leleco, o excelente atacante do Avaí.
Precisava, somente, dar um pulo até a sede
do Figueirense, clube rival.

E sob um sol escaldante, foi isso que fez. Lá,


conversou com os principais jogadores do
clube – que atuaram naquela fatídica partida -,
mas que agora estavam sem jogar há vários
dias - o campeonato estava interrompido.
Em um ato brutal, levantou o técnico do
Figueirense e o empurrou contra a parede,
assustando os demais jogadores. Disse e
repetiu:

- Eu sei de tudo. Eu sei de tudo. Vou tomar


minhas providências!
Capítulo 20

O Capitão disse mais uma vez:

- Eu sei de tudo. Eu sei de tudo. Vou tomar


minhas providências!

Empurrou novamente o técnico do Figueirense


em direção à parede. Desta vez, com mais
força. Mas, foi interrompido pelos jogadores,
que seguraram o Capitão pelos braços.

Soltaram, poucos segundos depois, deixando-


o livre para correr e fazer o que disse: tomar
as providências.
Capítulo 21

O Capitão se remexeu na cama, indo


literalmente de um lado para o outro. Suava
frio, as mãos tremiam, mordia os lábios.
Olhava para o teto, onde as estrelinhas –
recordação de sua infância – brilhavam
intensamente.

Estava naturalmente confuso. Avaí,


Figueirense, rifle, jogo de futebol e outras
coisas mais. Mexeu-se novamente na cama.
Em um impulso acordou, passou a mão no
rosto e suspirou:

- Ufa!

Virou para o lado e dormiu novamente,


torcendo apenas para não ter outro pesadelo.

You might also like