Este ano apeteceu-me semear searinhas como na minha infância.
Isto é, comprei trigo e espalhei os bagos em pires de barro
até dentro de um búzio reguei-os e fiquei ansiosamente a senti-los levedar. Todas as manhãs me tenho precipitado para ver como cresceram durante a noite e para os borrifar com a boca como dantes fazia. Quando eu era menina não havia árvores de Natal: armávamos o presépio em chão de cortiça e musgo onde a searinhas espigavam a sua verde verdade. Povoar esse pequeno mundo saído de nossas mãos com figurinhas de barro algumas por mim moldadas tinha um sabor a milagre. Sentia que o Menino Jesus nuzinho nas palhas era sobretudo filho do pequenino ventre dos inúmeros grãos de trigo que eu tinha visto inchar e depois lançar raízes e rebentos. Também enfeitávamos o presépio com "cabeleiras", de sementes de ervilhacas mantidas no escuro para saírem brancas como a neve essa neve que não havia no meu Sul natal. Quando eu era menina não havia Pai Natal: os presentes eram postos pelo Menino Jesus no sapatinho que na véspera se deixava na chaminé e cabiam lá todos porque eram poucos e por isso mais amados. Agora o Pai Natal é um palhaço triste porque não faz rir nem pertence a circo nenhum. Agora é tudo de plástico até a Arvore de Natal que se guarda de uns anos para os outros. No meu computador um Pai Natal saltitão a fazer gaifonas oferece-se para levar as Boas Festas por correio electrónico. Agora até as Boas Festas são electrónicas! Que saudades do meu Menino Jesus a tiritar nas palhas aquecido pelo bafo do burrinho e da vaca e do presépio da minha infância alumiado por uma lamparina de azeite enfeitado com searinhas, "cabeleiras", tangerinas e laranjas!