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1. Introdução
Neste artigo, descreve-se o processo de desenvolvimento do roteiro de um jogo
computacional em três dimensões (3D), em desenvolvimento no departamento de
Informática da Universidade.
Na disciplina de algoritmos e programação tem sido constatada nos alunos uma
grande dificuldade em apreender os mais básicos conceitos de lógica, o que leva os
professores envolvidos a uma constante busca por metodologias facilitadoras. Estudos
direcionados à utilização de jogos computacionais no aprendizado vêm sendo feitos por
vários pesquisadores (CHAVES, 2008; CLUA, 2004; MENEZES et al, 2008). O campo
de entretenimento digital, segundo Chaves e Barros (2008), pode gerar recursos para
enriquecer a prática pedagógica e incentivar os docentes a usar o potencial lúdico dos
jogos em sala de aula. O atrativo dos jogos, em uma primeira avaliação, pode ser
interpretado pelas suas características mais conhecidas: ludicidade, apresentação de
desafios, competitividade. Tal motivação deu origem a uma pesquisa cujo objetivo
principal é desenvolver um jogo educacional que permita interação e imersividade, ou
seja, possua as características de um jogo desafiador e atraente ao usuário e que
potencialize o aprendizado de conceitos básicos de algoritmos e programação.
Na seção 2 apresenta-se o embasamento teórico onde o grupo buscou apoio para
desenvolver o roteiro do jogo, na seção 3 discorre-se sobre o resultado de uma pesquisa
realizada para definir o tema do jogo e na seção 4 são analisados os resultados da
pesquisa. Já a seção 5 descreve o roteiro criado e a seção 6 refere-se às considerações
finais desta etapa do trabalho de pesquisa.
2. Revisão bibliográfica
A criação do roteiro de um jogo envolve técnicas de uma área específica e mereceu um
estudo especial, através do qual se buscou encontrar subsídios para o desenvolvimento de
um roteiro adequado ao objetivo do jogo. Esta seção apresenta uma síntese destes estudos.
Um passo importante, para dar início ao processo de elaboração do roteiro,
consistiu em entender claramente o que é e o que não é um jogo. Inicialmente, buscando
uma abordagem antropológica, tem-se em (HUIZINGA, 2004) a avaliação do jogo como
um elemento intrínseco na cultura humana e além dela, uma vez que também os animais
desenvolvem atividades lúdicas: “...mesmo em suas formas mais simples, ao nível animal,
o jogo é mais do que um fenômeno fisiológico. Ultrapassa os limites da atividade
puramente física ou biológica. É uma função significante, isto é, encerra um determinado
sentido”. Segundo o mesmo autor, um jogo não deve ser uma atividade obrigatória, joga-
se pelo prazer de jogar; deve possibilitar absorção, conduzindo a uma esfera “faz de
conta”, absorvendo completamente o jogador; deve produzir isolamento, possuindo seus
próprios limites de tempo e de espaço. Para o autor “o jogo cria ordem e é ordem”, criando
uma “perfeição temporária e limitada” na imperfeição do mundo real e facilita a formação
de comunidades de jogadores, que compartilham segredos e possuem “a sensação de estar
separadamente juntos”. (HUIZINGA, 2004).
Tais características reforçaram no grupo de pesquisa a certeza da validade de produzir
e testar um jogo computacional como ferramenta de ensino na área específica de
algoritmos, considerando basicamente as características fortemente construtivistas
inerentes às abstrações necessárias para apropriação de conceitos básicos da lógica de
programação.
Diminuindo a abrangência alcançada pela abordagem semiótica e buscando um
enfoque particular em jogos computacionais, um dos primeiros autores a pesquisar suas
características foi Chris Crawford (CRAWFORD, 1982). Segundo o autor, os games
possuem quatro características intrínsecas e comuns a todos os tipos de games:
representação, interação, conflito e segurança. A primeira característica é resultado da
modelagem de um sistema formal fechado e auto-suficiente para representar a realidade
onde a ação se desenrola. As regras, portanto, são parte fundamental do sistema. Ao jogar,
o usuário percebe o game como representativo de seu mundo imaginário:
O jogo representa algo da realidade subjetiva, não da objetiva. Jogos são
objetivamente irreais e não recriam fisicamente as situações que representam,
embora sejam subjetivamente reais para o jogador. CRAWFORD, 1982).
Desta forma, é através da fantasia do jogador que uma representação objetivamente
irreal é transformada em outra, subjetivamente real.
Outra característica que define os games é a interatividade. Consiste na possibilidade
de que ações do usuário provoquem reações do sistema, criando uma situação típica de
causa e efeito. Esta é a característica mais importante para delimitar uma atividade como
um game ou não e que a diferencia, por exemplo, dos filmes, que apresentam sua história
numa seqüência de acontecimentos, sugerindo situações de causa e efeito, onde não é
permitida a intervenção de quem acompanha a história. A interatividade presente no jogo
permite sua utilização por várias vezes, devido às diferentes alternativas programadas,
especialmente para desafiar o usuário e envolvê-lo em ações do contexto do sistema.
O conflito deve estar presente no jogo, a presença de desafios e a possibilidade de
interagir com o sistema para superá-los reforçam a sensação de imersão no meio digital,
aproximam o jogador de seu personagem e facilitam a interiorização subjetiva.
Como última característica, a segurança, que permite ao usuário do jogo vivenciar
psicologicamente o conflito, livre de riscos e experimentando todas as opções que o
sistema oportuniza.
Um game, para ter sucesso necessita ter sido planejado e inspirado nestas
características básicas. Segundo (RABIN, 2005) “um grande game é uma seqüência de
desafios interessantes e cheios de significado feitos pelo jogador com o propósito de
atingir um objetivo claro”.
Salientam-se nesta definição duas palavras: escolhas e objetivo. O objetivo final de
um game deve ser conhecido previamente e geralmente é apresentado no início para que o
jogador possa apropria-se da história que deu origem à narrativa e ter sua primeira
oportunidade de participar da realidade subjetiva, embora ainda sem interatividade. Em
(RABIN, 2005) o autor aprofunda a análise sobre a série de escolhas que um game, por ser
interativo, deve apresentar, enfocando a busca por projetar um sistema atrativo, motivador.
A Figura 01 representa a inexistência de escolhas, ou seja, caracteriza um filme, mas não
um game. Já a figura 02 apresenta uma estrutura que projeta uma seqüência falsa de
escolhas, pois a opção por qualquer uma delas conduz ao mesmo resultado.
Uma outra forma de estruturação como a da Figura 03, onde cada escolha feita leva a
outra infinitamente, é inviável, pois existem sempre limites computacionais a serem
considerados.
5. Roteiro do Jogo 3D
A partir das pesquisas realizadas, produziu-se o roteiro descrito a seguir, baseado na
sugestão para elaboração de projeto de roteiro proposta em (E017 — Criação de Games,
2005) e em BATTAIOLA, 2004.
5.1 Objetivo: desenvolver um jogo que auxilie na abstração dos conceitos básicos de
algoritmos, como variável simples, variável estruturada homogênea (vetores), comandos
de seleção e comandos de repetição. O jogo deverá proporcionar situações de desafio que
permitam, intuitivamente, relacionar as ações para resolver os desafios com as ações para
resolver algoritmos.
5.2 Número de jogadores: 1 (um).
5.4 Gênero: educacional, estratégia.
5.5 Plataforma: produção de um software livre, utilizando a ferramenta Blender
suportada pelas plataformas: Windows, Mac OS X, Linux, FreeBSD e Sun Solaris.
5.6 Personagens: como protagonista, uma locomotiva a vapor e, como antagonistas,
animais diversos e dificuldades advindas de condições climáticas.
5.7 História: O jogo deverá apresentar ao usuário a missão de entregar mantimentos em
uma aldeia indígena distante, isolada pelas conseqüências de um inverno rigoroso. A idéia
para o roteiro baseia-se em buscar uma analogia entre vagões do trem com espaço em
memória para armazenagem de dados e percurso do trem com fluxo de execução em um
algoritmo. Durante o percurso, outros conceitos como comandos condicionais e de
repetição serão apresentados aos usuários.
5.8 Objetivo final: o personagem tem como objetivo entregar a maior carga possível de
mantimentos na aldeia dos índios, quanto maior a carga, maior a pontuação final. Inerente
a este objetivo o jogo deve possibilitar ao usuário a abstração de conceitos básicos de
algoritmos de forma lúdica e visual.
5.9 O trajeto dos trilhos e os obstáculos: a figura 09 apresenta um desenho esquemático
dos trajetos e dos obstáculos previstos. A numeração indica as diversas situações desafio
que são a seguir detalhadas.
Arma Resultado
Fumaça Médio desempenho
Atirar Mantimentos Alto desempenho
Acelerar o trem Baixo desempenho
Fumaça e aceleração Alto desempenho
10. Ao atingir esta posição no mapa o trem encontra como desafio uma quantidade de
neve sobre a pista que será variável em função do tempo de percurso gasto para atingir
este ponto do jogo. Os limites de tempo determinarão três crescentes volumes de neve,
conforme tabela 4.
Tabela 4 – Desafio da neve nos trilhos - Fonte: os autores
Arma Resultado
Fumaça Para obter resultado satisfatório deve ser usada uma quantidade
proporcional ao peso do animal
Mantimentos Para obter resultado satisfatório deve ser usada uma quantidade
proporcional ao peso do animal
Fumaça e Mantimentos O uso simultâneo será permitido.
12. Neste ponto do jogo o inimigo é um crocodilo e os desafios possíveis bem com sua
resolução são iguais à situação do ponto 11, já especificado.
13. Da mesma forma, o desafio é relativo à presença de um gorila envolvendo as
variáveis e soluções descritas para o ponto 12.
14. Desafio similar ao ponto 10 do mapa.
Relativamente ao trecho onde ocorre um aclive acentuado, a conseqüência de sua escolha
é um maior gasto de combustível.
5.10 Regras de deslocamento: a locomotiva somente poderá andar para frente, para
esquerda e para direita, sobre os trilhos.
5.11 Ambiente do jogo:
O jogo será apresentado com visualização em 3D, ambiente externo, representando
planícies, montanhas, florestas. A atuação do usuário será em terceira pessoa. A
locomotiva será no estilo antigo, a vapor, puxando vagões de carga abertos.
5.12 Interface
Além da visualização do cenário e atores em 3D, deverão ser apresentados de forma
subjacente à ação as informações referentes ao total disponível de combustível e
mantimentos e o tempo decorrido desde o início do jogo. Apresentar também um painel
onde o usuário encontrará as opções para sua atuação no jogo.
6. Considerações Finais
O jogo encontra-se atualmente em fase de modelagem dos cenários e atores e
programação das interações e animações previstas, com previsão de encerramento em
meados de dezembro de 2008. Durante o 1º semestre de 2009 deverá ser realizada a fase
de testes e a fase de validação da sua utilização em turmas de Algoritmos, a fim de
analisar se os objetivos propostos foram atingidos: usar jogos computacionais como
processos lúdicos e de motivação no aprendizado de conteúdos.
Referências Bibliográficas
BATTAIOLA, André Luiz ; MARTINS, Flavio Eduardo ; DUBIELA, Rafael Pereira. Roteiros
Participativos para Jogos de Computador. Anais do Simpósio Brasileiro de Jogos de Computador
e Entretenimento Digital. Curitiba / PR. 2004.
CHAVES, Heloísa N. C.; BARROS, Daniela M. V. Ambientes digitais interativos e o potencial
pedagógico. IV Seminário de Jogos Eletrônicos, Educação e Comunicação – construindo novas
trilhas. Salvador/BA, 2008. Disponível em http://www.comunidadesvirtuais.pro.br/ seminario4/
trab/hncc_dmvb.pdf, acessado em setembro, 2008.
CLUA, Esteban W. G.; BITTENCOURT, João Ricardo. Uma Nova Concepção para a Criação de
Jogos Educativos. Anais do 15º. Simpósio Brasileiro de Informática na Educação, Manaus/AM,
2004.
CRAWFORD, Chris. The Art of Computer Game Design. Versão eletrônica autorizada para acesso
público da obra publicada em 1982. Disponível em
http://www.vancouver.wsu.edu/fac/peabody/game-book/Coverpage.html#top,
PERUCIA, Alexandre Souza, et al.. Desenvolvimento de jogos eletrônicos : teoria e prática. São
Paulo : Novatec, 2005.
RABIN, Steve (Ed.). Introduction to game development. Hingham: Charles River Media, 2005.