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Peter Pal Pelbart VIDA CAPITAL Ensaios de biopolitica TLUMI/URAS Copyright © 2008; Peter Pil Pelt Copyright © desta eda: Fora tannins La Capa re Pudi A Gara Anarea sot ftugramas do filme inventri das pegucas mortes(Sopro) ‘de Cao Guimaries Rivane Newenschwander 2000 (supe 8 dia, CConesia Galeria Forte Vilaga Revisio: Avialne Escobar Branco Filmes de capa: Fast Film Editor Fotoito Composigao ¢flmes de miata: minuras| ISBN: 85-7321-203.9 2003 EDITORA ILUMINURASLTDA, ‘Rua Oscar Freie, 1233 - 01426-001 - Sdo Paulo - SP - Brasil ‘Tel: (Oxxt1)3068-9433 / Fax: (Oxxl1)3082-5317 ‘luminur@iluminuras.com.br ‘wwe iluminuras.com.br PROLOGO A defesa da vida tornou-se um lugar-comnm. Todos a invocam, desde os que se ‘soupam de manipulago genética até os que empreendem guerras planetdcias. Alguns vvéem nas formas de vida existentes ¢ na sua diversidade um reservatério infinito de luero e pesquisa; outros, um patrimOnio inalienavel da humanidade, Alguns deploram. que a vida tenha sido decomposta e recombinada “artificialmente” a ponto de seu eonceito mesmo tet sido volatizado; outros celebram que tal “desnaturalizagao” abre ‘Via, por fim, para novas formas de “pés-humanidade”, Esse debate inconeluso & 0 sintoma, talvez, de um paradoxo que esté no cere da condighio contemporinea, Por um lado, a vida tornou-se 0 alvo supremo do capital. Por outro, a vida mesma tornou-se um capital, seniio “o" capital por exceléncia, de que todos e qualquer um. dispdem, virtualmente, com consequéncias politicas a determinar, Vida capital parte dessa situag3o paradoxal, onde se confundem as linhas de dominagao e de liberagio, de controle ¢ de escape, de comando e de resisténcia — ide vida e de morte. Pois é inegdvel: nunca 0 capital penetrou tio fundo e to longe ‘no corpo ena alma das pessoas, nos seus gens e na sua inteligéncia, no seu psiquismo no seu imagindrio, no niicleo de sua “vitalidade”, Ao mesmo tempo, tal “vitatidade” tomon-se a fonte primordial de valor no capitalismo contemporineo: a produga0 Imaterial seria impensavel sem a forea de invengiio disseminada por toda parte. Reservat6rio inesgotivel de gens e de idéias, de invengao e de recomposigbes, a vida ¢, ufinal, um “capitat” comum. Ao menos em tese pertencente a todo mundo, & a Vida que serve de ponto de apoio dltimo para novas Tutas ¢ reivindicagbes coletivas. {Essa situagdo ambégua foi tematizada embrionariamente por Michel Foucault jé tem meudos dos anos 70. Muito cede ele intuiu que aquilo mesmo que o poder investia brivritwiamente —a vida —era precisamente o que doravante ancoraria a resistencia wele, numa reviravotta inevitivel. Mas talvez ele nfo tena levado essa intuigo até As tllimas conseqtiéncias. Coube a Deleuze explicitar que a0 potter sobre a vida (hiupoder) deveria responder o posder aa vida (hiopolgacia) a potGneia “political” da Vida, nt ined cme que eh tay varie sins formas, ¢ reinventa sims eoordenadas de chmiteiig (© Fiysos que 6 eter fem eat anne psivae eras nas vi, ae a fia Mobius: » poutet vole u vidi, 1 poteucia da vid, O dislogo privilegiady cons an spe de too 8s mijoritarianiente dt Autonom a, tais como Negri ¢ Lhavaraite, ms também Agamben, deve-se ao fato de que eles souberam ‘unsin sinttancamente nessa duas diregdes, operundo semi maniqueismos o lepado Mlosatico e polttive de Moucautt ¢ Deleuze-Guattari no contexto concreto do ‘cupitalisno vontemporiines, Mus os textes cut reunidos nfo se restringem a esse Ambito teérico ¢ a esses "mates. les espondem 3 tentagio dei testando o paradoxo mencionado em dominios s, tals Como um projeto de intervene cultural na cidade, uma uve filos6tiea com poreos, una companhi teatral composte por portadotes Wo pstyuico, um colsquio sobre Aids organizado em favor de um amigo ‘ouios eles, porém, algumas perguntas se repetem: O que significa vide hoje? ‘Oque nignitica poder sobre a vida? Como entender potBacia da vida, nesse contexto? (O que significa que a vida tomou-se um capital? O que uma tal situagao acareeta, do bpanty de vista politico? De que dispositivos concretos, minésculos e maiisculos, «ixpoes hoje para transformar o poder sobre a vida em poténeia da vida, sobretudo texto militarizado? Como isso se conecta com o desafio urgente de rpinventar comunidade? Como tsis perguntas redesenham a idia de resistencia hoje, nos vito somnios O thtulo deste livro nio pretende reduzir 0 carster paradoxal dessas questdes ¢ a ‘multiplicidade de Ambitos em que elas sdo elaboradas. Mesmo a palavra vida mo woe yer redizida a.um sentido univoco — deve ser remetida ao rizoma material ¢ ‘inaterlut que u constitui,seja ele biopsiquico, tecno-social ou semistico, no interior ie ui agenciamento complexo, Quanto ao subtitulo,é preciso dizer que a termo de lupolitien fove um destino também paradoxal. Lancado por Foucault num sentido cattlen, emetendo 2 uma modalidade de poder e de governo sobre as populagig, ‘cubou ussumindo nos sltimos anos, sobretudo na pena dos autores italianos Imencionucdos, um sentido inverso, positivo, mais abeangente ¢ até liberador, em aluxdo 2 vitalidade social © sua poténcia politica. E nesse arco tenso embutido no {erm biopoltica, que vai da “biopoltica maior” sa que alguns chamam de “biopolitica ‘menor, que transitam os textos desse volume, {sta coleténea 6 composta por ts tipos de texto. O primeito (Partes I, Ve VI) ‘consiste de falas pablicas, em contextos distntos, algumas ja publicadas em revistas ‘ou volelineas diversas — todas remanejadas ou desdobradas para as necessidades Ussia cdigdo, O segundo (II € II) € feito de notas de Ieitara ni destinadas em Pine(pio a publicacdo, em que acompanho de perto a contribuigo de alguns autores ‘amo Foucault, Agamben, Pearson, sobre as relag6es entre poder e vida, captalismo «© subjetividade, Por fim, hi as resenhas publicadas em revistas ov na imprensa (VIL Hus preity, het come Has de ciretstOneia eae argtlighes ke itor © surpreendem ll onde ele menos espe {aur de reconhweer que & conjunta é desigual, na form: fora Ue testermunho e de evocagdo, ou na eficdcia, conceitual ou tloyevitiva, NB hf como ser diferente. Apesar do fio temstico que atravessa € amarra Uo ivio, no pereurso de sua feitura se entrecruzam os ziguezagues de um trajeto, os efeitos do LI de setembro, embates micropoliticos, leituras dispares e tentagdes ‘utltplas, Nao se tentou, em momento algum, propor uma sistematizagio acabada W relagio as problemas evocados, mas parlharintigBes, pistes, elaboragSes ‘embrionsrias, por repetitivas que me parecessem (e ndo faltam pequenas repetigoes, ‘numa fungo quase que de ritornelo), na certeza de que © que aqui esta escrito & ‘pena 1 antenagem singular, parcial ¢ proviséria de uma elaboracio coletiva em andaimento, A ambiglo modesta desse liveo € introduzie o leitor, minimamente que scja, ao feixe de problemas ¢ embates nos quais o autor &, ele também, apenas um perplexo aprendiz. Umm livro como esse seria impensével sem as iniimeras parcerias das quais ele € Tuto, Praticamente cada texto foi elaborado no caldo de uma amizade, de uma associagio, de um dispositive grupal, de uma iniciativa conjunta, de um empreendimento puilico, seja de natureza estética, cultural, clinica, politica, e6rica ou universitéria. Nao pretendo que esses texts falem em nome de um coletivo (qualquer. Contudo, gostaria que essas configuragSes coletivas que estio na sua arigem, por mais precérias, temporirias, mindsculas ou invisfveis que fossem, tivessem deixado nesses textos sua forga e sua marca. Em todo caso, um texto no passa disso: uma pequena pera no interior de um agenciamento coletivo de enunciagio. Assim, a retribuigo maior que eu poderia almejar para com as parcerias que esto na origem esses ecos escritos consistria em ver cada texto devalvido as maitiplas vozes que 0 ‘compdem. Parte | A VIDA (EM) COMUM PODER SOBRE A VIDA, POLENCIAS DA VIDA © Impetador da China resolveu construir uma moratha que contornasse 2 Ameusican do Impétio e o protegesse contra a invasdo dos némades vindos do None ‘Tal eonstragto mobilizou a populagZo intia por anos fio, Conta Katka que ela fi tinprecndide por pares: um bloco de pedca era erguide aqui, outro ali, mais um teal, © no necessariamente cles se encontravam, de modo qus entre im € outro prrlago construldo em regibes deséticas abriam-se grandes brechas, Tacunas fulloméricas.! O resultado foi uma Muralha descontinua cuja 15g tniendia,jé.que elando protegia de nada nem de ninguém. Talvez apenas os noma, fi sua circulagio ewstica pelas frontciras do Império, isham alguina nogio do onjunto da cba, No entano, todos supunham que a canstagzo obedsseste am Pluno rigoroso claborado pelo Comando Supremo, mas ninguém sabia quem dele fazia parte equais seus verddeirosdesignios. Enquanto isso, um sapatiro residente fom Pequim relatou gue j havi ndmades acampados na praga central, a eu aber, dinnte_do Palécio Imperial, € que seu nmero aumentava a cada dia? © proprio Imperadorapareccu urna ver na janelapsra espa a agilasao qu ees provocavann.O Império mebiliza todas suas forgas na construgdo da Murali coutsa os némades, mnuseles ji eso insalados no coraco da capital enquantoo Imperador todo poseros0 ‘um prisioneire em seu priprio palicio, Tafa d& poucas indicagdes sobre os ndmades. Eles tem bocas escancaradss, dentes afiados, comema came erua junto a seus cavalos, falam como gralhas,reviram tp olhos e afiam coastantementc suas faas, Nao parecem tec a infencio de tomar de thealtoopalicio imperial. Eles desconhecem: os costumes locas imprimem &capital fem que se infiltcaram sua esquistice. Ignoram as leis do Smpéro, parecem ter sua propria ei, que ninguém entonde. Eumale-esqizs, cizem Deleuze-Guattar talvez TT RAPKA: Fin, “Durane @ eonstrgdo da Murtha 8 China’, in Navrasione do epi, Moe Neurone (ond), Sto Paul, Cin. as Leta, 202 2) RAE RA, Rone Ua ftha sign” (exo complomentar 0 “Duran x eoasrogao da Mos ‘Chinn in Un midi rural Meso Cerne {0 Cla. dan Lc, 199, 4) DELBUZE. Giles @ GUATTARL Fen. Kao — Pur ua Gtertira mevor, Ri de Soe, ni Wa frente € xo tmesMMO feNIpE fe sea onivw « fora, da conversa, dt Familia, da eidade, dat economia, ct cult lingaayem, Ocupa ain feritério mas ao mesmo tempo o desmancks, dificilmente ‘cuts em contionio cirete com aguila que recusa, no aceita a dialética da oposig ‘gue sabe subinetiia de antemso no campo do adversario, por isso ele desliza, escorrey, recust # jogo 0M subverte-lhe o sentido, coméi o proprio campo e assim resiste 3s injungéies dominantes. O némade, a exemplo do esquizo, é 0 destermitorializado por cexvelGneia, aguele que foge ¢ faz tude fugit. Ele faz da prépria desterttorializagao tu lettt6rio subjetivo. sempre Como pode o finpétio Fidar com um territirio subjetivo tao fugidio? Mas como pode ele deixar de lidar precisamente com isso? Por mais que um Imperador tenha Muralhas concretas a construir, Império algum pode ficarindiferente aessa dimenstio subjetiva sobre a qual ele so assenta primordialmente, sob pena de esfacelar-se — 0 que é ainda mais verdadeiro nas condigSes de hoje. De fato, como poderia 0 Império ‘tual manter-s¢ caso ndo eaptorasse o desejo de milhbes de pessoas? Como conseguiria ‘ele mobilizar tanta gente caso no plugasse o sonho das multides a sua megaméquina planetétia? Como se expanditia se no vendesse a todos a promessa de uma vida Jnwvejvel,sesura, feliz? AFinal, oque nos €vendido o temapo todo, senio isto: manciras de ver e de sentir, de pensar e de perceber, de mortar e de vestie? © fato & que ‘consumimos, mais do que bens, formas de vida — e mesmo quando nos referimios apenas aos estratos mais carentes da populagdo, ainda assim essa tend&nciag erescente. “Através dos fluxos de imagem, de informagio, de conhecimento e de servigas que ‘acessamos constantemente, absorvemos maneiras de viver, sentidos de vida, ‘consumimos toneladas de subjetividade. Chamé-se como se quiser isto que nog rodeia, ‘capitalise cultural, economia imaterial, sociedade de espetdculo era da biopolitica, fo fato & que vemos instalar-se nas tltimas décadas um novo modo de relagio entre o capital ¢ a subjetividade. © capital, como o disse Jameson, por meio da ascensio da ridia ¢ da indtistria de propaganda, teria penetrado e colonizado um enclave até entio aparentemente inviolivel, o Inconsciente. Mas esse diagndstico & hoje insuficiente. Ble agora nfo s6 penetra nas esferas as mais infinitesimais da existéncia, mas também as mobiliza le as pe para trabalhar, ele as explora e amplia, produzindo uma plasticidade subjetiva sem precedentes, que 40 mesmo tempo Ihe escapa por todos 0s lados. © Iurério womapizan0 omp ja mw» faci io contemsporiiico, liferenter rats 10 le do Impérie ehings do conto de Katka, vy 1 talercin ta Toye a Stale, © Kooper ne emia ce juctdiew a womnaaizngae Alernstunran ena eompletamente. Ou melt eneralizauls, Hke mesa de elovilade, Ausxos de capital te de bens te Ae pessoas * Car qe a ado circua ca anes amet pv pare Hes a jas. Q wove capitalism cm rede, que oa pespuasit pt deal civentagto ae Huxes de toe orden uo seiner textnacn dessa cculaygdo os mesmos bet is eamexdes, a moveneia, a fluidez, prod. nova Formas de exp fexclusin, nove elites e€ novas misérias, © sobretudo uma nova angsty to, © que Caste chamou de desfiiagio,e Rifkin de desconescin "A aw tle sor desengatady —~ sabemos que a maioria se encontra ness eon dlesplugamenioefetive da red, O problema se agrava quando o direto ce sve! redex, como diz Rifkin (e agora trata-se no s6 da rede no sentido estito, tw wsly f informatica, mas das redes de vida num sentido amplo) migra do Zhi sa puto imbito comercial. Em outras palvras: se antes a pertnGncia in wil dk entido e de existéncia, aos modos de vida 20s terstGrios subjetivas deywanta de triGrios intrinsecostais como tradigbes, direitos de passagem, relagGes se counnihul t trabalho, eligiéo, sexo, cada vez mais esse acesso é mediado por pecigion eh Impagaveis para uma grande majoria” © que se ve entio é wma exprony ‘tedes de vida da maioria da populagdo pelo capital, por meio de meca Inventividade ¢ perverstio parecem itimitadas. winner a de Mas nilo deverfamos deixar-nos embalar por um detecminismo tio apoeale» quote complacente.Paafraeando Benjamin, seria preciso escovar esse pri fontapelo, examinar as novas possibilidades de reversio vital que se mutiny ene eontexto, Pois nada do que foi evocado acima pode serimposto unilateral de cima para baixo,j& que essa subjetividade vampirizada,essis redes de seat tpropiadas, esses teritirios de existénca comercialzados, estas formas le vil Siadas no constituem uma massa inerte © passiva & mercé do capital, nn shi onjunto viva de esraégias. A partir da, sera preciso pesguntarse de que nai fo interior dessa megamaguina de produglo de subjetividade, surgem Hovis podalidades de se agregar, de trabalhar, de crit sentido, de inventar disposiivos valorizaqao e de eutovalorizagio, Num capitalismo conexionista, que funciona fase de projetos em rede, como se viabilizam outras redes que nfo as comand plo capital, redesautOnomas, que eventualment cruz, se deseolam, inlet ol valizam com us redes dominantes? Que possiblidade restam, nessa conjunc tk Grou NEGRI, Avonio« HARDT, Miial Inpro, ioe Jer, Resort 2000 Vr sex te hu oss texto “Impeca ¢ Biopotoso" na Pate yp. 8 de eo, MCE NOLTANBIEL Lue | CHIAPELLO, Bre. Le rowel epi tt eopitions, Pi, Calin! 208 Ecorse stats no texto “Capializmo zonation, Pane 96, desis «WIE ty tax trai, La scare, 1997: © CASTEL, Rober As msn nde ques sci, Peeps, Vous, 1998 1) RHP, Tra de aezt, S80 Pasi, Makrop Books, 2998 phipugem global « esclusao mig, de produsir tervitorios existenciais altemativos squeles ofertas ou mediadlos pefo capital” De que fecursoy Uispoe uma poss nme prsiprio de aeupar oespaye domréstiog, de eadkenciar le mobilizar & meméria coletiva, de produzir bens e 1 por esferas consideradas invisiveis, de M: POe-se a perunta: que possibilidades restam de eriarlago, de lever um (ertt6rio existencial © subj © subjetivo na contramdo da serializagto e das tstentralizaes proposes ala minuto pea ceonomia materia materi tal? nwo revere 0 ogo ene a valorizag eescente dos ativosintangives tas como ime 1. eritividade, aetividade, ¢ a manipulayao crescents e violenta da esfera "Como deter modos de subjetvagto emergent, fecos de stuncagso iin esas lg sl Go capa spt nei donoueecides? nn een sade sans anos no Brasil era viel confguragbes comanisias diver, oa ‘unis gtd Igrej, ora 20 Movimento dos Sem-Terr, ora is redes de watico, ou imei a: ovine evincatss eens dvs com ophon 100 tiwwlalidudes de “incluso as avessus” proporcionado pelas gangues de periferia? Unanicoo com us redes hegeménicas graus de distinca ou enlace diversos, Ew no rubetn dizer o qu et nscendo Hoje nos centosurbaos brains, muito menos ss denis ekdades do planets. ash um fendmeno que me inti, ene outros, Noontunto de um eapitatsme cultural, que expropra erevende modos devia 0 Iver una tendéncia crescent, por parte dos chanados exclufdos, em usta prépria vida, na sua precariedade de subsisténcia, como um vetor de autovalorizagio? Quando sum gupo de presiitis compe e grava sua mtsicao que cle most ¢ venom ito 6 su misc, nem 6 suas Pistrias de vida escarosas, mas Su eto, su singularidade, sua percepgao, sua revolta, sua causticidade, sua maneira de esti, de " na prisio, de gesticular, de protsta, de rebelar-se — em suma, sua vida ‘eu tinico capital sendo sua vid, no seu estado extremo de sobrevia eresisténca, € «isso que fizeram um vetor de exstenializagao, esa vida que eles eapitaliaram ¢ ‘que assim se autovalorizou e produziv valor. £ claro que num regime de entropia sulla ess “metadoa interes, el sua estanhezs, aperera,visealidade anda que faclmente também ela possa ser transformada em mero exotismo étieo dhe eonsuma descartvel. Mas a partir desse exemplo extrema © ambiguo, eu ‘perguntaria, também a luz dos némades de Kafka a quem me referi no inicio, se nko ‘hop, $80 Paulo-Fortaleva, Secretaria da Cultura ¢ dv Desparta, 1998, ae proctaur fans de instr uneniy te esquisitos pan aval a eapacidacks dow ehanneos enelutda” ot estas ou" deseonevtados” de eonsteuttem teritrios subjetives: has cle eseape a que so impelides, 0 dos tertt6rios de sos, ou da incandeseéncia explosiva em que so capazes A vouga-INVENGKO DOS CEREBROS EM REDE Utilzando de maneira original textos de Gabriel Tarde, Maurizio Lazzarato ddebrugou-serecentemente sobre um feixe de questes corcelats,® das quaisreterfamos A seguinie: Que capacidade social de produzir 0 ovo esté disseminada por toda parte, sem esiar essa capacidade subordinada aos ditames do capital, sem ser proveniente dele nem depender de sua valorizagdo? A idéia de Tarde relida por Luzzarato, ¢ que cu retomo nesse contexto de mancira excessivamente suscints, & {que todos produzem constantemente, mesmo agucles que nao esto vinculades 20 proceso produtivo. Produziro novo € inventar novos desejos e novas crengas, novas ssociagdes © novas formas de cooperagio, Todos ¢ qualquer um inventam, na densidade social da cidade, na conversa, nos costumes, no lazet — novos desejos € fovas crengas, novas associagSes e novas formas de cooperagio. A invengio no é prorrogaiva dos grandes génios, nem monopdlio da indistia ou da ciéncia, ela éa poténeia do homem comum. Cada variago, por mindscula que seja, a0 propagar-se € ser imitada torna-se quantidade social, ¢ assim pode ensejar outas invengOes © ‘novas imitagies, novas associagdes e novas formas de cooperagao. Nessa economia afeiiva, a subjetividade nfo efeito ou superesruturaetérea, mas forga viva, quuntidade social, poténcia psiquicae poltica. ‘esse contexto, as forgas vivas presentes por toda parte na ede social deixam de ser apenas reservas passivas & mercé de um capital insaciével, e passam a ser consideradas elas mesmas um capital, ensejando uma comunialidade de tutovalorizagio. Em vez de serem apenas objeto de uma vampirizaeo por parte do Império, si postividade imanentee expansiva que o Império se esforea em regula modular, controlar. A poténcia de vida da maltidto, no seu misto de intligéncia coletiva, afetaglo reefproca, produgio de lago, capacidade de invengéo de novos desejos e novas crengas, de novas associagbes e novas formas de cooperacto, & cada ‘vezmaisa fone primordial de riqueza do proprio capitalismo, Uma economia material que prociuz sobretudo infermagio, imagens, servigos, nio pode bascar-se na forga fisica, no trabslo mecdnico, na antomatismo burr, na solidéo compartimentads. ‘So requsitados dos trabalhiadores saa inteligencia, sua imaginagZo, sua cxiatividade, ) EAZZARATO, Maurizio, Pussonces de Vnvenion Pts, Les Empéeheurs de penser en rend, 2002, sua convetivilale lett ula un intense sujet tiv exelasivamente pessoal ¢ piviado, 1» ‘on 0 cia Tot Negri, azo & anit do sti eon xin atic, llr que & post a taba, n> uni copy, que apes the serve despre, Pris, quand teabatbatns nossa ali 9 es oi liberal suicente para a alma, assim com ro sufcieme para © corpo, Em tado caso, que a alma tabalhe sin vamos hi pouco, que € a vtalidade cogaitiva © seta que €solctada epost trabalhar, © qu se requer de eada um sta forga de inven. e uforgasinvengdo ds oérebros em rede se toma tedenclalmente, na sconontia alual, a principal fonte do valor. E como se as miquinas, os meios de eu ives migrado para dentro da eabega dos wabalhadores ¢virtualmeate pswuem a pertencerihes. Agora sua ineigénea, sua eignca, sa imaginaga. isto {ma spi vida pussaram a ser fonte de valor. A assoeiagdo e cooperagao entre Drala de eérbros rescind, no limite, da mediasto do capitalist, devin nim ee fords ademas tomar nosso letmoriv: tds & qualquer um, ¢ ado apenas os sare inseridos numa lag assis, detéma forga-inveng0, cade cede «pe & tote de valor, cada parte da rede pode tomar-sevetr de valorizagaoe de suoworizagdo. Assim, o que vem &tona com cata vez maior clare a biopotncia do voletivo, a riqueza biopoltica da multidao. fesse corpo vital coletive swcuiqurad pela economia imate das stimas décadas que, nos seus poderes Je ctr de ser afetadoe de constiuir para si uma comunialidadsexpansiv, desenha 1s posiildades de uma democraciabiopolita, Biororaver pa MULTIDZO © termo “biopolitica” foi forjado por Foucault para designar uma das ‘modalidades de exercicio do poder sobre a vida, vigentes desde 0 século 18." Centrada Drioritariamente nos mecanismos do ser vivo e nos processos biolSgicos, a biopolitiea tem por objeto a populacto, isto é uma massa global afetada por provessos de conjunto, Biopolitica designa pois essa entrada do corpo e da vida, hem como de ‘cits mecanismos, no dominio dos calculos explicitos do poder, fazendo do poder- suber um agente de transformagao da vida humana. Um grupo de teéricos, majotitariamente italianos, propos uma pequena inversio, no s6 semantics, mas também conceitual e politica. Com ela, « biopolitica deixa de ser prioritariamente a pperspeciiva do poder e de sua racionalidade refletida tendo por objeto passivo o ‘corpo da popnlagio ¢ suas condigdes de reprodueto, sua vida, A prépria nogio de 11) Para om sesumo ds ses de Foacslt = respi, wero testo “Biopoic", na Paste . $5, dete tivo, wn ots pvt ion gv th pegs Vintner eae ‘ 4a, comperigan, desejo, Canta diz Lavra, a viele deixat dhe al vo 0 itelecto desse “mfnimo” que Lhes resta, 0 corpo nu,” ¢ apontam numa outra dire st ae ‘Ainda uma palavra sobre a multidao. Tradicionalmente o termo € usa de cede sensiotices @ snag Ala diyisity corpofuente atari, a Kar sto sr tents Vide s,m Past I 9 l,i Ip remain, Nasa Gina leer cbt 1s de jovests em eninflro com a tet, ‘Vere UB MICENTIN, Mao Crow Alene rebel haias de ot Sino, Puan. ri in Multizudes, m. 7, Paris, 2001 14) SRN, Bas Mukides ot igen", n Mute 7 Intl 9 a funey de denser mee tu empl ta vat Ral, Now ta age, Vw tn ata cra ng pwede Lin 0 qe ses Un da ‘nh viva Par epi & que Simondn chomou de eld Ilva fe neo psoas chamavam de apeiron Hie), uc Tarde » vie cae bination, aa ilivie lide, que Marx designou por intelecto geral, Chamemo-lo de sss¢ magma material e imaterial, corpo-sem-érgaes que precede si — a poteneia ontol6gica comum. ‘ulti, na sua configuragio acentrada e acéfala, no seu agenciamento esquian, ‘amen pode ser vista como 6 oposto da massa, Canetti lembra que na massa so nial tla as Niygusridades, nelareina a igualdade homogénea entre seus membros (ea vate gat equivale a cada outra cabeca), a densidade deve ser absoluta (nada deve ‘ Interpor entre sous membros, nada deve abrir um intervalo em seu meio), ¢ por ttina, ucla predomina uma diresdo Gnica, que se sobrepie a todas as dinegBes € privadas, que seriam # morte da massa.!* Homogénea, compacta, ional, a massa € todo o contrrio da multidao, heterogenea, dispersa, ‘complexa, multidivecional. A economia parandiea da massa e a égica esquizo da ultikto sd0 diametralmente opostas, mesmo que elas se encavalem, como o nataram, elewze © Guattari a propésito da relaclo entre massa e malta. De todo modo, as religides, bem como os Estados, sempre souberam usar e dasar a energia da massa e ‘eux uletos, mas encontram-se em situasdo inteiramente distinta em relagao a multiclao, «que testemunha de um onto desejo © de uma outra subjetividade. Pop 1: Portwess "Tulvez Foucault continue tendo razo: hoje em dia, ao lado das intas tradicionais ra a dominago (de um povo sobre outro, por exemplo) e contra a exploraglo {dle uma classe sobre outra, por exemplo), éaluta contra as formas de assujeitamento, into & de submissdo da subjetividade, que prevalecem. Talvez a explosividade desse ‘momento tena a ver com a extraordinavia superposiglo dessas trés dimensées, ‘Volta a pergunta insistente: Como pensar as subjetividades em revolta? Como ‘mapear 0 sequiestro social da vitalidade na desmesurada extenstio do Império ¢ «an sua penetragio ilimitada, tendo em vista as modalidades de controle cada vez inuils sofisticadas a que ele recorre, sobretudo quando ele se realavanca na base lo terrorismo generalizado e da militarizagao do psiquismo mundial? Mas coma ccurtogeafar igualmente as estratégias de reativagio vital, de constituig2o de si, individual e coletiva, de cooperagtio ¢ autovalorizagio das forgas socials avessas ‘49 circuito formal da produgio? Como acompanhar as linhas de éxodo ¢ 18) CANETTI, Blin. Massa « poder. $20 Paul, Ca. das Leas, 1995, slesluyestioe te itive das excltay dre da liao exliypla 0 sistent yuodutiver al pinizagnes, Os modelos de nubjetivagan ye ole engendrau (por exemple, 0 do tabalhador assalariado), os ‘edleulos de porler qe ele suscita, a exptura imperial e suas linhas de comando? ‘Alom de sveasur » sistema de valores e de exploragao hegeménicas, como eria tela suas pniprias possibilidades irredutiveis, mesmo quando isso 6 feito 9 céu inberto, nem que 0 Imperudor esteja por perto, & espreita para capitalizar aquilo aque dele eseapa? No sei quanto as poucas péginas de Kafka sobre a Muralha da China refletem ‘a parandia do Impétio contempordneo, com suas estratégias frusras para proteger-se dos exclufdos que ele mesmo suscita, cujo contingente no para de aumentar no toragio da capital, numa viziahanga de intimidado crescente e num momento em (que, como dia Kafka, sofze-se de enjo marftimo mesmo em tera firme, N&o sei 0 (quanto os némades de Kafka, na sua indiferenga ostensiva em relagio ao Império, podem ajudar a pensar a Iégica da multidao. Seja como for, em Kafka uma ironia fina vai solapando a solene consisténcia do Inipério, Ha algo no funcionamento do Impétio que é puro disfuncionamento, Quando nas Conversas com Kafka Janoush diz ao escrtor checo que vivemos num mundo destruida, este responde: “Nio vivemos num mundo destruido, vivemtos num mundo sransiomado, Tudo racha ¢estala como no equipamento de um veleio destrogado”, Rachaduras ¢estalos que Kafka dé a ver, ‘9 que a situagdo contemporfnea escancara, Talvez 0 desafio atual seja intensificar cesses estalos¢ tachaduras a partir da biopotEncia da multido. Afinal © pode, como diz Negri inspirado em Espinosa, & supersticdo, organizagio do medo: "Ao lado do poder, hd sempre a poténcta, Ao lado da dominagao, hi sempre a insubordinagao. Urata-se de cavar, de continuar a cavar, a partir do ponto mais baixo: este pont... & simplesmente If onde as pessoas softem, ali onde elas Sao as mais pobres ¢ as mais texploradas, ali onde as linguagens e os sentidos estio mais separados de qualquer poder de agdo ¢ onde, no entanto ele existe; pois tid isso 6 a vida e nao a morte.” 16) NEGRI, A, Bue, Sio Paulo, osineras, 2001 A COMUNIDADL DOS SEM COMUNIDADE Pav desane ari Gagarin Una constatagdo trivial € evocada com insisténcia por virios pensadores contemporineos, entre eles Toni Negei, Giorgio Agamben, Paolo Vimo, Jean-Luc Nancy, ou mesmo Maurice Blanchot. A saber, de que vivemos hoje uma crise. do “eomum. As formas que antes pareciam garantir aos homens um contorno comum, « usseguravam alguma conssténcia ao lago socal, perderam sua pregnancia eentraram definitivamente em colapso, desde a esfera dita pablica, até 0s modos de associacio consagrados, comunitérios, nacionais, ideolégicos, partidérios, sindicais Verumbotamos em meio a especttos do comutn: a midia, « encenagao politica, os ‘unsensas econdmicos consagraios, mas igualmenteas recafdas émicas ou religiosas, ‘invocagtoeviiza\ra aleuda no plnco, a miltrizagio da existGncia para defender ‘a "vil" supostamente “comum', ou, mais precisamente, para defender uma forma- «le-via dita “comum’”. No entanto, sabemos bem que esta “vida” on esta "forma-de- no § realmente “comum”, que quando compartithamos esses consensos, essas ‘mucrras, esses panicos, esses circos politicos, esses modos caducos de agremiaci0, ou fee ea ngge os alt rnoso mae somor vies ox shied rn scatestro. Se de Fato ha hoje um seqdestro do comum, uma expropriagio do comum, ow a manipalagio do comum, sob formas consensuais, unitiias, espetacularizadas, aulas, tanscendentalizadas, € preciso reconhecer que, n0 mesmo tempo € puradoxalmente as figuragGes do “comumn” comegain aparecerfinalmente naguilo ‘que sto, puro espectro, Num outro contexto, Deleuze lembra que a partir sobretudo «lu segunda guerra mundial, os clichés comegaram a aparecer naguilo que so: meros ‘lights, 0s clichés da relagio, os clichés do amor, os clichés do povo, os clichés da polftien ou da revolugao, os clichés daquilo que nos liga ao mundo —eé quando eles tssim, esvaziados de sua pregnancia, se revelaram como clichés, isto é, imagens pré-fabricadas, esquemas reconhectveis, meros decalques do empitico, nlc entio pide o pensament literar-se deles para encontrar aquilo que é “real”, na se forga de afetacdo, com consequéncias estéticas e potiticas a determinar (Ora hoje, tanto percepgto ale seqesto da eon eI) gre rales coum tancenaleutalizad ve cen condigoes muito especifieas. A abr, previsann ue o egnumy, eno a seta Imagem, est APIO Aenpanecer na sta mixin Forga de afetagTo, ¢ de maneira imanente, dado o nove {iy rexintivo e hiupolitico tual, Trocando em mitdos: diferentemente de ws als, em que 0 comum era definido mas também vivido como vie espa abstrato, que conjugava as individualidades e se sobrepanha a elas, nyo pabico ou como politica, hoje 0 comum é 0 espgo produtivo por excelCneia, O contexto contemporineo trouxe 2 tona, de mancira inédita na hist6ria piso seu nicleo propriamente econdimicoc biopoitio, a prevaléncia do “eomut (0 trabalho dito imaterial, a producio pés-fordista, 0 capitalismo cognitive, todos sles sto Fruto da emergéncia do comum: eles todos requisitam faculdades vinculacas to qe nos 6 mis coma, a saber a inguagem, e seu feixe correlato a inteligéncia, om aheres, a cognigdo, a meméria a imaginacdo, e por conseguinte a inventividade teomum, Mas também requisitos subjetivos vinculados & Tinguagem, tais como & ‘upacidade de comonicar, de relacionar-se, de associa, de coopera, de compartithar tt meméri de forjar novas conexdes e fazer proliferar as redes. Nesse contexto de um capitalismo em rede ou conexionista, que alguns ehamam de rizomético,' pelo menos idealmente aquilo que € comum é posto para trabalhar cm comum, Nem poceria ser diferent: anal, © que seria urea linguagem privada? O que vita # er tuma conexdo solipsista? Que sentido teria um saber exclusivamente auto-referide? orem comum 0 que é comum, colocat para circular o que jé¢ patrim@nio de todos, fazer proliferar 0 que esté em todos e por toda pare, seja isto a linguagem, a vids, & Inventividade. Mas essa dindmica assim descrita s6 pareialmente correspond a0 que dle fato acontece, j4 que ela se faz acompanhar pela apropriagao do comum, pelt ‘expropriagdo do comum, pela privatizagio do comum, pela vampirizago do comum empreendida pelas diversas empreses, matias estado, insttuigbes, com finalidades {que o capitalismo do pode dissimular, mesmo em suas versGes mals Fzométieas. SENSORIALIDADE. ALARGADA ‘Sealinguagem, que desde Hericito era considerada o bem mais comum, forn0u- se hoje o cemme da prépria produgSo, é preciso dizer que o comuim contemporineo € mais amplo do que a mera linguagem. Dado o contexto da sensorialidade alargada, da circulagio ininterrupta de fluxos, da sinergia coletiva, da pluralidade afetiva ¢ da sabjeividade coltiva da resultane, o comum passa hoje pelo bios social propriamente dito, pelo agenciamento vital, material eimaterial,biatisic esemistico, que constitu hoje o cleo da produgio econdmica mas também da produgao de vide comum. Ox 1D Gh “Copaliome Hzomae ba Parte Ml, 9.98, eet Hi 6 11 potency vd sa nulla, awe NeW east ae nteliénela entetiva, le aoa He ponfaga de Ing che capella de avenge de novos esos © dle owas 3 se ax assuciag nies @ vas Fara He compere, como diz Mawizin Faaerarate a ester de Tarde,’ que & eat veo mus fone prinwoial dle Hyuiera fo proprio eapilatism, Por isso mesmo este contin &o visio potas captur fe seuttestes cupitalisticas, max & este conn igualnente que os ext ualmente que os extrapola, fugindo- We pr todas os hades e todas os poros, : Sendo assim, serfamos tentudos a redefine 0 comum a partir desse contexto lo Paolo Vimo, seria 0 caso de postular 0 comum mais como we como promessa, mais como um reservatSrio compartilhade, feito dee singularidade, do que como uma unidade atual compartida, mais virtwalidade j real do que como uma unidade ideal peedida ow fotura Hiiamos que © comum é um reservatério de singularidades em variagZo continua, tw ssa serge, am corporsetn dos, um limita (opelron) ap te ulividuagdes as mais diversas. — Cn ne ¥, quando 8 coneee o corm como um a fund views, com Vilalidade social pré-indi idual, como pura heterogeneidade nfo totalizavel, ele nada ean que ver com as figuras mididticas,potiticas, imperiais que pretendem hipostasié- to, represcnticlo ou expropris-lo. Daf porque a resistencia hoje passa por um éxodo fm rela & esas instincias que transcendentalizam © comuum, ¢ sobretudo pela cexperimentagio imanente das composigdes e recomposighes que o perfazem. Tawa roLoata Hulver.o fivro em que Deleuze melhor tenha percortidlo essas duns vias, a da ‘ecusa das instancias wanscendentalizadas ¢ 9 da experimentagio dese comum {nanente, juntamente com Guattati, seja Capitalismo ¢ esquizofrenia, Contra Edipa ‘ow a forma-Bstado, contra o plano de organizacio transcendent, sua wnidade e suas caplurss, os autores invocam simplesmente o plano de consisténcia, © plano de ‘composigio,o plano de imanéncia, Num plano de composigo, trata-se de acompanhar tux conexdes varveis, as relagdes de velocidade e lentidio, a matéria andnima e Imnpalpvel dissolvendo formas e pessoas, estratos e sujeitos, liberando movimentos, extrnindo particulas ¢ afetos. E um plano de proliferacio, de povoamento ¢ de ‘vontgio, Num plano de composigo 0 que esté em jogo é & consisténcia com a qual ‘le reine elementos heterogéneos, disparatadas, Como diz a conclusio praticamente Ininteligfvel de Mil platds, o que se inscreve num plano de composigio so os jwontecimentos, as transformagées incorporais, as essencias némades, as variagtes Intensivas, os devires, 0s espagas lisos — é sempre um corpo sein érgios, Seja como, PULAZZARATO, Mautizio, Palesences de vention. Pacis, Les emptcheurs de penser en rend, 2001 so quelaa chan lo, Cop se do Inne, lagen espines [Nam pequetn texte ake Delewze subs Espino Alls sis ela, Alba subs Nature Gna sto voneebielas Como un phan comune inusacncicn, onule eso todas 0s eorpos, tos 2 alas, tod0s 0 Inlivisions, Anexplia este plano, Doleursinsste num paradoxo: ele ja plenamente jente ass dle 1978, essa conexdo flea ‘duals, « uo cutanto deve ser construido, para que se viva de uma maneira espinosista His @ argumento, que & um corpo, ou um individuo, ou um ser vivo, send tum composigio de velocidades ¢ lentidGes sobre um plano de imanéncia? Ora, a tna corpo assim Uefinido corresponde um poder de afetare ser afetado, de modo Ae potemos definir um indvidoo, sea ele animal on Komem, pels aleotos de que fe 6 cap, Deleuze insiste no seguinte:ninguém sabe de antemo de que afectos & np, no sabemos ainda o que pode um corpo ou uma alma, & uma questi de fxperimentagio, mas também de pradéncia, E essa a interpretagio etologica de Deleuze: a Etica sera um estudo das composigdes, da composigdo entre relagées, da ‘omposigdo entre poderes, A questo é saber seas relagdes podem compor-se para formar uma nova relagio mais “estendida”, ou se os poderes podem se compor de mov a consttuir um poder mais intenso, uta poténcia mais “intensa”. Trata-se antlo, diz Deleuze, das “socsbilidades ¢ comunidades. Como individwos se compiem pura formar umn individuo superior, 2 infinito? Como um ser pode tomar um outro fn seu muti, mas conservando ou respeitando as relagdes € 0 mundo préprios?”? ‘A questo, de todas a mais candentc, poderia se aduzida do seguinte modo: de aque mancira se dé a passagem do comum & comunidade, A luz dessa teoria das eamposigdes e da dupla éxica que cla implica? E em que medida essa comunidade responde a um s6 tempo ao comum e As singularidades que oinfltem? Nosrataias pa comMuNmDADE [Antes de me langae a algumas indicagSes de Deleuze a respeito do tema, cabe tum desvio para sitwar a questo da comunidade num contexto mais amplo, Jean-Luc Naney, em seu Le communauté déseuvrée, Jembra que segundo a tradigio te6rica ‘ocidental, ld onde hi sociedade, perdeu-se a comunidade. Quem diz sociedade jé diz perda ou degradacio de una intimidade comnnitria, de tal mancira que a comunidade € aquilo que a sociedade destruiu. E assim que teria nascido o solitétio, aquele que 1 interior da sociedade desejaria ser cidado de uma comunidade livre e soberana, precisamente aquela compnidade que a sociedade arruinou, Rousseau, por exemplo, 3) DELEUZE, Gin Spinaca, pilorophie protic, Paria, Minuit, 1981, p. 164 4) NANCY. dean-Luc. La communi dese, Pais, Chviian Bougos, 1986, que acomparho de ‘pera nese coment svt puimneten pega sla vende, eh dulyee ienepurave essen en rupee ilo pelos rantanticns, pa th "Tle Tek sey “Ale nbs, lie Name, a iti tera sicko pyeasalsSols false (uint| coming peulila— Junstcomonidade} treenvontetr ot are car sompida ponte ser exemplilieada de vias Formas, come a familia natucal, a chhule atenicnse, a repiblies romans, «primeira eonunidade etist@, comoragbes, ‘vans ou raters... Sempre refer a oustitur.” A communica perlida int era perdida em que a comunidade 1 levi ein lagos estecitos, barmoninsos, e dava de si mesma, seju pelas instituigdes, ‘toy, simbolos, a representagdo de Suu unidade, “Distinta da sociedad... a comunidade "io apenas comunicagio intima de seus membros entte si, mas também a comunhio orpiinica deta mesma com sua prOpria esséncia.” Ela € constituda pelo ‘vompurtlhaniente cle uma identidade, segundo © modelo da famifia e do amor, ‘autor conclui que seria preciso desconfiar dessa consciéneia restrospectiva da ppenda ca comunidade ¢ de sua identidade, bem como do ideal prospective que essa twosialyin produz, uma vez que ela acompanha © Ocidente desde seu inicio. A cada Inuutente de sta hist6ria ele se entrega a uma nostalgia de uma comunidade perdida, esuparecita, areaiea, deplorando a pera de uma familiaridade, de uma fratetnidade, Ale uma eonvivialidade. O curioso & que a verdadeiea consciéncia da perda da ‘comunidad ¢ cris: a comunidade pela qual anseiam Rousseau, Schlegel, Hegel, Hukunin, Mark, Wagner ou Mallarmé se pensa como comunbio, no seio da corpo Inistico de Cristo. A comunidade seria 0 mito moderno da participagio do homem na Viel living, © unseio de comunidade seria uma invengo tata que visava responder ‘dura realidade da experiéneia moderna, da qual adivindade se teticavainfinitamente {von @ mostrou Holderlin). A morte de Deus serie um modo de se referir & morte «ln vomunidade, e traria embutida essa promessa de uma ressurreigio possfvel, ntima imangneia comum entre 0 homem € Deus. Toda @ consciéncia crista, moderna, ‘hnnwanista da perda da comunidade vai nessa direglo, ‘A COMUNIDADE NUNCA EXISTIU ‘Av que Nancy sesponde, simplesmente: La communauté n'a pas eu lieu, A ‘comunitlade nunca existiu. Nem nos fndios Guayagui, nem no espirito de um povo hegeliano, nem na cristandade, “A Gesellschaft (sociedade) no veio, com 0 Estado, 4 inclistria, 0 capital, dissolver uma Gemeinsehaft (comunidade) anterior.” Seria tnmiscorreto dizer que a “sociedad”, compreendida como associagio dissociante das Forgas, das necessidades e dos signos, fomau o hugar de alguma coisa paraa qual no {femos um nome, nem conceito, e que mantinha uma comunicagdio muito mais ampla do que a do lago social (com os deuses, © cosmos, os animais, 08 mortos, os \lesconhecidos) ao mesmo tempo uma segmentagiio muito mais definida, com efeitos Imais dros (de solid > inassisténcia, regio ete.) “A sociedade nio se construiu sob vi ke on inci. communi, fy ke sero gu saa arin nun pou, eo es vane questa, espera {ippenitives a pani a soe. Nak foi por, pr est azo nad est Dorlis, So mis estanos penis, nos sobre quem & “hago sbeial” (as relagdes, a Aumsieioy, nos nvencan, reat pesadamnente,.” q fantasma, Ou, aguilo que Mupostuncute se perdcu da"comanidade", aquela comunkio, unidade,co-pertinnco, A om perl ie &procisimenteeonsttuiva da comunidad, Em outros termos,¢ da 1s paradox, & Comunidade s6 ¢ pensével enguanto negagio da fusto, da homoycncidle, «a idenidade consigo mesma, A comunidad tem por condigio Drvclsnnente a heterageneidade, a praia, a dstincia, Daa conden ido desejo de fusdo comunial, pois implica serapre na morte ou no suicidio, de que 0 ‘sini sera um exemplo extrema. O desejo de fusdo unitiria pressupse a poreza Ultra, e sempre se pode levar mais Jonge as exclusties sucessivas dagueles que nia ferpondem a essa pureza, até desemboear no suieio coletive, Als, por unt certo tampo, « proprio terme comunidade, dado o seqiestro de que foi objeto por parte don navstas, com seu elogio da “comunidad do povo",desencadeava un rellexo de hontidade na esquerda slem, Foram precisos vios anos para que 0 termo fosse dowvinculelo do nazisino e reconectado com a palavra comenismo.’ Em todo cas0, a Ainolagao, por meio ou em norne da comunidade, fazia » morte ser reabsorvida pela omiidade, com o que a morte tomava-se plena de sentido, de valores, de fins, de hha, a negatividadeteabsorvia (a morte de cada ume de todos reabsorvida na vidu do Infinito}, Mas a obra de morte, insiste Nancy, néo poée fundar uma dade, Muito pelo contréra: € unieamente a impossibilidade de fazer obra da fe podetiafundar a comunidad ‘Ao desejo fusional, que da mone faz obra, contrapbe-se uma outra visio de ‘contramao de toda nostalgia, de toda metaisica communal. Segundo ju ainda uma tal Figura de comunidade, Talvez iso queira dizer que prendemos devagar que no se trata de modelar uma esséncin comunitéria, mas anles de pensar a exigéncia insistente e insSlita de comunidade, pera ulém dos lotalitarismnos que se insinuam de todo lado, dos projetos téenico-econdmicos que tubstitfram os projetos comunitrios-comunistas-humanistas. Nesse sentido a cxigéncia de comumidade ainda nos seria desconhecida, € uma tarefa, mesmo com as inguietudes pueis, or vezes confusas, de ideoloi ‘que esta exigéncia de comunidade nos seria desconhecida? Pois a commnidade, nt ceontramio do sonho fusiona,¢ feta da iterrupgo, fragmentagfo, suspense, & feta dos seressingularese seus encontos. Daf porque a prpria iia de lago socal que se insinua na reflexao sobre a comunidade éatificiosa, pois ede precisamente ese entre Comunidade como o compartlhamento de wma separagio dada pela singularidade 4 comunishale perlida nie passa de jocategérica ccomuniais ou conviviais. Por 20, 9.26 Cheyanne ssn uns dl curios, Sea samt #0 fino ¢ porque sexi espace te un iit qe soviet ‘ert, por Aric soe rl, nas quase in wespiqe de unset que suede, wo seu movimento lize, nia pra de esconjura. Hin cubs palaveas, come diz Blanehat em su livie Car eonmemante inavonable, wr comunidad jf ado se trata de um rela ‘hi Mesina como Mesma, mas le ema relagio na qual intervém o Outro, e ele sempre inedutivel, sempre em dissimetria, cle introdue a dissimetria. Por um lado, ‘nic, 1 inlinito vt alteridade encarnada pelo Outro devasta a inteiteza do sujeito luzenulo vir sua idemidade centrada e isolada, abrindo-o para uma exterioridade Inrevopsivel, min inaeshamento constitutive. Per outro lado, essa dissimettia impede todos se eeabsorvam numa totalidade que constituiria uma individuatidade umpliada, come costuma avontecer quando, por exemplo, os monges se despajam de do pura fazer parte de uma eomunidade, mas a partir desse despojamento tomam- 1m poxsuidores de tudo, assim como no kibut2, ou nas formas reais ou utGpicas de unisino. im conteapartida, est isso que jfi mal ousaremos chamar de comunidade, ‘ols lo & una comunidade de iguais, e que seri antes uma auséncia de comnunidade, no sentido le que Suma auséncia de reciprocidade, de fusio, de unidade, de comunho, le passe, munidade negativa, como a chamou Georges Bataille, comunidade «lox que nio 16m comunidade, assume a impossibilidade de sua prépria coincidencia vconsigo mesma. Pois ela é fandada, como ditia ele, sobre © absoluto da separacto que tem necessidade de afirmar-se para se romper até tornar-se relasdo, relagao ppuruoxal, insensata. Insensatez que esti numa recusa que talvez Bartleby, ppetsonngem de Melville, dramatize da maneira mais extrema: a recusa de fazer obra, (all onde a comunidade serve para... nada. E ali, talvez, que ela comece a tomnar-se sobermna, Ousemos levar esse pensamento ao seu extremo, com todo o tisco que ele vomporta, jf que nio se (rata agui de transmitir uma doutrina, mas experimentar um Fixe de iis, CoMUNIDADE B SORERAMA © que 6 soberano, tigorosamente falando? & aquilo que existe soberanamente, Independiente de qualquer utlidade, de qualquer serventia, de qualquer necessidade, «le qualquer Finalidade.” Soberano € o que ndo serve para nada, que no é finalizével ‘por uma Idgica produtiva. Até literalmente,o soberanoé aquele que vive doexcedemte extarquiddo aos outros, @ cuja existéncia se abre sem limites, além de sua prépria torte, O soberano é 0 oposto do eseravo, do servi, do assujeitado, seja a necessidade, ‘wv (abalho, & produgl0, a0 acimulo, aos limites ou & propria morte. O soberano (0) MLANCIIOT, Maurice, iz communauté inavousbl, Pacis, Mint, 1986 NV ATAILLE, Georges "Le souvesatete™ in Gores completes, VI Paris, Gala 1976 a, dus euros eer miondo, 1 aquete en adap vient teas ha Provo nu esta suben tinal wy fut, ete te “Aguele que vive soherananicnte, seo powsarmes tt Fes que o ane, cana ens, a oreo dl jogo, ase lo Wabalho, A sexuaidade 1 excinpla & ull, portante secvil, so erotisme & indi, © neste sentido, soberano. Iyplicw ann dispentio gratito, Do mesmo mode riso, festa, as ligrimas, efusBes Uiversus, ado auilo quie comtéon um excedcnte, Bataille, em seu texto Essai sur ta Auverineté, Siro que esse exeodente tem algo da ordem do milagre, até mesmo do dlivinu, Hataille chega a dar razio ao Evangelho, segundo 0 gual © homem niio Jani niecessidade 56 de po, ele tem fore de milagre. Pois 0 descjo de soberania, sequin Bataille, est em todos n6s, até mesmo no operiia, que com seu copo de berveju participa por um instante ao menos, em algum grau, desse elemento gratuito femilugroso, desse dispéndio inal e por isso glorioso. Isso pode ocorter com qualquer ‘un, na: mesma medida, leza, da tristeza fiinebre, do sagrado ou até da Wlolencia, O mais difieil de entender para Bataille € que essas soberanias, que Interrompem a continuidade encadeada do tempo, no tém objeto nem objetivo, d20 fam Nada, so Nada (Rien, nfo 0 Néari. Bem, éclaro que o mundo que vivermos, diz Bataille, é oda uilidade, do acdmulo, ycadeamento na duragio, da operagiio subordinada, das obras dteis, em io essa dose de acaso, de arbitrio, de esplendor indi fasto on nefasto, somo em outros do ‘ontraposi que jd no aparece em formas eituais consagradas exteriormente tempos, mas em momentos e estadas difusos ¢ subjetivos, de no servilidade, de ‘pruluidade milagrosa, de dispéndio ov apenas de dissipagio. Esté em jogo, nessa roborania, uma perda de si, por ts da qual, como em Bartleby, fala uma recusa de rervidio, Para jogar com as palavres, diefamos: Da Nao-Servidao Involuntéria, E tlgo dessa ordem que estd em jogo na nogdo de soberania tal como el foi pensada ‘9m Bataille, concepelo que Habermas considera herdeira de Nictesche e precursora de Foucault Mato ne 68 F 0 DESEIO DE COMUNIDADE Seria preciso retornar agora ao tema da comunidade, tendo por pano de fundo D ners floc da moderiade Sto Pals, Matin Foxes, 200, cp Ti HABERMAS lrg, © cern fon ame Mine "Bate crotame e economia get Delran do ado ag bvianent, tod dicusio do iid lsc, plico ov ico, dh roto e thre A espe efem NEOR, Anois. 0 Moder costa Rio ce foci, DPA, 22, Bua nota Ge rasp, Neg ls 0 ersio eae sores sbeaia come maser ¢pvertsino(p 3Bn, Color tame co #8 Secdorcs Ue Agama sce hve andar 0 cone de oe at Sar ace dae mi (Ct Mryrs sane Par, apt, 195, . 120, ou sobre © Sunosn dy han Bur a ena pot» da san como ia saber, isrevendos SITE Sho ome Sue por eterno ¢¢ woe mn Beo Hoon ara x UFMG Sa, 1) ——<$<>—$——————— rr fxn Tella nucle comvencional, pois couttaria ness tially pruwlitivistar & ‘munication, tant de sober gtite de conmaniale, Pratedtannos aewinania ‘bel examen feats pow Manitiee Manele sone M: dle sus ubservagaes a nespeite d romuutidaite ausente il » Ue OK, log na sete ‘lia de Bataiile sobre a comunisle impossivel a idle negativa, a comunidade dos que ako (nt epois ae uma deserigo da stmostiera de Maio de 68, que inelui a comunieagion cexplaxiva, a efervesednea, a liberdade de fila, o prazer de imuvenci, « auséacia de projeto, Blanchot se refere & recusa de tomar o poder a0 ‘qual se detewariaalguma coise — 6 como se fosse uma dectaragao de impoténcia, Como tn presenga que, pari ndo se limitar, aceita nfo Fazer nada, aceita estar li, ¢ pois lispersur-se. Ao deserever 0 carter incomum desse “povo” que 1 perseverat, que ignora as estruturas que poderiam dar-Ihe nisso que ele & tensive para os detentores de um poder que no 0 reconhece: no se deixando agaerar, seiulo tanto a dissolustio do Cato social quanto a indcil abstinagto em reinventé-Io tuoi soberania que a lei no pode circunscrever, j4 que ela a recusa’.” E essa bbutéivia impotente, sociedade a-social, associaglo sempre proata 4 se dissociat, lisp ar junto, uma cert lide, nesse misto de presenga e wus iv sempre iminente de uma “presenga que ocupa momentaneamente todo 0 “espayo'e no entanto sem lugar (utopia), uma espécie de messianismo do anunciando Inada ulm de sua autonomia e sua inoperdncia”,® 0 afrouxamento sorrateito do linme soci, mas 20 mesmo terapo a inclinagzo Aquilo que se mostra tao impossivel «quanto inevitével — a comunidade, Blanchot, nesse ponto, diferencia a comunidade tradicional, a da terra, do sungue, da raga, da comunidade eletiva, E cita Bataille: “Se esse mundo no Tosse eonstanten nte percorride pelos movimentos convulsives dos seres que se bbuscam um ao outro... ele teria a aparéncia de uma derristio oferecida aqueles jue ele lav: nascet”, Mas que & esse movimento convulsive dos seres que se ‘mnscam um ao outro? Seria o amor, como quando se diz comunidade dos amantes? ‘Ou 0 desejo, conforme o ussinala Negri, ao dizer: “O desejo de eomunidade & 0 ‘espectro © a alma do poder constituinte — d quanto ausente, tram scjo de uma comunidade tao real © modo de um movimento cuja determinagdo essencial & uw exigdncia de ser, repetida, premente, surgida de uma auséncia’"?" Ou se trata le um movimento que no suporta nenhum nome, nem amar nem desejo, mas ‘que atrai 0s seres para jogé-los uns em diresdo aos outros, segundo seus corpos ‘ou segundo seu coragdo e seu pensamento, artebatando-os & sociedade ordindcia’” 16 nlgo de inconfessivel nessa estranheza, que ndo podendo ser comum, & no ‘» WLANCHOT, M. La commu inavon 10) tae, p57 Hy NORE A. 0 po 14) MLANCHOR, op on ts ST fobxtunte 0 gue finda wen evimnidtade, sempre ewisari seme a event Alun evi Valves & que fonha imleressado Jest Lave Nancy, equi fier uni neiao gue ff enbuasprset m eros distintos cages qui na si oigem es ' nm Lermos ct Instaneia do “comum', com todo ‘eu carster no regal, Repent a enmnunidaae nhm qualifieado (a Alor, como comunliio), eepenss-la ‘wenipn ui enlutid ea dificuldade de compreender esse comum, Alida, ua dlisponivel e, Hesse sentido, 0 menos “comum” do mundo". Repensar 0 regredo lo cortunrs que no seja um segredo comumn.§* O desafio obrigau © autor a saber, falar mais em estar-ern-comum, estar-com, para evitar a Teawniincia exeessivamente plena que foi ganhando o terme comunidade, chet de usitineia e intrioridadle, ainda criti (cormumidade espiritual, fraternal, comunial) ‘41 mais amplamente religiosa (comunidade judaica, ‘unma) ou étnica, com todos oS tHacos faseistizantes da pulstio comunitarista. Mesmo a comunidade inoperante, como uhavia ehamado Nancy em seus comentarios a partir de Bataille, com sua recusa dos LHatudos-nagdo, partidos, Assembiéias, Povos, companhias ou fraternidades, deixavit Intocadio esse dominio do comum, eo desejo (e a angistia) do ser-comom que os fnelamentalismos instrumentalizam crescentemente. tun deslocamento, 0 sociALIsMo 948 DISTANCIAS Que esse tema seja mais do que uma obsessZo individual de um autor, atesta-o stu presenga recorrente entre pensadores dos anos 60-70. Em curso ministrado no Collage de France em 1976-77, por exemplo, Roland Barthes gira em torno da questio Coniment vivre-ensemble (Como viver-junte)."* Ele parte daquilo que considera ser seu “fantasma”, mas que, visivelmente, nfo é apenas um fantasia Individual, ¢ sim o de ama gerago, Por fantasina Barthes entende & persisténcia de desejos, o assédio de imagens que insistem num autor, por vezes ao longo de toda uma vida, e que se cristalizam numa palavra, O Fantasma gue Barthes confessa ser 0 teu, fantasma de vida, de regime, de genero de vida, é 0 “viver-junto”, Nio 0 viver ‘dois conjigal, nem o viver-em-muitos segundo urna coercii coletivista, Algo como do interrompida de maneira segrada”, um “por em comum distincias”, “a 6 naesteirado “pathos da distancia” evocado uma “sol ‘wtopia de um socialismo das distr por Nietzsche. Barthes refere-se com mais preciso a seu “funlasma”, ao evocar a leitura de ‘uma descrigio de Lacarriére sobre conventos situados no monte Athos. Monges com TR) NANCY, of, La communauté arom, op. 1) Mem, 9 15) BARTHES. Rol, Comment vivre-omeme, Pais, Soil Ime, 20 16) dew, a eu stn jsp, a ni), Nein 6 ceunhitisin, Loma exeessivi An Anteprigao, nemo erent, forms. excessive da solic nepaliva. A idioritni ‘xn fo “lion tania Cos: opie, athe 6 1 mein, fica, spi," © Lunas clo viver-jamta (au « contrapartida: 0 viver-s6) estd muito preseate literatura, Porexemplo o viver-junto em A mote wm to mégica, de Thoms Mann, ae tiesmo tempo fascinante e elaustrofébico, ow 0 viver-s6 no Robinson Crusoe, ske Daniel Delos. Ou a biogralia de alguns pensidores, como é 0 caso de sisi ame no int da vd se otra para Voorburg, pert de Fila, onde aluga um quarto eke ver em quand desee para conversar com seus hospedeiros — verdadeiro wntconeta, coment Barthes, ao chamar a atengao parao desejo de criar uma estrutura de vid que no seju um aparelho de vida, Em todo easo & um modo de fui a0 aleve ou reeusi-to (anachorein, em grego:retirar-se para tis). Hoje umn tal ‘sei pexeria ser traduzido em termos de distanciamento a gregeriedade, coin liyuragoes polfticas inusitadas, : (0 COMUNE EA SINGULARIDADE QUALQUER, Teinos disso um belo exemplo com Giorgio Agamben, em seu livro intiul A comunidate que vem. Alvele recorda a bela frase de Hetéclito: Para os despertos Wn nnde inico ¢ comum é, mas aos que estdo no leto cada um se revira para o seu préprio, O Cormum para Herd 10 era 0 Logos. A expropriagio do Comm numa soxiovade do espeticulo € a exproprago da linzuagem. Quando toa a linguagem & seulesicada por um regime democritico-espetacular, © a lingvagem se autonomiza tun ester separads, de modo tal que ela no revels nada e ninguém se enraiza a, quando a comunieatividade, aquito que garitia © comum, fica exposta a0 imo entra propria comunicagio,°atingimos um ponto extrema do ils. Como desligar-se dessa commicatvidede ttaiéria e vacuizada? Como desafiar snuelas insténcias que expropriaram o comom, ¢ guc 0 transcendentaizaram? f onde Agamben evoca uma rsisténciavinda, nfo como antes, de uma classe, umm pst, umm sindicato, um grupo, uma minoci mas de uma singlaridade qualquer, «in qualquer um, como aquele que desafia um tangue na Praga Tienanmen, que j rio se define por sua pertnéneia a uma identdade especifca, seja de um arupo politico ou de um movimento social. Eo que o Estado nfo pode tolerar, a 1) Squndo Bris, iia poe ser busats mals nas formas semantics, do nonstcsno scl ia oars 2 De fat cn, por mn fo io te Tet © "050, Korn anne aun enteincri ce abeve a ord eee Wy AGAMBEN, G. La communauté gui ters Pais, Sui, IBD. 19) AGAMBEN, G. Moyen sans fates sr fa poi: Par, PaytRivages 995, p. 98 Alnguanidade qqunkquer ques weousa sent cnstinnt mn vplien espera ae oprie Batu ni tian skew orga reconheervel, A singaaridtae ate Falvtnica sn ieemtidhile, que nae Li valer vm ane soci tnultipicidade Inewstanie, eon sl Ileanidiale © xls condigae de pest eondigan, diz Aparaben, de toda politica fitura, Bento Prado Jr Deleuze, ulilizow uma express adequada a uma tal figura: 0 soit que 180 «que gonstiu wnt ia Cantor, Singuaicades: que deelinam toda Srcia, ms nianifesian seu ser eomum — é a referindo-se io solidério. Buco Kocontemente uma publicagio anénima ingpirada em Agamben contrapanta & umunidatle terrvel que se anuncia porta pate, feita de vgilancia recfproca € frivotidads, uma comunidade de jogo.® Uma fal comunidad basela-se numa nova ite ds distancias, no espago de jogo entre desertores, que no elide a disperso, 0 tli aseparay, mas a assume a seu modo, mesmo nas condibes as mais adversas ‘do niilismo, mesmo nessa vida sem forma do homem comum, aquele que perdeu a fnperigncia e com ela a comiunidade, mas a comonidade que munca howe, como live Naney, pois esta comunidad que ele supostamente perdea & aquela que nue xin a nfo sersob a forma alienada das pertinéncas, de classe, dena, de meio, fecusando sempre aquilo que a comunidade tera de mais prépri, a saber, a assungio du separagio, da exposigdo e da fiitude, como 0 havia postulado Bataille “A vida sem forma do orem comm, nas condigbes clo ilismo, © grupo de ‘Tiyan den o name de Bloor, Inspirado no personagem de Joyce, Bloota seria um Upo humano recentemente aparecido no planeta, ¢ que designa essa existncias ‘brunca agitdo quando tom « isto de que com isso pode tepuragZo, a incomplete, acontingéacia —o nla Bloom desi iMetiva que caraceriza nossa época de decomposigao nilista, © momento em que tem ton, porgue se realiza em estado puro, o fato metafsic de nossa esranheza 8 inoperincia, para olém ou aquém de todos os problemas socials de wiser, recatiedae, desermprego cic, Bloom & a figura que eepresenta a morte do sujeito © tle seu mondo, onde tado fluta na indferenga sem qualiddes, em que ninguéim iuis se reconhece na trivialidade do mundo de mercadorias infinitamente intereambidveise substinveis.Poucoimportam os conteios de vida que se altemsam que cada um vista em seu turismo existencal, 0 Bloom é i incapaz de alegia nssim como de sofrimento,analfabeto das emogées de que recolhe ecos difratados Nessa existéncia expecta, de algum mov se insinua uma estratégia de resistencia, presengas indiferentes, sem espessura, o homem ordindrio, anénimo, talvez encobrir 0 tédio, a solidao, a jgna essa tonalidade 4) Reine Tggun, Pais, 2000. 21} TIOQUN. Padive da Blom, Pais, La Fabia 00 @ revista Tyg, 2001 tui ab pak opener, socieguek’ da egpetionton aquily sole qual este ucteria se exerver. OF lait @ w desejo de ito viver, dhe Sor nau, le & 0 ‘nb sescatat, qua ass stint pretense bigpualer ee ive viver, Hom 4 honican sens qualidade, sem jartielatidaves, sem substanciali omen enyanto bomen, v anthers presente na litera Kulha s Musil, ele Melville a Michaux e Pessoa ene ieaeannd ipa de i Mais tan Go nen sm comida le sua improprietacke, que assuma oexfli - oo eae insignificdncia, o anonimato,a separagao “eaten nin como rewnstnsis poetics apenas estes, masta vets de. jeann encoder Dek. 05650 Maris. Mell, aes eerturro que a tio responds aus “peter to” nsec do Boon) autor coment & panes tase hover fa em aia nenbun,¢ homem user ¢ homme velco ieee reine seem alguna enone sl Direnemente haras ervl qve compe amass asa, or exer), homes sere slo por uma nova comand” io aga comunidade bards ma Nee te ims, uma federagi de homens bens, ma comudade de nis suits mo seo dimes universal. A ooa pragma tera sna Todo, fs ds sma em nome do grande amar dace, leva cm nome gual ala singles come na amos pases vines inns totareme reprinido oy absovid, Ao exemple soe tenons bret inal do au ensio “Ascenso cdesinio do indigo" le evacs Sees da oe supsindo que “o aicleo ds veidadeiraindvidutidade”€rsistnear "Os vesiiostetots Sinoes da humane gue la por user Ta Oe tS cee 8 ok tepetvaeate pp. 158 e 172. Devo & Jerre Mai Capen « ndtagse sess sees oe ‘oma « devine outras vilizadar nese eaptula ne sto de a lcianogso diseene eee We Lustoievshise par yezes vs revelucionatios, Deleuze penpuita enti 4 que vest Be alinas quanto nas se atevra assis a particubidades, © yue as empede ents de funulir se nut iodo? Restithes precisamunte sua “originalidade”, quer dizer um fon aque canta wis emuze quand poe o pé na estrada, quando leva a vida sem busear Waalvayao, quanto empreenile sua viagem encaenada sem objetivo particular, ¢entio cents 1 outro viajante, 8 quem reconhece pelo som. Lawrence dizia ser este 0 i contra a moral nave messianisino ee © aporte demoerétice da literatura amet uropeia da salvagio e da caridade, wna moral da vids em que @ alma s6 se realiza 1 estrada, exposta a todos os cantatos, sem jamais tentor salvar outras smente pono o thas, dlesvinndo-se dlaquelas que emitem um som demasiado autoritirio ow Alensiis, formande com seus iguais acordos e acories, mesmo fugidies. A comunidade {dew velibatirios & a do homem qualquer ede suas singularidades que se eruzam: nem Anulividualisina nem comunialismo. TNC L.USOES Neste percurso ziguezagueante, percorremos a comunidade dos celibatérios, a ‘comunidade dos sem comunidade, a comunidade negativa, a comunidade ausente, a ‘conmunidade inoperante, 2 comunidade impossivel, @ comunidade de jogo, « ‘vomunidade que vem, a comunidade da singularidade qualquer — nomes diversos phir una figura nfo fusional, no unieéeia, nao totalizavel, fo filialista de comunidade, [Resta saber se essa comunidade pode ser pensada, tal como 0 sugere Negri, como uu: ontologia do comum. A resposta est insinuada na primeira parte desse texto: hos termos de Deleuze, 2 puttir de Espinosa ¢ sobretuda em seu trabalho conjunto eon Guatari, e nas condigdes atuais de um maquinismo universal, a questio é a do plano de imanéncia ja dado, ¢ ao mesmo tempo, sempre por construir. Na contramio dla sequestro de cormum, da expropriagio do comum, da transcendentatizagaio do ‘comum, trata-se de pensar o comum ao mesmo tempo como imanente © como em ‘gonstrugo. Ou seja, por um lado ele jé € dado, a exemplo do comum biapotitico, ¢ [Por outro esta por constrvir, segundo as novas figuras de comunidade que o comum tussim concebido poderia engendrar. Esse pequeeno itinerstio pode servir para descobrirmos comunidade ld onde no ve via comunidade, e no necessariamente reconhecer comunidade 14 onde todos Gers consunidade, nao por um gosto de ser esquisit, mas por uma ética que contemple lumbém a esquisitice e as linhas de fuga, novos desejas de comunidade emergentes, novas formas de associar-se e dissociar-se que estio surgindo, nos contextos onais tauspiciosos ou desesperadores, * 0 CORPO DO INFORMI Giorpin Agamben Jembra que a fiteratura ¢ © pensamento também fazem expetimentos, tal como a cifneia, Mas enquanto a ciéncia visa provar a verdade ou filsslade de uma hipstese, a literatura eo pensamento tém outro objetivo. So jexperimentos sem verdade, Eis alguns exemplos, Avicenas prope sua experiéacia «le himem voador, e desmembra em imaginagio o compe de um homem, pedago por Pedlugo, para provar que, mesmo quebrado e suspenso no ar, ele pode sinda dizer “ea sou", Rimbaud diz; “Eu é um outro”. Kleist evoca 0 compo perfeito da marionete ‘como parauligma do absoluto. Heidegger substitui ao eu psicossomético um ser vazio « inessencial.. Segundo Agamben, 6 preciso deixar-se levar por tais experimentos, Ainavés eles, arriseamos menos nossas conviegdes do que nossos mods de exist@ncia No domfnio de nossa histéria subjetiva equivalem, lembra ele, a0 que foi para 0 Driniata a Hiberagdo da mao na sua postura ereta, ou para o répil a transtormaciio di membros anteriores, que the permitiram transformar-se em pissaro, & sempre do ‘orpo «ue se trata, mesmo e principalmente quando se parte do corpo da eseita.! IMaciins LITERARIAS nesse espirito que eu gostaria de partir de uma ou outea imagem literéria, © as VariagBes em tomo delas. A. primeira é a do mageo corpo do jejuador de ‘Kafka, por cuja arte ja ninguéan se interesse, abandonado numa jaula situada perto dos estdbutos, no fundo do cireo, Kafka descreve o homem pélido, fitando 0 vazio «om 08 olhos semicerrados, com costelas extremamente salientes, bragos ossudos, intura delgada, corpo esvaziado, pernas que, para se sustentarem quando ¢ posto de é, apertavam-se uma contra a outra na altura do joelho, raspando o chia — em, ‘suind, um feixe de oss0s. No meio da palha apodreeida, quando os funciondtios do ‘irco 0 encontram meio por teaso e Ihe perguntam sobre as raztes de seu jejum, ele ‘rue sua cabecinha excessivamente pesada parao pescogo fraco,e responde falando- 1) AGGAMBEN, Giorgio. Barly ofa erate Poi, Cros, 1995, p99 Thor dear slr aretha, antes ale expan: “Porque eu mi pre encontrar @ aint {Que si uprla, Se cu o tivesye encontrade, pexle nereditar, ne teva Feito menu Aluzle © ine etapantargaca coma vou & todo mundo"? Fieamos sabendo, 40 Final, que foul onite cle dé sew sltimo suspiro & usada em seguida para alojar uma untera de corpo nobre, "provide de tudo. que é necessério”, que dava aimpressdo de vanieyit'a pripea liberdade em suas mandtbelas ‘A segunda ingem & a do corpo de Bartleby, o copista, de Melville. De intci, Aruhullalor iseansivel sentado por tes do biombo, mas sem demonstrar o minimo ‘ponte elas e6pias que realiza, de repente, a cada ordem que recee do patrao, omega itrexponder: Proferitia nfio, O narradorassiim o descreve: © rosto magro e macilento, ‘face chupada, calma, olhos cinzentos, parados e opacos, por vezes bagose vidrados. 0 carpe raqultico, que se alimenta de bolinhos de gengibre, a silhaeta pélida, as ‘eres ein mangas de camisa, estranho e esfarrapado traje caseiso, uma indiferenga ‘cavalhsiresea e cadavérica, Em Suma, um destroco de naufrigio em pleno Auiintico. Ito mais insuportavel aos olhos do advogado: a resist€ncia passiva. Impossivel "uiinidar a sua imobilidade”, Mesmmo na prisdo, ali esté Bartleby, 36 no patio mais Inoludo,o vosto voltado para uma alta parede, ou definhado,deitad de lado, recusando: we nalimentar-se, Ao descobrir que esse homem sem passado ocupava-se outrora de surtas extraviadas, o narrador se selere compadesido a esses homens extraviados. O coxro £0 axsto Recusemos as interpretagses humanists, repletas de sentido ou piedade arespeito de tis homens extraviados com seus corpos iméveis e inettes, esvuciados e esquilides. famos razbes de sabra, € verdad, para associéclos a uma cadeia infindével de eorpos aviltados, na crueldade e indiferenga dos genocidios que povoaram a Iconografia de nosso tiltimo século. Mas insisto, fiquemos inicialmente apenas com fessas posturas esquisitas, esse “de pé frente ao muro", esse “deitado” no meio da patha, essa cabecinha caida mas falando dentro da orelha, esse estar sentado por tris {Uo biombo, esses gestos desprovides de estes tradicionais, como diz Walter Benjamin fem seu ensaio sobre Kafka, mas que ainda preservam uma certa margem de manobra ‘que a guerra viria abortar, Um gesto & um meio sem finalidade, ele se basta, como na ‘danga. Por isso, diz Agamben, cle abre a esfera da ética, prépria do homem, Ainda mais ‘quando cle se di a partir de um como inerte ou desfeito, ns conjangao inpossivel entre ‘o moribundo ¢ 6 embrionatio, como € 0 caso nos personagens litetrios mencionados, Pensemos na fragilidade desses corpos, pr6ximos do inu {angenciam a morte, e que no entanto encarnam uma estranha obstinagio, uma recusa inabaldvel, Nessa rentincia ao mundo pressentimos o signo de uma tesisténcia, Af se ano, em posturas que 2B KAPKA, Franz, Um oni foc, Sto Palo, Braiens, 1994, p38. ee nit alg cxsenc ha ake |apliey Hinde, Newsts sere somoy cunfientadees a aneKL sues ue & nie aveigae, una ee scnsibiiinkeeauwer nda dle aan 2, un torpor que ans pain que & jas patios, cas. pice que nlf alikade superior, Vara deserever a vida de esetitar, 1h uinyreat semvethante: “Fo eseritorT yeza ee wana Fi I sale irvesitéve, que proven «lu Lalo ule ter visto © ouvide coisas demasiado grandes para ele, fortes demas espitaveis, caja passigem © exgota, dindo-the eontudo devires que uma gore ‘wnt dominante tornaria imposstveis.”* O que o eseritor reuse, tal come o jejuador ‘on wescritunirio, 64 gorda side dominante, oempanturrament, a obluragio ineitiga, 4 epnancia plena de um muskdo por demais categ6rico, a mandibala da pantera, Comprecnlaimo-nos: a debilidade e exaustiio do escritor devem-se a0 fato de Ie vin demitis, owviu demais, foi atravessado demais pelo que viu e ouviu, iuathguoat se e desaleceu por isso que é grande demais para mas em relagai 'u@ ele s6 pode manter-se permedvel se permanecer numa condigto de fragilidade lv impertvigio, lssa deformidade, esse inacabamento, seriamn urna e dtu Wlerutura, pois & ali onde a vida se encontra em estado mais embriondivio, onde a lion wind nao “pegou" inteiramente, como o diz Gombrowiez 4 Nio hd como, fHoln, preservar essa liberdade de “seres ainda por nasces” tho cara a tantos autores, unt Corpo exeessivamente musculoso, em meio a uma atlética autosuficiéncia, Hlenusiadumente excitada, plugada, obscena. Talver. por isso esses personagens que ‘nieuvioniamos precisem de sua imobilidade, esvaziamento, palidez, no limite do corpo motto, Para dar passagem a outras forgas que um corpo “blindado" no permitiria Sertipresiso produzit um corpo morto para que outras forgas atravessem 0 corpo? Jari observou recentemente o processo por meio do qual, na canga contempo ‘neoxpo se assume como um feixe de forgas-e desinveste os seus Grgios, desembaragundo- 1 dos “modelos sensério-motores interiorizados”, como 0 diz Cunningham. Um corpo “yuwe pode ser desertudo, esvaziado, roubado da sua alma, para entio poder “set flravessado pelos fluxos mais exuberantes da vide que jf & urn corpo-semn-6 vem virtual E ai, diz Gil, que esse corpo, s, constitu; ao seu redor um dominio intensivo, uma uina espécie de atmosfera afetiva, com sua densidade, textura, cosicade proprias, como se 0 corpo exalasse ¢ libertasse forgas inconscientes que ‘ineulam & flor da pele, projetando em torno de si urna espécie de “sombra branca””® 'Nito posso me furtar&tentago, nein que seja de apenas mencionar,.experiéncia ia. Teatral Ueinzz. Por vias exist sla C iciais © estéticas inteiramente outras, eencontramos entre alguns dos atores, “‘portadotes de sofrimento psiquico”, posturas “extraviadas", inumanas, disformes, solitérias, com sua presenga impalpavel e peso «de chumbo, em sua esquisitice e cinilaneia préprias, odeados de sua \y DELUUZE, Ges. Cries « clive. Sia Psi 41 GOMBROWICZ, Wits. Conte les pes Pai S)IMSSANHA, Tolan, Cercea do agar, 1) GI, Fos. Movimento ott Lisbon, Reo soa, 2001, p13, 1997, 9. 14 Compilers, 1988, 2 129, 0 “zona cle pueilae ulensiva, emer «express cana po Ua revista vevente tus eate nto. Nao iso que eedordas postr de Husted on de yon de Kalk? Mas pos que nos pare to dil fever esas posturas sem sentido, sens inten, sem inalidad, radeados de sia soa brane, de sua zona de opacidad ofensiva? O vokin gun sho AGUENTA MAIS Vrulver. devido aquilo que David Lapoujade, na esteita de Deleuze ¢ sobretudo, do Heckel, definiu da maneira mais coloquial e lapidar possivel: trata-se de um ‘borpo qui nen: peut pls, que nfo agienta mais. "Somos como petsonagens de Beckett, pura os quis dificil andar de biciclet, depois, dificil de anclar, depois, dificil de slmplesmente se arrastar,e depois ainda, ce permancer semtado... Mesmo nas situagées ‘un vez mais elementares, que exigem cada vez menos esforgo, 0 corpo nio agilenta Imnis."Tudo se passa como se ele no padesse mais agir, no pudesse mais responder. ‘ncompo é aquele que nip agilenta mais”, até por definigao. Mas, pergunta 0 autor, © que & que o corpo nio agilenta mais? Ele nfo agtlenta imuis tudo aquilo que © coage, por fora e por dentro. A coagao exterior do corpo desde tempos imemoriais foi descrita por Nietzsche em paginas admiraveis de Para a gencalogia da moral, € 0 “civilizat6rio” adestramento progressive do innimal-homem, a ferro ¢ fog, que resultou ma forma-homem que contiecemos. Na ferfeira de Nietzsche, Foucault descreveu a modelagem do corpo moderno, sua Uocilizagio por meio das tecnologias disciplinares, que desde a revohugo industrial tlimizaram as forgas do homem — ¢ temos disso «lguns ecos em Kafka também, Pois bem, corpo sao agiionta mais precisamente 0 adestramento ¢ a disciptina ‘Com isto, ele também ndo agdenta mais o sistema de martfrio c narcose que 0 ceristianismo primeiro, ¢ a medicina em seguida, elaboraram para lidar com a dor, tum na sequéncia e no rastro do outra: culpubilizagio e patologizacio do sofrimento, Insensibilizacdo e negagdo do compo. Diante disso, seria preciso retomar 0 corpo naquilo que Ihe & mais proprio, sua dor no encontro com a exterioridade, sua condiglo de corpo afetado pelas forgas do mundo, Como o nota Barbara Stiegler num notivel estudo sobre Nietzsche, para cle Lodo sujeito vivo & primeiramente um sujeito afetado, um corpo que softe de suas alecgdes, de seus encontros, da alteridade que 0 atinge, da multiddo de estimulos © exeitagdes, que cabe a ele selecionar, evitar, escolher, acolher... Para continuar a ser 3) Pass ual dtheswbre « Cis #) LAPOUTADE, Davie “O como que no agen mak In Netache « Delete qu peo como, D. LINS, Daniele GADELMA, 80 (or Relome Dare, 2002 pp. 82 5 9 STIEGLER. Burrs, Niaz et Te Dito Dep inn, vero text ila “Exquiocans", ma Pane VI, p15, Afetado, mals © melhor, o sujet precisa fear aento s excltagées que o afetam, € Filtra, rejeltando aquclas que © ameagam em demasia, A aptidldo de wi ser vive de permianecer aberto ds afeegoes e halteridade, ao estrangeiro, também depende da ‘ capacidade em evita a viokkncia que o dest Nessa linha, também Deleuze insiste: um corpo no cessa de ser submetide 208 fncontras, com 3 luz, © oxigenia, os alime os, 0s sons € as palavras cortantes —u Corpo 6 primcicamente encontro com outros corpas, Mi rote as para acolher as Feridas mais sutis, ou como diz, Niotasehe em eve Homo, usar da “autodefesa” para preservar as “miios abertas""? Como tem ele a forga de estar d altura de sua fraqueza, a0 invés de permanecer na fruqueza de cultivar apenas a forga? E assim que Lapoujade define esse paradoxo: m0 estar a altura do protoplasma ou do embrio, estat a altura de seu eansugo a0 Inivés de ultrapasss-lo em um endurecémento voluntarsta..2 ‘Assim, © corpo ¢ sindnimo de uma certa impoténcia, e & dessa impoténcia que le agora extrai uma poténcia superior, iberado da forma, do ato, do agente, até exnio da "postura se das grandes f © convo Pds-oRGANICO ‘Mas talvez.0 quadro contemporineo torne tudo isso muitissimo mais complexo, lendo em vista as novas decomposigdes do corpo material, Num contexto de digitalizagio universal, em que uma nova metafora bioinformstica tomow de assalto © nos80 corpo, o velho compo humano, to primitivo em sua organicidade, jé parece obsoleto, Diante da nova matriz. tecnocientifica, onde o idedrio virtual vé na snaterialidade do corpo uma viscosidade incOmoda, um entrave 2 liberagio imaterial, somos todos um pouco handicapés. Nesta perspectiva gndstico-informtica, ansiamos pola pera co enparte carnal, agpiramox por uma imateriatidade fuida e desencarnada Neo cartesianismo high-tech, aspiracdo incorpérea, platonismo ressuscitado, fato & que hd um tecno-demiuegismo que responde a uma nova utopia sociopolitica, Ss ‘onginica pés-humana, como diz Paula Sibilia num trabalho recente..! Nao ha Porque chorar que um certo humanismo tena sido superado, € verdade, mas isso ‘lo significa que se possa evitar uma inquietagto crescente. Talvez 0 mais dificil fse)a suber qual a relagdo entre o que alguns chamam de corpo pés-orginico, isto &, ‘osle corpo digitalizado, virtualizado, imaterializado, reduzido a uma combinatéria de elementos finitos e recombinaveis segundo uma plasticidade ilimitada, e © que ‘uttos chamaram da conquista de um corpo-sem-dratos... E verdade que ambos jconfiguram uma superagao da forma humana e do humanismo que Ihe servia de ‘suporte, mas ndo seria um o contrério do outro, embora precisamente estejam nesta 10) SIMILIA, Paula O homem pérorgduko, Rio de Jnsito, Relune Dumaré 200, ‘rinhana sho provocativa que o pensumento de Deleuze e Gatti nanea eansou de {xplorar nos virios dominios, to diferentes niso de uma cert rag etica, sein fli marxista on frankfurian, sempre mais dicotémica? Um poueo como Nietzsche, Jo 0 mais asustador pode trizer embutdo © mais promsssor. Ble, que se referin& iinscego opcrada sobre nds mesmos,e aos rsc0s c promesss af embutidos. Como «ierenciar a perplexed de Espinosa, com ofato de anda io sabermes {ue pote o corpo, do desato da teenocinci, que precisamente vai exprimentando 0 {ue se po como compo? Como diferencia a decomposigi ea desfguragio do corpo scesrias, como vimos,paraque as Forgas qe o atravessam inventem novesconexBes Hiberem novas potencins,tendéneia que caracterizow pare de nossa eultura das himas écadas, nas suas experimentages diversas, as dangas is drogase& prépria Hirata, como no confundir isto com a decomposigao © desfiguragio que a ‘nnipulagio biotecno¥igica suscita eestimula? PotGncas da vida que precisam de Jum coxpo- som Srgios para se experimentaem, por um lado, poder sobre a via que pecs de um corpo ps-orgdnico para anoxé-o ®t axiomstica capitalistic, TTalvez essa oposigio remeta a duas vertentes jf presentes em Nietzsche, na forma paradoxal que assumiram no final de sua existéncia, conforme a andlise de Stiegler. “O sujeito que recebe a poténcia niio sai dela ileso, Ferido, safrendo com sn ferimentos, depois vivendo dolorsamente seus sofrimentos,coloca-se a ele foil yer mais elaramentea questo da sorte de suas préprias lesbes: eve ele rare lus por enéepieas medidas trapéuticas ou dixd-ls &prpria sorte, com 0 risco de {ue classe infectem? [eis] a forga da aporia com a qual se enftenta 0 vivente Humano, o nico que € conseiente de seus feimentos: odo sofrer deve ehamar Apt; mas um agit que no impesao sofrer; as patlogias do vivente reclamam uma dicing, mas uma medicina que respite as patlogias como uma condigio da vida.” [Assim,oestatuto do corpo aparece como indissociavel de uma fragilidade, de uma dor até mesmo de uma cera “passividade”, condigdes para uma afirmasio vital de uit videns. Aysar das diferentes inflexdse 6 soni para Niotzoche, para Artaud, puta Becket, para Deleuze, e em cena circunstincias também para Katka © coro pe Karka [Em Kafka temos inicialmente a particularidade de ele referir-se em abundincia uo seu préprio compo, seja no didrio ou nas cartas, e de mancira sempre negativa. ‘*Bscrevo isso certamente determinado pelo desespero por meu corpo e pelo futuro ‘eom esse corpo" (1910); “Par certo, o meu estado fisico constitui um dos principais Dbstéculos a meu progeesso, Cam semelhante corpo, nada se pode aleangar. Preciso ‘ne habituar a suas constantes Falhas” (21 nov. 1910); “A altura de Bergstein, volton- ‘me o pensamento sobre o futuro distante, Como farei para suporti-lo com esse corpo tirado de um depésito de trastes? (24 nov. 1910). No mesino sentido, Katka refere-se ds forgus que the fala para levar a born Jorma sua tarofa litera, ou das forgas que deve poupar recusande o casamento ow ‘Outros compromissos. "S6 o que tenho so certas forgas, que, em wma cixeunstnc Hori, se Concentram em una profundidad quis, mew presente estado profissional efisico, no ouso eontiat.""! Ow outras mengoes a mesmo te ais como: “A unio com F, d ais Forga de resisténcia & minha Vida" “E preciso reconhecer em mint un (0 muito bos na ative Htonitia, Quando meu organism percebeu que escrever era a diregio mais fecunda do mou ser, tudo se ditigiu para af © foram abandonadas todas as eapacacidades ‘ultras, as que tém por objeto os prazeres do sexo, do beber, do comer, da meditagio Hosotien e, antes de tudo, & misiea. Bra necessério, pois minhas forgas, mesmo Jounidas, eram to pequenas que 56 pela metade podiam atingir o ubjelive de Wor. Ou ainda, em 1922, 0 seguinte desabafo numa estadia de hotel: “ineapa. tle ser eonhecido por quem quer que sea, incupas de suportar um conhecimento, no lindo cheio de um espanto infinite diante de uma sociedade alegre ou diante dos pais 9m yeu filhos (no hotel, naturalmente, nBo hd muita alegria, no chegoria a dizer ‘que 4 eu a causa, na minha qualidade de *homem com uma sombra grande demas’, nas efetivamente minha sombra & demasiado grande, ¢ com um novo espanto eu de resistencia, a obstinagao de certos seres em querer viver ‘apesar de aulo' nesta sombra justo nela.j;além disso abandonado no somente aqui, mas «mn geral, mesmo em Praga, minha “tera natal’, ¢ no abandonado dos homens, isso ilo seria 0 pior, enquanto cu viver poderei correratrés eles, mas abandonado por mim em relago aos sees, por minha forga em relagioaos seres”! Nesses fragmento jporoeberse © que notou o eritico Luiz Costa Lima: “Contra um corpo débil, Aosgracioso, instrumento inseguro para com ele vislumbrar o futuro, Kafka persersta 4 forgas que poderiam animé-to, arancé-o da incerteza, da confusio eda apatia”." Mas em meio aessa estranha contabilidade energética, em que jd no se sabe se ue vein de fora apenas fore vu tanibént nae U eorpu debits, UKE fase UO Final de 1913 salta& vista: “Nao € de fato necessério nenhum empurrio; apenas retrada da Gti forge aplicada sobre mim e chegaret um desespero que me ospedagara”. 6 onde o atrto com 0 mundo parece to dofdo quanto necessério, quase uma prova de existéncia, Aparece assim a relagio intrinseca entre resist ¢ xistir no seio de um corpo debititado. ‘Talvez uma tal relagdo, nfo sé em Katka, mas também nos autores mencionaulos, Aeixe entrever no corpo uma farca de resstr face ao sofimento. Ou se, meseMO 10 \lofender-se das feridas mais grossciras,cleseabre paraacolhera variedade das alecgGes futis: concomitantemente, torna-se ativa a partir de seu sofrimento primério, da sensibitidade clementar, das dores ¢ferimentose afetagdo origindtia, Em outs terms, concenirag 11) KAPKA, Pan Garo a Ftice de 16 de junto ds 1913, 12) Chuo por BLANCHOT, Maurice. Lespace litrire. Pcs, Gallimard, 1985, ».7. 1H) COSTA'LIMA, Laz, Liner de rec? Kapa, Rio de Janeiro, Roceo, 1983, cap. 2 foro tornase ativo justamente a partie dessa passividade constitutive, sem net jnvdo dela um acontecimento, como em O artita da fame, Que iso desernboxue por en Morte quase uma necessidaae."O que eserevi de melhor se deve capacidade poder noxrer content, Fin todas estas boss €eonvincentes passagens,trata-se sempre figuém que more, o que the & muito duro, que vé nisso uma injustiga¢, pelo menos, Jum rixor para consigo av menos segundo penso, isso é tocante para o leitor. Para mim, filrelanto, que cteio poder estar contente no feito de morte, tais descrigdes sto seerotamente un jogo; akegro-me em morrer na figura que morre..” “Para além de toda uma teflexiio possivel sobre a morte como parte da prépria 9 terdria, tal como o demonstrou Blanchot de maneira insuperdvel, talvez hanes nesses escritos o indicio do que Peter Sloteedijk chamou de uma outra (eeologia da dore do prazer. Ao contrapor-se a silenciamento do corpo e do sofrimento posto pela metafisiea ocidental desde o seu inicio, na sua versio flosifica,religiosa Iédica, assistrfamos desde Nietzsche i emergéncia de uma outra economia da isto 6, uma relago outra com a physis & com o pathos, livre da utopia asséptica ‘um porvir indolor ¢ imaterial. 4 dor & reinserida na “imanéncia de uma vida que Wo precisa ser redimida”, de modo que se reatiza, af, “o ato de suportar 0 iuportivel."* © Moxisunvo & 0 REcEM-NasciDa ‘alvez caiba uma dtima nota antes de passar’s minhas pareas conclusdes, Num Intigo enigmético, Deleuze lembra 0 que tinham em comum Nietzsche, Lawrence, [Astaud, Kafka: uma avers & sede insaidvel de ulgar. Ao sistema do juzo infinito ‘gpuseram um sistema dos afeetos, cada um a seu modo, onde as dividas nfo mais se Inserever absence nun HuHe autOnoir geese ae nvose ols as maicann ‘08 corpos finitos em seus embates. Nao mais as protelagoes infindaveis, divida Impagivel, absolvigao aparente, juiz onipresente, mas o combate entre corpos. AO Corpo do juizo, diz Deleuze, com sua organizagio, hierarquia, segmentos, Uiferenciagées, Katka teria oposto 0 corpo “afetivo, intensivo, anarquista, que s6 Ccomporta polos, zona, limiarese gradiontes”. Desse modo desfzem-se e embatalham. seus hicrarquias, “preservando-se apenas as intensidades que compdem zonas incertas| as percorrem a toda velocidade, em que enfrentam poderes, sobre esse corpo ‘anarquista devolvido a si mesmo," ainda que ele seja o de um coledptero, “Criar parasi um corpo sem érgdos, encontrar seu corpo sem dreios 6a maneira de escapar all onde para fugit do gerente, do eoméreio ¢ dos ‘uroorata Jnsistem ow autores, no corpo desfeito ¢ intensivo que foge wo sistema do jufzo ou do adestramento da diseiplin, A snumnan equiva 1 forga com a forga, e enriquece aqguilo de que se poss Poderfamos encerrar aqui essa meno enigmstica a Delewze, mas nie terfamos Alngido suticientemente a estranheza desse texto caso nio.o completissemos com a dupla referencia aquilo que methor encarna uma tal vitalidade ndo-orginica Jnanéncia: una vida, comparece 0 exemplo de Dickens. O canalha Riderhood esti proses morter num quase afogamento, e nesse ponto libera uma “centelha de vids sdoniro dele” que parece poder ser separada do canalha que ele é, centelha com a cual {odos A sua volta se compadecem, por mais que 0 odeiem, Bis af wma vida, puro ‘weontecimento, impessoal, singular, neuro, para além do bem e do mal, uma “espécie tle beatae”, diz Deleuze. O outro exemplo situa-se no extrem oposto da existéncia, (© ree6mn-nascidos, “em meio a todos os softimentos e fraquezas, sHo atravessados por uma vida imanente que é pura poténcia, ¢ até mesmo beatitude”. Pois também 0 bbobé, tal como o moribundo, éatravessado por una vida, um “querer-viver obstinado, ‘cabegtilo, indomavel, diferente de qualquer vida orgnica: com una erianeinha jé se ‘em uma relago pessoal organica, mas mio como bebé, que concentra em sua pequene” 4 cnergia suficiente para arrebentar os paralelepipedos (0 bebé-tartaruga de uma vitaidade nio-organica e Mesmo nos gestos ke combate to IreqUentes.em Kaka (defesas, staques, prada), se anuncta fo-organies, que complet urpreenclentes, em que se vai do sistema do juizo aos recém-nascidos, ia vertiginosa de cambalhotas, perserutando um aquém do corpo e da, Vidi individuada, como se Deleuze buscasse, ndo s6 em Kafka, Lawrenee, Artaud, Nietzsche, mas ao longo de toda sua prépria obra, aquele limiar vital a partirdo qual todos os lotes repartidos, pelos deuses ou homens, giram em falso e dertapam, perdem, 8 prognaincia, jé nde “pegary” no corpo, permitindorlhs redistribuigéics seal ax Inais inusitadas, Um tal limiar, situado entre a vida e a morte, entre © homem eo ‘animal, entre a loucura ea sanidade, onde nascer e perecer se repercutem mutuamente, poe em xeque as divisdes legadas por nossa tradico — ¢ entre elas uma das mais dliffecis Ue serem pensaclas, como se verd a seguir. Vip ses roRMA, FORMA DE VIDA Agamben Jembra que os gregos se referiam a vida com duas palavras diferentes. Zoé reletin-se 4 vida como um fato, € 0 fato da vida, natural, biolégica, a vida nua” 16) DELEUZE, Gc GUATTAR),F. Kal por wna ferns menor, Rio de Jac, Image, 197, p21 19) DELEUZE, G. Cetin e linia, op iy (49-150. 1) Km, p. 151 los designavaa vida qualiticada, uma forma devi, enn meade de vida earaetersticn um individuo ou grupo, Saltemos tds ws mediagdesp folagio ent vida rise poaer soberano,” para indica simplesmente 0 seguinte: conlexto eontempor’inen red as formasale-vida A vida nua, desde © que se faz 01 0s prisioneinos da A Qaeda na hase de Guantnamo, ou com a resisténcia na Palestina, on com deteatos nos presiios do Brasi hi poucos anos atris, até © que se Jporpetta nos experimentos bioteenol6yiens, passando pela excituglo anestésica em ns & que somos submetidos eotidianamente,reduzidos que somos a manso gado ibernctico, eiberzumbis, como eserevia Gilles Chatelet em Viver pensar como cos, Dinnte da redugio biopoltica das formas-le-vida & vida nua, abre-se um ede desafios dos quais um dos mais importantes poderia ser formulado da seguite ner: comme extra da vs ss evitsale-vida quand a pp nana se dest, ‘vomo fazé-1o sem reinvocar formas prontas, que so o instrumento da redugio & Vida nu’? ‘Trata-se, em suma, de repensar o corpo do informe, nas suas diversss Imensies. Se os personagens que mencionet, juntaments cam seus corpos esquilidos, jgestualidade inerte, sua sombra branca ov demasiado grande, soa opacidade ensiva, sua passividadsorigindria,repercurem em meio a espago iteririo“neutto” «que surgiram, € porque do interior do que poder parece a vida musa que foram luzidos pelos poderes, sejam eles soberanos, dsciplinares ou biopolticos, nesses Jorsonagens se express rma vida, singular, impessoal, neuta, no atibutvel a um Ajit e situada para além de bem e mal. Talvez por tatar-se dle uma vida que no fuece de nla, que goza de si mesma, em sua plena poténcia — vida absolutamente Iinanente —, que Deleuze referiu-se eatitude Em todo eso, poderiaosarisearahipstese de que nesses personagens “angels”, ‘omo dizi Benjamin, fala ainda a exigncia de uma forma-d-vida, mas wma forma Alevida sem forma, e precisament, sem sede deforma, som sede de vere, sem sede dh julear ou ser julgado Bisa, como dizfamos no inicio, experimentos que pbem em ose nossos mogos de existent, © que ialvee eyulvatia, ne dutty subj, wy que foi para o primate a fberagao da mao na sua postura ere joss do ator a respeito [Extrapolando o citcuito litera, 6 talver esse 0 paradoxo que nos € proposto felos tempos presentes, nos diversos dmbitos, da arte a politica, da clinica ao Jensamento, no seu esforgo de reencontrr as forgs do corpo € « coro do infor Nos termos sugeridos «partir de Agamben e Delewze, isto significariao seguinte: no nesino dominio sobre o qual hoje ineide o poder biopolitico, ist é a vida, redurida Assim vida nua, tata-se de reencontraraquela uma vid, tanto em sua “beaitue” {quanto na capacidace neta embutia de fazer varie suas formas. 10) Ch respato @ eno fatal “Vide nna Pane Mp 60, deste Ho.

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