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COLECAO AMAZONICA SERIE JOSE VERISSIMO vicente salles O NEGRO NO PARA Fundacdo Getélio Vargas +. Universidade Federal do Para . a Pera = — Com os cumptimentos do. DIFUSAO CULTURAL i Prof. De. Diversos dbices dificultam a cria- do de um pensamento brasil fécnico-cientifico. Roros so as pesquisas @ estudos de cientistas & } fécnicos nacionais editadas e le- ui destin. ail ee Nisiades, ° | ety. Goo. José Maleher, 1192 mé circulagdo da obra, os peque- nas tiragens, custos e precos altos concorrem para reduzir sua cir- culagdo e, assim, os beneficios dela decorrentes, E que o livro sé ) cumpre o papel de veiculo de cul- | tura quando, editado, circula. } Nas atuais circunsténcias, o livro, a principal arma no luta contra o subdesenvolvimento, tornou-se uma | aventura imprevisivel: escrito, rara- | Hoysio da Costa Chaves Rater da Universidade Federal do Para Belim-(Pard mente 6 editado, pois ndo tem venda garantida; quando vende, € consumido por publico restrito, j tornando-se a cultura, privilégio de | alguns poucos. | Essas limitagées impuseram e im: pSem a proliferacdo dos tro dusdes. Em um mundo intercomunicante, | as tradugées desempenham um Papel salutor. Mas, hé que dis- ; finguir @ traducéo indispensével } da tradugdo oleatério. Hd que Yerificor as reais possibilidades culturais de nossos técnicos e cien- istas pera que possamos identifi- car equilo de que podemos pres- cindir. E ha, também aindo, que se determinar exatamente no Grea téenico-cientifica as fronteiras entre ‘ ; © que devemos importcr e o que devemos fozer, inclusive porque t6do cultura, pora ter raizes séli das, deve-se conformar co terreno Que Ihe € prdprio, assumindo suas Peculiaridades © necessidades. ——— Salles, Vicente. © negro no Pard, sob o regime da esc dagio Getilio Vargas, Serv. de publicagdes 1971 rissimo) Federal do Para Inclui bibliografia. 1. Escravos — Comércio — Brasil — Amaz6nia, 3. Negros no Para. 4. Neg Getdlio Vargas, Rio de Janeiro. MN. Pars III, Série. IV. Titulo. Edigao realizada em convénio firmado ¢ i xvi, 336 p. ilust 21 cm, (Colegio cbD CDL Vicente Salles 0 NEGRO NO PARA Sob o regime da escravidao FUNDACAO GETULIO VARGAS em convénio com UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARA » de Janeiro GB Brasil — 1971 edigio deve-se a convéni firmado entre 2 Fundagio Gettlio ae ca ini eanteade Federal do Para. Direitos reservados desta ‘io da Fundacao Getulio Vargas, Praia de Botafogo, 188, ZC-02, Rio de Janeiro, GB, Brasil. © Copyright do autor Universidade Federal do Para * Reitor: Prof. Aloysio da Costa Chaves = Colegio Amazénica | S Diregao do Prof. Arthur Cezar Ferreira Reis => Série José Verissimo — Coordenagio da Prof? Maria Anunciada Ramos Chave = — Fundagao Gettilio Vargas — Instituto de Documentacio — Diretor Benedicto Silva — Servico de Publicagdes — Diretor: R. A. Amaral Vieira; coordenacao editorial: Anamaria de Vascor de Miranda Corréa; composto ¢ impresso por @D Accs invUstRIAS GRAFICAS S.A ellos; capa de Luiz antes A América é 0 vastissime cadinho em que se fundem hoje as diversas ragas e gentes do globo. Porventura sua missdo histérica é dar, servindo de campo para 0 cruzamento de tédas elas, unidade étnica & humanidade, e, portanto, nova face as sociedades que hao de viver no futuro. José Verissimo — As populagdes indigenas e mestigas da Amaz6nia. Sua linguagem, suas crengas e seus costumes. APRESENTACAO Este livro trata do negro na sociedade escravocrata do Brasil-norte. O estudo se limita & regiao Amaz6nica, em especial ao estado do Para, embora o autor considere a drea da escraviddo no Brasil-norte todo 0 territério que os colonizadores portuguéses transformaram, quase per- manentemente, no periodo colonial, numa tnica regio administrativa — denominada estado do Maranhao e Grao-Para. E conhecida — em- bora relativamente pouco estudada — a presenga do negro na antiga capitania, depois provincia, hoje estado do Maranhao. No Grao-Para, © negro nao chegou a se representar quantitativamente de maneira expressiva, salvo em 4reas muito limitadas, Mas nao deixou de plas- mar ai sua personalidade, de influir étnica e culturalmente, além de ante todo o regime da escravidéo, o suporte da econo- A auséncia de estudos especiais sobre o negro na regiio Amaz6ni- ca, salvo uma ou outra monografia perdida em pablicagdes de circulagao limitada, indicou-me antes de tudo a pesquisa de cardter historico, a fim de reunir a abundante documentagao que ha dispersa. Este livto resultou portanto do manuseio dessa documentagao; mas nao trata apenas da historia da escravidao do negro no extremo Norte do 5 Procura analisur sua presenga — como férga de trabalho, como étnico, como elemento plusmador da cultura amaz6nica; 0 negro agin= do e interagindo neste contexto — suas lutas ¢ vicissitudes, Fim conseqiiéncia, éste livro também pretende ser uma interpreta- efo, Adotei aqui o método que me_ pareceu adequado aos estudos desta natureza. Consultei a bibliografia que considero mais importan- te para o fim em vista, Todavia, apoio-me sobretudo nos documentos, nos materiais colhidos no Livro gresso do Maranhdo (Anais da Biblio- teca Nacional), nos Annaes da Bibliotheca e Archivo Piblico do Pard. 0a Colecao de leis da provincia do Grao-Pard (C.L.P.G.P.), NOs relatrios, jornais, revistas etc. pesquisados respectivamente na Biblio- tcca Nacional, no Arquivo Nacional e no Instituto Histérico e Geogra- fico Brasileiro. Visitei ainda alguns municipios paraenses onde a percentagem da populacdo negra € avultada, a fim de coletar dados culturais que pretendia juntar neste volume, ao lado de outros que a antiga vivéncia “me fizeram acum bund q sin co desdobramento volume contém apenas o estudo ia e lo a Este: ravocrata do Brasil-norte como peca huma- mento especial desejo consignar neste livro a trés que, duma maneira ou doutra, muito contribuiram para ‘a constancia de meus estudos sObre a cultura ¢ 0 homem a que recebe de bracos abertos todo paraense ‘a natal; Edison Carneiro, que viu nascer éste om jou sua claboragdo até o final, oferecendo suges- ‘orrigi-lo e melhora-lo, e Arthur Cezar Ferreira Reis, mestre ssuntos da AmazOnia, que Jeu o manuscrito antes de sua revisio muito se esforgou para abreviar a publicagao do livro. Todos ie disso, contribuiram com empréstimos e doagio de livros tos. gradeco ainda a Joao Farias, que féz na Biblioteca do Institute list6rico e Geografico Brasileiro ¢ no Arquivo Nacional a cépia de ‘Muitos documentos; a Arthur Napoledo Figueiredo, que me colocou a ce ar das pesquisas realizadas pela cadeira de Antropologia, da Facul- _ dade de Filosofia da Universidade Federal do Pari, por éle ¢ por ae ‘Vergoli 3 a Eduardo Galvio e¢ a t6da a equipe do Museu raense Emilio Goeldi, que me atualizam permanentemente com as “put } da diviséo de Antropologia; a Miranda Neto, Carlos Roc- ‘Marcos Carneiro de Mendonca, Nunes Pereira, José A Gou- Leandro Tocantins e — ¢ preciso repetir — Arthur Cezar Ferreira _e Edison Carneiro, que me permitiram transcrever largamente rmagdes aqui reproduzidas © que resultaram de suas pesquisas ais. Na extensa bibliografia apensa a éste volume esta todos que me possibilitaram a longa e apaixonante viagem através tempo e da erudicio. A Marena Isdebski Salles, minha mulher, como musicista, auxiliando-me nos assuntos de sua espe Ja. e) fete pe excelente pesquisadora de campo, incansdve 7 = @ds vezes penosas — viagens que temos realizado A Universidade Federal do Pad, a pessoa de seu magnifico Bid wu Costa Chaves, pela oportunidade da pu- & : Vicente Salles . PALAVRAS DO REITOR A publicagdo déste livro constitui a primeira iniciativa calor resultante do convénio estabelecido entre a Universidade Fe di Parad e a Fundagio Gettilio Vargas, com o objetivo de pér em execug um amplo e variado programa de difusao cultural. Mantendo as mesmas normas que até agora tém regido a séri obras da Colegio Amazénica, a nossa Universidade continuara cendo & cultura brasileira, sob o mais rigoroso critério seletivo, um conjunto de trabalhos de miiltiplo interésse, uns da autoria de escrito- res © mestres alidade, outros firmados por nomes insignes que se consagraram na literatura do passado. ~~ O negro no Pard, de Vicente Salles, pode ser considerado estudo sério ¢ escrupuloso, uma inteligente andlise da colaboragii elemento negro na conquista da Amazénia, e Ignoradas por muita gente, até mesmo por aquéles que se devota- ram pesquisa da influéncia africana na mestigagem brasileira, aj cem neste livro as mais curiosas e interessantes noticins da vivéneia da raga negra em terras do Para, i Ate O drama da eseravidio (que comegara com o cativeiro dos scl gens) é narrado pelo Autor numa linguagem realista e baseada | documentos auténticos, em informagées fidedignas. ba Vé-se o que foi, durante longo tempo, nas brenhas e nos povoa da Amazénia, a luta herdiea do povo que vinha da Guiné, de Ai Mogambique. 7 Urgia que alguém se dispusesse a fazer um levantamento contribuigao africana em solo paraense. E Vicente Salles se dedicou a essa ardua tarefa, realizando ni uma apologia do negro, mas uma louvavel reabilitagdo da a = % devemos, em grande parcela, a base econdmica do seten sileiro. y Nao hi exagéro em afiymar-se que o trabalho de Vicente Sall ineorpora, em pé de igualdade, ao que de melhor existe na vi bibliografia referente a participagio do clemento negro na vida naci Este livro, dentro da sua temiatica ¢ do campo que ird, sem a menor divida, figurar ao lado dos notaveis estu ‘Nina Rodrigues, Manoel Querino, Arthur Ramos, Jacques Raymundo, Renato Mendonca, Joao Ribeiro ¢ Edison Carneiro. Bis ai as razdes que levaram a Universidade Federal do Pard a ‘coeditar com a Fundacao Getiilio Vargas a presente obra, Aloysio da Costa Chaves Reitor da Universidade Federal do Para PREFACIO A presenga do negro na Amazonia constituiu, durante muito tem- po, assunto desprezado, em térmos da importincia insignificante que teria essa mesma presenga, O que se sabia nao permitia a verificagao mais ampla do papel que o negro africano pudesse ter dese na regiao, onde as lavouras — do tipo daquelas do nordeste nos ciclos da cana, do algodéo e do tabaco, das provineias fiuminense © paulista, no ciclo do café, como era no Brasil-central (Minas, Mato Grosso e Goias), no periodo mais intenso da exploragao do ouro ¢ diamantes — eram lavouras sem a projegdo das outras, A Amazonia integrava-se no império portugués na aventura da droga do sertio, & floresta, com sua multiplicidade de espécies comerciais, Comy unha oO que ja talvez pudéssemos denominar de ponto de atragdo ou dé ex i cagdo econdmica para a emprésa de desenvolvimento ¢ de posse que os luso-brasileiros realizavam, Nessa aventura, a mao-de-obra, facil, abundante e a unica que se poderia mobilizar com sucesso ime- diato, era a mao-de-obra dos aborigenes. Afeitos ao mejo, que conheciam em todos os seus mistérios ¢ particularidades, cram, por- tanto, fundamentais para identificd-las ¢ indicd-las no que valiam ou podiam valer. A droga do sertdo, solicitada da Europa, aos olhos vidos, interessados dos portuguéses da burguesia do Reino, poderia representar um papel de altissima importincia como sucedaneo da es- peciaria oriental, que estava passando a outras maos, mais ativas € nais severas na defesa daquele patriménio, A escasse da importiocia numérica do negro africano ja por ésses motivos explicava-se, tanto mais quanto 0 empreendimento agrario 86, realmente, no século XVIII, seria tornado, senao fundamental, mas uma experiéneia cheia de sucesso, A mao-de-obra indigena local, ameri- ca era suficiente ¢ natural, A mao-de-obra africana nao encontrava campo para sua experiéncia fisica e s6 a comegar, realmente, do con- sulado do Marquez, com a Companhia do Comércio do Maranhio, seria efetiva ¢ com certa intensidade. A bibliografia sObre a presenga africana na Amaz6nia, conseqiien~ temente, nunca foi expressiva. Escrevi um ensaio — O negro na emprésa. colonial dos portuguéses na Amazénia, editado inicialmente em Lishoa, 1961, Nunes Pereira escreveu dois — A introdugao do negro na Amaz6- _ divulgado no Boletim Geogrdfico, Rio, 1938, © Negros-escravos \mazOnia, divulgado nos Anats do X Congresse Brasileiro de Geo- I », 1952. jais recentemente, Anafza Vergolino e Napoledo ziredo escreveram Alguns elementos novos para o estudo dos batu- de Belém, divulgados nas Aas do Simpdésio sobre a Biota Ama- z6nica, Rio, 1967. Anaiza elaborou, depois, uma comunicagio & ieira reuniao de professGres de historia na Amazdnia, A bibliografia, como se vé, de uma pobreza franciscana e que nao conduzia sendo -aguela idéia primeira — o negro, na Amazdnia, nao representara um papel na dinamica-social, cultural ¢ ccondmica. O indio, ésse é que asse- ~‘gurara uma contribuicdo ponderdvel, impossivel ainda de uma medida exata, tal a extensdo ¢ profundidade por que ela se apresentara. Em investigacao a que procedia para melhor saber a formacio humana da Amaz6nia, tragara-me um roteiro de probabilidade sobre 0 negro na Amaz6nia. O negro seria estudado em trés fases distintas da Aist6ria regional. A primeira comecaria com a introducdo do negro escravo na Amaz6nia, a fim de, como em todo o resto do pais Substituir o indio no trabalho, permanente ¢ sedentario, da lavoura de mantimentos. Ao indio, a principio descidy das suas wis com ésse objetivo, ficaria reservada a tarefa de colhér especiarias do interior ¢ ajudar na penetragao da Amariinia Na segunda, pronunciando-se, em toda a sua férga, 0 ciclo das drogas do sertao, procedera-se ao mesmo tempo a0 inicio is. do uma experiéncia agraria, que explicaria a introduca de ee q p ‘odugto de s na Na terceira, estabilizara-se, a i énci _ a, esi . 2 partir da Independé Aboli G40, a populacdo escrava, ocorrendo pruridos de libertacdo ¢ pequena @scensao social do negro, com a expansao , i agricola e pecud da borracha. E cealaeiain A tese central seria, porém, a t ent . a de que o negro, embora tenk Substituido o indio na lavoura, nio foi tao necessarso na A ni como no restante do Brasil. A pequena percentagem de " contrada na regiao explicava-se, insistamos, pela utiliz we muitos daqueles trabalhos que deram, aon pate em profundidade na civilizacdo brasileira poden mo ee somente na Amazdnia se criara um tipo di ae © Indio tivera papel importante a desempenhar. O trabal i SENG Saba ee ae 40 Negro na constituicghio, na f 2 de vida © nos ramos ¢ tendéncias ‘da anes O roteiro, de certo modo, podia permitir a fo es que a presenca africana talvez se upreseniasse 1 ae eee. examinados e que autorizassem uma mudanca p n Shiv an Presenea possuia uma forca nao Suspeitada le agora se edita na série José Verissimo. = " erissimo, da t peer Pars, de autoria de Vicente Salles, vem site ar errs Parcs pondo Ba Aquela simples suspe 1a extraordinaria. Ao invés de um significante, a do negro, na verdade féra, senfo maior em & fi ch e iclo a indigena, de uma significagio ponderdvel, muito ponderdvel. vie cente Salles, com O negro no Pard, pretende, escreve éle, apresentar “uma interpretagio’’. Pretende comprovar que o negro ‘‘nao deixou de plasmar ai sua personalidade, de influir étnica e culiuralmente, além de constituir, durante todo o regime da escravidiio, o suporte da economia agrari Pretendeu, enuncia timidamente Vicente Salles. Na verdade realizou o objetivo que perseguiu. E éste livro é agora fundamental nos estudos amaz6nicos para que se saiba, com mais seguranga, sem hesitagGes ¢ sem desvirtuamentos, 0 que representara a contribuigdo africana na elaboragao social, cultural e econémica do gigantesco espago brasileiro do extremo norte. Além. do inventario histérico acérea das chegadas de africanos @ Amaz6nia, A luz das provas que pode compulsar nos arquivos e na pobre bibliografia existente, dados que ja se poderiam rever com o que divulga Manuel Nunes Dias em A companhia geral do Grdo-Pard & Maranhao, de recente edigao nesta mesma séric, ha a andlise muito serena do que representou, étnicamente, o negro na elaboragio da sociedade regional. Seguindo-se 0 papel do negro na sociedade esera- vocrata, os trabalhos e lazeres a que se entregara para chegar 4 luta contra a escravidio. Aqui, Vicente Salles reduz a sua pesquisa e a sua informagao ao Pard, quando poderia ter ido mais longe, com 0 moyimento abolicionista na provincia do Amazonas, que foi a segun- da, no Império, a declarar livres os escravos existentes em scu terri- trio (10 de julho de 1884) e sdbre que Faria e Souza, historiador amazonense, escreveu rico ensaio divulgado no Didrio Oficial daquele estado, numero especial que circulou em Manaus por ocasiio da passagem do primeiro centendrio da independéncia nacional, Ao examinar o quadro das primeiras manifestacdes da inquietagao social que abalaria o sistema colonial, levando-nos & independéncia, Vicente Salles passa em revista as raizes daquela inquietagao, cons- tantes de pronunciamentos, indicativos de um estado de espirito que nao era mais o dos dias anteriores, quando todos se conformavam & sceitavam & condi¢io material de vida como permitida e assegurada. A matéria poderia autorizar, sO ela, um ensaio especial spon que hd, na segio de manuseritos da Biblioteca e Arquivo do Para, farto material \ respeito, Entho, os negros, que lutavam j4 ostensivamente por sua liberdade, poderio ser propostos com maiores somas de dados escla- reeedores, inclusive no movimento dramético da Cabanagem. Este livro, voltamos a insistir, vale como uma verdadeira revolu- cho nos estudos amazOnicos, pelo que revela, pelo que amuncia, pelo que corrige, pelo que afirma, pelo que incorpora como novidade ao proceso da formagdo humana da Amazonia Arthur Cezar Ferreira Reis SUMARIO APRESENTACAO. PALAVRAS DO REITOR PREFACIO INTRODUGAO A conquista da Amaz6nia le PARTE — O CHATINAMENTO 4 6 A politica escravista do século XVII A politica escravista do século XVII © trafico 1 Primeira modalidade — assento 2 Segunda modalidade — estanque ou estanco 3.2.1 Companhia de Coméreio do Maranhio (1682-1684) 3.2.2 Companhia Geral de Comércio do Grio-Pari ¢ Maranhio (1755-1778) 3 Terceira modalidade — iniciativa particular 4 Quarta modalidade — © contrabando Quinta modalidade — © coméreio interno Mercadores de es Eseravos importados Procedéncia Exportagio de escravos 2» PARTE PTNIA © negro e a composigiio étnica do Par Mestigagem e interaglio social do negro Alguns esteredtipos e idéias afins Classificagiio étnica Tipos étnicos — imagens do século XIX Notas complementares PARTE O NEGRO NA SOCIEDADE ESCRAVOCRATA © regime senhorial © negro na cidade © negro no engenho O negro na fazenda x3s 13 ay: 28 30 ZRSEsSSaS 8S OL 101 13 14 li? §. Castigos e maltratos 6, Situagdo social do escravo 7. Preconceito de cor 8. O escravo perante as leis 9. Justica criminal 10, Anexos AL. Os libertos 4) PARTE — TRABALHO FE LAZER DO ESCRAVO 1. A férea de trabalho escravo 2. Especializacio e servigos 3. O rebaixamento do trabalho manual 4. Aluguel §, Domésticos 6. Negros de ganho 7. Outras atividades 8. Renda piiblica 9. Lazer do escravo 9.1 O negro nos contos populares 5% PARTE — A LUTA CONTRA A ESCRAVIDAO 1, Fuga ¢ quilombos -1 Destruigao dos mocambos -2 Principais mocambos -3 Mocambos de Turiagu-Gurupi 4 Mocambos de Macapé .5 Mocambos de Mocajuba 6 Mocambos da zona guajarina e baixo Tocantins -7 Mocambos do Trombetas ¢ do Curud 2. As lutas sociais ¢ o negro 2.1 Frei Luis Zagalo 2.2 Filipe Alberto Patroni 2.3 Batista Campos 3, A Cabanagem: uma répida visio da guerra popular 3.1 A luta de classes 3.2 © engajamento do negro na Cabanagem 4. A Aboligio: acio governamental 4.1 Sociedades emancipadas e/oy agio popular 4.2 Depois do 13 de maio 6% PARTE — DOCUMENTARIO. Antincios de jornais paraenses do séeulo XIX Uma escrava original (excerto), por Carlos Pontes . Referéncias bibliogrificas Hemeroteca (InstituigGes pesquisadas) ALN 130 133 137 141 148 150 183 159 176 180 185 196 265 310 O NEGRO NO PARA TRODUCAO A Conquista da Amazénia A fundacio de Belém, em 1616, marca a incorporagio definitiva da Amazonia ao espaco geografico portugués na América, Caio Prado Jé- nior vé nesse acontecimento a determinacao de motivos politicos 1. A jornada de Francisco Caldeira de Castelo Branco realizou-se, a0 que parece, para desalojar os estrangeiros que na regido haviam se insta~ lado, praticando escambo com os indigenas. Esse deslocamento, que ignorava por si mesmo a linha imaginaria do Tratado de Tordesilhas, levava implicita a motivagdo econdmica, concomitante e necessaria para a propria manutengdo da autoridade politica que se alargava e ad- quiria proporgdes incalculdveis. Belém, assentada nas proximidades do. delta, devidamente fortificada, estaria em condigdes de garantir essa autoridade sobre o vale em virtude de sua localizagio extremamente favoravel. Certamente, a miragem de terras férteis ¢ de riquezas estimulou também o avango. O Eldorado estava ali perto. E, suposto inexistente, lendario, a posse de terras inexploradas ja era um fator determinante. A carta, ou “‘relagio”, de Andrés Pereira, documento famoso divulgado pelo erudito espanhol Marcos Jiménez de la Espa- da, esclarece os motivos da jornada de Castelo Branco & nela se enirelagam essas miragens de riquezas. ? O motivo principal, revela ‘Andrés. Pereira, foi fazer — ‘*ndvo deseobrimento do grande rio das ‘Amazonas e para também se saber o que havia no ca do Norte”, conforme a ordem do governador geral do Brasil, dada ao capitao-mor Alexandre de Moura; ordem que deveria cumprir apds — ‘tao que tocava ao servigo do rei em deitar fora ao inimigo como (0) féz’* no Maranhao, Havia grande curiosidade pela Amazonia, E os portuguéses certa~ mente nao ignorayam que essa curiosidade visava o enconiro do Eldo- rado, talvez localizado nos dominios do Reino de Castela, A unificacado da coroa, desde 1580, possibilitou a infiltragao dos po! ses na \ Praoo Ju., Caio, Histéria econdmica do Brasil, S, Paulo, Ed, Brasiliense, 1959, p. 71 Annaes da Bibliotheca e Archivo Publico do Pari [doravante citados apenas como, dnnaes}. ¥. 1, P. S3. a se ‘ “Amazbnia. E assim, fundada a cidade de Belém, langaram-se éstes a nquista efetiva da regiao, cuja primeira fase foi marcada, quase conus exclusi mte, pela guerra aos holandeses, franceses, ingléses ¢ ir- Pe econ Edison Carneiro, ‘‘devia servir de trampolim para a penetragao e a ulterior ocupagio do vasto terrilGrio des- conhecido que lhe ficava a oeste’’; era, de fato, *‘uma base para 0 meyanco””.? ve = campanha contra os estrangeiros que exploravam feitorias no baixo Amazonas, negligenciada pelos espanhdis, teve pois como re- sultado a incorporacao da Amazénia ao espaco geogrifico ocupado Ren portuguéses. Ela colocou em evidéncia o nome do capitio Pedro eixeira, o mesmo que, saindo de Cameta, em 1637 comandando uma grande bandeira, subiu a calha do Amazonas ¢ chegou em via memoravel aos seus extremos ocidentais Belém nao poderia subsistir, como ponta de lanca contra a flo- resta, se nao houvesse em t0rno a lavoura de mantimentos Assim, jnstalados no Forte do Presépio, os portuguéses cuidaram de trazer alguns colonos para iniciar os trabulhos agricolas — a cargo de mio- -de-obra escrava, Paralelamente, foram deslocados alguns missiona- rios, destinados a contactar os selvagens das redondezas. Entre esses dois grupos — colonos ¢ missiondrios — manifestou-se uma |uta pela sse do gentio ¢ que, logo iniciada, tendia a agugar os antagonismos Hecoeiedece ascente. Joao Licio de Azevedo mostra que sempre houve desacdrdo entre os colonos e os missionarios, notadamente os jesuitas. Em 1626 os colonos j4 instalados no Pari nao consentiram no estabelecimento dos padres da Companhia, hostilizavam por outro lado os francisca- nos, os primeiros a se fixarem na regiao e que foram forcados abandonar as missOes, Era alids o que os jesuitas queriam, interessa~ dos vivamente em afastar os competidores. Mas em 1636 o jesuita Luis Figueira foi recebido em Belém com hospitalidade O escravismo acompanhou os passos dos colonos lusitanos. Em 1637, duas décadas apdés a fundagdo de Belém, entre os seus duzen tos moradores havia “*muitos escravos"’. ° Os portuguéses queriam dominar os indigenas e reduzi-los & escravidao; os jesuitas tambem pretendiam-nos para si, *‘impondo-lhes um jugo brando, segregando-os até onde possivel, dos europeus”. ® certos de que 0 convivio com ‘0s brancos 0s corrontpiam, a exemplo do que ocorria no Paragua ‘ 8 A Conquista da Amazénia, (Rio de Janeiro) Ministério da Vis ie scic 2 e da guerra ¢ da jormada de Pedro Teixeira foram relatades px jesuita Toss Figueira, Anrwes, v, i 35-25, caer nee : pe 8 "Em 1637 suas [de Belém) condicces existenciais representavam dores, muitos escraves, um vigario da paréquia, Varies aldcias indigenas na: dois pequenos conventos, sendo um dos Frades de Santo Antonio Cazmelits, Os moradores praticavamn lima peauena layours de, expeci € de algodao ¢ de cina, exia para o tubrico de agdear ( A e nade is. ee fF Fee oto Locio de, Os jenultas no Grio-Pord 2. ed. vey. Imp. ds | 4 Dessas desavengas derivou a introdugao da eseravaria de Africa c que, promovida pelos jesuitas, representava um acérdo. A. de- AntOnio Vieira nessa contenda foi decisiva. Fle manobrou hal r frente a dubiedade e fraqueza dos agentes do govérno, Como tiltimo recurso, aceitava-se O préto escravo que deveria ocupar o lugar do gentio nos trabalhos da lavoura, A experiéncia que se realizava no Estado do Brasil, onde o negro substituiu vantajosamente 0 brago— indigena, deve ter estimulado essa resolugéo ou inspirado seus pro- ponentes. Contudo, condigdes especiais da Amaz6nia, sobretudo uma Javoura incipiente, que prosperava com lentidao, retardaram a or; zagao do trafico. As culturas eram impréprias ao clima, de dificil ow lenta adaptacio; apenas a maniva, praticamente a nica espécie tal agricultada pelo gentio na sua precdria lavoura de subsist&ncia, podia merecer alguma aten: O transporte de pegas da Africa para 4 costa leste era muito mais lucrativo e estava desenvolvido de tal modo que desinteressava a iniciativa privada na abertura de um névo mercado, numa regio pioncira e de perspectivas econdmicas tio duvi- do: A lavoura da cana-de-acticar ¢ a mineragao eram atividades: priticamente inexistentes no grande norte. Restavam, além da mani de grande interésse para as populagdes indigenas, apenas as culturas do arroz e do algodao que, nesses primeiros tempos, nfo se mostra- vam promissoras. O extrativismo, que dava algum lucro, era atividade predatéria: dela podia ocupar-se o indigena, senhor da terra. A natu- reza oferecia abundante cacau e cravo. Em linhas gerais, o pensamento de Ant6nio Vieira, conforme Joao Liicio de Azevedo, era: introdugao de escravos de Angola por conta da coroa; proibigio absoluta dos resgates dos indios; desenvolvimen- to das Missoes e entrega das aldi aos padres da Companhia de Jesus, Justificava da seguinte mancira: a raga nativa era fraca ¢ sé pela segregagio poderia servir, como a experiéncia havia demonstra- do. O negro fora escravo em todos os tempos ¢ jd © era entre os seus. Pela organizagdo do trabalho colonial, nio podia ser dispensado 0 braco servil. Que se sacrificasse, portanto, 0 africano em beneficio da raga que os jesuitas queriam redimir e que ja lhes houvera custado sacrificios sem par! Propunha pois uma troca, Os colonos desejavam ardentemente obter escravos em condigdes: vantajosas de comercializagio. Logo foram atraidos pela caga aos selvagens, com a finalidade de aplicar 0 brago escravo como suporte de suas lavouras. Interpondo-se neste negdcio os jesuitas contrariavam os interésses dos colonos. Para contornar a crise, a metrépole aceitou o desafio da troca proposta, organizando em 1682 4 Companhia de Comércio do Ma- ranhio, que chamou a si o encargo de introduzir escravos africanos. Simonsen: ‘*Deu-se-lhe © contrato por 20 anos, com a obrigago de introduzir 10.000 negros na colénia, durante ésse prazo’’ 7 e o prego (1820), Curso professado na Paulo, Cla, Editora Nacional Smonses, R, C. Histdria econdmiea do Brasil, (19 Escola Livre de Sociologia ¢ Politica de 5. Paulo, 3. ed. [1957], p. 318 5 foi estipulado em 100 mil réis. A companhia teve conse- jas desastrosas, sobretudo na praca de Maranhao. Gerou uma eliéo — a revolta de Beckman — em virtude de ter contrariado erésses mercantis dos colonos, E o estanque foi abolido, «= A experiéncia agricola dos portuguéses no Para continuaya desen- ~ yolvendo-se muito Jentamente. Ai também os colonos pouco se inte- _ ressavam pelas pegas da Africa, que Ihes chegavam escassamente ¢ por um prego elevadissimo. Além disso, em Belém, aprimorou-se a 0 gio do triifico vermelho. Grandes interésses estavam cm- ados nesse negocio. Mas: ‘+4 mortalidade (dos indios) atingia nda cifras elevadissimas, pois os trabalhos nas fazendas, sobretudo da cultura da cana-de-agucar e do tabaco, eram em demasia pesados para os indies, mal habitua- dos A continuidade de servigos penosos. Com o rareamento do brago jndigena, provocado pelo exterminio da raga, aumentado pelo estabe- Iccimento das MissGes, que criavam novos eprovejtamentos para 0 indigena, principalmente nas regiOes habitadas pelas tribos, foi-s agravando, cada vez mais, a situagdo nas grandes fazendas Dai os remédios propostos; introducao do brago africano, form do de com- panhias de comércio, ¢ muitos outros que nao puderam remediar 0 mal, otiginando a série de contendas ¢ as dificuldades de vida com que lutavam os colonos”. * . Apesar de tudo, a agricultura floresceu. E, a partir de 1670, com a chegada de novos lavcadores, comegou a intensificar-se. A miragem ; de terras férteis induzird, a principio, a se estabelecer na Javoura eanavieira a base das atividades agricolas. Isto esta explicito na farta correspondéncia das autoridades administrativas. Acresce que, por essa €poca, ocorre a ocupagao de Pernambuco pelos holandeses. Para suprir de bragos a Javoura, ¢ as demais atividades, * foram introduzidos no Maranhao os primeiros escravos africanos, desta sor- te povoando de negros as margens do Pindaré, Mearim ¢ l'apicuru, por onde se espalhavam as fazendas e Javouras de arroz, algodio ¢ cana-de-agtear. A mesma experiéncia agricola se estendeu, com algum panes, a0 Para, E com ela seguiu o negro escravo, elativamente ao acgdcar, ha a noticia, relatada por Andrés Perei raven 1616. que menciona a existéncia de 250 - 300 holandeses ‘repartidos em duas fortalezas de madeira’* © que ‘‘tinham dois en- genhos de agticar de que carregavam alguns navios com o mais gue a terra di de si’. Nao se trata de observagio pessoal, m us de . depoimento de um holandés prisioneiro, Tudo indica, niu’ obstante, ® SIMONSEN, R. C.. op. cit., [1957] p. 320/1 j ®R. SIMONSEN: “De inicio, além do wifico : iid selear cds: tabeco, pithiio de ‘algodio, algima wicsiia estas ; em algumas ronas, da crivgfio do gado, O acicar © 0 tabpco » brago Indio, com # prange mortandads e fu das tribos para re ¥ folae Jornando mas eseasso € rarv. Os jesuias, inicrpondo- oe . Ealing iieniavam: a vide econdmien daqucles” (Op. cit, [19 terem sido os batavos ou os ingléses os introdutores da lavoura vieira na Amazénia. Esta parece ter sido também um dos objetivos | portuguéses. Leandro Tocantins vai mais longe, dizendo: =ie “Tudo leva a admitir que o ideal dos capitées da is vw amaz6nica haja sido a fundagio da industria agucareira ee Sabia-se que os holandeses possufam feitorias © engenhos no ‘Xingu, | ©, de resto, tédas as crénicas dos tempos iniciais do Forte do estilo vasadus em palavras de encanto pelas promessas econémicas, terras do rio-mar, numa antevisio de futuros engenhos com a marca do senhorio rural que sonhavam instituir’’, * Notamos que a experiéncia agricola empreendida pelos portugué- ses na Amaz6nia nao se desenvolveu extraordinariamente. Para seu fracasso concorreram n&o s6 fatéres ecolégicos, as condigées naturais do ambiente, bastante desfayoraveis, como fatéres técnicos ¢ até mes- mo histéricos, como a retomada da regio canavieira nordestina. Ape- nas na frea do delta, essa agricultura incipiente tera alguma significa- cdo, sem alcangar contudo valor econdmico excepeional. Nesta area, bastante extensa alias, haveré uma lavoura mais ou menos prospera de arroz, tubaco, algodao, cacau e cana-de-aghear. O arroz sera cultivado sobretudo na zona guajarina; 0 algodao, nas cercanias de Belém, na terra firme; o cacau permanecera na calha do Tocantins, perto de Cameta, ™ o tabaco, na pacia do Acard; a cana-de-agdear ganhara quase todo o circulo do golfao marajoara, Além disso, no litoral hayera a exploragao de pequenas salinas. Na ilha de Marajé sera estabalecido 0 criatério, com excelentes resultados, Como ativi- dades econdmicas de carditer némade — ¢ singularmente mais intensas € jucrativas — haverd, inicialmente, 0 trafico vermelho e depois a coleta das drogas do sertde. Esta a fisionomia econémica da Amaz6nia, estabelecida logo nos primeiros tempos, ¢ que se manteve quase inalterada até os nossos dias. Portugal recuperou o nordeste brasileiro, mas, por outro lado, perdeu gradativamente as suas fontes de especiarias no oriente — dai a insistéacia da metrépole em descobrir drogas do sertdo, na Amaznia, © que teve resultados frutiferos & dispensou © concurso da mio-de-obra africana, A descoberta destas — canela, baunilha, cravo, anil, raizes aromdticas, urucum, salsa, sementes oleaginosas ce. — provocou verdadeira corrida e€ sua intensa exploragdo a partir de meados do século XVII, determinando, em conseqiiéncia, a primeira grande crise nas Javouras modificando substancialmente o quadro econdmico. © dominio do vale tinha sido assegurado, até entio, pela manu- tengo de raros postos militares, fortalezas mal instaladas ¢ mal pro- 21 Tocantins, Leandro, Amazonia, natureza, homem ¢ tempo, [Rio de Janeiro) Con Quista, [1960] (Col. Temas Brasileiros, 2), 11960), p. 60. tz A levoum de cacan existin apenas, Ao que parece, nas cercanias de Cameté; mas. outras tepides a produgho era simplesmente extrativa, zi vidas nigdes e de gente, enquanto a efetiva nos vastos Pe eoe fol tarefa Eualavohitatc bem realizada pelos missiondrios de diferentes ordens. . ‘A pequena agricultura, agindo como elemento fixador do ho- mem, exigiu gradualmente a concorrencia de bragos que nao podia ser suprida apenas pela rala imigragdo portuguésa, nem tampouco pelo jncerto e precdrio comércio de negros africanos. A imigracdo portugué- sa, intensificada a partir de 1670, nunca foi regular e efetiva, Consi: tia, muitas vézes, na remessa de individuos indesejéveis na metrdpol os degredados. Vieram familias de agricultores agorianos, que de- ram origem a importantes niicleos agricolas, como o de Braganca. No século XVIII, portuguéses oriundos da praga de Mazagao, Africa, foram instalados na indspita guiana brasileira, onde jamais pros- peraram. A terra era grande, mas nem todos se beneficiarym com 23 doacées de sesmarias ¢ titulos de propriedade. Houve lanza distribui- Gao, como atesta a relagéio publicada no terceiro tomo dos Arowe's) da Bibliotheca e Archivo Publico do Pard, mas © regime de antracas da propriedade na mio daqueles (alguns) que efetivamente a ocupa- vam — e entre os melhores aquinhoados estavam as diferentes ordens religiosas — deu origem a formagao de extensos latifindios, Tanta era a terra inexplorada e possuida que praticamente nfo tinha valor: a riqueza era medida pelo numero de escravos. Quando as leis da metropole aboliram finalmente a escravidao do indigena — a escrava- tia africana tornou-se, quase exclusivamente, a medida de valor dessa riqueza, Houve porém desde 0 inicio condigées bastante desfavordveis para a introdugdo do negro escravo: nao s6 os recursos dos colonos Cram ¢scassos, como o negro mal se adaptaria ao tipo de atividade econdmica mais rentdvel, o extrativismo. O caminho natural foi por- tanto a escravizacao do gentio, via de regra pacifico ¢ numeroso, Os capitais desviados para essa atividade criaram as condigoes impediti- vas, entre outras também ponderdveis, para a introdug i Go em larga escala do africano. Perdurou assim por longo tempo a industria da descida — ou descimentos — dos indios para as aldeias, sucederam-se ao infinito as operagées de resgafe, que, com © tempo, se transforma- ram em verdadeiras operagdes de massacre, apavorandc id dispersando ou Eaeachiinio indimeras "tlbos eter a nao conheceram limitagGes. A penetragdo na floresta ¢ a navegacho nos rios amazOnicos 6 poderiam ser realizadas com sucesso com a cola- boragdo do indigena. Foi o que se fez, Conhecedores da flo: hAbeis navegadores, os selvagens acabaram transformando-se no thor aliado dos portuguéses na conquista da Amazdnia: os hom dos para o trabalho servil, quase sempre eram reduzidas A servidao doméstica ou nas dos colonizadores, enas, s. As tropas de resgate 1¢€ § usa- longe de suas mulheres, que ainda usadas como concubi- 8 Tratando porém, neste trabalho, apenas de uma das faces do escravismo na Amazonia, aquela que utilizou a mao-de-obra africana, nao podemos esquecer a observagao de Boxer: “Uma das curiosidades — e tragédias — da histéria colonial € a il6- gica distingio que houve durante muitos séculos de escravizagao entre ‘0 negro eo yermelho’’. Neste ambiente, onde os colonizadores cruzaram com mulheres amerindias em larga escla ¢, inclusive, com 0 beneplicito da metro- pole, “ ingressara o negro africano. Nao terd muitas chances para sobreviver e para fazer-se representar como poderoso contingente ét nico, Chegaré mesmo a uma das situagdes mais lastimaveis do regime social aqui estabelecido. Apesar disso, e de tudo o mais que veremos, marcara sua presenga na Amaz6nia, Profundamente. bs Hoxtr, C. Ry, Relagoes raciais no império colonial portugués, 1415-1825. Rio: de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1967, p. 135. © alvark de 4 de abril de 1755 declarava que os colonizadores de qualquer to) se casassem com indios brasileiros nfo perderiam seu starus social, mas fumentariam suas possibilidades de preferéneia oficial © determinava ex) Fe Sprofho que meus vassalos que se casem, com mulheres indias ou seus Chamados caboucloy (sic) ou qualquer outro nome que poss ¢ Team oatoria da ctlzagdo. do caboelo, na Amardnia, também pieces ser 1. A politica escravista do século XVIT Antes de encerrar-sé 0 primeiro século da colonizagao portuguésa na ‘Amazonia, a metropole tentou regular o trdfieo de escravos africanos para o estado do Maranhao, através de uma companhia de comércio que, em apenas dois anos de atividades, gerou a revolta de Beckman, seus fins foram desvirtuados e frustou-se o empreendimento, Mas, antes disso, ha referéncias a duas provisoes régias sébre a introdugao de pecas da Africa, uma datada de 18 de marco de 1662 ~ que livrava da metade dos direitos os negros de Angola que se metessem neste estado — e outra de 1° de abril de 1680 — determinava a condugdo, todos os anos, de negros da Costa de Guiné para o Maranhao ¢ Para por conta da fazenda real. Essas duas provisdes demonstram que a politica escravista da me- trépole, que amplos sucessos vinha obtendo no Estado do Brasil, procurou estender-se também ao estado do Maranhao e Grao-Para, conde a posse de vastos territorios ji se achava assegurada ¢ onde se tentava organizar a economia de base agraria para garantir sua efetiva ocupagio Nao foi facil a conquista da Amaz6nia, como provam as narrativas das lutas que os portuguéses tiverem de ai empreender contra tribos ndivenas hostis, notadamente os Tupinamba, nas cercanias de Be- lém, os Aruac, na ilha de Marajé, e contra holandeses, ingléses, irlan- deses ¢ franceses que ao longo da costa e alé mesmo nas margens do Amazonas haviam plantado feitorias ¢ algumas fortificagbes. Nessa emprésa — a conquista da AmazOnia — os portuguéses nao conlaram, ao que parece, com a colaboragéo do elemento africano, Este viria depois e se destinaria aos trabalhos da lavoura, a fim de substituir a mao-de-obra indigena que escasseava rapidamente ¢ nao se ava aos rudes labdres do campo. Entretanto, a substituigdo nao se féz logo. Contou é certo com 0 apoio dos missionarios, especialmente dos jesuitas, mas havia séria Tesisténcia dos colonos que logo instituiram a! indtistria da escravidao do gentio, muito mais Jucrativa para os preadores de eseravos ¢ OS mereadores urbanos, As chamadas pegs do sertio eram oferecidas aos lavradores por precos irrisdrios, comparativamente ao prego do escravo africano importado diretamente e em cireunstincias muito pre= 1F cérias, E havia a possibilidade de exportagao para o Estado do Bra- sil™ © escravo negro, importado pelo estanco de 1682, custava 100 “mil réis, cnquanto o indigena era vendido a 30 mil réis ¢ ainda “havia um Jucro de quatrocentos por cento para a administragao da fazenda real na colénia’’. * Chatinar pegas do sertao é a politica escravista désse século. Tao jntenso e desenfreado foi o tréfico vermelho que os proprios governa~ dores a éle se entregaram abertamente, usufruindo grandes vantagens. A metropole, de longe, féz 0 que pode para deter os abusos ¢ acabar com a corrupeao administrativa. E tudo o que se escreveu sébre ésses primeiros tempos relata, predominantemente. a histéria da escraviza- cao do gentio, Conhecemos, por igual, a historia do exterminio de numerosas tribos indigenas, ‘Até os meados da préxima centtiria, o trafico de pecas do sertio tera indiscutfvel relévo. E os capitais desviados para ésse negocio forgo- samente haverao de retardar o desenvolvimento do comércio de pe- cas da Africa, Mas o indigena, enquanto escravo, nunca representou um bom emprégo de capitais. Multiplos fatéres indicavam a rapida substituigéo dessa mao-de-obra mais abundante e barata, mas pouco duradoura. Em conseqiiéncia, resultava a longo prazo ser mais onero- sa, Lemos no prefacio da Crénica de Betendorf: ‘*A falta de bracos para a exploragao agricola e dos meios de transportes tornava-se cada vez mais intensa; corolério inevildvel da anormalidade do elemento bisico do trabalho, quanto maior era a expansao industrial, tanto mais agudo se fazia sentir ésse estado de crise. Nao supria a deficiéncia o recurso do trafico de africanos, por que em pequena escala era entio ali empregado o barbaro suced4neo, enema ees na Crénica 0 térmo tapanhuno, designativo Desde da Crénica de Betendorf, conciuida em 1698, 1emos uma anilise do comportamento dos colonos portuguéses, na Amazénia, em felagdo ao elemento escravo. Betendorf, que falava corret: sete a lingua geral, adota um térmo dessa lingua hibrida para design uf ° negro: Tapanhuno. Teremos ainda de recorrer & sua Cronica fn 2 vejee Mos outro trecho do prefaciador: = **Pois foi nessas circunstincias que, sumindo perante D. ee Se aeeencis perdida no reinado anterior, 0 mute Antonio gou a promulgacao nao sé da lei e provisdo de 1° de abril 15 Alente-se para o ciclo da cage ao (ndio em y 0 o que tanto destaca: ete i ee ats na AmazOnia sho ona ppeiecbian As dos bai u) iment or importincis. Entretanto, ésics chegaram: a Paste ons ao Maranito, como ebetvo de cgi toed obra ccrars iiaens Ch Pecans re i 08, Pranciseo Borges de Burros, 1919- Ariens, wea eee Os jesuitas no Grao-Pard, 2. ed. Rev, Coimbra, tmpr. da 17 BETENDORI r, : aslude oo be aetna ea (Creniea da Missio dox padres da Companhia Panlisias ¢ os Jems no i 4 de 1680, proibindo o cativeiro dos indigenas, regulando o xe igo dos: considerados desde entao livres, e restituindo aos missi a Com- panhia de Jesus o privilégio das entradas pelo sertao, anexa a plena le competéncia temporal e espiritual, como a do alvara de 12 de feve- | reiro de 1682, estabelecendo as cliusulas do funcionamento de uma companhia de comércio, favorecida pelo monopdlio da navegagao, pelo estanco de varios géneros de importagao e 0 onus de introduzir, durante 20 anos, dez mil escravos negros, & razdo de 500 por ano, se tantos fossem necessarios vendendo-os ao prego de cem mil réis cada um, Compreende-se quanto era diminuta a transigéncia concedida ao espirito escravocrata da época’’. A atividade dos preadores de escravos vermelhos estava ameaca- da pela concorréncia das pegas da Africa. As entradas no sertéo torna- vam-se cada vez mais dificeis. Mas ainda assim eram bastante luerati- vas. Rui Vaz de Siqueira foi um dos mais tipicos governadores ** do primeiro século da conquista da AmazOnia: promoveu iniimeras ¢xpe- digdes e pessoalmente tentou se beneficiar com o trafico das pegas do sertao. Coincidiu sua chegada com a proliferagao da peste das bexi- gas, que atacou primeiro a Capitania do Maranhao e logo passou & do Para — ‘com tanto estrago dos indios que acabou a maior parte déles, morrendo também alguns filhos da terra que tinham alguma mistu- eg” i7t Era necessdrio reaver a mao-de-obra perdida. Rui Vaz de Siqueira nao hesitou, Deu sucessivas guerras aos indigenas, a fim de capturar escravos. E como éstes escasseavam cada vez mais, as tropas subiram o Rio Amazonas, atingiram as mais longinquas regioes, 40 resgale, Os piraias do Pard, como La Condamine® chamou os preadores de escravos, chegaram até terras do Reino de Granada, dispersando tribos importantes, como a dos Omaguas, atemorizadas pelas incursdes das tropas de resgate. Tao intensa foi a guerra aos selvagens que o padre Antonio Vieira calculou em 400 as aldeias destrufdas s6 no estado do Grao-Para e Maranhao. Arthur Ramos, % analisando ésses dados, admitiu que “‘embora seus cdlculos parecam exagerados, 0 que nio hi divida ¢ que essa época assistiv a um dos maiores massacres da historia dos contactos de raga do névo mundo". E nao apenas os moradores do Para coneorreram para a extingao de tantas tribos indigenas. Ha também abundante _documentagdo sébre as atividades dos preadores bandeirantes da Piratininga, que até aqui fizeram freqiientes incursdes. A pritica, que ja era habitual, tornou-se tao escandalosa, com a participagao dos governadores nos lucros dos resgates de pegas do 1s Governador ¢ capitio-general de 26 de marco de 1662 a 22 de junho de 1667, i» Berenporr, op. cit, 1910, p. 214 Viagem na América meridional, 1944, p. 58. ti Introdugdo @ antropologia brasileira, 1943, ¥. 1, p, 496. is 2 > “sertfio que, por um alvaré de 11 de marco de 1680, a metrépole tentou dar um paradeiro nestes abusos: ordenou aos governadores déste estado que — ‘nem por si, nem por outra interposta pessoa, tivessem co~ meércio, mercancia, nem cultura alguma, nem pudessem cobrar divi- das alheias, nem seus criados, por si nem por procurador, substabe- Jecido, nem ainda mandar ao sertio buscar drogas algumas, ¢ que nem o governador nem 0 bispo, nem outra pessoa alguma pudesse tomar indios das aldeias. fora dos que lhe fssem dados em reparticao, e que em o dito estado do Maranhao se cumprisse a provisao de vinte sete de fevereiro de 1673 passada para o Brasil, pela qual se proibia aos governadores e ministros da fazenda, justica e gucrra comerciarem e se intrometerem em bens que vao & praca, © muito menos em rendas reais ou donativos das cdmaras, ou desencaminhar ‘os direitos reais, e que da mesma forma no pusessem precos aos géneros nem fretes de navios, os quais sejam livres, ao arbitrio e avenga das partes, e quando se nao ajustassem em precos dos fretes tomasse cada um déles seu louvado, e ambos um terceiro e que o que por éles se ajustasse se desse inviolavelmente em execugio”’. * Pela Lei de 8 de abril de 1688 a metrépole determinou que todos os anos s¢ fizessem resgates nos sertoes e que os indios resgata- dos se repartissem entre os moradores, ‘pagando éstes 0 custo de cada um déles”. Tal pratica sempre foi considerada como a mais adequada para satisfazer as necessidades dos moradores ¢ aquictar as conseiéncias. _A importancia do trafico de pecas do sertao nao a obscure+ cer inteiramente 0 trifico de pecas da Africa, que se ou realizar a Partir dos primeiros tempos da instalagio dos portuguéses no extre- mo norte. A busca da data da introdugio do primeiro carregamento de ‘negros para esta’ parte da colénia, por iniciativa dos portugué ss tem sido entretando um esf6reo indtil, De qualquer forma, & ou na primeira centtiria ¢ logo oO negro passou a constituir forga de trabalho bem mais rentével que o gentio. Arthur César Ferreira Reis, funda mentando-se em J. Williamson, lembra que os primeir * y chee garam i Amazonia ee ‘nao por intermédio d é ¢ t ’ ra que atm euro, aehaie toe tyes es et eee Pe adawtdl Geilo RV Tie ta crime! léses que, nas duas ultimas s do século ena primeira do XVIL, tentaram emposs: 22 BeTnNDoRF, a © Livro grossa 2 Maranbey, Ree yer também Annaes. v. 1, p. 72 Doc, 22. Principe vos envio muito saudar. Pelo alvard oui GnBo te Silva, Amigo. Eu © mando remeter, tereis entendido como {ui servide proibir ox govemadore. . von cOMério, mercancia Ou cultura alguma. ¢ cobrar divide’ elhons von code a9 sae ibieear drapes cen vomerem iedios dat cine oman, Dem mandaredt Bie prs pete acta oar ase, 2, Sam, Bris Sot ae Spleiramente como espero do zélo com que me servis. Fecr'ts mprin maryo de seiscentos ¢ oitenta [Principe] Rete ei) Lishos a trimik 16 do extremo-norte do Brasil, numa aventura que nao thes as éxito imaginado. Nas feitorias que montaram entre a costa pa ¢ a zona dos estreitos, ésses ingléses pretenderam realizar um preendimento agrério de vulto, constante, principalmente, do pl de cana, para a fabricagdo de agtcar e rum, brago africano trazido, porque nao desejavam os aventureiros da Britania entrar em conflito com o gentio local, do qual pretendiam a alianga i ‘ © necessaria, alianca que obtiveram e Ihes assegurou o passageiro dominio que exerceram nas Aguas ¢ terras da Amazonia.” * % Betendorf, sempre minucioso, refere-se aos fapanhunos do pri- J meiro século, alguns dos quais, talvez libertos ou forros, tiveram 4 saliente em varios acontecimentos. Em 1662 os moradores do Para & . Maranhao, revoltados, expulsaram os padres da Companhia de Je- s. No episédio do ataque a fortaleza de Gurupa, onde alguns missio= ios achavam-se refugiados, um mulato, cujo nome Betendorf nao cita mas o qualifica como feitor de uma fazenda no Para, assassinow um Saraiva, natural do Gurupi. Na mesma ocasifio, o tapanhuno Antonio de Franca, crioulo do sr. Franga, da ilha da Madeira, ‘*se houve com grande animo e valor, livrandg muitos brancos da morte com a destreza de sua espada’. % No Maranhao, informa ainda Betendorf, assistia 0 fapanhuno de nome Joao Velho, que tinha um filho, Francisco Velho. * Teodoro Braga refere-se & vereagao de 14 de junho de 1665, da Camara de Sio Luls, que resolveu eriar um juiz de satide, por haver muitas moléstias e para visitar os navios que chegassem com negros, tal era a incdiria criminosa dos monopolizadores do coméreio negreiro na ganincia dos lueros sem se preocuparem com & satide dos escra- vos contaminados nem com a dos colonos que recebiam tal mereado- mn 1673 chegou ao Maranhio o Governador Pero César de Menezes, que mandou fazer fabricas de anil, para as quais trouxera wnileiro ¢ se importaram negros de Angola, *‘mandados pelos contra~ tadores para a fibriea déle”. Betendorf dé um total aproximado de 50) negros, Mais tarde, nao tendo prosperado a industria do anil no Maranhao, as fabricas foram transferidas para 0 Para. No mesmo ano, 1673, chegou A ponta de Joao Dias (Maranhio) rma nau holandesa, arribada com 900 negros de Angola, todos de satide ¢ vigorosa idade = “queria 0 seu capitio vendé-los todos para the no morrerem em ~ » mar, de enfadados, ¢ para Ihos nfo tomarem seus inimigos; 0 partide que fazia era que daria os melhores por cingiienta, © 0S Ct. © negro na empresa colonial dos portui sudses na Amazonia, 1961, p. 2-3. ‘ Brrespoue, OP cit, 1910, p, 186 © 238 ‘Obs. Berredo cita-o entre os ; que, em 1677, tentaram depor, em Belém, o Governador Pero César de Menezes. ibidem, 1910. p. 263. 6 CL Misromia do Para, 1931, p. 86. 4 e7 Berenporr. op. cit., 1910. p. 291, ‘raparig: + vinte ¢ um mil réis, pouco mais ou menos, & ages a ree ICE aceitaria nado somente agiicares ¢ taba- , madeiras boas, couros, ¢ tudo o mais até rédes, algoddes, fios, macacos € passaros, ¢ para que nao fizessem divida, es direitos os agaria em tédas as entradas e saidas de armadas, assim em o Ma- Reahao como em Lisboa, e que deixaria procurador seu, morador na terra, e outro portugués em o reino para cobranga. Pareceu éste negécio bom a ara ¢ a todos os homens do Maranhao, por estarem fi de negros para seus engenhos ¢ lavouras, ¢ por acharem con: go que Sua Majestade tomaria em bem, © que para o bem piblico se obrasse em aquelas circunstincias; fizeram um papel para se oferecer ao governador, subscrito por todos os prelados das religiGes, ouvidor geral, ¢ mais pessous de autoridade, que de todos soube. Com isso foi falar A cdmara, com o juiz mais velho, que entao era Anténio Men- des do Turu, e ao goyernador, o qual nao quis vir por ter, como diziam, alguma cousa de custelhano, 0 esperar muitos negros de An- gola, € escravos de uma tropa do sertfio; com que @ hou-se a cimara sem ter animo de jhe dizer que tomaria & sua conta ésic negocio para responder a sua majestade, foi-se logo o holandés, muito pesaroso ¢ 0 que the aconteceu foi dar em maos dos inimigos, que lhe ti- yaram...""™ ‘ 4 Tnforma, ainda, Betendorf que. em 1680, o padre Pero Poderoso chegou do Brasil com alguns tapanhunos — “‘comprados com o dinheiro da missfo"’ e que se ‘‘repartiram entre os dois colégios Maranhao ¢ Pari”. * Assim, os jesuitus nao 56 indicaram » substitui- Gao. ee pelo negro, como a promoveram concretamente js negros introduzidos pela primeira companhia de comé entre 1682-84, ficaram, em ae ine ie, no M a havia uma lavoura capaz de absorver a mao-de-obra « hao, onde i. No Para, 4 lavoura era ainda incipiente e os portuguéses conseguiram afinal ae gentio ¢ alid-lo aos seus empreendimentos, ara garantic a posse das terras conquistadas, El-R 1 povoii-las ¢ fortificar determinados pontos apicinigiocs, é : " ‘oi Sem tardanca. Por carta régia de 21 de dezembro de 16 a0 governador Artur de Sd e Menezes, determina 0 estabelec o de ay no Rio Itapicuru, mandando distribuir entre os moradores 00 a 300 negros por conta da fazenda real.” E para ocudir a construcao das fortificacdes, especialmente das fortalezas, me: tam- bém por conta da fazenda real um carregamento de negr “Tule dos alguns désses trabalhos, 0 governador Antonio de Albuq se C Oe lho de Carvalho insinuou a venda dos escravos, aos colon: 1d que com isso a fazenda real tirava grande proveito, No mess ids; quase simultaneamente, se pronunciaram as maras de Sao | de Belém, alegando que os moradores estavam muito ince na #5 Ibidem, 1910. p. 292, #” Thidem, 1910. p, 429, &» Livro grosso do Maranhas, ¥. 1, p. 76-7 1B introdugio de negros para o servico de suas rocas e layouras, ™ Atendendo a éss¢ interésse, manda El-Rei pela carta de 21 de dezem- bro de 1692 aplicar a aquisigéo de escravos os 20 mil cruzados desti- nados ao emprégo das drogas, ajustando-se com a Compe de Cachéu a compra de 145 prétos, 0 quanto importava a aludida quantia, Estabeleceu-se o negocio com as condigdes que haviam de constar do respectivo assento. ® E logo no ano seguinte o rei manda repetir o provimento de negros, ajustando éste contrato com Gaspar d’Andrade, caixa da Companhia de Cachéu, o qual se obrigou a fazer navegar 0 mesmo nimero de escravos contratados na ocasiao passada, recomen- dando que os mesmos féssem aplicados as obras das fortificagdes. a sas transacoes comegaram a gerar efeitos, pois os oficiais da Cama- ra do Grio-Para se mostraram mais interessados ainda na introdugdo de negros e novamente representaram a Sua Majestade a grande neces- sidade que a capitania tinha de escravos para o trabalho das lavouras ec que dos escravos dependia ‘‘aumentarem-se os engenhos de agticar em beneficio dos moradores e das rendas reais’. Atendendo a essas justas ponderagdes, El-Rei ordenou ao governador Antonio de Albu- querque Coelho de Carvalho fazer igual repartigao dos escravos che- gados ao estado, “tanto na escolha como no nimero”, ficande meta- de no Maranhao e a outra metade no Para, e que a repartigao se fizesse igualmente entre os senhores de engenho ¢ os lavradores. Dando-se 0 caso de um navio particular que foi desarvorado no estado com um carregamento de prétos de Angola, vendidos abaixo do preco normal, conforme representow governador na carta de 10 de julho de 1695, os moradores do Para e Maranhao pediram redugao do prego dos escravos do assemto que por conta da real fazenda ja se Oficiais da cdmata de Slo Luis do Maranbiio, Eu ElRel vos envio. muito sudan, Havendo mandado ver © qUé me escrevestes em carin de doze de junho désie presente ono sdbre o provimento dos negros que fui servido mandar introdusit neste ado por conta de minha fazenda pedindo se vos continue a Temessa. déles pelo grande Provelte que se vos segue do seu Servigd POTEM que Os precos. PorUe se Yos concedem eee ake moderados; Me pareceu. diger-vos ful servido resolver que so vos Tepite Heats ocasidiy O mesmo provimento € que em Quanto GOs —pregos Porgue se es thderam nio tendes razio de queixa por ser éte ordinario porque (os 6 on, particulares que os levam a. ésse estado ¢ maiormente quanco em beneficio ce wiMetens munhe fazenda menos nesta introduciio dos excravos do quel nos Setlos que 1d mandar, Eserita em Lisboa a dezessete de dezembro de mil seiscenton @ nia e tts” (Op. city My ty p. 180): ‘Ofictais da Camara da Capitania do Park, Eu ELRel vos, envio muito studar, OINWoe me eserevestes em carta de 11 de julho désle ano sObre x impossibilidads JUS Icha para a fabriea de engenhos de agdcar com a falta de escravosy o negros de Angola, ¢ Guiné, queixando-vos da earestia porque ides, E. pareceu-me dizer-vos, que quanto ao prego dos negros midera que lendes rizio, pois os porque se venderam na oeasiho presente mesmos porque costuman vendé-los os particulares, e naiormente vouo vos mando acudir com éste provimento, interessando menos jgas que ai se remeteram por conta da minha fizen quanto Dé lugar em quamo durarem as obras das Sirios os que ha de repartigio, mas cessando esta se 03 requereis,/Esctita em Lisboa a 27 de novembro de 1693//Rei// (Op. para que nec entio deferir no gi eit, v1, PB, 146) ‘Awnabs.v. 1, p.J04, Doc. 57. Ver também: Livko grosso do, Maranhio. ¥. 1, p. 15S, carta regia de 21 doz. 1692 €v. 1, p. 136, carta regia de 7 fev. 1693, Livuc grosso do Maranhio, ¥. 1, p. 149, 9 ante fazer exemplo 0 navio sentais, pois éste como ia em direitura com viagem certa, ai o pudesse administrar. necessariamente se havia los negros, e receber o prego, que The quisessem dar. al como ocorrera nos alegados de 1693. A resposta real eave Eis o que diz a carta régia de dezembro do. ...pareceu-me mandar-lhe dizer que as suas razdes nio podem tanto que me obriguem a mandar se altere o prego porque Sc tem ju: ‘a darem-se-Ihe os escravos, pois neste mesmo convieram, € rticular, que foi derrotado 4 e est como em carta vossa de 10 de julho déste ano me repre- nem tinha de desfazer ‘A ésse carregamento também se referiu Betendorf, dando ainda noticia do que resultou: .e jad que neste capitulo se faz mengao do navio do reino ro também fazer meng&o de outro, que veio com alguns negros de gola, ndo muito tempo depois. Cuidou o povo do Ma m os melho- ficando os piores para st por aquela vez ficava remediado e por isso se escolhe res, que compraram os mais abonados nhao que levar para o Para, porém acharam depois que foram sua perdic&o por frazerem as bexigas que empestaram o estado todo como se verd nos capitulos seguintes”’. . . “Como em 0 navio dos tapanhunos, do qual se can em um capitulo que fica atras, tinha vindo uma pessc bexigas, ¢ por isso estava proibido de chegar-se a ancorar 9 cidade, © porque o capitéo e mestre da nau neg: bexigas, e faziam seus protestos 4 Camara pelas per deixado entrar, estando os moradores com os olhos nhunos, porém o que parecia ser para seu remédio, foi para sua ruina, Porque com éles, os tapanhunos, entraram as cimaras © es, que mataram muita gente, nao ficando de fora os que tinham elguma mistura de sangue de indios e negros, © nem por isso parol oO imialt* “*.., .comegou o mal pelas bexigas brancas de varias c logo seguitam as pretas, que chamam pele de lixa, ¢ as bexiges 59 padas e¢ outras desta casta, mui proliferas, as quais fizeram tanto s igo nos indios, assim forros como escravos, e mais nos tapanhunos que é ‘uma dor de coracéo sOmente referi-lo; cafram e foram m intos,, que as vézes nio havia quem acudisse aos vivos e¢ ent aos mortos’*. Pela segunda vez em men Z os de 50 anos, a peste fo’ ila no perense eno Pard, fazendo em ambas as capitanias stra- B08. omo atingiu sobretudo os negros ¢ os indios, os 1 jores logo manifestaram necessidade de bragos... E reativou puta St AWNaUS. v. 1, p. 106 Doe, 59, © Livro * . 59, ros Jaranhio, 6-1 Nota-se na reproducdo désse documento niukoiap couarsainhen te 6 AT 2 ee datada de 20 de dezembs roe 2 Berenvorr, Op. cit, Toio ey me de 10 de dezembro. 20 entre o Parad ¢ o Maranhao pela obtengio da mao-de-obra_ ‘esciita cr rei, atendendo ds queixas dos oficiais da Camara da Capitania do ranhio, ordenou a repetigao do suprimento de negros. * Os i da cimara do Pard também se manifestaram no mesmo sentido, teando ainda redugio no prego dos escravos. * Uma sucessio | documentos mostraré, nos anos subseqiientes, 0 comportamenio dés- ses moradores em relagdo aos escravos indigenas e africanos. ] Belém, gradualmente, assumia certa ascendéncia sdbre Sto Luis. Do scu progresso nos conta Betendorf; “Era a cidade do Pard ainda em o ano de 1660 cousa muito Ii- mitada, porém depois disso cresceu tanto em moradores ¢ casas belas, que agora se pode gloriar do titulo de cidade; se bem ¢ mui pobre, nao é isso por the faltar meios com que possa ser wm dos mais ricos impérios do mundo, mas é por falta de bom govérno € industriados, moradores, os quais todos querem viver & lei da nobreza e serem servidos em o Para, quando a mér parte déles em suas terras servi- riam a outros, ¢ quando menos a si mesmos; ¢ como por esta sua soberba os castigos de Deus tirando-lhe os escravos que the serviam, ficam pobres podendo ser abundantes em tudo, se deixada tanta ambie’o de honra que os mata, tratassem de servir os peces a nobre= za, ¢ quando menos a si mesmos para bem de suas familias”, ™ Também o Padre Joao de Souza Ferreira, que viveu largos anos no Maranhio ¢ no Parad, da noticias de Belém e da situagio da escravatura nesse século: Compoe-se a cidade de Belém (com seus contornos) de 400 moradores, gente luzida e varia nobreza, em que também nao falta pobreza; tem uma matriz, uma misericérdia, quatro conventos, colé- gio de S. Anténio, Mercés e Carmo, uma Igreja de Nossa Senhora do Rosario, uma Igreja de S. Joao, e uma linda ¢ bem guarnecida ermid: da Exaliagio da Cruz com a inyoeagao de Santo Cristo’. ; Nem estas tecras eram como as do Brasil, onde todos os meses entravam quantidade de negros,; o que no tinha 0 estado do Ma- ranhéo por suas dificukdades, e pois se os estilos das terras faziam lei, nao eram estas capazes (ainda que em algum tempo tivessem. prétos) para se viver 6 com éles, e sem alguns indios para guias e pilte dos mares. por no haver outras estradas, de que os prétos nem a si se saberiam livrar, quanto mais 80S brancos, ¢ menos entrar e sair dos matos com a & de que no estado se vive (pelo menos no Para) 1 rosso do Maranhiio, Yel, P. 166 : yao gromo da Macaniiys Hu’ El-Rel vos envio muito siudar. Vinse a, Yobsa. + ita Camara ‘iho do ano passado em que representnis 4 necossidade aie \ ins 6 seis de julhe oe de excravos, de Guiné park as. nus Invoutas, pes pila Qste sacorro: porém que seja com diminuigdo NO Prego Por ser EX~ se ae por cada Oéstes secraven: ¢ PAreCeN-Me Heer vee Ae pedis sObre o preco dos excrayos, Pols além de conyires néle se reputou ‘ x meio os terels, ¢ se consider serem-vos mitito Utcls pap sé para o benef Sle meio rocsan fazendas, mais ainda para vos ajucarein. A Youn MESEHe cin Lisboa a dea de janeiro de mil selscentos novenia ¢ sete,//Rei// 1. pp 167) 1910, p. 2-24 21 “Por proviso de 18 de marco de 1662 manda El-Rei livrar ‘metade dos direitos, que é estilo pagarem os negros de Angola aos - portuguéses, que os meterem no estado do Maranhao por serem de mais servigo que os de outras partes...” m ; 0 estilo é um tanto confuso e nao da uma idéia precisa da situagdo. Vale contudo o pardgrafo final, que cita a provisao de 18 de marco de 1662, ¢ se refere aos negros de Angola, considerados, pelo cronista, mais aptos ‘que os de outras partes”. Também néo pode passar despereebida a informagao da existén- cia, ja em 1693, da Igreja de Nossa Senhora do Rosario, devogao dos. negros. Sabe-se, concretamente, que a irmandade do Rosario foi fundada em Belém a 9 de agdsto de 1682, Ela teria a seu encargo nao a igreja, o edificio atual, como se poderia depreender da citagao do cronista, mas de uma modesta ermida, demolida em 1752 ¢ recons- truida no mesmo ano, com idénticas proporgdes € nO mesmo lugar. ” Voltamos a cronica do padre Joao de Souza Ferreira: «© . depois que os governadores passaram a assistir no Pura, Thes fazem os poucos indios escravos, que la thes chegavam, atenuan- do-se também com imperial trato os forros domésticos, servindo tudo de animar os silvestres; aonde os portuguéses acham pouca comla tra- zerem prétos por tao alto prego, que parece impossivel ganhar um negro em sua vida 100$ réis, que é © menos que custa; dificuldades que nao parecem faceis de remediar™. “ Mas os portuguéses nao podiam prescindir da mao-de-obra escra- ya. A vida na colnia, nesses primeiros tempos, ¢ retratada de maneira bastante objetiva pelo autor de América abreviada: “*Pata o Maranhao tomar tao excelente forma creio seria nobre- Za a primeira, e 0 maior com éles © primeiro; porque se os dias 1ém 12 horas Para uns, também para outros teriam duas; outros de manha por exercicio e de tarde o mesmo jogo, quando lhes tocasse o seu turno, até se porem em 1érmos de se poderem fiar de iddas as nagbes, para haverem 08 Negros de quem os trouxesse mais barat Jeixan- do pagos os direitos, assim dos que saissem como dos qu s x %, oe n sem, Um navio até dois fossem visitados, e 86 prétos pudesse vder, € nao bag Portuguéses a eles; agiicar, tabaco, cravo, ou cacau radi fiado; alias perdesse o direito o vendedor, ¢ o comprad slor Para a fazenda real", @ ‘Outras informagdes aparecem, bem como a necessidade de : ll 1 de se introduzir bom niimero de escravos africanos. Subindo 6 rio Guama, © cronista anota que *‘tem alguns engenhos ¢ outras lavou mo pelo mais, ainda que hoje tudo mal fabricado, por falta de e it? 39 AméRich abreviada. 1894, p. 43, 55 ¢ 77 40 Cuuz, Emesto. Igrefas de Belém. 1983, p, 55 41 Ferrets, Jojo de Souza, op. cit, 1894, p 42 Ibid, 1894, p. 35. : 22 Havia abundante e excelente madeira, para cujo aproveitamento também se requeria mao-de-obra mais repel 2 Nao ha davida de que o trafico se estabeleceu neste século em direitura da Africa. Do trafico e do coméreio, nas pragas do Ma- ranhao ¢ Grao-Para, as noticias quanto aos algarismos so escassas. Os cronistas nao focalizaram éste aspeeto do problema. Os documentos oficiais conheeidos também sao pouco esclarecedores. Mais impor- tante era sem diivida a eseravidiio do gentio, ® Quase todos os: documentos atestam o plano secundario do negro. Fle s6 € realgado com alguma énfase quando se declara abertamente a disputa do indi- gena, fator de discérdia entre missionarios — especialmente jesuitas — e colonos. Estes, acupando as posigoes de mando e mantendo 0 controle do aparelho administrativo, acabam transformando carditer da luta, o que deixou como resultado o antagonismo entre missiondrios e govérno temporal. Na verdade, estava em jogo o destino politico e econdmico do Estado, Os missiondrios se organizaram @ maneira de repiiblicas, como se releriu ironicamente Antonio Vieira, e como, sem ironia, também iJudiu Francisco Xavier de Mendonga Furtado, Como republicas, as ordens nao s6 eram auto-suficientes, como auténomas, Havia rivalida- des entre elas € até um regime competitive, no setor econdémico. A divisao do territério, entre as diferentes ordens, foi a solugio que mpediu o choque e estabeleceu um modus vivendi, As miss6es cresce- im, enfeixaram uma soma de poder social e econémico superior a dos estabelecimentos agricolas ou mercantis dos colonos, eternamen- {e insatisfeitos, choramingando miséria e decadéncia de suas lavouras © economias, Politicamente, porém, clas nfo souberam atuar, Por isso, os colonos, aliados aos militares, galgaram as posigdes de mando, adquiriram titulos de nobreza, de terras ¢ outros pri égios especiais. Através das camaras de Sio Luis ¢ de Belém consolidaram seu pres- gio, enfrentaram e por fim derrotaram as reptblicas religiosas. “* © problema da eseravatura do negro se _coleeou assim no plano histérico logo no primeiro século da colonizagdo, nfo upenas nas diecussces entre colonos ¢ missiondrios — a troca de gentio pelo negro ilvez o ponto mais allo désse debate — mas de fato como merca- for lespejada nas pragas de comércio do estado do Maranhao e On Para van: Os deereton de § jun, 1608, 4 mar. 1608 ¢ 30, jul. 1609. suprimiram ; oh cecretcn de rineipio a liberdade ¢ a igualdade de direitos politicys , ice ere ee ei nt se pode execular; io sOmiente pot ser sere icitsate materiais de tGda & populagdo bianca tio’ Braye: b sragos do trabalho, qual teria causado. & emancipagio dos indios, como biases, do. teaming av lavoura, anxguilaria, 0 bem-estar da colds; @, assina dana arr representagoes dos fazendeiros a suspensio da let” (Histdnia 1931, py 266). ; , ; re rande vencey no Brasil Igreiay nos impulsos que esta Freyre: “A Sasa Sra dona, da terra. Vencklo o jesifia, 0. sehen, de hanifestou para seh Mone sozinho" (Cam grande & sencald, 1946, 23 Neila aa head (2. A politica escravista do século XVIIT O traifico negreiro gerou uma luta entre os moradores do Para e Maranhao, A luta tendia a se agugar. Ordenara 0 rei que os africanos fOssem repartidos igualmente nas duas pragas: Sao Luis ¢ Belém, Mas os navios, que aportavam primeiramente no Maranhiio, 14 des- pejavam a carga, contrariando assim a provisio de 1° de abril de Te80. © Ha reclamagdes dos moradores do Pari devido a nao se ter repartido com éles os negros desembareados do navio que zarpara da Costa da Mina para o Maranhao, assentados por AntOnio Freire da Cunha e Manuel Francisco Vilar. Em conseqiiéncia. o rei ordena ao pecceador a 20 aor da Fazenda do Estado, carta régia de le novembro it “que chegando ao Maranhio navio com os prétos do assento, Pa a metade com os moradores da Capitania de Sio Luis do ranhfio, e a outra metade com os do Pard, igualmente sem escolha e segundo o lote que fr déles’’, ® A desigualdade da partilha dos negros continua ¢ da motivo a nova ordem régia, de 13 de junho de 1709. E, para remediar as necessidades dos moradores, manda-se introduzir anualmente 200 pré- tos, ficando assim aumentada a cota anteriormente fixada em 150 pegas. © primeiro carregamento foi feito pelo mestre José de Azeve- do: 80 escravos, transportados no navio Nossa Senhora do Monte e Santo Anténio, Esse lote deveria ser repartido aos senhores de en- genho, lavradores e moradores de Sio Luis — **por preco de cento sessenta mil réis, na forma assentada’’, Até o inicio do século XVIII temos muitas info s sébre introdugdo de negros no estado do Mars na; octoatee a ( endl do Para. Pouco a pouco intensificava-se 0 comércio negreiro. T a via © triifico continuava muito irregular, E, por isso "08 “preadot = do ae quer voluntariamente, quer escudados em justa querra portan- eae ee ier ra ainda podiam despejar no mercado as cha- Em Portugal foi editada «| iva c gis! nista, que favorecia o gentio, zea Tegislacto, Fe, atom , eee foi ee para impedir os abtisos. Tal a ao indio que grandes ita c , atividade, O govérno da aed lost gth teamed que nem sempre péde esconder. Na altura das. rime : ios séeulo XVIII, quando o trafico vermelho peteeie dec ne rotecio- 10- 46 BARATA, MLM, Cardoso, Apontamentoy # Livao growo do Maranhlo. v. 2. p. 314, antares. |S 62 Sneha, tas ompleia. bre o asunto, winds no Livno ‘gross of {page incia igualmente aos Oficiais da Chmara de Sic Pole Bry Some provedoresmores da frrenda do Marunhio © do Ps , Bo-general tho Maranhio, Cristovay da Grey aria iégin para o pov capke Livro grosso do Maranhao. v, 2, p. S¥-s4. S'S “atta de 15 2. te ‘gfosso do Maranhio. y. 2, p. 34.5. Po mente, deixando de atrair os preadores de escravos, as di Lei de 8 de abril de: 1688 entraram em relaracto. Por carta regi de 11 de janeiro de 1721, D. Joao declara a Bernardo Pereira de Berredo que desde 1713 ecssaram os resgates, o que se tornara principal motivo da miséria do Estado, além do grande prejuizo da fazenda real “pelos interésses, que cada um se paga de 3$”.® As concess0es, diante dos reiterados pedidos de escravos que os moradores do Pard faziam ao rei, néo apenas através de representa- cdes da cimara, mas também iniciativa pessoal, mostram © cariiter dubitativo da politica escravista da metrépole. Documenta-se: em 1709 José da Cunha Deca, morador na cidade do Pari (Belém) representou ao rei alegando que por the falecer a maior parte dos escravos que tinha no seu engenho de fazer agtear no distrito da mesma cidade, ¢ por the fugirem outros ficara impossibilitado para aproveitar no dito engenho os **copiosos canaviais”’; destarte, pediu ¢ obteve a mercé de resgatar 120 escravos no sert@o (indios) ¢ mais 20 —‘‘do primeiro navio que ali os levar por conta da Fazenda Informado de que a Lei de 1.° de abril de 1680, que proibia no estado do Maranhao todos os cativeiros de indios tanto por meio dos respates como das guerras justas, nao teve observancia, manda o rei derrogé-la por alvaré em forma de Lei a 28 de abril de 1688, assim como todas as demais leis passadas sdbre os indigenas, suscitar em parte a Lei de 3 de abril de 1655, que admitia os resgates © cativeiro nos casos nela expressos, com novas cldusulas e certas condigdes, neste ndvo ato declarados." Ao Governador Bernardo Pereira de Berredo determinou a 8 de junho de 1720 **que nao possam ir ao serio tirar drogas, soldados que atualmente estdo servindo, mamelu- cos ¢ prétos, e homens do mar, ou qualquer oulras pessoas que nao forem naturalizados na terra por fazer esta qualidade de junta todas as is de roubos e mortes que escandalizam o gentio”.* ria do selvagem s6 tomou forma efetiva 4 partir de 1751, no govérno de Mendonga Furtado, que exerceu o cargo munido de amplos podéres, portador inclusive de instrugSes piblicas ¢ secretas, onde encontramos dois itens de stimo interésse pata nosso estudo, respectivamente o 7.° ‘*Para que 0s moradores daquele estado obser- vem in e religiosamente esta minha resolugio, os persuadireis q! vam de escravos negros” e o 11? “Para a introdugio dos eser newros, em execugiio da Resolugio de 27 de maio de 1750, € preciso que informeis, declarando © nimero de negros que podem s irios; quantos se podem mandar cada ano; que possibilida- de moradores para 0s satisfazerem” (etc.). ” ins¢ 1, p. 176-7, Doo, 128 ¢ ¥. 1y jo Maranhao. v, 2, p. 334 1, py 97-101 p. 180, Doe. 1M. 4 p. 172, SR te, A Amactinia na era pombatina. 1963, ¥. 1, p. 28:9. 23 - » _ Mendonga Furtado cumpriu rigorosamente as instrugoes recebi- das e, desta forma, féz executar a substituigdo do gentio pelo negro, [ ‘como mao-de-obra escrava. Isto se efetivou com a organizacao do 2 . A politica escravista da metrépole esbarrou em condigdes muito articulares na Amaz6nia, embora no Maranhio tenha aleangado rela- . tivo éxito. Fatdres de diversa ordem detinham no Maranhao a primazia do comércio negreiro, E outros também diversos dificultavam seu desenvolvimento na Amaznia. Mas também aqui se exigia incessante- mente a introdugao de escravos africanos. O bispo D. J de §. José Queiroz, por exemplo, que estava perfeitamente sintonizado com a politica escravista da metropole, adyogava — como Vieira, no século anterior — a introdugdo de negros neste Estado ¢ irénicamente lamen- tava o dispéndio do tesouro, por D, Joao V, que deixara seu filho D, José sem ter com que comprar ‘‘negros cativos em justa guerra, com ‘as condicdes mais benignas da escraviddo, e receber por éste modo a jnocente usura dos seus ¢rescidos dizimos, ¢ se seus vassalos nas conquistas, principalmente no Para, viverem em menos vexagdes: visto que a providéncia de se aplicarem indios & soldada sai pouco mais que inutil; pois os indios, que conhecem a liberdade, e sio de natureza preguigosos nado ha quem os meta a caminho, fogem do trabalho para a ociosidade; nao param em casas partict to enquanto ane dam divertidos com as indias ¢ malucas, “ por cuja causa os casam os senhores””, * O bispo, além de bom observador, como acabamos de bastante tealista: ‘“Os gastos de superfluidades, sendo evitad Tao ser origem de que sobeje com que se mandem splantar Africa para América colonos bastantes a ajudar os novos povoa- dos, daqui resultard ficarem bem pagos os negros, sem derem, como a mim, a 115$000 réis, e haver dinheiro para outre as com ver, era s, pode- ==> ~pue fazem_os seis maior pompa, isto ¢, boas naus, m bem paga, = boas esmOlas-d Pobres e inviilidos, fabricas reais, ¢ z fazer te = ~=serval Ctesouro-Pira a guerra futura ou possivel”’. ® ‘Também seu sucessor, D. Frei Cactano Brando, muito piedoso ~-E-sanlo,.sentia necessidade de bragos africanos para ajuda nora- sdores; Rica $6 um recurso aos lavradores, que siio os escravos; Mas ~sendo carissimos: (de sorte que s6 quem tem duzentos mil réis, ou pouco. Menos;-ha de ter um, e ainda assim com suma dificuldade = Pela falta de quem os conduza a éste porto) véem-se os hibeis |avradores 86-comos desejos de cultivar a terra’, * - ‘ Nato fot facil realizar & substituigdo do indio ¢ negro. Na Amazonia, © escravismo assumiu proporcdes gigantescas © muita gente grande” tinha interésses comprometidos também pa avidao do gentio. Mas ha que se distinguir claramente a duy e do 4 Mamalucas ou mamelucas; talvez & 85 Visiras pastorals, 1960, p' 159.” tipogriifico. 8 Tbidem, 1960, p, 162.) MF AMARAL, AntOmio Castano do. Memdérias fe\c.). 1867, p. 205 26 escravismo em que se assentou a base da economia colonial: a indi- gena e a africana. Nelson Werneck Sodré salientou, em relagio aos paulistas, que a escravidao indigena, de dimensdes domésticas, se distingue ‘‘do escravismo agucareiro, e nem podia deixar de ter outro cardler, dadas as diferengas na produgio, uma para consumo imedi- ato, a outra para exportagao; uma sem excedentes, a outra obrigada a grandes excedentes destinados ao mercado”. * & exatamente aqui que o negro entra no Para em escala conside- el e se destina para as lavouras de géneros exportdveis: cana-de-agt- car, arroz, tabaco, algodio e cacau. Como somente em témo da cidade de Belém se péde estabelecer efetivamente ésse tipo de economia agra- ria, a escravatura africana se limitou, na Amazé6nia, a drea tao restrita. Mas a politica escravista da metrépole nao atingiu 0 necessario equi- librio. Nem péde dar solugio ao problema do gentio. Handelmann achou mesmo que a situacao material déste piorou decididamente com as ordenagdes de Pombal. es agora se diziam cidadaos livres, com igualdade de direitos, porém tanto quanto antes, déles se abusava como escravos do estado 1 servico dos seus concidadaos brancos, durante seis meses por ano; além disso, agora tinham que entregar um décimo do fruto de seus trabalhos & coroa, uma sexta parte das sobras ao diretor, e éste diretor nao era para les nenhum patriarea, como © era antes missionario, porém imperava como um feitor de escravos, interesseiro, de coragio duro”, ® 3. O trdfico Ainda nao foi levantada a estatistica do trafico de pegas da Africa para © Pard, Os historiadores nao contam com elementos bastantes se- guros para realizi-la, © trafico foi realizado sob diversos regimes, tais como 1) assento, ou alistamento compulsério de negros cativos na Africa, peralmente negociados mediante contratos da fazenda real com parliculares — realizado nos séculos XVIT ¢ XVII : b) estanque ou estanco, monopdlio atribuido as companhias de ) intiva particular — realizado irregularmente durante todo 0. periodo do mifico; d ) contrabando; { mércio interno, também de inciativa particular, que deslo- cou .vos sobretudo da praca da Bahia para o Maranhio, e desta par Pard, através dos caminhos terrestres ¢ feito pelos chamados fn Werneck. Histéria da burguesia brasileira 1964, p. 47. H. op. cit., 1931, ¥. 1, P. 30L ¢ ie . © valor de cada peca variou através dos tempos. O estanque de : pesen ear 1008000 réis cada escravo; em 1709, 0 escravo do ssento ja era vendido por 160$000 réis. A forma de pagamento era geralmente em géneros da terra: algod’o ¢ tabaco, artigos de ‘consumo por téda a costa de Guiné até Angola, tendo a meiré- pole recomendado seu cultivo, ® 3.1 Primeira modalidade — assento O carregamento feito sob a responsabilidade da fazenda real, median- te contrato com particulares, ou assento, esta suficientemente documen- tado, Este regime pode ser subdividido em trés fases: a primeira pre- cedeu a criaco da Companhia de Comércio do Maranhio (1682); a segunda medeia a abolicdo do esianque atribuido a essa com: panhia (1684) ¢ a instituigéo da Companhia Geral de Comércio do Grao-Pard e Maranhaio (1775); a terceira, a fase mais ativa, ocorreu apés a extingao da Companhia Geral (1778) e deve ter aleancado a primeira década do século XIX. Da primeira fase conhecemos apenas as referéncias as prov isdes de 1662 ¢ de 1680, Esta ultima, datada de 1.° de abril, determinava a condugao, anualmente, de escravos de Guinée: _“Faco saber aos que esta minha provisao virem que por haver en- tendido ser precisamente necessiirio ao bem piblico ¢ conservacdo do estado do Maranhao que haja néle copia de gente de servico de que se yalham os moradores para a cultura de suas searas ¢ novas drogas que se tem descoberto, cuja fabrica deseja-se adiante qu jo splic ar 10+ dos os meios para éste fim assim como tenho orden a condugéo dos negros da Costa de Guiné que todos os anos hio de ir ao mesmo estado com a maior comodidade dos moradores déle que se pode ajustar,..”.™ : Ja a segunda fase, que se iniciou apds a aboligdo do ¢ jue atribuido 4 Companhia de Comércio do Maranhio (1684) Juziu yastissima documentagao. Atendendo ao interésse dos moradores déste estado, a metrépole ajustou o contrato com a Companh: . d ¢ h = represemtada pelo caixa Gaspar d’Andradc, mediante qual tate obrigava a introduzir anualmente 145 escravos. entre machos e f 40 prego de 155$ cada pega. Em 1702 o assento foi “feito Ant6nio Freire da Cunha e Manuel Francisco Vilar © em 1708 pel mestre José de Azevedo. de Os contratos mais importantes s i i © realizaram porém na terceira fase. A extingo da Companhia Geral de Coméreio determinou a falta de bragos ¢ logo se féz o contrato de Cachéu e Cabo Verde, o qual. #0 Livno grosso do Maranhiio. v. 2, p. 189. %t Testo integral no Livro grosso do Kanuhio: v. 1, p. SI-S6. 28 =| como expos D. Francisco de Sousa Coutinho a 21 de agésio de 1791, “menos introduziu ou quase nenhum’. Esse governador, como outros — que o antecederam, sempre se queixou da pentria dos habitantes insatisfagdes por falta de bragos, Mas até 1792, de acdrdo com os cdleulos de Manvel Barata, sob o regime de contratos foram introdu- zidos 10 Para 7.606 escravos, transportados de Cachéu e do Cabo Verde. Bsses algarismos indieam que a importag&o de africanos, entre o fim da atuagio da Companhia Geral de Comércio, 1778, e aquela data, compreendendo o periodo de 14 anos, da-nos a média anual de 545 escravos, inferior & média anual do periodo do monopélio daquela Companhia, que foi de 629, digamos a carga de trés navios, 0 que era realmente muito pouco, mesmo excluidos os negros entra- dos via terrestre e via contrabando, © territério amaz6nico era imenso e despovoado. As centenas de milhares de indigenas nucleados ou dispersos em suas aldelas nao constituiam uma populagao que efetivamente ocupasse 0 territrio. Numerosas uibos j4 haviam sido extintas e outras se achavam em rapido processo de extingao, A imigragao portuguésa, para esta parte do Brasil, lambém era inexpressiva. Dai a razdo da queixa désses governadores ¢, em particular, a que lemos na exposigéo que, a 21 de agosto de 1797, D. Francisco de Sousa Coutinho, capitao-general € gove 4, enderegou ao irmao, D. Rodrigo, que dirigia os negécios do ultram: portugués. Nela propunha o problema da impor- tagao do brago africano, essencial ao desenvolvimento da lavoura: “*Nestes térmos a mesma necessidade ¢ falta d’escravos continua; os que havia no uno de 1789 mostrei cu pelo mapa da populagao & produgdes territoriais que remeti com © oficio némero 19 do ano de 1791, em data de 8 de maio. Os que ha presentemente mosirarei por outro semelhante mapa que estou a conduzir por ume outro se vyé que mal cabe a cada branco wm préto € que sendo o sustento daqueles inteiramente a cargo déstes ¢ dos poucos indios que ha para os servi- gos publicos particulares se as terras nao fdssem to férteis. se as suas produgdes nao fssem tho estimadas seria impossivel que um tao pequeno numero de individuos de trabalho adquirisse além dos produ- tos de que os de tdda idade ¢ sexo se sustentam OS de que compoem. a ex vcao désse estado dos quais todos provém os rendimentos reais’. E nao se atendia a que. .« uma extensio imensa com pouca gente vale menos que muita gente pouca extensio. .. I jo aquela introdug&o de negros escravos de ‘‘methora~ ment frouxe e tao vagaroso”’, propunha uma nova politica escra- vista [ . Amazénia. Efetivamente, considerando justas estas ponde- ragdes, a metrépole tomou diversas providéncias ¢ uma delas foi a A. Negros esoravos na Amacinia. 1952, % 3, p. 1634. on aviso de 16 de abril’ de 1798, pela qual se ordenow ao Rezende, D. José de Castro, vice-rei e capitio-general de mar ‘ra do Estado do Brasil, ‘‘que promovesse & auxiliasse a saj- da dos escravos bons ¢ robustos para a capitania do Para f ando te yres de pagar direitos de entrada no Rio de Janeiro todos aquéles que - houverem de ser exportados para o Para, aonde € preciso dar incre- “mento & povoagao ¢ com ela a cultura, tabalhos ¢ indistria. E igual- mente participa o governador do Para, D, Francisco de Sousa Cou- tinho, que os navios desaferrados da Africa e vierem diretamente para © Para, transportando escravaria, estavam isentos de pagar direitos de entrada e saida. © A partir de ent&o intensificou-se de tal modo 0 trifieo de escravos africanos para 0 Grao-Para que, a0 findar-se o govérno do Conde de Vila-Flor, nas vésperas da Independéncia, o total de escravos importa- dos, entre o fim da atuagdo da Companhia Geral de Comércio ¢ 1820, subiu para 38,323, segundo Buena, ou seja, houve um acresci- mo de 30.717 individuos num perfodo de 27 anos (1792-1820), dando a média anual de 1.137, 0 dobro da média anterior, Marcou portanto ésse periodo notiivel incremento no trafico negreiro Agora porém nfo € sdmente o regime de contratos que avulta A iniciativa particular foi despertada para os bons lucros do negocio. 3.2 Segunda modalidade — estanque ou estanco oni- ¢ dei- até O trafico realizado pelas duas companhias de comérci zaram para suprir as necessidades mercantis d Xou resultados mais positivos, mas, ainda assim, i contraditérios. Veremos rapidamente ésse trifico, 3.2.1 COMPANHIA DE COMERCIO DO MARANTIAO (1682-1684) Da primeira companhia organizada para promover o desenvol das conquistas portuguésas no extremo norte do Brasil — aly 12 de fevereiro de 1682 — e que teve curta duracgio (1682-84) S¢ sabe que interesse diretamente a0 Pard, Teve atuacio m no Maranhao, embora dela resultassem alguns efeitos no Pari. O eslanque compreendia todo o estado do Maranhao ¢ visava o mono Polio de todos os géneros exportiveis, principalmente cravo e cacat tos das florestas amazOnicas. Em conseqiiéncia, também no Part interéss¢s contrariados. avia 9 Cf. Brena. Compéndio dar eras. 1969, p 237 30 Na organizacio do estanque muito se empenhou o governador capitao-general Francisco de $4. O govérno portugues aa D. Pedro deu Se ats Oa para proven os moradores do oe com ne le la para suas lavouras e engenhos, entregando A companhia a aldeia de Bio Gongalo, no Tagine pea tccete ane ditos escravos quando chegassem. Depois de taxar o preco do ferro, ago, cobre, facas ¢ outras mercadorias importadas da metrépole, o alvard de 12 de fevereiro de 1682 marcava também o valor dos africanos: um negro, pega da India, 100$000, os outros, conforme a qualidade. Uma espécie de espirito monopolista tudo ayassalava. A com- panhia, em pouco tempo, descapitalizou alguns dos moradores mais abonados, E ésies, prevendo a ruina ao invés da prometida prosperida- de, mobilizaram-se a fim de defender seus interésses. Eis como Roberto Simonsen sintetiza as atividades dessa emprésa: “© segundo empreendimento, visando & exploragio do comércio colonial, foi a Companhia do Maranhao, derivada do contrato negoci- ado em 1678 ¢ 1679, entre o govérno portugués ¢ um grupo de acionis- tas, para a exploragio do trifico comercial entre o Para, o Maranhio e a Metrép Partiu a iniciativa da idéia de se introduzirem bragos africanos no estado do Maranhdo, em conseqiiéncia da grande crise de mao-de-obra, que ai reinava, agravada pela oposigao dos jesuitas A escravidao yermelha, Tomaram os acionistas o compromisso da introdugéo de 500 ne- gros por ano, ficando, durante 20 anos, com o monopdlio absolute de comércio no estado do Maranho, devendo partir, anualmente, para a Metropole, no minimo, um navio de Sao Luis ¢ outro do Para, Os abusos que cometeram os acionistas ¢ a compressio que se operou sébre os colonos, Jevaram éstes a atos de desespéro ¢ & revo- lugio de Beckmann, E 0 estanco foi afinal abolido em 1684”, Entre oy principais eabegas do motim, além de Manuel Beckmann thor do engenho de Vera Cruz, no Rio Mearim, sao apontados Jorge Sampaio, escrivao. da ouvidoria e Frei Inacio, o Venturose r alcunha, vigdrio provineial de N.S, do Carmo, e mais © carapina Francisco Deird, que eseapou a forea (fot executado em estdtua), 1 ase nos matos € anos mais tarde anistiado. Ox impliou consideravelmente seus objetivos, tentando inclusive

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