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NOVO CURSO DE DIREITO CIVIL —V. 4, .1 Pablo Stolze Gagliano Rodolfo Pamplona Filho I edigho — dex. 2004 1 edigdo, 2 tiragem — abr, 2005, 1 edigho, 3 tiragem — jan. 2006 1 edigho, 4 tiragem — fev. 2006 2 edigdo — jul. 2006 3% edigio — jul. 2007 4 edigio — jan. 2008, 5" edi¢io — dez. 2008 5* edigdo, *tiragem — jul. 2009 edict — P edigio — 7 edigdo, 2 tiragem — jun. 2011 8 edigio — jan. 2012 PABLO STOLZE GAGLIANO _ Jia de Direito na Bahia. Professor de Direito Civil da UFBA — Universidade Federel da Bahia, da Escola da Magistratura do Estado da Bahia e do Gurso de Pos-Graduasao da Pundagio Faculdade de Dizeito da Bahia. Mestre em Direito Civil pela PUCSP — Pontificia Universidade Catdlica de Sao Paulo. Especialsta em Dikeito Civil pela Fundacio Faculdade de Direito da Bahia, Membro da Academia Brasileira de Direito Civil, RODOLFO PAMPLONA FILHO Jie Titular da 1° Vara do Trabalho de Salvador/BA. Professor Titular de Direito Civil « Direito Processual do Trabalho da UNIFACS — Universidade Salvador. Professor ‘Adjunto da Graduagdo e Pés-Graduagio (Mestrado e Doutorado) em Direito da UPBA — Universidade Federal da Bahia. Coordenador do Curso de Especializacdo em Direito e Processo do Trabalho do JusPodivm/BA. Mestre e Doutor em Direito das Relagbes Sociais pela PUCSP — Pontificia Universidade Catdlica de So Paulo. Bspecialista em Direito Civil pela Fundacio Faculdade de Direito da Bahi ‘Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho e da Academia de Letras Joridicas da Behia. NOVO CURSO DE Direjto CONTRATOS: 3 TEORIA GERAL 3 (Abrangendo os Cédigos Civis de 1916 e 2002) Bedigio revista, atualizada e ampliada 2012 Editor Saraiva (CB Sriva {eign Sm 7, Cen — Sale — SP Boston ape (38183000 Sc cno 55 7488 Dea as 0s 1990. ‘sig @attesse coir ess: ruts set Frere (oe GDSahE x2 SH Aes ta ie, 23— Bas eon et tas ‘Sonam sae dum ie, eet 9 os Martane he Sra-tan cculrapuna femme fer fo gael att Fee sates ssp aaa SYS oe a—sexdeone ay Fae) at 7s Fee tens 3 casos (epic SS fe isn jae Fenn ‘woeasoon success att doa Atco Fe) S28 SUE Cs muses lint Plata e Fer) S30) 3H aim ‘tig ta Ferbane snot Foam re See aaa Snare cam one Senna na cane Ea iiarici = tee pine canes CER ms Sere tee wane Plea SESE nme iat somo Feta, $a Fee ately 15 978450201386 ob ols [BINSTOASOB149014 whe, nol agian Pe Se ‘Nove cn de tate vlan 4: batt. fone egal ilo Soe Caplan Rodale Pon ftha Rf al coool SF Soe Be Wnt Ci Ct de 0207 |: Contar Dsl 2 Din cl-Leginse Bes npn Fo, abl IT couse anon eso sein Cie Gt 916 Bot seus, 2LGsdge C20: Saran) itr tl ie ero nt drei ge ies Th de Crago is Pde el ayes ais Ppa de ga Aa Cs Gr ‘i hl ie: et Basen ‘oglu ii st ‘ee drain Cs nak ie Fis Mex ent Rois de ros de Csi Gog Ce ae Saas eis Ao Fo Has is Aa ao ap Gate Pato Pedi ra Ka Ragin iaser ‘ease vnmsarsojccombe Nerbun te det abo pen eperda Pesnpeane mason Spe se cme een ign 1 do Cage Fon Joo Paiva Direite 3462-9103 Dedicamos esta obra ‘Ao nosso Senhor Jesus Cristo, pela esperanca ¢ mise- ricérdia, que se renovam a cada manka, mesmo em tempos conturbados A André Barreto Cabussu (in memoriam) e a todos os membros de uma das turmes mais maravilhosas e agradé- ‘veis com que convivemos em nosso magistério; ‘Aos amados amigos ¢ parceiros que conquistamos nos diversos rincdes do Pais, na busca de uma nova perspecti- va do Direito; e ‘Aos formandos em Direito da Universidade Salvador — UNIFACS (2003 ¢ 2004), pela nossa sucessiva eleigao ‘como patrono de suas turmas, Agradecimentos Dente os nossos intimeros defeitos, certamente néo se incluiré a ingra- tidao, Por isso, como em outras oportunidades, fazemos quest2o de registrar os nomes de diversos amigos que compartilharam conosco a caminhada de ela- oragdo deste volume ou revisio dos anteriores. Obrigado, Pinho, Virginia e Lourdes (nossos pais), Emilia, Marina ¢ Rodolfinho Pamplona (esposa ¢ filhos), Fred, Camila e Ricardo (irmaos de sangue ¢ coracio) e Scooby (0 irm&o canino mais conhecido do mundo juri- dico brasileiro), a minha Nina (esposa), Prof. Geraldo Vilags (nosso maior colaborador de Jurisprudéncia, quase um “coautor” virtual da obra), Oliveiros Guanais Filho, Willis Santiago Guerra Filho (nosso grande fildsofo), Silvio de Salvo Venose (amigo de sempre), @ querida amiga Giselda Hironeke, Francisco Cahali, Nelson Luiz Pinto, Alice Lotufo, Fernanda, ao professor e amigo Ronal- do Andrade, Francisco Fontenele e a equipe JusPodivm (pelo exemplo de profissionalismo e seriedade), & grande amiga Meire Queiroz e & décima oitava turma de Direito 2004 da UNOESTE (nas pessoas de Djalms, Flizete e Cristia- ne), ao Tribunal de Justiga do Estado da Bahia (pela confianca depositada) ¢ a0 Tribunal Regional do Trabalho, Camilo Colani, Fernanda Ivo Pires, Edivaldo Boaventura, J. J. Calmon de Passos, Fredie Didier Jinior, Aloisio Cristovam dos Santos Jtinior, Davi “Personal Trainer’, Tatiana de Almeida Granja (nossa con- sultora de Direito e Informética), Helena Argolo, Alvaro Maia, Sebastiio Martins Lopes e Maria Aparecida Falcio, Ronaldo Torres e Lucinha, a todos 0s membros ¢ colaboradores das Comissées Organizadoras dos Seminérios Juridicos “Justica e Comunidade” (Teixeira de Freitas ¢ Eunépolis) e “V Semi- nério Sul Baiano de Direito” (Porto Seguro), Roberto Figueiredo, Eugenio Kruschewsky, Walber Carneiro, Romulo Moreira, Rejane, Mércio Soares Berclaz (PR), Andréa Rios (AL), Amanda Madurcira, Caroline Prazeres ¢ Jailton Fon- seca de Souza (0 carinhoso trio civilista de Séo Luis/MA), Sérgio Matos (nos- so amigo e colaborador voluntério de Aracaju/SE), José Cairo Jinior, Mirian Lima Batista, Janaina Scofield, Gamil Féppel el Hireche, André Luiz Batista Neves, Saulo José Casali Bahia, Celso Castro, Durval Carneiro Neto, Fernanda Lérdelo, Cléudio Rolim, Juan Marcello (Rj), & galera da “Treblebes Reloaded” (Cedric, Manga, Turi, Jorge ¢ Tinior, pelo maravilhoso “revival”), 20s servido- res das comarcas de Amélia Rodrigues, Teixeira de Freitas, Eunépolis, Uhéus € Salvador, aos amados amigos do IE) (notadamente Eduardo, Flévia, Joseph, Camilinha e Mila) pela mais bonita solenidade de que participamos em nos- sas vidas, Ursula e Aline (FTCiItabuna), Gustavo Pereira da Silva Couto, Ricar- do Didier, Thiago Borges (amigo e coordenador do Curso de Direito da 7 UNYAHNA — BA), Soraya Thronicke (Campo Grande/MS), Marina Ximenes, Lueli Santos, Laerte Jaciel Scalco (Cuiabé-MT), Leonardo Grizagoridis da Silva (RD), Marcos Avallone (MT), Polyana Stulzer (Vitéria/ES), Min. Walmir Olivei- ra da Costa (TST), Wilson Carlos de Campos Filho (ESUD CAMPO GRANDEY MS), Lislaine Irineu (Uberaba/MG), Hélio Nascimento, Ant®nio Adonias Aguiar Bastos, Salominho Resedi, Luciano Figueiredo, Talita Moreira Lima, Ana Paula Didier, Lilian Castelani, Stefan Dudovitz (que nos fez redescobrir 0 fascinio do idioma alemao), Antoniel (NTC/R)), Patricia Fratelli (Sio Paulo), André Porto (Campinas/SP), Zen Evolution (Floripa), Teresinha Pitombeira e Maria do Socorro Veloso (da Fundacao Des. Francisco Gomes, do amigo Raulino, em TTeresina/PI), as colegas magistradas trabalhistas Benedita Guerra (PI), Kaline Lewintel (CE) e Alessandra Freitas (MG), Elaine Machado Pessoa (Belo Hori- zonte), Cintia Pimenta (Ribeirio Preto/SP), Rosinha (NTC/RI), Gabriela Resques (Belém/PA), Daniela Rosario (Professora do LFG), Camilo Matos Cavalcante de Souza, aos gerentes regionais da Saraiva e livreiros, por todo 0 apoio na divulgago do nosso trabalho, a todos os demais amigos que, embora nao mencionados, torceram por nOsso sucesso. fndice Agradecimentos Sociedade e Diet, o equiva vital de poses. Proficio a Primeira Baia. Apresentagio da Primeira Eaigao Nota dos Autores & Oitava Bdigao [Nota dos Autores a Sexta Edigao.. ‘Nota dos Autores & Quinta Edigdo ‘Nota dos Autores & Tercera Eaigao Nota dos Autores & Segunda Baicio ‘Nota dos Autores & Primeira Edigao Capitulo 1 Introdugao & Disciplina Juridica dos Contratos 1, Importancia do estudo dos contratos : do inicio dos tempos ao contrato 2. Concepgio histérica do contrat de adessi 3. Os contatos no Ciigo Civil de 2002 Capitulo 1 Visio Estrutural do Contrato 1. Nogbes introdutéri 2. Conctito de contrato 2.1. A perspectiva civil-constitucional do contrato: uma (re}eon- ceituagio? 3. Naturezajuridica do contrat. 4, Planos de existénci, validade e eficicia aplicéveis a0 contrato 4.1, Hlementos constittives do contrato (plano de existéncia do negocio juridico) 4.2, Pressupostos de validade do contrato (plano da validade do negocio juridico). os . os "7 21 23 27 29 31 33 35 37 39 40 45 “9 49 50 53 55 56 58 5, DistingBes terminclgicastlevants. 6, Forma e prova do contrato. 10 |. Introdusgo |. Principio da forga obrigat6ria do contrato 5. Principio da relatividade subjetiva dos efeitos do contrato. . A boa-fé como um principio juridico. . Boa-fé objetiva e boa subjetiva 43. Fatoreseficacais do contrato (plano de eficéeta do negécio juridico) Capitulo TIT Principiologia do Direito Contratual Breve revista a0 principio da dignidade da pessoa humana. Prinefpio da autonomia da vontade ou do consensualismo.. Capitulo 1V Fungio Social do Contrato Equivaléncia Material |. Principios sociais dos contratos: mudanca de mentalidade juridica >. Fungio social do contrato. 2.1. Buscando uma delimitacio conceitual..- 2.2. A fungao social do contrato no Cédigo Civil de 1916: ani da omissio legislativa. 2.3, Fungio social do contrato no Cédigo de 2002: anilise do art. 421 : 2.4, A funsao social do contrato e os defeits do negécio jusidico Principio da equivaléncia material. Capitulo V Boa-Fé Objetiva em Matéria Contratual Compreendendo o principio da boa-f objetiv Fangées da boa-fé objet 4.1. Fungdo interpretativa e de colmataclo .. 42. Fangio criadora de deveresjurdicos anexos ou de protegio 4.2.1, Deveres de lealdade ¢ confianga reciprocas. 60 60 6 65 66 n 76 78 8 83 ot 88 91 97 101 102 104 107 107 108 109 4.2.2, Dever de assistencia... 4.2.3, Dever de informacio. : 4.2.4, Dever de sigilo ou confidencialidade.. 43, Fangio delimitadora do exercicio de direitos subjetivos. 5, A boa-fé objetiva e o art, 422 do Cédigo Civil brasileiro. 6, Desdobramentos da boa-fé objetiva 6.1. Venire contra factum proprium. 6.2. Supressio. : 6.3. Surreetio 6A, Tu quoque 65. Exceptio doli = 66. Inelegabilidade das nulidades formais 6.7. Desequilibrio no exercicio juridico 638. Cliusula de Stoppel Capitulo VI Formagao dos Contratos Noses bisicas Fase de puntuagio (negociacbes preliminares) Proposta de contratar 3.1. Prazo de validade da proposta. 3.2. A oferta a0 publico. 33. Consequéncias juridicas ‘morte do proponente. 4. A actitasio. 5, Formagio dos contratos entre ausentes . A proposta no Cédigo de Defesa do Consumidor . Lugar da formagio do contrato. 6. 7 Capitulo VII Das Estipulagdes Contratuais em Relagao a Terceiros 1. Introdugio . 2, EstipulagZo em favor de terceiro 2.1. Bfeitos.. 43, Promessa de fato de terceiro 3.1. Natureza jurfdica 3.2. Txclusto de responsabilidad: uma novidade do Cédigo Civil de 2007 : e 10 mL m4 na us ng 120 122 124 124 124 125 126 125 129 130 12 134 136 138 138 140 12 143 7 a7 149 150 151 . Classificacao dos contratos no Direito Roman . Classificacao dos contratos reciprocamente considerados.. . Conceito ¢ institutes similares. . Natureza juridiea... Contrato com pessoa a declarar. 4.1. Distingio para a cessio de contrato. Capitulo VIII Classificacao dos Contratos recurso pedagégico da classificacio Contratos considerados em si mesmos. 3.1. Quanto & natureza da obrigacio .. 3.l.1. Contratos unilaterais, blaterais ou plurilateras. 3.1.2, Contratos onerosos ou gratuitos.. 3.1.3. Contratos comutativos ou aleatérios.. 3.1.4, Contratos paritérios ou por adesio.... 3.1.5. Contratos evolutivos. 3.2, Clasico dos contratos quanto & disiplinajaridica 3.3. Classificacto dos contratos quanto & forma.. 33.1, Solenes ou nao solenes. 3.3.2. Consensuais ou reais. I. Classficagdo dos contratos quanto a designacio. Classificagao dos contratos quanto & pessoa do contratante. 3.5.1. Pessoais ou impessoais we 3.5.2. Individuais ou coletives.... 5.3. 0 autocontrat 36, Clasficaszo dos contratos quanto co tempo de sua execusao. 3.7. Classificagao dos contratos quanto a disciplina legal especifica 3.8. Classificacio pelo motivo determinante do neg6cio... 3.9. Classificaco pela famgio econdmic 4.1. Classificagdo quanto a relacio de dependéncia. 4.2, Classificagdo quanto a definitividade. Capitulo IX Contrato Preliminar Considerasbes iniciais Classificagao, 152 153 155 156 157 158 158 161 163 167 170 a 173 173 174 175 175 176 177 179 180 182 182 182 184 184 185 187 188 189 190 5, Tatela espectfica. wun 6. Consideragées sobre 0 contrato preliminar de doagto. 1. Introdusio . Os contratos atipicos no novo Cédigo Civil brasileiro .. 4. Uniiio de contratos ou contratos coligados: Capitulo X Contratos Atipicos Contratos tipicos e atipicos.. 2.1. Distingéo dos contratos nominados ¢ inominades. 2.2. Classificacao dos contratos atipicos. 2.3. Disciplina juridica dos contratos atipicos.. Capitulo XI Interpretacao dos Contratos 1. Compreendendo a atividade interpretativa.... 4, A interpretagio de contratos de adesio... . A opgao brasileira de ndo estabelecimento de regras estanques de interpretasac Regras de interpretacio no Direito Civil brasileiro 3.1. Regra de caréter subjetivo... 3.2. Regras de caréter objetivo. 3.3. Convivencia e adequacio das regras de interpretaglo: a her- ‘menéutica principiol6gice constitucional.. Interpretagio dos contratos em microssistemas juridicos 7 5.1. A interpretacio do contrato de trabalho. 5.2. A interpretagio do contrato de consumo. Capitulo XII Vicios Redibitérios Introdugdo Conceito ¢ caracteristicas Fandamento da garantia contra os vicios redibitérios. Vicios redibitérios x erro como vicio de consentimento.. Consequéncias juridicas da verificagao de vicios redibitérios Prazo para a propositura das acées e¢ Vicios redibitérios e 0 Cédigo de Defesa do Consumidor 193 199 203, 204 206 207 208 2 212 215. 216 217 217 219 220 221 223 224 226 29 29 230 232 233 235 240 18 Capitulo XH Evicgao |. Nogées conceituais. 2, Fundamentos juridicos. - Requisitos 3.1. Aquisicio de um be 3.1.1. Contratos onerosos.. 3.1.2. Aquisicdo em hasta publica 3.2, Perda da posse ou da propriedade 3.3, Prolagéo de sentenga judicial ou execugio de ato administrativo.. Direitos do evicto. Espécies de eviegao: totale parcial... Evicgio ¢ autonomia da vontade —A cliusula de nao eviceao. Bvicyo e benfeitorias... Bvicyio e demunciaglo da lide 8.1, Andlise da obrigatoriedade ou no da denunciagao da lide. 8.2. Consequéncias juridicas da denunciagio da lide 8.3. Visto esquemética. Capitulo XIV Extingao do Contrato 1. Consideragbes metodolégicas « 2, Classficagdo das formas de extingéo do contrato (nogbes termi- nol6gicas). 3. Extingfo natural do contrat 3.1. Cumprimento do contrato ou exaustiéo do seu objeto 3.2. Verificagao de fatores eficaciais 3.2.1. Vencimento do termo 3.2.2. Implemento de condicio resolutiva 3.2.3, Frustragdo da condicao suspensiva. 4, Causas anteriores ou contemporéneas & formagao do contrato. 4.1, Nolidade ou anulabilidade 4.2. Redibicg. 43. Direito de arrependiment 5. Causas supervenientes & formacio do contrato. 5.1, Resiligto 5.11, Bilateral (Distrato) 4 245 246 247 247 247 248, 251 252 253, 254 256 258 259 259 264 266 268 20 2m mm 273 273 274 275 275 295 276 2m 278 278 279 2. Concepeio historica da teoria da imprevis |. Consideragbes iniciais. J. Escorgo hist6rico... a) Forma... b) Quitasio .. Unilateral... a) Limitagdo tempor: b) Formas especiais. bb.1) Revogacao. 2) Rendincia.. 1b.3) Resgate. 5.2, Resolugao 5:21. Alguinas palavras sobre a voluntariedade da inexectio. 5.2.2. Cléusula resolutéria (expressa ou tacita) 53. Rescisio... 54, Morte do contratante. 5.5, Caso fortuito ou fora maior Capitulo XV Excegao de Contrato Nao Cumprido Conceito e natureza jurfdica Elementos caracterizadores... Restrigéo & aplicagio do instituto Garantia de cumprimento..... ‘A excecio do contrato no cumprido e 2 Administragdo Pablica Capitulo XVI Teoria da Impreviso e Resolucao por Onerosidade Excessiva Introduglo 3. Compreendendo a distingao entre teoria da imprevisio, cldusula . Elementos para aplicabilidade da teoria da imprevisto 5. Teoria da imprevis rebus sic stantibus e resalugao por onerosidade excessiv x lesio... 6, Teoria da imprevisio x inadimplemento fortuito (caso fortuito ou forca maior). 279 280 281 282 284 284 285 286 287 288 288 294 297 299 301 301 303 305 306 306 307 Bll ai 314 316 318 319 18 A teoria da imprevistio no Cédigo de Defesa do Consumidor.. A teoria da imprevistio no Cédigo Civil de 2002... 8.1. Aplicabilidade do instituto.. — . Revisibilidade do contrato. 8.3. Aplicacao da teoria nos contratos unilaterai 8.4, Restrigio contratual a aplicacto da teoria Capitulo XVII Inadimplemento e Responsabilidade Civil Contratual 1. Importancia do tema 2, Regras positivadas sobre inadimplemento contratual 3. Responsabilidade civil contratual 3.1, Rememorando as diferengas entre responsabilidade civil aqi Tiana e contratual 3.2. Algumas palavras sobre a cléusula pen: 4, Responsabilidade civil pré-contratual.. 4.1, Recusa de contratar. : 4.2. Quebra das negociasées preliminares 5, Responsabilidade civil pés-contratual Capitulo XVI 0 Direito Intertemporal e os Contratos 1. A importancia do Direito Intertemporal em matéria de contrato: 2. Dieta edquirde, ato juridio pereto coisa julged: breve nogées. 9. Da regrabisia de Dizeito Intertemporal em matéria de contatos 4. Conflitos na aplicagio das normas contratuais em face do CC-02.. 4.1, Da (in)constitucionalidade do art. 2.035 do Cdigo Civil, 42. Entendendo o art. 2.035 do Cédigo Civil. Capitulo XIX Introduco aos Contratos em Espécie 1, Contratos em espEcie.wnnnnm 2. A proposta do préximo tomo... Referéncias 16 321 323, 323 324 327 327 329 330 331 332, 334 334 335 336 339 3a 342 344 a7 348 349 355 355, 357 Sociedade e Direito, o Equilibrio Vital de Opostos Sociedade e Direito slo criagbes essencialmente humanas que se comple- tam por serem, paradoxalmente, opostas. De fato, 0 homem criou a Sociedade, impelido ao gregarismo pela ne- cessidade instintiva de se defender de um universo primitivo e hostl & sua espécie. A partir dai, milénios de paciente e incessante evolugio, calcada no Sinico ¢ singelo método de substituir o instinto pela razlo, levaram-no 30 supremo triunfo de dominar aquele universo que © ameacara e de fazer ecoat por todos os recénditos o grito de sua orgulhosa proclamagéo como rei da natureza. No préprio momento, porém, da afirmagdo triunfal, uma fia angéstia Ihe invadiu a alma com a certeza de que, dali por diante, sua grande luta seria para defender-se de si mesmo, Foi entdo que ele criou Direito. Bota éa sintese da ideia de que Sociedade e Direito, provindos de uma s6 sinese, 0 gnio humano, tém por destino opor-se ¢ completarse. Enquanto aquela ilustra 0 impeto gerador do poder pela inteligéncia ignorando limites, que o poder nfo tolera, ese lustra um freio a voldpia da geragdo sem contro- les, que fatalmente levar4 ao suicidio da espécie. Em outra ilustracso possvel, © Direito esté para 0 arrebetamento das mudangas sociais como a brida para o galope do coreel. Néo trata de impedi- Jo, apenas procura ordenar a progressio dos avancos, a fim de garantir a har- ‘monia dos resultados. Por isso, Sociedade e Direito atuam como valores intercomplementares, 0 Direito a permitir & Sociedade que exercite seu irequieto talento de mudar a criagio, a Sociedade a consentir que o Direito exercite a serena prudéncia de ‘maodelar as mudangas, contendo com a comedida resistencia das diques o ar- rojo de um caudal que, liberado de peias, arastard, devastando, tudo que se copuser & sua energia cega. Enfim, mudar e modelar, verbos de conjugagéo tio préxima e intengBes ‘tio distantes, encontram-se para dar o ponto de equilibria desses opostos do espirito humano. Essas pequenas reflexées sobre o papel do Direito em face da Socieda- de nos levam naturelmente a identificar a figura do jurista, agente respon- sével pela formacio da doutrina e pela interpretacao das normas destinadas a modeler, moderando, a conduta humana determinada pelas mudangas qv sociais, com a do homem amadurecido no corpo na mente ¢ encanecido no incansével remoer do pensamento que fez.da citncia juridica uma arte de ru- ‘minagéo intelectual. E essa identficagao assume foros de inevitével, por apli- cago da lei das probebilidades, quando o observador tem diante de si uma obra de natureza tao eminentemente sedimentar, quanto um Cédigo, elabora- do, ainda por cima, num momento histérico em que a mutabilidade caracte- ristica da atividade social se aproxima perigosamente da fronteira extrema do paroxismo. Dal, nfo pode ficar sem registro nossa surpresa quando, solicitados a examinar e externar algumas modestas impress6es sobre este volume IV de comentérios a0 novo Cédigo Civil brasileiro, subordinado ao despretensioso titulo de “Curso”, deparamos com dois juristas extremamente jovens, que vira~ ‘mos ainda outro dia deixar os umbrais da Faculdade, a assumir a ardua res- ponsabilidade de prepard-lo, como fragio de um tratado bem maior, plancjaco para oito volumes. Admira-nos a galhardia com que, no texto lido, 08 autores enfrentam as “coisas novas” assimiladas pela doutrina e normas do Direito Civil, sugeridas, nesta abertura de milénio, pelos radicais cimbios estruturais herdados da So- ciedade jé longingua do século XIX, retratada pelos moldes encarquilhados do ‘Cédigo de 1916, no coragao auténtico do conservadorismo jurfdico que sempre foi o jus gentium romano, apesar da hist6rica remodelacdo napolebnica. Mencionamos a galhardia de postura dos comentadores gragas ao modo como demonstram ter sabido balancear a naturalidade com que accitam as inovagées, no campo dos contratos, projesio instrumental dos negécios juri- dicos, a exemplo da promessa de fato de terceiro, da regulagio especifica da corretagem, do transporte de pessoas e coisas e da agéncia e distribuiglo, que se juntam & outros modelos, tradicionais, sem exigir uma completa subversio institucional, com o destemor de criticar a timidez de algumas mudangas ou o equivoco de se ter deixado escapar o ensejo de se preencherem certas lacunas evidentes da legislagao anterior. J4 notéramos esses mesmos atributos na leitura dos trés volumes ante- riormente editedos, versando a matéria contida nos Livros I a Il da Parte Geral, ¢ no Livro I da Parte Especial da Lei. E do que notamos, como uma constante, nasce @ conclusio de, até aqui, estarmos diante da obra de maior folego no género “comentirios & Lei’, entre as muitas, também merit6rias, inspiradas por sua promulgagdo, em 2002. Soma-se a esses aspectos o sélido embasamento doutrinério e de direito comparado que é o lastro de cada comentario. Nossa concluséo derradeira resume outra observagio: cremos firmemen- te estar sendo superado 0 tempo em que 0 conceito de jurista s6 era accito para os Carnelatti, Ripert e Windscheid, que pintaram a histéria do seu estudo 18 como um fruto, que salientamos, da associagio do dominio profundo da cién cia jurfdica com os cabelos brancos e a seguranga intelectual, somente propor. cionados pelo impiedoso ocaso da vida. Hoje, no é mais assim, Hé juristas jovens, que infundem igual confianga ¢ respeito, parecendo-nos até que a modernidade tecnolégica operou o milagre da simbiose entre a juvenilidade fisica e a matutidade espieitual. Pablo Stolze Pamplona Filho estio af para nao nos deixar mentir. Isso nos dé muito alento porque, contas feitas, na hora de ser pedido o ‘val para as mudangas sociais, os mogos é que terdo energia ideal para dé-lo ‘ou nio, no futuro. E, pelo que vemos, eles se esto capacitando a fazé-lo des: de o presente, sem esperar que 2 vida os envelheca como pretexto de amada- Salvador, setembro de 2004. José Augusto Rodrigues Pinto Da Academia Nacional de Direito do Trabalho e Academia de Letras Jurfdicas da Bahia, 19 Prefacio 4 Primeira Edigéo Agradecemos a Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, jovens ¢ valorosos juristas, a honra concedida para prefaciarmos esta obra, continu- ando seus trabalhos de qualidade, que vieram a lume com 0 novo Cédigo. Os autores, habeis no mancjo da escrita, ordenando suas ideias de modo claro, objetivo € didético, apresentam-nos as bases técnico-juridicas de uma ‘Teoria Geral dos Contratos, abordando: introdusdo a disciplina jurfdica dos contratos; visio estrutural do contrato; principiologia do direito contratual; angio social do contrato ¢ equivaléncia material; boa-fé objetiva em matéria contratual; formacéo dos contratos; das estipulagées contratuais em relacio a terceiros; clasificagao dos contratos; contrato preliminar; contratos atfpicos; interpretagio dos contratos; vicios redibitérios; evicgio; extingio do contrato; ‘excegéo de contrato néo cumprido; teoria da impreviséo ¢ resolusfo por one- rosidade excessva; inadimplemento ¢ responsabilidade civil contratual; 0 direi- 10 intertemporal e 0s contratos; € introdugao aos contratos em espécie. Um simples golpe de vista no indice e um répido folhear desta obra re- Yelam ao leitor, pela forma de estruturagio do raciocinio, a sua seriedade e profundidade. Trata-se de um estudo abrangente que aborda, com especificidade, temas da “Teoria Geral dos Contratos” da mais alta relevancia, tendo como parimetros os principios que delineiam seu contetido e sua fisionomia teé- rico-pratica, principalmente pelo realce dado & funcio social dos contratos e tormentosa questéo do direito intertemporal engendrada pelo art. 2.035, paré- srafo tinico, do novel Cédigo Civil brasileiro. A leitura da obra reflete, ainda, a experiéncia dos autores como magistra- dos ¢ a visio renovadora que, lastreada na melhor bibliografia, espraia-se por um vasto temério, ressaltando a sensibilidade cientifico-juridica de seus elabo- radores. ‘Trata-se de obra notével ¢ de um valioso instrumento de trabalho 20s operadores do direito civil. Por isso, € com enorme satisfacio que a apresenta- mos a0 grande piiblico. ‘Sao Paulo, 5 de agosto de 2004 Maria Helena Diniz Professora Titular de Direito Civil da PUCSP. Professora de Filosofia do Direito, Teoria Geral do Direito ¢ Direito Civil Comparado dos Cursos de Pés-Graduasio em Direito da PUCSP. al Apresentacéo da Primeira Edicao Este volume dé sequéncia a uma obra vitoriosa, bem acolhida pelo pé- blico leitor, especialmente pelos alunos dos cursos juridicos do Pais, com gran- de repercussio no meio profissional. E propositadamente diditica, com intuito declaradamente pragmético, com largas incurs6es na doutrina juridica atual ¢ za jurisprudéncia de ponta. Os autores, merct da inteligéncia e do espirito investigative com que se destacam, demonstram a competéncia da nova geracio de civilistas brasleiros, promovendo interlocuclo salutar entre a doutrina que se consolidou nas déca- das de aplicagio do Cédigo Civil de 1916, do apogen a0 declinio, eas corren- tes de renovacao do direito privado, notadamente dos estudos em toro da constitucionalizagao do direito civil. Os manuais marcam a histbria do direito do Pais e refletem os valores de cada época, as vezes denunciando a crise e a mudanga de paradigmas. Antes da codificacio, ao longo do século XIX, vimos 0 despontar das construgdes doutrinérias que procuravam ordenar a dispersio do direito civil, com intuito muito mais sistematizador do que didatico, como se Ié na obra imorredoura do genial Teixeira de Freitas, baiano como nossos autores. O advento do Cé- digo de 1916 fez desabrochar os manuais da geraco anterior e contemporinea da Primeira Guerra Mundial, difundindo os valores oitocentistas do liberalismo juridico, do individualismo proprietério, do sujeito de direito abstrato, da igualdade formal, como se lé na obra do codificador Clovis Beviléqua. Os ma- nnuais de direito civil surgidos apés a Segunda Guerra Mundial refletem o caso do individualismo jurfdico, as demandas de justica social e @ insercao da Ordem Bconémica e Social nas Constituig6es, como se lé na obra de outro grande baiano, Orlando Gomes, A clivagem Constituigso/Cédigo Civil perdea consisténcia nas dtimas décadas do século XX, fazendo eclodir o interesse dos civiistas pela interlocucto entre direito puiblco e direito privado ¢ a sua des- crenga na fungio prestante das grandes codificagles. (Os microssistemas juridicos (a exemplo do direito do consumidor, 0 di- reito da crianga e do adolescente, o direito autoral, 0 direito do inguilinato, o direito ambiental), com sua peculiar interdisciplinaridade, demonstram mais dinamismo e aptidio para adaptacio as mudangas sociais. O surgimento de tum novo Cédigo Civil, para o Brasil, contrariando essa linha de tendéncia, obriga os civilistas & vigilincia contra duas tentag6es reducionistas: uma, a de confundir direito civil com Cédigo Civil; outra, a de isolar o direito civil, dis- pensando 0 diélogo de fontes normativas, nomeadamente a interlocugdo com as regras e prinefpios constitucionais. O direito civil é muito mais do que as ‘matérias codificadas; € um sistema juridico complexo que ndo se reduz 20 28 sistema legal. Por seu tarno, a Constituigio Federal permanece como centro unificador do direito civil, pois dela promanam as normas fundamentals regu- ladoras das relagBes privadas, conformando ¢ articulando os vrios estatutos legais, inchusive o Cédigo Civil, como legitima depositéria e guardit dos supe- riores valores da sociedade, De tais tentagbes escaparam os autores desta obra, neste e nos volumes que jé foram publicados. Estio certos Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona em atribuir destaque & teoria geral dos contratos, merecendo tomo especifico em volume proprio, em seu Novo Curso de Direito Civil. Sua importancia cresceu em decorréncia da unificagdo, no mesmo diploma legal, dos contratos civis e mexcantis,além da necessidade de referéncia comum aos contratos em geral © aos contratos de consumo. Do mesmo modo, a teoria geral hé de oferecer elementos de cone- xio entre os contratos paritarios ¢ 0s contratos de adesio a condicbes gerais. O esforgo de construsio doutrinéria ¢ redobrado, pois o Cédigo Civil de 2002, caja redagio e modelo origindrios datam do final dos anos 60, no cuidou de estabelecer uma base legal comum aos contratos de consumo e apenas refere © contrato de adesio em dois artigos genéricos (423 ¢ 424). Ora, na atualida- de, a imensa maioria dos contratos sio celebrados entre fornecedores de produtos e servigos e consumidores, cuja legislagao de defesa € especial e, portanto, preferencial, Por outro lado, as condigoes gerais dos contratos, ca racterizadas por generalidade, predisposicao, inalterabilidade e abstra¢io, de- safiam a teoria cléssica do contrato, fundada em manifestagbes de vontades livres e iguais. [No mundo atual,é impensével a utilizaclo dos contratos massificedos sem recurso as condigdes gerais dos contratos, que funcionam como verdadeiros cédigos privados, de que se valem as empresas multinacionais ¢ as pequenas empresas, na relasio com os demais contratantes. Cogite-se, por exemplo, dos contratos de planos de satide, dos contratos bancérios, dos contratos com for- necedores de servigos, que se contam aos milhares e até aos miles com 0 mesmo predisponente. E impossivel a contratagio individuelizada, segundo 0 esquema de oferta e aceitacdo, que 0 novo Cédigo mantém inalterado, repro- duzindo quae literalmente o¢ enunciados do Cédigo de 1916, destinados & formagio dos contratos. A tarefa de sistematizacio doutrindria € imprescindivel, ante a falta de mencio a esse grande ausente. E nio se diga que ¢ situaglo excepcional, que néo mereceria acolhida no Cédigo Civil, por duas razbes: primeira, as condigées gerais dos contratos regulam a quase totalidade das atividades negociais de relevincia (nos Estados Unidos, chegam a 999% dos contratos celebrados, de acordo com W. D. lawson"), sobrando pouco espaco © CE meu limo Condigses Gerais dos Contratos e Clusulas Abusivas, Szo Paulo: Saraiva, 1991, p. M4. 24 para os contratos negociados; segunda, pela orientacio que os Cédigos Civis os pafses de nosso trato cultural vem adotando, no sentido de trazerem para si a regulacio basica das condicdes gerais dos contratos. © Cédigo Civil italis- no de 1942 foi um dos primeiros a disciplinar as condig6es gerais (arts. 1.341, 1.342 e 1.370), distinguindo as validas das no validas, muito antes da eclosio a legislacio de defesa do consumidor. Conscientes de que ha condigbes gerais dos contratos dentro ¢ fora das relagdes de consumo, os paises europeus ado- taram diretivas que tém conduzido @ modificacoes dos Cédigos Civis, além da legislacao especial. A Lei de Modernizagéo do Direito das Obrigacées, da Ale- manha, de 2002, incorporou ao Cédigo Civil (BGB, arts. 305 e s.) a legislagao de 1976 (AGB-Gesetz) com as modificagbes determinadas pelas diretivas da ‘Unido Europeia. Na América Latina, jé em 1984, 0 Cédigo Civil peruano tinha regulado as condigbes gerais dos contratos (arts. 1.392 a 1.401), Louve-se a preocupacio dos autores com os principios contratuais, tanto 0s individualistas quanto os sociais, aos quais dedicaram os quatro primeiros capitulos. Com efeito, os principios so mais cuicteis as mudangas porque re- velam as opg6es axiol6gicas de cada época, pela mediago concretizadora do intérprete. Constituem, por outro lado, 0 ponto de partida da tarefa herme- néutica dos contratos, ndo simplesmente como interpretago integrativa, mas ‘como normas cogentes, que nao podem ser afastadas pela autonomia privada, Sua positivagdo emprestaclhes forca muito maior do que os deveres acessérios ‘ou anexos, referidos pela doutrina, com destaque para Karl Larenz e 0 notdvel ivilista brasileiro Clévis do Couto e Silva. A distribuigso do restante das matérias, nesta obra, contempla 0 que de novo trouxe 0 Cédigo Civil de 2002, nos arts. 421 @ 480, em especial o con- trato preliminar, os efeitos em relagio a terceiros (promessa de fato de terceiro, contrato com pessoa a declarer), a onerosidade excessiva. Mas néo se limitam 20 texto legal, pois discorrem sobre o direito intertemporal, a responsabilidade és ¢ pré-contratual, @ interpretagio dos contratos. Enfim, uma notavel contribuigdo para o estudo ¢ a aplicagio do direito civil, que vive, na virada do milénio, um animador ressurgimento. Paulo Luiz Netto Labo Doutor em Direito Civil pela USP. Professor de Direito Civil na UFAL ¢ nos Cursos de Mestrado e Doutorado em Direito na UFPE e UnB. 26 Nota dos Autores a Oitava Edigao A primeira edigdo do primeiro volume desta colecio foi publicada em margo de 2002, Parece que foi ontem... Fizemos o langamento oficial em um grande congresso realizado em Sal- vador/BA, no dia 3 de abril de 2002 ¢, naquele momento, percebemos que estévamos diante de algo maravilhoso, que uniria indelevelmente as nossas vidas, como um simbolo de uma fraternidade inabalével. “O livro saiu do controle..” era uma frase que repetiamos um para 0 outro, de forma reiterada, ao constatar o éxito da nossa modesta empreitada, E novos livros se seguiram, inclusive este volume dedicado & Teoria Geral dos Contratos. [Em agosto de 2011, menos de 10 anos da estreia daquele que costumamos chamar de nosso “primogénito” estamos redigindo estas linhas com uma emo- sao renovada Vemos que essa proficua parceria gerou sete livros e virios artigos de ‘grande repercussio. Aleangamos mentes e almas em todo o pais, seja pessoalmente, seja por e-mails ou no contato por meio de nossos site ¢ blog. rescemos como seres humanos, experimentando novas sensagbes em nosso convivio familiar, académico e profissional. ‘Mantivemos 0 nosso “coragdo de estudante” aberto para tudo 0 que nos foi ofertado, nunca fechando nossos horizontes para a pesquisa ¢ 0 renovar do debate ¢ do aprendizado, em cursos no Brasil e no exterior. Nesta nova edi¢lo, revista, ampliada e atualizada, revisamos tépicos, es- clarecendo e sanando as inevitaveis imperfeigoes decorrentes da falibilidade humana ou da modificasio normativa. Registramos, mais uma vez, o nosso agradecimento sincero pela interagao com os leitores, das mais diversas formas possiveis (salas de aula, congressos, e-mails, redes sociais etc.). Tal contato permite uma atualizagio e um aperfei- oamento constantes da obra, motivo pelo qual sempre inserimos novos nomes nos agradecimentos do livro. Dessa forma, renovamos ¢ buscamos cumprir 0 nosso compromisso pi biico de respeito aos estudiosos do Direito Civil brasileiro. 27 28 ‘Muito obrigado por tudo, a Deus e a vocé, amigo(a) leitor(a)! Salvador, agosto de 2011. Pablo Stolze Gagliano Rodolfo Pamplona Filho ‘Visite: www:pablostolze.com.br e www.rodolfopamplonafilho blogspot.com Nota dos Autores a Sexta Edicao 0 iiltimo ano que vivemos foi repleto de grandes emogdes, Com efeito, se iniciamos a redagio do volume VII (“Direito de Familia”), desta colegio, com o animo de completar, o mais répido possivel, a nossa obra, também tivemos imensos outros desafios que nos tomaram, sobremaneira, todo © tempo livre. Do ponto de vista profissional, reorganizamos nossas agendas, permitindo estabelecer novos contatos com queridos novos amigos em todos os rincdes deste Brasil continental Realizamos cursos fora do Estado e do Pais, buscando abrir, ainda mais, ‘5 horizontes, o que tem sido uma experiéncia enriquecedora, inclusive para este Livro Se problemas pessoais, notadamente de satide na familia, também nos atacaram, sentimos, por outro lado, um forte intercdmbio de energias, com as ‘maravilhosas correntes de oracéo, pensamento positivo e solidariedade, que nos fizeram, quase literalmente, “renascer das cinzas’, E € com este espfrito renovado que temos a honra ¢ o prazer de apresen- tar a0 nosso fel piblico leitor as novas edicbes do nosso Novo Curso de Direi- to Givil, a saber, a 12.* edicdo do volume I (“Parte Geral”), 11.* edigio do volume I (“Obrigagdes”), 8.* edigao do volume II (“Responsabilidade Civil”), 6. edigéo do volume IV, tomo 1 (“Teoria Geral dos Contratos”) ¢ 3. edicéo do volume IV, tomo 2 (“Contratos em Espécie”). Esperamos, em Cristo, terminar 0 novo rebento desta proficua parceria ainda no ano em curso. E, mais uma vez, aproveitamos a oportunidade para agradecer. Agradecer o carinho com que somos recebidos em todos os lugares em ue palestramos ou ministramos aulas. “Agradecer 0 apoio em todos os momentos, alegres ou dificeis, por que passamos recentemente Agradecer, sempre, @ interagéo mantida com os letores, seja no contato pessoal nas salas de aula, corredores ou congressos, seja pela imensa quantida- de de mensagens eletronicas recebidas diariamente. Como afirmamos anteriormente, de forma piblica, este compartihar de ideias acaba transformando nossos leitores em “coautores virtuais” da obra, motivo pelo qual sempre temos ampliado o rol de agradecimentos de cada 20 edigao de todos os volumes, inserindo os nomes daqueles que trouxeram con- ‘ribuigoes para o lapidar da obra. Receba, voc’, amigo leitor, 0 nosso sincero e carinhoso abrago! Salvador, julho de 2009. Pablo Stolze Gagliano Rodolfo Pamplona Fitho Visite os sites: www.pablostolze.com-br € wwwaunifacs.br/revistajuridica 30 Nota dos Autores a Quinta Edigao E com enorme prazer que apresentamos, a0 nosso piblico leitor, a quin- ta edigdo do volume IV (“Contratos”), Tomo 1 (“Teoria Geral”), do nosso Nove ‘curso de direito civil ‘Trata-se de uma edicio com substanciais acréscimos na parte referente & boa-f objetiva, tendo sido inseridos diversos novos subt6picos para a demons- tracdo dos desdobramentos desse importante principio. FEste trabalho, inclusive, foi realizado em paralelo & redagio do volume VII (“Direito de Familia”), que pretendemos Isngar junto com esta edigao € com a nova fornada de todos os demais volumes jé lancados da obra. Agradecemos, mais uma vez, @ constante interagio que estamos manten- do com os leitores, seja no contato pessoal nas salas de aula, corredores ou congressos, seja pela imensa quantidede de mensagens eletrOnicas recebidas diariamente, o que muito nos alegra. ‘Temos afirmado publicamente que este compartilhar de ideias acaba transformando nossos leitores em “coautores virtuais” da obra, motivo pelo qual sempre temos ampliado o rol de agradecimentos de cada ediéo de todos 6s volumes, inserindo os nomes daqueles que trouxeram contribuigées para o lapidar da obra. ‘A este maravilhoso sentimento de construsio coletiva de um texto, dedi- camos esta nova edicio, com a sincera promesse de continuar Iutando pela constante evolugao de nossa obra. ‘Um abrago! ‘Fiquem com Deus! Salvador, agosto de 2008. Pablo Stolze Gagliano Rodolfo Pamplona Filho ‘Visite os sites: e 81 Nota dos Autores a Terceira Edicio com grande satisfacgo que trazemos a lume uma nova edigao do volume TV (“Contratos"), tomo 1 (“Teoria geral”), do nosso Novo curso de direito civil Mantendo o compromisso com o publico leitor, revisamos t6picos, tanto do ponto de vista de esclarecimento de posicionamentos quanto de aperfeico- amento redacional Este trabalho foi, inclusive, faciitado pela circunstincia de que, finalmen- te, estamos ultimando o segundo tomo deste volume, dedicado aos “Contratos em Espécie’, com énfase nas figuras contratuais codificadas. Agradecemos, mais uma vez, a constante interacio que estamos manten- do com os leitores, seja no contato pessoal nas salas de aula, corredores ou congressos; seja pela imensa quantidade de mensagens eletrOnicas recebidas diariamente, o que muito nos alegra. A este sentimento de construsio coletiva de um texto, dedicamos esta nova edigdo, com a sincera promessa de continuar Iutando pelo constante aperfeigoamento de nossa obra. Salvador, fevereiro de 2007. Pablo Stolze Gagliano Rodolfo Pamplona Filho Visite os sites: e 88 Nota dos Autores 4 Segunda Edicao Com muita felicidade, nosso volume dedicado ao estudo da Teoria Geral dos Contratos, langado no ano passado, chega & sua segunda edicio, Nesta nova publicacio, aperfeicoamos alguns capitulos, inserindo novos posicionamentos, fruto de discussbes fecundas travadas com nossos leitores € professores de Direito Civil de todo 0 Pais. Como dizem, livro a gente nao acaba de escrever nunca, € a nossa meta ser sempre aprimorar 0 nosso texto, para torné-lo mais e mais critico e atual. E, para tanto, contamos sempre com a valiosa colaborasio do nosso ami- g0 leitor. Um fraternal abraco! Salvador, Bahia, em 19 de margo de 2006. Pablo Stolze Gagliano Rodolfo Pamplona Filho Nota dos Autores a Primeira Edigao presente volume é 0 resultado, mais uma vez, de um esforco hercileo para conseguir honrar a fidelidade de todos aqueles que nos tém prestigiado, De fato, 0 ano de 2004 nos reservou uma separacio fisica no contato pessoal diuturno, com a mudanga de Pablo, icenciado da sua fungio judican- te (a qual se dedicava com todas as forcas), para So Paulo, onde passou a ter © saudavel convivio com novos amigos da Pés-Graduagdo em Direito da Ponti- ficia Universidade Catélica, bem como a remogio de Rodolfo, como Juiz Titu- lar de Vara do Trabalho, da comarca de Teixeira de Freitas para Eunépolis Essas mudangas terminaram por turbar um pouco o ritmo de trabalho na redagio deste quarto volume da obra, 0 que, por si s6, j explicaria 0 atra- s0 de seu langamento (pelo menos, se comparado com a velocidade com que os trés volumes anteriores foram publicados). ‘Todavia, uma outra dificuldade se somou: a proposta original do quarto volume era esgotar todo o complexo estudo das relacGes juridicas contratwais, passanda desde a elaboracio de uma teoria geral até « andlise minudente de cada uma das formas contratuais tipicas (nominadas ou inominadas) eatipicas ‘Tratava-se de uma proposta ousada: condensar em um tinico volume ‘matérias que sio normalmente enfrentadas em tratados, mas usando sempre a linguagem simples e direta, com muitos exemplos, que tem agradado a0s nos- 0s letores. [A tarefa, porém, se mostrou inconveniente: 0 livro, proposto para um tinico volume, jé tinha, s6 no seu projeto, mais de 40 (quarenta) capitulos, extrapolando consideravelmente 0 niimero de paginas razodvel para um livro eminentemente didético, destinado a graduagio, pés-graduagéo e concursos piiblicos. ‘Algo precisava ser feito, sob pena de desvirtuamento da proposta original dos autores! De repente, fee-se @ luz! A resposta encontrada foi desteinchar a obra em dois tomos, sem perda do sentido eminentemente pragmético, com informacées atualizadas de ju- risprudéncia e aprofundamento doutrindrio suficiente para agradar 0 pablico Ieitor. Esta cisio, porém, nao poderia ser feita exatamente no meio, como se a obra fosse um sanduiche que pudesse ser dividido ao gosto do consumo. a7 ‘Um critério metodolégico se impds: a teoria geral dos contratos no pri- meiro tomo e a anélise minuciosa dos contratos em espécie no segundo, dan- do prioridade aos contratos expressamente previstos no texto do novo Cédigo Civil brasileito, atendendo, dessa forma, a mais moderna divisao didética da rmatéria nos cursos de graduagéo em Direito. De fato, é humanamente impossivel ministrar, com seriedade comple- tude, toda a matéria dos contratos em um tinico semestre letivo, sendo reco- mendavel, para uma compreensio abrangente do tema, 0 aprofundamento inicial na parte geral da sua disciplina para, somente ap6s vencida tal etapa, conhecer as peculiaridades de cada uma das formas contratuais. ‘A ousadia, porém, persiste. O que se propugna, neste primeiro tomo, é a andlise minuciosa de cada um dos elementos da teoria geral dos contratos, permitindo ser eplicada indistintamente a qualquer relagéo jurfdica contratual, seja a disciplinada genericamente no Cédigo Civil, seja a tratada especificamen- te em um microssistema juridico, de qualquer natureza (civil, comercial, traba- Ihista ou consumerista). Este 6 0 desafio! Jesus permita que este arroubo de impetuosidade doutrinéria tenha a ‘mesma acolhida de seus “irmios mais velhos” perante os nossos figis amigos leitores, lntando sempre pela construcdo de um novo Direito Civil brasileiro. Salvador, setembro de 2004. Pablo Stolze Gagliano Rodolfo Pamplona Fitho Consulte os sites www.pablostolze.com.br € ‘wwwunifacs br/revistajuridica 38 Capitulo I Introdugao a Disciplina Juridica dos Contratos Sumario: 1. Importineia do estudo dos contratos. 2. Concepeto histérica do con- trato: do inicio dos tempos 20 contrato de adesio. 3. Os contratas no Cédigo Givil de 2002. 1. IMPORTANCIA DO ESTUDO DOS CONTRATOS Passaremos a enfrentar, neste volume, a figura juridica mais importante de todo 0 Direito Civil. Costumamos afirmar, em nossas aulas, que o contrato est para o civilis- ta, assim como o crime esté para 0 penalista. ‘Trata-se, em verdade, da espécie mais importante e socialmente difundida de negécio juridico, consistindo, sem sombra de diividas, na forca mottiz das fengrenagens socioecondmicas do mundo. Desde os primérdios da civilizag4o, quando abandonamos o estégio da barbarie, experimentanda certo progresso espiritual e material, 0 contrato pas sou a servis, enquanto instrumento por exceléncia de circulagdo de riquezas, como a justa medida dos interesses contrapostos. ‘Ao invés de utilizar a violéncia para perseguir os seus fins, o homem assou @ recorrer as formas de contratagdo, objetivando imprimir estabilida- de as relagbes juridicas que pactuava, segundo, é claro, os seus préprios propésitos. (Com habitual maestria, ARNOLDO WALD assevera que “poucos institu- tos sobreviveram por tanto tempo e se desenvolveram sob formas tio diversas {quanto 0 contrato, que se adaptou a sociedades com estruturas e escala de valores to distintas quanto as que existiam na Antiguidade, na Idade Média, no mundo capitalista e no préprio regime comunista”. E, de fato, é natural que assim o fosse. " Amoldo Wald. O Contrato: Pssado, Presente ¢ Futuro, Revista Cidadania ¢Jusiga 1° Semestre de 2000, Rio de Janeiro: Publicagéo da Associago dos Magistrados Brasileiros, PB. ES ‘Uma vez. que contrato dinamiza a circulagdo dos bens e riquezas em uma dada sociedade, fica facil concluir que, em timo plano, o direito de propriedade encontra, neste instituto, um instrumento efetivo de sua concre~ tizagdo®, (Ora, partindo-se da premissa de que a propriedade é um direito comple- x0, que congrega as faculdades de usar, gozar/fruir, dispor e reivindicar a coisa, @ forcoso convir que, por meio da celebracdo do contrato, o proprietério pos- ss exercer um desses poderes reais, a saber: 0 de disposigao. essa forma, os bens juridicos circulam, enquanto a propriedade se ma- nifesta, segundo as vicissitudes da sociedade que Ihe dé ambiéncia e conforme 0s interesses econdmicos envolvidos. Claro esté, portanto, que em uma sociedade neoliberal, que encara a propriedade sob um enfoque exclusivista, 0 contrato passa a ter uma confor- ‘macio mais individual e concéntrica do que em uma sociedade socialista, em que o fenémeno estatizante culmina por interferir nos negécios contratuais. Por iss0, podemos afirmar que 0 matiz ideolégico do contrato é pintado segundo a época e a conjuntura social em que ele é celebrado, razo por que ARNOLDO WALD conclui que nenhum instituto juridico ¢ socialmente tio adaptavel. ‘Vamos mais além. Em nosso sentir, 0 estudo das formas contratusis de um povo é um dos elementos para a sua propria identificagio sociolégica, ‘Mas, afinal, posto o problema sob o prisma histérico e socioligico, quando © contrato surgiu? 2. CONCEPCAO HISTORICA DO CONTRATO: DO IN{CIO DOS TEMPOS AO CONTRATO DE ADESAO Nao podemos fixar, 20 longo da histéria, uma data especifica de surgi- mento do contrato. Conforme vimos acima, na medida em que a sua ocorréncia confunde-se com a prépria evolugdo moral da humanidade, a determinagéo de uma data ou de um perfodo predefinido seria pura formulagao de alquimia juridica, sem vvalidade cientifca. (© que podemos tentas, sim, 6 buscar um perfodo em que @ sua sistema- tanto juridica se tornou mais nitida, mais detectivel pelo estudioso do direi- to ou pelo investigador da histéria F Neste sentido, Messineo, II Contrato in Genere, Milano: Gift, 1979, tomo primo, apud Humberto Theodoro Jr, O Contrato e Seus Principias, Rio de Janeiro: Aide, 1993, PB. 40 No Direito Romano, atribui-se a GAIO a catalogasio das fontes das obri- gages, dentre as quais se incluia 0 contrato como uma delas, consoante ja anotamos: “Deve-se a0 jurisconsulto GAIO 0 trabalho de sistematizacio das fontes das obrigacoes, desenvolvidas posteriormente nas Institutas de Justiniano, que seriam distribuidas em quatro categorias de causas eficientes: 2) 0 contrato — compreendendo as convencdes, as avengas firmadas entre duas partes; 'b) © quase contrato — tratava-se de situag5es juridicas assemelhadas aos ‘ontratos, atos humanos Icitos equipardvets aos contratos, como a gestio de negécios; ©) 0 delito — consistente no ilicito dolosemente cometido, causador de pre- jutzo para outrem; 4) 0 quase delito — consistente nos ilfcitos em que o agente atuou culposa- ‘mente, por meio de comportamento carregado de negligéncia, imprudéncia ‘ou impericis” (grifamos) ‘Todavia, foi na época clissica que se comecou a introduzir efetivamente g.elemento do acordo contratual no conceito de contract cancando contrato, como “contrato obrigacional”, ‘Nesse diapasio, poderlamos imaginar que fora em Roma que se deu 0 surgimento do negécio juridico contratual ‘Mas nao foi. fiato de o Direito Romano ter sido a principal fonte historica dos siste- ‘mas juridicos ocidentais nao significa que todos os institutos hodiernamente conhecidos tenham sido forjados, pela primeira vez na historia da humanidade, em seus cadinhos de normas. Allds, esse & um ponto que devemos ter 0 cuidado de realcar, pois, em geral, a doutrina costuma iniciar a investigacdo histérica de um instituto em Roma, muito embora o berco da civilizagio houvesse sido forjado na Grécia, Estado que nao prescindia de uma ordem juridica. Mil vezes nao. Aliss, 0 proprio ORLANDO GOMES, magistral BONFANTE, lembra que “no éno diseito romano que se deve buscar a origem bRistérica da categoria que hoje se denomina contrato™ 2 Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, Novo Curso de Direito Civil — Obri- ‘ges, 2, ed, Séo Paulo: Saraiva, v. Tp. 25. ‘Max Kaser,Direito Privado Romano (Rémisches Privatrecht), Lisboa: Fundagao Calous- te Gulbenkian, 1999, p. 225 4. Em verdade, arremata 0 ilustre autor, a moderna concepgio de contrato, tal qual nés 0 concebemos hoje, consistente “em um acordo de vontades por meio do qual as pessoas formam um vinculo juridico a que se prendem’, so- tnente se esclarece 3 luz da ideologia individualistatipica do regime capitalista Diriamos, portanto, sem pretendermos estabelecer um preciso periodo de surgimento do fendmeno contratual — 0 que nunca farfamos sob pena de incorrermos em indesejével presuncio intelectual — que cada sociedade, juri- dicamente producente, cada Escola doutrinéria — desde os canonistas, passan- do pelos positivistas ¢ jusnaturalistas — contribuiram, a0 seu modo, para 0 aperfeicoamento do conceito juridico do contrato ¢ de suas figuras tipicas. ‘Mas, sem diivida, contribuigado inegével seria dada pelo movimento ilu- minista francés, 0 qual, segundo uma escancarada vocagdo antropocéntrica, firmara a vontade racional do homem como 0 centro do universo, determinan- do, assim, uma supervalorizagio da forca normativa do contrato — levada as suas tiltimas consequéncias pela consagragio fervorosa do pacta sunt servanda. ‘A elevagio da autonomia privada & categoria de dogma, calcada na men- Gionada visio antropocéntrica e patrimonialiste’, refletiu-se amplamente em toda a concepgao dos contratos até o final do século XIX e inicio do seguinte. Essa tendéncia individualista, entretanto, acabaria por gerar sérios dese- quilibrios sociais, somente contornados pelo dirigismo contratual do século XX, reflexo dos movimentos sociais desencadeados na Europa Ocidental, e que recolocariam o homem na sociedade, retirando-o do pedestal a que ascendera, apés a derrocada do Antigo Regime, quando pretendeu assumir o lugar de Dens. ‘Alids, 0 nosso caro leitor verificard uma nitida caracterfstica desta obra: toda investigaglo que fizermos acerca do fenémeno contratual teré 0 homem T Orlando Gomes, Contratos, 14. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 6. 6 Ha, desde logo, que observar que sujeto juridico, propriedade e autonomia privada ‘30 coneetos universts eles pertencem ao dominio das relagdes entre proprictirios ‘A atsibuigao de personalidade jaridica e, consequentemente, de capacidade negocial, encontra-se estretamente vinculada ao surgimento da posse privada e do dircito de propriedade: reivindicendo a posse, ou afastando ‘judicialmente’ as turbagSes na posse 25 bem, a pessoa a quem esse bem foi atibuido surge como capaz de realizar actos produtores de efsitos juridicos. Mas porque s6 a ela foi repatida-atribuida a posse de ‘erta tcrra,s6 ela pode praticar esses actos que & terra respeitam e que produzem fei tos juridicos. ‘Quando a pessos passa a poder dispor do bem — e no apenas a ter o poder de o usar fc asegurar a sua utlizacéo prodativa — entdo ela afirma-se exclusiva titular de um poder de produair efeitos juridicos, é nio s6 como melo de transmissio do proprio bem’ (Ane Prata, A Tutela Constitucional da Autonomia Privada, Coimbra: Almedina, 1982, p. 7). 42, como 0 centro das nossas atengdes, sem olvidarmos da finalidade essencialmen- te patrimonial que se persegue quando da elaboragio de um contrato. Em otras palavras, 0 nosso estudo tera sempre como bissola o superior principio da dignidade da pessoa humana, limitador da livre iniciativa ¢ da liberdade econémica,juntamente com outros dogmas de natureza constitucional Nesse sentido, pertinente & a observacdo de MARIO LUCIO QUINTAO SOARES e LUCAS ABREU BARROSO: ‘Uma das projegoes da livre iniciativa é a liberdade de participagio na eco- nomia, corroborando © capitalismo enquanto modelo econdmico adotado, ‘que traz consigo todas as mazelas ¢ formas de exclusto que lhe si inerentes, ‘mas que deveré, antes de tudo, respeitar os valores sociais do trabslho, jun- tamente com a livre iniciativa na posicgo de fundamento do Estado e precei- to da ordem econdmica, visando compatiblizar o regime de producao esco- Ihido (capital, Iucro), a dignidade da pessoa humana e a dimensio econémi- co-produtiva da cidadania”. ‘Nesse contexto, devemos concluir que, sem sombra de diividas, 0 cont 10 sofreu sensivel transformacio a0 longo do século XX, havendo experimen- tado um inepivel processo de solidarizagao social, adaptando-se & sociedade ¢ massa. que se formava. Com absoluta propriedade, LEONARDO MATTIETO observa, nesse par- ticular, que: “Nas palavras emblemticas de Ripert,‘0 contrato eterno vir a ser’ A nocio de liberdade contratual havia sido construida como projesdo da liberdade individual, ao mesmo tempo em que se atribuia & vontade o papel de criar direitos e obrigagdes. A forga obrigat6ria do contra- to era imposta como corolério da nogdo de direito subjetivo, do poder con- ferido a0 credor sobre o devedor. Com a evolugzo da ordem jurfdica, jé no tem mais 0 credor o mesmo poder, 0 direito subjetivo sofre limites ao seu cexercicio e no compete aos contratantes, com exchusividade, a autodetermi: nagio da lex inter partes, que softe a intervencao do legislador e pode sub- rmeter-se 4 revisio pelo juiz"™ no € ordem estivel, mas Com isso, temos que, especialmente nos iiltimos cinquenta anos, com 0 incremento da atividade industrial, o avanco tecnol6gico ¢ 0 aquecimento dos * Masia Licio Quintio Soares e Lucas Abreu Barr0s0, Os Principios Informadores do ‘Novo Cédigo Civil ¢ 0 Principios Constitucionsis Fundamentais: Lineamentos de um Confito Hermenéutico no Ordenamento Juridico Brasileiro, Revista Brasileira de Direi- to Privado, n. 14, p. 53, abr/jun. 2003. "Leonardo Mattieto, © Diseito Civil Constitucional e a Nova Teoria dos Contratos, in Problemas de Dirsito Civil Constitucional, coord. Gustavo Tepedino, Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 175. mercados de consumo, o principio da igualdade formal entre as partes contra- tantes — baluarte da teoria cléssica contratual que sempre serviu de lastro a regra (até entio absoluta) do pacta sunt servanda — comegou a enfraquecer, descortinando falhas no sistema social, e, sobretudo, afigurando-se, em muitos casos, como uma regra flagrantemente injusta. No dizer de nosso querido amigo PAULO ROBERTO NALIN, culto Pro- fessor no Parané: “O homem contratante acabou, no final do século passado ¢ infcio do pre- sente, por se deparar com uma situacio inusitada, qual seja, 2 da desperso- nalizagio das zelagSes contratuais, em funcio de uma preponderante massi- ficagio, voltada ao escoamento, em large escals, do que se produzia nas recém-criadas industrias™. De fato, nos dias que correm, em que a massificacio das relacbes contra- tuais subverteu radicalmente a balanca econdmica do contrato, a avenca nio ‘mais pactuada sempre entre iguais, mas converteu-se, na grande maioria dos casos, em um negécio juridico standardizado, docu simples rio, em que a uma parte de de outra (mais forte), sem possibilidade de discussio do seu contesid, Bem-vindo & modernidade! © prinefpio da igualdade formal, af entio considerado absoluto, conver- teu-se em principio da hipocrisil Contratos de cartées de crédito, de fornecimento de agua ¢ luz, de tele- fonia fixa ou celular, de empréstimo, de seguro, de transporte aéreo, terrestre ‘ou maritimo, de financiamento habitacional, de alienacio fiducifria, de con- sércio, de leasing, de franquia, de locagio em shopping center, de concessio de servigos piiblicos, de servigos via internet, de TV @ cabo, enfim, as mais im- portantes figuras contratuais sio pactuadas, hoje, sob a forma de contrato de adesie, modalidade contratual forjada no inicio do século XX, ¢ cuja especial caracteristca consistiria exatamente no fato de apenas uma das partes ditar 0 seu contetido, redigindo as suas cléusulas, impondo-se a outra, portanto, acei- tar ou nfo a proposta que Ihe fora apresentada. Coincidéncia ou nfo, essa “faculdade de aderéncia’ reservatério ultimo da liberdade negocial e que resguarda, em iltima trincheira, @ caracteristica da “bilateralidade negocial’, coloce o aderente em situagio pouco confortivel, visto que, regra geral, a parte adversa, criadora de moldura contratual, detém, ‘quase sempre, avassalador poder econdmico ou o monopélio de um servigo considerado essencial. * Paulo Nalin, Do Contrato: Conceito Pés-Moderno — Em Busca de Sua Formulagio 1a Perspectiva Civil-Constitucional. Pensamento Jutidico, Curitiba: Jurud, 2002, v. TI, p. 109, 44 Realgando esse nitido sufocamento da vontade, GEORGES RIPERT, 20 analisar 0 contrato de adesio, é peremptério: “(Que hé de contratual neste ato juridico? £ na realidade a expressfo de uma autoridade privada. O sinico ato de vontade do aderente consiste em colocar-se fem situagdo tal que a lei da outra parte venha a se aplicar. O aderente entra neste clrculo estrito em que @ vontade da outra parte é soberana. E, quando pratica aquele ato de vontade, o aderente é levado a isso pela imperiose ne- cessidade de contratar. E uma graga de mau gosto dizer-Ihe isso: tu quiseste. ‘Anno ser que nio viaje, que nao faca um seguro, que nao gaste agua, gis ou letricidade, que sido use de transporte comum, que nao trabalhe a0 servigo de outrem, éthe imposstvel deixar de contratar”®, ‘Mas, por outro lado, devemos reconhecer que, a despeito de sua susceti- bilidade as expanses do poder econémico, 0 contrato de adesio, desde que concebido segundo o superior principio da fungao sociale pactuado em atengi0 a0 mandamento constitucional de respeito & dignidade da pessoa humana, é um instrumento de contratagao socialmente necessério e economicamente ttl, consi- derando-se 0 imenso niiniero de pessoas que pactuam, dia a dia, repetidamen- te, negécios da mesma natureza, com diversas empresas ou com 0 préprio Poder Pablico. ‘Com maestria, o mesmo RIPERT preleciona no mesmo sentido: “Nio se trata, é claro, dum desfavor langado em bloco sobre todos 0s con- tratos de adesio, pelo contrério, a generalidade, @ permanéncia, a rigidez que se descobre nestes contratos sio as mais seguras garantias da sua utilidade, ) A vontade que se afirma e atrai a si outras vontades representa um poder ‘econémico indispens4vel & vida de um pais E arremata: “Sao os abusos deste poder econbmico que é necesdrioimpedir"™ (grifamos). ‘Vemos, portanto, que @ nocividade desta figura contratual esté muito mais ligada 20 abuso desta técnica de contratagao do que propriamente & sua dina mica de elaboragio, que, como visto, tornou-se necessiria em uma sociedade massificada como a nossa, sem prejuizo, porém, da coexisténcia, em menor escala, de situagées fiticas em que a igualdade material das partes impée 0 reconhecimento da aplicagdo de preceitos disciplinadores tradicionais da auto- nomia privada. De fato, a mesma sociedade, que contrata em massa e exige respostas imediatas e praticamente padronizadas para demandas repetidas, néo pode Georges Ripert, A Regra Moral nas Obrigages Givi, Campinas: Bookseller, 200, p. 122-113. Georges Ripert, ob cit, p. 116. 48 desprezar o sex humano, enquanto individuo, com liberdade ¢ consciéncia, que busca a forma adequada e segura para o cumprimento de sua livre e conscien- te vontade, Conjugar esses dois interesses, que aparentemente se chocam de forma diametral, é um dos grandes desafios do civilista da modernidade, No decorrer desta obra, ainda teremos @ oportunidade de voltar a esse ‘estudo®, cabendo-nos, por ora, apenas apresentar a evolugio conceptual do contrato nessa sociedade plural, para o fim de introduzirmos 0 nosso leitor nesta fantéstica disciplina, 3. OS CONTRATOS NO CODIGO CIVIL DE 2002 Como arremate deste capftulo, & preciso passar em revista, dada a sua importincia, a normatizagio codificada dos contratos. © Cédigo Civil de 2002 os disciplinow da seguinte forma: 2) Titulo V — Dos Contratos em Geral, subdividido em dois Capitulos (Capitulo T— "Das Disposigses Gerais” — e Cepitulo Il — “Da Extingio do CContrato") Tas capitulos sto ainda estruturados em SeyGes, que versam sobre aspectos gerais da matéria contratual; ») Titulo VI — Das Varias Espécies de Contratos, subdividido em vinte capitulo, compartimentados em varias outras Segdes, cuidando dos Contratos em Espécie. Nota-se, no estudo dessa dsciplina, que 0 codificador inovou, ao tratar de temas nfo regulados pelo Cédigo anterior, @ exemplo do contrato preliminar, dio contrato com pessoa a declarar, da resolucao por onerosidade excessiva (apli- cagao da teoria da imprevsto), da venda com reserva de dominio, da venda sobre documentos e do contratoestimatéro. ‘Além disso, disciplinow contratos novos, como a comissto, a agéncia/dis- tribuigao, a corretagem e 0 contrato de transport, deixando de fazer referencia a alguns outros instiatos, como, por exemplo, a cléusula comisséria na compra e venda (art. 1.163 do CC-16). Perdeu-se, todavia, « oportunidade de se regular, pondo fim a infindé Clovis Bevilagua, Direito das Obrigacdes, Campinas: RED Livros, 2000, p. 211. “Cf. 0 Capitulo IV ("Punglo Social do Contrato e Equivaléncia Material”) deste tomo volume, 51 io da iqualdade das partes contratantes iciramente paritérias, que atualmente_ 2) admitir a relativizagio do prin mente aplicivel aos contrat: ‘so minoria; 3) consagrar uma cléusula implicita de boa-fé objetiva — insita em todo trato bilateral, e impositiva dos deveres anexos de lealdade, confianga, as- de e informacio:. 4) respeitar o meio ambiente; 5) respeitar 0 valor social do trabalho, Enfim, todas essas circunstincias, reunidas, moldam o principio da fungao social do contrato, assentado no art. 421 do Cédigo Civil, a ser estudado bre- vyemente. Mas hé um importante aspecto que deve ser ressaltado: o reconhecimento deste principio no significa negagio da autonomia privada e da livre-iniciativa, Felo contrétio, Significa sua reeducnefo, Nesse sentido, com maestria, escreve NELSON NERY JR: “A fungio social do contrto néo se contrapbe 8 autonomia privada, mas com la se coaduna e se compatibilza. A conclusio semelhante se chegou na ‘Jor- nada de Dizeto Civil, como se pode verifca: Jornada 23:‘A fungio social do contrato,prevsta no art. 421 do nove Céaigo Civil, nfo elimina o principio de autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse principio, «quando presents interes metaindividuais ou interesse individual rlaivo 8 dlignidade da pesto humana”. Portanto, a vista do exposto, poderfamos, sem prejutzo da definicéo supra apresentada, e jé sob uma perspectiva mais estrutural, reconceituarmos 0 con- twato, genericamente, como sendo um negécio juridico bilateral, por meio do. qual 4s partes, visando a atingir determinados interesses patrimoniais, converge as. ‘et votes, eid wm deve julie priniel. (de dr, fer ou no fret «bem assim, deveres juridicos anexos, decorrentes da boa-fé objetiva e do superior ‘principio da funcio social. Esse conceito seré desenvolvido em outros pontos de nossa obra, embora © nosso caro leitorjé posse peresber que nao se poderd apresentar uma defi- nigdo de contrato desatrelada de sua concepezo ética e social Firmado, portanto, 0 nosso conceito, a natureza jurfdica do contrato se ‘mostra evidente * Nelson Nery Jr, Contratos no Cédigo Civil in Estudo em Homenagem ao Prof. Miguel ‘Reale, oordenedores: Domingos Franciulli Netto, Gilmar Ferreira Mendes, les Gandra da Silva Martins Filho, Sao Paulo: 17, 2003, p. 421 82 3. NATUREZA JURIDICA DO CONTRATO © contrato, como ja dito, é espécie de negécio juridicot. Segundo ORLANDO GOMES, para os adeptos da corrente voluntarista, “0 nexécio juriico € 2 mencionada dedaracio de vontade digida 4 provocasie de determinados efios juriicos, ou, na definigio do Cédigo da Sexbnias& scio-ds voniade, que se drige, de acordo coma le, a constitu modificar 04 ‘A corrente voluntariste, como se sabe, & dominante no Dieito brasileiro, consoante se depreende da leitura do art. 85 do CC-16, efltindo-se no art 112 do NCC, com pequena modificarto terminal6gia decorrente da Goutrina de EDUARDO ESPINOLA. CComparem-se as nonnas C16: "Art 85, Nes decarabes de vontade se atenderd mais su inten- cdo que a0 sentido Titer da linguagen. NCC: “Art. 112, Nas deciragbes de vontade se atenderé mis 4 intengfo eles consubstenciada do que 20 sentido literal da inguagem’ E bom que se diga, todavia, que criticas contundentes sio dirigidas & corrente voluntarista. ‘Afirma-se nfo ser verdadeira a premissa de que o declarante sempre ma- nifesta a sua vontade dirigida a um determinado firn querido e previamente co- hecido, [Na hipétese de conversio substancial (medida sanatéria do ato mulo ou anulivel"), por exemplo, as partes celebram um determinado negécio juridico invélido, mas que, por forca do principio da conservagao, poderd ser converti- do em outra categoria de negécio, se contiver os pressupostos de validade deste iltimo (um contrato de compra e venda de imével, nulo por inobservincia da forma publica, por exemplo, pode-se converter em uma promessa de compra e venda, que admite instrumento particular). Note-se que, nesse caso, nao se pode afirmar que o negécio resultante da conversio foi desejado e pretendi- do, ¢, ainda assim, nfo se nega @ sua natureza negocial (UNQUEIRA DE AZEVEDO)’. Para o aprofundamento deste t6pico, conferit 0 nosso Nove Curso de Direito Civil — Parte Geral, v. 1,4. ed. p- 317 e 8, com ampla referéncia bibliogrtica, 7 Orlando Gomes, Introdugdo ao Direito Civil, 10. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 280. * Sobre o tema, confirase 0 t6pico 6 ("Conversio do negécio juridico”) do Capftulo XIV (“Invelidade do Negécio Jurdico”) do v. I ("Parte Geral”) desta obra. 9 Vale confer a excelente obra do Prof. Ant6nio Junqueira de Azevedo, Negécio Juridi- co — Existincia, Vaidade e Fficdcia, 3. ed, S40 Paulo: Saraive, 2000, p. 4 e 5. 88 BRINZ e THON foram os primeiros a tentar explicar a natureza do ne- ‘s6cio juridico sob o prisma objetivista, contrapondo-se aos voluntaristas. Nessa perspectiva, o negécio juridico “seria antes um meio concedido pelo ordenamento juridico para a producio de efeitos juridicos, que propriamente ‘um ato de vontade”", Em outras palavras: para os objetivistas, o negScio juri- ico, expressio méxim: jomia da vontade, teria conteiido normativo, Gaisihde en "im poder privado de eutocriar um ordenamento juridico proprio” ‘Nesse contexto, 0 duelo dout 2 teoria da vontade (Willenstheorie) e da teoria da declaragao (Erklarungstheorie) Para of primeiros, o elemento produtor dos efeitos juridicos é a vontade real, ‘de forma que a sua declaracdo seria simplesmente a causa imediata do efeito ‘perseguido (se nao houver correspondéncia entre a vontade real e a declaracio emitida, prevalece a intencio) — SAVIGNY, WINDSCHEID, DERNBURG, UNGER, OERTMANN, ENNECCERUS. Os adeptos da segunda teoria em essncia, nfo se aftsta tanto da correntevoluntarsta tradicional — neg {A intengio “o cariter de vontade propriamente dita, sustentando que o elemen- {0 produtor dos efeitos juridicos é a declaracao” — (ZITTELMAN).. ‘Em verdade, a divergéncia doutrindria nao é de raiz profunda, Carece de significado pritico a incessante tarefa de se responder se pre- valece a vontade interna ou a vontade declarada. Se 0 negécio juridico, enquanto manifestagao humana destinada a pro- que _ se relaciona também com o dever anexo de informacio — para que seja fir- mado um elo de seguranca juridica caleada na confianga das partes que pre- fendem contratar, com a explicitagdo, a mais clara poss veres de cada um". ‘Confianca, nesse sentido de crenca na probidade moral de outres pportanto, que nfo se outorga por decreto, mas, sim, que se conquista justamen— te pela pritica de uma conduta leal ou se pressupde em uma sociedade que pretende reconhecer como civilizada”. “Agia revisional de contrato, Contrato de mituo. I. invidvel a revisio de contrato cextinto. Incidéncia da novaglo (art. 999, [, do anterior Cédigo Civil, ou art. 360, T, do atual diploma). Tl. Obtencio do rmituo ¢ sjuizamento da acto revisional. Pagamento de apenas uma das dove prestacoes do contrato. Ademals, o autor no demonstrou a in- tengo sequer de efetuar 0 depésito judicial des prestagbes no valor que entende corre- to, sem os encargos alegadamente abusivos. I Lide temeriria.Inringéncia eos princi- pilos da lealdade, de probidade e da boa-ft, que devem nortear as relagbes contratusis de consumo. O principio da boa-fé ¢ exigido tanto do consumidor quanto do fornece- dor (art 42, II, do Cédigo de Defesa do Consumidor). Apelacio desprovids" (TIRS, ‘Ap. Civ. 70008063398, rel. Des. Jorge André Pereira Geilhard, j. 284-2004, 11.* Cémara ive, “CRT, Aquisigto de agdes. Acio proposta por acionistas que pretendem diferenga de ages a que teriam direito. Ocorréncia de coisa julgada material. Negécios realizados ‘mediante contratos de participacio financeira, conforme portaria n. 1361/76 e na por- taria 86/91. Caracterizada a inexisténcia da lealdade contratual no contrato original. [Necessidade de preservacio do principio da boa-fé ante a inexistincia de cléusule pre- ‘vendo a corregio do capital integralizado, Diferenga deferida com base em Indices oficais eno IGP-M. Inexisténcia de prejuizo no contrato irmado sob a égide da portaria 86/91. ‘pelo provide parcialmente. Untnime” (TRS, Ap. Civ. 70006912810, rel. Des. Rubem Duarte, j. 9-6-2004, 20. Camara Civ) ™ “Processual civil. Civil, Recurso especial. Prequestionamento. Condominio, Area comum, Utilizagio. Exclusividade, Circunstincias concretas. Uso prolongado. Auto Fizagio dos condéminos. Condigées fisias de acesso. Expectativa dos proprietérios. 109 Como ensina PAIS DE VASCONCELOS, “a confianga depositada pelas, pessoas merece tutela juridica. Quando uma pessoa actua ou celebra certo acto, negécio ou contracto, tendo confiado na atitude, na sinceridade, ou nas promes- sas de outrem, ou confiando na existéncia ou na estabilidade de certas quali- dades das pessoas ou das coisas, ou das circunstincias envolventes, 0 Direito no pode ficar absolutamente indiferente & eventual frustracio dessa confianga””. F, ressalvando a sua importancia, preceitua o insuperavel MENEZES CORDEIRO que “na sua falta, qualquer sociedade se esboroa. Em termos interpessoais, « con- fianca instalada coloca os protagonistas & mercé uns dos outros: 0 sujeito confiante abranda as suas defesas, flcando vulneravel. Seguidamente, todos os investimentos, sejam eles econdmicos ou meramente pessoais, postulam & credibilidade das situagSes: ninguém dé hoje para receber (apenas) amanh8, ‘se no houver confianga nos intervenientes e nas situagdes. Por fim, a con- fianga e a sua tutela correspondem a aspiragSes éticas elementares. A pessoa defraudada na sua confianca é, desde logo, uma pessoa violentads na sua sensibilidade moral, Paralelamente, 0 agente que atinja @ confianca alheia age contra um cédigo ético imediato 4.2.2. Dever de assisténcia dever de assistencia, também conhecido como dever de cooperasio, se refere & concepgdo de que, se 0 contrato é feito para ser cumprido, aos contra- tantes cabe colaborar para o correto adimplemento da sua prestagao principal, fem toda a sua extensio. ‘A esse dever se liga, pela negativa, consequentemente, o de nao dificultar © pagamento, por parte do devedor, ou o recebimento do crédito, pelo sujeito ative da relacio obrigacional”. Principio da boa-fé objetiva. O Recurso Especial carece de prequestionamento quan- do a questéo federal suscitada nko foi debatida no acérdio recorrido. Diante das tdrcunstincias coneretas dos autos, nos quais os proprietérios de duas unidades condo- Iminiais fazem uso exclusivo de érea de propriedade comum, que hi mais de 30 anos 36 eram utilizedas pelos moradores das referidas unidades, pois eram 0s dnicos com ‘cesso ao local, eestavam autorizados por Assembleia condominial, tal situagio deve Ser mantida, por eplicagao do principio da bos-f€ objetiva” (STI, REsp 356821/R; Esp (2001/0132110-4), DY, 5-8-2002, . 334, RSTY, 159/366, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 23-4-2002, 3 Turma). 2 Pedro Pais de Vasconcelos, Contratos Atpicos, Coimbra: Almedina, 1995, p. 63. % Antonio Manuel da Rocha e Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Portugués, Coimbra: Almedina, 1999, p. 186. “Alienago fiduciéria, Busca e apreensfo. Falta da ‘time prestagio. Adimplemento ‘substancia. O cumprimento do contrato de financiamento, com a falta apenas da ilo ‘No ensinamento de PAULO ROBERTO NALIN: “O dever de cooperagio, de outra forma, se reporta 2 obrigagto de se facil- tar o cumprimento obrigacional, com base nos critérios e limites usuais di tados pelos usos, costumes e boa-fé. A cooperagio € encarada, no mais, em ‘um duplo sentido, apesar de sua natural tendéncia de favorecimento ao de- vedor, exigindo de embos os contratantes uma postura de solidariedade™ 4.2.3. Dever de informagdo Vejamos o dever de informagao. ‘Trata-se de uma imposi¢zo moral e juridica a obrigagio de comunicar & outra parte todas as caracterfsticas e circunstincias do negécio e, bem assim, do bem juridico, que € seu objeto, por ser imperativo de lealdade entre os contraentes* Ultima prestagio, nfo autoriza o credor a langar mio da aglo de busca e apreensio, em lugar da cobranga da parcela faltante. O adimplemento substancial do contrato pelo devedor nio autoriza 20 credor a propositura de aco para a extingdo do con- frato, salvo se demonstrada a perda do interesse na continuidade da execugio, que iio 0 caso. Na espécie, ainds houve e consignagio judicial do velor da dltima par- cela, Néo atende a exigncia da boa-f objetiva a atitude do credor que desconhece esses fatos e promove a busca e apreensso, com pedido liminar de reintegrasao de poste, Recurso nao conhecido” (STI, REsp 272.739/MG; REsp (2000/0082405-4), DJ, 2-4-2001, p. 299, JBC, 200/126, RSTJ, 150/398, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j 19-3-2001, 4 Turma) » Paulo Roberto Nalin, Btica ¢ Boa-fé no Adimplemento Contratual, in Repensando os Fundamentos do Direito Civil Brasileiro Contemporineo, coord. Luiz Edson Fachin, Rio ‘de Janeiro: Renovar, 1998, p. 198. ® *Recurso especial. Processual civil Instituigdo bancéria, Exibigio de documentos Casto de locilizagao e reprodusio dos documentos. Onus do pagamento. O dever de informagao e, por conseguinte, o de exibir a documentagio que a contenha é obrignsio ecorrente de lei, de integragéo contratual compulséria. Nao pode ser objeto de recusa nem de condicionantes, face a0 principio da boa-fobjetive. Se pode o cliente a qualquer tempo requerer da instituigfo financeira prestacio de contas, pode postular a exibigéo dos extratos de suas contas correntes, bem como a contas grifices dos empréstimos tefetuados, sem ter que adiantar para tanto os custos dessa operacdo” (ST), REsp 330.261/ ‘SC; REsp (2001/0080819-0), DJ, 8-4-2002, p. 212, JBCC, 200/116, RSTY, 154/350, rl - Nancy Andrighi, j 6-12-2001, 3 Turma). ‘Responsebilidade civil. Resiligto tnilateral de contrato de cheque especial. Ausén- cia de prévia informasio 20 correntsta. Dever de indenizar, conquanto tenba o clien- te dado cause a0 emitir cheques acima do limite estabelecido. Dano moral. Critério pera sua fixagdo, Falha no servigo do banco 20 deixar de comunicar ao correntsta do Eancelamento do limite do cheque especial, nfo Ihe oferecendo oportunidade para eventual sustacio dos cheques que se encontravam em circulagio. Fato ensejador de ul Discorrendo sobre o tema, no campo do Direito do Consurmidor, adverte 6 aulto Professor da Faculdade de Direito de Buenos Aires CARLOS GHERSI, realgando os seus campos de aplicacio: “La informacién aparece exmpliendo una funcién de transcendencia ast en la toma de decisiones (xpecto psicoldgca); en la conveniencia 0 utliad de los [precios yo sus nanciarientes (aspectos econdmicos); la cobertura o saisfacc- Gn de una necesdad (aspect antropolagico) la defensa otutela del consumidor {aspecto juridico) ete, sin embargo no podemos afirmar 0 fundamentar con Jfirmeza y conviein que socialmente esto sea satisfactorio™. Mas devemos registrar que este referido dever anexo também ¢ exigivel nos contratoscivis em geal, e nfo apenas nos negécios celebrados no ambito do Direito do Consumidor. ‘Vamos, pois, um exemplo, «fim de aclarar a sua nosio. Imagine-se que BOMEIM fosse até uma determinada concessionéria ad- uirir um vetculo, L4 chegando, é recebido por um simpético gerente que o onvence das qualidades do veiculo que tanto deseja. Em dado momento do idlogo, o pretenso comprador indaga a respeito da revenda do automével, 0 {que € imediatamente interrompido pelo vendedor: “Este veculo ¢ faclmente fevendide. A depreciagao & minima”. O negécio entio é fechado. Trés meses depois, entretanto, BOMFIM ¢ surpreendido com a noticia de que o seu carro hhavia saldo de linha, razdo pela qual sofreu desvalorizacio de 50%. Em tal caso, duas situagdes podem ocorrer. Caso 0 gerente ja soubesse do fim da produgao do veiculo, a sua omissio dolosa poderia gerar « anulacéo do contrato, provando-se que sem ela 0 nnegécio nao se teria celebrado, a teor do art. 147 do Cédigo Civil. Neste caso, a quebra do dever érico de informagdo, em nitida violagdo a boa-f¢ objetiva, mesmo na fase de elaboragdo do negécio, repercutiria no ambito de validade do contrato pactuado. Até porque nada impede que se reconhe- G2 @ sobrevivéncia dos deveres de protecde, ainda que 0 acordo apresente-se Piciado ou a relagto que ele institui venha a ser mais tarde destruida por ato de vontade das partes*. ‘Gano moral, pois que atingis a honra do correntisa. Registro negativo nos cadastros do SERASA, Inobservancia da regra contida no artigo 43, § 2°, do CDC, que determina a comunicagio, por escrito, 20 consumidor, da abertura de cadastro, fica, registro € Gados pessoais e de consumo. Reeurso do autor, em parte, provido. Improvido 0 do banca" (T)RS, Ap. Civ. 70002976298, rl, Des. Clarindo Fevreto,j, 13-12-2001, 5.* Ca mara Civel). * Carlos Ghersi, Derecho ¢ Informacién, Revista de Direito Privado,n. 14, abr./jan. 2003, cit, p. 55. % & o pensamento de Manuel A, Carneiro da Prada, citando Canaris, in Contrato e Deveres de Provecio, Coimbra: Suplemento do Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1994, p. 96. ule | Se, por outro lado, 0 gerente néo sabia que o veiculo sairia de linha, nfo se poderé falar em siléncio intencional, caracterizador da omissio dolo- sa prevista no art. 147 do Cédigo Civil. Mas, ainda assim, embora houvesse sido celebrado contrato aparentemente perfeito (agente capaz, objeto licito, forma adequada etc.), constata-se também violagio ao dever anexo de infer magdo, derivado da boa-fé objetiva, uma vez que, para a configuragao da quebra desse principio, nio se exige a configuracto especifica de dolo ou culpa. Ademais, era obrigacio da propria empresa revendedora, atuante no sereado de consumo, dspr de ada sinformagbes a respi dos bens que Portanto, concluimos que, nesta segunda situacio, a quebra de qualquer dos deveres de protecdo poderé dispensar a investigagio do mével psicolégico que orientou o agente (dolo ou culpa), por se tratas, no caso, de responsabil dade civil objetiva. A intengao do agente somente interessaré investigar no caso antes mencionado de omissio dolosa, anterior & execucio do contrato. Nese sentido, é 0 pensamento de ANDREA PAULA DE MIRAND: “O principio da boa-fé aparece frequentemente relacionado & culpa, E ver- dade que, quando da violacio das regras de conduta estabelecidas pela boa-fé resultam danos, 2 culpa intervém em seu papel normal. As regras decorrentes da boa-fé, entretanto, tém aplicacao mais ampla, uma vez que so eigen um prerupest ico precimenteipifeado en que we ine a culpa™, E para que néo pairem difvidas, 0 seleto grupo de juristas que se reuniu em Brasilia, no ano passado, para firmar posigdes a respeito do novo Cédigo Civil, aprovou, por maioria, o Enunciado 24, com o seguinte teor: “Em virtude do principio da boa-f, positivado no art. 422, a violacio dos everes anexos constitui espécie de inadimplementa, independentemente de culpa”. ‘Vemos, portanto, que poder haver responsabilidade civil por quebra de boa-fé objetiva, independentemente de culpa. Alids, essa tendéncia de objetivacao do direito civil — anunciando a de- cadéncia da “era da culpa” — ¢ perceptivel, nao apenas na seara contratual, mas, inclusive, no proprio Direito de Familia, em cujo seio ganha contornos cada vex mais nftides a linha de pensamento que sufraga o fim da discussdo da culpa nas demandas relativas & separagio e a0 divércio, tema a ser tratado em volume especifico desta obra ® Andiéa Paula Matos R. de Miranda, ob cit, p. 162. » Para a consulta de todos os Enunciados das Jornadas de Dieito Civil da Jusica Fe- deal, confiram-se o site do Conselho da Jusica Federal , bem como © nosso . 13 424, Dever de sigilo ou confidencialidade FFiguremos aqui também um exemplo, para o seu adequado entendimento, Em um determinado contrato firmado entre as empresas OLIVEIRA ¢ TIGO, para fornecimento de ragio de péssaros, ndo se consignou cusula no sentido de que as partes contratantes nio poderiam, durante a vigéncia do contrato, ou mesmo apés, divulgar dados ou informagées uma da outra. Ora, inda que nao haja estipulasio nesse sentido, é forgoso convir que a boa-fé ‘bjetvaimpde quest observe o dever de sigilo ou confdencialidade entre ambas. 'E imperativo légico da lealdade que deve ser observada entre as contra- tantes, resguardando direto da personalidade. 4,3, Fangio delimitadora do exercicio de direitos subjetivos Finalmente, temos ainda a fungio delimitadora do exercicio de direitos subjetivos. Por meio da boa-fé objetiva, vise-se a evitar o exercicio abusivo dos di- reitos subjetives. Alids, no atwal sistema constitucional, em que se busc® © Geseavelvimento, socioccondmico sem desvalorizagio da pessoa humans, nfo existe mais lugar para a “tirania dos direitos” ‘Por isso, de uma vez por todas, ndo se pode mais reconhecer legitimida~ de ou se dat espaco 4s denominadas “cusulas leoninas ou abusives” (algumas So tao terriveis que a denominamos jocosamente, em nossas aulas, “zo0légi- tas"), quer setrate de um contrato de consumo, quer se trate de um contra- to civil em gerul ‘fo exemplo do dispositivo contratual que preveja a impossibilidade de se aplicarem as normas da feoria da imprevisto (da onerosidade excesiva) em feneficio da parte prejudicada, Em tal caso, temos convicrao de que essa pre- Jiato,além de infgua, viola a fangSo social do contrato e a boa-fé objetiva, por ser inegavelmente abusiva Cabe, portanto, & boa-fé, também essa funsfo delimitadore. Referindo-se a essa funglo, CRISTOPH FABIAN adverte que af “se en- contra 0 problema do abuso de direto. Todo o direto ¢ delimitado pela boa-fé Fora ou contra a bos-fé no existe nenhum direito subjetivo, Tais interesses jaridieos ndo merecem proteeio. © exemplo mais significant para a lmitaydo de direitos pela boa-fé é 0 art. 51 do CDC™. © proprio Cédigo Civil lids, na parte dedicada aos ATOS IL{CITOS, faz referencia a esse feito de contengao, reconhecido & boa-fé objetiva: ST ceitoph Fabian, O Dever de Informar no Direito Civil, Sto Paul: Revista dos Tribu nals, 2002, p. 62. 14 “Art, 187, Também comete ato ilicito o titular de um direto que, 20 cxeret-lo, exceder manifestamente os limites impostos pelo seu firm econ dam: 9 0u social, pela boafé ou pelos bons costumes”? (grifamos) A BOA-FE OBJETIVA E O ART. 422 DO CODIC ¥ IG BRASILEIRO enn Fines, aps pssmos em rita oars ue io suse sistema da boa- i objiva do nove Codigo Ciihespecamente 9 er 113, henna pont qs demos tna gel ue eputnos © mab ingore de as Tmpernt fo wo seo de ver une hig exe somes ips nsgaes no nw Cag ‘toa ‘Mas no sentido de que se trata de um di fata de um dispositive que, intimamente uni- do a diretriz legal impositiva da funedo social do contrato (art. 421), cuida, cexpressamente, da boa-fé objetiva como principio de direito. Trata-se do art. 422: "Art, 422. Os contratantes sto obrigados a guardar, assim na conclusao do contrato, como em sua execucio, os principios de probidade e boa-fé" Note-e que olegjslador tratou »observtnia dos princi a obervincia ds pringpios de probida- de ¢ boa-fé como verdadeira obrigagao dos contratantes. ad Falho,entretant, ao pve que bose smente sia observe ue a boo-fésomente tra obeerivelquan- do da conclusto e durante a execugzo do contrato, ° Wo € bem assim, Bae ae ae oe teen neo reer geval — incidir mesmo antes © ap6s a execuss0 do contrato, isto nas fases (ré e pés-contratual. Isso mesmo. Mesmo na fase das tratativasprliminars, das primeiresnegociag : re, das primeirs negociasbes, du redagdo da minuta a denominada fase de puntuarlo — a boat deve. se fine set. A quebra, portato, dos deveres coe de proteto poders T Comenanis aie dosti janctamos qu: “aaisandoo a 187d Jos que “anand o a 187 do CC-02 cen no ripen ayy 0 tonic or Go tho So, Ge cpoe eet oor pn bn dole ut ecds manfesene o mies impostor pes Bald onomi et rf on ct i Cane umplona ike Nove Cone Ge Drea C= are Ge sy So Pa: Sr 2003, v. I, p. 467). WA edn Sto ass " 118 culminar, mesmo antes da celebracio da avenca, na responsabilidade civil do infrator, Por isso, embora imperfeita a atual redaco legal, nfo hesitamos em afir- ‘mar que, com base no macroprincipio constitucional da dignidade da pessoa humana, a boa-fé objetiva deve ser observada também nas mencionadas fases anteriores e posteriores a celebragdo ¢ cumprimento da avenga. Pensar em sentido contrério seria defender, em iltima andlise, que o sis- tema positive brasileiro admitiria, em tais fases, a prética de condutas desleais, somente sancionando-as na fase contratual, o que nos parece um absurdo! Discorrendo a respeito, ainda na época da tramitagio do Projeto do Cé- digo Civil, vejamos 0 que escreveu JUNQUEIRA DE AZEVEDO, em excelente artigo sobre o tema, demonstrando que, independentemente da sua positivacio expressa, tal principio nao deve ser desprezado™: “0 art. 421 se limita a0 periodo que vai da conclusio do contrato até a sua execuglo, Sempre digo que o contrato é um certo processo em que hé um comeso, prosseguimento, meio e fim, Temos fases contratuais — fase pré-con- tratual, contratual propriamente dita e pés-contratual. Uma das possiveis aplicagbes da boa-fé é aquela que se faz na fase pré-contratual, fase essa em aque temos at negociagSes prelimineres, as tratativas. E um campo propicio para o comportamento de boa-fé, no qual ainda no ha contrato e podem-se cexigit aqueles deveres que uma pessoa deve ter como corresio de comporta- mento em relagio a0 outro Cito um caso entre a Cica e plantadores de tomate, no Rio Grande do Sul, no qual, em pelo menos 4 acérdaos, o Tribunal de Justiga do Rio Grande do Sal reconheceu que a Companhia Cica havia criado expectativas nos possiveis contratantes — pequenos agricultores —, ao distribuir sementes para que plantassem tomates e, depois, errou go se recusar a comprar a safra dos to- ates, Houve, entio, prejutzo das pequenos agricultores, baseado na confian- ‘ca despertada antes do contrato, fase pré-contratual. Logo, o caso do art. 421 deveria também falar em responsabilidade pré-contratual ou extensio do ‘comportamento de boa-fé na fase pré-contratual. Faco tum paréntese para exemplifica, transformando em hipétese o que li nos jomnais de hoje sobre o caso da Ford com o Governador do Rio Grande do Sal. A Ford, durante og dois anos em que teria procurado montar a sua in- dastria, certamente teve muitos gastos e, de repente, 0 negécio nao teria sido cefetivado, © problema da responsabilidade pré-contratual é justamente esse, {qual seja, o dos gastos que se fazem antes do contrato € quando hé a ruptu- ra. Se essa hipétese da Bord for pré-contratual — no caso, suponbo ter ha- ® Antonio Junqueira de Azevedo, Projeto do Cédigo Civil — O Principio da Boa-fé nos CContratos, artigo dispontvel no site do Conselho da Justica Federal: chttp/iwwwcj.gov. Drirevista/numeros/artigo7.htm > acessado em 30-7-2004. 116 ‘ido algum contato anterior — mas se nlo howvesse, ¢ se foe apenas wm problema de neocigtes, antes de qualquer eetagto do neg hve dois pressposton da esponstbidade peconretua a confine ne roa sd to nese insists na ofan ara, eee jis presupotos ode poder sbi ume jute confena ue eg tee eran wgundo np © de gor scone wn scams pn outa part, Asim,poderiamos vids seo Governador chege ei cat confagae portant, provoco a despesa da inde esnds, = ndssa ‘Mo confiou demas ai por dient. Sto problemas em aberto, ras de CE. Caio Mério da Silva Pereira, ob cit, p. 25, e Silvio Rodrigues, Dirito Civil — Dos CContratos e Declaragies Unilateras de Vontade, 25. ed, Sao Paslo: Saraiva, 1997, v. 3. » Clovis Bevilégua, Direito das Obrigayies, Campinas: RED Livros, 2000, p. 238. 140 Por isso, boa parte da doutrina brasileira, debrugando-se sobre o art. 1.086 do Cédigo revogado, concluia tratar-se de dispositivo afinado com o pensa- ‘mento de BEVILAQUA: _ “Art 1.086 (caput). Os contratos por correspondéncia epistlar ou tle- sgrifica, tornam-se perfeitos desde que a aceitagao é expedida..” (grifamos). ‘Na mesma linha, se cotejarmos esse dispositive com o correspondente do Cédigo em vigor, teremos a nitida impressdo de que foi adotada a vertente te6rica da expedicio: “Art, 434. Os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que « aceitagao ¢ expedida, exceto: 1 — no caso do artigo antecedente; II ~ se o proponente se howver comprometido a esperar resposta; Ill — se ela nfo cheger no prazo convencionado” (grifames). Note-se, entretanto, que o referido dspositivo enumerasituagées em que © contrato no se reputari celebrado: no caso do ar. 433 5e 0 proponente se hhowver comprometdo a espera a resposta (nesta hipétese, 0 proprio policitante comprometeu-se a aguardar « manifestagio do oblato); ou, finalmente, se a resposta nfo chegar no prazo assinado pelo policitant. Ocorre que se observarmos a resalva constante no inciso I desse artigo, «que faz remissio a0 at. 483, chegaremos 2 inarredavel conclusio de que a accitagio nao se reputara existent, se antes dela ou com ela chegar €0 propo- nente a retratagio do aceitante, [Atente-se para essa expresso: “se antes dela ou com ela CHEGAR ao proponente a retratagio do accitante” Ora, ao fazer tal referéncia, 0 proprio legslador acabou por negara for- ¢a conclusiva da expedisao, para reconhecer que, enquanto nio tver havido RECEPCAO, o contrato nio se reputsré perfeito, pois, antes do reccbimento da resposta ou simultanesmente a esta, poderd vir 0 arrependimento do acei- tate. ada a amplitude da ressalva constante no art. 433, que admite, como vimos, a retratagio do acetante até que a resposta sea recebida plo proponent, entendemos que 0 nosso Cédigo Civil adotou a subtearia da recep, € no & da expedisao. Esse € 0 entendimento também do culto amigo CARLOS ROBERTO GONGALVES. Sento, vejamos: “0 art. 434 do Codigo Civil seothew exprestamente a toria da expe, 20 afirmar que os contratos entre susentes tornam-se perfeitos desde que a aceitacto ¢ expedida, Entretanto,estabelecew trésexcegdes: a) no caso de haverretratagio do ezctante;b) se 0 proponente se howver comprometido a 141 esperar resposta; e c) se cla no chegar no prazo convencionado. Ora, se sempre é permitida a retratagéo antes de a resposta chegar as mios do pro- ponente, ¢ se, ainda, nao se repute concluldo o contrato na hipétese de a resposta no chegar no prazo convencionado, na realidade o referido diploma filiou-se & teoria da recepefo, e nao & da expedicio™, 6. A PROPOSTA NO CODIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR Embora ndo seja abjeto espectfco de nossa obra, nfo poderiamos nos fartar de tecer breves consideragBes acerca da oferta ao piblico feita no am- bito do Direito do Consumidor, por se tratar de tema atual e dos mais pal- pitantes. © Cédigo de Defesa do Consumidor regula, no Capitulo V (Das Priticas Comer mercado de consumo (ats. 30 a 35)*. Logo no art. 30,0 legislador cuidou de estabelecer, com nitidez, que as propostas feitas 20 consumidor serio informadas pelo principio da vinculagao, ‘© que significa dizer que teréo sempre uma carga de obrigatoriedade mais acentuada do que as ofertas em geral, reguladas pelo Cédigo Civil: “ast, 30, Toda informarfo ou publicidade,suficiemtemente precisa, veicu- Jada por qualquer forma ou meio de comunicagso, com relagdo a produtos € servigos oferecidos ou apresentados, obriga 0 fornecedor que a fizer veicular (9 dela se utilizar e integra 0 contrato que vier a ser celebrado’ Lei m. 8.078, de 1-9-1990 — is), Segdo Il, a oferta feita a0 Deverd, ademais, ser feta em lingua portuguesa (art. 31) e com informa bes elaras,precisas e ostensivas. ‘Analisando aspectos do referido principio, ANTONIO HERMAN DE ‘VASCONCELOS E BENJAMIN pontifica: “Dois requisitos bisicos devem estar presentes para que © princfpio atue, ‘Em primeiro lugar, inexistiré vinculagdo se nfo houver ‘exposigao. Uma simples proposta que, mesmo coloceda no papel, no chegue 20 conheci- mento do consumidor, nso obriga 0 fornecedor. Em segundo lugar, a ofer- ta (informacio ou publicidade) deve ser suficientemente precisa, isto & 0 simples exagero (puffing) no obriga o fornecedor. E 0 caso de expressoes exageradas, que nao permitem verificacso objetiva, como 'o melhor sabor, ‘o mais bonito, ‘o maravithoso:. Contudo, até essas expressdes, em alguns contextos, podem ganhar precisio, vineulando, entio, 0 anunciante. Por © Carlos Roberto Gonsalves, Direito das Obrigagdes — Parte Especial — Contratos (Si- nopsesJurldicas), 6. ed, Sio Paulo: Saraiva, 2002, t. I, p. 20-1. Sobre 0 Direito do Consumider, indicamos a obra de Arruda Alvim, Cédigo do Con- sumidor Comentado, 2. ed, Sao Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. 14a, exemplo, quando o fornecedor afir ‘ ter o ‘melhor prego da capital’ ou a igerantia mais complete do mercado A utllizacao do puffing em relagio 20 prego impoe, de regra, a vinculacto Ademais, tornando efetiva a tutela do consumidor, o art. 35 preceitua que, s¢ 0 fornecedor de produtos ou servigos recusar cumprimento a oferta, apresenta- ‘fo ou publicidade, 0 consumidor poderd, alternativamente e a sua escolha: a) exigir 0 cumprimento forgado da obrigac#o, nos termos da oferta, apresentagao ou publicidade — neste caso, langando mio, sobretudo, dos meios judiciais de tutela especifica, postos & sua disposicio; b) aceitar outro produto ou prestacio de servico equivalente — trata-se de uma faculdade do consumidor, e ndo um direito do fornecedor; ©) rescindir 0 contrato, com direito a restituiglo da quantia eventualmen- te antecipada, monetariamente atualizada, ¢ a perdas e danos — trata-se, em verdade, de resolucio de contrato por inadimplemento, abrindo-se a0 consu- midor a possibilidade de pleitear 2 compensacao devida, atualizada segundo os indices oficiais em vigor. Com isso, vemos que @ legislacio consumerista imprimiu uma efetiva tutela, no plano processual inclusive, dos direitos dos consumidores, afinando-se, assim, com a nossa Lei Fundamental. 7. LUGAR DA FORMACAO DO CONTRATO. Finalmente, cumpre-nos lembrar a0 nosso amigo leitor que, nos termos do art. 435 do Cédigo Civil (art. 1.087 do CC-16), 0 contrato reputa-se celebra- do no lugar em que foi proposto. ‘Tal regra, longe de ser desnecesséria, afigura-se stil, especialmente quan- do surgirem questdes atinentes & competéncia, ou quando o juiz tiver de ana- lisar usos e costumes do Iugar onde © negécio fora pactuado. Claro esté, entretanto, que, no caso da contratagZo eletrOnica (pela Inter- net), nem sempre esta regra poder ser aplicada com a devida seguranga, considerando-se a frequente dificuldade de se precisar o local de onde partiu a proposta. ‘Talves por isso os atuais sites de vendas de produtos exijam que o consu- midorfinternauta preencha um minucioso formulério, com indicagio inclusive de seu endereco residencial, a fim de que o negécio seja conclufdo. E quando nao hé esta indicagio no contrato? % Antonio Herman de Vasconcelos ¢ Benjamin, Cédigo Brasileiro de Defesa do Consu- tidor — Comentado pelos Autores do Anteprojeto — Ada Pellegrini Grinover € outros, 5-ed,, Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 215 143 ‘Uma boa solugdo € proposta por ALVARO MARCOS CORDEIRO MAA, que defende posiglo bastante interessante: “Como midia que é, nao sendo, consequentemente, o computador a fonte da vontade consubstanciada na declaraclo eletrOnica, apesar de poder armazend-la velculi-la, entendemos que, independentemente da posicdo geografica que (© equipamento ocupe no momento da negociaglo, deveré ser considerado celebrado 0 contrato eletrénico no local de residéncia do policitante. Assim, somente quando ndo fosse possivel o rastreamento da residéncia ou sede do proponente, o registro I6gico é quem determinaria o local da celebrasao do contrato eletrénico. Destart, irrelevante seria, para 2 eplicagio da lei no espago, 0 local em. ‘que tivesse sido introduzida # declaracio de vontade no computador. Em ‘outras palavras, celebrado © contrato a bordo de um avigo, ou dentro de um rnavio em Aguas internacionais, este deverd ser considerado formado na resi- déncia do proponente, ov quando nao possivel rastreé-lo, no local inquinado no endereso légico. E por que preferir 0 domicilio geografico do proponente ao seu endereco égicot Coadunamos com a corrente de opinigo que sustenta que esta Tegra cvitaria fraudes ow prejuizos aos contratantes de boa-fé, que, eventualmente, poderiam ter direitos lesados se 0 local da formacio do contrato fosse deter- minado pelo endereco l6gico, proveniente, por exemplo, de um pais com escassa legislacio consamerista, conquanto © polictante tivesse sede e desem- penhasse regularmente suas atividades em outro pais com um ordenamento juridico altamente tutelador das relagbes de consumo"®. ‘Tentam-se evitar, assim, futuros inconvenientes, muito embora a situacao possa revestir-se de maior complexidade, se considerarmos as contratacbes, internacionais e, na mesma linha, a dificuldade de se comprovar a veracidade de todas as informagGes veiculadas. ‘Vale registrar que, especificamente em relagao 20 local de celebrasi0 dos contratos eletrénicos, a Lei Modelo da UNCITRAL (United Nations Commis- sion on International Trade Law) estabelece, ém seu art. 15, § 4.°, que uma dedlaragao eletronica se consideraré expedida e recebida no lugar onde reme- 1 Aivaro Marcos Cordeiro Maia, Diseiplina Juridica dos Contratos Eletronios no Direto ‘Brasileiro, Recife: Ed. Nossa Livraria, 2003, p. 88. % Vale registrar a existencia desses organismos internacionais, como = mencionada United Nations Commission on International Trade Law (UNCITRAL), mas também Iierational Chamber of Commerce (IC), International Institute for the Unification of Private Law (UNIDROIT) e Organization for Economic Cooperation and Development (ECD), que propdem modelos de legislagio para buscar a unificagéo das regras rele rentes a internet, facilitando o8 debetes para sua elaboragio nos diferentes ordenementos jaridicas internos. a4 tente ¢ destinatério, respectivamente, tenham seu estabelecimento, “Caso uma das partes, ou ambas, tenham mais de um estabelecimento, considerar-se-& 0 que guarde relagdo mais estreita com o objeto da relagdo, ou o estabelecimen- to principal. Caso remetente ou destinatério no possuam estabeleciment, considerar-se- como tal o local da sua residéncia habitual”, , 7 rica Brandini Barbagalo, Contraros BletrOnicos: contratos formades por meio de redes de computadores: peculiaridades juridicas da formasio do vinculo, Sio Paulo: Saraiva, 2001, p. 67 145 Capitulo VII Das Estipulagées Contratuais em Relagao a Terceiros Sumario: 1. Introdugio. 2. Estipulagio em favor de teresiro, 2.1, Efeitos. 3. Pro- messa de fato de terceio, 3.1. Natureza juridica. 3.2. Exclusto de responsabilida- de: uma novidade do Cédigo Civil de 2002. 4. Contrato com pessoa a declarar. 4.1, Distingio para a cessio de contrat. 1. INTRODUCAO, Como jé afirmamos em t6pico anterior, a egra geral & que os contratos, s6 devem gerar efeitos entre as préprias partes contratantes, nlo dizendo res- peito, a priori, a terceiros estranhos & relacéo juridica contratual Assim, atendendo aos insistentes pedides de nossos alunos, jé cansados de Caio ¢ Ticio, e mudando um pouco os nomes de nossos exemplos, Valdir no tem nada a ver com o contrato celebrado entre Florisvaldo ¢ Barboss, nfo podendo exigir, para si, o mesmo contedido contratual. TTodavia, como toda regra parece comportar uma excecdo (¢ talvez esta regra também comporte excecdes..), nlo € diferente com o principio da rela- tividade subjetiva dos efeitos do contrato. Nos préximos tépicos, abordaremos trés modalidades de estipulacbes contratuais relacionadas com terceiros, @ saber: 4) estipulacao em favor de terceiro; ) promessa de fato de terceiro; ©) contrato com pessoa a declarer. Vamos a clas. 2, ESTIPULAGAO EM FAVOR DE TERCEIRO Por meio da estipulagio em favor de terceiro, ato de natureza essencialmen~ te contratual, uma parte convenciona com o devedor que este dever realizar determinada prestago em beneficio de outrem, alheio a relagao juridica-base. 147 No Cédigo Civil brasileiro, a matéria é tratada de forma sucinta, pratica- mente repetindo o disposto na codificagfo revogada (arts. 1.098 a 1.100 do CC-16), consoante se pode observar dos seguintes dispositivos: “Da Estipulacéo em Favor de Terceiro ‘Act, 436, O que estipula em favor de teresiro pode exigir 0 cumprimento da obrigacao. Pardgeafo tinico. Ao terceiro, em favor de quem se estipulou a obrigacio, também é permitido exigi-ls, fcando, todavia, sujeito as condigBes e normas do contrato, se a cle anuix, ¢ 0 estipulante nfo 0 inovar nos termos do art 438, ‘Art, 437, Se ao terceiro, em favor de quem se fez 0 contrato, se deixar 0 ircito de reclamar-Ihe a execuglo, nto poderd o estipulante exonerar 0 de- vedor. ‘Art, 438, O estipulante pode reservar-se 0 direito de substituir 0 terceiro designado no contrato, independentemente da sua anuéncia ¢ da do outro contratante. Pardgrafo tnico, A substituigo pode ser feita por ato entre vivos ou por disposigio de sltima vontade’ No dizer do culto CAIO MARIO, a estipulagio em favor de terceiro “origina-se da declaragio acorde do estipulante e do promitente, com finali- dade de institair um iuris vinculum, mas com a peculiaridade de estabelecer brigagio de 0 devedor prestar em beneficio de uma terceira pessoa, @ quel, no obstante ser estranha ao contrato, se torna credora do promitente””, ‘essa modalidade contratual especial, as partes so chamadas de estipu~ ante — aquele que estabelece a obrigacio — e promitente ou devedor — aque le que se compromete a realizé-la. J 0 terceiro ou beneficdrio € 0 destinatério final da obrigacdo pactuada. © exemplo mais comum desta figura juridica € 0 seguro de vida. Neste «caso, consumado 0 risco previsto na apélice, a seguradora, conforme estipula~ do com o segurado, deverd pagar ao terceiro (beneficiério) © valor devido @ ‘ftulo de indenizacao. [ALVARO VILLACA AZEVEDO lembra-nos outro exemplo: Também existe a estipulagdo ora cogiteda, quando um pai (estipulante), por exemplo, determina a uma empresa (promitente ou devedora), de que ¢ acio- bnsta, que prometa pagar a seu flho (beneficiério ou teroero) os dividendos correspondentes a suas agbes, na época em que forem devides. Basta que essa ceeee concord, por sus legos dirignte, com tl etpulase, para que ¥ Calo Mario da Silva Pereira, nstituigdes de Direito Civil, 10. ed., Rio de Janeiro: Fo- rense, 2001, p. 65. 148 esteja aperfeicoado o contrato em favor de terceiro, porque dessa avenca néo toma parte” Percebe-se, com isso, que o terceiro, estranho ao negécio, seré por ele stead, sagt esa que exepcons a sepa gerald relatvidade dos tos to contrato. 2.1. Efeitos © principal efeito peculiar desta modalidade especial de contratagao é a possibilidade de exigibilidade da obrigacio tanto pelo estipalante quanto pelo terceiro, Registre-se, porém, que esta dupla possibilidade somente ¢ aceitivel se 0 terceiro anuir as condigées e normas do contrato, na forma do transcrito art. 436 do CC-02 (art. 1.098 do CC-16). ‘Assim, anuindo o beneficiério com as “condigSes e normas do contrato”, © que deve ser feito de forma expresse, ou seja, assumindo as obrigacbes dela de- correntes, incorpora ao seu patriménio juridico 6 direito de exigit a prestagdo, 0 due se infere da interpretagto conjunta do mencionado dispositivo com o art. 437 Dessa forma, a légica de “quem pode 0 mais, pode o menos” deve ser “temperada” com a observincia do direito adquirido, pois, se € légico que quem Alvaro Villaga Azevedo, Teoria Geral dos Contratos Tipicas e Atpicos, $40 Paulo: Atlas, 2002, p. 105, ‘Civil e processual civil. Contrato de seguro. Agto ajuizada pela vitima contra a segu dora. Legitimidade passiva ad causam. Estipulacio em favor de terceiro. Doutrina e precedentes. Recurso provide. I — As relagdes juridicas oriundas de um contrato de ‘seguro nio se encerram entre as partes contratantes, podendo ating terosiro benefcitio, como ocarre com os seguros de vida ou de acidentes pessoais,exemplos clésscos apon- tados pela doutrina, II — Nas estipulacoes em favor de terceio, este pode ser pessoa futura ¢ indeterminads, bastando que seja determindvel, como no caso do seguro, em ‘que se identifica 0 benefciério no momento do sinistro. III — O terceiro beneficiério, ainda que no tenba feito parte do contrato, tem legitimidade para ajuizar acto direta contra a seguredora, para cobrar @ indenizagio contratual prevista em seu favor” (STI, [Esp 401.718/PR; REsp (2001/0188298-0), DJ, 24-3-2003, p. 228, rel. Min, Salvio de Figueiredo Teixeira, j. 3-9-2002, 4 Turma)- + *Conteato de transporte. Responsabilidade pelo pagamento do frete. Emissio, pelo transportador, de duplicata de prestagio de servigos, contra o destindtario, A simples circunstincia de o remetente fazer constar do conhecimento de transporte que o fete setia pago pelo destinatirio, a este nfo obriga, se nfo anuiu previamente, ou a poste- ‘ori, 2 assuncio de tal esponsabilidade. Maxime em se cuidando de entidade de diet to publico, a anuéncia deve ser inequivoca, e néo se presume do simples recebimento ‘da mercadoria por servidor subalterno. Inexisténcia de ‘estipulacio em favor de tercrro. Artigos 1.098 e pardgrafo sinico, e 929 do Cédigo Civil. Recurso especial conhecido € provide” (STI, REsp 5.165/RS; REsp (1990/0004659-8), DJ, 24-9-1980, p. 9984, rl, Min, ‘Athos Carneiro j 28-8-1950, 4 Tarma). 149 cestipula uma obrigagéo em favor de terceiro possa, justamente por ser 0 con~ tratante, modificar 0 contrato, tanto no seu contetido quanto ao destinataio, também é imprescindfvel compreender que a exoneracao do devedor (median- te uma remissio, por exemplo) nao poder ofender direito do beneficiério. Nesse sentido, a faculdade de substituicio deste deve ser, em nosso sentir, registrada explicitamente no contrato, como estabelece o art. 438 do CC-02 (art, 1.100 do CC-16). ‘Nese particular, avulta a critica da doutrina & previsdo legal, no que diz respeito a auséncia de uma distingZo quanto & onerosidade da avenca em rela- ‘glo a0 terceiro, pois nada impede que esse assuma obrigagdes para ter direito 20 beneficio estipulado. B o que menciona ALVARO VILLAGA, lembrando o saudoso SILVIO ‘RODRIGUES: “Apés mostrar a felta de harmonia, no Cédigo anterior (valendo a critica também para o novo), entre esses artigos que tratam da estipulacdo estu- dada, demonstra Silvio Rodrigues que faltou ao legislador brasileiro dife- ‘enciar entre estipulagio a titulo gratuito e a titulo oneroso, clucidando que, rho tocante ao pardgrafo tinico do art. 1.098 (pardgrafo Gnico do art. 436 do novo Cédigo), colocam-se ao terceiro, ao lado das vantagens que Ihe s80 concedidas, obrigagbes. Caso 0 beneficiério assuma estas, em razio dos beneficios oferecides, concretiza-se 0 negécio, sem que exista qualquer pos- sibilidade de revogagao ou modificasdo pelo estipulante, sem que, com isso, concorde o terceiro. Faz ver, ainda, esse professor que, ante o art. 1.099 (art. 437 do novo Codigo), se a estipulacio for a titulo gratuito, o estipulante ‘so no a pode revogar se expressamente abriu mo desse direito, ao conferir fo tereeiro a prerrogativa de exigiz © cumprimento da promessa’s se for = Uitulo oneroso, ‘ndo se compreende a exoneragdo do obrigedo ou substitui- eho, do terceiro’ (ow, ainda, outra modificaggo contratual, entendo), ‘pois {sso envolveria um prejuiza para este sltimo, sem qualquer causa que 0 justifcasse’ Quanto ao art. 1.100 do Cédigo anterior (art. 438 do novo Cédigo), prosse- igue o mesmo professor em sua exogese, s6 deve ser aplicado as estipulagées iraciosas, dado que o terceiro, com sua substituigso, nao sofre prejutzo, pois sua situaggo é de quem aguarda um beneficio™. PROMESSA DE FATO DE TERCEIRO ‘Além da previsio legal da estipulagio em favor de terceiro, admite 0 Cédigo Civil brasileiro a possibilidade de estabelecimento de uma declaracéo de vontade na afirmagio da realizagdo de um ato por terceiro. © Ob. cit, p. 107-8. 150 A expressfo “fato de terceiro”, consagrada no texto codificado, nos parece um tanto imprépria, tendo em vista que se trata da pratica futura de uma conduta humana, e nao de um fato de coisa ou animal, ‘Trata-se, portanto, de um negécio juridico em que a prestacio acertada no é exigida do estipulante, mas sim de um terceiro, estranho a relagZo juri- dica obrigacional, © que também flexibiliza o principio da relatividade subje- tiva dos efeitos do contrato. 3.1. Natureza juridica Um tema pouco tratado na doutrina especializada é a natureza juridica da promessa de fato de terceiro. No nosso entender, parece-nos bastante claro que se trata de um negécio juridico submetido a um fator eficacial, ou seja, com um elemento acidental que limita nao o debitum (a relacéo obrigacional em si mesmo), mas sim a obligatio (a responsabilidade civil pelo descumprimento do contrato). Expliquemos melhor. Se, voltando aos nossos velhos companheiros, Caio promete a Ticio que © Professor Geraldo iré ministrar aulas em um curso preparatério para con- cursos, caso o ilustre propedeuta néo realize tal tarefa, € dbvio que, néo tendo participado da avenca, nio poders ser compelido a faz#-’. © negécio juridico, porém, existiu, é vilido e eficaz, para vincular os su- jeitos contratantes, ¢ nlo, obviamente, 0 terceiro, motivo por que estabelece 0 caput do art. 439 do CC-02 (art. 929 do CC-16) que aquele “que tiver prome- tido fato de terceiro responderd por perdas e danos, quando este no o executar” DiferentesituagSo haverd, todavia, quando o terceiro, nominado original- mente pelo estipulante, se comprometer diretamente & presta¢lo, pois, ai, a obrigacio ser4 propria dele, conforme se verifica do art. 440: “Art. 440. Nenhuma obrigacio haverd para quem se comprometer por outrem, se este, depois de se ter obrigado, faltar & prestagio” Nada impede, obviamente, por forca da eutonomia da vontade, que se estabeleca uma responsabilidade solidéria do estipulante original, mas isso dependeré, por certo, de manifestacio expressa nesse sentido, por aplicacdo da regra do art. 265 do CC-02 (art. 896 do CC-16). 3.2, Exclusio de responsabilidade: uma novidadé do Cédigo Civil de 2002 7 Sobre a tutela espectfica das obrigagses de fazer confira-se 0 t6pico 2.2.1 (“Descum- primento culposo das obrigagtes de fazer: a sa tutela jurfdica") do Capitulo V (*Clas- Sificagio Basica das Obrigagdes”) do v. II (*Obrigagbes") deste obra 181 [Ainda sobre a promessa de fato de terceiro, 0 Cédigo Civil brasileiro de 2002 trouxe uma inovagio, 20 prever uma hipétese de exclusio de res- ponsabilidade civil do estipulante, para 0 descumprimento da obrigasio pelo terceiro. Bo que preceitua 0 pardgrafo tinico do art. 439, estabelecendo que a “esponsabilidade no existira se 0 terceiro for cOnjuge do promitente, depen- dendo da sua anuéncia o ato a ser praticado, e desde que, pelo regime do ca- samento, a indenizagao, de algum modo, venha a recair scbre os seus bens’. a situagdo em que Caio promete a Ticio que sua esposa (de Caio, nfo 4e Ticio), com quem € casado em comunhdo universal de bens, i transferir tum imével para si. Ora, a responsabilidade civil de Caio, pelo descumprimen- to da prestagdo por sua esposa, acabaré recaindo no patriménio desta, o que feria uma situagdo de responsabilizagio de terciro que ndo fez parte da relacio jurfdica obrigacional. CONTRATO COM PESSOA A DECLARAR ‘Temos, ainda, 0 denominado contrato com pessoa a declarar. ‘Trata-se de figura contratual consagrada pelo novo Cédigo Civil, que @ regulou a partir do seu art. 467, sem equivalente na legislaglo codificada an- terior: “Do Contrato com Pessoa a Declarar ‘Art. 467, No momento da conclusio do contrato, pode uma das partes reservar-se a faculdade de indicar a pessoa que deve adquirir os direitos € assumir as obrigacies dele decorrentes". ‘Traduz, em verdade, também uma promessa de prestagao de fato de ter- ceico, que titularizard os direitos e obrigacOes decorrentes do negécio, caso aceite 1 indicagio realizada, 0 que se dard ex tunc & celebragao do negécio (art. 469). ‘A respeito do tema, ORLANDO GOMES preleciona: “Tratacse de contrato no qual se introduz a cléusula especial pro amico cligendo ou pro amico elec, pela qual uma das partes se reserva a faculda- dde de nomear quem assuma a posicio de contratante. A pessoa designada toma, na relagéo contratual, o lugar da parte que a nomeou, tal como se cla prdpria houvesse celebrado 0 contrato. O designante sai da relacio sem Gcixar vestigios. Em stima, o contraente in proprio nomeia terceiro titular do contrat’ No dizer de JONES FIGUEIREDO ALVES, por meio deste negécio, Orlando Gomes, Contratos, ab. cit, p. 166-7 162 “reserva-se a um dos contratantes, no negécio juridico celebrado pela cléu- sula pro amico eligendo, a indicacio de outra pessoa que o substitua na rela- io contratual, adquirindo os direitos e assuminda as obrigagées dele decor- rentes. Caso nio exercite a cliusula ou 0 indicado recuse a nomeagio, ou seja insolvente, disso desconhecendo a outra parte, permanece o contrato somen- te eficaz entre og contratantes originrios (art. 470)". © prazo para 2 comunicagdo da indicacéo do terceiro é de cinco dias, se outro lapso néo se estipulou (art. 468). ‘Trata-se, a nosso ver, de prazo decadencial contratualmente estipulado, dentro do qual o contraente exercerd, caso queira, o direito potestativo de in- cago, B de notar que o parigrafo tinico do referido art. 468 exige que a aceita- sao do terceiro deva observar a mesma forma que as partes usaram para 0 contrato. Assim, se a aceitagio da proposta de contratar foi expressa, por escri- 10, a aquiescéncia do terceiro indicado nfo poderé ser técita, 0 que deve ser observado no caso concreto, pois 0 siléncio do terceiro nao serd necessariamen- te interpretado como aceitagio A prépria lei, entretanto, ressalva hipéteses em que o contrato seré eficaz apenas entre os contratantes originérios (arts. 470 ¢ 471): a) se nfo howver indicagéo de pessoa, ou se 0 nomeado se recusar & aceité-las ) sea pessoa nomeada era insolvente, ¢ @ outra pessoa o desconhecia no momento da actitacéo; ©) se a pessoa a nomear era incapaz ou insolvente no momento da no- meacio. Claro est, portanto, que o contrato com pessoa a declarar é um negécio juridico que envolve certa margem de risco, tanto para os contratantes origi- nérios como para o terceiro que aceita @ indicasao. SILVIO VENOSA, alids, lembra ser comum a ocorréncia desta figura “nos compromissos de compra e venda de iméveis, nos quais 0 promissério com- prador atribui-se a faculdade de indicar terceiro para figurar na escritura de- finitiva™ * Jones Pigueirédo Alves, Nove Oédigo Civil Comentado, coord. Ricardo Fiuza, Sio Paux lo: Saraiva, 2002, p. 415. " Savio Venosa, Direito Civil — Teoria Geral das Obrigagdes Teoria Geral das Contra- tos, 3. ed, $80 Paulo: Atlas, 2003, p. 491 158 4.1. Distingio para a cessio de contrato No se deve confundir 0 contrato com pessoa a declarar com a figura ju- ridica da cessto de posigao contratual. Sobre essa modalidade de cessio, também denominada cessio do contra to, jé vimos que “éinstituto juridico conhecido da doutrina que, surpreenden- temente, ndo mereceu a devida atengio no Cédigo Civil de 2002. Diferente~ mente do que ocorre na cessio de crédito ou de débito, neste caso, o cedente transfere a sua prépria posigso contratual (compreendendo créditos débitos) ‘2 um terceiro (cessionario), que passaré a substitu‘-lo na relagéo juridica ori- gindria™. (Os institutes nfo devem ser confundidos, visto que, no contrato com pessoa a declarar, « faculdade de indicagdo ja vem prevista originariamente, odendo, inclusive, nunca ser exercida; na cessto da posigio de contrato, por bua ver, ndo ocorre necessariamente estipulagZo prévia da faculdade de substi- tuigio. ‘Assim, 0 terceiro, embora nao vinculado originariamente & relaso contratual, poder experimentar os seus efeitos, caso aceite a nomeasao indicada. ‘Observa-se, portanto, nesse caso, que 0 espectro eficacial do negécio ju- ridico firmado entre os contraentes iniciais incidiré em sua érbita juridica de atuagio, mitigando-se, dessa forma, o principio da selatividade dos efeitos do contrato, {Pablo Stolze Gagliano ¢ Rodolfo Pamplona Filho, Novo Curso de Direito Civil — Obri- gabe, 2. ed, Séo Paulo: Saraiva, 2003, ¥. I, p. 275. 154, Capitulo VII Classificagéo dos Contratos Sumario: 1. © recurso pedagégico da classificacto. 2. Classifcagio dos contratos no Direito Romano. 3. Contratos considerados em si mesmos. 3.1. Quanto & natureza da obrigagio. 3.1.1, Contratos unlateris, bilaterais ou plurilateras, 31.2 Contratos onerosos ou gratuitos. 3.1.3. Contratos comutativas ou aleatSrios. 3.1.4 Contratos paritérios ou por adesio. 3.1.5. Contratos evolutives. 3.2. Cassficagto dos contratos quanto & disciplina juridica. 3.3. Clasificagao dos contratos quanto 8 forma, 3.3.1, Solenes ou nfo solenes. 3.3.2. Consensuais ou reais. 34, Clasifi- ‘agdo dos contratos quanto & designacio. 3.5. Classificagio dos contratos quanto a pessoa do contratante. 35.1, Pessoais ou impessoais. 3.5.2. Individuals ou cole- tivos. 3.53, O autocontrato, 3.6. Classificagao dos contratos quanto ao tempo de so, 3.7. Clastificesdo dos contratos quanto a disciplina legal espectia. ‘pelo motivo determinante do negécio. 3.9. Classificeczo pela econdmica. 4, Clasificasio dos contratos reciprocamente considerados. 41, Classificagio quanto & relagio de dependéncia. 4.2. Classifcagio quanto & defintividade. 1. 0 RECURSO PEDAGOGICO DA CLASSIFICACAO ‘Toda classficagdo, por ser obra da inteligéncia humana, pode ser consi- derada imperfeita. Isso porque toda construgio classificatéria dependeré da visio metodolégica de cada autor, que buscaré, dentro da imensa gama de enfoques, aquele que Ihe parece mais didatico. E 6 justamente essa a finalidede do recurso pedagégico da classificago: ‘mostrar as peculiaridades dos institutos estudados, na medida em que so agru- pados pelas suas similitudes. B isso que pretendemos fazer com as modalidades contratuais, neste ca- pitulo. Dentro da enorme quantidade de prismas focais posstveis' ¢ na falta de ‘um critério legal expresso — como existe, ainda que incompleto, em relagio No direito moderno, atende-se a virios crtérios para clasificar os contratos sea de ‘acordo com o niimero de partes cobre as quais recaem as obrigagSes, seja com base na txistencia ou nio de Hberalidade, seja atendendo & transferéncia de posse de bens, & forma solene, 4 regulamentagdo especifica contida na lei, 8 maior ou menor liberdade aque tém as partes de discutir e fixar o contedido do contrato 185 aos bens (arts. 79 a 103 do CC-02), preferimos, por analogia & mencionada ‘dassifieaglo, proceder a nossa com base na anélise dos contratos em si mesmos, bem como analisé-los na sua considerago reciproca’. ‘Antes, porém, de analisar tal classificaglo, fagamos um breve panorama sobre a classificagdo dos contratos no Direito Romano. 2, CLASSIFICACAO DOS CONTRATOS NO DIREITO ROMANO No Direito Romano, mais especificamente nas Institutas de Gaio, a cas- sificacdo dos contratos obedeceu a critérios formais, distinguindo-se, ent3o, quatro modalidades contratuais: reais, consensuais, vrbais e literas. Os contratos reais eram aqueles que exigiam a entrega de uma coisa (res). Nessa modalidade, enquadram-se 0s contratos de miituo, comodato, depésito, penhor e anticrese. 40s contratos consensuais so os relacionados @ uma declaragio de vontade, independentemente de qualquer formalidade, seja a reduggo a forma ‘escrta, pronunciamento de palavras rituais ou entrega de coisa. Enquadram-se, neles, 0s contratos de compra e venda, locaglo, sociedade e mandato. ‘Os contratos verbais (verbis contrahitur obligatio) ou orais, por sua ve2, so os que se perfazem com a enunciagio de certas palavras, que vinculavam 6s sujetos contratantes, pois a obrigagdo nasceria da resposta que o eventual devedor daria a formulacio do credor. Nesse campo, bons exemplos seriam & promessa de dote ea stipulatio. CContrapondo-se a eles, encontravam-se os contratosliteras, que, como 0 proprio nome infere, imprescindiam de uma forma escrita. Como ensina 0 amigo SILVIO VENOSA: ‘Algumasdistngbes sio lissicas,vindo do direto romano ou dos autores medievas. Outras 0 mais modernas ¢ algumas simplesmente de caréter académico, pois a matéria é em grande parte subjetiva e cada autor pode enunciar uma classificagio propria dos contratos, fatendendo a crtérios por ele fxados® (Arnoldo Wald, Curso de Direto Civil Brasileiro — Obrigacdes e Contrats, 12. ed, S30 Paulo: Revista dos Tribunais, 1985, v 1, p. 182). 2 Adota clasificagdo semelhante a Profa. Maria Helena Diniz, em seu Thatado Teérico © Prético dos Contras (5. ed., Sao Paulo: Saraivs, 2003) 2B costume atribuir a Gaio a primeira enunciagio desse conceito real, mas ¢ com Justiniano que a teoria aparece ordenada, quando se incorporam nessa categoria as sguras clissicas do mituo, depésito e penhor. £ da esstncia desses contratos a entregs da coise. Assim, nfo podemos falar em empréstimo de dinheiro sem a entrega do nu- Imerdtio 20 mutaério, nem de depésito sem a existéncia da coisa depositada em mios do depositirio” (Silvio de Salvo Venosa, Direito Civil — Teoria Geral das Obrigagdes © dos Contrates, 3. ed, Sto Paulo: Atls, 2003, v. Il p. 413). 156 “‘Contratos literais so of que necessitam da escrita. A origem desses contra- tos esté no livro de contas dos individuos (codex accepti et expensi), divides a pagar ¢ créditos a receber. A obrigagdo constitula-se mediante o langamen- to da divida no registro. Pouco sabemos desses contratos que parecem ter desaparecido no perfodo clissico. O contrato escrito de cunho moderno, re- ferido jé pela compilacio justinianeia, nao tem relaglo com essa fonte antiga, ‘mas provém da transformacio da stipulatio, contrato oral, em instrumento puiblico”. Rememorada a classificagio no Direito Romano, procedamos a andlise minuciosa de diferentes critérios classificat6rios dos contratos em si mesmos. 3. CONTRATOS CONSIDERADOS EM SI MESMOS ‘A anilise dos contratos em si mesmos, ou seja, sem qualquer relagao com outros, & sem sombra de diivida, a mais proficua a proceder, pois importa em vrias divisoes e subdivisdes, por forga da multiplicidade de relagbes contratuas. Para que possamos dar ao nosso publico leitor a maior sensacio possivel de completude, optamos por fazer a seguinte visio esquemstica: a) Quanto a Natureza da Obrigacio. a.1) Contratos Unilaterais, Bilaterais ou Plurilaterais 4.2) Contratos Onerosos ou Gratuitos. 4.3) Contratos Comutativos ou Aleatérios. .4) Contratos Paritérios ou por Adesio. 5) Contratos Evolutivos. b) Classificasio dos Contratos quanto & Disciplina Jurfdica, ©) Classificacio dos Contratos quanto & Forma, c-1) Solenes ou Nao Solenes. 2) Consensuais ou Reais 4) Classificacio dos Contratos quanto Designacio. ©) Classificacio dos Contratos quanto a Pessoa do Contratante, e-1) Pessoais ou Impessoais. 2) Individuais ou Coletivos. £) Classificagao dos Contratos quanto ao Tempo. 8) Classificago dos Contratos quanto & Disciplina Legal Espectfica 1) Classificacao pelo Motivo Determinante do Negécio. i) Classificagao pela Fangio Econémica. * SGvio de Salvo Venosa, ob. cit, ¥- I, p. 391 187 3.1. Quanto & natureza da obrigagio |A dlassificagZo mais abrangente, tomando-se a anilise do contrato em si ‘mesmo, é, indubitavelmente, aquela que tem a natureza da obrigagio como parémetro. Por natureza da obrigaglo, compreenda-se a classificasio dos contratos ‘em fungao da prestagao pactuada, uma vez que, em virtude da autonomia da ‘vontade e da liberdade de contratar, o conteddo do contrato pode ser o mais, Aiverso possivel, muitas vezes com objetos diametralmente opostos. Compreendamos, nas espécies, tal classificagio. 3.1.1. Contratos unilaterais, bilaterais ou plurilaterais ‘Toda relacio contratual pressupde a existéncia de duas ou mais manifes- tages de vontade. ‘Todavia, isso ndo quer dizer que produza, necessariamente, efeitos de natureza patzimonial para todas as partes. ‘Assim, na medida em que o contrato implique direitos ¢ obrigagées para ambos os contratantes ou apenas para um deles, sera bilateral (ex.: compra ‘venda) ou unilateral (ex.: depésito).. ‘Nessa classificagio, & posstvel falas, por certo, em uma visio plurilateral (ou multilateral), desde que haja mais de dois contratantes com obrigagdes, como €0 caso do contrato de constituicéo de uma sociedade’ ou de um condomfnio*. ‘Nessa linha, quando 0 contrato estabelecer apenas uma “Via de mao tni- ‘ca’, com as partes em posigio estitica de credor ¢ devedor, pelo fato de se tstabelecer uma prestagdo pecunifria apenas para uma das partes, como na doagio simples, falar-se-4 em contrato unilateral. Tepguo de resolugio de acordo de acionistas Legitimidade para a causa de adquiren- te de controle acionétio de uma das participes do aludido acordo. Nitido interesse de fgir em Juizo, na busea da desconstituiczo do negécio plurlatera. Incumprimento do Geordo por uma das empresas nele igarantes, que passou 2 agis, abertamente, contra ‘cooperagio e interesses comuns, Apelagio improvida. Sentenga louvads” (TJRS, Ap. ‘Civ, 397093743, rel. Des, Arminio José Abreu Lima da Rosa, j. 5-11-1997, 1 Cimar Civel). © Os legitimados ativa e passivamente no processo slo os que devem figurar como ‘autores € réus para que 0 juiz, formando o Angulo, possa decidir sobre determinado ‘bjeto. A agio meramente decaratéria da existéncia de relagdo juridica condominial Com o fim de expungir incertezas sobre 0s efeitos juridicos dos atos praticados pelos Sbrigados num contrato plurlateral de cariter instramental, finda por caréncia de ago ‘quando os interessidos, no curso dela, se retinem e regram o seu litigio sustentando © Xeitando, cada parte, na assembleia, o seu conilito de interesses" (TJRS, Ap. Civ. 26927, al. Des. Joto Aymoré Barros Costa, j. 28-10-1982, 1 Camara Civel). 158 Jno contrat bilateral (ou no pluitera),tem-se a produgiosimaltinea |e eS ere hen pear sages (cendo uma a causa de ser da outa), 0 que € chamado de sinalage, ‘notivo pelo qual tne contatos também so, em eral, conheidos como sina” Ingmiicos ou de restates correla THé quem defenda a exstncia de um tertium genus ente a unilteraid- de ¢ a bilateralidade dos efeitos do contrato. isteralide Seria a figura do contrat bilateral imperet, 0 qual na sua origem, seria unilateral, mas, durante a sua execucdo, converter-se-ia em bilateral. E 0 caso tnesmo do contrato de depito, em que o depositnte pode ser obrigado 2 Duet 20 depostiio as deopesns fete com «cols, bem ohm os preutzos que Provierem do deport (at. 643 do CC-02; art. 1278 do CC-16), em vstade de ciconetincia superveniente Tal figura intermedia € bastante impreia, conforme nos seta OR- LANDO GOME: * 28 “Uma vez que nos contratos unilaterais somente uma das partes se obrige, & Jimpossivel conceber qualquer espécie de dependéncia, mas, em alguns, surge, no curso da execusdo, determinada obrigacdo para a parte que tinha apenas direitos. Nesse caso, diz-se que o contrato ¢ bilateral imperfeito, Seria ums categoria intermediéria. A melhor doutrina repele-a, mas pode ser mantide por sua utilidade pritice, especialmente para o direito de retenglo. O contra- to bilateral imperfeito nao deixa de ser unilateral, pois, no momento de sua conclusio, gera obrigagies somente para um dos contratantes. Em verdade, 2 obrigacio esporidica n3o nasce do contrato, mas, acidentalmente, de fato posterior a sua formagio. O contrato bilateral imperfeito subordina-se, com feito, a0 regime dos contratos unilaterais™ 7 HE quem faga distingso conceitual entre contratos bileterais e sinalagmiéticos, em ‘que, nos primeiros, a earacterstica marcante seria e producto de efeitos para ambos (0s contratantes e, nos segundos, a relacdo de causalidade entre eles. Nesse sentido, observa Orlando Gomes: “Nao é pacfica a nosdo de contrato bilateral. Para alguns, todo contrato produz obrigepses para as duas partes, enquanto para outros a sua caracteristica € 0 sinalagma, isto é dependéncia reefproca das obrigacBes, raz3o por {que preferem chamé-las contratos sinalagmiticos ou de prestacoes correlatas. Real- mente, nesses contratos, uma obrigagio € a causa, a razio de ser, 0 pressuposto da outra, verificando-se interdependéncia essencial entre as prestagbes” (Contratos, 24 Rio de Janeiro: Forense, 2001, p.71). Nao vislambramos, porém, no noseo Ditei- to positive, utiidade prética em tal diferenciagio, pelo que utiligaremos indistinta: mente as expressbes. ""R dependéncia pode ser genética ou funcionsl. Genética, se existe desde a formagio do contrato, Funcional, se surge em sua execus0 o cumprimento da obrigagio por ume rte acarretando o da outra” (Orlando Gomes, ob. ct, p. 71) * Oslando Gomes, ob. city p. 72 189 [A presente classiicagio é uma das mais importantes deste capttulo, pois igera intimeras repercussbes préticas (destacadas, em diferentes t6picos, por diversos doutrinadores®), a saber 2) Somente nos contratos bilateras € aplicavel a exceptio non adimpleti contractus!, excegio (defesa) substancial do contrato nio cumprido, prevista expressamente no Cédigo Civil brasileiro (art. 476 do CC-025 art. 1.092 do CC-16), consistente na regra de que nenhum dos contratantes, antes de cum- rida a sua obrigacdo (o que jé afasta a sua incidéncia em contratos unilaterais), pode exigir 0 implemento da prestagdo do outro. Por consequéncia, a garantia de execugio do contrato (outrora prevista no mesmo art. 1.092 do CC-16 6, hoje, em dispositive proprio, a saber, 0 art. 477 do CC-02) também somente pode ser invocada em tais avencas sinalagmticas pela incompatiblidade estru~ tural com os contratos unilaterais®. ) Somente nos contratos bilaterais € aplicével « teoria da condigao reso- Iutiva técita. De fato, por forca da interdependéncia das obrigagBes, nos con- tratos sinalagmaticos, o descumprimento culposo por uma das partes constitui justa causa para a resolugio do contrato, uma vez que, se um é causa do outro, deixando-se de cumprit 0 primeiro, perderia 0 sentido 0 cumprimento do segundo". ) Somente nos contratos bilaterais (e comutativos) é aplicdvel a discipli- na dos vicios redibitérios, entendidos como 0s vicios ou defeitos ocultos da * Orlando Gomes, ob, cit, p. 72-3; Amoldo Wald, ob, cit, p. 184-5; Carlos Roberto Goncalves, ob. cit, p. 24-6; Maria Helena Diniz, ob. cit, p. 100-2; Silvio Rodrigues, ob. cit, p. 73-81; € Silvio de Salvo Venosa, ob. cit, p. 394-8. "“Indenizagdo. Perdas ¢ danos. Contrato de promessa de compra ¢ venda. Descum- primento. Promitentes-vendedores deixaram de outorgar escritura piblica& promitente- Ffompredora, Compensacio de aluguéis pelo perfodo em que a promitente-comprado- ra Bcou no imével enquanto tramitava & ago de rescisto de contrato cumulada com perdss ¢ danos que moveu contra os promitentes-vendedores. De acordo com art. 1.092, taput, do Cédigo Civil, em se tratando de contrato bilateral, nenhum dos contraentes pode exigir o implemento da obrigacio do outro se antes ndo tiver cumprido a sua. No ato conereto, os promitentes-vendedores nio podem exigir que se compensem supos- tos aluguels, com base na rescisto do contrato de promessa de compra e venda, ne medida em que deram causa aos danos os quais a promitente-compradora ver soften- do desde a impossbilidade do cumprimento do contrato, bem assim pelo fato de que ainda nao cumpriram sua parte da obrigacio imposta pelo comando sentencial, isto é Gevolver 0 dinheiro pogo pela autora e pagar a indenizecao ffxada por perdas e danos. Recusso desprovide" CIJRS, Ap. Civ. 70006650311, rel. Des. Nereu José Giacomolli,j 13-8-2003, 9 Cam. Che) " Sobre o tema, confira-se o Capitulo XV ("Exceso de Contrato Nao Cumprido”) © Sobre o tems, confira-se também o Capitulo XIV (“Extingio do Contrato") do pre- sente tomo. 160 coisa, que a tornem imprépria a0 uso a que & destinada ou que lhe diminuam. © valor, na forma do art. 441 do OC-02 (art. 1.101 do CC-16)', 3.1.2. Contratos onerosos ou gratuitos © ordinério quando se estabelece uma relaglo juridica contratual é que ambas as partes experimentem beneficios e deveres. Assim, os efeitos da aven- ga devem ser sentidos entre os contratantes da forma como fora pactuada (%. g» ma compra e venda, 0 comprador tem de pagar o preco eo vendedor ‘entregar a coisa), para que possam obter os proveitos desejados (no mesmo ‘exemplo, 0 comprador receber a coisa e o vendedor embolsar o prego). Nessa situagdo, quando a um beneficio recebido corresponder tum sacrificio patrimo- nial, fala-se em contrato oneroso. Quando, porém, fica estabelecido que somente uma das partes auferiré beneficio, cnguant # our crt com toda obrga, fle em conta ‘gratuito ou benéfico. E.0 caso tipico, por exemplo, da doacao pura (sem encar- 0) e do comodato, mer Bio de deseo pur Registre-se, @ propésito, porém, que ndo é simplesmente a denominagio do contrato que fixa a sua natureza, pois é possivel que determinadas figuras contratuais sejam estabelecidas tanto na forma gratuita quanto onerosa, como, por exemplo, do miituo (que pode ser celebrado sem pagamento de juros — ‘gratuito — ou o feneraticio — oneroso), do depésito, do mandato ou mesmo dda fianca, lembrada por VENOSA, que “pode ser concedida de favor (gratuita) ‘ou mediante remuneragao (onerosa)”, observando: “Nos contratos gratuites, toda a carga contratual fica por conta de um dos contratantes; 0 outro s6 pode auferir beneficios do negécio. Dai a denomi- nagéo também consagrada de contratos benéficos. Inserem-se nessa categoria a doagio sem encargo, o comodato, o mituo sem pagamente de juros, 0 depésito € 0 mandato gratuitos. Hé uma liberalidade que esté insta 20 con- trato, com a redugéo do patrimdnio de uma das partes, em beneficio da outra, cujo patriménio se enriquece. Nao deixa de ser gratuito o contrato que circunstancialmente impoe deveres & parte beneficiads, como dever do donatério em nao incorrer em ingratidio (art. $55; antigo, ert. 1.181). Essa cespécie de obrigagio, que mais tem cunho de dever moral, nio tem 0 caré- ter de uma contraprestacio: ‘no esti, no espirito das partes, uma compen- sagdo mais ou menos aproximada do que prometeu o doador nem a razdo pela qual ele se obrigou’ (Borda, 1989:23). A mesma situaglo ocorre no ‘mandato gratuito, quando o mandante deve reembolsar 0 mandatério de % Sobre 0 tema, dada 2 sua grande importancia e disciplina prépria, destinamos in- tegralmente © Capitulo XII (*Vicios Redibitérios"), deste tomo, part uma andlise 161 despesas para 0 desempenho do mandato (arts. 675 € 678; antigo, ats. 1.309 ¢ 1.312), Essa obrigagio ndo retira do mandato seu cardter gratuito, 0 que ocorreria caso as partes tivessem estipulado uma retribuigdo por seu desem- ppenho. Nesse dhtimo caso, o espirito que imbuiu as partes ao contratar foi Como se pode verificar, ha grande similitude entre a classificagao dos contratos em unilaterais/bilaterais ¢ gratuitos/onerosos, mas nao se deve con- fundi-los. ‘Como esclarece CARLOS ROBERTO GONGALVES: “Em geral, todo contrato oneroso &, também, bilateral. E todo unilateral é, a0 mesmo tempo, gratuito. Néo, porém, necessariamente. © muituo feneraticio fou oneroso (em que é convencionado o pagamento de juros) é contrato unilateral e oneroso. Unilateral porque de natureza real: s6 se aperfeigoa com fa entrega do numeririo 20 mutuério, nfo bastando o acordo de vontades. Feita a entrega (quando 0 contrato passa a producir efeitos), nenhuma outra obrigegao resta 20 mutuante. Por isso se diz que gera obrigacio somente para ‘© mutuario, Como exemplo de contrato que pode ser bilateral e gratuito rmenciona-se © mandato, embora se trate de bilateral imperfeito, visto que, para o mandante, a obrigacao surge, em geral, « posteriori (a de pager as espesas necessirias & sua execucdo, p. ex)" A diferenciagio entre contratos gratuitos e onerosos também € bastante prestigiada pela legislacio, que traz diversidade de regimes juridicos em varios ppontos, a saber: a) A interpretagdo dos contratos gratuitos deve ser sempre mais restrita do que os negécios juridicos onerosos”, uma vez que, por envolver uma libe- ralidade, a legislagio considerou razoavel que 0 contratante ndo onerado tives- se uma protec menor do que o pactuante devedor. ) Pelo mesmo fundamento, no que diz respeito & responsabilidade civil pelo descumprimento do pactuado, nos contratos benéficos, 0 contratante ‘onerado somente responde por dolo, enquanto o contratante beneficiado segue fa regra da simples culpa, 20 passo que, nos contratos onerosos, cada uum res- # Silvio de Salvo Venosa, Direito Civil — Teoria Geral das Obrigarbes e Teoria Geral dos Contratos, 3. ed., Sao Paulo: Atlas, 2003, v. I, p. 401. ' Carlos Roberto Gongalves, Dirsito das Obrigagtes — Parte Especial — Contratos (Si- ropes Juridica), 6.ed., S40 Paulo: Saraiva, 2002, p. 27. 06-02; Art 114, Os negéciosjuridicas benéficos a reninciainterpretam-seestritamen- te (CC-16: Art. 1,090, Os contratos benéficos interprtar-se-do estritamente). Sobre 2 in terpretacio dos contratos, confira-se © Capitulo XI ("Interpretagio dos Contratos") este tomo. 162 ponde por culpa, salvo, obviamente, o enquadramento da situagao fitica como de responsabilidade civil objetiva"™, ©) Da mesma forma, os riscos da evicgio somente si0 suportados pelo adquirente de bens em contratos onerosos", no sendo imputavel aos contratos gratuitos, 3.1.3. Contratos comutativos ou aleatérios (Os contratos onerosos se subdividem em comutativos e aleatérios. Quando as obrigacoes se equivalem, conhecendo os contratantes, ab initio, as suas respectivas prestagOes, como, por exemplo, na compra e venda ou no contrato individual de emprego,fila-se em um contrato comutatvo Jé quando a obrigacio de uma das partes somente puder ser exigida em fungio de coisas ou fatos futuros, cujo risco da nao ocorréncia for assumido pelo outro contratante,fala-se em contrato aleatério ow de esperance, previsto nos arts, 458/461, como é 0 caso, por exemplo, dos contratos de seguro, jog0 € aposta, bem como 0 contrato de constituisao de renda™, , inclusive, do art. 458 do CC-02 (art. 1.118, CC-16), que extraimos 0 conceito legal de contrato alestério: B a regra que se infere do art. 392 do CC-02, que precetua: “Art, 392. Nos contratos bbenéficos,responde por simples culpa o contratante, a quem 0 contrato aprovete, ¢ por dolo aquele = quem no favoreca. Nos contratos onerosos, responde cada uma das partes por culpa, salvo as excesdes previstas em lei. Registre-se, porém, que a regra anterior era distnta (art. 1.057 do CC-16), pois se refeia nio aos contratos benéficos! ‘onerosos, mas sim 20s contratos unilateraisbilateras. Entendemos ter havido aqui uma ‘evolugéo, até mesmo pelo reconhecimento da possibilidade de contratos unilaterais fonerosos, em que no se justificaria @ protegio, bem como pela ressalva as excegies leqais, no que se enquadraria, por exemplo, a previsio do pardgrafo nico do art. 927, de responsabilidade civil objetiva por previsio legal ou exercicio habitual de atividade de risco. Para um aprofundamento da matéria, sugerimos a leitura do Capitulo XVII (Inadimplemento e Responsabilidade Civil Contratual”) deste tomo, bem como 0 ¥. Il (*Responsabilidade Civil") desta colegio. ° ©C-02: “Art. 447. Nos contratos onerosos, o alienante responde pela eviesHo, Subsiste esta garantia ainda que a aquisigio se tenba realizado em hasta pablica”(grifos nosso). Para maiores detalhes, confira-se 0 Capitulo XII (“Eviogio") deste tomo. * Como ensina o insuperdvel mestre baiano Orlando Gomes: "Nos contratosaleatdrios, hh incerteza para as duas partes sobre se a vantagem esperada sera proporcional a0 sacrifcio. Os contratos aleatérios expoem os contraentes & alternativa de genho ow perda, O equivalente, como reza o Cédigo Civil frances, consste ‘dans la chonce de gain ‘ou de pert por chacune des partes: Aleatorio é em suma, 0 contrato em que, segura ‘mente, & incerto o diteito & prestagio, como no jogo, a duragio desta, como na renda vitalicia, ou a individualizagio da parte que vai supri-la, como na aposta (Scondino)” (Crlando Gomes, ob ct, p. 74) 165 “art 458 Se © contrato for aleatrio, por dizer respito a coisas ou ftos futuro, ajo Heo de nto virem a exstir wm dos contretantesassama, te 0 tutto dzeto de receberintegralmente o que he foi prometio, desde que de Sos parte nao teaha havido dolo ou cup, sinda que nada do avengado venha a exist, ‘A expressio alestério vem de alea, expressio latina que significa sorte". B importante registrar, porém, que “sorte” aqui, é utilizada no sentido de que a parte assume 0 risco do fato acontecer ou no, ndo sabendo, portanto, fc terd_ um retorno patrimonial no contrato assumido. Por isso, sea “sorte” ficar a cargo exclusivo de um dos contratantes (por exemple, estabelecer que alguém faré um pagemento para mim, se ev quiser Viajan), a hipétese nfo sera propriamente de um contrato aleatério, mas sim de uma condigio puramente potestativa, que impoe a nulidade absoluta do negécio juridico, por forga do art, 123, 1, cleo art. 166, VI, do vigente Cédi- go Civil brasileiro. Sobre a condigio potestativa, inclusive, jf escrevemos: “A segunda hip6tese de clinsla vedada diz respito &s condigdes puramente potestativas, que sto aqueas que derivam do excusivo arbitio de uma das pares, to se confundem, outrossim, com as condig6es simplesmente potestativas, as quais dependendo também de algam fator extern ou crcunstancial, nfo aracterizam abuso ou tani, rzio pela qual sto admitias pelo dizi [As condigoes puramente potestativas caracerizam-se pelo uso de expresses ono 'ee eu quiser, caso eeja do interes deste declarant; ‘se na data aven- Gada, ete declarante considear-se em condig6es de prestr’ ete, Todas elas {raduaem axbitioinjustifcado, reno abuso de poder econéaico, em franco desrespeito 20 principio ds boa-f objetiva Por outro lado, as condigées simplemente potestativas, par de derivarem da vontade de uma das partes epens, alia-se © outros fatores,extrnos ou sircunstancias, 02 quais amenizam eventual predominio da vontade de um ddos decarantes sobre a do outro. Tome-se a hipétese do individuo que pro- sete doar vultosa quanta a um atlets, se cle vencer 0 prdximo torneio des- portivo, Nesue easo, a simples vontade do atleta nao determina a sua vitéria, {Que exige, para a sue ocorréncia, a conjugagao de outros fatores: preparo tecnico, nivel dos outros competidores, boa forma fisca et: BB cdssica « expressio “alea jacta est” (a sorte esté langada!) quando se inicia uma nova e desconhecida atividade. 2 Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, Novo Curso de Direito Civil — Par- te Geral, 5. ed, Sio Paulo: Saraiva, 2004, ¥. I p. 4245. 164 Hi realmente uma certa semelhanga entre os contratos lea contratos condicionais. ee ‘A eventual confusio, porém, € meramente aparente. De fato, no contrato aleat6ri, a incerteza ocorre em relaglo as vantagens procuradas pela parte, sea na sua propria ocorrénca, sea na sua extensto, ura ou indiviualizao da parte que vai supri-les no contrto efetivamen- te submetido a condisao, porém, é a eficicia da avenca que dependera ocorréncia de um evento futuro e incerto. a “ __A distinglo entre contratos comutativs ¢aleatrios tem grande distingto prética na dsciptina dos vicios reabitérios, uma vez que, conhecendo-se pre. viamente as prestagdes devides, com vantagens e sacificios, e ocorréncia de vicios ou defeitos ocultos da coisa, que a tormem imprépria ao uso a que destinada ou que Ihe diminuam o valor, alteram a equagio financeira do con- ‘rato, 0 que inexiste, a priori, nos contratos aleatérios, ‘Todos 0s exemplos até aqui mencionados se referer a contratos aleatérios or sua propria natureza. Todavie, um contrato tipicamente comutativo, como « compra e venda, pode-se tomar aleatrio, em razio da autonomia da vontade, sendo conside- ado um contrato acidentalmentealeaté € 0 caso rio, como é 0 caso, por exemplo, da compra de uma colheita futura”. ° Registre-se, por isso, que, embora o Cédigo Civil brasileiro expressamen- te declare uma discipina sobre os contratosaleatrios, as regras dos arts. 458 a 461 se referem basicamente a um de seus exemplos, «saber, jastamente 0 contrato de compra e venda aleatéria. Todavia, nfo se pode esquecer que, por sera discipline geral da matéria tais dispositivos devem ser aplicados, no que couber, a todas as avengas com tal caracterstca de Alea, tipcos ou atipicos, nominados ou inominados*. Especficamente sobre o contrato de compra e venda aleatsra, cle pode aleatéria, ela pode- -se dar de duas formas distinas, qusis sejam, compra de coisas faturas, cujo sic dedoba nto ex eapo prpra etic da es, us sa ‘quantidade; e compra de coisas exstentes, mas expostas a rscos de perda ou deterioracao. oe Pere Nessa mesma linha, podemos classifcar 0s contratos de compra e venda aleat6ria da seguinte forme: 8) Contrato de Compra de Coisa Futura, com Assunsio de Risco pela Existencia (emptio spei) — nessa primeira espécie, prevista expressamente no ® Nesse sentido, Silvio de Salvo Venoss, ob. cit p. 404 % Sobre o tema dos contratos ai deste tomo. 3s, confira-se 0 Capitulo X (*Contratos Aipicos”) 165 art 458, 0 contratante assume o #isco de ndo vir a ganhar coisa alguma, dei- xando & sorte propriamente dita o resultado da sua contratago. Como ensina~ va 0 saudoso SIIVIO RODRIGUES, “na emptio spei o adquirente compra 0 Fisco de as coisas adquiridas virem ou nao a existt. Assim, serd aleatério 0 contrato no qual alguém adquire safra futura de um fazendeiro, assumindo 0 Fisco de nada receber se o vendedor nada colher. O exemplo cléssico é o daque- Te que adquize o produto do langa na rede que 0 pescador esté na iminéncia de fazer. Mesmo que o pescador nada apanhe, tem le direto ao prego integral, se agiu com a habitual dligencia™. A hipétese € por demais didatica, uma ver que mostra evidentemente o isco de quem paga 0 prego para que sejam jogadas as redes, podendo ser apanhada uma quantidade surpreendentemente grande — proporcionalmente maior ao valor pago — ou absolutamente nada™. Outra situagio, esta ainda mais comum, & a da méquina de pegar bichos de pehicia em parques infants, pois ha a possibilidade (para a tristeza das crianeas) de a ‘mio mecinica descer e nfo pegar qualquer bicho de pelicia apesar do depési- to de fchas ') Contrato de Compra de Coisa Futura, sem Assungio de Risco pela Existéncia (emptio rei speratae) — nessa segunda hip6tese, prevista no art. 459 do CC-02 (art 1.119 do CC-16)", nfo hé a assungio total de riscos pelo con- ‘ratante, tendo em vista que o alienante se comprometeu a que alguma coisa fase entregue, No exemplo cléssco citado na modalidade anterior, se o pesca- dor nada conseguir ao lancar a rede, deve restituir 0 prego pactuado, o que néo faré se conseguir um ou dois peixes, mesmo que o habitual fosse pescar deze~ nas, De certa forma, um outro exemplo pode ser considerado na utilizaglo de miquinas eletrdnicas de prémios, comuns em parques infantis, onde, por exem- plo, pequena Marina, ao depositar fichas no equipamento, pode ser contem- plada com um brinquedo da moda, embora, na maior parte das vezes, acabe ganhando somente um “prémio de consolagéo” (um chaveiro, uma bolinba etc.) ©) Contrato de Compra de Coisa Presente, mas Exposta a Risco Assumi- do pelo Contratante — a ilkima modalidade codificada & a que versa sobre @ ¥ Silvio Rodrigues, Direto Civil — Dos Contratos e Declaragbes Unilaterais de Vontade, 25, ed Séo Paulo: Saraiva, 1997, v3, p. 124 Nesset6pico, nfo hé como deixar de fazer referencia & passagem da pesca marevilho- ‘2, determinada por Jesus Cristo, em Lc 5, 1-14, em que mandou Simao Pedro, depois de ter trabalhado toda a noite ¢ nada apanhado, ir a mar alto e jogar novamente as redes, no que colheram uma quantidade to grande de peixes que se rompia sua rede, ‘quastlovando a pique dois barcos. C02; "Art. 459. Se for aleatrio, por serem objeto dele coisas futuras, tomando 0 adquitente a sio isco de virem a existir em qualquer quantidade teré também direito o alienante a todo o prego, desde que de sua parte nlo tiver concorrido culpa, ainda ‘que a coisa venha a exstir em quantidade inferior & esperads. Perégrafo nico, Mas, se da coisa nada vier exist alienagio nio haverd eo alienan- te restitird © preso recebido” 166 venda de coisa stual sujeita a riscos, prevista no art. 460". O exemplo clissico € 0 da compra de mercadoria embarcada, sem noticia do seu estado atual, em que o adquirente assume o risco de elas chegarem ao seu destino ou nao, de- vendo pagar o prego mesmo na hipétese de perecimento. Como jé ensinava SILVIO RODRIGUES, as “hipéteses figuradas nesse artigo do Cédigo Civil, de interesse no passado, tornam-se obsoletas no presente, dada, entre outras razdes, a eficicia dos meios de comunicaszo”. A boa-fé de quem compra, porém, é sempre ressalvada, motivo pelo qual tal alienacdo aleatéria “poderd ser anulada ‘como dolosa pelo prejudicado, se provar que o outro contratante no ignorava ‘a consumasio do risco, a que no contrato se considerava exposta a coisa” (art 461 do CC-02; art. 1.121 do CC-16). 3.14. Contratos paritdrios ou por adestio Na hipétese de as partes estarem em iguais condigbes de negoci estabelecendo livremente as cléusulas contratuais, na fase de puntuacio, fala-se na existéncia de um contrato paritério, diferentemente do contrato de adesao, que pode ser conceituado simplesmente como 0 contrato onde um dos pactuantes predetermina (ou seja, impde) as cléusulas do negécio juridico”. Trata-se de um fendmeno tipico das sociedades de consumo, que % CC-02: “Art. 460. Se for alestério, por se referir a coisas exstentes, mas expostas & isco, assumido pelo adquirente, terd igualmente direito 0 alienante'a todo 0 preco, [posto que « coisa jé no existisse, em parte, ou de todo, no dia do contrato". 2» Silvio Rodrigues, ob cit, p. 124 % 0 vigente Cédigo de Defesa do Consumidor, em seu art. 54, traz previsdo expect cca de um conceito legal de contrato de adesto para as relacSes consumeristas, com disciplina propria, que pode ser invocada também, analogicamente, para as demais relagbes civis: “Art. 54. Contrato de adesio ¢ aquele cujas cléusulas tenham sido aprovadas pela au- tridade competente on estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou servigos, sem que 0 consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu contetdo. $1.8 A ingeredo de cléusula no formulério nfo desfigura a natureza de adesio 20 contrat. § 22 Nos contratos de adesio admite-se cléusula resolutéria, desde que alternative, cabendo a escolha 20 consumidor, ressalvando-se © disposto no pardgrafo 2.° do artigo § 3. Os contratos de adesto escitos serio redigidos em termos claros com earacteres ostensivos e legiveis, de modo @ faciltar sua compreensio pelo consumidor. § 40 As cldusulas que implicarem limitacio de direito do consumidor deverdo ser re- digidas com destaque, permitindo sua imediata e ficil compreenséo", 167 do mais prescindem, por inegéveis razSes econdmicas, das técnicas de contratagéo em massa” ‘No insuperdvel ensinamento de ORLANDO GOMES: "0 conceito de contrato de adesso torna-se dificil em razto da controvérsia persistente acerca do seu trago distintivo. Ha, pelo menos, seis modos de caracteri2é-lo, Distinguir-se-ia, segundo alguns, por ser oferta a uma coletivi- fade, segundo outros, por ser obra exclusiva de uma das partes, por ter regu lamentagao complexa, porque preponderante a posigao de uma das partes, ou io admitir a discussie a proposta, hevendo quem 0 explique como o instru mento préprio da prestagao dos servigas privados de utilidade publica A discreptncia na determinagio do elemento caracteristco do contrato de adesio revela que @ preocupagio da maioria dos escritores nio consiste ver~ dadeiramente em apontar um trago que permita reconheeé-lo. Predomina 0 interesse de descrevé-lo ou de explici-lo, antes que o de ensinar 0 modo de identifici-lo, como ocorre, por exemplo, com os que procuram caracterizé-lo pela cizcunstancia de ter regulementaclo complexa. certo que o contrato de adesao € praticavel quando os interesses em jogo permitem, e até impOem, a pluralidede de situagdes uniformes, de modo que, sob esse aspecto, é, com celeto, oferta feita a uma coletividade, A necessidade de uniformizar as cl sulas do negécio jurfdico elimina a possibilidade de qualquer discussio da proposta, criando para o oblato o dilema de accité-lo em bloco ou rejeité-lo. Nada disso o distingue porquanto tais caracteristicas s10 comuns a outras figuras juridicas. (© trago caracteristico do contrato de adesto reside verdadeiramente na pos- sibilidade de predeterminacao do conteiido da relaco negocial pelo sujeito de direito que faz a oferta a0 piiblico”™. Na esteira do grande mestre baiano, podemos trazer quatro tragos carac- teristicos dos contratos de adesio: 2) uniformidade: 0 objetivo do estipulante obter, do maior niimero possivel de contratantes, © mesmo conteiido contratual, para uma racionalida- de de sua atividade e seguranca das relagbes estabelecidas;, 4) predeterminacao unilateral: a fixagso das cléusulas é feita anterior- mente a qualquer discussio sobre a avenga. De fato, a simples uniformidade no € suficiente para se considerar um contrato como de adesio, pois ¢ im- 2 Rememore-se,nesse assunto, 0 t6pico 2 (“Concepeio Histrica do Contrato: do inicio dos tempos ao contrato de adesio”) do Capitulo I (“Introdugio & Disciplina Juridica dos Contratos") deste tomo. ® Orlando Gomes, Contratos, 24. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 117 (grifos nos- 03), 168 prescindivel que tais cléusulas uniformes sejam impostas por somente uma das partes; ©) rigidee: além de uniformemente predeterminadas, nfo é possivel redis- cat as cldusulas do contrato de adesio, sob pena de descaracterizé-lo como tals 4) posigao de vantagem (superioridade material) de uma das partes: embo- ra a expressio superioridade econdmica seja a mais utilizada (até pela circuns- tancia de ser 2 mais comum), consideramos mais adequada a concepcao de superioridade material, uma vez que é em funcio de tal desigualdade fitica que faz com que possa ditar as cléusulas aos interessados. E o exemplo de alguém ue, embora no sendo considerado um potentado econdmico, seja 0 detentor do monopélio de exploracio de determinado produto ou servico, pelo que, no campo dos fatos, sua vontade prevalece sobre a dos aderentes, ainda que mais forte economicamente. Pela sua caracteristica limitadora da liberdade contratual, pelo menos na sua concepsio clissica, @ interpretagao do contrato de adesio nao poderia dar- se da mesma forma que em um contrato paritério tradicional. Por isso, nfo se estranha que, nas poucas oportunidades em que os con- tratos de adesio foram mencionados no novo Cédigo Civil brasileiro (ante 0 absoluto siléncio da codificario anterior), tenha sido justamente para trazer regras de hermentutica atenuadoras do clevedo poder daqueles que predeter- minam unilateralmente cléusulas uniformes ¢ rigidas* Devem-se distinguis, ainda, os contratos de adesdo em velagdo & figura juridica do contrato-tipo. sta ltima figura, também conhecida como contrato de massa, em série ou por formulérios, se caracteriza pela forma com cliusulas predispostas, tal ual um contrato ce adesio. Todavia, dele se diferencia, do ponto de vista es- trutural, pela inexisténcia de predeterminacio uniltateral, com possibiidade de discussdo de seu conteddo”. 5 Se as partes, em vez de contratarem uma assessoriajuridica especializada,resolverem celebrar contratos com formulérios compredae “na esquina” (0 que, evidentemente, nd0 se recomenda), apesar da evidente (¢ lamentévell) uniformidade, nlo ha que se falar em contrato de adesio, tendo em vista que ambot os contratantes optaram por tal conte- ‘ido contratual * 00-02: “Art. 423. Quando houver no contrato de adesio cléusulas ambiguas ou con- traditéras, dever-sed adotar a interpretagio mais favordvel ao aderente. ‘Art, 424, Nos contratos de adesio, sio nulss as clfusulas que estipulem a rendncia antecipada do aderente a direito resultante da natureea do negécio" Sobre 0 tema, confira-se 0 tépico 4 (A Interpretagia de Cantratos de Adesio”) do Capitulo X1 (“Interpretagio dos Contratos”) do presente tomo. = “Como acenamos, conquanto as partes estejam, na prética, em igualdade econdmi- 169 ‘Obviamente, porém, pelas suas préprias caracteristicas, © contrato-tipo requer a forma escrita, tal qual o contrato de adesio. Por fim, é importante distinguir a concepclo de contrato de adesio da obrigatoriedade de contratagao. ‘De fato, como observa ARNOLDO WALD: “Como vimos, um dos principios clissicos é a liberdade de contratar, a facul- dade de realizar ou no um contrato, Mas a intervengio estatal ¢ tio acentu- ada que ja ha quem classique alguns contratos como obrigatérios. Exemplo, entre nés, € 0 seguro obrigatério, instituido pelo art. 20 do Decreto-lei 73, de 21.11.66. Assim, basta ser proprietério de qualquer veiculo, ou de unidade auténoma de edificios em condominio ou matuario de empréstimos com bens dados em garantia e nos demais easos (so onze) previstos no indicado artigo, que haverd seguro obrigatério. A tinica liberdade (e as vezes nem isto, porque é a parte mais forte quem o indica no contrato de adesio) é a de cescolher a companhia seguradora. Outro caso de contrato obrigatério, mas ai decorrente de vontade anterior, & 0 devido a um contrato preliminar, em que as partes assumem o dever de contratar”™, 3. Contratos evolutivos Trata-se de outra classficagio proposta pelo Professor ARNOLDO WALD, para se referir a figuras contratuais, préprias do Direito Administrativo, em que 6 estabelecida @ equagio financeira do contrato, impondo-se a compensacio de ceventuais alterasbes sofridas no curso do contrato, pelo que © mesmo viria com clausulas estiticas, propriamente contratuais, ¢ outras dindmicas, impostas por lei Em suas préprias palavras: “Nos contratos de direito publico ¢ nos contratos de diteito privado a eles vvinculados ou equiparados, uma parte das cliusulas se rege pela vontade das a, podem valer-e de contrato com cliusulas predispostas. O contrato-tipo aproxima- se do contrato de adesto pela forma com que se apresenta. Distingue-se do contrato de adesio porque aqui, no contrato-tipo, as ciusuls, ainda que predispostas, ecorrem ds vontade paritiria de ambas as partes. Assim contratam, por exemplo, as empresas de determinado setor da industria ou comércio com um grupo de fornecedores, podendo ‘ou nio ser representadas por associagbes respectivas. No contrato-tipo, o émbito dos conteatantes ¢ identificivel. No contrato de adesio, as cliusulas apresentam-se predis- ppostas a um miimero indeterminado e desconhecido, a priori, de pessoas. Se a elabora- ‘gio das cléusulas for unilateral, estaremos perante um contrato de adesio, e néo um contrato-tipo. Isso ¢ importante porque na interpretagio haveré critério diverso. No contrato de adesio, na dsvida, interpreta-se em favor do aderente” (Silvio de Salvo Venosa, Direito Civil — Teoria Geral das Obrigapdes e dos Contratos, 3, ed, Si0 Paulo: ‘Alas, 2003, v. Tl, p. 384), % Amoldo Wald, Curso de Direito Civil Brasileiro — Obrigagdes @ Contratos, 12. ed, $10 Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, v. I, p. 201. 170 partes e outra obedece a normas legais que evoluem no tempo e cujas altera- ‘sbes modificam o contrato, embora mantida a equario contratual, ou seja, a relagio entre deveres e obrigagdes dos contratantes. Em tais hipéteses, a in- tangibilidade do contrato nio significa a imutabilidade de suas clausulas, mas, ‘Yo somente, a manutensio da chamada equagio econdmico-financeira do ccontrato que representa o relacionamento entre os direitos e obrigagées de um dos contratantes € 08 do outro, Assim, admite-se que se consideramos como endo os valores a ¢ b correspondentes inicialmente 20s direitos contratuais respectivamente do primeiro e do segundo contratante, podemos afirmar que a equaso contratual é a/b. Se 0 valor de a for modificado para a, o de b deve soffer alteracao identica, passando a ser b’ de tal modo que a equacio inicial seja mantida, ou seja, a/b seja a a/b: Sao evolutivos os contratos administra- tivas em geral como também alguns contratos mistos, como, por exemplo, 0s do Sistema Financeiro de Habitacio, que abrangem simultaneamente um re- Jacionamento entre o mutuérlo e © mutuante e, por outro lado, @ assuncio de ‘uma parte do débito por um fundo administrado pela Caixa Economica". Sinceramente, para efeito didético, toda classificacio vale @ pena, mas esta, em especial, pode estar abrangida dentro da préxima, que toma por base a disciplina juridica aplicavel, uma vez que esta “evolugio contratual” pode ser considerada como nada mais que uma aplicasio peculiar aos contratos admi- nistrativos da teoria da imprevisio", que, pouco a pouco, se espraia para as demais formas de contratagio™. 3.2. Classificagio dos contratos quanto & disciplina juridica Bis outra classificaglo clissica da doutrina nacional Distinguir os contratos civis e comerciais era uma imposigdo legal, por forsa da necessidade de verificar quais os preceitos a eles aplicéveis, a saber, os contidos no Cédigo Civil e no Cédigo Comercial. Com a unificagio da disciplina das obrigagdes civis e comerciais, pelo advento do nove Cédigo Civil brasileiro, a distingdo perdeu muito o inte- ® Arnoldo Wald, ibidem, p. 201-2. ® Sobre 0 tema, confira-se 0 Capitulo XVI (“Teoria da Imprevisio ¢ Resolugio por Onerosidade Excessiva") deste tomo. » Para um aprofundamento desta afirmagio, lembremos, por exemplo, da previsio do art. 317 do vigente Cédigo Civil brasileiro, sem equivalente na codificacao civil anterior: “Art. 317. Quando, por motivos improvisiveis, sobrevier despropor¢a0 ma- nifesta entre o valor da prestasio devida e o do momento de sua execugdo, poders 6 juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possivel, o valor real da prestagio" © tendéncia moderna ¢ a unificagao do direito privado, Desse modo, diminui a iz Vale registrar, porém, que a classificago dos contratos quanto @ discipli- na juridica néo deve limitar-se a tal dicotomia De fato, novos microssistemas juridicos hé muito se emanciparam do Direito Civil clissico, tendo, porém, no contrato, também a sua manifestagio bisica, como 0 Direito do Trabalho ¢ 0 Direito do Consumidor. Por outro lado, a prépria Administracio Publica estabelece relagSes juri- dicas negociais, sob a forma de contratos, ou seja, a personificagio do Estado também se vale do mais basico e importante instituto do Direito Civil (isso seria um né século atrés, se ainda valesse a pena persistir nos conceitos de Diteito Publico e Direito Privado.. Assim, falamos tranquilamente, ao lado dos contratos civis e comerciais, em contratos trabalhistas, consumeristas administrativos. E ha diferenca ontologica entre cles? ‘Nao, ousemos dizer! A Teoria Geral dos Contratos, reservada por isso mesmo em tomo pré= prio desta obra, deve ser considerada uma categoria geral do Direito, com- posta de principios bésicos, que devem ser aplicados 2 toda forma de relagao contratual. (© que hi, todavia, € 0 fato de que, por forga das peculiaridades dos su- jeitos envolvidos ¢ das relagbes juridicas travadas, a interpretagio de tais aven- (928 deverd observar as suas pectliaridades legais e doutrindrias. Por tais fundamentos, consideramos a classificacdo ainda bastante util, para vislumbrar que € possivel, sim, disciplinas jurdicas distintas para contra- tos de diversas naturezas, sem desprezat, porém, a teoria geral que Ihes deve ser sempre aplicada, mutatis mutandis, importincia de saber se um contrato € utilizado no Direito Civil ou no Direito Co- mercial. Entre nés, ainda persiste em vigor 0 velho Cédigo Comercial no tocante a0 direito maritimo, revogado que foi o restante pelo novo Cédigo Civil. No sistema anterior, havia disposigoes do contrato de compra e venda mercantil e do contrato de compra e venda civil, portanto. Embora seja essa 2 nova sistematica, existem contratos que sio tipicamente de direito mercantil, enquanto outros so de direito civil. O critério mais seguro, embora no absoluto, para distingui-los & por meio do exame das partes, ou a0 menos das partes que os integram. Quando a0 menos uma das partes € comerciante ou empresa, 0 contrato pertence a0 direito comercial. A distinggo era importante mormente quando hé normas diversas a serem aplicadas 2 um contrato regulado, tanto num como noutro compartimento do Direito. As regras de interpretaggo também diferem nesses dois campos” (Silvio de Salvo Veno- sa, Direito Civil — Teoria Geral das Obrigasdes e dos Contratos, 3. ed, S40 Paulo: ‘Atlas, 2003, v. TI, p. 420). iva 3.3. Classificagéo dos contratos quanto & forma Quanto a forma, os contratos podem ser classificados sob dois enfoques. © primeiro se refere & questio da imprescindibilidade ou néo de uma forma prescrita em lei para a validade do negocio juridico. segundo se relaciona & maneira pela qual o negécio juridico ¢ consi- derado ultimado. Conhegamos esses dois critérios. 3.3.1. Solenes ou ndo solenes Quanto a imprescindibilidade de uma forma especifica para a validade da «stipulagao contratual, os contratos podem ser solenes ou nao solenes. A forma livre € a regra no nosso pats (art. 107 do CC-025 art. 129 do CC- 16), embora haja contratos solenes como o de compra e venda de imével acima do valor legal (arts. 108 e 1.245 do CC-025 arts. 134, Ie 530, I, do CC-16). ‘Como jé dito em capitulo anterior, o principio da liberdade da forma é regente de todo o nosso sistema regulador do negécio juridico, pelo que, como regra geral, os negécios tém forma livre. Assim, 0s negécios formais ou solenes, definitivamente, nao podem ser considerados a regra em nosso Direito, como 0 eram no Direito Romano. [Nessas situag6es excepcionais, porém, em que ha imposigdo de um deter- ‘minado revestimento formal para a validade do negécio juridico (sefa por uma forma especial ou por uma solenidade na sua celebragao), diz-se que o negécio € ad solemnitatem. ‘Como exemplos de tal modalidade contratual, destacam-se, sem sombra de dtivida, os mencionados contratos consttutivos ou translatives de direitos reais sobre imbveis acima do valor consignado em lei, tendo em vista que a forma piiblica € indispensivel para a validade do ato. O testamento, embora nfo seja tum contrato, mas, sim, wm negécio juridico unilateral, pode ser lembrado, apenas para fins didéticos, como um exemplo de negécio juridico para o qual a lei imp6e determinada forma (publica, cerrada-ou particular), uma vez. que no reconhece liberdade ao testador para elaboré-lo de acordo com a sua vontade. Paralelamente aos negécios ad solemnitatem, podemos vislumbrar uma ooutra utilizagao da forma para os contratos, a saber, 0s negécios ad probationem. esses, embora a forma no prepondere sobre 0 fundo, haja vista nao ser es- sencial, 0s contratantes devem observé-la, todavia, apenas para efeito de prova do negécio juridico*. © Agi de despejo cumulada com asio de cobranca. Locagio verbal. Possibilidade. 175 Sobre a prova do contrato, remetemos o leitor as considerasées feitas no capitulo anterior mencionado®. 3.3.2. Consensuais ou reais Em relagao & mansira (forma) pela qual o negécio juridico € considerado ultimado, ainda nesta classificagao quanto a forma, 0s contratos podem ser consensuais, se concretizados com a simples declaragzo de vontade, ou rens, na medida em que exjjam a entrega da coisa, para que se reputem existenes. Conforme vimos neste mesmo capitulo, tal classficacgo tem grande im- portincia histérica, uma vez que suas origens remontam ao Direito Romano. Sto exemplos de contratos consensuais todos aqueles nio solenes, ou sea, que a ordem juridica no exige nenhuma forma especial para sua celebracto, tais como a compra ¢ venda de bem mével, locasio, parceria rural, mandato, transporte © emprego, Sto exemplos de contratos reais 0 comodato, 0 mituo, 0 depésito ¢ 0 penhor. Como ensina MARIA HELENA DINIZ, “antes da entrega efetiva da coisa, ter-se-4 mera promessa de contratar e nl0 um contrato perfito e aca- ado. Todavia, autores hé, como Osti, Colin Capitant, Josserand, Baudry- Lacantinerie, Carrara e Planiol, que rejetam essa nosso de contrato rea, fan- dando-se na ideia de que a entrega da coisa seria mero pressuposto de exigi- bilidade da obrigagso de restitaiz™®. Fianga nfo existente. O contrato de locagdo, posto que possa ser ajustado verbalmente (art. 47 da lei n. 8.245/91), reclama prova segura e idénea no demonstrar a ocorréncia daquela avenga. A fianga € contrato solene que se di por escrito (art. 1.483 do CC), no existindo, portanto,fianga verbal, Prova dos autos que ndo sustenta a versio contida na inicial. Demanda repelida” (TRS, Ap. Civ. 197216393, rel. Des. Jorge Luis Dall'Agnol, 19-11-1997, 8. Camara Civel). Em outro sentido, veja-se este acérdto: “Contrato de corretagem — Intermediagio de negécio — Produgio de prova por meio de oitiva testemunhal — Possibilidade — Sentenca mantida — Interposigio de apelagio « recurso adesivo visando reforma — Recurso adesivo nao conhecido e apelo desprovi- do. O contrato de corretagem completa-se pelo simples consenso das partes, manifes- ‘ado por qualquer forma, pois nso hi instrumento especial previsto em lei para st celebragio ou validade, podendo ser provado por todos os meios admissiveis em dire to, inclusive por testemunbas. Uma vez provada a prestagSo de servicas, em o interme idrio do negécio direito & remuneragl0” (TISC, Ap. Civ. 1999.012872-5, rel. Des. An- selmo Cerello,j, 208-2001, 2 Camara de Direito Civil). © Confira-se 0 tépico 6 (“Forma e Prova do Contrats") do Capitulo I ( tural do Contrato") deste tomo. © Maria Helena Diniz, Tratado Teérico e Pratico dos Contratos, 5. ed. Sao Paulo: Sarai- va, 2003, p. 107. fad Esta 14, Sobre a importincia de tal classificagao, € precisa a observacdo do amigo ‘VENOSA: “Parte da doutrina tacha, modernamente, de supérflua essa distincao, No entanto, € importante distingui-los para determinar 0 exato momento da formagio do contrato. No Direito Romano, a clasificagio importava mais fortemente, porque as obrigacées em geral eram cercadas de formalidades, e a entrega da coisa era uma delas para os contratos mencionados. De qualquer forma, a classificaco serve para explicar 0 mecanismo de certos contratos. Nao se anula o principio geral de que o consentimento é bastante para aper- feigoar 0 contrato, Alguns contratos, porém, exigem algo mais, que é a entre- 2 da coisa, sob pena de desnaturarmos a relagio contratual, fora do herme- tismo da classificagio. Ja nos contratos ditos consensuais, basta exclusivamente o acordo de vontades, como ocorre, por exemplo, na locaco, compra e venda e mandato. Como bem afirma ORLANDO GOMES, os contratos reais sto geralmente unileterais, porque a entrega da coisa, essencial para sua formaggo, nio sig- ica um comeso de execusio, como pode sugerir & primeira vista. Se nio houver a entrege da coisa numa avenca desse tipo, exstiré quando muito um pré-contrato inominado, Como a tradi¢ao da coisa & essencial no contrato real, integra ela o requisito de existéncia do negécio. O contrato nao se forma existe a entrega da coisa, Destarte, o aspecto fitico ¢ importante ramento da avenga. Apesar de a regra quando ni para o intérprete determinar 0 aperfe ser estipulada como uma contrapr te obriga-se a remunerar 0 deposi 3.4. Classificagio dos contratos quanto & designacio Quanto & previsto legal anterior de denominagao especifica, pode-se falar na existéncia de contratos nominados e contratos inominados, na medida em que tenham terminologia ou nomenclatura definida e prevista expressamente em lei ou, em caso contrério, sejam apenas fruto da criatividade humans Sobre 0 tema, voltaremos a tratar em capitulo posterior, distinguindo-os de outra modalidade contratual®, 3.5. Classificagio dos contratos quanto & pessoa do contratante No que diz respeito & pessoa do contratante, nossa classificagao também se subdivide. 4 Silvio de Salvo Venoss, Direito Civil — Teoria Geral das ObrigarSes ¢ Teoria Geral dos CContratos, 3. e4., Sio Paulo: Atlas, 2003, v. Il, p. 413-4 © Confira-te 0 t6pico 2.1 ("Distingo dos Contratos Nominados e Inominados") do Capitulo X ("Contratos Atipicos") deste tomo. 175 A primeira modalidade se refere & importincia da pessoa do contratante para a celebragao do contrato ¢ sua producto de efeitos }é.a segunda modalidade se refere a0 miimero de sujeitos atingidos, na medida em que as vontades séo consieradas individual ou coletivamente. Por fim, ainda nessa clasificagio, & importante tecer consideragbes sobre a figura do autocontrato ‘Analisemos, agora, tis clasiicagbes. 3.5.1. Pessoais ou impessoais Quanto & importancia da pessoa do contratante para a celebragio e produ- #20 de efeitos do contrato, podem tais negécios juridicos ser classificados em ‘contratos pessoais ou contratos impessoais. Os primeiros, também chamados de personalissimos, so os realizados intuit personae, ou seja, celebrados em fungio da pessoa do contratante, que tem influéncia decisiva para o consentimento do outro, para quem interessa que a prestagao seja cumprida por ele proprio, pelas suas caracteristicas parti- calares (habilidade, experincia, técnica, idoneidade etc.). Nessas circunstancias, razodvel se afirmar, inclusive, que @ pessoa do contratante torna-se um ele- mento causal do contrato. exemplo mais visivel € 0 contrato de emprego, em que a pessoalidade & levada a graus extremos, uma vez.que a possibilidade de o trabalhador se fazer substituir por terceiro na prestacao laboral desvirtua a avenca como sendo de trabalho subordinado. Outro bom exemplo é um contrato de prestagio de servigos, em que se pactue uma obrigacio de fazer infungivel (encomendar um quacro feito por um pintor famoso, v-.), em que nao ser4 possivel a atribuiczo de tal mister para terceiro, ainda que as custas do devedor reticente. J4 08 contratos impessoais si aqueles em que somente interessa o re- sultado da atividade contratada, independentemente de quem seja a pessoa ‘que ird realizé-la, Assim, se contrato uma sociedade empresiria para reformar uum prédio, pouco me importa se o pedreiro responsével sera 0 empregado JOAO ou 0 empregado JOSE, desde que « prestagao seja cumprida da forma como pactuada. Na situagio extrema desse exemplo, pouco me importa, in- lusive, que a pessoa juridica contratada desempenhe pessoalmente a ativida- de ou subempreite a prestacio, desde que me entregue a obra pronta no dia pactuado, A distingao entre contratos pessoais e impessoais tem grande utilidade, @ saber: ) 0s contratos intuitw personae so intransmisstveis, ndo podendo ser ‘executados por outrem. Por decorréncia logica, a morte do devedor é causa ‘cxtintiva de tal avenga, que, da mesma forma, nfo pode ser cedida a terceiro. 176 i | | | Caso tal cessio ocorra, © que haverd, juridicamente, seré, em verdade, a cele- bragao de um novo contrato; ) 0s contratos intuitu personae so anuléveis, na hipétese de erro de pessoa, na forma do art. 139, II do CC-02", haja vista que a determinacio do sujeito contratante foi a razio basica para a manifestacio de vontade de con- ‘ratar; ©) nos contratos intuitu personae, o descumprimento culposo de obrigacio de fazer somente pode gerar perdas e danos ou, sendo ainda possivel a presta- fo e havendo interesse do credor no sew cumprimento, a busca de uma tute- Ia especifica, mas, jamais, pela sua natureza, admitird a prestacio por terceiros, ainda que as expensas do devedor inadimplente. 3.5.2, Individuais ou coletivos ‘Ainda na classificagdo quanto a pessoa do contratante, é posstvel tomar como parémetro, por ora, também 0 niimero de sujitos envolvidos! atingidas. De fato, a concepgio tradicional do contrato se refere a uma estipulagio entre pessoas determinadas, ainda que em mimero elevado, mas consideradas individualmente. ‘Todavia, 20 se falar em contrato coletivo, também chamado de contrato normativo, tem-se uma transubjetivizacéo da avenca, alcangando grupos no individualizados, reunidos por uma relagio juridica ou de fato. Em geral, o contrério do contrato individual, as cléusulas estipuladas no contrato coletivo tém uma forea normativa abstrata, em situaggo analégica a preceitos legais,estabelecendo normas que devem presidir a celebragi0 e exe- cacao dos contratos individuais subordinados, inclusive produzindo alteracies no contetido dos contratos em curso. No ensinamento magistral de ORLANDO GOMES, um dos pais da matéria no Brasil®, 0 “contrato normativo ndo prefize, de regra, todo @ contetido dos futuros contratos individuais. Prescreve, quase sempre, as disposigaes de maior importincia, deixando margem as partes dos contratos singulares para que, em pontos secundérios ou variéveis, exergam a liberdade de esti- ulagio, introduzindo cléusulas que nfo contradigam ou desvirtuem as * 00-02: “Art. 159. O erro é substancial quand (..) 1 — conceme & identidade ou & qualidade essencial da pessoa a quem te refira a de- claragio de vontade, desde que tenba infiuido nesta de modo relevante’ © Vale destacar que a tese de Orlando Gomes para a Cétedra de Direito Civil na Facul- dade de Direto da Bahia (hoje, integrada & UFBA — Universidade Federal da Bahia) se chamava “A Convencio Coletiva de Trabalho", obra de consulta abrigatéria para todas ‘que se debrucarem sobre o tema lr disposigbes normativas. Para a caracterizacio desses convénios importa que se apresentem sob forma de regulamento, cujas disposig6es se insiram, inelutavelmente, no contetido das relagbes individuais formadas nos limites de sua eficécia™ Sua mais importante espécie € a convengio coletiva e, na drea trabalhista, encontra outra forma, a saber, o acordo coletivo de trabalho, cuja diferenca basica se refere a0 sujeito patronal (0 sindicato dos empregadores, nas conven 66s coletivas; e o empregador, diretamente, no acordo coletivo) e a area de abrangéncia (toda a categoria econdmica nas convensées coletivas; e a empre- 2, no acordo coletivo). ‘Trata-se de uma modalidade contratual lato sensu de grande utilizagio no ‘campo do Direito do Trabalho, embora nada impeca o seu emprego em outros ramos do Direito, havendo, inclusive, norma expressa no vigente Cédigo de Defesa do Consumidor, embora sem grande repercussio pritica Nesse sentido, ensina ARNOLDO WALD: “Nao é, todavia, apenas nas relagdes entre empregados ¢ empregadores que surgem os contratos coletivos. Muitas vezes ocorrem entendimentos entre diversas indistrias ou diferentes firmas comerciais, para a produgio, a com- Orlando Gomes, Contratos, 24. ed.» Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 84 © CLT; “Art. 611. Convengie Coletiva de Trabalho é o acordo de carster normativo, pelo ‘qual dois ou mais Sindicatos representatives de categorias econdmicas e profissionais estipulam condigdes de trabalho apliciveis, no émbito das respectivas representages, As relagbes individuais do trabalho. § 1° B facultado sos Sindicatos representativos de categorias profistionais celebrar Acordos Coletives com uma ou mais empresas da correspondente categoria econmica, {que estipulem condigées de trabalho, apliciveis no imbito da empresa ou das empresas acordantes ds respectivas relagSes de trabalho, § 28 As Federacdes e, na falta destas, as Confederagtes representativas de categorise econémicas ou profisionais poderio celebrar convengées coletivas de trabalho para reger as relagbes das categorias a elas vinculadas, inorganizadas em Sindicatos, no ém- bito de suas representacoes’. ® CDC: “Art 107. As entidades civis de consumidores ¢ as associagoes de fornecedores fu sindicatos de categoria econdmica podem regular, por convengio escit, relagbes de consumo que tenham por objeto estabelecer condigdes relativas a0 prego, A qualidade, & quantidade, a garantia e caractersticas de produtos e servigos, bem como & reclama- #0 e comporigio do confita de consumo, § 1 A convengio tornar-se-4 obrigatéria a partir do registro do instrumento no car- torio de titulos de documentos; § 2 A convengio somente obrigard os filiados As entidades signatérias; fornecedor que se desligar da entidade § 32 Nao se exime de cumprir a convencio fem data posterior ao registro do instrumento’ 178 pra ou a venda de determinados artigos, fixando-se princfpios para evitar a concorréncia desleal ou a luta de precos que poderia levar & rufna os pro- dutores ¢ os comerciantes. Nao é s6 0 fim ilfcito de organizar que leva os interessados a0 contrato coletive. Muitas vezes, é um acordo que se torna necessirio para atender a um determinado mercado, a certas modalidades de-vendas, & realizagdo de certas pesquises, fxando-se as bases da cooperacio de diversos grupos econdmicos para fabricar ou comercializar 0 produto. Muitas vezes 0 fabricante faz um contrato coletivo com os diversos reven- dedores, a fim de evitar a concorréncia entre os mesmos, fixando modali- dades gerais de trabalho ¢ zona de atividade de cada um num documento de cardter mais estatutério do que contratual. Estabelece-se assim as quotas de cada um, a possibilidade ou néo de transferi-las e 0 modo de operar em eral et”. 3.5.3. 0 autocontrato ‘Como estamos classificando 0 contrato em relaglo as pessoas dos contra~ tantes, faz-se mister falar, ainda que en passant, sobre a figura juridica do au- tocontrato. Como a relagio contratual pressupée a coexisténcia de duas vontades, pode soar, no minimo, heterodoxo falar em autocontrato, A perplexidade, porém, € meramente aparente, uma vez que nto hé pro- priamente um contrato consigo mesmo, mas, sim, um contrato em que um dos sujeitos & representado por outro com poderes para celebrar contratos que, em vez de pactué-lo, estipula-o consigo préprio. E a situacio, por exemplo, em que Geraldo, mandatério, com os devidos poderes, de Noemi para vender um terreno de sua propriedade pelo prego X, ‘em vez de anunciar a0 piblico em geral, adquire-o para si, pagando o valor pretendido. E tal contrato vélido? Historicamente, sempre houve muita resistencia na aceitaso de tal figu- ra contratual, tendo o vigente Cédigo Civil estabelecido regra propria no art. 117, sem equivalente na codificacio anterior: “Art, 117. Salvo se 0 permitir a lei ou o representado, é anulével 0 negé- cio juridico que o representante, no seu interesse ou por conta de outrem, celebrar consigo mesmo. Pardgrafo tinico. Para esse efeito, tem-se como celebrado pelo represen- tante o negécio realizado por aquele em quem os poderes houverem sido ssubestabelecidos" ® Amoldo Wald, Curso de Direito Civil Brasileiro — Obrigagdes e Contratos, 12. ed, Sto Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, vl, p. 192. 178 [Assim sendo, em apertada sintese, temos que, no exemplo citado, a aqui- sigdo do referido terreno € invélida, salvo se a lei expressamente autorizasse ou ‘anuisse efetivamente com seus termos a nossa amiga Noemi. ‘Razodvel, portanto, é a conclusio do amigo VENOSA: “"Podemos coneluir com Messineo (1973, v.21, t. 1:286) acerca da admissibi- lidade do autocontrato, Em primeiro lugar, deve ser considerado que o repre- sentado ¢ 0 melhor juiz de seu proprio interesse. Se, consciente das circuns tincias de fato, autorizou o representante a contratar consigo, 0 negécio é vlido, No entanto, cumpre no s6 que exista uma autorizagao prévia, mas que ela tenha sido dada de forma especifica a0 negécio concluido. Se a au- torizagio foi genérica, temos de examinar se houve conflito de interesses, & se, caso fosse 0 negécio concluido com terceiro, a situagéo teria sido a mesma, Em segundo lugar, deve ser tido como valido 0 autocontrato, se o titular do direito predeterminou o contetido do negécio no mandato, com tais minécias e com cautelas de molde a impedir o conflito de interesses com o represen- tante, Neste dltimo caso, torna-se indiferente para o representado a pessoa do outro contratante. Também nfo podemos definir como anulvel o autocon- ‘rato, 6¢ © titular do direito 0 aceita, por meio de aprovagio posterior"™. 3.6. Classificacio dos contratos quanto ao tempo de sua execugio Quanto 20 tempo, os contratos podem ser clasificados em instantineos ou de duragio. Por contratos instantineos, compreendam-se as relagbes juridicas contra- tuais cujos efeitos séo produzidos de uma s6 ver. E 0 caso, por exemplo, da compra e venda a vista de bens méveis, em que 0 contrato se consuma com a tradicio da coisa, ‘Tal produgo concentrada de efeitos, porém, pode-se dar ipso facto & venga ou em data posterior & celebragao (em funcio da insergao de um termo limitador da sua eficécia), subdividindo-se, assim, tal classificagio em contratos instantineos de execugio imediata ou de execugao diferida. ‘Tal subelassficacio também tem interesse pratico, tendo em vista que, nos contratos de execugéo diferida, € aplicivel a teoria da impreviséo, por depen- derem de circunstincias futuras, © que, por bvio, inexiste nos contrates de execugio imediata. Jé 0s contratos de duragio, também chamedos de contratos de trato suces- sive, execugio continuada ou débito permanente”, so aqueles que se cumprem Silvio de Salvo Venosa, Direito Civil — Teoria Geral das Obrigagies e Teoria Geral dos Contratos, 3. ed., $40 Paulo: Atlas, 2003, v. I, p. 430 5 “Débito permanente & 0 que consiste em uma prestagdo tal que no € posstvel con- ceber sua satisfagdo em um 56 momento; mas, do contrério, tem de ser cumprida 180 por meio de atos reiterados, como, por exemplo, 0 contrato de prestagio de servigos, compra ¢ venda a prazo e 0 contrato de emprego. ‘Tal duragdo pode ser determinada ou indeterminada, na medida em que haja ou ndo previsio expressa de termo final ou condicio resolutiva a limitar a eficacia do contrato. ‘Vale destacar, porém, que 0 sempre metédico Mestre ORLANDO GOMES propunha, ainda, uma segunda classificagio dos contratas de duragio, especi- ficando-os em execusio periédica, execucio continuada e execusio salteada™. ‘Nao adotamos, todavia, tal perspectiva, por consideré-la sem repercussbes ju- ridicas relevantes. Finalmente, vejamos os efeitos vinculados classificasio desenvolvida neste capitulo: 4) a resolugao por onerosidade excessiva, prevista nos arts. 478 a 480 do, CC-02 (sem equivalente na codificacio anterior), somente é aplicével aos con- ‘tratos de execugdo continuada ou aos instantaneos de execucio diferida; 'b) nos contratos de execucio instantinea, a declaracio de nulidade ou a esolucio por inadimplemento impée a restituigso do status quo ante, o que rio € possivel nos de execugdo continuads, em que devem ser respeitadas os efeitos produzidos. Em fungio de tantas subdivisdes, parece-nos razodvel apresentar uma visio esquematizada de tal modalidade classificat6ria: ‘Bxecugio Imediata Insane ‘Execugao Diferida Deecminas De Dura < ‘ndeterminada Contratos durante certo periodo de tempo, continuademente. A determinacio de sua duracto resulta da vontade das partes, mediante cléusula contratual em que subordinam os do negécio a um acontecimento futuro e certo, ou da declaraczo de vontade de ‘um dos contratantes pondo termo a relagéo (demtincia). Sio, por consequéncia, por tempo determinado ov indeterminado” (Orlando Gomes, Contratos, 4. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 73). 4105 contratos de durecio aubdividem-se em contrator de execusto periédica ¢ contra- tos de execusto continuada. Os de execusao periédics seriam, propriaments, 0: contratos de trata sucesive, expressio que se empregs, aliés, incorretamente, para designar todos ‘0s contratos de duragto, que se executam mediante prestagies periodicamente repetidas. Os de execusio continuade, aqueles em que a prestagio € dice, mas ininterrupta. Acres- centam alguns tercers classe, constituida pelos contratos de execucdo salteada, sob so licitagio de uma das pares” (Orlando Gomes, ob. e p. cits). 181 8.7. Classificagdo dos contratos quanto & disciplina legal especifica Quando hé uma previsio legal da disciplina de determinada figura con- tratual, estamos diante de tm contrato tipico; na situagao inverss, ou seje, em ue 0 contato nfo esteja disciplinado/regulado pelo Diteito positive, vislum- bramos um contrato atipic. (© tema, dada a sua importancia doutrindria e pragmatic, seré objeto de tum capitulo especifico neste tomo, em que no somente difertnciaremos os institutos para os contratos nominados e inominados, bem como os contratos rnistos (neqéclos juricos formados pela conjugaydo de prestagbes tipicas de ‘ultros contratos existentes) e coligados (vérias negécios jurdicos conjugedos, tnidos entre si) 3.8. Classificagio pelo motivo determinante do negécio ‘Uma classificagao lembrada por SILVIO RODRIGUES toma por base 0 ‘motivo determinante do negécio, para dividi-los em contratos causais e contra- tos abstratos Os primeitos esto vinculados & causa que os determinou, podendo ser declarados invalidos, se a mesma for considerada inexistente,ilicita ou imoral™. Jé 08 contratos abstratos sto aqueles cuje forga decorre da sua propria forma, independentemente da causa que 0s estipulou. Sdo exemplos os titulos de crédito em geral, como um cheque. 3.9. Classificagio pela fungao econémica ‘Uma classificagao encontrada na obra do Mestre ORLANDO GOMES ‘toma como parimetro a fungio econ6mica do contrato, para diferencié-los em: a) de troca — caracterizado pela permuta de utilidades econémicas, como, por exemplo, a compra e vendaj CE. 0 Capitulo X ( ‘4m geral as obrigagbes esto iiadas as causas que as geraram e o devedor, quando acionado, pode iidir © pedido, se provar a inexisténcia da causa do contrato, ou se Gemonstrar que ele se inspira em causa ilicita ou imoral. Em principio, 0 credor deve provar a existinca do contrato, seu contetido, bem como a obrigagio do réu, a fim de Conseguir sua condenagio no pedido. De modo que através desse procedimento de~ monsire ele uma relacio de causa e efeito entre sus pretensio e obrigagio de seu Contendor” (Silvie Rodrigues, Direto Civil — Dos Contratos e Declaragbes Unilaterais de Vontade, 25. ed, Sio Paulo: Saraiva, 1997, ¥. 3p. 32). ‘ontratos Atipicos”) deste tomo. 182, 'b) associativos — caracterizado pela coincidéncia de fins, como € 0 caso da sociedade ¢ da parceria; ©) de prevenglo de riscos — caracterizado pela assunglo de riscos por parte de um dos contratantes, resguardando a possibilidade de dano faturo e tventual, como nos contratos de seguro, capitalizagio e consttuigio de renda; 4) de crédito — caracterizado pela obtengio de um bem para ser resti- tuido posteriormente, calcada na confianga dos contratantes e no interesse de fobtengio de uma utiidade econdmica em tal transferéncia. £ a hipétese tipica do mituo feneraticio (a juros); ©) de atividade — caracterizado pela prestagao de uma conduta de fato, mediante a qual se conseguird uma utilidade econdmica. Como exemplos, po- ddem ser lembrados os contratos de emprego, prestacio de servigos, empreitada, rmandato, agéncia e corretagem. Ressalte-se, porém, a adverténcia feita pelo proprio insuperével mestre baiano: “Na classificagdo dos negécios juridicos pela fungto econdmica nao se pode proceder a enquedramento em categorias estanques. Q mesmo negécio ¢ in- luido em categorias distintas, se exerce dupla fungio, como acontece com alguns. £ que, como observa Messineo, as categorias e pireito civil, Pactum de contrahendo, Configuraao. Retirada arbitréria. Necessida- de de constituicio em mora do devedor da prestaglo. Obrigaglo de indenizar. Inde- nizagao abrangente de todas at parcelas devidas. Recurso desacolhido. I — Manifes- tada expressamente por ambas as partes a intengao de formalizar contrato de locagao de posto de servicos, a depender de condigio suspensiva a cargo do proponente- “locatério, éem terme, formalizow-se o contrato preliminar, nlo sendo:licito = pre ponente-locadora contratar locacao de posto com terceiro sem constituir em mora faquele, quanto 20 implemento da condicio avengada. II — A contratacao, nesses termos, constitui retirada arbieraria, habil a ensejar a indenizacio por perdas e danos ‘ela concernentes, III — Caso conereto em que a indenizaggo concedida abrangeu todas as parcelas devidas ao recorrente” (STJ, REsp 32942/RS; REsp (1993/0006506- 8), DJ, 13-12-1993, p. 27465, rel. Min, Silvio de Figueiredo Teixeira, j. 25-10-1993, Tarma). "© “Civil. Compromisso de compra e venda. Promessa de bem gravado com cléusula de inalienabilidade. Validade, Precedentes da corte. Circunstincias do caso. Interpretagao de claueula contratual. Enunciados 5 e 7 da stimala/STP. Recurso desacolhido. 1 — Na linha da orientagio do Tribunal, nao € nulo o contrato preliminar de compra-c-venda ‘que tem por objeto bem gravado com clausula de inalienabilidade, por se tratar de ‘compromissa praprio, a prever desfazimento do negécio em caso de impossibilidade de ssub-rogagio do Gnus, Il — Na espécie, 0 recurso especial nao dispensaria o reexame de fatos cldusula contratual, o gue encontra dbice nos enunciados 5 e 7 da simula/STS* (ST), REsp 205.835/SP; REsp (1999/0018447-5), DJ, 24-2-2003, p. 236, RSTI, 168/360, rel. Min, Sélvio de Figueiredo Teixeira, j. 10-12-2002, 4 Turma) 191 ‘Nos pré-contratos bilaterais, vishumbra-se uma nova classificagéo (ou uma subclassificagZo) quanto a retratabilidade. Por certo, néo haveria sentido em estabelecer clausula de arrependi- ‘mento nos contratos preliminares unilaterais, uma vez que apenas a vontade de um dos (pré-)contratantes ¢ relevante para a realizago ou no do pré- -contrato. ‘Nas formas bilaterais, porém, € relevantissimo saber se hi possibilidade de arrependimento ou irretratabilidade, pois, nesse tltimo caso, na promessa de venda, o direito positive pode considerar, inclusive, um dircito real". Especificamente sobre o contrato preliminar de compra e venda, a dou- trina fazia distingao entre duas modalidades: 0 contrato preliminar préprio, ‘que representaria mera promessa; e o impréprio, contrato em formasio que vale por si mesmo", Na nossa opiniio, por forga da atual disciplina positivada, tal classificagao perden o sentido pragmatico. A macéia pesou a sr reid, inclusive, pelo nove Céigo Civil conforme se ver cade na stplesleitara dos seus arte LAN? € AT “Aart. 417, Median promessa de compra vends, em que se nfo pactow arrpen- dimen, clerada por instramento pablico ou Parcs eregitada no Carrio de Repotco de moves adguire © promitente comprador Siro vel 4 aqusizo do indvel ‘Ar. 1418. © promitent: comprador ttl de dict rea, pode exigir do promitente Yendedor, ou de tereetos a quem os dzetoe dex: fem ceidos = outorgh da eer {hrs definitive ce compre e vend, conforme o disposo no instrument prelimina; Serhouver reas, roqueter 80 uit #adjudesao do imdve™ "Civ. Compromiso de compra e veda, Modaliéades.Conrato do tipo prépi tspécePromse de bem prado com clisula de ialiensilisade. Obi venedores de pedir a sub-ogneao do Gaus, Condi ssspensiva nto implementa Nilsdade atta: Precedentes a corte, Divergenia Recursodeprovido. I~ Segundo 2 moderna doutia,« ue steer jst Ossrio Azevedo Jee Oriando Gomes, de te onto dues modaliades de conto preiminac de compra e vend: 0 "pps, rs representa mere promess,preperatri de am segundo © “impropris contrat Se rornaao que vale por si mess t-— Nia énuloo contratopreliminar de compa Neds que tom por ebjeto bem gravedo com curs de inallenabidade, por se tae far de compromise pepo pve desazimento do negocio em caso de Smpossbi- Tidede de subrogaco do Oman. I~ Extrsordnsia tem id a cvlugto pela quel tem pasado nwtsto do compromisso de compra venda ex termos de execu fre Sa, realuando a eeividnde presnizada pelo proceso cil contemporineo, de que Scerplos ata redagio do art. 46, CPG ¢» arspradéncia wnisona desta corte @ part do REsp 30/DE Telatoro Minstro Eduardo Rib, RISTY 3/2083 (@ propos, Furberto Theodor Ji asi Juri R, 1996, Va, p. 77 « segs)” (STH, Esp 35 840/SP; Résp (1993/0016264-0), DJ 1-11-1996, p. 43713, LexST), 92/110, RST, 30/238 re Min, Sve e Piguctedo Ten, 5-10-1996, 42 Term). 192, Por fim, registre-se, como o faz 0 Mestre ORLANDO GOMES, que a promessa pode ser onerosa ou gratuita, pois nada impede que se pactue 0 agamento de uma retribuigao (am prémio, por exemplo), como contraprestagso simplesmente pelo exercicio do direito potestativo de realizagio do contrato (nas promessas unilaterais) ou do direito subjetivo de exigir a contratagao (nos pré-contratos bilaterais), independentemente dos efeitos pecuniérios do con- trato definitive. 5. TUTELA ESPEC{FICA Como um pactum de contrahendo, a obrigagso de fazer estabelecida no contrato preliminar pode, em regra, ser objeto da tutela especifica prevista no art. 461 do vigente Cédigo de Processo Civil brasileiro, o que nos parece um imperativo da busca por uma maior efetividade das relacdes juridieas de Di- reito Material, ainda que em detrimento da visdo mais tradicional do Direito das Obrigagbes*, De tal perspectiva conservadora das relacées obrigacionais, pelo seu cunho intrinsecamente patrimonialista, sempre se defendeu que seria uma violéncia & Uberdade individual da pessoa a prestacio coercitiva de condutas, ainda que decorrentes de disposicbes legais e contratuais ‘Tal concepgéo de intangibilidade da vontade humana, embora se possa identificar com vetustas regras romanas (nemo praeccise cogi potest ad factura), reflete, em verdade, a esséncia dos princfpios liberais que influenciaram a for- ‘magio e consolidagao do Direito Civil, em especial no século XIX, com 0 ad- vento do Céde Napoleén. Nesse sentido, o “dogma da intangibilidade da von- tade humana, zelosamente guardado nas tradig6es francesas pandectistas, fazia © mundo aceitar que ‘toute obligation de faire, ou de ne pas faire, se resout en dommages et intéréts, en cas d’inexecution de la part du débiteur’ (art. 1.142 do Cédigo Civil Francés)”. Assim, pela convicgdo de que a liberdade humana é o valor maior na sociedade, a resolugio em perdas ¢ danos seria a tinica consequéncia para o descumprimento das obrigagdes de fazer ou nao fazer. Obra e pigina citadas. ““Compromisso de compra e venda de imével. Execusto especifice da obrigagto. Admissibilidade. E admissivel a execusdo especifica do art. 639 do Cod. de Pr. Civil, ainda se trate de contrato preliminar nao inscrito no registra de imévels. Recurso especial conhecido pela alinea a e provide” (STJ, REsp 6.370/SP; REsp (1990/ (0012226-0), DJ, 9-9-1991, p. 12196, RSTJ, 28/419, rel. Min. Nilson Nave j. 20- 1991, 3. Turma), " Candido Rangel Dinamarco, A Reforma do Cédigo de Processo Civil, 4 ed, Sto Paulo: Malheiros, 1997, p. 152. 198 Essa visio, porém, como ja dissemos outrora', & inaceitavel na atualidade. 1ss0 porque o vigente ordenamento juridico brasileiro ha muito vem re- lativizando o principio tradicional do nemo praecise potest cogi ad factur, re~ conhecendo que a incoercibilidade da vontade humana néo € um dogma ina- fastivel” Com efeito, um bom exemplo disso & justamente a previsio do Decreto- -Lei n, 38/37, com a disciplina do denominado compromisso irretratavel de compra e venda, nada mais, nada menos do que um contrato preliminar bila- teral, em que se verifica um direito real de aquisicio, haja vista que obrigava 6 promitente-vendedor a uma prestagao de fazer consistente na transferéncia definitiva da propriedade, uma vez pago totalmente o prego, sob pena de ad- judicagao compulséria' Por outro lado, 0 Cédigo de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078, de 11- 9-1990) — certamente, a lei mais vanguardista e tecnicamente perfeita do sistema normativo brasileiro — garante, em diversos dispositivos, 0 direito do consumidor & tutela especifica, inclusive, do adimplemento contratual, em raz40 da natureza obrigacional inerente as lides individuais consumeristas. Seno, vejamos: “Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duréveis ou nao du- rréveis respondem solidariamente pelos vicios de qualidade ou quantidade que (05 tornem impréprios ou inadequados 20 consumo a que se destinam ou Ihes iminuam o valor, assim como por agueles decorrentes da disparidade, com as indicagdes constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitétia, xespeitadas as variagbes decorrentes de sua natureza, podendo 0 consumidor exigir a substituigso das partes viciadas. “= Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, Novo Curso de Direito Civil — Obri- _g0g0es, S40 Paulo: Saraiva, 2002, v. Tl, p. 57-63. Como observa o brilhante Fredie Didier Jr: “Imaginava-se, de um lado, que toda cespécie de obrigagto poderia ter convertida em dinhelro, acaso descumprida. A par do ‘manifesto equivoco deste pensamento, que olvidava os hoje inquestiondveis direitos mio patrimoniais, como os personalissimos e os transindividuais (estes timos de avaliagio pecuniria bastante diffell exatamente em razi0 do caréter difuso dos seus elementos € Caracteres), a tese sinda padecia de terrivel enfermidade: autorizava, simplesmente, 0 Gescumprimento contratual, privilegiando a parte mais ica da relaglo, apta que estaria fs arcar com perdas e danos existenter — se existentes, pois danos ngo se presumem” (Gredie Didier Jr, Tutela Especifica do Adimplemento Contratual, Revita Juridica dos Formandos em Direito da UFBA — 2001/2, Salvador: s/ed., 2001, p. 322, também aces- sivel na Revista Eletréniea do Curso de Direito da UNIFACS, no site wwwcunifecsbr/ revistajuridica, edigia de jullho/2002, seeio "Corpo Docente”). A respeito da adjudicagio compuls6ria ¢ da exigibilidade de promessa nfo regis trada, cf. a obra de Pablo Stolze Gagliano, Cédigo Civil Comentado, cits v. XIII, p- 224-41 194 § L® — Nao sendo 0 vicio sanado no prazo méximo de trinta dias, pode © consumidor exigir,alternativamente e & sua escolha: 1— a substituigao do produto por outro da mesma expécie, em perfeitas condigoes de usos I —a restituigio imediata da quantia page, monetariamente atualizada, sem prejutzo de eventuais perdas e danos; II — 0 abatimento proporcional do prego. ‘ Art. 19, Os fornecedores respondem solidariamente pelos vicios de quan- tidade do produto sempre que, respeltadas as variacbes decorrentes de sua natureza, seu contetido liquido for inferior as indicagdes constantes do reci- piente, da embalagem, rotulagem ou de mensagem publicitéria, podendo 0 consumidor exigir, alternativamente e a sus escolha: I —0 abatimento proporcional do preso: I — complementagio do peso ou medida; II — a substituigto do produto por outro da mesma espécie, marca ou ‘modelo, sem os aludidos vicios, IV —a restituicdo imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuiza de eventuais perdas e denos. ) Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou servigos recusar cumprimento & oferta, apresentado ou publicidade, © consumidor poders, alternativamente 8 sua livre escolha: 1 — exigir 0 cumprimento forgado da obrigacao, nos termos da oferta, apre- sentagao ou publicidade; 1 — aceitar outro produto ou prestacio de servigo equivalente; Tl — rescindir 0 contrato, com direito & restituicao da quantia eventual- ‘mente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos. Art. 84, Na agio que tenha por objeto 0 cumprimento da obriga fazer ou nio fazer, o juir concederd a tutela especifica da obrigagao ou deter- minard providéncias que assegurem 0 resultado prético equivalente a0 do adimplemento” (grifos nossos). ‘Tio importante inovagio, todavia, conforme observa FREDIE DIDIER JR., “estava restrita 8s lides de consumo: as outras ainda estavam ao desabrigo, ha- vendo de conformar-se com a solusao da tutela reparatéria em dinheiro, preva- lecendo a vontade humana de descumprir 0 pactuado. A discussao acabou, en- tretanto, com 0 advento da Reforma Legislativa de 1994, também chamada de dezembrada, que culminou com a modificagéo de mais de cem artigos do CPC, implementando a tutela especifica das obrigac6es, contratuais ou legais, de fazer 198 oto fazer. Ampliou-se a possibildade da mencionada modalidade de tutla de forma a aleangaro ideal ehiovendiano da maior coinidéncia posivel”. ‘Como dito, passou o art, 461 do Digesto Processual Civil brasileiro, com o advento da Ley 8952, de 15-12-1994, ¢ da Lein. 10484, de 7-5-2002, ater 2 seguinte redagr “srt 461. Na agf0 que tena por objeto 0 campemento de obrigasto de fanee nao faen jute conceders a taeleexpecica da obrigngfo Oty se procedente 0 pedido, determinard providencias que assegurem o resultado Deco equivalents 20 do edimplement. 1° A obrigago somente se converter em perdase danos se 0 autor 0 sequerctou te bnpousivl a fuel expecta ou @obteng do resultado prl- tio comespondente, 5 2° A indenizacdo por perdas € denos dar-e-& sem prejuizo de multa (act 287) 5 3 Sendo relevanteo fundamento ds demanda e havendo justicado recelo de ineficiia do provimeato final, € Heto ao juz conceder tutela Tminarmente ou mediante justifcago previa ctado o re A redida iminar podert ser evopada ou modificads, » qualquer tempo, em decisio fands- mnentada, 5 4 © juiz poder na hipétere do parégrafo anterior ou na sentenys, impor mute dita a0 ru, independentemente de pedido do aston, e for fuliciente ou compatiel com a obigagzo, SxandorIne prazo rzoével pars 0 amprimento do precio 5 Pare a eftvacio da tutelaespeifca ou a obtensfo do resultado pritico equivelente, posers 0 juz, de ofefo ou a requerimento determiner Er medidas neces, tis como a imposgao de malta por tempo de etr=- SS, busca apreensforremoyao de pessoas e coisa, desfximento de obras Cimpectmento de aivdade nocive, se necessiio com requsic de forga poli 5 6° 0 jue poder, de ofico, modificar 0 valor ou a periodicidade de ruta, cago veriique que se fornou insuciente ou excess Valendo-nos, novamente, das conclusdes do bacana conterrineo, 0 “att 461 do Cédigo de Processo Civil serve a tutela do adimplemento contratual, seja seu contetido uma obrigacdo de fazer ou nio fazer, fungivel ou infungivel”™. Dessa forma, faz mister propugnar por uma interpretagdo mais consen- tanea e logica do art. 248 do CC-02" ou seja, tal regra somente pode ser ' Fredie Didier Je, ob. city p. 325. % Predie Didier Jr, ob. cit, p. 326. 4 CC-02: “Art. 248. Se a prestardo do fato tornar-se impossvel sem cups do devedor, resolver-se-é a obrigagios ee por culpa dele, responderé por perdas e danos’ 196 aplicada quando ndo ¢ mais possivel 0 cumprimento da obrigacio ou, nilo tendo o credor mais interesse na sua realizacio — ante o inadimplemento do devedor —, 0 autor da acio assim 0 pretender. Se, todavia, ainda é possivel cumprir-se a obrigacdo pactuada, deve a cordem jurfdica buscar satisfazer 0 credor com a efetiva prestacio, proporcio- nando, na “medida do praticamente possivel, que quem tem um direito receba tudo aguilo e precisamente aquilo que tem o direito de obte:”, ¢ nio impor indenizagdes equivalentes, haja vista que isso ndo realiza o bem da vida pre- tendido, Na precisa observacio de LUIZ GUILHERME MARINONE: “Note-se que a tutela ressarcitéria pelo equivalente permite apenas o sacrifi- cio de um valor em dinheiro © ndo de valores coneretos, como 0 do bem prometido ao credor. Preservam-se, assim, determinados valores, 0 que seria fundamental para garantir a liberdede e 2 propriedade dos sujeitos. A preo- cupagdo com a manutengio da liberdade e da propriedade & que inspirou uma forma de tutela que dava a0 autor apenas equivalente em dinheiro, jé que a ‘abstragdo dos valores’ e, portanto, a ‘toca dos equivalentes’ era funda: mental dentro de uma sociedade preocupada em garantir a liberdade © os valores ligados & propriedade, O direito liberal era eminentemente patrimonialista e, portanto, supunha que os direitos podiam ser adequadamente tutelados através da via ressarcitria. [Ne verdade, os direitos que tornaram evidente a insuficiéncia das sentengas clissicas ainda ndo estavam consagrados & época do direito liberal, e muito menos falava-se, nessa época, em interesses difusos e coletivos como objeto da possivel eutele jurisdicional”™. Para a efetivagdo da tutela especifica, poder o magistrado valer-se, inclusive ex officio, da fixagao de “astreintes’, que sao justamente essas multas didrias pelo eventual nfo cumprimento da decisso judicial, previstas no § do art. 461, bem como quaisquer outras diligéncias necessérias para a regular satisfa¢do da pretensdo, sendo a relacdo do § 5.° meramente exemplificativa, na espécie. Obviamente, a busca da tutela especifica nao exclui a indenizagio pelas, perdas ¢ danos ocorridos até a data da realizacdo concreta da obrigasio de fazer submetida & apreciaglo judicial. Dessa forma, podemos visualizar a tutela jurfdica das obrigagBes de fazer da seguinte forma esquemitica: ® Lala Guilherme Marinoni, Tela Espectfica, S40 Paulo: Revista dos Tribunals, 2000, pe21-2, 197 Impossivel Cumprimento ‘Posterior — Perdas e Danos Descumprimento de, Obrigacio de Fazer Possfvel Cumpri- ‘mento Posterior — Tutela Especifica + Perdas e Danos (até a efetivacio da tutela) ou — Perdas e Danos (se © autor nao tiver ‘mais interesse na ‘obrigacdo espect- fica de fazer) Perfeitamente competiveis com tais consideragdes so os dispositivos contidos nos arts, 463 2 455 do novo Cédigo Civil, a seguir transeritos: “Art. 463, Concluido 0 contrato preliminar, com observincia do disposto no artigo antecedente, e desde que dele nao conste cléusula de arrependimen- to, qualquer das partes terd o direito de exigir a celebragdo do definitivo, assinando prazo & outra para que o efetive. "Dire civ Recurso especial, Processo de execugio de obrigacio de fazer. Compro- ‘isso de venda e compra, Anuéncia em escritura definitiva de venda © compra a ser ‘elebrada com terceiro. Possbilidade juridica do pedido. Legitimidade ativa ad eausam. Diteito de arrependimento. Nio pactuagao. Execugto do contrato jéiniciads. Compr miso de compra ¢ vends, Registro. Desnecessidade. Agio. Direito real imobilidrio. Conjuge. Citagio. Litisconsoreio passive necessirio. Escritura definitiva a ser celebrada por terceiro. Mera aposicio de anuéncia do réu. Desnecessidade de citagso do conjuge. Eelebrado © compromisso de compra e-venda, ainda que no registrado, mas sem elau- sula de diteito de arrependimento e pago o preco dos iméveis pelo promissirio-com- Drador, é eabivel a tutele jurisdicional que tenha por escopo a pretensio executiva de Suprin, por sentenga, a anuéncia do promitente-vendedor em outorgar a escritura defi- nitiva de compra e venda do imével. Se o promitente-vendedor ndo prometeu celebrar fm seu nome-o contrato definitive de compra e venda, mas tio somente apor anuén- cia em escritura piblica a ser outorgada por terceiro, desnecesséria € a citagio de sua ‘mulher, que menos protegida estaria se citada fosse, hip6tese em que poderia respon- der pelo descumprimento da abrigagio de natureza pessoal assumida por seu conjuge. ‘Recurso especial a que nio se conhece” (ST, REsp 424.543/ES; REsp (2002/0038610-7), Dj, 31-3-2003, p. 217, rel. Min. Nancy Andrighi,j. 6-3-2003, 3. Turma). 198 Pardgrafo nico. O contrato preliminar deverd ser levado a0 registro ‘competent. Art, 464, Esgotado 0 prazo, poderd o juiz, a pedide do interessado, suprir a vontade da parte inadimplente, conferindo caréter definitive 20 contrato preliminar, salvo se a isto se opuser a natureza da obrigacto. Att, 465, Se o estipulante nao der execusio ao contrato preliminar, pode- iia outra parte consideri-lo desfeito, e pedir perdas e danos”, ‘Afinado com nosso posicionamento é 0 pensamento do Mestre S{LVIO ‘VENOSA: “Cumpridas as obrigagdes do contrato preliminar e sendo ele irretratével, portanto sem cléusula de arrependimento, 2 parte pode exigir sua execucéo especifica, com os meios que o estatuto processual Ihe faculta. O interessado poders levar o pré-contrato a registro, geralmente o imobilidtio, se 0 desejar, embora a nova lei utilize o termo deveré. B evidente que para ser ultimado © registro o contrato preliminar deve obedecer a0s requisitos exigidos pela legislagdo registral, o que deve ser examinado em cada caso CONSIDERACOES SOBRE 0 CONTRATO PRELIMINAR DE boacio ‘Muito interessante, neste ponto, é mencionarmos a problemética referen- te a0 contrato preliminar de doasao. Neste caso, a situagdo afigura-se mais delicada, uma vez que, tratando-se de um contrato em geral gratuito (doasio pura), posto sempre unilateral (quanto aos efeitos), 0 reconhecimento da validade e eficécia juridica da pro- messa faria com que o donatirio — simples beneficiério do ato — pudesse ingressar com a execugo especifica do contrato, forcando o doador a cumprir com 0 ato de liberalidade a que se obrigara. No hé, em nosso Direito Positivo, regra explicita que o discipline. Situando com costumeira erudig0 0 problema, CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA pontifica: “Tem a doutrina se debatido se a doacao pode ser objeto de contrato preli minas, pactum de donando, E a solugéo doutrinéria tem sido infeliz, por falta de uma distingao essencial entre doagio pura e doagio gravada de en- cargo. Partindo da primeira, especifica-se a pergunta: Pode alguém obrigar-se 4 realizar uma doacio pura? Formalmente sim, porque, tendo 0 contrato preliminar por objeto um outro contrato, futuro ¢ definitive (v-n. 198, supra), este novo conirahere poderia ser a doagso, como qualquer outra espécie. % Silvio de Salvo Venosa, ob. cit, p. 423. 199 Atendendo @ este aspecto apenas, no falta bom apoio a resposta afirmativa, quer dos Cédigos, quer dos doutores. Acontece que no se pode deixar de encarar o problema sob 0 aspecto ontolégico, e, assim considerado, a solucto negativa impoe-se™™, De fato, a latere a doagio gravada com encargo — figura jurfdica perfei- tamente compativel com a promessa pela sua onerosidade intrinseca —, a doagio pura, por seu turno, se analisada inclusive em seu aspecto teleolégico, nao se compatibilizaria tio bem com a ideia de uma execugio forgada, pelo simples fato de 0 promitente-donatério estar constrangendo a outra parte (promitente-doador) a0 cumprimento de um ato de simples liberalidade, em face do qual inexistiu contrapartida prestacional. Claro esti, entretanto, que, muitas vezes, 0 doador ndo atua somente com © animus donandi, mas também impulsionado por outros sentimentos, como, até mesmo, o desejo de resgatar uma divida de honra ou reconhecer 0 mérito do donatério. No dizer de L. DIEZ-PICAZO ¢ A. GULLON, citados por ANA PRATA, em monumental obra do Direito Portugués: “A doagio pode fazer-se por ge- nerosidade, por caridade, por vaidade, por simples pompa, por cultivar o que hoje se chama uma determinada imagem para o exterior ou por qualquer ou- tra causa”™, Mas, ainda assim, prepondera o aspecto da beneficéncia (liberalidade) ‘como causa do contrato. Nesse diapasio, concluimos pela inadmissibilidade da execugao coativa da promessa de doacio, muito embora no neguemos a possibilidade de 0 promi- tente-donatitio, privado da legitima expectativa de concretizacao do contrato definitivo, e desde que demonstrado o seu prejuizo, poder responsabilizar 0 promitente-doador pela via da aco ordinaria de perdas e danos. esse sentido é a conclusio de ANA PRATA: “Eliminando do regime da promessa de doacio a tutela obrigacional da execuslo especifica, esté-se afinal a caracterizar tal contrato-promessa como integrando aquela categoria de pro- ‘messas precérias, cujo cumprimento se resolve forsosamente na indenizagio"™. Note-se, entretanto, que, para existir esta consequente obrigacto de inde- nizar, deverdo estar configurados 0s pressupostos gerais da responsabilidade civil, jé tratados no volume IIT desta obra. ® Caio Mario Pereira, ob. cit, v Ml, p. 160-1. % Ana Prata, O Comtrato Promessa e o Seu Regime Civil, Coimbra: Almedina, 2001, p. 307, * Ana Prata, ob. cit, p. 315. 200 (Ora, em casos como esses, firmado 0 contrato preliminar, a sua inexecugéo culminaré na responsabilidade ‘contratual da parte inadimplente, que poderé, sem prejuizo de eventuais perdas ¢ danos, ser compelida judicialmente a0 cumprimento da avenga, excepcionada a hipétese da doagio pura, em que tal execugao nao seria possivel ‘Todavia, por raz6es virias, nem sempre as partes cuidam de pactuar con- tratos desse jacz Claro que, pactuando-se 0 contrato preliminar, a responsabilizacao do infrator seré muito mais facilitada, por jé existir previamente um titulo, que servird de base ao pleito da parte prejudicada pelo inadimplemento da outra. Caso ndo seja celebrada 2 promessa, a parte prejudicada poder, outrossim, conforme vimos acima, buscar a compensago devida, se estiverem configura dos os requisitos gerais da responsabilidade civil aquiliana, & luz da menciona- da teoria da culpa in contrahendo, ou, segunc até mesmo & luz da responsabilidade civil obj uma vertente mais moderna, Capitulo X Contratos Atipicos ‘Sumério: 1, Introdugio. 2. Contratos tipicos e atipicos. 2.1. Distingfo dos contra tos nominados e inominados, 2.2. Cassificaglo dos contratos atipicos. 2.3. Disci- plina juridica dot contratos atipicos. 3. Os contratos atfpicos no novo Cédigo Civil brasileiro, 4. Unio de contratos ou contratos coligados. 1. INTRODUCKO Jé tivemos oportunidade de mencionar que o contrato, principal espécie de negécio juridico, é, sem crivida, uma das mais importantes figuras juridicas do Direito Civil, ‘Na mesma linha de comparago, 0 contrato esté para o civilista, como 0 crime esté para o penalista. Ocorre que, diferontemente do delito, que exige subsungio a um tipo penal previamente delineado na lei (tipicidade), 0 contrato se apresenta de variadas formas, com incontiveis matizes. Com isso, queremos dizer que, por ser fruto da livre autonomia da vonta- de!, no poderia o legislador conceber, antecipadamente, todos os tipos de con- tratos, moldando prévios “standards” legais, uma vez que sempre existiriam de- terminados contratos nao previstos em lei — os denominados contratos atipicos. ‘Tomem-se, a titulo de exemplo, 0 contrato de factoring ou o de hospedagem. Vale, no entanto, mencionar que o Direito Romano, principal fonte his- t6rica do Direito ocidental, por sua prépria natureza formalista, ndo se adequow. " Tembre-se, entretanto, que toda autonomia da vontade, conforme jé mencionamos no decorrer de nossa obra, devert ser devidamente mensurada segundo os ditames consti- tucionais de valorizaglo da pessoa humana e de solidarismo social. Nao h4, pois, mais cespaco para a liberdade absoluta na manifestagio de vontade, sob pena de esta liberda- dde converter-se em tirania, Nesse sentido, Massimo Bianca, em excelente obra, prelecio- nna: "Lautonomia privata rappresenta ancora um aspetto ineliminabile dela libertd della ‘persona, e cio? le Hbert® negoziale. Ma Videa secondo la quale solo ed esclusivamente Vindividuo pud essere giudice dei suoiinteressi non hd pit rscontro nella societa del nos- tro tempo. It riconoscimento della Iiberta del singolo s'inserisce ormai in uma concesione delordinamento Che sispira al prevalent valore della ‘slidarita sociale’, quae valore di fondo delia nostra Costituzione” (Diristo Civile — Tl Contrato, Milano: Giuffré, 1987, ¥. M1, p. 33) 203 ao sistema dos contratos atipicos ¢ inominados, consoante se pode observar da doutrina do culto EBERT CHAMOUN: “Caracterizava o direito romano das obrigagSes « tipicidade contratual, dife- rentemente do que sucede no atual direito civil: os romanos entendiam que apenas certos negécios exam idéneos para configurar relagdes contratuais € ‘demarcavam os limites de cada tipo de contrato com tal fixidez que, além eles, nfo eram possiveis quaisquer extensbes. A pritica, entretanto, exigia a criagdo de novas figuras contratuais, que o zelo sistematico e a rigida simetria do jus cvile no podiam reconhecer. Como sempre sucedeu, foi o pretor que, sem as admitir em seus éditos, nem Ihes conceder {6rmulas-tipo, protegeu-as, porém, com ages através de decretos’ © Direito Civil atual, por sua vez, admite a existéncia destas figuras juri- dicas (contratos atipicos ¢ inominados), consoante veremos no decorrer deste capitulo. 2. CONTRATOS TIPICOS E ATIPICOS Por contratos tipicos entendara-se aqueles que tém previsibilidade legal, ou seja, que sdo regulados pelo Direito Positive, como a compra e venda, a doagao, a locagia, 0 depésito, 0 seguro, 0 comodato, 0 muituo etc. So, portanto, figuras com assento na legislagio em vigor. Jé 08 contratos atfpicos, por sua vez, sfo aqueles nao regulados em lei, como, por exemplo, os contratos de hospedagem, factoring e engineering’, den- ‘re tantos outros" * Bhert Chamoun, Tnsttigbes dei p38 ? Situagio interessante é a do contrato de leasing. Posto exista lei que o regule, em seus aspectestrbutirios (Len 6099/74), existe divergencia no pensamento jurico nacio- hal a respeto do scu enquadramento entre of contratos tipicos ow entre os atipicos. Nelson Nery J Rosa Maria de Andrade Nery, por exemplo, em seu Cédigo Civil Ano- tao ¢ Leilagio Extravegante(Si0 Paulo: Revista dos Tibunais, 2002), citam-no como figura atinente prosima aos neg6cis aipicns, consoante se pode conchuir da andlise da farta casuistica elencada nas p. 182-4 de sua obra. Rodolfo de Camargo Mancuso, por sua ven a0 catacterizi-lo, cite jurisprudéncia do ST), no sentido de que: “Contrato nist, em sua origem, 0 leasing fornou-se, entre ns, am negéco tpi, nominado e au- {Buomo: a locagdo mercantil definida e regida pela Lei 6099/74" (REsp 7.234-0/SP, 1 T, re Humberto Gomes de Barros, j, 4-6-1992, DJU, 17-8-1992). Em nosso pensan, @ Gespeito de sua inegivel autonomia ¢ importincia juridica, o lasing continua sendo ‘ontrato atpico, por falta de previsto legal especifiea,e pelo fato de a lei exisente ter por objeto aspectos eminentemente fzeais do referido negécio, * Stvio Venose, em sua obra Teoria Geral das Obrigagdes e Teoria Geral dos Contato 3. edy Alas, apresenta um rol exemplifcativo de contratos etipicos (p. 411): “hospe- Primo, 6. ed, Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1977, 204 ‘Uma boa definigio de contrato atfpico é dada pela competente Professo- ra da USP, GISELDA HIRONAKA: “A seu turno, portanto, contrato atfpico € aquele nao disciplinado pelo orde- namento juridico, embora licto, pelo fato de restar sujeito as normas gerais do contrato e no contrariar a lei, nem os bons costumes, nem os prineipios gerais do direita”s, Aproveitando a linha de pensamento da Professora HIRONAKA, conchi- fmos que todo e qualquer contrato atipico, embora decorrente da autonomia privada e da livre-iniciativa, deveré respeitar os parémetros, de matiz constitu- ional, fixados pelos prinetpios da fungao social do contrato e da boa-fé objetiva, amplamente estudados em capftulos anteriores desta obra‘. Alids, essa ideia de solidarismo contratual é bem nitida na excelente obra de PAULO ROBERTO NALIN: “A ideia de uma relagso contratual solidaria pressupée, sobretudo, o existir da concorréncia, ¢ nao da oposiggo, no que tange aos interesses envolvidos a propésito de um fim comum e de uma indis- pensivel medida de cooperacéo entre as partes” E mais adiante: “Na atualidade, afastando-se dos padrdes religiosos estritos e das casuisticas hipsteses oferecidas pelo Cédigo Civil, bem como da propria Carta Const tucional brasileira, € factivel se extrair um sentido do que seja contrataci0 solidiria, mostrando-se imperativa a leitura do Cédigo Civil ea interpretagao dos contratos, a luz da Carte. Sob o prisma constitucional, é possivel susten- tar que, independentemente da escolha ideolégica que se faga, a melhor descricio da solidariedade deve estar voltada a verticalizagio dos interesses do homem, eficaz o suficiente para aniquilar as desigualdades subjetivas ¢ regionais, configurando-se como indissociaveis, a solidariedade e a igualdade™”. Nessa linha, podemos concluir que as disposigdes normativas constantes nos arts. 421 e 422 do Cédigo Civil, imprescindiveis para a nova concepgio dos contratos na modernidade, sdo perfeitamente aplicaveis aos contratos atipicos: dagem, garagem, publicidade, excursio turstca, espeticulos atsticos feira e exposigoes, servigos de gala e ojo, servigos de buf? em geral, mudanga, claque teatral, garantia, Fornecimento, manutengao de equipamentos, bem como varios contratos bancérios, ‘entre outros”. 5 Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka, Direito Civil — Estudos, Belo Horizont Del Rey, 2000, p. 138. * Confiram-se 0s Capitulos 111 ("Principiologia do Direito Contratual”), IV ("Pungo Social do Contrato e Equivaléncia Material”) e V ("Boa-Fé Objetiva em Matéria Con- ‘ratual”) deste tome. 7 Paulo Nelin, Do Contrato: Conceito Pés-Moderno — Em Busca de Sua Formulagao na Perspectiva Civil-Constitucional, Curitiba: rus, 2001, p. 174, 177-8, 208 “Act, 421. A liberdade de contratar seré exercida em razio e nos limites da fungio social do contrato. ‘Art. 422, Os contratantes sio obrigados a guardar, assim na conelusto do contrato, como em sua execugio, os principios de probidade e boa-fé’. “A respeito deste fendmeno de socializagao juridica das relag6es contratuais, também notada, como visto, no dmbito dos contratos atfpicos, vale referir outra prelecio de GISELDA HIRONAKA, citando TEPEDINO: “Gustavo ‘Tepedino' bem observa que a inser¢o da fungdo social como um dos megaprincipios constitucionais — entre of direitos ¢ as garantias funda- mentais — teve 0 escopo de elevar a determinagio de seu atendimento a0 patamar de regra fondamental, apta a instrumentalizar todo o tecido consti- tucional e, por via de consequéncia, todas as normas infraconstitucionais, ccriando um parémetro interpretativo do ordenamento juridico”. Distinco dos contratos nominados inominados ‘Uma importante observacdo sobre o tema é a distingao entre contratos tipicos e atipicos e os contratos nominados e inominados. ‘De fato, utiliza-se a expressio “contratos nominados" quando tais contra- tos tiverem terminologia ou nomenclatura definida, Assim sendo, conclui-se facilmente, portanto, que, por uma questo légica, os contratos tipicos, por serem objeto de previsio legislativa, sao também nominados. 2. Nos exemplos de contratos atipicos que mencionamos até agora, todos possuem uma nomenclatura corrente e socialmente admitida, raz4o por que poderiamos, em nosso pensar, consideré-los também nominados. Nada impede, entretanto, que as partes conjuguem prestagbes de diversos contratos, ou criem uma figura contratual completamente nova, segundo a ‘autonomia de suas vontades, inexistindo, por consequéncia, nomen juris para festa nova modalidade negocial. Em tal caso, terfamos, af sim, um contrato atipico inominado, ‘Vemos, portanto, que nio é correto estabelecer-se uma sinonimia entre essas expresses, muito embora no incorramos em erro 20 afirmar que, em geral, 0s contratos tipicos sto nominados, ao passo que os atipices podem nao © Gustavo Tepedino, A Nova Propriedade (0 seu conteiido minimo, entre 0 C6. Civil, a legislagdo ordinaria e a Constituigto), Revista Forense v. 306, p. 75 € s. apud Giselda M. E.N. Hironaka, Conferéncia de encerramento proferia em 21-9-01, no Sem indrio Internacional de Direito Civil, promovido pelo NAP — Niicleo Académico de Pes- (guise da Faculdade Mineira de Direito da PUC/MG. Palestra proferida na Faculdade de ‘Dizeito da Universidade do Vale do Itajai — UNIVALI (SC), em 25-10-2002, gentilmen- ‘te cedida a Pablo Stolze Gagliano. 208 esse diapasio, concluimos com a prelecdo de ALVARO VILLAGA AZE- ‘VEDO, etndo repeitivel doutrin italiana, ro sendo de ques “Assim, quando falamos em contrato tipico, ministra Angelo Piraino Leto, ‘com at palavras de Sacco, queremos dizer ‘contrato que se insare em uma ft. gra gue em uma disciplna legal particular’ Por outt0 lado, & contratoatipi- co aquele que no possui uma disciplina legisletiva, possvindo uma ‘causa nova e diverse, relaivamente ao disciplinado pela le. Os contratos tipicos recebem do ordenamento juridico uma regulamentacfo particular, e apresen- tam-se com um nome, ao passo que os atipicos, embora possam ter um nome, carecem de disciplina perticulas, nfo podendo a regulamentagio dos interes- ses dos contratantes contrariar lei, @ ordem publica, of bons costumes e os prinespios gerais do direito™. 2. Classificagio dos contratos atipicos Cumpre-nos mencionar, ainda, que, em nosso sentir, ¢ segundo dow. trie de ORLANDO GOMES", os contatsaipcoscomportam uma subtp cago": a) contratos atipicos propriamente ditos — so aqueles criados ou “in- ventados” pelas préprias partes, que cuidam de celebrar um negécio juridico inteiramente novo, com caracteristicas especificas, e sem similar no direito positive! Sao fruto da autonomia privada, limitada, como vimos, pelos prin- * Aivaro Vilaga Azevedo, Teoria Geral dos Contratos Tipios e Atiices, So Paulo: Atlas, 2002, p. 132. "© Oplando Gomes, Contrats, cit, 15. eda p. 102 ¢ s "A doutrina, entretanto, nio é pacific, consoante se pode notar da anilise da obra de Atvaro Vilaca, que adota critério um pouco diferenciado: "Sem qualquer pretensio de inovar ou de criar polémica, jé em 1965, em minha citada tese sobre a matéria a par dde demonstrar a necessidade de regulamentagio dos contratos atipicos, elaborei @ sua clasificacao, segundo critério que nos pareceu racional. Assim, cassifiquel, em sentido ‘amplo, os contratos atipicos em duas categoria: os singulares e os mistos. Os contratos atipicos singulares sto figuras atipcas, consideradas individualmente. Os contratos at- [picos mistos apresentam-se: (a) com contratos ou elementos somente tipicos; (b) com Contratos ow elementos somente atipicos; e (¢) com contratos ou elementos tipicos € atipicas” (ob. cit, p. 138-9). Nesse ponto, preferimos seguir a classifcacio de Orlando Gomes — simples e precisa —, desenvolvida a partir do pensamento de Eneccerus, muito embora isso em nada diminue o brilho do pensamento do Professor Villaga, uma das maiores autoridades brasileira no assunto. "“Direito comercial e processo civil. Constituigio de sociedacle. Compartithamento de quota social indivisivel. Contrato atipico. Inaplicabidade dos preceitos concernentes 0 condominio. Regéncia pelas regras contratuais que nfo contém ilicitude © nem atentam contra a ordem publica os bons costumes, Precedente. Principio da adstrigfo, Pedido especifico. Sentenga que o acolhe parcialmente para determinar providéncia 207 cipios superiores de indole constitucional da fungéo social do contrato ¢ da Gignidade da pessoa humana (este iltimo compreensivo da necessidade de dobservincia da boa-fé objetiva na relacio negocial)"s ’) contratos atipicos mistos — so aqueles formados pela conjugacio de prestagées tipicas de outros contratos existentes. Provém, pois, da fuso de elementos de outros contratos positivados, resultando em uma figura nova, dotada de autonomia juridica e unidade sistémica. E 0 caso do contrato de hhospedagem, que decorte da conjugagio de elementos de outros contratos como 1 locagio, 0 depésito, a compra e venda etc, 2.8. Diseiplina juridiea dos contratos atipicos (© maior problema no que tange aos contratos atipicos é a sua disciplina juridica, Inexistindo regra legal especifica, ¢ segundo o pensamento do civilista baiano ORLANDO GOMES", trés solugdes sio apresentadas pela doutrina: a) teoria da combinacdo; 'b) teoria da absorgaos ) teoria da aplicagao analégica. “versa da solicitads, Nulidede, Recurso desacolhido, I — O compartithamento de quo- ta de sociedade por quotas de responsabilidade limitada, riada com cldusula de indivisi- Dilidade, constitu’ contrato atipico, regido pelas regras definidas pelos contratantes, admissivel desde que no se revista de iicitude ou contrarie a ordem pablica ¢ os bons Costumes, a ele ndo se aplicando o regime legislativo concernente ao instituto do con dominio. II — Contendo a inicial pedido especifico de divisio da quota social em ‘quotas menores, nao se hi de ter por implicto os pedidos de apuragio de haveres ou Ge alienagto da coisa comum pelo simples fato de haver nele referencia a extingto do condominio” (ST), REsp 61.890/SPs REsp (1995/0010805-0), DJ, 22-3-1999, p. 207, JST, 5/523, Lex-ST], 120/124, RT, 767/188, rel. Min. SAlvio de Figueiredo Teixeira, j. 18-6- 1998, 4* Turma). © *Parceria rural. Aviério, Contrato atipico, Abusividade. O contrato celebrado entre ‘4 companhia de alimentos ¢ © pequeno produtor rural para a instalagto de um avi- frio destinado a engorda de frangos para o abate, com reciprocas obrigagdes de fornecimento de servigos e produtos, ¢ um contrato atipico, mas nem por isso ex- cluido de revisio judicial & luz da legislacdo agréria e dos dispositivos constitucionais {gue protegem a atividade rural. Cato em que as instincias ordinérias, examinando 2 prova, inclusive pericial, concluiram pela incxisténcia de abusividede, seja na cele- bragdo, seja na execugdo do contrato ¢ na fixacio do prego final do produto. Inci dencia das Simulas 5 e 7/STI. Recarso néo conhecido” (ST), REsp 171.989/PR; REsp (1998/0029835-5), Dj, 13-10-1998, p. 128, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 20-8-1998, 49 Turma). ¥ Orlando Gomes, ob. cit, p. 106-8. 208 Conforme a primeira teoria, o hermeneuta, ao analisar um contrato atf- pico, deveré decompé-lo, aplicando, para cada parte eua, a regra legal corres- pondente ao tipo de contrato que Ihe é similar. Ou seja, no contrato de hos- pedagem, deveriam ser combinadas as regras legais da locagio, do depésito e da compra e venda, para solucionar qualquer questo de natureza interpreta- ‘iva, Consoante bem observou ORLANDO GOMES, a maior critica que se pode fazer a esta teoria é no sentido de que nao se afigura verdadeira a ideia de que © contrato atfpico, dentro de sua unidade sistémica, resulta da simples soma de outras figuras contratuais. E arremata: “Em resumo, o isolamento de elementos particulares de um contrato © dos respectivos efeitos juridicas nfo pode ser feito sem preju de sua estrutura ‘Ademis, as regeas parciais de contratos cujos elementos s£0 aproveitados na formagio dos contratos mistos chocam-se, por vezes, tornando-se impossivel, neste caso, a combinacio"". De fato, no vemos com bons olhos esta solugio doutringria, uma vez que, em sendo adotada, negar-se-ia autonomia ¢ identidade ontolégica ¢ fun- cional ao contrato atipico, afigurando-se, pois, como uma sohigao extremamen- te simplista. Os adeptos da segunda teoria, por sua vez, sustentam que em todo con- trato atipico existe algum elemento preponderante ou influente em face dos ‘outros, razio por que culminaria por absorvé-los. Assim, se, em determinado contrato atipico, a prestado preponderante é a de depésito (entregar coisa mével para guardar e devolver), as regras deste tiltimo contrato deverio pre- valecer, em detrimento de qualquer outra. ‘Nao convence, entretanto, a ideia de que, em determinado contrato, um elemento seja preponderante em face do outro. Todos sio, sem diivida, igual- ‘mente importantes para a formagio do contrato atipico, nao havendo razOes, propriamente cientificas para se concluir que uma prestacZo prefere @ outra. Com a devida vénia, portanto, afastamos esta segunda vertente de pensa~ mento, Defende-se, finalmente, a teoria da aplicag#o analégica, segundo a qual 0 intérprete deverd utilizar as regras legais referentes ao contrato tipico mais, semelhante aquele sob anélise. Cuida-se de mecanismo também insatisfatério, na medida em que nao resolve plenamente a delicada questio referente a0 instrumento interpretativo mais preciso a ser utilizado, uma vez que, como dito ‘acima, ndo se podera afirmar que determinado elemento do contrato atfpico € mais preponderante, a ponto de servir como elo com outro contrato tipico. Ademais, poder ocorrer de nio se encontrar contrato dotado de semelhanga suficiente para justificar o recurso da analogia. "5 Orlando Gomes, idem, p. 106. 209 Considerando, pois, a dificuldade de se apontar critério seguro de inter- pretagio, concordamos com PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, em excelente tratado sobre 0 tema, no sentido de que, nos contratos atipicos, o intérprete conta muito mais com as préprias estipulagbes contratuais do que com 0 di- reito positive: “Nos contratos atipicos, 0 intérprete tem de contar mais com as cestipulagies negociais e pode contar menos com o direito dispositive” E adiante: “Tal como nos contratos tipicos, 0 conteido dos contratos atipicos resulta primacialmente da sua interpretagso ¢ esta é feita acima de tudo pela in- terpretagio das estipulagbes negociais que Ihe dio vida e em que se mate- rislizam, [As estipulagSes negociais que formam o contrato constituem a primeira ‘matéria disponivel para a sua interpretacio. E é ai que o intérprete vai recolher em primeira linha a expressio da vontade negocial ¢ ¢ ai que vai, também numa primeira linha, ajuizar sobre a tipicidade ou atipicidade do contrato, As estipulacdes negocisis néo esgotam contudo o campo de ex- pressio da vontade negocial. Quando os contratos celebrados sio tipicos fs partes podem reduzir 2 muito pouco a matéria das suas estipulagBes; os tipos fornecem injuntiva ou dispositivamente uma disciplina quase sufi- ciente, Os contratos atfpicos, 20 contrério, nao tém modelos regulativos que dispensem ou substituam as estipulacSes negociais. Assim, 05 contra- tantes de uma compra e venda nao precisam em principio de declarar mais, do que a identificagto da coisa vendida e 0 montante do prego; 0 tipo fornece tudo o mais em principio necessério como disciplina do contrato. Jé para os contratantes de um contrato atipico é necessério estipular nas declaragbes negociais que forma 0 contrato a disciplina em principio com- pleta do contrato”™ ‘Assim sendo, entendemos que a interpretagao de um contrato atipico deverd ser direcionada segundo as estipulades do proprio negécio, e sempre segundo 0s condicionamentos de ordem publica, ditados pela Constituigao Federal”. 1 Pedro Pais de Vasconcelos, Contratos Atipicos, Coimbra: Almedina, 1995, p. 375-6. ° *Direito privado, Concessio de revenda com exclusividade. Resolueio unilateral. Res- ponsablidade indenizstoria. Contratosatipicos. Principios gerais do direito obrigacional @ contratual, Recurso nao conhecide, I — Consoante a doutrina, 0s contratos atipicos devem ser apreciados nfo apenas pela discipline legal dos contratos afins, mas: primei- ro, pela analogia; segunda, de acordo com 0s prineipios gerais do direito obrigacional fe contratual; terceir, pela livre apreciaglo do juiz. If — O recurso especial nao é via adequada a0 reexame de matéria fitica, do quadro probatério, destinando-se a guat- dda do direito federal, a sua inteireza, autoridade e uniformidade de interpretagio” (STJ, REsp 5680/SC; REsp (1990/0010653-2), DJ, 10-12-1990, p. 14812, rel. Min. Slvio de Figueiredo Teixeira, j. 13-11-1990, 4° Turma). 210 Estendemos, portanto, aos atipicos, a licida observacio feita por FLAVIO TARTUCE, a respeito dos contratos tipicos na atual perspectiva civl-constitu. cional: “Nessa nova estrutura, 0 contrato,tipico instituto do Direito Privado, vem sofrendo uma série de alteragdes conceituais € a antiga visdo de autonomia plena da vontade perde espaco para uma elaborario mais voltada para a rea- lidade social dos envolvidos na relagio negocial”*. Posto isso, passaremos a analisar o tema sob a Gtica da legslaggo em vigor. 8. OS CONTRATOS ATIPICOS NO NOVO CO6DIGO CIVIL. BRASILEIRO © Cédigo Civil de 1916 nao consagrou dispositive algum para os contra~ tos atipicos. © novo Cédigo, por sua vez, posto nao haja dedicado seco ou capitulo ‘especifico para a sua disciplina, fez-Ihe expressa mencio em seu art 425: “Art. 425. B licito as partes estipular contratos atipicos, observadas as normas gerais fixadas neste Codigo" \Vé-se, portanto, que o legislador remeteu a disciptina do tema as dispo- sigBes gerais dos contratos, constantes nos arts. 421 a 480 B de se notar a existincia de proposta legisativa para alteragZo deste dispositivo, segundo a doutrina do eminente Professor VILLAGA, consounte se pode observar da andlise do culto Des. JONES FIGUEIREDO ALVES a respei- to deste dispositivo de le “Sustentou 0 Prof. Alvaro Villa, em relevante contribuigdo critica a0 texto do projeto do CC de 2002, apresentada 4 Relatoria Geral, no sentido de que ‘0s contratos atipicos nao podem ser regidos pelas normas dos contratos t- picos, principalmente dos mistos, pois a contratasdo 6 se extingue ap6s cumpridas todas as obrigacBes contratadss. O contrato forma um todo uno ¢ indivisivel” Em razlo disso, fora sugerida a seguinte alteracio legslati “Art. 425. £ Ieito as partes estipular contratos atipicos, resguardados @ ordem publica, os bons costumes ¢ os principios gerais de direito, especialmen- te 0 principio de que suas obrigagdes sao indivisiveis, formando um s6 todo”, " vio Tartuce, A Revisio do Contrato pelo Novo Cédigo Civil. Critica e Proposta de Alteragdo do art. 317 da Lei n. 10.406/02, in Novo Cédigo Civil — Questbes Controver- tides, oordenacéo de Mério Luiz Delgado e Jones Figueirédo Alves, Sto Paulo: Método, 2003, . I, p. 126. » Jones Figueiredo Alves, Novo Cédigo Civil Comentado, Sto Paulo: Saraiva, 2002, p. 378-9. all Contudo, 0 relatério do Deputado VICENTE ARRUDA, na Comissio de Constituigao e Justica, cuidou de refutar a proposta de alteragao legislativa, sob fo seguinte argumento: “Art. 425, Ao permitir a estipulacio de contratos atipicos e determinar que 0s mesmos deverdo observar as normas gerais fixadas no Cédigo, que preconizam a boa-fé, os bons costumes, a preservacdo da ordem publica ¢ os principios gerais de direito, o dispositivo jé impede 2 estipulagio de contratos atipicos que nao atendam aqueles pressupostos. Pela manuten¢io do texto”, De nossa parte, embora possa parecer que o legislador nao avangou mui- ‘to, assim no pensamos. Dada a natureza destes contratos, afigura-se de certa forma impréprio que se pretenda esgotar sua disciplina, sendo mais razoavel, portanto, que se deixe seu tratamento ao sabor da autonomia da vontade das partes, sempre limi- tada pelas balizas constitucionais acima mencionadas. Pensamos, pois, ser perfeitamente possivel que se admita a aplicagio das normas gerais da teoria geral dos contratos, sempre em observancia dos limites de contratacio delineados em nossa Constituicao Federal. (© que ndo poderiamos é negar a sua importéncia, muito bem notada pelo magistral FRANCESCO MESSINEO: “Il contratto innominato® ¢ Findizio pitt significativo che Ia vita giuridica non si fossilizea in forme immutabili e che, al contrario, essa & in perenne movimento e in constante evoluzione™®. 4. UNIAO DE CONTRATOS OU CONTRATOS COLIGADOS Como arremate deste capitulo, acreditamos que deve ser feita uma im- portante adverténcia: nfo podemos confundir o contrato atipico com a unio ‘ou coligarao de contratos, instituto juridico de natureza completamente distints. © contrato atipico, como visto, a despeito de carecer de previsibilidade legal, forma uma unidade negocial auténoma, diferentemente da coligagdo de contratos, em que temos varios negécios juridicos conjugados, unidos entre si. Nesta iiltima hipétese, nfo se poderd reconhecer cardter de unidade sis- témica, nem, muito menos, identificé-lo com um contrato atipico (unidade contratual). Isso porque nio se esté diante de uma tnica figura, mas sim de varias (pluralidade contratual). 3 Tal parecer foi apresentado em 3-2-2004 e pode ser encontrado em http//200.219. 152.4/silelintegres/ 196514 tm, acesso em 31-7-2004. 2A adverténcia do autor refere-te aos atipicos, que so, em geral, inominados, conso- ® Francesco Messineo, II Contratto in Genere, Milano: Giuffre, 1973, t. 1, p. 693. ale ‘Tal aspecto fora muito bem observado por MESSINEO: ‘11 fenomeno del collegamento, oconnessone, fra contrat h, quando um contrato presenti un certo neo con un alco (dupicils vs de hes abba, come punto di riferimento, primo contrat, sis che sbbin, ane punto di riferiment, i secondo Tal qualifasione prowssria avr boges GF sviuppo; me seve per um primo orientamente Speen eh gl orale lula 0 uh a aint dl jaa (opiuali di contrat, &identic a quello vagliatesopias ogee sto del contrat innominat (capital XI, §'): conferenza che mens tr, in quel caso, prende seo fl fenomeno della dual Co pluriia che came abbiamo notato — hil primo ¢ neceisario presuppost, perche posta dar collegemento fa contra ( contrat come mnonadt A despeito de nao haver previsio legal especifica a respeito disso, é ine- sével que o fendmeno da coligacio contratual podera existir, segundo a auto- nomia (condicionada) da vontade das partes. Situagdo muito comum que bem exemplifica a coligagio de contratos, encontramos nas aveneas firmadas entre donos de postos de combustivel e os distribuidores de derivados de petréleo, Frequentemente, as partes envolvidas celebram, simultaneamente, varios contratos coligados, podendo eles figurar no ‘mesmo instrumento ou nao. Assim, sdo celebrados contratos de fornecimento de combustivel, comodato das bombas, locacao de equipamentos etc. Todos eles juridicamente vinculados, dando cause a uma complexa relacdo jusidica, vin- calativa das partes contratantes™ Em termos de classificagdo, segundo doutrina de ENECCERUS, referida or ORLANDO GOMES, unto entre contatos poder dar-se das seguintes 2) unizo meramente externa; ) uniéo com dependéncias ©) unio alternativa. Em todas elas, repita-se, nfo existe a formaco de um contrato nico, mas sim a conjugagao de mais de um contrato. No primeiro caso, tem-se apenas uma vinculagéo meramente documental. Os contratos no guardam vinculo de funcionalidade sistémica entre si, mas, apenas, sto consignados no mesmo instrumento. Em linguagem simples e co- loquial, com a permissdo do nosso caro leitor, e sem prescindirmos do amor técnica, dirfamos que os contratos compartilham o mesmo lugar, o mesmo papel Francesco Messineo, ibidem, p. 720. ™ Nesse sentido, cf Carlos Roberto Gonealves, Dieito das Obrigagdes — Parte Especial, 2, ed Sd0 Paulo: Saraiva, 1999, v. 6, p. 37. % Orlando Gomes, Contratos, cit, p. 104-5. 218 De fato, nao se trataria propriamente de uma unigo de contratos, mas, apenas, ‘de um compartilhamento de instrumento. ‘Alids, j tivemos oportunidade de advertir que ndo se pode confundir 0 contrato, enquanto acordo negocial de vontades, cujo mticleo ¢ 0 consentimen- to das partes contratantes, com 0 mero instrumento contratual, 0 documento ‘que concretiza, na realidade externa, a vontade das partes. Nesse sentido, a ‘unio meramente externa € inequivocamente superficial. No segundo caso, os contratos coligados guardam uma intima vineulagdo de dependéncia entre si, como ocorte nos contratos firmados com donos de postos de gasolina, mencionado linhas acima, ou na hip6tese de contratos (por exemplo, de empréstimo — mituo ou comodato) firmados entre empregado fe empregador no curso do contrato de emprego € a este vinculado. Os contra- tos uncm-se formando uma espécie de bloco contratual capilarizado entre si. ‘A impressio que se tem é que se trata de um contrato misto, mas tal imagem se desfaz ao procedermos com uma andlise de fundo, e concluirmos pela exis- téncia de autonomia juridica entre as diversas figuras vinculadas. salar, sfo as palavras do grande mestre OR- “A dependéncia pode ser reefproca ou nao. Na primeira forma, dois contratos completos, embora sutdnomos, condicionam-se reciprocamente, em sua exs- téncla e validade. Cada qual @ a causa do outro, formando uma unidade econbmice. Enfim, a intengSo das partes & que um nao exista sem 0 outro. A toligaedo dos contratos pode ser necessria ou voluntéria. A coligasio neces- Séria, eambém chamada genética, €imposta pela lei, como que existe entre © Contrato de transporte aéteo © o de seguro de passageiro. Quando decorre da ontade dos interessados, como se verifica ordinariamente, diz-se voluntézi. Visto que nessa unido de contratos hé reciprocidade, os dois se extinguemn 20 mesmo tempo; a dissolugfo de um implica a do outro", F, finalmente, a unido alternativa é aguela em que os contratos sio ex- cludentes entre si, prevalecendo um em lugar do outro, caso determinado acontecimento ou circunstincia prevista pelas partes se implemente. E 0 aso, por exemplo, de um contrato de doaeio, cuja eficécia esteja condicionada a um Geterminado evento (ser aprovado em um concurso, v. g.), estabelecendo-se ‘gue, caso ele no se realize, a cessfo do bem seré considerada como um mero contrato de comodato. Também neste caso, entendemos que se trata de uma tunilo aparente, com veio de superficialidade, visto que, de fato, apenas um dos contratos prevalecerd. Em conclusio, frse-se que, posto no houvesse sido disciplinada em seco especifia do novo Cédigo Civil, por manifesta desnecessidade, forga é convie {que a coligagdo de contratos é perfeitamente possivel em nosso direito positivo. % Orlando Gomes, ibidem, p. 104 ale Capitulo XI Interpretacéo dos Contratos Sumério: 1. Compreendendo a atividade interpretative. 2, A op¢lo brasileira de no estabelecimento de regras estanques de interpretasao. 3. Regras de inter- pretagdo no Direito Civil brasileiro. 3.1, Regra de cardter subjetivo. 3.2. Regras de caréter objetivo. 3.3. Convivencia e adequagio das regras de interpreteso: a hermentatica principiolégica constitucional. 4. A interpretagao de contratos de adesio. 5, Interpretagio dos contratos em microssistemas juridicos, 5.1. A interpretagio do contrato de trabalho. 5.2. A interpretacio do contrato de 1. COMPREENDENDO A ATIVIDADE INTERPRETATIVA. Dada a importincia da matéria, consideramos conveniente abrir um ca- pitulo proprio sobre @ interpretacao dos contratos. E em que consist, afinal, essa interpretacio? A ideia de interpretacio se refere A necessidade de se estabelecer o signi- ficado e 0 alcance de uma regra positivada, bem como constatar as situasoes ppor ela previstas e os efeitos que pretende ter. De fato, tal como o preceito legal (manifestagdo da vontade estatal) im- prescinde da interpretagdo dos cidadios e do magistrado para sua aplicago, a vontade das partes, instrumentalizada pelo contrato, exige uma correta com- reensio, tanto dos préprios contratantes, nas relagdes juridicas de direito ‘material, quanto também do Poder Judiciério, no caso de haver um conflito na sua aplicacao. $6 assim, devidamente dimensionada, a norma, legal ou contratual, po- der produzir concretamente os efeitos desejados pela manifestacio da vontade aque a gerou, E como isso se dé no novo sistema codificado brasileiro? Responder tal questio € a proposta do presente capitulo’. Aqui propagnamos uma visio especifica da interpretagio dos contratos. Para um aprofundamento do tema da interpretacto juridica, remetemos 0 Ietor 20 t6pico 3.1 (interpretacéo de normas”) do Capitulo I! ("Lei de Introdugao as Normas do Direito Brasileiro") do v. I (“Parte Geral") desta obra 216 2. A OPCAO BRASILEIRA DE NAO ESTABELECIMENTO DE REGRAS ESTANQUES DE INTERPRETACAO © vigente Cédigo Civil brasileiro, da mesma forma que a codificagto anterior, no trouxe um capitulo especifico sobre interpretagdo dos contratos. De fato, seguindo a mesma esteira anterior ¢ divergindo de codificacSes estrangeiras como a francesa e a italiana, trouxe apenas algumas normas espe- cificas sobre interpretaglo, como € 0 caso, por exemplo, dos arts. 112 a 114, 423 e 819%, abrindo mao, portanto, do estabelecimento de regras genéricas de interpretagao. 'No ensinamento do saudoso Mestre SILVIO RODRIGUES: “Dificil optar pela conveniéncia ou néo de uma ou de outra posigao. Em favor do sistema francés encontra-se argumento de que dessa maneira se Timita o arbitrio do juiz que, assim, nfo pode, a pretexto de interpretar 0 contrat, substituir, pela sua, a vontade das partes. Com efeito, se 0 proprio legislador oferece regras de interpretacio, escritas e pormenorizadas, que se impem coativamente ao magistrado, nao pode este delas desertar, para por outros caminhos buscar a intencio dos contratantes. [Em contraposiglo, os sistemas que nfo disciplinam essa matéria partem do pressuposto de que este assunto nfo se enquadra no Ambito legislative, mas pertence & algada da doutrina. De sorte que, afora um escasso némero de preceitos gerais, nenhuma regra deve ser imposta pelo legislador ao juiz, para guid-lo na interpretagao dos contratos”. Partindo, porém, da premissa, jé de todos conhecida, de uma opgao cons- ciente do legislador de trabalhar, no vigente Cédigo Civil brasileiro, com con- ceites juridicos indeterminados, @ serem preenchidos pelo magistrado no caso concreto, nfo ha como deixar de reconhecer a coeréncia sistematica desse nao estabelecimento de regras formais e genéricas de interpretagto. prt, 112, Nas declaragdes de vontade se atenderd mais & intencZo nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem. ‘Art. 115, Os negocios juridicos devem ser interpretados conforme a bos-fé ¢ os usos do lugar de sua celebragao. ‘Art, 114, Os negécios juridicos benéficns ¢ a rentincia interpretam-se estritamente. (CC- 16: Art. 1.090, Os contratos benéficos interpretar-se-do estritamente.) Go ‘Art. 423, Quando houver no contrato de adesio clausulas ambiguas ou contraditérias, dever-se-4 adoter a interpretacao mais favorével ao aderente. Go Art, 819. A fianea dar-se-é por escrito, ¢ no admite interpretagdo extensiva” » Silvio Rodrigues, Direito Civil — Dos Contratos ¢ Declaragbes Unilaterais de Vontade, 25, ed., Sao Paulo: Saraiva, 1997, v. 3, p. 49. 216 Conforme temos repetide seguidamente em sala de aula, talvez em um exercicio ousado de um pretenso dom de profecia, a forma como foi constrt- fda a nova legislagdo civil nos permite vislambrar nele o nosso “éltimo Cédigo Givil da modernidade’, nao somente pelo ocaso da cra das grandes codificagBes, mas principalmente porque muito de sua atualizagao poderd ser feita pela criatividade da jurisprudéncia, ainda que sem modificacio formal da lei, em tum dos grandes desafios que se langa ao Poder Judiciario brasileiro. ‘Todavia, sem querer soar contradit6rio, a prépria evolucio da doutrina civilista nacional e a devida compreensio dos institutos juridicos estudados, no caso, 0 contrato, nos permitem enunciar algumas regras observiveis na sua interpretacio. ‘Vamos conhect-las. 3. REGRAS DE INTERPRETACAO NO DIREITO CIVIL BRASILEIRO A doutrina brasileira tem buscado trazer diversas regras sobre a interpre- tagdo de contratos na modernidade, seja com base na doutrina e legislagao cestrangeirat, seja com fulcro na jurispradéncia nacional consolidads’. Adaptando-as, sob nossa ética pessoal, parece-nos que podemos dividir, tal qual SILVIO RODRIGUES, todas as regras, existentes e que venham a ser concebidas, em duas modalidades, a saber, a regra referente & manifesasao da vvontade (cardter subjetivo) e as que se referem aos precetos contratuais em si préprios (caréter objetivo) Expliquemo-nas. 3.1. Regra de caréter subjetivo © contrato, na nossa conceituacao, € 0 “negécio juridico por meio do qual 1s partes declarantes, Himitadas pelos principios da funedo social e da boa-fé ob- Jjetiva, autodisciplinam os efeitos patrimoniais que pretendem atingir, segundo a ‘autonomia das suas préprias vontades”. “Silvio Rodrigues, por exemplo, faz sua sistematizaczo com base na codificacio italiana (Direto Civil — Bos Contratos e Declaragdes Unilaterais de Vontade, 25, ed, S40 Paulo: Saraiva, 1997, ¥ 3, p. 49-51), € 0 amigo Silvio Venosn enuncia as decantadas 12 regras de interpretagao das convengGes, formuladas por POTHIER, incluindo as que vieram a fazer-ee presentes no Cédigo Civil francés (Direito Civil — Teoria Geral das Obrignses e das Contratos, 3. ed, S80 Paulo: Atlas, 2003, v. Il, p. 454-7). + Nossa prefaciadora Maria Helena Diniz, em seu colossal Tratado Tedrieo e Pratico dos Contratos (v. 1, 5. ., S80 Paulo: Saraiva, 2003, p. 94-7), tz, no minimo, 29 (vinte € nove) regras decorrentes da interpretacio doutrinria e jurisprudencial ar Ora, se é assim, no hé a menor divida de que o elemento primordial para caracterizagao de um vinculo contratual € a existéncia de uma declaracéo de vontade. © contrato traduz uma forma de autodisciplina da intengio das partes, na disponibilizagio de seus patriménios e, mais do que isso, dos seus desejos pretensdes. ‘Assim, a regra basica de interpretagio de contrato nfo poderia ser outra, seniio a do art. 112 do CC-02 (art. 85 do CC-16*): “Art. 112, Nas declaragbes de vontade se atenderé mais & ‘consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem”. tencio nelas A concepgio de tal regra nao é a exclusio do sentido das palavras, pois isso se constituiria na prépria derrocada da figura juridica do contrato (e de toda a seguranga por ele propugnada), mas sim a compreensio adequada do que aparenta ser a vontade dos sujeitos contratantes, ainda que isso no trans- pparega aparentemente da literalidade do quanto escrito’, Partindo, porém, do pressuposto de igualdade dos contratantes (o que, ‘como ja percebemos, é algo cada vez mais raro na nossa sociedad...) haven- do efetiva controvérsia sobre qual foi a intencdo das partes ao se celebrar de- terminada avenga, algumas regras objetivas podem ser invocadas. Registre-se antes disso, por certo, que o énus da prova da afirmagio de {que 0 sentido literal do contrato é diverso do que pretendiam efetivamente os © CC-16: “Art. 85. Nas declaragées de vontade se atenders mais a sua inteng#o que a0 sentido literal da linguagem", “Redo de reintogragdo de posse. Leasing financeiro ou venda financiada. Interpreta- gio do contrato. Irrelevincia do nome atribuido ao contrato. A identificagio da natureza juridice do contrato exige a interpretacio das eliusulas contratuais, sendo inrelevante a denominasio atribuida. Utilizacdo das regras de interpretagio dos ne- {gocios juridicos constantes do artigo 85 do’ Cédigo Civil (valorizagio da intengio real dos contratantes sobre o sentido literal da linguagem) e do artigo 47 do CDC (interpretagio favorivel 20 consumidor ou contra 0 predisponente). O modelo nor ‘mal do contrato de arrendamento mercantil (‘leasing’) deve oferecer uma triplice ‘pelo para o arrendatirio: restituigto do bem, renovacio do contrato ou opcao de compra. A obrigatoriedade do pagemento antecipado do valor residual (VRG) dilu- {do nas prestagbes, bem como da aquisicso do bem no final do periodo descaracte- rizam 0 contrato como ‘leasing’ Identificacao do contrato real como sendo um contrato de finenciamento para a compra ¢ venda de um bem determinado, valori- zando-se @ operagio econdmica subjacente ao contrato. Precedente do ST). Impossi- bilidade de pedido de reintegracao, quando a posse e a propriedade néo pertencem a instituigdo financeira autora. Sentenga de caréncia de agéo confirmada. Apelo im- provido” (TIRS, Ap. Cv. $99046273, rel. Des. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, j. 8-6-1999, 1." Cimara de Férias Civel). a8 pactuantes, quando da relag3o juridica de direito material, ser4 sempre de quem suscitar tal alegagzo. 3.2. Regras de carter objetivo Se ha polémica sobre qual seja 2 intengSo das partes na celebraco de um negécio juridico contratual ou de alguma de suas cléusulas, a legislago muitas veues traz regras especificas para solugio de contlitos. ‘Uma delas, é mencionads’, é a constante do art. 114 do CC-02 (art. 1.090 do CC-16" “Art. 114, Os negécios juridicos benéficos e a rentincia interpretam-te csteitamente” ‘A doutrina, por sua vez, inspirada na legislagio estrangeira, € proficua em trazer regras de interpretagio. Fala-se, por exemplo, no principio da conservagao, consistente na ideia de ‘que 0 contrato deve ser sempre interpretado de modo a fazer com que suas léusulas tenham aplicabilidade, extraindo-se delas o méximo de utilidade, nao sendo accitivel a ideia de que as partes celebrem um contrato para no pro- duzir qualquer efeito. Nesse aspecto, vale a pena transcrever as regras de interpretacio de con- vengées de POTHIER, referentes a0 Cédigo Civil francés, mas perfeitamente adaptaveis ao nosso sistema: a) Nas conveng6es, deve-se indagar mais qual foi a intengio comum das partes contratantes do que o sentido literal das palavras (regra subjetiva). b) Quando uma cléusula é suscetivel de dois sentidos, deve-se interpret -la de maneira que possa gerar algum eftito, e ndo de modo que nao produza qualquer efeito (0 mencionado principio da conservagio). ©) Quando, em um contrato, os termos sto suscetiveis de dois sentidos (ambos factiveis), deve-se interpreté-los no sentido que mais convém & natu reza do contrato. 4) Quando um contrato se mostrar ambiguo, deve ser interpretado de acordo com © costume do lugar em que foi estipulado. "Ch tépico 3.1.2 (“Contratos onerosos ou gratuites”) do Capftulo VIII (“Classificagzo dos Contratos") deste tomo. + CC-16: “Art. 1.090. Os contratos benéficos interpretar-s Tradugdo trazida pelo amigo SILVIO VENOSA, no trecho mencionado (Dirito Civil — Teoria Geral das Obrigagbes e dos Contratos, 3. ed., Sao Paulo: Atlas, 2003, v. II, p, 454.7), & qual fizemos uma adaptaczo. 0 eatrtamente”, 219 ©) © uso ¢ de tamanha autoridade na interpretacio dos contratos que se subentendem as cléusulas do uso, ainda que se nao exprimissem. £) Uma cliusula deve ser interpretada pelas outras do mesmo instrumen- to, ou clas precedam, ou elas sigam aquela. g) Na duivida, uma cléusula deve ser interpretada contra aquele que @ redigiu, notadamente se estipulou um beneficio em seu favor, em face daquele que tem contraido a obrigagso (regra analégica ao mencionado art. 114 do CC-02 e da qual se extrai o transcrito art. 819 do CC-02). h) Por mais genéricos que sejam os termos em que foi concebida uma convengéo, ela somente compreende as coisas sobre as quais os contraentes se ropuseram tratar, ¢ nao as coisas em que eles no pensaram. 4) Quando © objeto da convencio é uma universalidade de coisas, com preende todas as coisas particulares que compdem aquela universalidade, in- cluindo aquelas de que as partes nao tiveram conhecimento, }) Quando, em um contrato, se menciona um caso, por causa da diivida que poderia haver, se a obrigacio resultante do contrato se estenderia aquele caso, a concepcao é de que é meramente exemplificativa, nfo se julgando, por isso, ter sido restringida a extensio da obrigacio, nos outros casos compreen- didos nela, como se fossem expressos. k) Nos contratos, como nos testamentos, uma cldusula concebida no plural se distribui muitas vezes em muitas cliusulas singulares. DO que esté no fim da frase ordinariamente se refere a toda a frase, € lo s6 aguilo que a precede imediatamente, contanto que este final concorde em género e ntimero com a frase toda. 3.3. Convivéncia e adequacio das regras de interpretacao: a hermenéutica principiolégica constitucional Uma leitura apressada desse capitulo pode levar os mais afoitos a acharem que acreditamos em uma precedéncia estrita da regra subjetiva sobre as regras objetivas: ‘A alirmagio comporta apenas uma meia verdade. De fato, a vontade é a esséncia da relagdo contratual e ela deve prevalecer. ‘Todavia, conforme jé extraimos do nosso conceito, tal vontade nao pre- valécerd sempre, de forma absoluta. ‘Toda hermenéutica contratual deve tomar, por norte, a principiologia constitucional, notadamente o jé desenvolvido princfpio da dignidade da pessoa humana, ¢ as limitagdes dos principios da funcao social e da boa-fé objetiva, Por isso, temos que a convivéncia ¢ a adequasio das regras de interpre- tagao devem tomar, como efetiva “regra de ouro’, 0 art. 113 do CC-02 (sem equivalente no CC-16): 220 “Art. 113. Os negécios juridicos devem ser interpretados conforme a boa- £6 € 08 usos do lugar de sua celebracao” Nao por acaso, nas Jornadas de Direito Civil, realizadas no STJ", na exe- gese do art. 422, foram extraidos dois significativos enunciados: 26 — A cléusule geral contida no art. 422 do novo Cédigo Civil impoe 20 jniz interpretar e, quando necessério, suprir e corrigir 0 contrato segundo a bbos-f objetiva, entendida como a exigéncia de comportamento leal das con- cratamtes. 27 — Na interpretago da cliusula geral da boa-fé, deve-se levar em conta 0 sistema do Cédigo Civil ¢ as conexées sisteméticas com outros estatutos normativos e fatores metajuridicos 4, A INTERPRETACAO DE CONTRATOS DE ADESAO Sobre a interpretagio de contratos de adesio, vale transcrever a magistral ligdo de ORLANDO GOMES: “A questo da natureza juridica do contrato de adesto tem importincia pré- tica para sua interpretacio. Indaga-se, com efit, se deve ser interpretado como a lei, ou como 0 contrato. Tido como expressio do poder normativo das empresas, é Sbvio que se The nao aplicam as regras de interpretagio dos contratos, Mas, mesmo que possua natureza contratual, a singularidade da sua estruturagso nao permite seja interpretado do mesmo modo que os con- tratos comuns, porque # relacio juridica em que hd predominio categérico dda vontade de uma das partes. E de se accitar, como diretriz hermenéutica, 2 rogra segundo a qual, em caso de divida, as cldusulas do contrato de adesao devem ser interpretadas contra a parte que as ditou, Cabe, no entanto, uma distingio a raiz de ponderagdes feitas por Dereux, entre as cldusulas essenciais, que sio comumente datilografadas ou manuscritas, ¢ as cléusulas acessérias, jgeralmente impressas. As primeiras estipulam-se particularizadamente e com- portam, &s vezes, certa margem de liberdade no seu ajuste e até alguma iaglo. As outras sdo inalterdveis e uniformes, razio por gue a parte aderen- te, geralmente, conhece mal o seu tear e alcance, Acontece que frequentemen- te as cliusulas acess6rias alteram profundamente a esséncia do contrato, tirando, muitas vezes, grande parte de sua utilidade, ou sendo muito rigoro- sas e, até, draconianas. Cabe ao juiz impedir que seus efeitos se produzam, no permitindo que desvirtuem o espirito das cldusulas essenciais ou que tenham eficicia se nao forem conhecidas suficientemente pela parte aderente, Aplica-se a regra de hermentutica, segundo a qual dever ser interpretadas 2 favor do contratante que se obrigou por adesto. Outra regra a observar é que 1 Ja citadas no decorrer desta obra, disponfveis no site do Conselho da Justice Federal: (ona gow) pal se houver incompatibilidade entre eldusulas impressas e elfusulas acrescenta- das ao formulirio, prevalecem estas. [Nao se conclu, dai, que a intervenglo judicial na aplicagto dessas regras é livre, Se fosse, a inseguranga dominaria os contratos de adesio. O poder do juiz — poder moderador — deve ser usedo conforme o principio de que os contratos devem ser executados de boa-fé, de tal sorte que s6 os abusos deformagées sejam coibidos. A exagerada tendéncia para negar forga obriga~ t6ria as cldusulas impressas é, de todo em todo, condenavel até porque néo deve o juiz esquecer que certas cléusulas rigorosas so necessérias & consecu~ ‘io dos fins perseguidos pelos contratos de adesio em série”. Pela sua caracteristica limitadora da liberdade contratual, pelo menos na sua concepsio cléssica, a interpretagio do contrato de adesio realmente nao se poderia dar da mesma forma que um contrato paritério tradicional. © novo Cédigo Civil brasileiro, em preceitos sem correspondéncia na codificagao anterior, estabeleceu duas regras disciplinadoras da interpretagéo de tais avengas, a saber: “Art. 423. Quando houver no contrato de adesto cléusulas ambiguas ou contraditérias, dever-se-4 adotar a interpretacko mais favorivel 20 aderente. Art 424, Nos contratos de adesio, sio nulas as clfusulas que estipulem = reniincia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negocio’ © art, 423 assegura aquilo que se convencionou chamar de interpretagao contra stipulatorem ou contra proferentem. Trata-se de regra que visa a resguar- dar a posigéo do aderente, em relagio a cléusulas ambfguas ou contraditérias, adotando-se a interpretagio que mais o beneficie, justamente porque 0 ofer- tante estd em situagdo mais vantajosa, Tal procedimento, outrora admissfvel somente em contratos estabelecidos em microssistemas juridicos, conforme visio tradicional, j4 encontrava respal- do jurisprudencial e, agora, lege habemos. Orlando Gomes, Contrates, 24. ed, Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 126. "Agzo de cobranga. Contrato de cobertura médico-hospitalar(seguro-satide). la de exclusio de doenga. Contrato de adesio. Interpretacao a favor do aderente. ‘A interpretacio de contrato de assistincia médico-hospitala, sobre a cobertura ou ndo de tratamento de determinadas molétis, relama 0 reexame de cléusulas contratuais e dos fatos da causa, procedimentos defesos no Ambito desta Corte, a teor de seus verbetes 5 7" (REsp n, 222.317-SR, relator Ministro Silvio de Figueiredo Tebxira). Estabelecida a premissa acerca da dubiedade de cléusula inserta em contrato de adesio, deve ela ser interpretada a favor do aderente. Recurso especial nfo conhecido” (STJ, REsp 222.148) ‘SP; REsp (1999/0059652-8), DJ, 30-6-2003, p. 250, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j.1.°- 1003, 4. Terma). 228 Jia regra do art. 424 é, a toda evidéncia, decorrente das limitagtes re- Jembradas no subtépico anterior, quais sejam, os principios da fungao social do contrato, probidade e boa-fé. Visa, pois, impedir que a remincia antecipada de direito prejudique a parte aderente. ‘Vale registrar, porém, que, no campo dos contratos de adeséo, a doutrina faz distingao entre a natureza de suas cliusulas, \Nesse sentido, SILVIO RODRIGUES: “Também através da atividade judiciéria tentou-se minorar os efeitos porven- tura funestos do contrato de adesio. Por meio da interpretacéo de clusulas do negécio procurou a jurisprudéncia evitar a exploragdo de uma parte pela coutra. Regras de hermenéutica, aplicadas sensatamente, alcangarazm, por vezes, tal efeito. Serdo elas examinadas no capitulo seguinte, mas basta que se men- cionem as principais: © contrato deve ser interpretado contra quem o redigixs b) deve-se distinguir entre as clsusulas principais acess6rias, entendendo-se {que estas nao tém a mesma forca vinculante daquelas, pois decerto chamaram ‘menos a atengio do contratante; ©) as cléusulas impressas, por isso que chamam menos 2 atencio, devem ser preferidas as manuscritas, pois estas revelam o propdsito de revogar as pri- rmeiras. Alids, escritores hi que sugerem sejam tais condigses desprezadas, solucio que no pode ser acolhida, dado seu exagero”™ a) na din 5. INTERPRETACAO DOS CONTRATOS EM MICROSSISTEMAS. sJuRIDICOS Arrematando este capitulo, vale a pena tecer algumas consideragBes sobre 4 interpretacio de contratos estabelecidos sob a disciplina de microssistemas juridicos. Devem eles seguir as regras gerais ou somente as especificamente disci- plinadas? ‘A resposta, na nossa opinio, € muito simples. Dada a nova concepsao do contrato na sociedade contemporanea, em que a autonomia da vontade no ¢ mais vista como um dogma, no temos a menor sombra pélida de diivida de que 0 que aqui se trabalhou é aplicé- vel a qualquer relacio jurfdica contratual, uma vez que sua teoria geral abarca contratos de qualquer natureza, sejam civis, comerciais, trabalhistas, e consumeristas, ¥ Silvio Rodrigues, Direito Civil — Dos Contratos e Declaragdes Unilateais de Vontade, 25. ed, Séo Paulo: Saraiva, 1997, v3, p. 45. 228 (© que nao se pode desprezar, porém, € a finalidade propria da disciplina normativa de um microssistema, que é justamente dar uma maior tutela a um dos sujeitos da relacao jurldica, por forca dos valores socialmente relevantes no momento da edigao da norma. Por isso mesmo, dedicaremos algumas sistemas: o trabalhista e o consumerista. has a dois importantes micros- 5.1. A interpretagio do contrato de trabalho ‘Nao obstante possam e devam as regras de interpretaglo do direito comum ser aplicadas ao Dizeito do Trabalho, merece ressalva o seu caréter peculiar, em. virtude das regras de interpretagio particulares, pertinentes aos contratos in- dividuais do trabalho. ‘A respeito do tema, leciona AMAURI MASCARO NASCIMENTO: “No direito do trabalho, dentro de uma visio geral interpretativa, o direito ‘comum ndo ocupa mais que um lugar subordinado; as disposicbes da legis- lado formam um conjunto e devem encontrar, umas em outras, mituo apoio; pelo que a analogia deve permitir determinar um alcance de um texto ou cobrir as eventuais lacunas. Cabe, portanto, afirmar que, por constituir 0 ireito do trabalho um direito particular, o sistema geral de interpretagdo no deve ser concebido segundo o uso tradicional”. Assim, a interpretagio do contrato de trabalho deve ser procedida de acordo com a sua natureza, ou seja, em observincia as necessidades de uma classe social, com 0 fito de se obter melhores condigoes de vida E por isso que defendemos que a concepsio de toda interpretagao jusla- boralista se orienta por um dinico princfpio, o da protecdo ao hipossuficiente econdmico, principio esse do qual se espraiam varios outros princfpios, como © da irrenunciabilidade de direitos, da continuidade da relacdo de emprego e da primazia da realidade'’, Adotando critério tradicional”, entendemos que o princfpio protetor se expressa por meio de trés regras de aplicagao: Amauri Mascaro Nascimento, Curso de Direito do Trabalho, 10. ed. Sto Paulo: Sarai- va, 1992, p. 190, ' Sobre o tema, edo leituras obrigatérias os livros de Américo Pld Rodriguez (Prin- clpios de Direito do Trabalho, 1. ed. bras., 4. tir, Sio Paulo: LTs, 1996) e Luiz de Pinho Pedreira da Silva (Principiologia do Direito do Trabalho, 2. ed., Sto Paulo: LT, 1997) Américo Plé Rodriguez, Principios de Direito do Trabalho, 1, ed. bras. 4. tity S80 Paulo: IT, 1996, p. 42-3. pad 2) in dubio pro misero (pro operario), que consiste no critério utiizado pelo juiz ou intérprete para escolher, entre varios sentidos possiveis de uma norma, aquele que seja mais favordvel 20 trabalhador; ) norma mais favordvel, que significa que, no caso de haver mais de uma norma aplicivel, deve-se optar por aquela que seja mais benéfica ao trabalhador, ainda que ndo seja a que corresponda aos critérios clissicos de hierarquia das ©) condigto mais benéfica, pelo qual se entende que a aplicasgo de uma nova norma trabalhista nunca deve servir para diminuir as condigoes mais favoraveis em que se encontrava o trabalhador. Isso nao quer dizer que trabalhador deve ser protegido por ser um “coitadinho’, mas sim, ao contrério, pela sua prépria condigao de cidadao, vinculado a uma relacio juridica desigual, em que, por forca das peculiaridades deste contrato, deve-se submeter as determinagées da outra parte, com subor- dinagdo absoluta (parte contréria esta, inclusive, que tem, até mesmo, a possi- bilidade do exercicio de um jus puniendi, prerrogativa tipica do Estado), Como ja dissemos alhures, 0 “fandamento deste princfpio esté ligado a prOpria razio de ser do Direito do Trabalho, que surgiu como uma reagio & exploragio desenfreada do trabalho humano, tomado como objeto de comércio na perspectiva liberal da oferta e da procura, Vale destacar que o jurista italia- no Cessari afirma que a razio profunda do esplrito protetor do Direito do ‘Trabalho dupla: a inseparabilidade da prestacio de trabalho da pessoa do trabalhador ¢ a normal exclusividade da dedicacao do trabalhador & empresa, da qual extrai o tinico ou principal recurso para sua subsisténcia (Aldo Cessa- 1i, Il Favor’ Verso il Prestatore di Lavoro Subordinato, Milo, 1966, p. 2)", Interessante notar que, néo obstante ser amplo o reconhecimento do principio da protegao como raiz da tutela juridica trabalhista, é bastante con- troversa a diversidade de opinides sobre as formas como ele se expressa concretiza. Iss0 se da, inclusive, pelo fato de que ele no se encontra positiva- do ma nossa legislacao. De fato, se percorrermos em revista o texto consolidado, constataremos a absoluta auséncia de uma regra expressa que mande aplicar a norma mais fa- vorével ao empregado ou que, na dtivida sobre a interpretagio de dispositivos legais e contratuais, deve ser decidido em favor do trabalhador. Na verdade, tal protegto se verifica do conjunto de disciplinas especificas espraiadas pela legislacio trabalhista, a ponto de se tomar tal concepcio como © principio basilar do sistema juslaborelista”, ™ José Augusto Rodrigues Pinto © Rodolfo Pamplona Filho, Repertorio de Conceitos ‘Trabathists, Séo Paulo: LTk, 2000, p. 417-8. Nessa linha de raciocinio, vale destacar, por exemplo, os seguintes dispositives da Consolidaczo das Leis do Trebalho: 228 5.2. A interpretagio do contrato de consumo Da mesma forma que no contrato de trabalho subordinado, @ teora geral dos contratos, inclusive e principalmente no que toca & sua principiologia, € perfeitamente aplicével 8s relagBes de consumo. Todavia, dada a sta natureza tuitiva, hé que se verificar, neste micros- sistema, também o sentido préprio de proterio™. No Cédigo de Defesa do Consumidor (Lei n.8.078/90), uma das leis mais avangadas de nossa histori, tl regra de protecio veio expressa em seu corpo, conforme se verifiea de tuma simples letra do seu art. 47 “Art 9° Serio nulos de pleno dircito os atos praticados com 0 objetivo de desvirtuar, impedir ow fraudar a aplicagio dos preceitos contides na presente Consolidagio. wo Art. 428, (omisss) § 2 Ao menor aprendliz, salvo condiclo mais favorével, seri garantido 0 salitio mini- mo hora, wo [Art, 444, As relagSes contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulacio das ‘partes interessadas em tudo quanto nfo contravenha as disposigdes de protegio a0 trabalho, aos contratos coletivos que Ihes sejam aplicéveis e as decisoes das autoridades, competentes. Ge Art, 468. Nos contratos individuais de trabalho s6 € licta 2 alteracio das respectivas condigdes por miituo consentimento, ¢ ainda assim desde que nao resultem, direta ou indiretamente, prejuizos ao empregado, sob pena de nulidade da cléusula infringente desta gerantia” ® “0s principios da teoria da interpretagio contratual se aplicam 20s contratos de consumo, com a ressalva do maior favor 20 consumidor, por ser a parte débil da relasio de consumo. Podemos extrair os seguintes principios espectficos da interpre tacio dos contratos de consume: a) a interpretacio ¢ sempre mais favorivel 20 consumidor; b) deve-se atender mais & inteneio das partes do que a literalidade da ‘manifestagio de vontade (art. 112, Cédigo Civil); ¢) a cusula geral de boa-f¢ repu- tacse insita em toda relagio juridica de consumo, ainda que néo expressamente do instrumento do contrato (arts. 4%, caput € n. Ill, ¢ 51, n. IV, do CDC); €) havendo cléusula negociada individualmente, prevaleceré sobre as cliusulss estipaladas unila- teralmente pelo fornecedor; e) nos contratos de adeséo as cléusulas ambiguas ou contraditérias se fazem contra stipulatorem, em favor do aderente (consumidor)s f) ‘sempre que possivel interpreta-se © contrato de consumo de modo a fazer com que ‘suas cléusulas tenham aplicacio, extraindo-se delas um maximo de utilidade (prin- cipio da conservagio)” (Nelson Nery Junior, in Ada Pellegrini Grinover e outros, Cédigo Brasileiro de Defesa do Consumidor, 8. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 545-6). 226 “Art. 47. As cldusulas contratuais serio interpretadas de mancira mais favorivel ao consumidor”, A norma ¢, portanto, mais avancada ainda do que a referente aos contra- tos de adesio no novo Cédigo Civil brasileiro. De fato, como observam CLAUDIA LIMA MARQUES, ANTONIO HER- MAN V. BENJAMIN e BRUNO MIRAGEM, o “Cédigo Civil de 2002 prevé, em seu art. 423, 0 recurso a interpretagio mais favordvel ao aderente (Interpretacdo contra proferentem), mas s6 em contratos de adesio e em cldusulas ambiguas ou contraditérias, O art. 47 do CDC re- presenta, porém, uma evolugio em relagio a essa norma e & do art, 112 do CC/2002 (antigo art. 85 do CC/1916), pois beneficiaré a todos os consumi- ores, em todos os contratos, de adesio ou individualmente negociados, em ‘todas as cléusulas, mesmo as claras e no contraditérias, sendo que agora a vontade interna, a intengio nio declarada, nem sempre prevalecerd. Em outras ppalavras, € da interpretacgo ativa do magistrado a favor do consumidor que vid a‘clareza’ da cléusula ¢ que seré estabelecido se a cldusula, assim inter- pretada a favor do consumidor, é ou néo contraditéria com outras cléusulas do contrato’ Compreendido, portanto, como se deve proceder a interpretagio dos contratos no sistema brasileiro, inclusive nos microssistemas juridicos préprios, ja podemos passar para uma nova etapa de nosso livro, que € compreender a isciplina legal dos vicios redibitérios ¢ da evicsio. ‘Vamos a eles. Cliudia Lima Marques, Anténio Herman V. Benjamin e Bruno Miragem, Comentérios 120 Cédigo de Defisa do Consumidor: arts. 1* a 74: Aspectos Materiais, S40 Paulo: Revis~ ta dos ‘Tribunsis, 2003, p. 578 227 Capitulo XII Vicios Redibitérios Sumario: 1 Inteodugio. 2. Conceito ¢ caracteristicas, 5, Fundamento da garantia contra os vicios redibitérios. 4. Vicios redibitorios x erro como vicio de eonsen- timento. 5. Consequéncias juridicas da verifcacao de vicios redibitérios. 6. Prazo para a propositura das agbes edilicas. 7. Vicios redibitrios e o Cdigo de Defe- sa do Consumidor, 1. INTRODUCAO No presente capitulo e no préximo, cuidaremos de desenvolver dois im- portantes temas relativos & teoria geral dos contratos. Ambos, tanto o vicio redibitério como a evicedo, sfo institutos juridicos que tém a finalidade de resguardar ou garantir 0 adquirente de determinada coisa em contratos translativos da posse ou da propriedade, inclusive nas do- agées onerosas!. ‘Se o nosso caro amigo leitor, por sua vea, cuidar de observar com atengio, pouca diferenca houve entre os Cédigos de 1916 e de 2002, embora as mudan- ‘528 operadas entre 0s dois perfodes histéricos (e mesmo do espirito da nova, codificacao) hajam sido significativas. ‘Comecemos com a anilise dos vicios redibitérios, ‘Vamos lé entio, 2. CONCEITO E CARACTERISTICAS 0s vieios redibitérios, por definiclo, sAo defeitos ocultos que diminuem 0 valor ou prejudicam a utilizarao da coisa recebida por forga de um contrato co- ‘mutativo (art. 441 do CC-02; art 1.101 do CC-16). principal aspecto @ ser considerado €, precisamente, portanto, 0 fato de este vicio ser oculto, recéndito, ou seja, no aparente, Se for aparente, nao se trataré de vicio redibitério. Nesse sentido, Clévis Beviléqua: "Na compra ¢ vend, na troca, na dagfo em page: ‘mento e em todos os contratos tendentes & tranlacio do dominio, posse ou uso, tem cabimento a agio de rejeicio, fundada em vicio redibitéria” (Direto das Obrigacdes, cit P. 240), 229 Nosso sempre lembrado e muito querido mestre CAIO MARIO, ao defi- ni-lo, afirma, com absoluta precisio, tratar-se de “um defeito oculto de que € portadora a coisa objeto de contrato comutativo, que a torna imprépria 40 uso E que se destina, ou Ihe prejudica sensivelmente o valor” E mais adiante arremata: “Néo se aproxima ontologicamente 0 conceito de vicio redibitorio da ideia de responsabilidade civil. Nao se deixa perturbar f sua nogio com a indagaglo da conduta do contraente, ou apuragio da sua Culpa, que influiré, contudo, na graduacio dos respectivos efeitos, sem aparecer como elementar de sua caracterizacio”™, Quanto a essa tltima afirmagio do culto jurista, razdo Ihe assist inteira- mente, Essencialmente, o vicio redibitério aproxima-se muito mais de uma cau- sa de dissolugao contratual do que propriamente do sistema de responsabilid de civil, muito embora a parte prejudicada tenha o direito de ser devidamente indenizada. Exemplo tipico de aplicagio da teoria ocorreré quando Simplicio’, 20 comprar um relogio de cobre da marca Scubix, ignora que ele € portador de tum defeito oculto — uma conexdo equivocada de suas engrenagens, vg. — que prejudica a sua utilizagzo, Note-se, outrossim, que esse defeito devers acompankar a coisa, quando a sua tradigao Sim, porque se 0 vicio é posterior & aquisicéo da coisa, ou seja, se a cat sa do defeito operou-se jé quando a res estava em poder do adquirente, por md utilizagio ou desidia, este nada podera pleitear. esse diapasio, poderiamos, assim, elencar os seguintes elementos carac- terizadores ou requisitos do vicio redibit6rio: a) @ existencia de um contrato comutativo (translativo da posse ¢ da propriedade da coisa); bb) um defeito oculto existente no momento da tradicso ©) a diminuicao do valor econémico ou o prejuizo & adequada utilizacio da coisa. 3. FUNDAMENTO DA GARANTIA CONTRA OS VicIOs REDIBITORIOS Seguindo a doutrina de ORLANDO GOMES, notamos que o fundamen- * Caio Mario da Silva Pereira, Insttuigdes de Direito Civil, 10. ed, Rio de Janeiro: Fo- rense, v. I, p. Jl » Desistimos de uniformizar tudo com Caio e Ticiol “Orlando Gomes, ob. cit, p. 94-5 280 to juridico da garantia legal contra os vicios redibit6rios assenta, fundamental- mente, em trés teorias: a) Teoria da eviceao parcial — para entendermos essa teoria, necessirio se faz definirmos, ainda que em breves linhas, 0 que se entende por evicgao, tema tratado pormenorizadamente no préximo capitulo. A evicgio consiste na perda da propriedade de um bem, mével ou imével, por forca do reconheci- mento judicial ou administrative do direito anterior de terceiro. Exemplo: Oliveira compra um iate de Zigftida. Pouco tempo depois, 0 comprador é surpreendido por uma acdo reivindicatéria, proposta por Bomfino, que prova seu anterior direito de propriedade sobre a coisa. Em tal caso, Oliveira poder ser compelido a devolver o bem, voltendo-se, regressivamente, contra o antigo vendedor (Zigfrida), para haver a devida e justa compensagio. Nota-se, do exposto, que razio nenhuma existe para justificar a garantia contra os vicios redibitérios nesta teoria. Isso porque, como visto, a evicgao guarda intima conexio com descumprimento contratual e responsabilidade civil, ao passo que 08 defeitos de que tratamos tém mais que ver com a redibigao ou rejeicio do contrato (dissolugio), pela existéncia de um vicio prejudicial ao direito do novo dono. D) Teoria do erro — segundo ORLANDO GOMES, a semelhanga com essa teoria, que vé no vicio redibitério a incidéncia de um erro sobre a vonta~ de do adguirente, & “impressionante™. Ocorre que, se identificagao houvesse, seria o caso de se anular o contrato, © que, nos termos das regras positivas em vigor, nfo ocorte’, De fato, erro e vicio redibitério nao se devem confundir, mormente em se considerando que o primeiro tem dimensio subjetiva ou psicoldgica e o segundo é de natureza eminentemente objetiva, conforme ve- emos abaixo. ©) Teoria do risco — segundo essa teoria, que muito agradou a Saleilles, 4 garantia legal contra os vicios redibit6rios decorreria da propria lei, que imporia ao alienante os riscos pelos eventuais defeitos ocultos existentes na coisa. O grande problema desta teoria é que, por definigao, em Direito Civil, risco traduz uma ideia de perigo concreto de dano por caso fortuito ou de forea maior. Ora, se tal conceito guarda conexo com a noglo de fortuito, chegar-se- -ia & conclusio de que o alienante suportaria a redibicio da coisa em face de defeitos por ele desconhecidos. E se assim 0 for, retornaremos & mesma ideia, sgeral, de “garantia” * Orlando Gomes, ob. cit p. 94 «De fato, como veremos, 2 ocorréncia de vicios redibitérios nao fulmina o contrato ‘comutativo no plano da validade, mas, sim, no campo da eficicia, por permltir 0 en- jeitamento/devolugio da coisa ou 0 abstimento no prego, fora a responsabilidade pelas perdas e danos. 281 Assim, concluimos que a previsdo legal dos vicios redibitérios encontra a sua justificativa juridica — e por que no dizer ideol6gica — na nogio maior de “garantia contratua?. essa garantia decorrente dos vicios redibitérios é tal, em nosso direito positive, que o art. 444 do Cédigo Civil (art. 1.104 do CC-16) chega ao ponto de impor responsabilidade ao alienante, ainda que a coisa perega em poder do alienatério (adquirente), se tal perecimento decorrer do vcio ocult, jd exstente 0 tempo da tradicao. Ou seja, se a coisa vier a ser destruida ou se extinguir, em virtude do préprio defeito, jé existente quando da tradigao, ainda assim 0 adquirente terd o direito & compensagao devide. 4, VICIOS REDIBITORIOS X ERRO COMO ViCIO DE CONSENTIMENTO Advertimos, mais uma vez, que vicio redibitério e erro, posto sejam con- ceitos muito préximos, nao devem ser confundidos, consoante anotamos no ¥. I (Parte Geral) de nosso Novo Curso de Direito Civil: “Outro equivoco muito comum que deve ser afastado é a falsa ideia de que erro € vicio redibitério se confundem. © erro, consoante ja se anotou, expresse uma equivocada representagio da realidade, uma opinido no verdadeira a respeito do negécio, do seu objeto ou da pessoa com quem se trava a relagio juridica. Este defeito do negécio, portanto, vicia a propria vontade do agente, atuando no campo psiquico (subjetivo). Diferente ¢ 2 hipétese de vicio redibitério, garantia legal prevista para o€ contratos comutativos em geral. Se 0 adquirente, por forca de uma compra e venda, por exemplo, recebe a coisa com defeito oculto que Ihe diminui 0 valor ou prejudica a sua utilizaczo (vicios redibit6rios), poderd rejeité-la, redibindo o contrato, ou, se prefers, exigir 0 abatimento no prego. Note-se, pois, que o agente, a0 adquirir a coisa, néo incorreu em erro, uma vez que recebeu exatamente aquilo que pretendia comprar. Apenas a coisa tansferida portava defeito oculto que the depreciava ou tornava imprépria a sua utilizagao. vicio redibitério, pois, ndo toca psiquismo do agente, incidindo, por- tanto, na prépria coisa, objetivamente considerada. Exemplo: o individuo pretende comprar um reldgio de ouro da marca ‘x. Um vizinho Ihe faz uma oferta, ¢ entio ele compra o produto desejado, sem que haja erro em sua manifestacao de vontade. Alguns dias depois, entretanto, observa que © rel6gio nao funciona bem, em virtude de um defeito oculto em seu ma- quinismo. Trata-se, no caso, de vicio redibitorio, que desafia, em concurso de agdes, duss vias judiciais (agdes edilfcias): a agdo redibitéria (para des- 282 fazer 0 contrato e exigir © que se pagou, com perdes ¢ danos se o alienan- te sabia do vicio) ou a aso “quanti minoris' (para se exigir 0 abatimento no reso)”. 5. CONSEQUENCIAS JURIDICAS DA VERIFICACAO DE VicIos REDIBITORIOS E, afinal de contas, verificada a incidéncia de vicio redil as suas consequéncias juridicas? A resposta no € dificil. A teor do art. 442 do Cédigo Civil (art. 1.105 do CC-16), abrem-se, para 6 adquitente, duas possibilidades: a) rejeitar a coisa, redibindo 0 contrato (via ago redibitéria); ) reclamar 0 abatimento no preco (via ago estimatéria ou “quanti mi- noris”). A primeira solugdo a mais dréstica. O alienatério, insatisfeito pela cons- tatagio do vicio, propoe, dentro do prazo decadencial previsto em lei, uma agao redibitbria, cujo objeto &, precisamente, o desfazimento do contrato e a devo- lugdo do preco pago, podendo inclusive pleitear 0 pagamento das perdas e danos. rio, quais seriam No segundo caso, prefere o adquirente, também dentro do prazo deca- dencial da lei, propor ago para pleitear 0 abatimento ou desconto no prego, em face do defeito verificado. Tal ago denomina-se ago estimatéria ou “quan- ti minoris” ‘Tanto a ago redibitéria quanto a ago quanti minoris sio espécies das denominadas agves edilicias, existindo, entre ambas, uma relacdo de alter~ natividade, ou seja, um concurso de ag6es: o adquirente somente poder pro- mover uma ou outra, visto que comportam pedidos excludentes entre si (“elec ta una via non datur regressus ad alteram”). Discorrendo sobre o tema no plano processual, o insupervel J. M. de ARRUDA ALVIM, em cléssica obra, pontifica: “A doutrina e a jurisprudéncia, tradicionalmente, aludem a concurso de ages, ‘quando, em verdade, parece-nos que, mais propriemente, deveriam referir-se a concurso de pretensoes, Isto porque a teoria do concurso de acées diz res- peito a existéncia, para a satisfagio de um mesmo interesse, de mais de uma pretensfo de direito material”. E mais adiante arremata: 7 Volume I desta obra, p. 360 235 “De varias formas pode-se apresentar 0 concurso de agbes. Como, por exem- plo, vejamos as agdes que cabem ao comprador de coisa recebida com vicio ou defeito oculto, que a tornem imprépria a0 uso destinado. Estas existem para a satisfacao do direito do comprador. Entretanto, pelo art. 442 do ‘CC/2002, pode o adquirente ou mover ago redibitéria, enjeitando a coisa e rescindindo 0 contrato, ou entio reclamar abatimento no preco". Na mesma linha, ressaltando a impropriedade do termo “concurso de ages", apesar da ampla receptividade de tal expresso, o ilustrado FREDIE DIDIER? assevera: “0 denominado concurso de agées (rectius: direitos) pode dar-se, em seu aspecto objetivo, de duas formas: a) concurso imprdprio: hi mais de uma pretensio concorrente, nascida a partir de um mesmo fato gerador; b) con: curso proprio: hé pluralidade de causas de pedir que autorizam a formulagso de mesmo pedido, Em caso de concurso de aces, somente é possivel a satis- fagdo de um dos direitos concorrentes: ou se pleiteia um dos pedidos possveis (impréprio), ou se traz uma das causas de pedir (préprio). Nao se podem cumular direitos concorrentes, pois é impossivel 0 acolhimento simalténeo de todos eles (art. 285, pa. tin. IV, CPC). Sto exemplos de concurso de diteito: a) vicio redibitério: quanti minoris ou agio redibit6ria — arts, 441-442, Cédigo Civil/2002; b) invaidade do contra- to por simulacio ou por fraude; c) pedido de complementagio de area na venda ad mensuram, Ou, subsidjariamente, a reduga0 do prego ov extingto do contrato (art. 500, Cédigo Civil/2002); é) pedido de nulidade do contrato ou, subsidiariamente, redugio do valor da diva; e) nulidade de casamento ou, sucessivament, separagdo judicial £) quem possui uma cambial € eredor do emitente seja da obrigagio abstrata que surge do neg6cio cambial, seja da obrigacdo causal que surge da relagfo fundamental; g) 0 credor de uma coi sa determinada pode também ser seu proprictario, como nos casos de como- dato, locagzo etc; nests casos, pode pretender a coisa como proprietério ou como credor"; h) passageiro que sofre lesées no transporte ferrovidrio: tem direito & indenizagéo por forga da culpa aquilians do preposto ou da respon- sabilidade objetiva da empresa ferrovidria"; i) vtima de acidente de trinsito, * José Manoel de Arruda Alvim, Manual de Direito Processual Civil — Parte Geral, 8. ed, Sto Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, v I p. 479. * Fredie Didier Jr, Direito Processual Civil, 3. ed, Salvador: JusPodivm, 2003, p. 280 ¢ s (mantidas inclusive as correspondentes notas de rodapé).. Alguns exemplos retirados do rol de Araken de Assis, Cumulagao de Agbes, p. 258. Os dois altimos sio exemplos de concurso préprio citados por Liebman, “Ages concorrentes’, in Ejiedcia e Autoridade da Sentenga, 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1981, p. 222-3. " Bxemplo de concurso objetivo proprio de Cindido Dinamarco. “Electa una via non datur regressus ad alteram’y in Fundamentos do Processo Civil Moderna, 3. ed., SE0 Paulo: Malheiros, 2000, tl, p. 915. 284 {que tanto tem direito a0 valor do seguro obrigetério como também a uma indenizagao do causador do acidente, devendo, entretanto, o valor daquele ser abatido desta”. Observe-se, outrossim, que, nos termos do art. 443, se o alienante conhe- cia 0 vicio ou defeito oculto da coisa, deverd restituir 0 que recebeu com perdas e danos, mas, se no o conhecia, apenas restituiré o valor recebido, mais ‘as despesas do contrato. ‘Trata-se, pois, de um dispositive que guarda intima conexio com a noso, ja trabalhada, de boa-fé objetiva™’, A quebra do dever de lealdade, consistente na alienagao de coisa que sabe ser defeituosa, sujeita, pois, o alienante a pagar, a titulo indenizatério, perdas e danos & parte adversa. Caso, entretanto, desco- nhega 0 defeito, apenas restituiré o status quo ante, devolvendo o prego pago mais as despesas do contrato. Registre-se, inclusive, que a nova codificagao civil nfo renovou a norma proibitiva de admissio das agdes edilicias quando a coisa fosse adquirida em hasta pablica (CC-16, “Art. 1.106. Se a coisa foi vendida em hasta publica, nao cabe a ago redibitéria, nem a de pedir abatimento no prego”), no trazendo ‘qualquer norma equivalente, no que constituiu um avango, até pela dificulda- de de caracterizago que se verifica na prética judicial". Posto isso, passemos a enfrentar um importante aspecto referente as agbes edilicias: qual é 0 prazo para a sua propositura? 6. PRAZO PARA A PROPOSITURA DAS ACOES EDIL{CIAS Primeiramente, frise-se que, por se tratar de aces que tém por contetido, nitidamente, 0 exercicio de direitos potestativos, 0s prazos, em questo, s70 decadenciais, ¢ nao prescricionais. © Samule 246 do Superior Tribunal de Jastica: “O valor do seguro obrigatorio deve ser dedutido da indenizagto judicialmente fixada". A necestidade de deducto revela a exis- téncia de direitos concorrentes. As vezes, 0 valor do seguro nfo corresponde so valor ‘dos danos, podendo a vitima pleitear em face do responsével pelo acidente a comple ‘mentagao da indenizagio, Permanece a regra: o direito concorrente s6 se extingue com total satisfacio do direito que com ele concorre. % CE. Capitulo V ("Bos-Fé Objetiva em Matéria Contratual”) deste tomo. '= Venda de coise mével promovida por entidade privada sob a modalidade de leilto. ‘Art, 1.106 do Cédigo Civil. Inaplcabilidede & especie. Nao se tratando de hasta pablics, ‘mas sim de venda de bens méveis particulares (retomados de arrendatérios insdimplen- tes) promovida por entidade privada, nio xe aplica 0 disposto no art. 1.106 do Cédigo Civil Reeurso especial no conhecido” (ST), REsp 187.305/RS; REsp (1998/0064483-0) DJ, 2-5-2000, p. 145, RST), 136/372, RT, 780/211, rel. Min. Barros Monteiro, j. 8-2-2000, 42 Turma). % Sobre a diferenga entre prescrigfo e decadéncia, confirase o Capitulo XVIII (*Pres- ctigio e Decadéncis") do v. I ("Parte Geral”) desta ob. 235 Alids, € interessante observar que o artigo regente da matéria (art. 445 do CC-02}, se cotejado com 0 178, §§ 2.° e 5.°, do CC-16, indica uma das raras, hipéteses de aumento de prazo no Cédigo de 2002. Comparemos os dispositivos: Cédigo Civil de 2002: Art. 445. O adquirente decai do direito de obter a redibicao ou aba- timento no prego no prazo de trinta dias se a coisa for mével, e de um ano se for imével, contado da entrega efetiva; se jé estava na posse, 0 prazo conta-se da alienacio, reduzido & metade. § 1° Quando 0 vicio, por sua natureza, s6 puder ser conhecido mais tarde, © prazo contar-se- do momento em que dele tiver ciéncia, até 0 prazo maximo de cento e oitenta dias, em se tratando de bens méveis; € de um ano, para os iméveis. § 2.° Tratando-se de venda de animais, os prazos de garantia por vicios ocultos serdo 0s estabelecidos em lei especial, ou, na falta desta, pelos usos locais, aplicando-se o disposto no pardgrafo antecedente se no houver regras disciplinando a matéria. Cédigo Civil de 1916: ‘Art. 178, Prescreve: (5) $ 2.0 Em 15 (quinze) dias, contados da tradigio da coisa, a aco para hhaver abatimento do prego da coisa mével, recebida com vicio redibit6rio, ‘ou para rescindir 0 contrato e reaver 0 preco pago, mais perdas e danos. ) § 5. Em 6 (seis) meses: ) IV — a agao para haver o abatimento do preco da coisa imével, re- cebida com vicio redibitério, ou para rescindir 0 contrato comutativo, € haver o prego pago, mais perdas e danos; contado o prazo da tradigao da Conclui-se, pois, que o prazo decadencial para o ajuizamento da aio redibitéria ou da agdo quanti minoris aumentou de 15 para 30 dias — no caso de bens maveis —, ¢ de 6 meses para 1 ano — no caso de bens iméveis. Entre- tanto, caso 0 adquirente ja estivesse na posse da coisa, 0 prazo é contado, a partir da alienagao, pela metade. 236 Essa ultima circunstincia, por sua vez, nfio prevista no Cédigo anterior, deve ser realcada por meio de um exemplo, para que néo pairem diividas na mente de nosso atento leitor. Imagine-se que Juca estivesse na posse de uma fazenda, pertencente a Chico, hé 2 anos, na qualidade de arrendatério, Resolve, ent8o, compré-la. Ora, em tal caso, se vier a perceber a existéncia de vicio redibitério (defeito oculto), terd o prazo de um ano, reduzido a metade (6 meses, portanto), a contar da data do registro do titulo de transferéncia no cartério de iméveis (data da alienagio formal) para propor a acio edilicia. © mesmo raciocinio se aplica, se se tratar de bens méveis, operando-se, todavia, a reduglo de prazo de 30 para 15 dias. Mas, afinal de contas, qual seria o real motivo para que se procedesse a essa contagem do prazo pela metade? A justificativa € que, uma vez que o adquirente jé estava na posse do bem, 6 legislador entendeu que ele j4 disporia de tempo maior para a detecgdo do defeito, razto pela qual o prazo seria contado pela metade. Essa explicagio, todavia, nem sempre convence ou se afigura justa, pois, se 0 adguirente estiver na posse do bem apenas um dia antes do ato de aliena- sao, suportard a perda de metade do prazo! B isso mesmo. Segundo 0 dispositive sob comento, basta a simples “posse” da coi anterior & tradigdo, para que se proceda 8 redugio do prazo. E, uma vez que nao se estipulou critério objetivo para contagem desse lapso temporal, um breve periodo que seja, anterior & alienacSo, jé justificaria a sua perda por metade. Tal situagéo ndo nos parece just ¢ deve, em nosso sentir, ser devidamen- te aferida pelo juiz, easo a caso, segundo o bom senso que se espera do julga dor cauteloso, Interessante ainda observar a dicyio do § 1.2, do artigo sob comento, jé transcrito: 5 19 Quando © vicio, por sua natureza, s6 puder ser conbecido mais tarde, 0 prazo contar-sei do momento em que dele tiver ciénca, até 0 pra- 20 maximo de cento e citenta dias, em se tratando de bens méveis;e de um ano, para os iméres’ Cuidou-se, aqui, de regular a situasio muito comum de 0 vicio redibito- rio apenas ser detectado apés a tradicéo ou, como quer o legislador, “ser co- nhecido mais tarde’, hipétese em que o prazo seré contado a partir do mo- mento em que o adquirente tiver ciéncia do defeito (termo a quo), até 0 prazo méximo de 180 dias, se a coisa for mével, e de um ano, se for imével. Saliente-se este ponto: tal prazo somente correré a partir do momento em que 0 dono da coisa detectar 0 vicio, o qual, obviamente, ndo poderé decorrer de ma utilizagao, ¢ sim, ser anterior & tradicio da coisa. 287 O presente dispositivo segue a tritha do art, 26, § 3. da Lei n. 8.078/90 (CDC), que dispoe acerca do prazo decadencial para que 0 consumidor rec me por vicios do produto ou serviso: “Art. 26. O direito de reclamar pelos vicios aparentes ou de ficil consta- tagZo caduca em: I —trinta dias, tratando-se de fornecimento de servico e de produto nio duréveis; I — noventa dias, tratando-se de fornecimento de servigo e de produto durdveis; (2 § 3. Tratando-se de vieio oculto, 0 prazo decadencial inicia-se no momento ‘em que ficar evidenciado o defeito” (grifamos). Em se tratando, entretanto, de venda de animais, 0 § 2.° do art. 445 do CC prevé que os prazos de garantia serdo os estabelecidos em lei especial, ou, na falta desta, pelos usos locais, aplicando-se 0 disposto no parégrafo antece- dente, se no houver regra disciplinando a matéria. Vé-se, portanto, tratar-se de regra supletiva, cuja finalidade € evitar eventuais litigios quando 0 vicio redibit6rio incidir em animal, objeto de contrato de compra e venda. Outro importante aspecto, abordado pelo novo Cédigo Civil e desconhe- ido pela legislagao anterior, deve ser ressaltado: a previsibilidade normativa da suspenso do prazo de garantia legal, enquanto estiver em curso a garantia con- tratual. E to interessante é a diccao deste dispositive que, em nosso sentir, na falta de regra semelhante, poderé mesmo ser aplicado subsidiariamente as relagdes de consumo. Nesse ponto, estamos a tratar da regra prevista no art. 446: “Art. 446, Nao correrio os prazos do artigo antecedente na constancia de cléusula de garantia; mas 0 adquirente deve denunciar o defeito 20 alienante nos trinta dias seguintes ao seu descobrimento, sob pena de de- cadéncia’, Comentando este dispositive, JONES FIGUEIREDO ALVES observou: “Chiusula de garantia € causa obstativa de decadéncia e como cléusula con- tratual, pela qual o alienante acoberta a indenidade da coisa, 6 complementar da garantia obrigatéria e legal, a que responde. Nao exclui, portento, a ga- rantia legal. O primeiro relat6rio ao projeto, de autoria do Depatado Ernani Satyro, j registrava nio se haver ‘como confundir o fato de no correr praza za constincia da cléusula de garantia, com a obrigagso que tem o adquiren- te de denunciar 0 defeito da coisa ao alienante, 0 logo o verifique. Trata-se, como se vé, de consagragio juridica de um dever de probidade e boa-fé, tal ‘como anunciado no art. 422. Nao é por estar amperado pelo prazo de garan- 258 tia, que © comprador deva se prevalecer dessa situagio para abster-se de dar ciéncia imediata do vicio verificado na coisa adquirida””. Em verdade, 0 que o legislador fez, nfo sem tempo, foi solucionar a de- licada situagio consistente no fato de coexistirem duas modalidades de garantia: 4 legal ¢ a contratual. Isso ocorre com frequéncia no ambito do mercado de consumo. O individuo compra, por exemplo, uma televisio, de determinada ‘marca, com garantia contratual de 5 anos. Sem prejulzo de tal cléusula, entre- tanto, gozard também da garantia legal genérica, prevista pelo Cédigo de Defe- sa do Consumidor para 0 caso de se verificar defeito no produto adquirido (art. 26). Pois bem. Em tal circunsténcia, enquanto estiver em curso 0 prazo de garantia con- tratual, « garantia legal estaré sobrestada, paralisada, ou seja, nfo correré prazo decadencial algum em desfavor do adquirente. ‘Todavia, verificado o defeito, 0 adquirente, por imperativo da boa-fé obje- tiva, devera denuncié-lo (noticié-lo) ao alienante, nos 30 dias seguintes a0 descobrimento, sob pena de decadéncia. Com isso, concluimos que, caso 0 alienatério descumpra esse dever de informagio, perder o direito & garantia legal. Constate-se, portanto, mais uma vet, como toda a andlise hermenéutica do novo diploma, especialmente na seara contratual, encontra-se profundamen- te influenciada pelo principio da boa-f&, cuja nogao vale sempre a pena ser recordada: “Enquanto principio normstivo, « boa-fé surge como um critério norteador de comportamentos, impondo is partes uma conduta que possa valorar-se como honesta, correta ¢ leal. Petende com tal férmula exprimir-se a ideia de que nfo é legitimo defraudar aquela confianca que constitu a base impres cindivel das relagBes humanas, tornando-se, por isso, necessério que os con tratantes atuem tal como deve esperar-se que o faca qualquer pessoa que participe corretamente no tréfico juridico. No que vai implicada a exigéncia fundamental de que cada uma das partes da relacZo negocial tome em con- sideragio os interesses legitimos da outra”™ Essa belissima passagem do pensamento de ALMENO DE SA harmoni- za-se perfeitamente com a ideia esposada: o adquirente age de maneira leal ¢ " Jones Figueirédo Alves, Novo Cédigo Civil Comentado (coord. Ricardo Fiuza), Sa0 Paulo: Saraiva, 2002, p. 397-8. Almeno de Sé, Relagio Bancéria, Clsusulas Contratuais Gerais ¢ 0 Novo Codigo Civil Brasileiro, in Revista Brasileira de Direito Comparado, Rio de Janeiro: Instituto de Di- reito Comparado Luso-Brasleiro, 2003, p. 171. 289 4tica a0 comunicar a0 alienante 0 defeito da coisa, dentro do prazo estipula- do em lei (© seu silencio, outrossim, poders indicar intengao de prejudicar ou mé-fé, mormente em se considerando que os efeitos danosos provenientes do vicio poderao, em virtude do seu comportamento omissivo, se agravar. 7. VICIOS REDIBITORIOS E 0 CODIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR Finalmente, cumpre-nos teoer breves considerages acerca dos vicis re- Aibitérios © 0 nosso Codigo de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90). {A proteeao dispensada pelo CDC ao consumidor é muito mais ampla do aque aquela prevista no Cédigo Civil Isso porque a lei consumerista nfo cuida de diferenciar os vcios aparen- tes dos redibitérios, consagrando, todavia, um eficaz sistema protetivo, que iré tutelar os dizetos da parte hipossuficiente na relacfo de consumo, independen- temente da natureza do defeito em tela (ars. 18 «)” ® CDG: “Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duriveis ou nao duréveis respondem solidariamente pelos vicios de qualidade ou quantidade que os tornem Iimpréprios ou inadequados 20 consumo a que se destinam ou thes diminusm 0 valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicagdes constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitiia, respeitadas as variages decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigit « substituigSo das partes vicladas, § 12 Nao sendo 0 vicio sanado no prazo méximo de trinte dias, pode o consumidor cexigis,alernativamente e a sua escolha: Ia substituigio do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condigdes de TI —a restituigdo imediata da quantia page, monetariamente atualizada, sem prejutzo de eventuais perdas e danos; UI — 0 abatimento proporcional do prego. § 2# Poderdo as partes convencionar a reduso ou ampliagso do prazo previsto no parigrafo anterior, ndo padendo eer inferior a sete nem superior a cento e citenta dias. Nos contratos de adesio, a cléusula de prazo deverd ser convencionada em separado, or meio de manifestasao expressa do consumidor. § 3 © consumidor poders fazer uso imediato das alternativas do $ 1° deste artigo sempre que, em razio da extensio do vicio, a substituigio das partes viciadas puder comprometer a qualidade ou caracteristicas do produto, diminuir-lhe 0 valor ou se tratar de produto essencial § 4 Tendo 0 consumidor optado pela alternativa do inciso I do § 1.° deste artigo, € nao sendo possivel a substituigio do bem, poderd haver substituigio por outro de espécie, marca ou modelo diversos, mediante complementagio ou restituigao 240 de eventual diferenga de prego, sem prejuizo do disposto nos incisos II ¢ Ill do § 1.° deste artigo. s No caso de fornecimento de produtos in natura, seré responsivel perante © con- > © fornecedor imediato, exceto quando identificado claramente seu produtor. § 62 Sao impréprios 20 uso consume: I — 05 produtos cujos prazos de validade estejam vencidos; I~ 0s produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados,falsificados, corrompi- dos, fraudados, nocivos & vida ou a satide, perigosos ou, sinds, aqueles em desacordo ‘com as normas regulamentares de fabricagho, distribuiglo ou spresentagio; IH — 0s produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados 20 fim a que se destinam, Art. 19. Os fornecedores respondem solidariamente pelos vicios de quantidade do pro- duto sempre que, respeitadas as variagdes decorrentes de sua natureza, seu contetido liquido for inferior as indicagdes constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou de mensagem publictiria, podendo o consumidor exigir, alterativemente e & sua es- colha: I —0 abatimento proporcional do prego; I — complementagio do peso ou medida; TI — a substituigio do produto por outro da mesma espécie, marca ou modelo, sem 0s aludidos vicios; IV —a restituicio imediata da quantia paga, monetariamente atuslizada, sem prejulzo de eventusis perdas e danos. § 1 Aplica-se a este artigo 0 disposto no § 4.° do artigo anterior. § 2° O fornecedor imediato seré responsvel quando fizer a pesagem ou a medicio € © instrumento utilizado nao estiver aferido segundo os padroes oficias. ‘Art. 20, O fornecedor de servigos responde pelos vicios de qualidade que os tornem improprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes, a disparidade com as indicagées constantes da oferta ou mensagem publictéria, po- endo o consumidor exigir, alternativamente e & sua escolha: I~ reexecugdo dos servigos, sem custo adicional e quando cabivels Tl — a restituiglo imediata da quantia page, monctariamente stualizads, sem prejuizo de eventuais perdas e danos; I — o abatimento proporcional do prego. § 1.° A reexecusio dos servigos poders ser confiada a terceiros devidamente capacitados, por conta e risco do fornecedor. § 2° Sto impréprios os servicos que se mostrem inadequados para os fins que razoa- velmente dees se esperam, bem como aqueles que ndo atendam as normas regulamen- tares de prestabilidade, ‘Ast. 21. No fornecimento de servigas que tenham por objetivo a reparagio de qual- ‘quer produto considerar-se-d implicta a obrigagio do fornecedor de empregar com- onentes de reposigto originais adequados e novos, ou que mantenham as especi ficagdes téenicas do fabricante, salvo, quanto @ estes sltimos, autorizago em contr rio do consus eal Nesse mesmo sentido, JOSE FERNANDO SIMAO, em excelente obra, observa que: “0 Codigo de Defesa do Consumidor inovou a0 enfitzar 0 fato de 0 vicio ser de qualidade ou quantidade. O fato de o vicio ser ocalto ou aparente realmente gera pouca diferencas na relagio de consumo e suas consequencias, limitam-se & questio dos prazos para exercicio do dieito de redlamar pelos icios (art. 26, Cdigo de Defesa do. Consuaidor)™* J SILVIO VENOSA, com maestria, pontifca: “sem sombra de dévida, é no imbito do consumidor que avatar de impor- tancia « gorantia pelos produtos ou pelos servgos. Jé ressaltamos que © fomecedor tem o dever de informar 0 consumidor acerca das qualidades do produto ou servi, bem como advert-lo dos riscos. Entre as regras de pro- frama que traz a lei (Lei n. 8.078/90), ¢ reconhecida a vulnerabiidade do onsumidor no mercado de consumo", E mais adiante arremata: :.. existe um alargamento da responsebilidade legal do fornecedor, atenden- do a0 dinamismo e a forma das priticas de comércio. © fornecedor respon- sabiliza-se ndo somente pelo produto em si que coloca no mercado, como também pela imagem que divulga desse produto, sendo obrigado a respeitar sua veracidade™”, ‘Art 22. Os Grgios ptblicos, por si ou suas empreses, concessionéris, permissionérias fou sob qualquer outre forma de empreendimento, sio obrigads a fornecer servigas scdequados, efiientes, seguros c, quanto aos esencais,continuos Parigrafo nico. No casos de descumprimento total ou parcial, das obrigagbesreferidas neste artigo, sero as pessoas juridicas compelidas « cumpri-las a reparar os danos ausados, na forme revista neste Codigo ‘Art. 23. A ignorincia do fornecedor sobre os vicios de qualidade por inadequagio dos Drodutese servigos nie o exime de responssbilidads ‘Art 24 A garantia legal de adequagio do produto ox serviga independe de termo ex: reso, vedada a exoneragdo contratual do fornecedor. ‘Art 25. vedada a estipulagso contratual de cldusula que impossbiits, exnere ou stenue a Obrigado de indenizar prevsta nesta e nab Segbes anteriores § Le Havendo mais de um responsive pela causaeio do dano, todos responderio soli- dariamente pela reparapio prevsta nesta nas Sogdes anteriores. $5.22 Sendo 0 dano eausado por componente ou pera incorporada so produto ov ser- vig, slo responséveis solidéries seu fabricante, construtor ot importador e 0 que Yea- Tou a incorporagio” José Fernando Simo, Vicios do Produto no Nove Cédigo Civile no Cédigo de Defesa do Consumidor — Responsebilidade Civ, S30 Pavlo: Atlas, 2005, p. 88. 2 Silvio de Salvo Venoss,Direito Civil — Teoria Geral das Obrigagbese dos Contato, 3. ed, zo Paulo: Atle, 2003, 242, Assim, forgoso convir que, sem divida, a grande vantagem do sistema inaugurado pelo CDC consiste na ampliagSo da responsebilidade do fornecedor pelo vicio do produto ou serviso. Trata-se, em verdade, de uma forma objetiva de responsabilidade civil — 0 que favorece a defesa do consumidor —, compartilhada solidariamente por todos aqueles que participam da cadeia catsal de consumo. 2 Nesse sentido, confira-se o art. 18 do CDC. Capitulo XIII Eviccao Sumdrio: 1. Nogbes conceitusis. 2. Fundamentos juridicos, 3. Requisitos. 3.1 ‘Aquisigio de um bem, 3.1.1. Contratos onerosos. 3.1.2. Aquisiglo em hasta pi- blica. 32. Perda da poste ou da propriedade. 3.3, Prolagio de sentenca judicial ox execusio de ato administrativo. 4. Direitos do evicto. 5. Espécies de eviecto: total parcial, 6. Eviceio e autonomia da vontade — A cléusula de nio eviegio. 7 Evicelo e benfeitorias. 8. Evicqlo e denunciacio da lide. 8.1. Andlise da obrigato- riedade ou nto da denunciagio da lide. 8.2, Consequéncias juridicas da denun- ciagdo da lide. 8.3. Visio esquemética. 1. NOCOES CONCEITUAIS Evicgdo € uma figura juridica que nos remete a ideia de “perda’” ‘Assim como 0s vicios redibit6rios, @ protegio contra seus eftitos nada mais é do que uma garantia contratual dos contratos onerosos. Consiste a evicsio na perda, pelo adquirente (evicto), da posse ou pro- riedade da coisa transferida, por forsa de uma sentenca judicial ou ato admi- nistrativo que reconheceu o direito anterior de terceiro, denominado evictor. Note-se, portanto, que a sua previsio legal decorre especialmente da ne-~ cessidade de se resguardar 0 adquirente de uma eventual alienacao a non do- ‘ino, ou seja, alienagao de coisa nao pertencente ao alienante. Em tal caso, poderé 0 alienatério (adquirente) voltar-se contra aquele, se vier a perder a coisa para terceiro. Sob 0 prisma histérico, esse peculiar instituto jurfdico tem indiscutivel raiz romana. Nasceu das formalidades da mancipatio, ou de negécio menos formal denominado stipulatio. Se o adquirente, pela mancipatio, viesse a ser deman- dado por terceiro, antes de ocorrer 0 usucapiéo, poderia chamar o vendedor a fim de que ele se apresentasse em juizo para assisti-lo e defendé-lo na lide. Se 0 vendedor se recusasse a comparecer, ou, se mesmo comparecendo, 0 adquirente se visse privado da coisa, teria este ultimo a denominada actio uctoritati, para obter 0 dobro do preco que havia pago no negécio'. Silvio Venosa, ob. cit, p. 565. 248 ‘Vé-se, portanto, dessas breves nogSes conceituais introdutérias, que, da eviegto, participam trés personagens fundamentais: a) alienante; b) adquirente (evicto)s ©) terceiro (victor), Sendo assim, caso o adquirente venha a perder a coisa adquirida para terceiro/reivindicante (evictor), que prova o seu legitimo e anterior direito & propriedade da coisa, poder voltar-se contra o alienante, para haver deste a justa compensago pelo prejuizo softido. (Os fundamentos de tal importante e justa garantia se mostram evidentes. Explicitemo-nos. 2. FUNDAMENTOS JURIDICOS ‘Torna-se, nesse diapaslo, indiscutivel 0 caréter essencialmente garantists da eviegio. De fato, mesmo que analisissemos o instituto sob uma ética estritamen- te patrimonialista, teriamos por certo que 0 principio geral da proibigao do enriquecimento sem causa jé legitimaria social ¢ juridicamente a sua utilizacio. Afinal de contas, ela somente é cabivel nos contratos onerosos (em que os “énus’ da avenca devem ser divididos entre os contratantes, para que possam obter os proveitos desejados), ¢ a perda do bem, sem que se buscasse reparar as coisas ao status quo ante, importaria em locupletamento sem contraprestacSo do alienante. ‘Todavia, imitar-nos-emos a essa dtica de certa forma simplista. Por certo, mais uma vez devemos frisar ao nosso atento leitor que todas cessas noes vém profunda ¢ umbilicalmente informadas ¢ influenciadas por tum principio maior, o da boa-fé objetva Isso mesmo. {A ocorréncia da eviesio néo deixa de traduzir, na esmagadora maioria das situasées, uma afronta a esse principio basilar das relagbes juridicas (e, em especial, na modernidade, das relagées contratuais), pela inegével quebra da lealdade que deve pautar toda e qualquer relagao negocial. Fazemos tal observaglo, uma vez que a investigacao cientifica do (novo) Direito Civil nao pode, em hipétese alguma, prescindir de uma inafastavel base de eticidade e transparéncia nas suas relagbes jurldicas, valores aparentemente cesquecidos pela cultura privatistica nacional nos dltimos anos, que pouco in- * Sobre o tema, confira-se o Capttulo XVII (“Enriquecimento sem Causa e Pagamen- to Indevido") do v. I (*Obrigagées") desta obra, 248 cremento deu a finalidade maior de promogao da dignidade da pessoa humana. Assim, ndo temos diivida, garantia da eviccio guarda intima conexida- de com 0 principio da boa-fé, informador de todo o Direito Privado, Por isso mesmo, e a titulo de exemplo, é que nao se poderé falar de evic- io, se o arrematante sabia que a coisa era alheia ou litigiosa, na forma do art. 457 do CC-02 (art. 1.117 do CC-16). 3. REQUISITOS Em nosso Cédigo Civil, a evieglo ¢ disciplinada a partir do seu art, 447 (art. 1.107 do CC-16): “Art, 447. Nos contratos onerosos, o alienante responde pela eviccdo. SSubsiste esta garantia ainda que a aquisicio se tenha realizado em hasta pu- lice” A primeira parte do dispositivo deixa bem claro quem responde pelos riscos: 0 alienante, E para que a sua responsabilidade se manifeste, trés requisitos devem ser conjugados: ) aquisiggo de um bem ) perda da posse ou da propriedade; ©) prolagio de sentenca judicial ou execugdo de ato administrative, Analisemos cada um deles separadamente. 3.1. Aquisi¢io de um bem ara que a evicefo se opere, é preciso se verificar qual foi a maneira pela gual o bem foi adquirido. Isso porque, para caracterizar a evieyfo, tal aquisigdo deve preceder cro- nologicamente a perda da coisa. Sendo de tal forma relevante, esta aquisicdo pode-se dar por duas manei- ras, quais sejam, a celebragio de um contrato oneroso, translativo da posse ou propriedade da coise, ou a sua aquisigao em hasta publica. Expliquemos estas duas hipéteses de ocorréncia 3.1.1. Contratos onerosos ‘A primeira observacdo a ser feita € que se encontram fora da protesio contra o$ efeitos da evicclo todos os contratos gratuitos traslativos de posse ¢ propriedade de bens. ‘Assim, por exemplo, ndo 4 que se falar do instituto nos contratos de doagdo simples ou comodato, uma vez que os 6nus patrimoniais foram impos- tos apenas para uma das partes pactuantes. 247 Quando se fala em riscos da evicsio, concepgio doutrinria tradicional faz mengao sempre ao contrato de compra ¢ venda. Entretanto, é importante frisar que a evicedo jé poderd operar-se com @ perda da simples posse da coisa, no sendo, ademais, uma figura exclusiva de tal figura contratual ‘Nesse sentido, HERMANO FLAVIO MONTANINI DE CASTRO e DANI- 10 FLAVIO MONTANINI DE CASTRO, citando pensamento de CAIO MARIO, asseveram que: “Em que pese quase todos os Cédigos do mundo disciplinarem a evicgao dentro das regras relativas ao contrato de compra e venda (0 que, alifs, a técnica legislativa do Brasil nfo seguiv, pois tratou do assunto dentro do capitalo referente as disposigdes gerais dos contratos), 0 fato € que esta ga- rantia nfo fica adstrita apenas a esta figura contratual™. Alids, a propria situago da aquisicio em hasta piiblica no tem, propria- mente, natureza de “contrato de compra ¢ venda’’ 3.1.2, Aquisicdo em hasta publica Antes da vigéncia do novo Cédigo Civil brasileiro, havia acesa contro- vérsia doutrindria e jurisprudencial acerca da possibilidade de se falar na protegdo contra os riscos da evicczo quando 0 bem fosse adquirido em has- ta publica’, Hermano Flavio Montanini de Castro e Danilo Flavio Montanini de Castro, Evicsi0 no Novo Cédigo Civil, Revista Sintese de Direico Civil e Processual Civil, Porto Alegre: Sintese, n.25, p. 142, set./out, 2003, ‘<"Arrematagto de imével exproprisdo em porgio menor do que a aquisisao judicial. Pretensio do arrematante & sub-rogacio no preco do imével, pretendendo assimilar a indenizagao pela totalidade do bem que nao foi levada & hasta publica posto compos- to de parcela de imével publico inaliendvel. Expropriagao ocorrente apés o término € (0 trinsito em julgado do processo expropriatério com pagamento sujeito ao regime do precatério. 1, Invidvel em sede de recurso especial, apreciagao de matéria cujo tema rio fora objeto de discussio no acdrdao recorrido, tendo em vista a exigéncia do in- dispensével prequestionamento. Aplicacdo das Siimulas 282 e 356/STR. 2. Nao se ad- mite o Recurso Especial pela alines ‘s, quando verificada ausénci de indicagio expli- cite do dispositivo tido por violado; denota-se a deficitncia na fundamentagio do instrumento, impossibilitando, assim, a exata compreensio da controvérsia. Aplicagio da Simula 284/STR. (Precedente: AgRg/Ag 53.617/DF, DJ 15.05.2000; AgRg/EREsp 153,061/DR, DJ 16.08.99 e AgRe/Ag 216.864/SC, DJ 07.06.99) 3. A simples transcrigao de ementas nio suficiente & comprovacio do dissidio pretoriano, nos moldes previs- tos pelo art. 255, do RIST). £ indispensével a realizagao do cotejo analtico entre os acétdios paradigmas e o recorrido com a finalidade de demonstrar a adogso de solu- ses diversas & mesma matéria. 4. A natureza da arrematacéo, ascentada pela doutrina 248 Pela modificaglo legislativa, tal aspecto nilo comporta mais quaisquer divides. ana Por certo, nosso leitor jé deve ter observado que o art. 447 do CC-02 (correspondente ao art. 1.107 do CC-16*) teve uma parte final acrescentada pelo codificador de 2002, que até entio nao existia na lei anterior: “subsiste esta garantia ainda que a aquisicéo se tenha realizado em hasta publica’ ___Imagine-se, por exemplo, que Carlos haja arrematado determinado bem :mével ou imével (em leilao ou praca, respectivamente). Se, apés a arrematagio € a expedicio da imprescindivel carta (comprobatéria do seu novo direito de propriedade), vier a ser demandado, em sede de acdo reivindicatéria, proposta or Adolfo, ¢ sucumbir, poderé exercer o seu diteito de regresso (fruto da ga- rantia da evieslo) contra o devedor, de cujo patriménio se originou o bem levado a hasta. Nesse caso, © arrematante, Carlos, uma vez litigando com o terceiro, Adolfo, sobre a coisa adquirida em hasta piblica, deve valer-se da denunciagao da lide como meio de exercicio de sua pretenséo regressiva (art. 70, I, do CPC-73), E isso mesmo, Quando Carlos arrematou 0 bem, 0 fez em sede de execusio, para viabi- lizar que 0s credores do devedorfexecutado fossem satiseitos. Ora, se 0 arre- fe pela jurisprudéncia, afasta a natureza negocial da compra ¢ venda, por isso que 0 ‘adguirente de bem em haste publica nfo tem a gerantia dos vicios redibitérios nem dda evicglo. 5. O arrematante lesado pode desfazer a arrematacio, investir contra 0 devedor que liberou-se com alienagio juridicamente interditada ou voltar-se mesmo contra o credoz que se pagou de modo indevido, mas jamais sub-rogar-se em eré- ito do processo de expropriagio cuja prépria execusio ultimou-se com 0 pa mento do precatério. 6. Ao arrematante reserva-se 0 acesso a justiga amplo a evitar ‘© locupletemento sem causa, podendo constringir 0 crédito do expropriado, em ‘medida acautelatoria que Ihe garenta o pagamento a posteriori. Deveras, outra alter nativa nfo se Ihe reserve, por isso que o tribunal a quo bem decidiu go essentar: “Desapropriagio — Indireta — Agravo de Instrumento — Levantamento — Nio se adguire por meio de arrematagio em hasta pablica, realizada em execucao contra ‘antigo proprietirio, bem jé entregue a0 uso piblico, nem hé sub-rogacdo apenas no crédito, depois de jé extrcido o direito 2 indenizagio e reconhecido por acérdao transitado em julgado, além de jé satisfeito com o depésito, em cumprimento de precat6rio destinado a0 autor da demanda — Negado provimento so recurso, cance lado 0 efeito suspensivo:. 7. Recurso especial a que se nega provimento” (ST, REsp 6625.322/SP; REsp (2004/0016472-0), DJ, 14-6-2004, p. 184, rel. Min. Luiz Pur, j. 1 5-2004, 1 Turma). 5 CC-16: “Art. 1.107. Nos contratos onerosos, pelos quais se transfere o dominio, posse ‘ou uso, seri obrigado o alienante a resguardar 0 adquirente dos riscos da evicglo, toda ver que se nfo tenha excluide expressamente esta responsabilidade”. 249 matante vier a perder a coisa, concluimos que 0 devedor locupletou-se indevi- damente, por haver propiciado @ hasta de um bem aparentemente seu, mas que, de fato, nao Ihe pertencia. Em tal caso, o valor pago por Carlos caracterizaria pagamento indevido, cabendo ao mesmo, por forca da segunda parte deste Aispositivo, voltar-se contra o executado (devedor), para exercer 0 direito que dda eviegdo Ihe resulta. ‘Nessa linha, questo bastante interessante é saber quem é o responsével por tal pagamento. Dissertando sobre o tema, 0 competente processualista FREDIE SOUZA DIDIER JR., em excelente obra’, aqui transcrita até mesmo nos rodapés, ob- “Resta saber: quem seré 0 responsivel pelo pagamento dos prejutzos do sr- Segundo demonstra ARAXEN DE Assis, que tracou belo painel da controvérsia, a doutrina brasileira adotou o pensamento de Lremtan: caberia pretensio regressiva em face do devedor, que se enriqueceu indevidamente; sendo ele insolvente, poderia 0 arrematante voltar-se contra 0 credor-exequente, que, muito embora tivesse 0 direito ao pagamento, néo o tinha a ser pago pela alienagio de bem de terceiro’. ‘Vai além Anaxen pe Assis — € 0 acompanhamos. Reconhece 0 autor, a par- tir de pensamento de Witanp DE Casto ViLLan, que também o Estado pode ser responsabilizado pelos prejuizos softidos pelo arrematante em razio da evicgio. Vejamos 0 seu pensamento, com 0 qual concordamos integralmente: ‘Aqui, é preciso considerar a unidade do poder jurisdicional. Ao sub-rogar @ vontade do executado, a instincias do exequente, ou veicular a agio deste na esfera juridica do obrigado, conforme o angulo de anise, ¢, a um s6 tempo, decidir 0 dominio a favor de terceiro, o Estado assume 0 risco de entregar com uma mo o que, em seguida, retiraré com a outra. Daf resulta o dever estatal de indenizar 0 evicto. Ademais, a insergao do Estado no negécio de arrematacio autoriza imputar-Ihe responsabilidade pelo dano porventura causado a terceiro, Deste modo, o Estado responderi solidariamente com as partes da relacio processual pela eviecko do arrematante™, * Fredie Didier Jr, Regras Processuais no Novo Cdigo Civil, Séo Paulo: Saraiva, 2004, p. 78. 7 Araken de Assis, Manual do Procesto de Execusdo, 8. ed., S40 Paulo: Revista dos Tri- bbunsis, 2002, p. 741. O autor cita os posicionamentas de Frederico Marques, Amaral Santos, Carlos Alberto Alvaro de Oliveire, Humberto Theodore Jr, Paulo Barbosa de Campos Filho, Manuel de Almeide e Souza, Pereira e Souza e Paulo Furtado, * Araken de Assis, Manual do Processo de Execulo, 8. ed., S40 Paulo: Revista dos Tei- Dbunais, 2002, p. 742. 250 Somente nesse aspecto, néo concordamos, data venia, com 0 nosso espe- tacular processualista. ‘A possibilidade de se reconhecer legitimidade passiva a0 credor/exequente, na demanda regressiva proposta pelo evicto, e mesmo a0 Estado nos parece exagerada. No primeiro caso, apenas admitirfamos a sua condicio de réu se estives- se agindo ardilosamente. Caso nio houvesse procedido de forma insidiosa, a sua boa-fé seria, em nosso sentir, justificativa suficiente para exclui-lo da lide, mormente porque, em toda arrematacio existe, para o arrematante, uma dlea de risco semelhante ou maior & ocorrente nos contratos em geral. Para o credor/ ‘exequente pouco importa qual é 0 bem que iré ser expropriado para satisfazer seu crédito, pois & a relagdo juridica obrigacional (que o vinculava a0 devedor) ‘que quer ver cumprida, ¢ foi justamente pelo inadimplemento do réu que teve de se valer do aparato judicial para receber sua prestacio. ‘Na mesma linha, também nao admitimos a responsabilidade do Estado, ‘mormente em se considerando a hipétese de todo o tramite processual — da constricio (penhora) & hasta piblica — tiver sido devidamente obedecido ¢ conduzido. Afinal, nada mais fez.o Estado do que cumprir um dever constitu- Gionalmente imposto, que & 0 de apreciar toda leso ou ameaga de lesio a direito (art. 5.9, XXXV, da CF/88). Assim, € importante perceber que, se houve expropriagéo de bens do devedor, isso ocorreu por sua tinica ¢ exclusiva responsabilidade, pelo que ampliar 0 Ambito de garantia contra os riscos da evicsao sem norma legal autorizadora soa como um superdimensionamento do instituto. Basta pensar, por exemplo, na execusdo de um crédito trabalhista contra alguns dos devedores contumazes de tais verbas (aqueles que se convencionou chamar, jocosamente, de “clientes da casa” da Justica do Trabalho), que sim- plesmente fecham as portas ¢ nada pagam, pouco contribuindo para solucio do litigio, a ponto de deixar ir & praca ou leila seus bens. Nesse caso, 0 arre- matante viraré credor, pela eviesio, do empregado ¢ do Estado? Nao nos pa- rece razoavel tal solusio, pelo que consideramos, sem a menor sombra de duivida, que toda a responsabilidade € do devedor expropriado. Faz-se mister registrar, por fim, que, embora o exemplo mais evidente de aquisiggo em hasta publica seja a arrematagio, a previsio nfo se limita a cla, podendo ser perfeitamente aplicével para o caso, por exemplo, de uma adjudi- casio. 3.2. Perda da posse ou da propriedade A evicedo, conforme dissemos, remete-nos & ideia de perda do dominio (ou da posse), por forga de ato judicial ou administrative que reconhega direi- to anterior de terceiro. 251 Note-se, portanto, que o prejudicado, quando consumada a perda do bem (6, consequentemente, a eviceao), € 0 adquirente, também denominado evicto. E mais: em nosso sentir basta que se perca a posse daquilo que legitima- ‘mente se transferiu ao evicto (independentemente de a sentenca transitar em julgado ou da transferéncia do dominio), para que este possa fazer valer o seu direito contra o alienante’. 3.3. Prolagio de sentenca judicial ou execugio de ato administrativo ese é um ponto que também deve ser bem destacado e compreendido. Tradicionalmente, a doutrina costume referir que a eviceao decorre de uma sentenga judicial, que reconhece direito anterior de terceiro sobre a coisa. esse sentido, veja esta definicdo de ORLANDO GOMES: “Dé-se eviegdo quando o adquirente vem a perder a propriedade ou poste da coisa, em virtu- de de sentenga judicial que reconhece a outrem direito anterior sobre ela", Na mesma linha, para o clissico BEVILAQUA, a eviesfo consiste “na perda, total ou parcial, da posse de uma coisa, em virtude de sentenca que a garante a alguém que a ela tinha direito anterior””. De fato, como regra geral, podemos afirmar que o evicto sucumbe ante 6 evictor no bojo de uma acio reivindicatéria, em que este sltimo formula a sua pretensio de direito real em face da coisa, que acaba por ser acolhida. Entretanto, nada impede que a perda do bem se dé por forga de um ato administrative, como, por exemplo, uma apreensao policial “Civil. Bviegio, O direito de demandar pela eviegio nfo supée, necessariamente, a perda da coisa por sentenea judicial. Hipétese em que, tratando-se de veiculo roubado, (© adquirente de bos-fé nao cstava obrigado a resist & autoridade policial; diante da cevidencia do ato criminoso, tinha o dever legal de colaborar com as autoridades, devol- vvendo 0 produto do crime. Recurso especial nlo conhecido” (ST), REsp 69.496/SP, REsp (1995/0033775-4), DJ, 7-2-2000, p. 149, RSTY, 130/233; rel. Min. Ari Pargendler,j.9-12- 1999, 32 Turma). “Bviceio. Apreensio de veiculo pela autoridade administrativa. Precedentes da Corte. 1. Precedentes da Corte assentaram que a 'existéncia de boa-f, diante dos termos do art. 1.107 do Cédigo Civil, no afasta 2 responsabilidade pelo fato de ter sido 0 vei- culo negociado apreendido pela autoridade administrativa, nao sendo exigivel prévia sentenga judicial. 2. Recurso especial néo conhecido” (ST), REsp 152.772/SP; REsp (1997/0075844-3), Dy, 8-3-2000, p. 104, rel. Min, Carlos Alberto Menezes Dirsto, j 16-12-1999, 3. Turma). Orlando Gomes, ob. cit, p. 97. " Clévis Beviléqua, ob. cit, p. 241 262 Imagine-se, por exemplo, que Leodegério esteja guiando 0 seu veiculo, recém-comprado, ¢ seja parado por uma blitz policial. Apés apresentar seus documentos, o policial verifica que o automével conduzido havia sido rou- bado. Situagio extremamente desagradével e desconcertante, mormente porque Leodegirio de nada sabia, Em seguida, o veiculo é apreendido, operando-se, por consequencia, a perda da posse (e posteriormente da pro. riedade) do bem. Nesse contexto, nada impede que 0 evicto (Leodegério), sem que houvesse sido prolatada nenhuma sentenca, ingresse, de imediato, com agio judicial para haver do alienante do veiculo a justa compensagio or sua perdi Portanto, concluimos que a sentenga nem sempre & indispensivel para que se consume o risco decorrente da eviegso. esse sentido, é 0 pensamento sempre atual de SILVIO VENOSA: “Des- tarte, temos acompanhado sem rebugos essa corrente jurisprudencial que en~ tende ser a apreensio administrativa, nessas premissas, equivalente a uma de- 2003, 3: Tarma) Sobre o tema, confire-se 0 Capitulo XXVI (“Arras Confirmatérias ¢ Arras Penitenciais”) do v. II (“Obrigagées") desta obra. 277 Na adverténcia de ORLANDO GOMES, a “multa penitencial nio se con- fande com a cléusula penal, que pressupde a inexecugéo do contrato ou inadimplemento de obrigagées contratuais, correspondendo ao ressarcimento dos danos respectivamente provenientes. A multa penitencial nada tem a ver com a execugao do contrato. £ devida como compensagao do exercicio da fa- culdade de arrependimento. Garante 0 poder de resilis, de sorte que 0 contra- tante arrependido mais nfo tem a fazer do que pagar a mula, desvinculando-se por seu mero arbitrio™, Registre-se, no particular, que, nas relagées de consumo, 0 art, 49 do CDC confere 20 consumidor, independentemente de previsio contratual, o direito potestativo de desistir da compra realizada fora do estabelecimento no prazo de sete dias, Trata-se do denominado prazo de reflexto. 5. CAUSAS SUPERVENIENTES A FORMACAO DO CONTRATO Quando mencionamos a ocorréncia de causas supervenientes & formacio do contrato, partimos do pressuposto de que ele se concretizou de forma ple- na, como negécio juridico, nos planos da existéncia, validade ¢ eficdcia, Assim, celebrado para ser cumprido, sem vicios ou previsio de arrepen- dimento, sua dissolucao posterior pode-se dar por diversas formas, que variam desde a manifestacio expressa da vontade até os efeitos extintivos do eventual inadimplemento ou da morte de um dos contratantes, Enfrentemos cada uma destas modalidades. 5.1. Resilicio A expressio “resilicfo” (utilizada expressamente, de forma técnica, pelo novo Cédigo Civil brasileiro, em seu art. 473% aperfeigoando a redacao legal codificada, outrora omissa) refere-se 4 extingio do contrato por iniciativa de uma ou ambas as partes. Registre-se, portanto, de logo, que tal extingo nao se opera retroativa- mente, produzindo seus efeitos ex nunc. Assim, nos contratos de trato sucessi- vo, néo se restituem as prestagGes cumpridas, a menos que as partes assim © estabelecam. % Orlando Gomes, Contratos, 24, ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 187. © CDC: "Art. 49. O consumidor pode desist do contrat, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de reccbimento do produto ou servigo, sempre que a contratagho de fornecimento de produtos eservigas ocorrer fora do estabelacimento comercial, especial- ‘mente por telefone ow a domictio. Pardgrafo tnice. Se 0 consumidor exerctar 0 direto de arrependimento previto neste ar= igo, 0s valores eventualmente pagos, a qualquer tila, durante 0 prazo de reflexo, serdo evolvidos, de imediate, monetariamente atualizadas” © CC-02: “Art. 473. A resiligio unilateral, nos casos em que a lei expresea ou implicit mente 0 permits, opera mediante dentincia notificada & outra parte” 278 Em verdade, partindo da concepsdo de que o contrato gera um vinculo juridico obrigatério as partes, a conclusio logica € que a mesma manifestacio conjunta da vontade possa extingui-lo, Assim sendo, temos que 2 regra, no direito brasileiro, € que a resiligso seja bilateral (distrato), embora se possa falar, em casos permitidos expressa ou implicitamente pela lei, em uma manifestacio unilateral de vontade extintiva do contrato. Compreendamos estas duas espécies. 5.11. Bilateral (Distrato) A resilicdo bilateral € chamada, pela doutrina e pelo préprio texto codi- ficado, de distrato. Se foi a autonomia da vontade que estabelecen a relagdo contratual, é pratica, motivo pelo qual preferimos, metodologicamente, tratar neste topico 0 Instituto, Todavia, para que no sejamos acusados de colidir as classificagdes feitas, esclarecemos que, se utilizada no sentido classico de causa extintiva do contrato em caso de nulidade, resciséo, obviamente, seré uma causa anterior ou contemporanes & formagio do contrato. 5.4. Morte do contratante Por fim, faz-se mister tecer algumas consideragées acerca dos efeitos da ‘morte de um dos contratantes para a relagio juridica obrigacional. Como observa ORLANDO GOMES: “Entre as causas de extinglo dos contratos, a morte de um dos contratantes focupa lugar & parte, Sua inclusdo nos outros modos de dissolusao no tem 5 Miguel Maria de Serpa Lopes, Curso de Direito Civil — Fontes das Obrigagies: Con- tratos, 6, ed., Rio de Janeico: Freitas Bastos, 200), v. Ih, p. 201. 207 realmente cabimento. Néo ¢ possivel afirmar-se que resolve @ contrato, Sem avida, impossibilita sua execucio, ou fez cessi-la definitivamente, mas, a rigor, no pode ser considerada inexecugio involuntéria, porque seus efeitos nko se igualam aos do caso fortuito. Néo se justifica, também, enquadré-la entre as causas de resiligfo, como procede a doutrina francess, pois a resligio se caracteriza por ser consequéncia de manifestagao da vontade de um ou dos dois contratantes"”. De fato, a morte de uma das partes somente constitu; causa de dissolugio do contrato naquelas avencas personalissimas, contrafdas justamente em fango da pessoa do contratante (intuitu personae), equiparando-se & incapacidade sxperveniente,Somente nese casos pode ser apliadoo brocado latino mors omnia solv, “Meesmo assim, operando-se a extingo da avenca, a mesma teré produzido seus efeitos normalmente até 0 evento morte, nfo tendo, portanto, eftito re- troativo (ex tune), mas, sim, obviamente, ex nunc, 0 que se torna mais eviden- te nos contratos de execuglo continuada ou periédica®. Nas demais situagdes féticas, as obrigagdes contratuais!, bem como 0s direitos correspondentes®, transmitem-se aos herdeiros do de cujus. % Onando Gomes, Contre, 24, ed, Rio de Jairo: Forense, 2001, p. 189. * B 0 cao, por exemplo, do tratamento dado na extinglo do mandato, pelo art. 682, 1, do CC-bh, que menciona,justamente, 4 "morte ou imtedi¢io de was das partes? Ur outro exemplo & dado pelo diakmice Professor Antonio Carle Mathias Colt, quando sefere«extingbo do contato de mediaglo, por fogs do falecimento do comin. 1 pols, nese cato, nf teria como o coretor prostepulr no sea trabalho (Contato de Corrtagem Inobldrin — Dostrina Jrsprudeni, Sto Paulo: Alas, 2001, . 19)- * “Civ. Honordios de advogad,Servgosfutros,dependentes de ato de desapropris- fo, Fulecimento do tomador dos servos. © contato de prestasto de servigosedvoce- fiios nfo € revogivel mas Avista de son pectliar natureza, en que predomina a onfanga, a6 obrgn os sucewores pelo paghmento do que foi efetvament, prestad. Hipstese em que, dependente de condgio que to se reizou att 0 flccienta do tomader dos sevigos, or sueetores podlam contratr outro profisonal, sem que se Thea posta recamar qualquer indenizacto, Recuso especial nao conheciao” (ST) REop 357 S710; Resp OSDHINOSERE-T Dj 2D A00 sl Min i aged 62200), Tuma), ‘"agto de consignarto em pagamento, Leptimidade. Quem deve peg. 1. Qualquer inersado pode pup vi (Cod. i art 990) Pode tne o ere equ a consignacto (Cid: de Pr. Givi, art. 890). 2. Em cao de compromise de compra e ‘end, verfcada a morte de wm dos contratants,€ cit a0 desea dente-sucesorvlcrse ds agdo de eonsignagto em pagamento.B, portant parte legtima. 3. Recurso expec Conhecidoe provide” (ST, RExp 86.551/P5; REsp (96015040), DJ, 83-1995, rel. Min Nilson Navesj 20-10-1996, 3* Turina). Civile procesul ii, Contato de seguro. Legiimidade atva a causa. Bene rio, Estipularao em favor de tereto. Ocorréncia. Art. 1,098, Cc. Doutrina, Recrso 298 5.5. Caso fortuito ou forca maior ‘Apenas com a finalidade de dar completude & nossa classificagao, devemos lembrar que hip6teses de caso fortuito ou forga maior também ensejam a ex- tingio do contrat. ‘A matéria jé foi por nés tratada anteriormente®, mas é importante rea- firmar que ambas as hip6teses foram condensadas, tanto no Cédigo Civil brasileiro de 1916 quanto na vigente codificagéo, em conceito tinico, conforme se pode verificar do art. 393 do CC-02 (art. 1.058 do CC-16) “Art, 393. © devedor nto responde pelos prejutzos resultantes de caso for tuito ou forga maior, se expressamente nfo se houver por eles responsabi- Hizado. Pardgrafo nico. O caso fortuito ou de forga maior verifca-se no fato neces: sitio, cujos efeitos nfo era possivel evitar ou impedir™ Hi profunda divergéncia na eventual distingao conceitual entre os dois institutos, Sem intencdo de dirimi-la, registramos, como jé dissemos alhures, que “a caracteristica bisica da forga maior € a sua inevitabilidade, mesmo sendo a sua causa conhecida (um terremoto, por exemplo, que pode ser previsto pelos cientistas); a0 passo que o caso fortuito, por sua vez, tem a sua nota distintiva na sua imprevisibilidade, segundo os parametros do homem médio, Nesta il tima hipétese, portanto, a ocorréncia repentina € até entio desconhecida do ‘evento atinge parte incauta, impossibilitando o cumprimento de uma obri- gacio (um atropelamento, um roubo)"®. provido, I — A legitimidade para exercer 0 direito de ago decorre da lei e depende, fm regra, da tiularidade de um direto, do interessejuridicamente protegido, conforme f relagao juridica de direito material exstente entre as partes celebrantes. II — As re- oes juridicas oriundas de um contrsto de seguro ndo se encerram entre a8 partes contratantes, podendo atingirterceiro beneficrio, como ocorre com os seguros de vida ‘ou de acidentes pessoais, exemplos clissicos apontados pela doutrina, Ill — Nas esti- PPulagées em favor de terceio, este pode ser pessoa futura e indeterminada, bastando ‘Que Seja determinével, como no caso do seguro, em que se identifica o beneficiério no Momento do sinistro. IV — 0 terceiro beneficidrio, ainda que néo tenha feito parte do Contrato, tem legitimidade para ajuizar acéo direta contra a seguradora, para cobrar a {indenizagio contratual prevista em seu favor. V — Tendo falecido no acidente o tereei- 10 beneficirio, legitimados ativos ad causam, no caso, os seus pais, em face da ordem a vocagto hereditéris” (STI, REsp 257-880/RJ; REsp (2000/0043135-4),j. 3-4-2001, rel Min, Silvio de Figueiredo Teixeira). © Sobre 0 tema, confira-se 0 t6pico 2.4 (“Caso fortuito e forga maior”) do Capitulo ‘Vint (*Causas Excludentes de Responsabilidade Civil ¢ Cléusula de Nao Indenizar”) do IIT ("Responsabilidade Civil") desta obra. © Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, Nove Curso de Direito Civil — Obri- gagbes, Sto Paulo: Saraiva, 2002, v. I p. 291. 299 Nao hé diferenca pragmética, porém, entre os institutes, que, ocorrendo na vigencia de uma relagao contratual, acabaréo por extingui-la, sem énus as partes. ‘Vale registrar, inclusive, a titulo de curiosidade, que algumas modalidades contratuais expressamente elencam a forga maior como causa extintiva™ 0 que, em verdade, € perfeitamente dispensével, tendo em vista 0 proprio sentido do institute. © 0 caso, por exemplo, do contrato de prestagio de serviso, sobre o qual, na previséo do art. 607 do CC-02, ee estabelece: “Art. 607. O contrato de prestagto de servigo acaba com a morte de qualquer das par- tes. Termina, ainda, pelo escosmento do prazo, pela conclusio da obra, pela rescisio do ontrato mediante aviso prévio, por inadimplemento de qualquer das partes ou pela impossibilidade da continuagao do contrato, motivada por forga maior” (grifos nossos). 300 Capitulo XV Excecao de Contrato Nao Cumprido Sumdrio: 1. Consideragbes inicais. 2. Conceito © natureza juridica. 3. Hementos caracterizadores. 4. Escorco histdrico. 5. Restrigio & aplicagio do instituto. 6. Garantia de cumprimento, 7. A excegto do contrato no cumprido ¢ a Adminis- tragio Publica. 1, CONSIDERACOES INICIAIS ‘Um tema extremamente relevante, em sede de discussio sobre extinglo contratual, é a aplicagio da “excecao de contrato nao cumprido” (exceptio non adimpleti contracts). ‘Trata-se de instituto de grande aplicabilidade pritica, que, dada a sua importincia jurisprudencial, merece ser tratado em capitulo proprio. ‘A matéria esta disciplinada nos arts. 476 477 do CC-02 (art. 1.092 do CC-16), que estipulam: “Segto I Da Excegéo de Contrato no Cumprido Art, 476, Nos contratos bilaterais, nenhum dos contratantes, antes de ‘cumprida a sua obrigagio, pode exigir 0 implemento da do outro, Art, 477. Se, depois de concluido 0 contrato, sobrevier a uma das partes contratantes diminwigo em seu patriménio capaz de comprometer ou tornar uvidose a prestagdo pela qual se obrigou, pode a outra recusar-se & prestagao que Ihe incumbe, até que aquela satisfaca a que Ihe compete ou dé garantia bastante de satisfazé-la" Compreendamos sistematicamente o tema, 2 partir da enunciagao de seu conceito. 2. CONCEITO E NATUREZA JUR{DICA Consiste a “exceslo de contrato nfo cumprido” em um meio de defesa, ‘pelo qual a parte demandada pela execugdo de wm contrato pode arguir que deixou de cumpri-lo pelo fato da outra ainda também no ter satsfeito a presta- $40 correspondente, 301 Como se infere, a mesma somente pode ser aplicada nos chamados con- tratos bilaterais, sinalagmdticos ou de prestagoes correlatas', em que se tem uma producdo simultanea de prestagBes para todos os contratantes, pela dependén- ia reciproca das obrigagées. ‘Trata-se, portanto, de uma excesSo substancial, paralisando a pretensio do autor de exigir a prestacéo pactuada, ante a alegagio do réu de no haver percebido a contraprestagio devida. Nao se discute, a priari, 0 contetido do ccontrato, nem se nega a existéncia da obrigacao? on se pretende extingui-la’, sendo uma contestagio apenas do ponto de vista da exigibilidade, Sobre as excegdes substanciais, disserta, com brilhantismo, FREDIE DIDIER JR,, aqui transcrito inclusive com suas referéncias em rodapé: “A excecdo substancial, para ser conhecida pelo juia, precisa ser exercida pelo demandado. Nao pode, de regra, 0 magistrado conhecer ex officio dessa exce- fot. Nao alegada a excegzo substancial no momento da contestagdo, ocorre & preclusio, salvo se a lef expressamente permitir a alegacio @ qualquer tem- Po, © que é raro (ex.: prescrigio, art. 193 do CC-2002). A excegao opera no plano da eficécia’: nlo pretende o demandado extinguir a pretensio contra * SDireito civil. Contrato bilateral. Consideragoes doutrindrias. Incidéncia do art, 1.092, CC. Recurso conhecido e parcialmente provide. Nos contratos sinalagmiticos, em que incidente a exceptio non adimpleti contractus, permitido € 20 contratante retardar 0 adimplemento da sua ebrigacao enquanto o ottro nao satisfaz a sua” (ST), REsp 5.213) PA; REsp (1990/0008466-6), DJ, 7-10-1991, p. 13971, rel. Min, Silvio de Figueiredo ‘Teixeira, j 20-11-1990, 4 Tarra). * "Comercial e civil — Compra e venda mereantil — Exceptio non adimpleti contracts, I — Vilido, no contrato mercantil, alegar-se a excegio de contrato nao cumprido, sabido que nenhum dos contratantes, antes de cumprida a sua obrigacio, pode exigit © implemento da do outro. II — Recurso ndo conhecido” (ST}, REsp 7.076/PR; REsp (4990/0014189-3), Df, 3-6-1991, p. 7425, rel. Min. Waldemar Zveiter, j. 1-5-1991, 3 Turma). 2 “Shopping center. Contato de reserva. Res sperata. Excego de contrato nfo cumprido. © lojista pode deixar de efetuar 0 pagamento das prestacbes previstas no ‘contrato de direito de reserva de érea comercial para instalagio de loja e de integragéo no ‘tenant ‘mix’ do centro comercial’ se o empreendedor descumpre com a sua obrigagio de ins- talar loje-incore no local previsto, em prejuizo do pequeno lojista. Para isso, no hi nevessidade de também rescindir 0 contrato de locagio da loja. Art. 1.092 do CCivil Recurso conhecido e provido” (STJ, REsp 152.497/SP; REsp (1997/0075403-0), DJ, 30- 9-2002, p. 263, rel, Min. Ruy Rosado de Aguiar, j 15-8-2002, 4 Turma). * 0 Cédigo Civil de 2002 inovou no particular, pois relativizou vetusta regrs, 20 per- mitir que a prescriglo, quando beneficie incapaz, possa ser conhecida de oficio pelo ‘agistrado (art. 194 do CC-2002). * Brancisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Tratado de direto privado, 4. ed, Séo Paulo: Revista dos Tribunais, 1984, t. 6, p. 10-1 808 si exercida, mas apenas retirat-Ihe 2 eficdcia. Quem excetua no nega a eficd- cia, busca neutralizé-Ia ou retardé-la*. A excecto, como reverso de pretensio, prescreve no mesmo prazo desta (art. 190 do CC-2002)’. Sio excecbes subs- tanciais, por exemplo, prescrigio, 0 direito de retengio © a excesio de ‘contrato nao cumprido” ‘Trata-se, também, de um instrumento bastante ttl para forgar 0 devedor a cumprir a sua obrigagfo, uma ver que a recusa de pagamento da obrigacéo pode compeli-lo a tal fim. Registre-se, ainda, com SILVIO RODRIGUES, que a “exceptio nom adim- plesi contractus pode ser invocada, qualquer que seja a causa geradora do inadimplemento do contrato. Quer a recusa de cumprimento se funde na mé vontade do contratante, quer na forca maior ou no caso fortuito, em ambas as hipéteses a outra parte pode aduzir a excegao. Porque, tendo uma prestagdo sua causa na outra, deixando aquela de ser cumprida,seja qual for © motivo, cessa de exigir a causa de cumprimento da segunda”*, Por fim, é possivel falar em excesio do contrato parcialmente cumprido (exceptio non rite adimpleticontractus) — mo caso de uma das partes ter cum- prido apenas em parte, ou de forma imperfeita, a sua obrigagio, quando se comprometera a cumpri-la integralmente —, mas, em verdade, «sua concepeio estd abrangida ne primeira 3. ELEMENTOS CARACTERIZADORES Para facilitar a compreensto do instituto, destrinchemos quais sio os elementos necessarios para sua caracterizagao: SR excepto € dito negative; mas, no negat, nfo nega a existéncia, nem a validade, nem desfaz, nem coclimina atos de realizagéo da pretensio... s6 encobre a eficicia do ireito” (Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, 4. ed, SAo Paulo: Revista dos ‘Tribunais, 1984, t. 6, p. 10-1). “Ao contrério de negar o direito em vias de exercicio, a exces supde este dieito, mas supe também um outro que toca 0 excipiente” (Humberto Theodoro Jr, Comentarios ao Cédigo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 2003, v. If, t I, p. 183) ? Resolveu o legislador do Nova Cédigo Civil questio assaz tormentosa, pois nao havia no CC-16 disposicio semelhante, o que gerava muitas divides sobre a incidéncia dos prazos presericionais para a exceslo. Sobre a prescritiblidade das excegdes, Francisco Cavalcanti Pontes de Mirands, Tratado de Diteit Privado, 4. ed., Sio Paulo: Revista dos ‘Tribunals, 1984, t. 6, p. 245. * redie Didier Its “Da excesfor 0 dieito de defesa e as defesas, Revista Eletronica do (Gurso de Direito da UNIFACS, no site wwrs:unifaes brlrevistajaridice, edigho de ago. 2004, sesio “Corpo Docente’ » Silvio Rodrigues, Direito Civil — Dos Contratos e Declaragtes Unilateais de Vontade, 25, ed. Sio Paulo: Saraiva, 1997, v3, p. 77. 508 a) Existéncia de um contrato bilateral — A exceptio non adimpleti contractus, em sentido préprio, somente pode ser invocada em contratos"® onde hé uma dependéncia reciproca das obrigagSes"!, em que uma é a cau- sa de ser da outra, néo sendo aplicével, a priori, para outras relaBes ju dicas"; b) Demanda de uma das partes pelo cumprimento do pactuado — So- mente hé sentido na invocaco de uma excegio substancial (defesa em sentido material) se hé uma provocacto, exigindo-se o cumprimento, pois, na inércia das partes, nio ha que falar em defesa; ©) Prévio descumprimento da prestagdo pela parte demandante” — f justamente o prévio descumprimento pela parte demandante que autoriza 0 ‘Ensino privado. Renovagso de matricula. Falta de pagamento de mensalidades. [io hi se cxigir de Universidade de ensino privado a prestagdo de servigos sem a devia contraprestagio. Nao € entidade flentrépica, nem tem obrigagio de fornecer ensino publico, onus do Estado. Ao fim e ao cabo, trata-se de contrato bilateral de- vendo incidis, também, as regras do antigo CCB, no art. 1.092. Apelo improvido” IRS, Ap. Civ. 70004905030, rel. Des. Marco Aurélio das Santos Caminha, j. 16-10- 2008, 5 Cam, Civ). " "Compra e venda de imével. Excegio de contrato no cumprido, 1. Para que seja invocado o art. 1.092 do CC necessério que as obrigagdes sejam reciprocas ¢ simul ines. no caso, os recorrentes assinaram o documento e foram imitidos na posse, nko podendo, agora, invocar a protecio da excepto de contrato nao cumprido se a outorga a escritura definitive seria devida, apenas, apés a quitasio do prego avengado, 2. Re- curso especial nfo conhecido” (ST), REsp 85956/SP; REsp (1996/0002563-0), DJ, 13-10- 1997, p. 51574, LexST], 102/167; RSTI, 104/285, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Di- reito, j.17-6-1997, 3 Turma). " Givi, Locarao, Excegio de contrato nfo cumprido. Impertinencia. Violagso 20 art, 1.092, DO CC: Inexisténcia. 1 — Nao hi espago para a aplicagio da exceptio non adim- plesi contractus se 0 mével da execucio em andlise é um acordo firmado pelas partes ocador ¢ locatério), em autos de acko de despejo e nto um contrato propriamente dito, Violasao a0 art. 1.092, do Cédigo Civil inexistente. 2 — Recurso no conhecido” (ST, REsp 191.502/SP; REsp (1998/0075508-0), DJ, 2-5-2000, p. 189, rel. Min. Fernan- do Goncalves, j. 28-3-2000, 6.° Turma). “Diteito civil. Seguro de vida ¢ acidentes pessoais. Prémio pago com atraso. Pagamen- to aceito, sem qualquer ressalva. Posterior morte da segurads. Indenizagio devida. Arts. 937, 939, 940 e 1.432, CC. Recurso acolhido. Assentado pelas instancias ordinarias que as seguradoras receberam 0 pagamento do prémio efetuado com atraso, conferindo regular quitagio, sem qualquer ressalva, por intermédio de insttuisgo financeira a tan- to autorizada, no é de ser acolhida, ante a superveniéncia do evento morte objeto da cobertura securitéria, a alegagio de exceptio non adimpleti contractus fundada na felts de cumprimento, no tempo devido, da obrigaeao assumida pela segurada” (ST), RESp 36.022/5Ps REsp (1993/0016878-2), DJ, 12-6-1995, p. 17628, LexSTJ, 79/146, rel. Min. Silvio de Figueiredo Teixeira, j. 16-5-1995, 4 Turma). 504 excipiente a se valer da exceptio non adimpleti contractus™, uma ver que, tendo havido cumprimento da prestagio, na forma como pactuada, a demanda pelo seu cumprimento constitui o regular exercicio de um direito potestativo. Res- salte-se que se 0 descumprimento foi de terceiro, e nao da parte contratante, no ha como invocar a excesio"’ . ESCORCO HISTORICO Hi divergéncia doutrindria acerca da origem histérica do instituto, SERPA LOPES, em pioneira ¢ profunda monografia brasileira sobre 0 tema, regist “Uma corrente ¢ partidéria de sua origem romana, de um modo nitido, fenquanto outra, posto nfo desconheca que certas manifestagdes de reagio defensiva por meio de uma especial forma de retentio fossem jé conhecidas dos romanos, todavia so de parecer que a sua estrutura juridica, tal qual aparece no Direito moderno, é uma consequéncia da nogio canénica a res- peito da ideia de contrato, e que, no Direito Romano, as circunstancias que presidiam aquele direito no podiam favorecer a ideia de fides que se encon- ‘ra como um elemento fundamental e intrinseco na excepiio n. ad. contracts ‘'*promessa de venda e compra, Agio de rescisio por inadimplemento contratual. Nao tendo cumprida pelo promitente-vendedor 2 sua obrigacdo, tocante a entrege do imével fem condigdes de solider ¢ seguranga, nio Ihe & dado exigir 0 implemento da dos compromissérios-compradores quanto 20 pagamento das prestacbes remanescentes avengadas. Exceptio non adimpleti contractus’ acolhida. Recurso especial nio conhecido” (ST), REsp 2.330/SC; REsp (1990/0001906-0), DJ, 28-5-1990, p. 4735, re. Min. Barros Monteiro j 8-5-1990, 4 Turma). 1 “Agzo declaratéria, Nao pagamento de financiamento habitacional por descumprimento de obrigncdo de fazer. Contrato bilateral. Nao se pode pretender 0 no pagamento de prestagio decorrente de financiamento coberto pela ré sob a alegagdo de ter esta des- ccumprido com sua obrigacdo de bem fiscalizar a constru¢io do imével, principalmente ‘quando somente ce obrigou ela a financiar compra e venda havida. Interpretagzo do art. 1.092 do CCB/I6. Sentenga reformada. Apelo da r€ provido. Recurso adesivo do autor prejudicado” (TJRS, Ap. Civ. 195201587, rel. Des. Paulo Anténio Kretzmann, j 27-11-2003, 10 Cam, Civ.) ' “Civil. Ineficdcia de obras em loteamento. Ato de terceiro, Excesio do contrato nfo ‘eumprido, Inocorréncia, 1. A ineficécia de obras realizadas em lotzamento quanto 20 sistema de coleta de aguas pluviais e de esgoto, decorrente de ato de tereiro, nfo con- figura a excegio do contrato no cumprido, mas apenas execuslo insuficiente ot in- completa, sem eutorizar 0 promitente comprador a retardar 0 adimplemento de sua obrigasio, suspendendo o pagamento das prestagSes avencadas. . Recurso especial conhecide” (STI, REsp 520.547/SP; REsp (2003/0062593-0), Dj, 17-11-2003, rel. Min. Fernando Gonsalves, j. 7-10-2003, 4.* Turma). 805 Tais sfo as divergencias que dividem os juristas em torno dese ponto deli- cado e histérico””, Independentemente disso, 0 fato € que o instituto sobreviven aos séculos, tendo se consagrado nas legislagbes ocidentais contempordneas. E 6 possivel restringi-lo? RESTRICAO A APLICACAO DO INSTITUTO A disciplina legal da exceptio non adimpleti contractus, tanto no CC-16 quanto no CC-02, nada dispunha sobre a possibilidade de restriglo a invocagéo do institute, Nada impede, porém, que, partindo-se de situagSes fiticas em que as partes estejam em igualdade ou a restrigao soja feita em interesse da coletivi- dade, seja. a mesma realizada. B 0 posicionamento, por exemplo, de CARLOS ROBERTO GONGALVES: “Como decorréncia do principio da autonomia da vontade, admite-se a vai- dade de cliusula contratual que sestrinja 0 direto de as partes se utilizarem do aludido art. 476. Trata-se da cléusula solve et reper, pela qual obriga-se o contratante a cumprr a sua obrigagdo, mesmo diante do descumprimento da do outro, resignando-se a, posteriormente, volta-se contra este, para pedir o ccumprimento ou as perdas e danos. Importa em rendncia a0 dizeito de opor 4 exzegfo do contrato no cumprido. Nfo é muito comum, sendo encontra- a em alguns contratos administativos, para proteger a Administragio. Nas relagées de consumo deve ser evitada, em raxHo da cominagfo de nulidade a toda clausula que coloque o consumidor em desvantagem exagerada (CDC, art 51)", 6. GARANTIA DE CUMPRIMENTO Como visto, a exceptio non adimpleti contractus pressupSe 0 descum- primento da avenca. ‘Todavia, celebrado o contrato, se houver fundado receio de seu futuro descumprimento, por forga da diminuigao posterior do patriménio da parte ccontraria, é preciso que se faga algo para resguardar o interesse dos contraentes. Para isso, prevé o art. 477 do CC-02: 7 Miguel Maria de Serpa Lopes, Excesdes Substanciais: Bxcegto de Contrato no Cumpri- {o (Exceptio non adimpleti contractus), Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1959, p. 136. Carlos Roberto Gonsalves, Dirsito das Obrigagses — Parte Especial — Contratos (Sinopses Juridicas), 6. ed., Sd0 Paulo: Saraiva, 2002, t. I, p. 25. 508 “Art. 477. Se, depois de concluldo © contrato, sobrevier a uma das partes contratantes diminuicio em seu patrim6nio capaz de comprometer ou tornar Guvidosa a prestagao pela qual se obrigou, pode a outra recusar-se & prest due Ihe incumbe, até que aquela satisfac e que Ihe compete ou d@ gerantia bastante de satisfaz6-Ia" ‘Trata-se de uma forma de protecio aos interesses daquele que, por forsa da relagio obrigacional, esta adstrito ao cumprimento da prestaczo antes da parte contréria, constituindo-se, sem a menor divide, em medida das mais just, Exemplificando a matéria, observa o jé citado amigo ¢ professor CARLOS ROBERTO GONGALVES: *Procura-se acautelar os interesses do que deve pagar em primeiro lugar, protegendo-o contra alteragées da situaco patrimonial do outro contratante, ‘Autoriza-se, por exemplo, 0 vendedor a ndo entregar 2 mercadoria vendide, se algum fato superveniente & celebragdo do contrato acarretar diminuigio considerével no patriménio do comprador, capar de tornar duvidoso 0 pos- terior adimplemento de sua parte na aven¢a, podendo aquele, neste cso, reclamar 0 prego de imediato ou exigir garantia suficiente ‘Na hipétese mencionada, no poderé o comprador exigir do vendedor a entrega da mercadoria, enquanto no cumprir a sue obrigaio de efetuar 0 pagamento do preco ou oferecer garantia bastante para satisfazé-la. Se pro- mover ago judicial para esse fim, podera aquele opor a excecao do contrato io cumprido"”, Dando outro exemplo, imagine-se que alguém contrate a banda TREBLE- BES para fazer um show de final de ano, em uma determinada casa de espeté- culos no interior da Bahia. Por forga de uma enchente, porém, o local ficou interditado por varios meses, gerando vistvel e substancial prejuizo para seu proprietdrio. Ora, sera que vale a pena correr o risco de se deslocar para a cidade, fazer a apresentacio € néo receber a contraprestaclo? E claro que no, motivo pelo qual deve o referido conjunto musical exigir garantias do cumpri- mento, antes de se aventurar pelas estradas da vida. 7. A EXCECAO DO CONTRATO NAO CUMPRIDO E A ADMINISTRACAO PUBLICA For fim, vale tecer algumas consideracdes sobre a possibilidade de in- vocagio da excecio do contrato ndo cumprido, em sede de contratos admi- nistrativos. ® Carlos Roberto Gonsalves, Direito Civil Brasileiro, Sto Paulo: Saraiva, 2004, v. 111, p. 167, 307 Nao hé 2 menor ditvida de que isso pode ser feito, unilateralmente, pela ‘Administragio™, mas a pergunta que se faz é se o particular também gozaria dessa prerrogativa. Isso porque, estabelecido 0 contrato com a Administragao Pablica, 0 contratado assume o papel de seu colaborador, agindo, como tal, no interesse da comunidade, que nio pode ficar prejudicada pela paralisacdo na sua exe- ccusao. Na observagio de MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, essa “doutrina sofre hoje algum abrandamento, pois ja se aceita que a exceptio tion adimplesi comtractus seja invocada pelo particular contra a Administragio, embora sem a mesma amplitude que apresenta no direito privedo. Neste, os interesses das partes sao equivalentes e se colocam no mesmo pé de igualda- de; no contrato administrativo, os interesses das partes sao diversos, devendo, em determinadas circunstincias, prevalecer o interesse piblico que incumbe, em principio, 8 Administragdo proteger. Por isso, o particular deve, como regra, dar continuidade ao contrato, evitando de, sponte sua, paralisar a exe ‘cugio do contrato, jf que a rescisio unilateral é prerrogativa da Administra- 03 0 que o particular pode e deve fazer, até mesmo para acautelar seus interesses, € pleitear @ rescisdo, administrativa ou judicialmente, aguerdando que ela seja deferida"™, Fi claro que, em certas situagées, a continuidade da prestasio deve ser vetificada de acordo com o principio da razoabilidade (proporcionalidade), pois ode impossibiliter @ execugio do contrato ou causer so contratado tum dese- anilbrio econémico de tal monta que nao seria razodvel exigir que 0 mesmo fosse suportado, pela desproporcao entre esse sactifiio ¢ o interesse piblico a atingir pela execugzo do contrato, ® “apelagto civel. Ago de cobranga ¢ reconvencio, Contrato administrative, Descum- rimento. Rescisto contratual. ‘Exceptio non adimpleti contractus. IndenizagSo dos anos causados pelo inadimplemento da avenga. Nao tendo a empresa cumprido a parte que Ihe competia do contrato, mesmo apés a prorzogagio do prazo previsto no contrato administrativo, cabivel sua rescisio sem a contraprestagio pecuniéria. Em contrato bilateral, sinalagmtico, se um dos contratantes ado cumpriu sua obrigaczo, rio pode exigir 0 adimplemento pela outra parte. Aplicagio da ‘exceptio non adimpleti contractus. Por outro lado, procedente o pleito reconvencional, visando a indenizagio pelo deseumprimento do contrato, em face do prejuizo decorrente, devidamente com- rovado. Apelagdo improvida (11 fls.)” (TJRS, Ap. Civ. 598080505, rel. Des. Febianne Breton Baisch, j. 9-5-2001, 2° Clim, Civ). * Maria Syivia Zanella Di Pietro, Direito Administrative, 10, ed. S80 Paulo: Atlas, 1998, p23, 508 ‘Assim, parece-nos, por exemplo, que as previsdes do art. 78, XV e XVI, da Lei de Licitagdes (Lei n, 8.666193) podem autorizar, excepcionalmente (sem trocadilho!), a aplicagio da excegio do contrato néo cumnprido®. ‘Até porque, nessa mesma linha de raciocinio, também nfo se afigura justo que o Estado se beneficie & custa do particular. 2 “Art 78. Constituem motivo para rescisto do contrate: oy - XV —o atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela Administra Glo decorrentes de obras, servigos ou fornecimento, ou parcelas destes,jé recebidos ou executados, salvo em caso de calamidade publica, grave perturbagio da ordem inter- 1a ou guerra, astegurado ao contratado o direito de optar pela suspensio do cumpri- mento de suas obrigagSes até que seja normalizada a situagio; XVI — a nao liberacio, por parte da Administrasso, de érea, local ou objeto para exe ceusdo de obra, servigo ou fornecimento, nos prazos contratuais, bem como das fontes de materiais naturais especificadas no projets” 309 Capitulo XVI Teoria da Imprevisdo e Resolugao por Onerosidade Excessiva Sumério: 1. ttrodugio. 2. Concepsio histérica da teoria da imprevisio. 3. Com- preendendo a distnggo entre teoria da imprevsio, lula rebus sic stantibus resolugto por onerosidade excestva. 4 Elementos para aplicabilidade da teoria da imprevsto. 5. Teoria da imprevisto x Lesto, 6. Teoria da imprevisto x Inadim- plemento fortuito (eso fortuito ou forga maior). 7. A teoria da imprevsio no Codigo de Defesa do Consumnidor. 8. A teria da imprevisto no Cédigo Civil de 2002. 8.1. Aplcabilidade do instituto, 82. Revisblidade do contato. 83. Aplica G0 da teoria not contratos unilaterais. 4. Restrigdo contratual aplicagio da teoria 1. INTRODUCAO Conforme explicitado em capitulo anterior', consideramos 0 tema da resoluso contratual por onerosidade excessiva relevante demais para ser abor- dado em um simples t6pico. Por isso, fizemos a opgio metodolégica de abordé-lo em um capitulo préprio, concebendo-o dentro da chamada “Teoria da imprevisio’, tema muito ‘mais amplo e que o abrange. Compreendendo tal teoria, seré possivel enfrentar o instituto com muito ‘mais propriedade, inclusive para além dos limites do Cédigo Civil brasileiro. Facamos, para isso, uma répida digressio historice. CONCEPCAO HISTORICA DA TEORIA DA IMPREVISAO Umbilicalmente ligada a0 principio do pacta sunt servanda, a concep¢l0 dogmitica da teoria da imprevisio ou da imprevisibilidade marcou, sem di da, um importante passo na histéria evolutiva do Direito. ‘A Lei 48 do Cédigo de Hammurabi, grafado em pedra 2.700 anos antes de nossa era, jé trazia latente to importante teoria: \ Confira-te 0 t6pico 5.2.1 (“Algumas palavras sobre a voluntariedade da inexecucd do Capitulo XIV (“Extingao do Contrato") do presente tomo. sll “Se alguém tem um débito a juros, e uma tempestade devasta 0 campo ot destr6i a colheita, ou por falta de agua ndo cresce 0 trigo no campo, ele nto deverd nesse ano dar trigo ao credor, deverd modificar sua tébua de contrato no pagar juros por esse ano”, Desenvolvida especialmente na Franga, a teoria da imprevisto traduz, sobretudo, um ressurgimento da vetusta cléusula rebus sic stantibus do Dizeito Canénico’, segundo qual o contrato somente seria exigivel se as condicbes econémicas do tempo de sua execucdo fossem semelhantes 2s do tempo de sua celebracao. Referindo-se a essa clausula, RUGGIERO observa que: “Nos contratos a longo termo ¢ com sucessivas prestagdes periédicas (contractus qui habent tracturn sucessivum) deve considerat-se sempre su- bentendida a cliusula rebus sic stantibus, isto é, que quando uma alteragao mais ou menos profunda se verifique mais tarde no estado de fato exis- tente ou tido em conta pelos contraentes no momento do acordo, possa © obrigado invocar a resciséo do contrato que para ele se tornow excessi- vamente gravoso™. Ocorre que esta cléusula, importante sobretudo pelo cardter mais soli darista que imprimia ao contrato, acabaria por cair no esquecimento nos sis- temas juridicos dos séculos XVIII e XIX, especialmente durante 0 auge do li- beralismo, em que se cultuava a vontade e a razio humana como o centro de todo 0 universo social, Durante muitos anos, portanto, consoante observamos linhas acima, 0 principio da force obrigat6ria dos contratos imperou absoluto, sem que se pudesse conceber, sob pena de se cometer uma verdadeira “heresia juridica’, revisfo ou resolucio de um determinado contrato por forca de uma circuns- ‘tancia superveniente imprevisivel Tudo mudou, entretanto, na primeira metade do século XX. * J. M, Othon Sidou, Resolugio Judicial dos Contratos — Cldssla “Rebus Sic Stasbus”™ =e Contratos de Adesto — No Direito Vigente e no Projo do Cédigo Civil, 3. ed., Rio 4e Janeiro: Forense, 2000. **Embora nio se stiba exatamente em que momento surgiu essa eldusula, sabe-se que 0s romanos jé aceitavam a vulnerablidade do principio da obrigatoriedede do contrato (Cpacta sunt servanda’), Antes de ser uma regra juridica, ela foi uma regra moral ado- tada pelo crstianismo; exigia-se equivaléncia das prestacoes sempre que se eetiveste em presenga de um ato a ttulo oneroso. Dai a frase, que ¢atribuida a Bartolo (1314-1354); “contractus qui habent tractum successivum et dependentiam de futuro, rebus sic stan- tibus intelliguntur™ (Maria Syivia Zanella Di Pietro, Dreito Administrativo, 10. ed, S Paulo: Atlas, 1998, p. 234), “+ Roberto de Ruggiero, ob. cit, v. 3, p. 350-1 sg A Primeira Grande Guerra (1914-1918) e os movimentos sociais que fervilhavam na Europa Ocidental,aiados a um redimensionamento das forcas seopoliticas mundiais, alteraram sobremaneira a face da economia global, cau- sando forte impacto nos contrates de longo prazo, celebrados antes do grande contlto. TImagine-se, apenas a titulo de exemplo, quantas indtstrias celebraram contratos para a extracio e beneficiamento de carvio antes da guerra. Seria justo que tais contratos nfo fossem revistos apés a deflagracao do conflito? Poderiam os precos praticados permanecer imodificéveis, nos mesmos parimetros anteriores & guerra? © pacta sunt servanda, pois, deveria ser repensado. E foi a Franca o primeiro Estado a editar uma lei direcionada & discipi- na de t8o importante questéo. “Trata-se da famosa Lei Fallot, de 21 de maio de 1918% [Nese sentido, preleciona o culto DARCY BESSONE: “Na Franga, ainda sob 0 fragor das batalhas, o problema desfava solu. A Corte de Cassagio resistin tenazmente as solicitacdes de revisio dos con- tratos. O Conselho de Estado, no entanto, eeu logo & preméncia dos fats, firmando © principio de que o poder piblico s6 poderia exigir do conces- sionério o cumprimento do contrato, tornado excessivamente oneroso por consequéncia de circunstincias novas, das quais houvessem resultado dif culdades superiores as que poderia prever, se 0s revsse, adaptando-os 3s circunstincias do momento. Em face da resistincia da Corte de Cassagio, tornou-se necesséria a solugdo da questao por meio de le, e, 21 de maio de 1918, promulgou-se a Lei Falliot." Assim, ganhou base legal a denominada Teoria da Imprevisdo, consistente no reconhecimento de que a ocorréncia de acontecimentos novos, imprevistveis elas partes ¢ a elas ndo imputiveis, com impacto sobre a base econdmica ou 1 execugio do contrato, admitiria a sua resolugio ou revisto, para ajusté-lo as circunstincias supervenientes’. No dizer de Ruy Rosado de Aguiar Jr, “A primeira reagio ao principio da inderrogs- bilidade dos contratos por efeito de fatos novos, veio de WINDSCHEID que, em 1850, Jangou a teoria da prestuposigao, segundo a qual o contratante se obriga com a certeza da permanéneia de uma situagio ou da ocorréncia de um fato sem qual no teria ‘ontratado, Falhando exee pressuposto, o interessado pode resolver © negocio” (Extingao ‘dos Contratos por Incumprimento do Devedor, 2. ed., Rio de Janeiro: Aide, 2003, p. 144). © Darcy Bestone, Do Contrato — Teoria Geral, So Paulo: Saraiva, 1997, p. 218. » Pablo Stolze Gagliano, Algumas Consideragies sobre a Teoria da Imprevisio, Jus Na- sigan, Teresina, 1.5, 2.51, out. 2001, disponivel em: , acessado em 4-11-2003 318 Analisando a teoria, com habitual erudisio, ALVARO VILLAGA AZEVEDO exemplifica: “Suponhamos que um engenheiro se obrigue, fornecendo material ¢ mao de obra, a construir para alguém uma casa, por oitocentos mil reais, reservande desta soma cento e cinquenta mil resis como seus honordrios. Por imprevi, sivel e brusca alterag20 no mercado, aumenta-se o prego do materiel de constructo, cleva-se 0 salério minimo, a ponto de impossiblitar o deveder se cumprimento de sua obrigasdo. O que de material e de mao de obra tiahe sido previsto para custar seiscentos e cinquenta mil reais, passa # custar ae tocentos mil retis,colocando o engenheiro em posiglo de desempenhar o ses servigo, sem qualquer remunerasao”! COMPREENDENDO A DISTINCAO ENTRE TEORIA DA IMPREVISAO, CLAUSULA “REBUS SIC STANTIBUS” E RESOLUCAO POR ONEROSIDADE EXCESSIVA Apenas por uma questio de rigor terminol6gico, parece-nos relevante cxplicitar a diferenca entre Teoria da Imprevisio, Resolucio por Onerosidade Excessiva e Cléusula Rebus Sic Stantibus, A “Teoria da Imprevisio” é 0 substrato teérico que permite rediscutir os Preceitos contidos em uma relacio contratual, em face da ocorréncia de acon. tecimentos novos, imprevisiveis pelas partes e a clas nao imputdveis, ‘Trata-se, em nosso pensar, de uma aplicagio direta do principio da boa Pablo Stolze Gagliano ¢ Rodolfo Pamplona Filho, ob. cit, p. 78. 348

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