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DEMOCRATIZACAO DO ENSINO: VICISSITUDES DA IDEIA NO ENSINO PAULISTA * JOSB MARIO PIRES AZANHA®* Anallsando © ensino om So Paulo, 0 attr distingue a propaganda de edvencko demo critica da acto democrutizadora, através de uma diseamato sobre a Reforma Sampaio Dérta, 4 expanso das matrfeulas no elelo. ginasial durante a administrasio Uhea Cintra eo & Fenovacto pedayOzien dos Gintsios Vocacionats, Constala que, mos dois primeirog casos, houve uma poltica de ampliaclo radical das oportunidades educacionals enquanto que, no timo, @ demceracia fot entendida principalmente como pritien pednutsies. SUMMARY The author analyses the school system of the State of So Paulo, distinguishing the democratic propaganda from the democratic aetion by diseussing the Sampaio Doria. Reform, the expansion ‘of secondary edueation during the Ulhoa Cintra administration and the peda” sogleal innovation of the Vocational Schools, Ha evidences that, In. the first two caacs, {heres was a radical augmentation of the eduescioval opportunitioe white sn the Tast ue democracy was perceived as @ pedagogica e practice 1 Num estudo de Gerth e Wright Mills (1973), Publicado pele primeira vez em 1953, eles afirmam. que “a palavra Democracia, em especial quando usada ‘na moderna competiclo propagandistica, passou, Ite- ralmente, a significar todas as coisas, para todos 0s homens”. Esta observacio que na sua contundéncla arece dissuadir qualquer tentativa de clarificacto do termo, reflete contudo uma caracterfstica da situacéo hiist6rica que vivemos, na qual o prestigio da posigdo democratica € tio grande que o termo “democracia” seus derivados se transformaram em elemento indis- ensdvel a qualquer esforgo ideolégico de persuasio polltico-social. Alids, esse quadro j4 se havia reve lado claramente num simpésio promovido pela UNESCO em 1948 ¢ no qual se discutiram os “eon- fMitos ideol6gicos acerca da democracia” (McKeon, ‘Trabalho apresentado no Simpésio «A. seletividede na escola de Ie 6 2 gras, realinado em julho de 1978, na ‘ Reunito ‘Anual da SBPC, em Sto Paulo, Original: rmante pubiieado na Revista da Faculdade de Eduardo, vol. 5, 1-2, 1908, € agul reprodusido por autorlzanto de Comissko de Publicagtes da Faculdade de Baveacko de Universidade de io Paulo, ** Da Faculdade de Edueacto da Universidade de Sho Paulo. CADERNOS DE PESQUISA/30 1951). Nesse simpésio, aos espectalistas convidados — expoentes nas stas respectivas areas —- foi apresen- ‘tado um elenco de t6picos e questies que na sua variedade © formulagtio ensejou 0 aparecimento das profundas e irredutiveis divergéncias dos autores con- sultados. Mas, no obstante as diferencas radicais de posigio acerca do significado de “democracia” © de ‘suas implicagbes politicas, socials © econdmicas, houve lum ponto que foi a premissa fundamental de todas as posigdes: a valorizagio do ideal democratico. B claro que, multas vezes, a teologia de um soava como demonologia para outro, mas todos concordaram nna “aceltagio da democracia como a mais alta forma de organizagio politica © social” © com a tese de que “a partictpacio do povo ¢ os interesses do povo sio elementos essencials para o bom governo ¢ para as relagies que fazom possivel @ bom governo” (McKeon, 1951, pp. 522-8). # essa unanimidade na superticie e essa divergéncia profunda acerca do significado ae ‘democracia” que torna muito dificil o esclarecimento a nogio derivada de “ensino democratico”. Contudo, uma das conclusdes do inventérlo analitico do sim- ésio, encomendado pela UNESCO a Naess e Rokken, fornece um itinerério possivel para essa tarefa. Nese Inventério, og autores cautelosamente se abstiveram 13. de um balango que se assemelhasse a uma tentativa e procurar pontos de consenso nas opinlses expressas, ‘mas, pelo contrério, reconhecendo as inconcilldvels di- vergéncias, busearam compreender as suas razdes, ‘esses termos, na conclusio referida, disseram eles: “ses 0 significado geral de ‘democracia’ & to claro ¢ livre de ambigiidade quanto a lin- guagem corrente permite; 6 a expressio de um deal, um modelo © um designio, um reflexo de asplragies humanas, As disputas ideol6gicas ‘nao se levantam deste significado geral e do tipo ideal de relagées humanas que ele expressa; ‘as disputes dizem respeito as condigbes que levam ao Progresso até este ideal, aos meios pelos quais ele pode ser aleangado, & ordem das Providéncias a serem tomadas no seu desen- volvimento, Como conseqliéncia, as atuals con- trovérsias ideolégicas no se concentram no ‘significado de ‘democracia', mas nas teorias sobre as condigées de seu desenvolvimento © os ‘meios de sua realizagio” (Naess e Rokkan, 1951, P. 457). Neste trecho, fica muito claro como € tuséria 2 unanimidade das alegacées democréticas © como, fem conseqéncia, a simples profisstio de {6 demo- cratica no divide os homens. As formulagGes abstra- tas do {deal democritico so opacas e assépticas Prestam-se a todos os us0s, servindo a todas as ideo- logias. nos esforcos de realizacio histérica desse ideal que as raizes das posigies © das divergéncias se revelam. Partindo desse reconheclmento, delineia-se um ‘caminho possivel para tentar clarificar @ nogio deri vada de ensino democratico. ® além da zoada dos ‘manifestos, das proclamagées ¢ dos slogans — que ‘final no divide os “democratas da educagio” — que € preciso escrutinar o que os divide: @ acho demo- eratizadora, 2B por isso que no desenvolvimento deste trabalho distingulremos, com relaglo ao ensino em Sto Paulo, entre a propaganda da educacio democratica e pro vidénelas no plano da agio, A primeira £6 interes- sara incldentalmente na medida em que estiver vin- ‘culada de modo direto com algum episéaio politico ou administrative que diga respeito ao tema tratado, ‘Com sso no subestimamos a importancia de seu eventual estudo, mas apenas a consideramos evanes- ente como elemento explicativo das medidas demo- cratizadoras do ensino ocorridas neste século. Alias, © discurso pedagégico neste periodo foi sempre de tom monétono e abstratamente democratic; no se prestando, pols, como tal, para diferenciar entre ten- dencias dutentieamente democriticas © outras em que 8 slogans da democracia, pela sua aceitacto univer- sal, serviam a outros. propésitos. 14 A quem examina, mesmo superticialmente, as vicissitudes dos esforcos de democratizagio do ensino em Sto Paulo, neste século, ressaltam dentre outros 8 seguintes episcdlos: Reforma Sampalo Dérla (1820), ‘Manifesto dos Pioneiros (1932), Luta pela escola pi- blica (1948-1081), expansio da matricula no ensino ginasial (1967-1969) © esparsas tentativas do reno- vacio pedagégica (Gindsios Vocacionals, por exemplo). Cada um desses eventos, representou a seu modo um esforgo no sentido da democratizagéo do ensino. Situa-se, mo entanto, fora do escopo deste trabalho (© exame da importancia relativa dessas iniciativas no desenvolvimento da educagio no Estado, porque o nosso objetivo é mals modesto do que qualquer inten- Gho historiadora. Queremos apenas por em relevo que ‘essas diferentes contribulgSes representaram distintos compromissos, técitos ou no, com a idéia de demo- cratizaggo do ensino, Mas, conforme j4 anunciamos anteriormente, vamos reter para anélise apenas of ‘episédios diretamente envolvidos numa ago, tentando nestes casos deslindar 0 entendimento de “democracia” Iimplicado por essa aco. Com essa restricao, limi- taremos os comentérios a aspectos da Reforma Sam- aio Déria, da expansio das matriculas no ciclo gina- slal © da renovacio pedagégica dos Gindsios Voca- clonais, Numa primeira aproximagio ¢ sem maior esforgo, constata-te que os trés casos exemplificam luma ou outra de duas maneiras bésicas de compre- ender a democratizagio do ensino: 1) como politica de ampliagio radical das oportunidades educativas (6 0 caso da Reforma Sampalo Déria e da expansio das matriculas no ciclo ginasial) e 2) como pratica pedagégica (6 © caso dos Ginislos Vocacionais) Aparentemente, essa distintas manelras de conceber ‘a democratizacao do ensino se completam ¢ ni pode- lam ou, prineipalmente, no deveriam ser dissociadas. Hé mesmo autores cujas referéncias a0 assunto levam ‘a pensar que se trata apenas dos aspectos quanti- tativo © qualitative de um tnico @ bisico processo (Fernandes, 1066 © Barros, 1971). Alids, essa 6 uma fdéia muito difundida e de transito féeil entre os que tratam de edueagio; eontudo, 0 assunto no nos pa- rece tio simples, e a ele voltaremos apés uma breve deseriggo © comentario de cada uma das iniciativas em £00. 1 REFORMA SAMPAIO DORIA Quando Sampaio Doria assumiu a Diretorla da Instrugio Pibliea do Hstado de Sdo Paulo, em 1920, fa situagio do ensino primirlo era altamente deficl- tarla ©, Esse guadro que vinha se agravando ano fa ano, nessa altura exigin que se duplicasse a rede 6, & propéslte: Antunba, £4. © Nagle, 1974 pp 200-7. FUNDAGAO CARLOS CHAGAS

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