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Georg Simmel (1858-1918) sempre postulou para seu pr6- prio pensamento uma mobilidade e uma plasticidade para se adaptar ao seu objeto — uma multiplicidade de direges, uma defesa do fragmento —, que se opdem a toda tentativa de fixa- a0 ¢ acabamento, a toda pretensio de sistema. Por isso todos os rétulos que lhe so atribuidos, apesar de possuirem seu teor de verdade, sempre soam tio falsos. Dis- to também ¢ exemplo o fato de Simmel, hoje considerado, a0 lado de Max Weber e Ferdinand Ténnies, um dos “pais” da sociologia alema, ndo poder ser classificado sem mais como “sociélogo”, sob pena de se perderem varias outras dimensoes que sao essenciais ao seu pensamento. Walter Benjamin, que ainda péde ouvir Simmel, detectou em sua “dialética caracteristica” a transigao da filosofia tradi- cional (“de cétedra”) para uma filosofia ensafstica. Theodor ‘Adorno retomou 0 enfoque de Benjamin e apontou o nticleo do esforco simmeliano, a “virada da filosofia rumo aos obje- tos coneretos”. E dessa virada, que exige sua concepcio mui- to prépria de “filosofia”, que se originam suas miltiplas preo- cupagées, em uma obra que conjuga de modo original diver- sas “perspectivas” — a Sociologia, a filosofia, a economia, a psicologia, a histéria, a estética e outras mais. Curso de Pés-Graduagao em Sociologia Universidade de Sao Paulo SON 85-732-180-3 | editoralifi34 Leopoldo Waizbort AS AVENTURAS DE GEORG SIMMEL Coordenagio do C Coordenador: Prof. Dr, Braslio Salam Jr. gia do Departamento ‘io Paulo agradecem i CAPES — over editoralll34. EDITORA 34 Editora 34 Ltda. Rua Hungria, $92 Jardim Europa CEP 01455-000 So Paulo - SP Brasil Tel/Fax (11) 3816-6777 editora34@uol.com.be Curso de Pés-Graduacio em Sociologia Departamento de Sociologia da Faculdade de Homanas da Universidade de Sio Paulo Ay. Prof. Luciano Gualberto, 315. Cid. Universitéria CEP 05508-900 Sio Paulo - SP Brasil Tel. (11) 818-3724 Fax (11) 818-4505 Letras ¢ Ciéncias [A FOTOCOMIA DE QUALQUER FOLHA DESTE LIVKO E ILEGAL, E CONFIGURA UMA AFROPRIAGRO INDE REITOS INTELECTUAIS E PATRIMONIAS DO AUTOR. Capa, projeto grafico € editoracao eletronica Bracher & Malta Producio Grafica Revisio: Isabella Marcatti Alexandre Barbosa de Souza 1" Edigdo - 2000 Catalogagio (Pandagio Biblioteca Nac Fonte do Departamento Nacional do Livro nal, RJ, Brasil) Walabor, Leopoldo Worse Ar aventuas de Georg Simmel ‘Sto Paulo USP, Curso de as 4,34, 2000, SAN 85.7326.180:3 Incl’ bibiogra Simmel, Geog 1858-1918). 2, So Univer de Sto Paulo, Curso de Pos oem Secalogi. Tl cpp - 306 A CIDADE, GRANDE E MODERNA Georg Simmel nasceu em 1° de margo de 1858 em encravada em um dos pontos de maior movimento em Berl de FriedrichstraSe com Leipzigerstrae. Mais tarde, ele semp: cespagos, prostituigéo, pobreza, magazines, mercadorias,ruas de com: passagens, barulho, dinheiro, politica, arts, trens, bondes, automéve! idéias, exposigées, estranhos: tudo iss0 € novo! dia, ainda mais para os padrdes europeus: wma cidade da época bw a2, “Berlim tornou-se uma cidade grande da noite para o dia, com ‘especulador feliz.”> 1 Pode-se ver: eR. Glateet, Berliner Leben 1900-1914. Eine historische Repor- tage aus Evinnorungen und Berichten, Westbeli, Das europaische Buch, 1986. 2 sabre isto, 0 sugertivo texto de R, Thiessen, “Berinische kicung”, in W, Prigge (org), Stddtsche Inellektuelle, Urbane at, Fischer, 1992, pp. 142-61, 3 HL. Mackowsky, “Hans Baluschek”, in Kunst nnd Kins 338 apud C. H. Haxthausen, “Eine neue Schonbeit. Emst Ludwig Kirschners bilder", op- cit, p. 77. 4B Schifers, "Stade und Kultur”, én Kéluer Zeitschrift fir Soziolo ialpsychologie, Sondereft 29: Sozilogische Stadtforschung, 1988, p- 99 ‘As aventuras de Georg Simmel at ‘Uma visada no incremento da populagao de Berlim perm o desenvolvimento da cidade desde 1871, ano da pr do Segundo Império: Ano Populagio Berlim Populagio Grande- 1871 826,000 915.000 1885) 1.315.000, 4.537.000 1895 1.677.000, 2.218.000, 1905 2.040.000 3.131.000 1919 1.928.000 3.674.000 Dos cerca de 1.700.000 habitantes em 1900, somente 40% eram ny cidos na cidade. Isto ilustra o enorme afluxo de pessoas para a capital’ “Com a populagdo tio aumentada nas cidades, 0 comércio vare torou mais lucrativo do que nunca. A multidio de compradores ra uma nova forma de comércio, ce as lojas de departame 4 custa dos classicos mercados ao ar livre ¢ das pequenas lojas.”* Cor surgimento da ‘mercadorias passam progressivamente a d nar o cenério das cidades, O dinheiro exerce, cada vez mais, 0 seu paps! de simbolo da época. ‘A distingao entre Berlim ¢ Grande-Berlim, assinalada no quads. corre porque, no plano administrativo, a cidade de Berlim, atéa d de 1920, é apenas um pedaco da cidade propriamente dita, que com crescimento englobou progressiva e continuamente as localidades Na segunda metade do século XIX, Berlim passa pelo processo de formagao de uma cidade-residéncia a uma moderna aglomeragao url (© que de inicio ainda era considerado “subirbio” ¢ “arredores” pav progressivamente a fazer parte da cidade propriamente dita. & ness ccesso que regiées limitrofes, que originalmente nao pertencem formal § cidade, sio rapidamente incorporadas. Dai se falar, por exemplo — iar apenas localidades em que Simmel morou—, Berlin-Charlotten Berlin-Westend, e assim por diante, Em 1920, cla é a segunda maior de européia em populacao, depois de Londres. Ao norte, sul eleste de surgem os bairros operérios, enquanto 0s intelectuais e a burguesia nizam progressivamente o lado oeste da cidade. (Mas a Grande Berlim € muito diferente de outras grandes ci “Th, Haronker, “Zam Werk von E. Fuchs", in Eduard Fuchs, Iustri kfurdM, Fischer, 1988, vol 0 declnio do homem piiblico, io Paulo, Compania das |< 1989, p. 167. ne Leopoldo W. ; i ; ' ‘cidade moderna. Dife- no ha \s so derru- codas, ela & 0 mod rentemente de P: ndres, nao ha partes baiseos adormes sassado] Todas as con: badas para dar hixar ao novo-B'apesar das des tante na hi prédigos. Max Osborn escreveu em 1906 um livro qual acusava: “NOs, nés mesmos lizar o seu presente, a cidade ignora ¢ © seu passado. Tudo é novo, Nao hé velhos habitantes; a ma finigrantes que chegam & cidade em um fluxo ininterrupto; grandes mas- sas afluem, para acompanbar e promover o desenvolvimento. “10 que deixava Berlim parecer tio feia, aos olhos do abservador ceulto,era sobretudo a franca modernidade da cidade. Mesmo um guia como © ‘Beedeker’ daqueles anos notava que a paisagem da cidade de Berlim sofria visualmente desse cardter: ts ramente modernos ¢ isto conduziria a uma falta de interesse hist6 ‘irtude do crescimento extraordinariamente rpido.e muito tardio de Ber- lim, muitos observadores contemporaneos, como por exemplo Georg Her- mann, acreditavam que Berlim estaria ‘em processo, em alteracio constante ‘ino possui.. ainda uma fisionomia’ Huard decrevew a cidade como ‘nova, limpa e sem carter, absolutamenteinova) nova demais, mais nova do que «qualquer cidade americana, mais nova'do que Chicago, nia cidade que lode ser comparada a Becim no que diz rspeito 4 velocidade assombro- fo fato de Huard descrever a cidade 11 descreve 0 dinheiro: isto nos mos- Jecida por Simmel, era algo prenhe na época. wento da cidade esto no desenvolvimento dos Berlim é nao s6 uma metr6pole industrial jor cidade industrial da Alemanha —, como também politica, panceira ¢ cultural. Na passagem do século XIX, € 0 maior fornecedor € rodutor de bens do Reich. Berlim é semelhante & América: ela vive da € w sua atualidade; a propria cidade é de certo modo uma aventura (e mais Vina se pensarmos sta hstéria no curso do século XX). Jé entdo surge © ‘européias. Mais 7 Ciado por WJ. Siedler, “Die Tradition de ige u einer poltichen Kultur, Hamburgo, Row js amplamente a questi. lembrar que G inecrolgio de Simmel na Vossische Zeitung. 5 de Georg Simmel 313 ca de Weimar. Berlim ja € a Chica- ;i um periodo de ouro no desenvol wento da renda nacional e per capi reparos de guerra por parte da Franca n nos anos 70%, ‘uma infra-estrutura que acompanhasse sande parte da populacao vivia em “Miets- 'sde um quarto e cozinha com banheiro comunal, em luz elétrica e contando apenas com gua. enorme. “Berlin estla cité, au monde, dont plus dense: 77 habitants par parcell, et méme cla anda de mios dadas com a industrializagio da nou disso o exemplo extremado'?. Na cidade gran- ie mercadoria, a prostituta se transforma em artigo de mas- a a massa. Ela & contempordnea da massa na cidade grande. Ela esta a cidade, nas ruas, jd que em Berlim os bordeis sao terminante € lim, Berliner Festspile, 1988, passim, conjuntara — pois se em linhasgerastrata-se de uma época esllchafsgeschichte,w -quotiienne en Allemagne au temps de Guilawone I en 1900, | Ver em geral o cap Il, “La rude vers Berlin", da parte I. 1870-1918: and S 12, pp. 668, 686°8, 314 Leopoldo Waizbort as massas da cidade, a ponto de o Chanceler de Ferro pre~ sengeset2” (1878-90): proibigao dos sindicatos politica social: aposentadoria, seguro de invalidez, d da de trabalho etc. sio a grande realizacio de Bismark no plano da ca interna Georg Simmel nasceu ¢ viveu em Berlim até os 56 anos. De 1858 a prussiana, Nesse periodo, ‘esse processo de transforma ‘gio foi um elemento central na configuracao de sua teoria do moder filosofia da cultura e andlise do presente, em suma, para a propria idéia dde uma cultura filoséfica, Sua teoria do moderno € 0 seu enfrentamento ‘com a cidade em que vivia, suas prdprias experiéncias formam o material (que atiga a sua reflex e a tentativa de apreender conceinualmente as trans- formagoes que ocorrem!®, O que éespecifico de Berlim serve como impulso e ponte para analisar o que é genérico. E é por isso que me parece ter sen tido falar acerca de Georg Simmel e a Berlim do Segundo Império. ‘Um contempordneo afirmou que em Simmel o espirito da época pa- rece ter se encarnado como em nenhum outro a seu tempo, Isto ja se dei xaria antever no préptio local de nascimento do nosso Autor, a esquina de maior movimento no centro de Berlim'7. E por encarnar 0 moderno na cidade grande de modo tao proprio é que Joél afirmou, embora em sen- tido figurado, que seus ouvintes¢ leitores nao poderiam pertencer & cida- de pequena dos, bascie-me sobretudo em: M. ‘Lohmann, “La conftoatation de Georg Simmel avec une metropole: Ber “532, p. 623.42, 1? CéK,Jodl, “Esinnerungen an Simmel”, i K. Gassen e M. Landmann (or) Buch des Dankes an Georg Simmel, op. cit, . 166. Extremamente sugestiva € aoe andlise da quest2o por Theodot Lessing, em um capitulo dedicado 2 Sins Lessing, Philosophie ale Tat, Gitingen, Otto Hapke, 1914, pp. 303-43. {As aventuras de Georg Simmel 31s 1 para Berlim logo apos se casar, S48, Fs migeagdo rumo a idéncia prussiana se inscreveem u ito mais amplo de transferéncia progressiva de novas mass. mmel, comerciante, foi um dos primeiros a int Jerlim doces finos franceses, e parece tr tide muito sucess. rietario de um comércio de chocolates ¢ cria uma mare ic vendida, com sucesso, por toda a Alemanha: “Felix und Sar n 1845, seu sucesso é coroado com a notneagao para fornccedor imperial ‘Ao desenvolver a idéia do estilo de vida moderno, como uma cate a capaz de configurar a sua teoria do moderno, Simmel aponta para térico do moderno estilo de vida: a cidade grande. O maior pi jema da “vida moderna” esta circunscrito no conflito entre indivi jedade, entre cultura interior e cultura exterior. Tratavse de uma con {guracdo hist6rica do processo civilizatério, de diferenciacao social, de id tidade do eu. O que, para o “homem pri re2a"8 yisando & autoconserva¢ao, para o homem moderno éa tensio e interior e exterior, individual e supra-individual. [No moderno “atta 0 mesmo motivo bésico: a resisténcia do sujeit 1a ser nivelado e consumido em um mecanismo técnico-social” (p. 192, gr fo meu). O sujeito sb se deta caracterizar por essa redistncia frente a um’ exterior hos (é por isso que ele se recolhe na interioridade). A questio se coloca nas cidades grandes, o locus par excellence do moderno, é a dn relagio do individual com o supra-individual. Isto se concretizae se mostrs as mais variadas formas. Trata-se entdo de investigar, por assim dizer, » de individualidade que a cidade grande e moderna estimula econstiu “O fundamento psicoldgico, a partir do qual o tipo das individualidades da cidade grande se eleva, é a intensificagio _da vida nervosa, que resulta da mudanga rdpida e ininterrupta de impressbes internas e externas.” (p. 192) '% G, Simmel, ‘Die GroSstidte und das Geistesleben” (1 192, O mesmo vale para o que foi citado imediatam de eonferéncias que acompanhava, no inverno de 1902-1903, primeis Cidade que ocorre na Alemanha, em Dresden. Ver Howard Weiodward “Municipal Exposition (Dresden 1903)", in The American Jo “ 1904, pp: 433-88, 612-30, 812-31; vol. X, 1905, pp. 47-63. ite Leopoldo Waizhort E essa inten tisfeito, nostalgic: ficagio que faz com ansioso, € por isso se Simmel destaca o tipo das individualidades vista a caracte . A contra: partida do nivelamento é a possibilidade de resguardar um espago inte- rior absolutamente individual: 0 individuo “reserva” uma “parte essen- cial de sua personalidade como propriedade privada””, Isto é, enquanto propriedade privada, o individuo tem controle sobre © que ele externa liza e com quem ele quer repartir 0 uso desse espago interior. Ha aqui, decerto, uma racionalizaco consideravel, pois o espaco da subjetividade € racionalmente delimitado e, portanto, controlado (poder-se-ia pensar 21.6. Simmel, Sosiologe, op. cit, p. 180. 226. Simmel, Sosiologie, op. ct, p. 184; também Grundiragen der Soziologi op. eit p. 34. Neste contexto tem especial inceresse H. Arendt, A condicio human Rio de Janeiro/Sio Paulo, Forense/Edusp, 1981, pp. 48-9, 2 G. Simmel, na Philosophie des Geldes, chama-nos a atengio para as existentes entre a propriedade privada, Avaventuras de Georg Simmel 319 logia do espagg simmeliana para o espago to por desconhecidos ¢ a objetividade das transagoes muito mais facil, em as inter- we as relagdes pessoais, baseadas no conhecimento.¢ portanto sentimento, trazem consigo. Simmel vé o dinheiro ¢ o entendi- do estrita, que ninguém saberia dizer se ntelectualistica e animica inspeliu inicial- ia monetdria, ou se esta foo fator determinante p. 194) yente uma relagio causal de “Seguro é apenas o fato de que a forma de vida na ‘mais rico para esta interagio.” (p. 194) Isto nos mos- como o conceito simmeliano de interagao, com seu cardter fun- -omo 0 dominio da economia monetaria e como 0 racionalismo smenos modernos, que tém lugar na cidade grande. Ligado a isto estio ainda as idéias de calculabilidade e contabilida- cde que impregnam a vida na cidade grande, Tudo precisa ser calcula m exatiddo; assim como o dinheiro exprime todos os valores das coi- 1dos os valores qualitativos precisam encontrar sua quantificagzo. “Mas sao as condi¢des da cidade grande que sdo tanto causa como efeito desse trago essencial. As relacSes e questies do habitante tipico da cidade grande costumam ser tao varia- das e complicadas, e sobretudo com a acumulagio de tantos homens, com interesses tio diferenciados, suas relaces ¢ ati- vidades engrenam-se em um organismo tao complexo, que sens 1 pontualidade mais exata nas promessas e realizagdes 0 todo se esfacelaria emt urn caos inextricdvel.” (p. 195) 1 organizacio racional ndo s6 do tempo, mas também do espa- ‘damental para que a vida na cidade grande possa fluic’S, Ela re- texto sobre as cidades grandes como a sociologia do espago foram, ce exemplos da necessidade irre eo uso dos relogios reguladosi organizacio do tempo Imente (ef. G. Simmel, “Die an Leopoldo Waizbort Trchay propria, esquemas s idade em continuo aquilo que nés vemos em wn homem é interpretado por agui- lo que nds ouvimos dele, enquanto 0 inverso é muito mais aro. Por isso aquele que vé sem ouvir [o surdo, LW] é muito mais confuso, perpelexo e inguieto do que aquele que ouve sem ver [o.cego, LW]. Ha aqui um momento significativo para a socio- logia da cidade grande. Nesta o tréfego, em comparacao com ‘a cidade pequena, exibe wma preponderancia enorme do ver outras pessoas sobre 0 ouvir. E na verdade nao s6 porque na cidade pequena os encontros na rua ocorrem numa cota relati- vamente grande com conhecidos, com quemt se troca uma pa- lavra ou cujo aspecto reproduz para nds toda a personalidade, € no 56 a visivel — mas sim sobretudo pelos meios puiblicos de transporte. Antes da criagao dos Gnibus, trens e bondes no século XIX, 05 homens nao estavam absolutamente em condi- 60s de poder ou precisar se contemplar mutuamente por mi- rnutos ou mesmo horas sem falar entre si. O trdfego moderno limita cada vez mais as relagses sensiveis entre os homens, no ‘que diz respeito & parte preponderante de todas essas relagoes, a mera percepgio do aspecto, ¢ com isso ele precisa situar os = ‘sentimentos sociologicos gerals sob pressuposi¢des completa~ ‘mente alteradas. O caréter mais enigmtico do homem que sé“ Grof%stidte und das Geisteseben”, op. cit, p. 195), «do espaco, mediante, por exem- plo, a numeragio das casas nas ruas (cf. G. Simmel, Soziolopiesop. cit, cap. 9). 26 G, Simmel, Philosophie des Geldes, op. ct, p- 665, grifo meu. Eni ‘quegamos de que funcio, em Simmel, tem a ver com as relagbes que se estabelecem (eh ‘0 tépico “pantefsmo estético”). As aventuras de Georg Simmel 321 Ses = WADE comparagao com 5 6 ouvido (como foi men- ema do sentimento moderno da wientacao na vida como wm todo, 10 e para que as pessoas estejam por portas fechadas.°7 [As condigées de vida na cidade grande e moderna eriam condigdes necessidades especificas de sensibilidade e comportamento, Simmel des- 1 a influéncia que as modemnas condigdes de vida deveriam exereer a préptia consciéncia dos homens: “A consciéncia permanente de ccerta periculosidade [em fungao do tréfego crescente, LW] deve pro- uma alteracio na constituigdo psiquica dos homens."?8, Em todos pontos nos deparamos com uma pléiade de comportamentos estili- Js. Nao ha divida de que essa sociologia da cidade grande, de que Simmel, é o fruto de suas proprias experiéncias em Berlim—e tam- :m em outras cidades grandes, que ele visitava recorrentemente em uma vida cheia de viagens”®. Berlim se destacou em varios aspectos do planejamento urbano e de . Desenvolveu uma rede ferroviéria ampla em que os trens urba- -adtbahn) cruzam a cidade de leste a oeste: um elevado de 12 km, é Charlot- wurg. Em 1846 criam-se linhas de Gnibus puxados por ca 1865 inhas de bonde puxados por cavalos; em 1902 circula o slrimo bonde ido a tragao ani ‘mesmo ano inicia-se a elerificagao, que 86 se completaré nos anos 30. A 27 G, Simmel, Soziologie, op. cit p. 727. ‘Apud M. Landmann, “Arthur Steins Erinnerungen an Georg Simmel, tH. 1 eK. Grinder (orgs, Asthetik und Socologie wm de Jabrhuoderwende: Georg op. hp. 274 (© imais das vezes a obra de Simmel estéligada de modo 1 pessoas, que server de ponto de parva para sua reflexio. Quem ler 2 ‘nna Soziologieem que Simmel anaisa a posi da empregads doméstca pode mente como ele parece estar se referindo ¢ experéncias vividas em sua pro £..G, Simmel, Soviologie, 0. cit, pp. 262 55.). Outro exemplo,distinto: a ‘jaias berlinenses em 1894 e o confit entre os trabalhdores eos em som uma objesvidade tamanha, que chama a atengio do nosso autor, imem a seu tempo. Nenhum dos ‘na tesolugio de confitos, parece ser 0 ‘nico a moldar a stuagio loge, op. cit, pp. 303 58). Leopoldo Waizbort 1914 0 metrd ja te aparece o primei gular 0 trinsito. No cruzamento FriedrichstraSe com U tum guarda ficava constantemente coordenando om to torna-se cada ver mais forte a idéia do planejamento urb: tude do grande crescimento da cidade e das moradia, trabalho e infra-estrutura. [As condiges de vida na cidade grande e moderna criam condiybes ce necessidades especificas de sensibilidade e comportamento. Os moder- nos vem muitas imagens, sio bombardeados, ao colocazem os pés fora de casa, com o fluxo enorme das imagens (cabers a televisio trazé- las para interior). Mas a sua capacidade de atribuir sentido a elas nao acompanha a velocidade com que se apresentam a consciéncia. O modo “Ae experiencia da realidaide que est entao ent jogo € radicalmente dis- tinto. Quando um contemporineo — ou o proprio Simmel? — desce a0 submundo do metr6 berlinense e, algum tempo depois, retorna 8 super- fici, cle se vé defronte de um outro espaco, diverso daquele que deixou ‘ao submergir. Assim o metré cria uma nova experiéncia do espago na ci dade, uma experincia em que o espago é uma colegio de buracos. Ele sobe e desce, a0 seu bel-prazer, e a cidade o acompanha, se distendendo ese contraindo, E nao se trata apenas do metrd, mas dos modernos meios smpo e espago se industrializam??, Trata-se de tos, ¢ cada vez variaveis, que Ihe é impossivel manter contato com eles. Eles permanecem estranhos: algo distante que esta préximo™?. E a cidade grande transforma 0 contato com o estranho na experiéncia mais corri- queita. Cada passageiro esta preocupado com os seus neg Pero mtn Ga ue ie 39 CEH, Simmel, “Auszige aus den Lebenserinnerungen”, op. cit p. 259 31 Ver W. Schivelbusch, Geschichte der Eisenbabnreise, Zur Industri: vom Raw: und Zeit im 19. Jabrbundert, op. ct 32CF G, Simmel, “Exkurs Uber den Fremde", op. cit. As aventuras de Georg Simmel 323 ns sew mundo interior, enquanto 0 ex- », Ela gana, na cidade grande © mo- icoldgico de que o sentimento de 36 fisicamente, raramente sur- ‘mos estranhos e sent esto fisicamente mi A cidade proporciona, portanto, um novo tipo de solidéo, muito mais, intensa, e que nio existia anteriormente — na cidade pequena conhece- ‘mos as pessoas, elas no nos so estranhas. Os modernos sio indiferen- 0 tépico “estilo de tes. Neles opera aquele “prinefpio da indiferenga” ( vida”). Ele apaga os tragos pessoais; estamos semp: fio que é andnima, composta de andnimos. “[..] andnimo[s] ¢ aco- bertadofs] pela totalidade, até mesmo oculto[s]”.* Em meio a multidao na cidade grande cresce a “distancia da unida- de social em relagio aos elementos que a formam”, € 0 individuo'“se es- 5, © anonimato e a impessoalizagio so a idade caracteristica do moderno. Simmel de- entos e das formas de © as grandes lojas, a grande empresa moderna cria uma cat € caracteristica: 0 empregado (Angest 3G, Simmel, Sziologie, op. cit, p. 96-7. 4G, Simmel, Soziologie, op. 356, Simmel, Sosiologe, fies genet ret €0 lugar em que a situagio dos empregados se constirui de modo ua Leopoldo Waizhort utro lado, enquanto pequena loja, podia usufruir,em se estabelecer. rimento de soais nao fazem nenhum sentido”. & também em ccarater ¢ de cor do dinheito e do intelectualismo que cresee cidades 0 niimero de profissdes com carater fluido, tais comissionados, mediadores de negécios, corretores etc. Qu Simmel percebe o fato, que ainda he aque as pessoas descobrem os mais com as quais possam receber algum zamse, além de tudo, por sua mobilidade, maleabilidade, presteza*®, Em fungio do dinheiro e da difusio de uma economia monetéria ¢ devido a objetividade e a despersonalizagao das relacbes promovidas pelo dinheito origina-se “uma barreira interior entre os homens, que torna possivel con- tudo a forma de vida moderna. Pois « aglomeraga0 ¢ a confi fo movimento das cidades grandes seria simplesmen lerdvel sem aquele distanciamento psicolégico. Que alguém ia cercado por um mtimero tao grande de homens, como a profissional e social, seria completamente desesperador para 0 homem moderno, sensivel e nervoso, caso aquela objetividade do caréter do movimento nio trouxesse consigo um reserva interiores. A monetarizagii das relacoes — travestida de mil formas — cria uma disténcia funcio sivel, entre os homens, que é uma protegiio interior pensagao diante da proximidade ameacadora e dos atritos de nossa vida cultural.” também o xe plo do *Quatorsiéme”, # G, Simmel, "Die GroSstidte und das Geistsleben”, of .201. 2G, Simmel, bar de*O homem losophie des Geldes, op. ct, p. 664-8. Nzo como ni slem= kidio” de Poe. Segundo W. Benjamin, “Aqui [ As aventutas de Georg Simmel 325 smo estético”). Por outro lado, a ' para a vida do dinheiro. Essa via de std na base da anélise do moder- racio, ele chama tudo para si, possui que, como um ima, atrai tudo e todos 20 seu “Na medida em que a economia de um pais ¢levada cada vez mais dinheiro, a concentrasio de suas ages financeiras dirige-se aos gran- 's pontos de cruzamento da circulagao do dinheiro. A cidade foi, desde sempre, A diferenga do campo, o lugar da economia monetaria. Esta rela- ntre as cidades pequenas e grandes [..]"41. O dinheiro pos- sui essa tendéncia imanente & centralizagdo, e mesmo no interior da cida- de ele se aglomera: nas bolsas, nos bancos, nos mercados. A cidade gran. de, como ponto de concentragio do dinheiro, é também o ponto de maior implemento da divisio do trabalho, da especializagao, da criagao de no- vvas necessidades e refinamentos, da luta dos homens entre si pela sobrevi- véncia. A cidade, grande e modema, é 0 campo de batalha, de prova e de experimentos da moderna individualidade. A “intensificagio da vida nervosa” éa contrapartida da fraqueza dos nervos: o habitante da cidade grande é “cada vez mais sensivel aos choques, confuses e desordens que nos atingem da proximidade e do contato mais imediatos com homens e coisas”, Ele se distancia como medida de pre- ‘caugio diante dos choques, que na vida moderna sio cada vez mais freqlien- tes, sio na verdade ininterruptos. Ou melhor: a vida na cidade grande é a superposicio continua de choques. Daio “medo de ser tocado”, e para nao ser tocado o moderno se recolhe no interior: seja na sua subjetivid dentro de casa‘, Um historiador da época anotou o fendmen nto em Paris, se compreende como o flaneur pide se distancar do passeador fi © pode receber os tragos do lobisomen, irrequieto e errant em meio a0 desertov ‘gue Poe fixou para sempre no seu ‘Homem na multido™, W. Benjami, Gena » Vol. Il p. 198. Na verdade parece-me que, mais do que ue de resto local onde se desencol na "em Berm € significative para acaractetizaio da capi ie des Geldes, op. cit, p. 704. 708, uel, Philosophie des Gees, op. cit, . 660, i ctado em “estilo de vida” immel, Philosophie des Geldes, op. cit, p. 675, citado em “estilo de nae Leopoldo Waizbort 1m elemento que Simm homem moderno: o caréter blasé. “Talvez nao haja nenburn fendmeno ani mente a conseqiiéncia dagueles estimulos nervosos — que se alteram rapidamente e que se condensam em seus antagonismios = 4 partir dos quais nos parece nascer também a intensifica- ¢ao da intelectualidade na cidade grande, Justamente por isso homens tolos e de antemao espiritualmente sem vida ndo cos- ‘tuanem ser blasé. Assim como wma vida desmedida de prazeres torna blasé, porque excita os nervos por muito tempo em suas reagoes mais fortes, até que por fim eles ndo possuem mais ne- nhwna reacao, também as impressoes inofensivas, mediante a rapides e antagonismo de sua mudanca, forcam os nervos a respostas t20 violentas, irompem de modo tao brutal de lé para a, que extraem dos nervos sua itima reserva de forgas e, como eles permanecem no mesmo meio, nao tém tempo de reunir novas forcas. A incapacidade, que se origina assim, de reagir 4405 novos estimulos com uma energia que Uhes seja adequada é recisamente aquele caréter blasé[. 196) “*K. Lamprecht, Deutsche Geschichte, volume complementar: Zur jtingsten deut- 102, p. 184 apud S. Hubner-Funk, “Astheizismus ‘und Soziologie bei Georg Simmel”, op. cit, p. 48. “Se alguém pode set visto com 0 da época designada por Karl Lamprecht como épe tio o nome de Simmel pode ser nomeado em 3, “Erinnerung an Simmel”, in K. Gassen e M. Landmann (ors Dankes an Georg Simmel, op. cit. p. 204. Sobre Lamprecht ver F.K. Rin lebron. Der Niedergaig der deutschen Mandarine 1890-1933, op. ct, pp. 6, Simmel, em seu texto sobre a exposicio industrial em Berlim (ver ma tum volume anterior desta obra de Lamprecht. ‘As aventuras de Georg Simmel 327 , saturado, da cidade, grande moderna. A se vé defrontado ao viver na cidade capaz de responder adequadamente a do dinheiro: do cardter blasé na cidade gran- Esta afinidade entre o caréter blasé do habitante da cidade eo dinhei- ‘ou melhor, esta interagdo, encontra sua realizagao mais perfeita na iade grande e moderna, E interessante destacar que, ao caracterizar esta tiltima, Simmel re- jicitamente a Berlim como exemplo. Embora se trate de uma con- 1unciada em Dresden, ¢ portanto Simmel pudesse nomear a ria cidade como exemplo, ou, caso nao o fizesse, pudesse ter nomea- » qualquer outra cidade grande moderna, Simmel escolheu como exem- secisamente Berlim. Isto € um indice da medida em que sua andlise vvedora de sua prépria experiéncia individual, de sua prépria vida na ci- ‘grande, Os fenémenos que Simmel descreve e analisa sio em grande wedida fendmenos que ele experimenta*®, =, Dostoiguski em Sao Pecersburgo ete. Um conbecido projet la Paris como eapital do séeulo XIX. Mais do que tudo, é Bau sia variedade de tudo o que seria desenvolvido no livro das: uma proto-histéria do modemo. Benjamins oo Leopoldo Waizbort «todos, e por fim no sentimento de depreciagio da pr de, Viver na cidade grande supde sempre estratégias di meio a concentragao — estratégias que so, o mais das mentos estilizados. = “Ao passo que o sujeito se ajusta a esta forma de exis cia, sua autoconservagao perante a cidade grande the exig comportamento nao menos negativo de natureza social. A tra espiritual dos habitantes da cidade grande entre si pode- ria ser designada, do ponto de vista formal, como a reserva. Se 0 contato exterior continuo com intimeros homens devesse pro- duzir outras tantas reages — como na cidade pequena, em que se conhece quase todos que se encontra ¢ se possui uma rela- ¢0 positiva com cada um —, entao as pessoas se atomizariam internamente por completo e cairiam emt uma consttuigzo ant- ‘mica completantente inconcebivel. Por wm lado esta situacao perceber essa “Ugeschichte der Moderne” porque ele viveu a experiéncia da capital do shordaram a idéia da Betlim dos dos pionetos, Erbschaft dieser Zeit. Frank gas a esse movimento, ia berlinense por volta de 1900”), relativa contem- slo da diferenca pitere Nation”. Ao mes lizagio e desenvolvimento tecnolégico que nio pode ‘As aventucas de Georg Simmel 329 por outro o dire lementos (que lesconfianga que possut em wm contato fluido) 1s aquela reserva em virtude 1ems sequer conhecer nossos vi- os faz parecer frios e sem senti- Jades pequenas.” (p. 197) cidade grande é uma espécie de transposi- t0 cotidiano e padronizado, da indiferenca ite que o estilo de vida moderno esté relaciona- iportamentos*®, A reserva é um deles™?, Pois 20 resto ele éindiferente, vale dizer, reservado"’, Na verdade, a indiferenga recobre um espectro mais amplo de senti ts, que passa pela reserva, aversio, estranheza, antipatia etc. Ui lo matiz,forma de fato essa estlizacao dos comportamentos, eng “stratégias de vida, enquanto “conformacées da vida na cidade > que aparece imediatamente como dissociagao € a rah de suas formas elementares de socializa¢ao”. (p. 198)*? Foi por ‘mencionei anteriormente 6 fat6-de que o dinkeio socializa os hor “© Fxatamente isto foi abordado por H. Arend sob um vigs mais propria “o comportamento substi 1 como principal forma derelagio Hi: Arendt, A condigao bumana, op. ct, p. S01. 7A reserva € um fendmeno que ganha forca com o incremento do tama ica, mas com a chegads do te dade frente aos fornecedores, Cf. ainda G. Simmel, Philozoph +p. 396, iologie de 1908, marcando ass ia do dinheire com or textos do: 0p. cit, pp. 290-1 Leopoldo Wai ue promove distancia, ;ados & indiferenca las principais formas de social nad, iteriormente que o dinheiro propi ogia dos sentidos, chama a atengio pat ade de rememoragio”*? é muito maior pai to. Se, por outro lado, Simmel srrande €0 lugar do esquecimento. E sea cidade grande é ainda sdemno, pode-se perceber como o moderno é um tempo ¢ um espag cesquecimento®, A decorréncia disso é que o moderno vive apenas e sobretudo o pre- te, cle € um aventureiroS4, A aceleragao da velocidade da vida na cida- dle grande é tamanha, que 0 moderno nao tem tempo para parar; tudo cidade grande um tema ‘no complexo da filoso- arte do complexo da flosofia do dinheiro s6 tem sentido sobre o pano de fando ete indiearanteriormente, e que o pr6prio Simmel, como foi mostrado, fr ques- rorna expliito. 5G, Simmel, Soxologie, op. ct, pp. 284-382. £26, Simmel, Soziologie, op cit. p. 728. 59 capacidade de rememoragio estérelacionad com a oralidade, com ouvir Seno modemno se ouve menos uma perda da experidncia. E exatamente Ponto que seu aluno Benjamin vai retomar sus imelee Schriften, op. cits vol. U. (© “aventureiro” de Simmel parece ser a figura ansloga a0 “faneur" le Baus ruras de Georg Simmel 331 , decerto, a retomada da teoria da andlise das “grandes tendéncias de de- |. Tnteressa que 0 alargamento dos jento da liberdade e mobilidade relativa 1s,em contrapartida, possuem uma “uni cao em direcao ao interior, no meio das quais 0 homem mo- dlerno nao poderia sequer respirar — ainda hoje o habitante da cidade grande sente um pouco dessa espécie de aperto ao se ‘mudar para uma cidade pequena.” (p. 199)°° a0 todo. “Pois a reserva e a indiferenca muiituas, as condigies rituais da vida dos efrculos mais amplos, nunca foram senti ‘op ct, passim, especialmente pp. 791-863; Uber social 169 38; “Bemerkungen ber socialethischen Problemen”, op. cits Philoso- des, op. cit, passion. ‘Foi ito o que Simmel sentiu a0 se transferir, em 1914, de Berlim para Bs- period de Estrasburgo nfo parece te sido especialmente feliz para uma ocasito para deixar a cidade e ir para Heidelberg, onde ainda 1.0 malogro de sua nomeagio, uma esperanga de ser chamado "Georg Simmel in ‘XXII, 1984, 9? U2, pp. 317. oe Leopoldo Waizbort iio ¢ abandonado como prec grande |...” (p- 200) fo que significa aqui bigitidade da proximidade corporal e distancia espiritual, que exp! sensagio tinica de estar s6 em meio a uma infinidade de pessoas, propria, una caracteristica fundamental do moderno (que se exprime ta bém no “papel duplo do dinheiro”). © moderno é ambiguo e a cidade, grande e moderna, é 0 local privilegiado da ambigitidade. ‘A cidade grande é também o lugar do cosmopolitismo, Isto éna verda- de uma outra decorréncia do impeto de concentragao que caracteriza a cidade. Pois concentracio traz consigo também difusio. E s6 assim a ci- dade grande se converte verdadeiramente em metrépole: na medida em que fo que se concentra nela se difunde para além dela®. £ isto que Simmel denomina “magnitude fncional” (p. 201, grifo meu), pois consiste em re- lagées (cf. 0 topico “panteismo estético”). Nas relagdes que a cidade esta~ belece para além de seus limites originais € que se estabelece quais sao verdadeiramente os seus limites, o seu amplo raio de atuacio, que reverte de volta 20 micleo irradiador e dé a sua dimensio verdadeira, Pois a cidade grande, assim como 0 dinheito, no conhece frontei- ras. £ exatamente isto que faz 0 seu habitante: romper fronteiras — inte- riores e exteriores. E isto reverte na propria idéia de liberdade individual: “{..) a liberdade individual [...] nao deve ser compreen- dida apenas ém sentido negativo, como mera liberdade de mo- vimento e supressao de precons cessencial é que a singularidade e incomparabilidas toda natureza de algum modo possui, se exprime na configu- ragdo da vida.” (p. 201) Sinico (ef. “individ ais & frente). A cidade grande e moderna € 57 Veja-se0 que é dito mais frene acerca das exposigbes indusraise universais. ‘As aventuras de Georg Simmel 333 uu réncia, A massa que vive nela the eitar dos desejos mais intimos comerciante a sensibilidade fina para as inclinagoes do piiblico até um instinto quase telepdtico para as transformacoes imi- nentes de seu gosto, suas modas, seus interesses. E isto ocorre decerto nao apenas com o comerciante, mas também com quem esereve no com 0 artista, 0 liveiro, 0 parlamentar. A concorréncia moderna, que se caracteriza como a luta de todos contra todos, é também ao mesmo tempo a luta de todos por todos."58 Essa mobilidade, que a concorréncia tanto supde como estimula, é concomitante & mobilidade do dinheiro. Nao por acaso a concorréncia econdmica forma a representacao usual da concorréncia. Sea cidade mo- cderna é 0 lugar em que a concorréncia pode se desenvolver mais plenamente, vale dizer em um espago cada vez mais amplo, abarcando cada vez. mais, dominios do mundo e da vida, ela acaba por fornecer um elemento signi- fase prope a investigar. Se K’eoncorté com B por C — tratando-se seja de fabricantes de produtos, seja de namorados —, em outro nexo de relagdes C concorre com B por A, ¢ assim por diante, em uma tei ta. Assim se tece a sociedade, em um “tecer de simmeliana especialmente rica e frutifera 6, além disso, os nexos micro-macro que so postos sempre 4 prova. wel € 0 mestre das menores passagens®, Para Simmel, concorréncia € tanto a concorréncia dos grandes com- plexos econémicos como a concorréncia no interior da familia ou das re- 86, 96, buscar no, exemplo, 0 na Leopoldo Waizbor pena (“pensando com 's30, Simmel nos mos- no e o liberalismo. “Quanto mais o liberalismo penetrou nas rela sas e amigéveis), ou seja, quanto menos determinadas e reguladas por normas bi mais elas sao abandonadas ao equilibrio labl, que se estabele- ce a cada caso, ou as transposigdes das forcas — entio tanto mais a configuracao dessas relacdes ind depender das concor- réncias continuas; eo desenlace dessas concorréncias depende, ‘por sua vez, na maioria dos casos, do interesse, do amor, das esperancas que os concorrentes, em medida variada, sabem sus- citar no ou nos terceiro(s), 0 ponto central dos movimentos Ea conguista deste terceiro, milhares de ve- ido ou con- vencimento, do melhor preco e oferta, da sugestdo ou da ameaca ignifica tao-somente a instituigao de uma ligagao, desde a jo momentanea da compra em uma loja até a ligagao do met casamento. Essa idéia do livre jogo, que se exprime no liberalismo, é a idéia 4que Simmel atribui ao proprio moderno, ¢ que 0 relativismo de sua visio de mundo busca acompanhar. £ importante destacar que hé portanto um rnexo que articula liberalismo e moderno e, se assim é, 0 moderno é a épo- ca burguesa. Mas teata-se de wma época burguesa que se torna problemd- fica, Ela é sentida como uma época dé crise. A consciéncia da crise é um dos temas mais fortes e mais presentes-na época, ¢ se essa época termina com uma guerra, ela ser4 apenas 0 “desfecho” dessa crise, sua potencia- Jizago maxima, aa 1G, Simmel, Sosiologie, op. et, p. 329, erifo meu. 0 Leitor lembea-se aqui de Nietsche. A concorséncia é andloga a0 aon da lu homézice, ‘As aventuras de Georg Simmel 335 Excurso rapido e superficial juatro pontos que xostaria de destacar, embora nao seja quanto necessirio. itadamente redusir Simmel a uma po- o-estrato social a que se he pode subsu- Bildungsbiirgertum” (apesar de sua posigio ser matizada). Mas éum filho da época burguesa que permanece fiel a ela, embora néo perca momento em apontar as suas idiossincrasias. No interior de sua casa Westend né: ncontraremos a configuragao do interior burgués, « as formas de sociabilidade que Simmel adota e privilegia sao formas ti- picas e adequadas a esse ambiente determinado (isto serd explorado mais 4 frente). “O desafio decisivo no meio cultural burgués e seus valores domi- nantes, assim como no ideal de uma conduta de vida burguesa ligado a esses valores, vinha do seio da propria sociedade burguesa. A vanguarda cultural, que se formou desde a virada do século, sobretudo nos dominios da arte e literatura, punba no final das contas radicalmente em questo 0 ideais culturais burgueses, embora ela se movesse no interior da pro= ria estrutura da sociedade burguesa e soubesse utilizar com sucesso as instituigdes da empresa artistica burguesa para os seus fins. A palavra de ordem radical de Friedrich Nietesche, acerca da ‘transvaloragao de todos 08 valores’, combinada com a exigéncia de um individualismo aristo tico do espirito, que acreditava reconhecer o sentido do mundo exc vamente no aperfeicoamento intelectual e estético da personalidade uma ordem cultural como um todo esvaziada de sentido, fornecia a v guarda cultural argumentos substanciais. Uma cultura pés-burguesa se originou, sustentada sobretudo por um novo extrato de intelectuais flu- tuantes [freischwebender], que decerto desfrutava do apoio de uma ca: ‘mada, que cresce rapidamente, de mecenas capitalizados, dentre os quais logo também se encontram os capitaes da grande indiistria, A desp disso, a vanguarda cultural da ordem capitalista-burguesa, embora pendesse economicamente dessa ordem, mantinha uma distancia critica em relagao a ela, € até mesmo uma recusa rude. Para a vanguarda ar ica, 0 que valia era a criatividade individual, e no a manutengao ideaiscldssicos tradicionais, e menos ainda os principios da condita bur. guesa de vida, A época burguesa nado havia atingido ainda o seu fir de- finitivo, mas no seu interior se formava uma nova cultura pos-buerguesa O desenvolvimento dessa cultura pds-burguesa, fragmentada em direcies ‘ax mais diversas, em meio ao meio social da grande burguesia, era um inal de que o estrato social da burguesia, anteriormente homogéneo, es 6 Leopoldo Waizhost uma multiplicidad mum entre si" elementos para comp crise (2),¢ isto nos leva pos sociais, que tinham iva e da cultura objetiva®, é port. ida. E a experiéncia da cidade, que é san te, que dé lugar & filosofia da cultura. E se assim é, pod: somente a partir de suas experiéncias em Berlim que Georg boron sua teoria do moderno e sua filosofia da cultura De maneira natural, pode-se compreender que Berlim da “verspaitete Nation”, os dilemas da Alemanba aparecem em Berlim de modo pungente — basta pensarmos nas massas de trabalhadores ¢ suas condigdes de vida, ao lado da grande burguesia industrial, da influente burguesia cultural, dos insurgentes estratos médios, sobre os quais pai- tava a corte ¢ 0 Imperador. A época guilhermina é um perfodo de trans- formacao, uma transformagao que, como ja se repetiu imimeras vezes, foi ‘muito, incomparavelmente répida. Isto aticou a mente dagueles que vi- vveram a época. E apesar do fato de o Segundo Império ser uma época de grande desenvolvimento, ele foi marcado por uma alternancia muito forte de conjunturas de estabilidade ein cia de que se vive um tempo de crise, ista que, no interior dos segmentos sociais da cultura e da sociedade. Um jurista da dé lugar a um clima antica burgueses, e exprime na eri época afirmou: “A sociedade industri falta, apesar do brilbo e da za do desenvolvimento, a estabilidade da sociedade ant As formaces dos partidos sociais se ligam com as fortes de- ressbes, que se repetem no mercado mundial periodicamente ¢ poem ocasionalmente as grandes classes da sociedade em es- tado de necessidade... Sob as conjunturas o mais das vezes des- favordveis do mercado mundial, surge de todos os lados a quei- xa de wm estado de necessidade: uma agricultura necessita- da, empresa necessitada, comércio necessitado, companhia de ©W. |. Mommsen, Birgerliche Kultur und kinstleritche Avantgarde, pay CEG. Simmel, “Die Gro8stidte und das Geistesleben”, of. ci. pp. As aventuras de Georg Simmel 337, nevegacao necessitada, indistria necessitada, estratos mé necessitados, proletariado necessitado, todos imersos em wn polémica sem fim acerca de quem 6 0 mais necessitado. Mas thé realmente um tal estado de necessidade? As listas do im- posto de renda nao confirmam a suposigéo de um estado de nnecessidade... O presumido estado de necessidade se origina, antes, do sentimento de inseguranca dos ganhos, em virtude das oscilagées das conjuunturas em nossa época, ainda em cur- 0, da produgao em massa."65 Esse estado de inseguranca possbilita wm fendmeno especialmen caracteristico da época: a critica da cultura, A desorientagao cultur. ‘Alemanha da virada do século, que por um lado prospera economicament ‘mas por outro se sente insegura®®, fard do conceito de cultura o campo batalha no qual se tenta explicar 0 seu momenta hist6rico. Dai as diver: ‘sas “teorias” da cultura; dai a “cultura” tornar-se o tema de preocupas sempre presente. “Por volta de 1900 ‘cultura’ é a categoria central pa dimensionara realidade social como um todo e ao mesmo tempo uma vat ppalavra da moda."67 Um dos pontos que nos mostra como a filosofia cultura é a0 mesmo tempo um diagnéstico do presente é 0 fato do pris prio conceito de cultura ser um “Kampfbegriff” (“conceito de luta” & mobilizado nos contextos e sentidos os mais diferentes e diverge dando lugar a urn enorme debate acerca da cultura e de sua condigiio momento presente, em contraste com o que ela jé foi e com o que ela ai da pode ser, Isto se mostra, naturalmente, no proprio texto de Simmel jscuti sua filosofia da cultura. Ele foi publicado em sm niin ““tematico” da revista Logos (vol. Il, 1911-12) dedicado a “cultura”. Abr ER, y, Gaeist apd O, Rammstedt, “Die Arttiden der Klassiker als unsere logischen Selbsverstndlichkeiten. Durkheim, Simmel, Weber und die Konstrution ‘modernen Soziologi, in O. Rammstedt (org), Simmel oid de frcher Soziologen. Ni tind Distanz eu Durkheir, Térnies und Max Weber, Frankfur/M, Suhrkamp, 1988, 275, Sobre a sitwagio econdmca da Alemanha na virada doséeulo: V. Hentschel, Wirtschaft Wirtschaftspol in wilhelminischen Deutschland. Organisierter Kapitalismus oder terventonsstaat?Seurgar, Klet-Cotta, 1978, especialmente pp. 205 ss. 6 Lembro 0 Leitor do sempre mencionado passo da Philosophie des Geldes, 0 cit, p. 675, citado no t6pico “estilo de vida”. raf, G. Hubinger, “Einleitung: Kulturbe senschaft, Seatgat,F. Steiner, 1989, pp. 9-24, lo. cit ten, Mirgerlche Kultur und Kinstlerische Avantgarde, " Leopoldo Weizbort sociologia como cigncia vai tentar se impor como wm si adequado para a explicar e compreender a época. ‘A época, por fin, acaba por encontrar 0 seu desfecho na , que 6 algo que ja estava presente desde sempre. O militarismo que earac- teriza a época do Segundo Império nunca permitiu que 0 periodo que vai do final da guerra de 1870-1871 até 1914 fosse wma época de paz. Muito pelo conirdrio. Nesse periodo, uma nova guerra era algo esperado a todo momento; ¢ quando ela é finalmente deflagrada em 1914, nao causa sur- presa a ninguém —o que mais podia surpreender é como ela demorou tanto para acontecer. A Guerra éa expressao bélica, por assim dizer, para 0 tempo de crise: sua potencializagio maxima e a possibilidade de sua reden¢ao (como se viu em “GUERRA!). Portanto, nado ha nenhum acaso no fato de que um dos textos de Simmel acerca da Guerra seja intitulado “A crise da cultura”. (O que temos apés a Guerra é algo novo (4). £ a possibilidade de se criar a partir do nada — tentow-se a revolugao, tentou-se a democracia. Se as idiossincrasias da época burguesa foram superadas, ou nao, é uma ‘questo que no diz mais respeito a Georg Simmel. mento, e encontea no dinheiro o seu sinibol “Ga ligigio, pois se por um lado a interagio — enquanto substancia da fax parte do “esptito da paca”: A. Warby J, Fiisings, O. Spengler, H. Freyer, K. Mannheim sm expeciicamente o problema. As aventuras de Georg Simmel acto — € 0 estabelecimento de uma ligacio, por outro o di iador e a instancia mediadora por exceléncia. Se o moderno se earacteriza por esse livre jogo, isto significa que ele --Omodemo, objeto da andlise de Simmel, nio esta submetido que ele deve cumprir, a uma teleologia pré-estabelecida — pen € tum processo que no tem ponto de chegada. Ele € andlogo ao todo que ‘© “panteismo estético” simmeliano postula: se des initamente®®. ssa caracterizagio do moderno com ‘moderna do que era fixo para a mobi cia para a relagao, é um dos pontos fc ‘© a0 miesmo tempo resultado de sua idéia de cultura © Mesmo quando, nos excrtos de guerr Simmel acena com um “novo homer! individuo, ele se recuse a caracterié-lo postivamente. 79 Sobre a contingéneia ver B. Waldenfels,“Ordnung in potentials”, op. ‘Makropoulos, “Moderitat als Koncingenzkuleur. Konturen eines Konzepts dlatilogeafado.

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