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Origem e Finalidades dos Impostos Especiais de Consumo Sérgio Vasques Assistente da Faculdade de Direito de Lisboa* Sumério: 1 A origem dos impostos especiais de consumo - 1.1 Os impostos especiais de consumo e a consolidagao do Estado Fiscal - 1.2 Os impostos especiais de consumo na era liberal - 1.3 Os impostos especiais de consumo na era progressista - 1.4 Os impostos especiais de consumo na era pés-social - 2 As finalidades dos impostos especiais de consume - 2.1 A funcio fiscal (a) Elasticidade-preco (b) Elasticidade-rendimento (c) Custos de gestao (d) Custos politicos - 2.2 A fungio extrafiscal (a) Redistribuicao de riqueza (b) Repressio de consumos - 3 Referéncias bibliograficas 1 A origem dos impostos especiais de consumo 1. 1 Os impostos especiais de consumo e a consolidagao do Estado Fiscal Se do ponto de vista histérico a morte € certa, os impostos nado 0 sao tanto. Ao longo da Idade Média a vida em comunidade dispensava-os largamente, assentando em prestag6es de outra natureza: com base em costumes e convengées imemoriais, camponeses e artesdos entregavam ao Principe parte da colheita e criagdo, participavam na reparagao de estradas e muralhas, ofereciam-lhe estalagem e comida em momentos certos e determinados. Em troca, recebiam o uso da terra que nao lhes pertencia, a utilizagéo de moinhos, lagares ou mercados e — mais do que tudo isto — recebiam do Principe a seguranga no lar e ao longo das estradas. As mil e uma rendas que assim se pagavam eram devidas ao Principe na sua pessoa e nao a uma qualquer entidade publica de que este fosse representante. Significa isto, por um lado, que ele podia dispor de tais rendas livremente, uma vez que integravam o seu patriménio pessoal. Significa, por outro, que todas as despesas da sua casa, negécios e * 0 autor agradece qualquer comentario, que Ihe pode ser dirigido para svasques@mail.{d.ul.pt. No essencial, 0 presente texto constitui uma adaptacéo dos capitulos introdutérios do nosso trabalho Os Impostos Especiais de Consumo (Coimbra, 2001), sendo, porém, que se manteve a grafia empreque em Portugal. No texto encontram-se referéncias varias a publicacdes periddicas portuguesas, como notard o leitor que sucede com as revistas Ciéncia e Técnica Fiscal, editada pelo Centro de Estudos Fiscais do Ministério das Finangas, e Fiscalidade, editada pelo Instituto Superior de Gestéo. R, Forum de Dir. "Iributario - REDT, Belo Horizonte, ano 3,n. 17, p. 49-98, set Jout. 2005 50 _ sérgio vasques contendas deviam por tais rendas ser satisfeitas: le roi doit vivre du sien. O imposto, tal qual o conhecemos, nao existia entaéo.’ O crescimento impardavel das despesas de guerra e dos custos da alta-diplomacia levaria, porém, as finangas dominiais ao seu limite. Porque as suas rendas nao bastavam ja, o Principe multiplicava, em momentos de crise, os pedidos de meios adicionais aos stibditos — pedidos excepcionais, porém, de natureza temporaria. Armas e engenhos inovadores, resgates € aliangas sem fim e a criagdo toda-determinante de exércitos permanentes obrigaram a que a excepcio se transformasse em regra. Invocando o “jnteresse piblico”, e j4 nao o interesse do Principe, exigia-se que todos contribufssem para os encargos da comunidade através de prestagGes obrigat6rias e permanentes. Com variagées de tempo e lugar, nascia assim © Estado, nascia 0 imposto, nascia o que designamos com redundancia de Estado Fiscal. Acriatura, uma vez vinda ao mundo, cresceria com rapidez ao longo dos séculos XVI a XVIII, alimentando-se sempre de si propria: o imposto sustenta 0 exército, @ exército conquista novos contribuintes. E neste processo implacavel, em que os Estados menos habeis logo eram eliminados, nao restava espaco para outra filosofia tributaria senao a que o Cardeal Richelieu deixava em testamento — os stibditos séo como mulas, que ha que carregar tanto quanto possivel, mas na tanto que rejeitem a carga. A razéo de estado do Estado Fiscal estava, pois, em primeira linha, no procurar o mdximo de receita com 0 minimo de oposiga . E este propésito * Sobre a evalugéo dos ideiais em matéria fiscal, nas suas convuls6es politicas, doutrindrias e sociais, 0 trabalho incontorndvel & o de Fritz Karl Mann (1937) Steuerpolitische Ideale: Vergleichende Studien zur Geschichte der dkonomischen und politischen Iden und ihres wirkungen in der offentlichen Meinung 1600-1935. Em lingua inglesa, a obra colectiva organizada por Richard Bonney, org. (1995) Economic Systems and State Finance aferece nao s6 0 estudo das ideias como das proprias estruturas da fiscalidade. Os elementos estatisticos af recolhidos so da maior utiidade. Mais amplo, mas menos profundo é o trabalho de Carolyn Webber/Aaron Wildavsky (1986) A History of Taxation and Expenditure in the Western World, que peca talvez por demasiado ambicioso, Nas diversas edigdes do Handbuch der Finanawissenschaft encontram-se textos excelentes sobre a evolugao da tributagao indirecta, Em lingua portuguesa, o ponto de partide para qualquer estudo da histéria fiscal portuguesa est em Henrique da Gama Barros (1885) Histdria da Administracao Pablica Portuguesa, 4 vols. Fundamental & também o texto de Vitorino Magalhaes Godinho “Financas Publicas e Estrutura do Estado” in Joel SerrSo, org. (1975) Diciondrio da histéria de Portugel, II, 20-40; no qual se podem ver aplicadas as ideias de Schumpeter & hist6ria fiscal portuguesa. Mais recentemente, veio a set publicado o trabalho de Jo30 Ricardo Catarino (1999) Para uma Teoria Politica do Tributo, que se mostra de utilidade grande na andlise destes temas. O primeiro volume da tese de doutoramento de Armindo Monteiro oferece alguns subsidios histéricos de interesse. No livro de Miguel Bulhées (1884) As Financas Portuquesas, pode encontrar-se uma descrigo do sistema fiscal portugués do século dezanove, a complementar talvez com a compilagao de Anténio Teixeira Assis de Magalhdes (1894) Collec¢do de Leaislagao Fiscal, 3 vols. Sobre a histéria fiscal inglesa e 15 incontvels impostos sobre o consumo de que foi feita, é indispensdvel a obra de Stephen Dowell (1884) 4 History of Taxation and Taxes in England, 3 vols. Sobre a historia da fiscalidade nos paises germénicos, Walter Schomburg (1992) Lexicon der Steuer- und Zollgeschichte R. Forum de Dir. Tributirio -RFD1; Belo Horizonte, ano 3, n. 17, p- 49-98, set /out. 2005 Origem eFinalidades dos Impostos Especiais de Consumo 51 simples explica largamente a estrutura dos sistemas fiscais do antigo regime ea importancia que neles ganhou a tributagdo indirecta. Com efeito, por meio dos impostos de capitagao nao se conseguiam extrair dos contribuintes meios significativos sem os incitar 4 revolta generalizada. Mesmo quando graduadas por classes, as capitagdes surgiam ao povo como uma forma violenta e grosseira de exercicio do poder, e ao Poder nao valia a pena, as mais das vezes, arriscar tanto por tao pouco. Ja os impostos sobre 0 patriménio ou sobre o rendimento — indis- tintos, alias, por muito tempo — poderiam constituir um instrumento importante na consolidagéo do Estado Fiscal. Mas 0 niimero daqueles que possuiam bens ou rendimentos préprios capazes de sofrer tributagao era limitado e, mais do que isso, s6 lentamente evolufa. Em contrapartida, o ntimero daqueles que quotidianamente compravam com moeda viva os produtos de que precisavam era grande e tendia rapidamente para a universalidade. A base tributaria dos impostos sobre o consumo, portanto, nao s6 era a mais vasta como se alargava de dia para dia, 4 medida que florescia 0 comércio e se monetarizava a economia. O suficiente para que Wagner apontasse a tributagao indirecta como um dos indfcios seguros do desenvolvimento econémico.? Nem s6 em arrecadar maiores fundos levavam vantagem os impostos indirectos; levavam-na sobretudo em arrecada-los sem oposigao. Os impostos sobre o rendimento e sobre o patriménio colocavam 0 contribuinte em conflito aberto com o Fisco, confrontavam-no com a sua carga brutal, sujeitavam-no as piores devassas e ultrajes. Em contraste, Os impostos sobre 0 consumo eram aqueles que os povos menos sentiam, “porque nao sao exigidos formalmente”, porque podem ser “tao sabia- mente cobrados que 0 povo quase ignorar4 que os paga” — “aquele que vende a mercadoria sabe que nao esté a pagar por ele, e o comprador que no fundo o esté a pagar, confunde-o com o prego”. Sendo, portanto, os mais produtivos para o Fisco, os impostos sobre 0 consumo eram os menos sensfveis para os contribuintes. E nao sur- preende assim, que a afirmagao do Estado Fiscal surja intimamente ligada ao desenvolvimento da tributacao indirecta. A histéria fiscal portuguesa comega com as sisas gerais; a de Castela com a alcabala; a francesa com as aides; e a inglesa, tardiamente embora, com os customs and excise. 2 Adolph Wagner (1890) Finanzwissenschaft, vol.lll, 23. 3 Montesquieu, O Espirito das Leis, liv.XIll, capit. Vl R. Forum de Dit. Tr - RFDT, Belo Horizonte, ano 3,n. 17, p.49-98, set/out. 2005 52__ Sérgio vasques Importa, contudo, notar: os impostos sobre 0 consumo nao cons- titufram a mera expressao fiscal de um poder predatério. Constituiram, para além disso, e acima disso, uma expressio histérica de liberdade e justica. Numa sociedade estamental, marcada pelo privilégio, em que toda a classe social surgia como classe tributaria, os impostos sobre o consumo eram portadores de uma poderosa ideia libertadora: a ideia da univer- salidade do imposto, a ideia de que todos devem contribuir para os encar- gos publicos qualquer que seja a respectiva condicao. S6 o poder desta ideia — a expressdo de justiga tributdria mais elementar — permitiu que fosse avante o calculo do poder, que a tributacao indirecta se tornasse a pouco 0 eixo da fiscalidade moderna. Munido dos impostos indirectos, 0 Principe fazia rasos os poderes senhoriais, tornando todos por igual stibditos e contribuintes. E 0 povo condescendia, nao tanto porque nao sentisse 0 peso do imposto, mas porque o peso se carrega melhor quando se sente que é carregado por todos. Hoje em dia, talvez pareca “brutal e primitiva” esta preferéncia, nao atendendo a tributagao indirecta a situagao pessoal do contribuinte.* Mas a delicadeza solidarista dos nossos dias era, 4 época, irrelevante — que todos, sem excepg¢ao, sofressem o imposto era j4 uma ideia revolu- cion4ria o bastante. Temos assim encontrados os principais argumentos de defesa e legitimacio dos impostos sobre 0 consumo: produtividade, insensibilidade, universalidade. A isto, importa fazer apenas uma ressalva, a de que a historia de sucesso da tributacao indirecta nao se explica apenas por opcao acertada mas também por falta de alternativa. A dificuldade, sentida até ao século passado, em tributar com rigor e economia o patriménio ou o rendimento teré também contribuido para a preponderancia da tributagao indirecta: “the state not knowing how to tax, directly and proportionably, the revenue of its subjects, endeavours to tax it indirectly by taxing their expence”.5 * Johannes Popitz, “Allgemeine Verbrauchsteuer", HbFW, 1ed.,volll, 182. 5 Adam Smith, The Wealth of Nations, liv, capit.t, pl, at.IV, 399. Para que se tenha uma ideia dos custos administrativos da tributagio directa no antigo regime, diga-se que em 1627, & altura em que Richelieu tomou o lugar de ministro, estimava-se que a taille pudesse render & Coroa 19 milhdes de libras. Desse total, porém, s6 6 milhdes chegavam ao Tesouro. O resto era consumido pelos abusos e desvios praticados pela Administracao e pelos salérios a pagar a cerca de 22.000 cobradores de impostos, 160 supervisores regionais ¢ 21 supervisores gerais. Cf. Carolyn Webber/Aaron Wildavsky (1986), 278. R. Forum de Dir-Tributario- RFDT, Belo Horizonte, ano 3, n, 17, p. 49-98, set/out. 2005, Origem e Finalidades dos Impostos Especiais de Consumo 53_ As vantagens apresentadas em geral pelos impostos sobre o consumo valiam, com forga redobrada ainda, para os impostos sobre consumos especificos. A tributagio selectiva dos consumos nao operava de modo indistinto, dirigia-se preferencialmente aos consumos da novidade, da moda, do supérfluo: 0 tabaco, 0 cha, 0 gin e o rum, 0 café € o chocolate, os tecidos, o agicar e as especiarias. Produtos que constitufam os pequenos luxos do grande povo, produtos de consumo volumoso e valor comercial elevado, produtos que sinalizavam a vanguarda do desenvolvimento econémico e comercial — a mais produtiva de todas as bases tributarias. Os impostos sobre consumos especificos eram também, de entre todos os impostos, os menos sentidos. Aquele que comprava tabaco em Portugal, chocolate em Espanha, vinho em Inglaterra, tinha consciéncia de estar a incorrer num pequeno luxo. E pelo pequeno luxo sempre se esta disposto a pagar mais do que pelo essencial — a promogio social parece ser, em todos os tempos, um bem de procura rigida. Finalmente, os impostos sobre consumos especfficos revestiam, paradoxalmente, uma universalidade que sobrelevava 4 dos demais impostos. Estes impostos abatiam-se sobre consumos que atravessavam a sociedade nao s6 em extensdo, mas em profundidade. O seu alvo prefe- rencial nao estava nos consumos préprios dos pobres, nem nos consumos préprios dos ricos, estava naqueles consumos que uns e outros tinham em comum. Esta justiga elementar ilustrava-a Walpole tomando os direitos sobre o tabaco: from the palace to the hovel there was no exemption from the duty. Desde o palacio até ao casebre nao se lhes conhecia isengao. Para além destas vantagens, os impostos sobre consumos especificos apresentavam uma outra ainda, em falta nos impostos gerais sobre o consumo e de superlativa importancia. Abatendo-se sobre bens precisos € determinados, elas permitiam ao poder a concretizagao dos mais variados objectivos extrafiscais. Tributavam-se os c4es de estimagao para preservar a satide publica, o papel de jornal para calar a oposicdo, as armas de fogo para garantir a tranquilidade, uma ou outra mercadoria estrangeira para proteger a indistria nacional, os artigos da moda para castigar 0 luxo e a vaidade. Na Prdssia, introduzia-se em 1698 o imposto sobre as perucas (Periickensteuer) na cidade de Berlim. Todas as perucas importadas ou produzidas deveriam transitar por uma c4mara prépria onde pagavam R. Forum de Dir. Tributario - RFDT, Belo Horizonte, ano 8, n. 17, p. 49-98, setJout, 2005 54 sérgio Vasques um imposto de selo especial, de 6% no caso das perucas nacionais, e de 25% no caso das importadas. O selo real era aposto em lacre no interior das perucas s6 depois sendo estas introduzidas no consumo e, em plena via publica, os Pertickenriecher, inspectores de perucas ao servigo do Rei, obrigavam os transeuntes a levantar as suas perucas da cabeca para confirmar o pagamento do imposto.® Os impostos sobre consumos especificos estiveram, portanto, na base do Estado Fiscal moderno por dois modos diversos. Por um lado, reforcando-o com a quantidade de fundos de que carecia. Por outro, dotando-o de uma qualidade especial, dotando-o da faculdade de inter- vir sobre as mais pequenas preferéncias dos contribuintes, tutelando cirurgicamente o seu modo de vida. Fazendo dele, em suma, um Estado Extrafiscal. Neste sentido, mas s6 neste preciso sentido, podemos dizer que este tipo de imposto constituiu a expresso fiscal do absolutismo.” Ao longo da historia, a tributagdo dos consumos especificos foi levada a cabo por meio de técnicas muito diversas, de entre as quais se distinguem trés que podemos dizer fundamentais: as accises, os direitos alfandegarios e os monopolios fiscais.* As accises — sisas, Akzise, excise, supde-se que do latim excidere ou adcensare — constituem impostos internos sobre o consumo, liquidados pelo vendedor ao comprador no preco de uma mercadoria. Por vezes ad rem, por vezes ad valorem, monofisicas ou plurifasicas, as accises podiam sobrepor-se ou dispensar um imposto geral sobre 0 consumo. Os direitos alfandegirios, cobrados em postos fronteirigos, portos maritimos ou fluviais, dirigiam-se 4 tributagéo do comércio externo, atingindo as mercadorias no momento da importagao ou da exportagao. No dominio alfandegario, a tributacao selectiva de consumos especificos fazia-se pela manipulacdo dos artigos pautais, pela criagao de pautas especiais ou pela aposicao de sobretaxas a produtos determinados. © Oultraje era de tal ordem que, depois de revoltas e tumultos varios, o sistema do sefo seria substituido por uma licenga anual, graduada em fungéo do estatuto social do contribuinte. Cf, Walter Schomburg (1992), 275. Mais conhecido & 0 hairpowder tax criado por William Pitt, imposto directo incidente sobre todos os que empregassem pd para guarnecer o penteado, moda que no final do século dezoito havia sucedido 8 da peruca. Sobre este, veja-se Stephen Dowell (1884), Ill, 288. Contra a tese de Fritz Karl Mann abunda a prova. Em Inglaterra e, sobretudo, nos Palses Baixos, 0 emprego das accises no conduziu 8 formagdo de um poder absoluto. Em contrapartida, a monarquia francesa, modelo histérico do absolutismo, sempre se alimentou largamente de impostos directos como a taille, sendo ai mais lento o desenvolver dos impostos sobre o consumo. S6 por razées de economia % e, ainda assim, com embaraco %4 nao exploramos duas outras técnicas ‘empregues na tributacdo dos consumos com a maior import8ncia: os impostos de licenga sobre produtores e vendedores e as alfandegas internas. Sugere-se a leitura do trabalho de Stephen Dowell (1884), onde se podem encontrar ilustracées incontaveis destas figuras tributarias. R, Forum de Dir. Tributivio - RFDI, Belo Horizonte, ano 3, n. 17, p. 49-98, setJout. 2005 Origem e Finalidades dos Impostos EspeciaisdeConsumo 55 Os monopélios fiscais constitufam j4 uma técnica radicalmente diversa das duas anteriores. Aqui, o Estado sujeita a produgao ou comércio de certo bem a monopélio, explorando-o directamente ou concedendo-o a particulares a troco de uma renda fixa. Em qualquer caso, o imposto desaparece formalmente, sendo absorvido pelo prego de monopélio — passa a operar como um imposto implicito. Note-se, porém, que estes monopélios fiscais nao se confundem com outro tipo de monopélios, aqueles em que o Estado arrenda a mera cobranga do imposto, deixando intocado 0 circuito comercial e 0 imposto que se lhe sobrepée. Se estas se podem dizer as trés principais técnicas de tributacao dos consumos especificos, é necessario ter presente que elas surgem muitas vezes sobrepostas, ou confundidas em impostos de estrutura compésita. Assim, a Akzise introduzida na Prissia-Brandenburgo no século XVII incidia simultaneamente sobre o consumo de bebidas e alimentos; sobre a importagdo de vitualhas; sobre a produgao e comércio de bens de equipamento; e sobre a posse do gado e da terra.® Também em Franga, a tributacdo do sal revestia um cardcter complexo: nos chamados pays de grande gabelle, todo o chefe de familia estava obrigado a pagar ao Rei uma prestacao anual fixa e, com 0 comprovativo desse pagamento em mio, deveria ent4o adquirir sal no valor correspondente junto dos pontos de venda controlados pelo rei, as greneries royales.!° Procuramos clareza, portanto, af onde a histéria foi confusa. As técnicas referidas foram empregues em medida variada pelos Estados europeus, na medida dos seus particularismos econémicos, politicos e sociais. De modo geral, podemos dizer que, quanto a tributagao dos consumos, as nagées comerciantes — Portugal, a Holanda, a Inglaterra — estiveram na vanguarda da Histéria, desenhando as solugdes que as demais imitavam. O emprego das accises conheceu especial desenvolvimento nos Paises Baixos, ao longo dos séculos XVI e XVII. O sistema fiscal da Holanda, desprovido de um imposto geral sobre o consumo, assentava num imenso sortido de accises, as gemeene middelen, que se abatiam diferentemente sobre os mais diversos bens: cerveja, cereais, tecidos, sal, vinho, velas, sabao, aguardentes, acticar, pélvora, carne ou tijolos. Era impossivel, dizia um Fritz K, Mann (1937), 51. ™ Jean-Claude Hocquet (1985) Le Sel et le Pouvoir, 322. O autor rejeita que se trate de imposto indirecto, aproximando-o antes de uma capitagéo. Julgamos que bem. R. Férum de Dir.‘Tributdrio - RFDT, Belo Horizonte, ano 3, n. 17, p. 49-98, set Jout. 2005 56 _ Sérgio Vasques visitante inglés a altura, comer um prato de peixe numa taberna holandesa sem pagar menos de trinta accises diferentes.'' Comuns embora em toda a Europa, as accises ficaram por isso associadas a hist6ria holandesa do século XVII, a imagem de uma sociedade urbana, préspera, comerciante, mas exageradamente tributada, estendendo-se além das préprias forgas. Criticadas por uns e imitadas por outros, as accises produziriam, no século de ouro holandés, cerca de dois tergos da sua receita fiscal.'? Em Inglaterra, seriam os direitos aduaneiros a tomar a dianteira, mercé da geografia do pais e da extraordinaria resisténcia movida por populagées e interesses comerciais 4 tributac4o interna do consumo.'* Dependentes embora do comércio internacional, os direitos aduaneiros apresentavam sobre as accises vantagens importantes: eram de gestao mais simples, quer para o Estado quer para os comerciantes e, uma vez liqui- dados na alfandega, tornavam-se de todo insensfveis aos contribuintes. Entre os séculos XIV e XVI os direitos aduaneiros constituiriam, continuamente, a principal fonte de rendimentos da Coroa inglesa. A tributagao alfandegaria concentrar-se-ia de inicio sobre as expor- tagoes, pela ideia de que a carga fiscal se podia exportar também; depois, com 0 enraizar da doutrina mercantilista, sobre as importagées, satisfa- zendo a um s6 tempo o dogma do balance of trade € os interesses da elite mercantile industrial. E como subproduto desta politica, as pautas adua- neiras tornar-se-iam cada vez mais complexas, isolando mil e um consumos avulsos, por razdes fiscais e extrafiscais."* S6 na transigio do século XVII para o século XVIII se conseguiria, enfim, complementar a tributagao alfandegaria com a tributacao interna do consumo. A expansao imperial britanica exigia-o e, se o Povo diabolizava ainda as accises, os meios comerciais mostravam-se j4 dispostos a pagar pela conquista de novos mercados."® Assim, no periodo de 1676-80, a tributagao alfandegaria respondia por 38% da receita publica, a excise por 31%, e os impostos directos por 18% apenas. Cem anos mais tarde, no preciso momento em que Adam Smith publica A Riqueza das Nagées, os © Charles Adams (1993) For Good and Evil: The impact of Taxes on the Course of Civiization, 267. ® Marjolein t'Hart (1993) The Making of a Bourgeois State: War, Politics and Finance during the Dutch Revolt, 139. Repare-se que nos referimos 3 Holanda e nao a0 conjunto das Provincias Unidas. € conhecida a critica de Adam Smith, n’A Rigueza das Nagdes, a0 sistema fiscal holandés, apontando-o como causa do declinio daquela nagio. Mas é facil terse razdo em retrospectiva, dificil é té-la antes do tempo. ® Cf. Richard Bonney, org. (1995), 136. * Cf. Dias Ferreira (1950) Tatado de Finangas Publicas, ll, 113 'S Erie Hobsbawm (1969) Industry and Empire, 49. R. Forum de Dir. Tributério - RFDT, Belo Horizonte, ano 3, n. 17, p.49-98, set out. 2005 Origem e Finalidades dos Impostos EspeciaisdeConsumo 57 valores seriam de 22%, 48% e 20% respectivamente.'* E note-se — a tribu- tacao do tabaco originava 3.1% da receita publica, o cha 3.6%, o agicar 7.3%, as bebidas destiladas 14.1% e a cerveja nada menos que 19.7%."” Quanto a Portugal, podemos talvez dizer que o que de mais peculiar houve na sua hist6ria foi a especial importancia que nela ganharam os monopolios fiscais. E certo que a historia fiscal portuguesa se inaugura com um imposto geral sobre o consumo, as sisas gerais, introduzidas na crise de 1383-85. Inspiradas na alcabala da ocupacio arabe, as sisas gerais surgem como 0 nosso primeiro imposto, a primeira prestagao permanente exigida em nome da Na¢o, tornando-se rapidamente a principal receita publica.'* A sua vida seria breve, porém. O ciclo das descobertas, langado pouco depois, permitiria ao Rei angariar, pelos direitos aduaneiros e mono- polios fiscais, uma receita muito além do que as sisas gerais poderiam produzir e angarid-la de modo mais simples, econémico e insensivel aos contribuintes. Os direitos aduaneiros foram, naturalmente, de primeira impor- tancia na tributagao dos consumos, mostrando-se Portugal eximio na exploracdo fiscal das “plantas de civilizagio” — o agdcar, o cacau e 0 tabaco figuram com um destaque precoce nas nossas pautas aduaneiras, tornando-se a pouco o centro do sistema tributario. No rentabilizar destas monoculturas fiscais, contudo, os monopdlios permitiam ir ainda mais longe que os direitos aduaneiros. Observando existirem paises em que os direitos excedem em dezassete vezes o valor da mercadoria, notava Montesquieu que “para que o principe possa cobrar um direito tao desproporcionado ao valor da coisa, € preciso que ele mesmo venda a mercadoria e 0 povo nao possa ir compra-la em outro lugar”.!® De facto, por meio do monopélio o Estado veda ao contribuinte o cAlculo do imposto, conseguindo levar ao extremo 0 aproveitamento fiscal dos consumos. E, arrendando-se 0 monopodlio, ganha-se ainda a vanta- gem de receber antecipadamente a soma certa do imposto oculto, ao * J.V, Becketi/Michael Turner (1990) “Taxation and Economic Growth in Eighteenth-Century England”, in Economic History Review, XLII, 3, 381 ” Estes tltimos valores so relativos aos anos de 1792-3, e apenas & Inglaterra, no 20 conjunto da Gra- Bretanha, tal como referidos por Stephen Dowell (1884) Il, 414ss. ** MagalhSes Godinho (1975), 31. Ao ano de 1402, as sisas representavam trés quartos da receita publica portuguesa * 0 Espirito das Leis, ivXill, capit. Vil R. Forum de Dir. Tiibutin - RFT; Belo Horizonte, ano 3, n. 17, p.49-98, set /out. 2005 58 _ Sérgio Vasques mesmo tempo que se deslocam no sentido dos contratadores a resisténcia e antipatia populares. ”° E, por isso, sem surpresa que no primeiro quarte] de seiscentos a Coroa reserva para si o comércio do tabaco, constituindo por trés séculos o arrendamento do monopiblio, feito muitas vezes juntamente com o do sabao, a solugdo-regra na sua tributagao. O estanco, arrendado pela primeira vez no inicio de seiscentos, tornar-se-ia até ao século XIX uma peca decisiva das finangas portuguesas: em 1681, quando os direitos aduaneiros correspondiam a 35% da receita publica, o tabaco respondia por 17%; em 1716, os direitos aduaneiros desciam aos 32%, mas os tabacos tomavam por seu lado o valor de 20%. O que acabamos de salientar nao consegue, sequer palidamente, ilustrar a profusdo e importancia que os impostos sobre consumos especificos ganharam desde a formacao do Estado moderno até a era liberal. Os impostos sobre os consumos estavam em toda a parte, tomando todas as formas, oscilavam entre o simplesmente curioso e o absolutamente imprescindivel. O aparelho administrativo moldava-se-Ihes como uma 4rvore a um corpo estranho, 0 exército e as armadas treinavam-se para os proteger, os seus fundos pagavam as lutas intestinas e as guerras inter- nacionais. Os sistemas tributarios, em Portugal, na Russia, na Franga, na Holanda ou na Inglaterra, giravam largamente em torno deles. 1.2 Os impostos especiais de consumo na era liberal Foi por entre este estado de coisas que Adam Smith publicou A Riqueza das Nagées, ao ano de 1776, apresentando aqueles que doravante seriam tomados como os c4nones liberais em matéria tributdria. Em primeira lugar, igualdade (equality) — os sabditos de cada Estado devem contribuir para as despesas piblicas, tanto quanto possivel, na medida da sua capacidade, isto é, na medida do rendimento que auferem ® Um exemplo curioso est na tributagso do café nos estados germanicos. Frederico Il, 0 Grande, Rei da Prissia, submeteu o café a monopilio. Todo café a consumir no Reino haveria de ser torrado em torrefaccso publica, Para prevenir a fraude, o Rei empregava um corpo policial composto de inicio por duzentos, depois por quatrocentos invSlidos de guerra. De farda azul, botas e boné, 0s Kaffeeschnitfler — 05 farejadores de café — percorriam os lares de todo o pais, procurando pelo cheiro grdos de caté que n&o tivessem pago o imposto. Cf. Walter Schomburg, (1992), 183. E mesmo na Inglaterra dos sécs. XVI eXVil, onde a sua instituigéo era proibida pela Common Law, multiplicaram-se os monopélios designados de patents — para a producéo de pélvara, cartas de jogo, tecidos, sal, vinagre, aguardentes, pastas de va, éleo de baleia, sardinhas fumadas € sementes de anis, goma ou gatrafas. Cf. Stephen Dowell (1884), 1, 203-5, 0 imposto do café subsiste ainda na Alemanha, sendo disciplinado pela KaffeeSteuerGesetz (KaffeestG) de 21 de Dezembro de 1992 e pela Veroxdnung zur Durchtahrung des Kaffeesteuergesetzes (KatfeeStv) de 14 de Outubro de 1993. RFDI, Belo Horizonte, ano 3, n. 17, p.49-98, set Jout, 2005 Origem eFinalidades dos Ilmpostos EspeciaisdeConsumo 59. sob a proteccao do Estado. Em segundo lugar, certeza (certainty) — 0 imposto a pagar por cada um deve ser certo, e nao arbitrario. O momento do pagamento, a forma de pagamento e o quantitativo a ser pago devem ser claros e certos para 0 contribuinte ou para qualquer outra pessoa. Em terceiro lugar, comodidade no pagamento (convenience of payment) — todo o imposto deve ser cobrado no momento e da forma que seja mais conve- niente ao contribuinte. Em quarto e dltimo lugar, economia na cobranga (economy in collection) — todo o imposto deve ser concebido de modo a nao tirar mais aos contribuintes do que aquilo que da ao Estado: 0 custo de angariagao do imposto deve ser tao baixo quanto possivel, e este nao deve obstruir a actividade dos contribuintes ou desencoraja-los de se dedicarem a qualquer profissao.”! O receitudrio fiscal de Adam Smith deve ser interpretado a luz do postulado fundamental da sua doutrina, o de que a riqueza das nagoes se faz pela liberdade de comércio e indistria, devendo o Estado limitar-se a assegurar as suas condic6es de exercicio. Com isto em mente, os canones enunciados ganham um significado preciso, e € muito particularmente assim com 0s mais importantes, os da igualdade e neutralidade do imposto. Vejamos. Se a fungao do Estado esta em garantir a liberdade de empresa dos contribuintes, entao estes deverdo pagar imposto na medida do que o Estado lhes oferece, nao devendo o Estado oferecer-lhes mais do que eles solicitam. E um Principio de Equivaléncia ou Beneficio que legitima o imposto, a ideia de que este mais nao € do que o prego da civilizagao, o prego da seguranga oferecida 4 pessoa e bens do contribuinte. Constituindo o imposto o prego da seguranga, entao a igualdade tributaria esta, primeiro, em que todos o paguem; depois, em que todos 0 paguem na proporgéo dos bens segurados. Eis o que Ferreira Borges sumariava, reproduzindo as teses do “Doutor Smith”: Como o governo deriva a necessidade da sua existéncia do bem geral dos sdcios, é de justica, que todos os sécios contribuam para a sua mantenga. Como porém o interesse dos sécios, ainda que geral é desigual segundo s4o desiguais as fortunas de cada um, segue-se, que a contribuicao sé sera justa quando tiver a qualidade do que em direito comercial se chama contribuigdo em avaria grossa; isto é, quando cada um fornecer uma parte da despesa na proporgio da fortuna, que € protegida e assegurada pelo governo. * The Wealth of Nations, liv.V, capit.ll, parte Il. A propésito, veja-se Sérgio Vasques (1999) Os Impostos do Pecado: O Alcool, 0 Tabaco, o Jogo e 0 Fisco, 17785. ® Ferreira Borges (1831), Principios de Sintelologia, 8. R, Forum de Dir. Tributétio - RFD; Belo Horizonte, ano 3,n. 17, p.49-98, set/out. 2005 60 Sérgio Vasques Em matéria de igualdade tributaria o programa liberal centrava-se, pois, nas questdes da universalidade e da proporcionalidade, as longas armas de arremesso contra o antigo regime.” Sucede, porém, que, triun- fante a Revolucao, ficavam por inteiro ultrapassadas as quest6es da universalidade e proporcionalidade do imposto, estando o grande combate agora na questao da sua “gradac4o”. Ao insistir nelas, portanto, o programa liberal surgia como um programa de conservagao, de resisténcia 4 grande vaga, de surdez fingida — tratava-se de ignorar a questao da progressi- vidade esperando que com isso ela desaparecesse. E, por algum tempo, desapareceu efectivamente. Jaa ideia da neutralidade do imposto, essa foi a ideia rica, poderosa, transformadora, o principio activo da doutrina tributaria liberal. A ideia de que os impostos devem interferir tao pouco quanto possivel com as forgas de mercado, essa sim, postulava um programa formidavel de reforma. Havia que desmantelar as barreiras fiscais ao comércio interno € externo, debelar sem piedade “a espessura de trevas e de resisténcias” acu- mulada ao longo dos séculos,™ fazer a grande aplanagem do sistema— se cada nagio produzisse sem embaraco aquilo que de melhor tem, e 0 trocasse depois sem embarago com as nagées vizinhas, todos ganhariam afinal. A doutrina fiscal liberal alimentava-se, assim, da filosofia iluminista, do desejo de trazer clareza, racionalidade e sistema as leis humanas, libertando os homens da tradigio, do irrazodvel e do arbitrario. Mas adiantamo-nos ja. Que efeito produziram, afinal, estas ideias de igualdade e neutralidade no campo da tributagdo dos consumos? A concepgio liberal da justia e iguaidade tributaria recomendava, de modo geral, os impostos sobre 0 consumo. Se o imposto € 0 prego da civilizagdo, justo é que cada um pague conforme os frutos da civilizagao que consome: V’impét est plus juste, car le riche qui consomme davantage des produits sociaux, paye en plus grande proportion ce qwiils ont couté & protéger, et celui qui par prevoyance, économie ou pauvreté s'en abstient, est dispensé de payer une part des dépenses publiques proportionée a son abstention.» Porque 0 consumo se considerava o melhor indice do beneficio e porque a sua tributacao é por tendéncia universal e proporcional, os impostos indirectos colhiam, por principio, a simpatia liberal. ® Assim, dizia Proudhon: la grande conquéte de la Révolution est donc I'universalité et la proportionalité de limpét. Veja-se P-J. Proudhon (1860) Théorie de I'Impét, 161 ® Ferreira Borges (1831) Principios de Sintelologia, 10. ® ouis-Adolphe Thiers (1849) De /a Proprieté, 325. R. Forum de Dir. Tributério - RFDT, Belo Horizonte, ano 3, n. 17, p. 49-98, setJout. 2005 Origem e Finalidades dos Impostos Especiais deConsumo 61 Nao eram, contudo, consideragGes de justiga as determinantes no posicionar da doutrina liberal perante os impostos indirectos, ou sequer sobre quaisquer outros. Determinantes eram as consideracées de eficiéncia econémica, aquelas que se prendiam com a neutralidade que os devia marcar. Ora essas, jd se adivinha, feriam de morte a tributacio selectiva dos consumos. Comecemos pelo monstruoso, o monopolio fiscal. Negacao viva da economia liberal, o monopOlio estanca a concorréncia, interfere na distri- buicgio natural de recursos, altera o equilfbrio entre oferta e procura, “exaspera os precos”. E, por definicao, nocivo a riqueza das nacées.”* Se arrematado a particulares, era contestado pela multiddo, sempre revoltada pelos grandes lucros e abusos dos contratadores; se gerido directamente pelo Estado, chamava sobre si a pior fiiria da doutrina: [’Etat ne doit rien fabriquer que les canons, la poudre, les vaisseaux de guerre.” Debaixo deste fogo cruzado, os monopdlios herdados do Antigo Regime — monopolios sobre o tabaco, as aguardentes, o sabao ou as cartas de jogar — viriam a ser progressivamente desmantelados ao longo do século dezanove, ainda que os mais importantes sobrevivessem por impe- riosas razées financeiras. A data da Revolugdo de Outubro, o monopélio do vodka constituiria ainda o principal sustento do império russo, vendido nas mais de 120.000 “tabernas do Czar”. Mas esta era a excepgéo mons- truosa, j4 ndo a regra. Fosse embora grande o simbolismo do monopédlio, era sobretudo contra os direitos aduaneiros que se movia a doutrina liberal. O progra- ma tributaério de Adam Smith estava, antes do mais, na contestagéo do excesso mercantilista, que tolhia o comércio internacional com mil e uma imposig6es, promovia a industria ineficiente, encarecia os produtos ao consumidor. Enquanto 0 idedrio liberal teve o folego bastante, entre as décadas de 1820 e 1870, assistiu-se em quase toda a Europa a um movimento de reforma e retracgao da tributacao alfandegaria. Logo em 1818, declarava- se livre a entrada de matérias-primas na Prissia, sujeitando-se os produtos manufacturados a uma taxa quase-simbélica de 10%;%8 na Holanda eliminavam-se quase por inteiro os direitos de importagao entre 1845 e % Veja-se Adam Smith (1776), livl, capit-VIl,¢ liull,

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