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Pré-Histéria da Africa ocidental T. SHAW As principais zonas climiticas e fitolégicas atravessam toda a Africa ocidental, de leste a oeste. As precipitagdes mais fortes ocorrem perto da costa, e dimi- nuem 4 medida que se vai para o norte e para o interior. Ao norte, o lado meridional do deserto faz limite com a faixa seca do Sahel; mais ao sul, encontra-se a zona da grande savana; entre a savana e a floresta tropical, densa e umida, que se limita com a costa, fica uma zona de floresta desmoi tada, que antes havia sido floresta e que a agéo do homem transformou em savana. O clima e o meio ambiente As precipitagdes na area séo nitidamente sazonais: no sul, elas predominam. de abril a outubro (com mdxima em julho e outubro); no norte, de junho a setembro. Essas chuvas sdo trazidas pelos ventos de sudoeste, que sé enchem de umidade no Atlantico. Porém, a frente intertropical corta a Africa ocidental de leste a oeste, separando a massa de ar tropical maritima, formada sobre o sul do Atlintico, da massa de ar continental ¢ seca do Saara. A posigio da frente varia de acordo com as estaces do ano. Em janeiro, esté no extremo sul, de modo que os ventos alisios do nordeste, vindos da massa setentrional de ar seco, descem diretamente na costa da Guiné, provocarido um grande declinio de umidade. Para conhecer a pré-historia e a arqueologia da Africa ocidental, é im- prescindivel que se tenha conhecimento dos padrées climaticos ¢ vegetais: a localizagdo ¢ a extensiio das diferentes zonas de vegetagao, bem como a posicfio da frente intertropical, sofreram variagGes no passado, afetando as condigdes em que o homem vivia, em diferentes periodos, na Africa ocidental. Dentro dessas zonas de vegetagdo existem certas particularidades geo- graficas que provocam modificagoes locais no padrao geral: o maciga de Futa Djalon, as terras altas da Guiné, no Togo, a cordilheira Atakora; em Cama- rées, 0 planalto de Bauchi e as terras altas de Mandara; o delta interior do Niger ¢ sua grande curva em direcao ao norte, o lago Chade ¢ o delta da foz do Niger. Entre Gana e Nigéria, ha uma quebra de continuidade no cinturio de floresta tropical imida, que é conhecida como a “‘passagem de Daomé”. ‘ewapiso uLyyY ep oYsme%oa ap scuoz 0 2 HOGGAR ee ft 20°N s/ 20°N o Tichitt Karkarichinkst = oat A, * = & Tondiderce : Ge he, + Cabo Manuel G Kumbi Saleh ¢ E Oscar % a STONE ww Tlemassas oe sot oF g LAGO CHAI CASAMANCE Bamace ‘* Nhampassere Kourounkornkale —) Kano FOTA\ DUALON /YPLANALTO ee eXindia DE JOS 10°N Gruta de: Kekimbon" eYagela f Kamabai eYengema Nteresoe /-\@Blande Kintampow © Abetitie Sahel . Asgkrochonia ge = Igbo Uke f HAN isew Deserto 15°W Floresta fee 000 km | ee Savana 15°W oe 19 E Pré-histéria da Africa Ocidenial 621 O homem pré-histérico Vestigios paleontoldgicos Até o momento, a Africa ocidental nado apresentou vestigios de formas huma- nas primitivas nem de hominideos compardveis aos que foram achados na Africa oriental e meridional +, nem tampouco artefatos da época correspon- dente. Apesar disso, poderiamos supor que tais seres existiram na Africa ocidental? A atual falta de dados significa que esses hominideos realmente nao viveram na Africa ocidental naquela época, ou que as evidéncias ainda nao foram encontradas? Essa é uma pergunta impossivel de ser respondida no momento; entretanto, na Africa ocidental nao foi realizado nenhum esforco de pesquisa compardvel ao que teve lugar na Africa oriental. Devemos admi- tir também que os depésitos de mesma idade parecem ser raros na Africa ocidental, e é evidente que, devido ao alto grau de umidade ¢ acidez do salo, as condigdes de preservagio sio muito piores*. Esse fato é ilustrado por dados de um perfodo muito mais recente: um mapa de distribuicéo, na Africa, das descobertas de vestigios paleontolégicos da Late Stone Age, aponta um espaco em branco na regifio da Africa ocidental-Zaire *. Mas, depois da elaboragdo desse mapa, descobertas referentes a essa época feitas na Nigéria e em Gana revelam que o espacgo em branco indicava uma dada situagio de pesquisa ¢ nado a auséncia de ocupagéo humana *. O mesmo podemos dizer em relacdo ao periodo anterior, que vamos abordar*, e também quanto ao mapa de distribuigdo dos depésitos fésscis de vertebrados do Pleistoceno Médio ¢ Superior, que mostra um espago em branco semelhante 7. Até onde podemos remontar, deve ter havido em certas partes da Africa ocidental condigoes ecolégicas muito semelhantes aquelas que favoreceram o desenvolvimento dos australopitecos da Africa oriental — 0 que no significa que essas regiées foram de fato ocupadas. H4 muitas regides da floresta tropical que poderiam, atualmente, prover as necessidades dos gorilas, mas na verdade, eles sio en- contrados apenas em duas regides bem delimitadas *, e, apesar de uma certa similaridade de condigdes, a savana da Africa ocidental mio sustenta uma caca tao rica em nimero e em variedade como a da Africa oriental °. A porcdo craniofacial de uma caixa craniana encontrada a 200 quilé- metros a oeste-sudoeste de Largeau é uma evidéncia positiva que fala a favor da possibilidade de serem encontrados, na Africa ocidental, alguns dos pri- meiros hominideos do comego do Pleistoceno. Esse espécime foi chamado de Tehadanthropus uxoris ; inicialmente pensou-se que se tratava de um austra- 1 Leakey, R. E. F., 1973. 2 Leakey, M.. 1970. 8 Crank, J. D., 1968. p. 37 4Gaser, C., 1966. p. 17. 5Suaw, T., 1965; 1969 b; BROTHWELL, D. ¢ SHaw, T., 1971; Fuicut, C., 1968, 1970. ® Coppens, Y., 1966, B.1.F.A.N. p. 373. 7 Correns, Y., 1966, B.LF.A.N. p. 374. 4 Dorst, J. P. ¢ DaNpetot, P., 1970. p. 100. 9 Dorst, J. P. © DANDELOT, P., 1970, p. 213-23. 10 CamPBELL, B. G., 1965. p. 4-9. 622, Metodologia e pré-histéria da Africa lopiteco ™, mas depois consideraram-no mais préximo do Homo habilis ®. De fato, é dificil fazer um julgamento, devido A falta de datas exatas e por causa da fragmentagao do crinio. Um estudo mais minucioso dessa pega, com capacidade craniana de 850 a 1 200 cm’ e que apresenta caracteristicas arcai- cas e desenvolvidas, sugere uma evolugio para o Homo erectus ™, um estagio mais complexo dos hominideos. Convém repetir que na Africa ocidental nao ha exemplos dessa forma, embora tenham sido encontrados na Argélia 1 alguns espécimes desse mesma tipo, chamados de Aslanthropus mauritanicus. As industrias Embora o homem da pré-histéria tenha feito utensilios tanto de osso ¢ ma- deira quanto de pedra, a madeira raramente é preservada e as condigdes do solo na Africa ocidental nfo sao favordveis A conservagiio do osso. Além das lascas trabalhadas de modo rudimentar, os utensilios de pedra mais sim- ples ¢ mais primitivos sao os seixos ou blocos, talhados por percussio cons- tituindo instrumentos que apresentam um gume de 3 a 12cm de compri- mento. Eles séo conhecidos como indistria do seixo laseado ou utensilios olduvaienses, referindo-se A garganta de Olduvai, na Tanzania. Sado bastante freqiientes na Africa, sendo que os homens primitivos que as fabricaram podem muito bem ter-se espalhado pela maior parte das savanas e matas do conti- nente. Ha exemplos desses utensilios em diversos lugares da Africa ocidental 1°, mas até o momento nfo & possivel ter certeza se algum deles data genuina- mente do mesmo periodo da inddstria olduvaiense, que, na Africa oriental, situa-se entre — 2 ¢ — 0,7 milhées de anos. Um estudo minucioso dos seixos lascados encontrados ao longo do rio Gambia, no Senegal, demonstrou ser bem provavel que alguns deles tenham origem neolitica, enquanto outros possivelmente remontariam a Late Stone Age; nao ha evidéncias estratigraficas que permitam considerd-los como indistria da época pré-acheulense !. Entao, 86 podemos ter certeza de que esses seixos lascados pertencem a um periodo anterior quando eles séo datados independentemente, por terem sido encon- trados in situ em depdsitos que podem ser datados, seja de modo relativo, seja de modo absoluto. A paleontologia permite que se estabelecam datas rela- tivas para os depésitos de Yayo, que revelaram o Tchadanthropus; mas, infe- lizmente, nao foi encontrada af nenhuma industria associada. A partir das indi- cagées fornecidas pelos ossos de fosseis do extinto Hippopotamus imaguncula, extraidos de um pogo com profundidade de 58 metros, situado em Bornu™, € provavel que os sedimentos da bacia do Chade contenham material paleon- toldgica e, sem divida, arqueolégico do Pleistoceno; esse materi#!, porém, repousa sob uma camada muito espessa de aluvides mais recentes. 41 CorrEns, ¥., 1961. 12 Correns, ¥., 1965 a; 1965 b; Cooxe, H. B. S., 1965. 18 Coprens, ¥., 1966, Anthropalogia. 14 ARAMBOURG, C. ¢ HOFSTETTER, R., 1954, 1955; ARAMBOURG, C., 1954, 1966, 15 Davies, O., 1961. p. 1-4; Davies, O., 1964. p. 83-91; Mauny, R., 1963; Soper, R. C., 1965, p. 177; Hucor, H. J., 1966, BIF.A.N. 18 Mauny, R., 1968. p. 1283; Barsey, C. ¢ Descamrs, C., 1969, 1 Tartam, C. M., 1944, p, 39. Pré-histéria da Africa Ocidenial 623 Mudangas climaticas Na Europa, ocorreram varias glaciagées durante o Quaterndrio, e as quatro principais receberam o nome de rios da Alemanha. Sabe-se agora que, apesar de os fenédmenos glaciais apresentarem ritmo e padro gerais, muitas variagdes locais devem ser levadas em consideragao; por isso, também se usam nomes locais para cada regiao particular. Embora o quadro resultante seja muito mais complexo, € provavelmente bem mais proximo da realidade **. A mesma coisa aconteceu na Africa, quando, nos vestigios de praias lacustres elevadas gracas a fases de erosio e de depdsitos de cascalhos, os primeiros pesquisadores encontratam tragos caracteristicos de periodas do Quaternario, ao longo dos quais o clima africano tinha sido muito mais umido que atualmente. Esses periodos de precipitagdes mais abundantes foram bati- zados de “pluviais”. A partir do momento em que o conceito de periodos glaciais foi aceito para as zonas temperadas setentrionais, o que ha de mais natural do que a idéia de que houve, no calor dos tropicos, um periodo pluvial correspondente aos periodos glaciais da Europa e da América do Norte? ® Com o tempo, a idéia de trés e depois de quatro periodos pluviais africanos tornou-se crenga ortodoxa **; supés-se que eles correspondiam as glaciacées da era glacial européia #4, embora tenha sido proposta uma nova teoria, segundo a qual um periodo pluvial africano corresponderia a duas glaciagdes setentrionais "*. O fato de ter sido possivel expor pontos de vista tio diferentes mostra a quase impossibilidade de qualquer correlacio crono- légica exata. De qualquer forma, como se trata de grandes distancias, as corre- lagSes geoldgicas nao deveriam ser estabelecidas em fungio de climas ¢ sim de formagées rochosas. Além disso, os vestigios dos periodos pluviais dao lugar a muita confusaio, quando comparados com os tragos das glaciagGes *. Com o tempo, a prépria hipétese de quatro periodos pluviais na Africa foi posta em diivida #4 A Africa ocidental nao escapou 4 extrapolagdo, ¢ esforgos tém sido feitos no sentido de utilizar os resultados obtidos em outras partes do continente para conferir uma certa significagao aos dados que, de outro modo, ficariam isolados ou dificeis de interpretar*°. Mais recentemente, entretanto, dois ele- mentos contribuiram pata o progresso da abordagem cientifica em relagio 4 Africa ocidental: uma pesquisa mais aprofundada sobre esse assunto **, e o surgimento de uma nova teoria sobre as mudangas climaticas na Africa *. 18 Fur, R. F., 1971; Spark, B. W. ¢ West, R. G., 1972 19 Waytanp, E. J., 1934; 1952. 20 Leakey, L. S. B., 1950; Leakey, L. §. B., 1952, Resolugio 14 (3), p. 7; Crark, J. D., 1957, p. XXXI, Resolugio 2. #1 Nitsson, E., 1952. = Simpson, G. C., 1957. 25 Chak, J. D., 1957. p. XXX, Resolugdo 4; Burzer, K, W., 1971. p. 312-15. 24 Funt, R. F., 1959. 25 Bonp, G., 1956. p. 197-200; Facc, B. E. B., 1959. p. 291; Davies, O., 1964, p. 9-1 Pus, J., 1967 26 Associagio Senegalesa para o Estudo do Quaternds et al, 1971; Burzer, K. W., 1972. p. 312-51 27 ZrNDEREN-BaKKER (E. M. van), 1967. 1966, 1967, 1969; BURK, K. 624 Metodologia e pré-histéria da Africa No que diz respeito a essas mudangas climaticas, a Africa ocidental nao oferece nenhuma informagao geolégica ou geomorfoldgica digna de fé, que remonte a um periodo anterior a antes da ultima glaciagio na Europa. O estudo do lago Chade evidenciou a existéncia de altos niveis lacustres a partir de — 40000 **. Esse nivel alto 6 marcado pelo espinhago de Bama, sobre a qual se cleva Maiduguri, que nesse local tem diregdo noroeste-sudeste. Depois, as duas extremidades estendem-se em diregio nordeste, cercando Largeau, toda a depressio do Bodele e o Bahr el-Ghazal. Esse espinhago, considerado mais uma barra de lagoa do que o tragado real de uma margem, pode ter levado 6 000 anos para se formar **. O antigo lago ficava a uma altura de 332 metros acima do nivel do mar, ao passo que atualmente a altitude do lago Chade é de 280 metros; as vezes acontecia de ele transbordar na passagem de Bongor e drenar o Benue. Durante esse periodo mais tmido, tudo indica que a floresta da Africa ocidental estendia-se bem mais para o norte do que atualmente; no entanto, é impossivel afirmar que ela tenha atingido a latitude de 11° N °° ow a atual linha isoieta dos 750 mm *! enquanto a palinologia nao nos tiver fornecido essa confirmagdo. Aproximadamente na época do Gltimo maximo da tltima glaciagio no norte da Europa (mais ou menos por volta de — 20000), parece que a Africa ocidental era muito mais seca do que agora. Nessa época, os rios da regiao des- pejavam suas dguas num oceano que ficava 100 metros abaixo do nivel de hoje, pois uma grande quantidade de dgua ficou bloqueada nas calotas glaciais dos polos. Assim, em Makurdi, o Benue cavou um leita cerca de 20 metros abaixo do nivel atual do mar, que se mostra ainda mais profundo em Iola; enquanto isso, em Jebba, © leito f6ssil do Niger se encontra 25 metros abaixo do nivel do mar e se aprofunda ainda mais em Onitsha**, Também o Senegal corria num leito bem abaixo do nivel de agora; mas grandes dunas de areia blo- quearam sua foz, 0 mesmo acontecendo com o curso médie do Niger. Nessa época, o lago Chade era seco; dunas de areia formaram-se no fundo do lage e em certas regides da Nigéria setentrional indicando que havia precipitagdes anuais inferiores a 150 mm, ao passo que atualmente elas ultrapassam 850 mm. Embora apenas os depésitos da foz do Senegal ¢ das proximidades do lago Chade possam ser datados de modo absolute, todas as outras evidéncias indicam que houve um periodo seco por volta de — 18000. Se as dunas de areia foram formadas na latitude de Kano, a regiiio florestal e a savana devem ter sido empurradas para bem longe, em diregiio ao sul; na verdade, é pro- vdvel que a maior parte da floresta tenha desaparecido, com excegao de florestas reliquias em reas com precipitagdes mais elevadas, tais como a costa da Liberia, parte do litoral da Costa do Marfim, o delta do Niger e as montanhas de Camaroes. Aproximadamente no ano — 10000, as condigdes parecem ter evoluido para uma umidade maior. O Niger do Mali transbordou sobre o Taoussassill, ¢ o Mega-Chade, como foi chamado*’, recobriu novamente uma vasta super- 28 SERVANT, M. ef al., 1969; GRovE, A, J. © WARREN, A., 1968; Burke, K. er al., 1971. 29 Grove, A. T. ¢ PULLAN, R. A., 1964, » C., 1962; Faure, H. ¢ Erovarn, P., 1967. 88 Moreau, R. E., 1963; Servant, M. ef ai., 1969. Pré-histéria da Africa Ocidental 625 ficie; as dunas de areia formadas durante o perfodo seco anterior ficaram com uma cor avermelhada, devido as estagdes mais Umidas. Vestigios de car- viio vegetal dispersos em Igbo Ukwu, que datam do décimo primeira ¢ do sétimo milénio antes da Era Crista, podem talvez indicar queima de arbustos eu existéncia, nessa latitude e nessa época, de uma vegetacdo do tipo savana *. E possivel que nesse periodo a floresta tivesse se espalhado outra vez em diregdo ao norte, a partir das zonas-refagios do litoral, onde ¢la sobreviveu no periado seco precedente. A teoria mais satisfat6ria para relacionar os acontecimentos climaticos do fim do Quaternério na Africa ocidental aos do norte da Europa baseia-se em provas, cada vez mais numerosas, de que as variagoes de temperatura sao um fenédmeno mundial; elas provocaram um deslocamento das zonas climaticas nos dois lados do equador, deslocamento esse modificado pela configuragéo das grandes massas terrestres e ocefinicas **. Quando as temperaturas do planeta cairam, © resultado foi uma glaciagdo nas latitudes norte, que empurrou o anticiclone polar para o sul; as zonas climé- ticas situadas mais além foram comprimidas em diregio ao equador, de modo que a frente intertropical norte foi deslocada para o sul de sua posigao atual. Em conseqiiéneia disso, os ventos secos do nordeste sopravam por mais tempo e com maior forca, de uma extremidade a outra da Africa ocidental, enquanto os ventos pluviais do sudoeste, chamados ventos de mongées, sopravam com menos forga, numa distancia menor, durante a estagao Gmida. Esse fato explica a coincidéncia entre um periodo seco na Africa ocidental e um periodo glacial setentrional. Nessa mesma época, o norte do Saara cra mais Gmido do que atualmente, pois a trajetéria das tempestades do Atlantico desembocava no sul da cadeia do Atlas, ao invés de passar ao norte da mesma. Depois, quando as temperaturas mundiais se elevaram, as calotas glaciais e a frente intertropical afastaram-se para o norte e o nivel do mar atingiu a altura de hoje. Devido ao deslocamento da trajetéria das tempestades do Atlantico em diregio ao norte, o Saara do norte ficou mais seco; porém, suas reservas aqudticas e vegetais foram suficientes para adiar o dessecamento final, que acabou ocorrendo por volta de — 3000, Quando a aridez se tornou tao intensa que a populagao nao tinha mais condigdes de viver no Saara, tal fato naturalmente teve repercussdes nas zonas situadas mais ao sul. A Idade da Pedra Os termos “paleolitico”, “‘epipaleolitico” e “‘neolitico” ainda estéo em uso no norte da Africa; em compensagao, os arquedlogos da Africa subsaariana, depois de muito tempo, acharam preferivel utilizar sua propria terminologia, baseada na realidade de um continente ¢ ndo num sistema europeu, imposto de fora. Essa nova terminologia foi adotada oficialmente ha cerca de vinte anos, no 3.° Congresso -Pan-Africano sobre Pré-Histéria. Nos usaremos entao os termos “Early Stone Age”, “Middle Stone Age” e¢ “Late Stone Age” 5°. ‘08 limites cronoldgicos dessas divisdes da Idade da Pedra variam um pouco Sraw, T., 1970. p. 58, 91 55 ZINDEREN-BAKKER (E. M. van), 1967. 8 CuaRK, J. D., 1957, Resolugao 6. 626 Metodologia ¢ pré-histéria da Africa de regiao para regiao. Bem aproximadamente, podemos estabelecer o periodo que vai de — 2500000 a — 50000 para a Early Stone Age; de —S0000 a —15000 para a Middle Stone Age; e, finalmente, de — 15000 a — 5000 para a Late Stone Age. Com o actimulo de novas informagGes, essas divisdes e datas tio simples passam_a ser modificadas ¢ a exigir um quadro mais completo. O préprio termo “neolitico” esta sendo cada vez mais criticado quando aplicado a Africa subsaariana; na verdade, trata-se de um termo ambiguo que nao se sabe se indica um periodo, um tipo de tecnologia, um tipo de economia ou a combinag&o dos trés **. A Early Stone Age na Africa ocidental O Acheulense No sul, no leste e no noroeste da Africa, o complexo industrial olduvaiense cedeu seu lugar ao complexa que conhecemos sob o nome de acheulense, caracterizado por bifaces. Os bifaces séo utensilios de forma oval ou oval apontada cujo gume, em todo © contorno, foi cuidadosamente talhado nos dois lados; um outro tipo de biface, a machadinha, tem um gume transversal retilineo. Embora as mulheres e as criancas provavelmente se encarregassem do fornecimento de pelo menos metade do alimento, através da coleta de bagas, graos e raizes, os homens agrupavam-se e coordenavam seus esforgos para cacar animais de grande porte. O fogo era conhecido na Africa desde 0 final do periodo acheulense. O responsdvel pela fabricagdo dos utensilios acheulenses, em todos os locais onde foram encontrados, ¢ o Homo erectus. Sua capacidade cerebral é bem inferior 4 do homem moderno, mas, por outro lado, ele esté bem préximo deste tiltimo quanto a estrutura corporal. Os tipos de bifaces geralmente considerados como primitivos (mais tarde chamados de “chelenses”) nao existem no Saara, mas foram encontrados no Senegal **, na Republica da Guiné™, na Mauritania ‘° e em Gana, bastante rolados, na estratigrafia dos aluvides do terrago médio ** — qualquer que seja o significado dessa situacdo em termos de cronologia relativa. Sua drea de distribuicdo foi objeto de mapas ** que pareciam indicar uma colonizacio a partir do rio Niger, ao longo da cadeia montanhosa de Atakora e das colinas do Togo. Os ultimos estagios do Acheulense, caracterizados por belos bifaces talha- dos com percutor de osso ou madeira, sio prolificos no Saara, ao norte do paralelo 16. Talvez seja conveniente relacionar essa distribuigao ao peniltimo periodo glacial na Europa (Riss), ou, talvez, ao primeiro maximo da Ultima glaciagio (Wiirm); nessa época as chuvas devem ter sido mais abundantes no norte do Saara ¢ a regio desértica recuou para o sul, oferecendo poucos atrativos para os cagadores-coletores. As terras elevadas do planalto de Jos 37 Bisuop, W. W. e Ciark, J. D., 1967. p. 687-899; SHaw, T., 1967, p. 9-43; Vecet, J. C., e Beaumont, P. B., 1972 CORBEIL, R., 1951 50 Creacu, P., 1951 49 Mauny, R., 1955. p. 461-79. #1 Davies, O., 1964. p. 86-91. 42 Davies, O., 1959, Pré-histéria da Africa Ocidental 627 parecem ter escapado a regra: é possivel que o clima nao tenha sido tao drido ¢ que tenha favorecido a existéncia de vastas campinas levemente arbo- tizadas, do tipo procurado pelo homem do Acheulense, Esse planalto apareceu como um promontério de terras habitdveis projetado para o sul de Air ¢ da principal regido acheulense do Saara (norte do partalelo 16). Com base no método do carbono 14, estabeleceu-se que o material associado aos uten- jos acheulenses, nos cascalhos de base que enchem os canais cavados du- rante o periodo umido anterior, data de uma época “anterior a 39000 B.P.” **, Quando o homem do Acheulense habitava o planalto de Jos, é provavel que o macigo de Futa Djalon também tivesse sido favorayel a ocupagao pelo homem; alguns utensflios acheulenses foram descobertos nessa regiao *#. Ha também vestigios do Acheulense Médio ¢ Superior nos arredores ¢ ao norte do alto Senegal; tais vestigios poderiam ser considerados um elo de ligagdo entre a regiao de Futa Djalon e os prolificos sitios arqueolégicos da Mau- riténia. Tragos do Acheulense foram registrados * no sudeste de Gana e ao longo das cadeias montanhosas do Togo e de Atakora; esses tragos sugerem a possi- bilidade de uma penetracéo pelo norte dessas regiGes, que deviam ter um meio ambiente favoravel. Entretanto, essa penetragao parece nao ter sido muito significativa. Na verdade, nenhum vestigio do Acheulense foi descoberto na regio através da estratigrafia e 6 muito dificil, usando apenas a tipologia, classificar definitivamente como acheulenses pequenas colecSes e raros espé- cimes. Isso acontece porque algumas formas tendem a sobrepor-se as formas mais recentes da indtistria sangoense *° ou a confundir-se com elas. O Sangoense E dificil definir 0 complexo industrial sangoense “7 e até se poe em divida a sua existéncia na Africa ocidental 4*. Sucedendo o Acheulense ¢ conservando certas pegas de seu instrumental, tais como picdo e o biface, vem a luz um novo complexo industrial; a machadinha desapareceu, os esferdides torna- ram-se raros € deu-se prioridade aos pic6es, geralmente de forma pesada ¢ maciga. Encontramos também choppers, em geral talhados sobre seixos. Na Africa ocidental, a distribuicfo dos elementos do Sangoense é mais meridional que a do Acheulense *”, sugerindo um novo modo de fixagao. No cabo Manucl, em Dacar, uma indtstria antes considerada neol; 5°, agora é reconhecida como sangoense ** ou, eventualmente, como uma de suas sobre- vivéncias tardias, O mesmo pode-se dizer de certos elementos coletados em Bamaco **. Na Nigéria, os vestigios sangoenses situam-se, sobretudo, na parte 43 BARENDSON, G. W. ef al., 1965. 44 Crark, J. D., 1967, Ailas. 45 Davies, O., 1964; CLARK, J. D., 1967, Atlas. 48 Davies, O., 1964. p, 83-97, 114, 137-39. 47 Crark, J. D., 1971 48 War-Oousu, B., 1973. 4° Crark, J. D., 1967, Atlas. 50 Corpem, R. ef al., 1948. p. 413. 3: Davies, ©., 1964. p. 115; Hucor, H. J., 1964. p. 82 Davies, O., 1964. p, 113-14. nv Cerimica do Cabo Manuel, Senegal; fragmentos decorados (foto T. Diagne, Museu do IFAN) . Brunidor de osso, encontrado no sitio neolitico do Cabo Ma- nuel (foto I. Diagne, Museu do IFAN) Pré-histéria da Africa Ocidental 629 do pais que se estende do sul do planalto de Jos para o norte da floresta tropical e densa; eles também so encontrados ao longo dos vales fluviais, em cascalhos existentes entre 10 e 20 metros acima do nivel atual do rio “*. No vale do Niger, perto de Bussa, existe uma indistria constituida, sobretudo, de seixos lascados € que ndo apresenta indicios de picdes; entretanto, por razdes geoldgicas, ela é considerada contemporanea do Sangoense “. Constatamos a presenca de utensilios sangoenses espalhados no pé da cadeia montanhosa do Atakora-Togo e ao sul de Gana °°, Esse material é raro no norte de Gana, mas aparece com certa freqiiéncia no sul. Em outras partes da Africa atribuem-se ao Sangoense datas que remon- tam a — 50000 e sugeriu-se que o complexo industrial sangoense poderia refletir a necessidade de adaptar-se a uma regifo mais arborizada durante um periodo cada vez mais seco’. Na Africa ocidental, a industria sangoense nao foi datada pelo método do carbono 14; no sul de Gana, o material sangoense do atalho da estrada de ferro de Asokrochona é, em sua totalidade, anterior ao “Beach IV” de Davies, que ele proprio compara ao interestadial de Got- tweig ** — posic¢io estratigrafica que néo fez nada mais do que dar o ter- minus post quem, que nés j4 deviamos esperar. Se, perto de Jebba, os casca- thos situados de 10 a 20 metros acima do Niger foram depositados quando 0 leito do rio correspondia ao nivel do alto mar do Inchiriense Superior ™, a presenga entre eles de utensilios sangoenses nao rolados sugere uma data perto de — 30000; os espécimes rolados poderiam ser contemporineos ou mais antigos. E possivel que a distribuic¢éo meridional do -Sangoense, num meio florestal e ao longo dos rios, testemunhe um modo de vida adaptado a seca, anterior a — 40000; depois disso, o lago Chade comecou a encher-se e a espalhar-se. Talvez os animais que eram cacados outrora tenham sé tornado raros, fugindo em diregdo ao sul; o aumento na quantidade de picdes pode ser uma resposta a necessidade tanto de arrancar raizes e tubérculos quanto de cavar fossos para pegar animais, pois j4 ndo era tio facil cagar em espago aberto. A Middle Stone Age na Africa ocidental O termo Middle Stone Age serve para descrever um conjunto de complexes industriais aproximadamente de — 35000 a — 15000. Na Africa ocidental, as indistrias pertencentes 4 Middle Stone Age foram identificadas com menos certeza do que no resto da Africa subsaariana. Alguns espécimes raros do Lupembiense foram encontrados em Gana ™ ¢ na Nigéria "', mas nenhum deles oferece indicagdes estratigraficas satisfatérias para sua da- 5) Davies, O., 1964. p. 113-4; Sorer, R. C., 1965. p. 184-86. 4 Soper, R. C., 1965. p. 186-88, 55 Davies, O., 1964, p. 98, 100. 56 Crark, J. D., 1970. p. 250. 57 Crarx, J. D., 1960. p. 149 58 Davies, O., 1964. p. 23, 137-42. 59 Faure, H. e Evovarp, P., 1967. 60 Davies, ©., 1964. p. 108-13. &t Achado na superficie, na regifio de Afikpo, pelo professor D. D. Hartle ¢ anterior- mente nas colegdes da Universidade da Nigéria, Nsukka. 630 Metodologia e pré-histéria da Africa tagao. No planalto de Jos e ao norte do mesmo, nas colinas de Lirue, desco- briram-se séries importantes de um material caracterizado por talées facetados, que foram classificadas como pertencentes 4 Middle Stone Age“; em Nok, essas séries estfo em estratigrafia entre os cascalhos de base contendo uten- silios acheulenses e os depésitos. mais recentes, que apresentam elementos da cultura Nok, Sem relagio com o complexo industrial lupembiense, tais séries teriam mais pontos em comum com as indistrias do Paleolitico Médio do norte da Africa, do tipo geral “musteriense”, ¢ provavelmente refletem um modo de vida mais adaptado a savana. Industrias semelhantes foram encontradas em Gana, na Costa do Marfim®, em Dacar® e no Saara Cen- tual. Um fragmento de madeira proveniente dos depésitos de Zenebi, no norte da Nigéria, um dos sitios aluviais que continham vestigios musierienses, fornece uma data de — 3485 + 110; entretanto, a posigfio exata desse frag- mento de madeira em relagéo aos utensilios de pedra nfo foi precisada, e a data € bem mais recente do que se poderia esperar de uma industria desse tipo *. Em Tiemassas, perto da costa do Senegal, as escavagdes arqueolégicas revelaram, entre outras, pontas bifaciais misturadas a utensilios do tipo Paleo- litico Médio e Superior. No inicio, considerou-se que se tratava de uma mescla de elementos neoliticos e mais antigos ®*. Entretanto, um exame mais Meticuloso mostrou que essas pontas bifaciais eram parte integrante de uma industria em estratigrafia, nao comportando outros elementos neoliticos; ela também foi considerada como um exemplo de indtistria musteriense, caracte- rizada localmente por esses elementos e que substituiria, aqui, o ateriense encontrado mais ao norte. Esse tiltimo complexo industrial, pertencente ao final do Paleolitico Médio na Argélia, estende-se em diregao ao sul, no deserto. Davies vé na Africa ocidental um prolongamento dessa industria que ele chama de “ateriense guineense’” ™*; seus argumentos, porém, nao so convin- centes, sendo postas em dtivida pela maior parte dos pesquisadores 7", A Late Stone Age Em quase toda a Africa a Late Stone Age é caracterizada pelo desenvolvi- mento de pequenos utensilios de pedra, que por essa razio foram chamados de “micrélitos”. Trata-se de pegas minisculas cuidadosamente talhadas para serem cravadas nas hastes das flechas, formando pontas ¢ farpas, ou para constituirem outros tipos de utensilios compostos. Elas mostram que seus autores possuiam o arco e que a caga a arco desempenhava um papel impor- tante em sua economia. 2 SopER, R. C., 1965. p. 188-9 03 Fac, B. E. B., 1956 a. p. 211-14, 4 Davies, O., 1964. p. 124-42; Crarx, J. D., 1967, Atlas. © Corse, R. ef al., 1948; Corpem, R., 1951; Ricwarp, 1955, 6 Crark, J. D., 1967, Atlas. °T Barenpson, G. W. ef al., 1965. 8 Dacan, T., 1956. % Gut.tor, R. ¢ Descamps, C., 1969. Davies, ©., 1964. p. 116-23. Hucor, H. J., 1966 a. Pré-histéria da Africa Ocidental 631 Nesse ponto, ficamos confusos com o termo “neolitico” ¢ com a ambi- giidade de seu significado; sempre que possivel, é conveniente evitar seu uso na Africa, principalmente na Africa subsaariana **, mas deve-se levar em conta a persisiéncia desse termo no norte da Africa e no Saara. Nesse deserto, encontramos muitas industrias que foram chamadas de neoliticas por causa de suas formas, ¢ que na regiao central, datam do sexto milénio antes da Era Crista. O clima era mais Gmido que atualmente, o que resultou numa flora do tipo mediterraneo e numa populacdo de pastores, que podem ou nao ter sido agricultores **. Nao restam dividas acerca da presenga de agricultores em Cirenaica em — 48007; atualmente, porém, ficou demonstrado que o Neolitico de tradigao capsiense, largamente espalhado pelo noroeste da Africa e que sucedeu as culturas epipaleoliticas, nao apresentava praticas agricolas, embora ele tenha se estendido para além do segundo milénio antes da Era Crista“. Houve um tempo em que as descobertas feitas em Rufisque, no Senegal, foram classificadas como pertencentes ao Neolitico de tradigao cap- siense ™*, mas é preferivel considera-las como fazendo parte do continuum microlitico espalhado pela Africa ocidental ™. Além dessas escavagdes perto de Dacar, esse continuum microlitico ou Microlitico da Guiné esta ampla- mente distribuido na metade leste da Africa ocidental; na metade oeste, porém, ele parece estar ausente nos sitios mais meridionais, na regiao da Libéria, da Serra Leoa e do sul da Reptblica da Guiné. Foi na Guiné, num certo namero de cavernas e abrigos sob rochas que foram feitas as primeiras escavacdes arqueolégicas da Africa ocidental. Algumas dessas escavagées aconteceram hé mais de setenta anos atrds 7°. Em alguns sitios existem pecas bifaciais que lembram formas anteriores A Late Stone Age; entre essas pecas, algumas pare- cem pequenas enxadas, o que nao deixa de ser um testemunho indireto de que se praticou a agricultura. Essa possibilidade certamente ndo deve ser descartada, pois nessa época o arroz substitui o inhame como principal colheita na metade oeste da Africa ocidental; esse arroz africano, 0 Oryza glaberrima, provavelmente foi domesticado na zona do delta do médio Niger. Existem também em Gana grandes fragmentos de quartzo com os contornos mal delineados , que também parecem enxadas e que tém sido considerados como uma prova da existéncia de praticas agricolas no local; mas nao ha datas nem maneiras validas de se comprovar isso. A maior parte dos sitios da Repiblica da Guiné revelaram micrélitos, machados de pedra polida, més € ceramica, o mesmo acontecendo na Guiné-Bissau *'. Alguns sitios guine- 7 BisHor, W. W. ¢ Ciark, J. D., 1967. p. 898, Resolugio Q; CLARK, J. D., 1967; SHaw, T., 1967. p. 35, Resolugio 13; Munson, P., 1968, p. 11. Alguns autores nfo comparti- Tham dessa inido. ‘8 Hugor, H. J. 1963. p. 148-51; Mont, F., 1965; Cautrs, G.. 1969. 74 McBurney, M., 1967. p. 298. 73 Rouser, C., iti, TO VaurReY, R., 1946; ALIMEN, H., 1857. p. 229-33; Davies, ©., 1964. p. 236, T Huoot, H. J., 1957, 1964, p. 4-6; SHaw, T., 1971 a. p. 62. 78Hamy, E. T., 1900; Gueprarp, P., 1907, 1909; Despiacnes, L.. 1907, B.S.G.C.; Hug, 1912; Husert, R, 1922; Breum, H., 1931; Devcror, R. ¢ Waurrey, R, 1939; Snaw, T., 1944. 7 Porrenes, R., 1962. p. 197-99. ®0 Davies, O., 1964, p. 203-30. 51 Mateus, A., 1952. Pré-histéria da Africa Ocidentat 633 enses continham cerimica, se bem que na gruta de Kakimbon ela s6 apareceu na camada superior™. As escavagoes efetuadas no abrigo sob a rocha de Blande, na extremidade sudeste da Republica da Guiné, revelaram igualmente uma industria que incluia machados de pedra e ceramica, junto com instru- mentos bifaciais de grande porte que lembram as das cavernas de Kindia e Futa Djalon, mas sem qualquer elemento microlitico *. Os micrélitos tam- bém nfo aparecem na caverna de Yengema, em Serra Leoa, onde o nivel mais antigo revelou a presenga de uma pequena industria de lascas de quartzo, comparada pelo pesquisador a indistria de Ishango, do lago Eduardo; no nivel médio, os picGes e as “‘enxadas” bifaciais — que se parecem com parte do material das cavernas guineenses — sao considerados pelo pesquisador como um complexo industrial lupembiense; por fim, o nivel superior revelou machados de pedra ¢ ceramica que foram situados, com base em duas datagdes feitas por termoluminescéncia, no periodo de — 2000 a —1750™. De qual- quer modo, aparece um elemento microlitico nos dois outros abrigos sob a rocha, explorados mais ao norte de Serra Leoa, em Yagala e Kamabai; as datag6es feitas por radiocarbono indicam aqui uma fase da Late Stone Age que vai de —2500 até o século WII da Era Crista *. Parece que nessa parte oeste da Africa ocidental, nos sitios mais meridio- nais, teria sobrevivido relativamente inalterada uma tradigao da Middle Stone Age (que pode também existir em Dacar ¢ Bamaco); parece também que ela nao teria nem inventado nem adotado a técnica microlitica; é bem possivel que as razOes sejam de ordem ecoldgica, pois a técnica microlitica esta asso- ciada a economia da regiao das savanas, onde a caca desempenhava um papel relevante. Se assinalarmos a distribuigdo dos sitios sem rélitos (Conacri, Yengema, Blandé) e tragarmos uma linha de demarcagao entre esses tiltimos e os sitios que possuem micrélitos (Kamabai, Yagala, Kindia, Nhampassere), perceberemos que essa linha é bem préxima da que separa a floresta da savana. As novas técnicas de machados polidos ¢ de cerimica chegaram a essa regido posteriormente, provenientes do norte. A data da aparicdo dessas influéncias situa-se aproximadamente na metade do terceiro milénio antes da Era Crista, ‘0 que corresponde ao momento em que o dessecamento do Saara se com- pleta; € pois razodvel aproximar esses dois eventos ¢ ver neles a influéncia da migragao das populagdes para fora do Saara. Embora nao tenhamos ainda nenhuma evidéncia osteolégica a esse respeito, é provdvel que nessa migragao tais populagées tenham também trazido gado, entre outras talvez a cepa ancestral da raga Ndama de Futa Djalon, que é imune A tripanossomfase. Em qguase todo o restante da Africa ocidental, um continuum microlitico precede as técnicas de fabricagio de cerimica e de machados de pedra polida; estes ultimos, mais parecem fazer parte da tradicao microlitica do que téla substituido. Em Kourounkorokale, perto do Bamaco, uma camada inferior com micré- litos e objetos de osso rudimentares esta subjacente a uma camada que apre- senta micrélitos mais sofisticados, machados de osso polido e ceramica ™. © Hamy, E. T.. 1900. 53 Hotas, B., 1950, 195: 8 Coon, C. S., 1968. “5 ATHERTON, J. H., 1972. 38 SzuMoWSKI, G., 1956. ; Howas, B. e Mauny, R., 1953. 1. Machados polidos de “Bel Air? em dolerito (foto 1. Diagne, Museu do IFAN) . Cerimica neolitica de “Bel Air", do sitio de Diakité, no Senegal (foto L Diagne, Museu do IFAN) Pré-histéria da Africa Ocidentat 635 Na Nigéria, os abrigos sob a rocha de Rop™, no planalto de Bauchi, ¢ em Iwo Eleru, no Western State, revelaram niveis microliticos sem pecas de cerfimica e sem machados polidos, sob camadas de industrias microliticas que possuiam esses tltimas. Em Iwo Eleru, obteve-se uma dataciio de radiocarbono de — 9200, perto da base da camada inferior; a transiggo para a camada superior parece ser pouco posterior a — 3000 °°. Em Old Oyo, na caverna de Mejiro, encontrou-se uma indistria microlitica desprovida de ceramica e de machados de pedra polida; essa amostra, porém, é pequena e nfo esta datada*’, Em Gana, a caverna de Bosumpra, em Abetifi, revelou uma associagéo de pecas de ceramica, micrdlitos ¢ machados de pedra polida, também sem data’, Ainda em Gana, ha facies remanescentes da Late Stone Age, chamadas de “cultura de Kintampo”. Sucedendo a uma fase anterior dotada de ceramica e de micrdlitos, a cultura de Kintampo apresenta macha- dos de pedra polida, braceletes de pedra (conhecidas a partir dos sitios neoli ticos do Saara) € um tipo especial de moedor de pedra. A fase antiga (Punpun) data de — 1400, enquanto a fase recente apresenta gado doméstico e cabras-anas de uma raga parecida com a Dwarf Shorthorn ou anas-de-chifre- -curto da Africa ocidental ", Até mesmo no sul da Mauritinia, na fase mais antiga (Akreijit) da seqiiéncia de Tichitt, os micrdlitos esto presentes junto com a ceriimica e os machados de pedra; mas eles desaparecem em todas as fases subseqiientes °°, Ao longo das margens setentrionais de nossa area, na zona do Sahel, imediatamente ao sul do deserto saariano, a situagdo € um pouco diversa na ultima fase da Late Stone Age, com adaptagOes locais 4 ecologia, evidenciadas na cultura material. Em Karkarichinkat, ao norte de Gao, entre — 2000 e — 1500, as populagGes pastoris viviam em colinas acima do nivel dos cursos de agua sazonais; elas conheciam a cerfimica e possuiam um equipamento litico que incluia machados de pedra polida, pontas de flechas bifaciais do tipo saariano (mas sem base céncava) "* e raros micrdlitos; a pesca era um aspecto importante da economia, como ficou largamente evidenciado no sul do Saara, nos tempos do Neolitico recente “*. No nordeste da Nigéria, em Daima, constatou-se, mil anos mais tarde, uma situagio quase andloga: ¢ muito provavel que os criadores de gado tenham cultivado o sorgo na argila fértil deixada pela retragao do lago Chade, e, embora eles tivessem utilizado pecas de cerimica, machados polidos e uma grande quantidade de objetos de osso, nao conhe 5 m a indistria de micrélitos Na extremidade oposta de nossa regifio, ao longo das margens meridio- nais da Africa ocidental na costa atlantica, ocorreu uma adaptagio a um meio 8 Fasc, B. E. B., 194d, 1972; Evo, E, 1972, W.A.J.A.; ROSENFELD, A., 1972; FAG, A., 1972 b. 88 Suaw, T., 1969 b. 89 Witert, F., 1962 b. 20 SHaw, T., 1944 91 Davies, O,, 1962; 1964, p, 239-46; 1967 b. p. 216-22; Front, C., 1968, 1970; Canter, PL, © Futcut, C,, 1972. 2 MuNsoN, P., 1968, 197 St Mauny, R., 1955 b; Srrn, A., 1974. ‘4 Monon, T. € Mauwy, R., 1957. 85 Connan, G., 1967, 1969, 1971. 636 Metodologia ¢ pré-hisidria da Africa ecolégico totalmente diferente. Nesse lugar, os povos da Late Stone Age utilizavam moluscos, abundantes nas lagoas ¢ nos estudrios, tanto como iscas para pescar, quanto para a propria alimentagdo, deixando atrds de si grande acimulo de conchas. Na Costa do Marfim, tais concheiras existiram desde — 1600 até o século XIV da Era Crista’. No Senegal, descobriu-se numa delas um machado feito de osso **. Sitios andlogos que foram objeto de estu- dos na regio de Casamance sao posteriores 4 Idade da Pedra **. Em Afikpo, no sul da Nigéria, foi encontrado um sitio contendo cera- mica, machados de pedra polida ¢ uma industria litica sem micrdlitos; a datacao por radiocarbono situa essa industria entre — 3000 e — 1000 °*. Em Fernando P6, distinguimos quatro fases principais num complexo da Late Stone Age '° que apresenta pecas de cerlimica ¢ machados de pedra polida mas nao tem micrélitos; uma datacéo por radiocarbono indica o século VI da Era Crista para a fase mais antiga, o que, salvo engano, torna essa seqiién- cia bastante tardia; a forma curvada dos machados apresenta pontos em comum com a dos machados provenientes do sudeste da Nigéria 1, de Cama- roes e da Reptiblica do Chade 1”, Em resumo, a Late Stone Age na Africa ocidental pode ser dividida em duas fases: a fase I, cujo inicio nao ultrapassou — 10000, tem duas facies: a facies A apresenta uma indistria de micrlitos, associada & caca na savana; a facies B pertence 4 zona florestal na extremidade sudoeste da Africa aci- dental e nao apresenta micrdlitos. A fase II, que comecou logo depois de — 3000, tem quatro facies: a facies A, na maior parte da savana, apresenta pecas de ceramica e machados de pedra polida associados aos micrélitos; a facies B, no Sahel, inclui a pesca em sua economia ¢ praticamente nfo apre- senta micrélitos, apesar de ter uma indiistria de objetos de asso como arpdes, anzdis, etc.; a facies C é costeira e sua economia é adaptada 4 exploragao de recursos das lagunas ¢ dos estuarios; a facies D, associada 4 paisagem da floresta, apresenta pegas de ceramica e machados de pedra polida, mas no dispde de micrélitos Durante o terceiro milénio, quando os pastores do Saara emigraram pela primeira vez para o sul, eles nao somente encontraram “cagadores micro- liticos”, mas também abandonaram uma regiao onde o silex era abundante ¢ foram para outra, onde as armaduras e as farpas de flechas s6 podiam ser feitas de quartzo ou outros tipos de pedras com as quais era extremamente di fazer pontas bifaciais. Assim, em sua maioria eles parecem ter adotado a técnica microlitica local para armar e farpar suas flechas; essa técnica cra eficaz, embora o resultado, do ponto de vista estético, nao fosse muito agra- davel a olhos modernos. Os que chegaram até Ntereso, no centro de Gana, durante a segunda metade do segundo milénio, e ai conservaram suas pontas de flechas bifaciais caracteristicas, constituem uma excegdo ™, 46 Mauny, R., 1973; Oxsson, I. ¥., 1973 st Jome, J., 1947; Mauny, R., 1957, 1961. p. 156-62. 8 LINARES DE SAPIR, O,, 1971. 9 HaRTLe, D. D., 1966, 1968. 100 MarTIN DE MouINa, 1965. 101 Kenwepy, R. A., 1960, 193 Crark, J. D., 1967. p. 618. 108 Davigs, O., 1966 a; 1967 a; 1967 b. p. 163; SHAW, T., 1969 ©. p. 227-28. Pré-histéria da Africa Ocidental 637 Se essa migragdo das populagdes do Saara em diregdo ao sul representou a introdugio de um elemento novo na populagiio autéctone, ela nao teve influéncia visivel no tipo fisico: todos pertenciam igualmente 4 raga negra ™. Se, como parece provavel, os imigrantes falavam o protonilo-saariano, os pequenos grupos devem ter perdido seus dialetos particulares ¢ adotado o niger-congo que predominava na regiao; somente os grandes grupos, tais como os ancestrais dos Songhai, teriam conservado seu proprio idioma 1°. A economia de producao ‘A passagem de uma situagao na qual o homem dependia da caga, da pesca e da coleta de frutas silvestres, para a pratica da agricultura e da criagao de gado, é o passo mais importante dado por nossos ancestrais no decorrer dos dez ultimos milénios. Essa revolugéo nfo aconteceu num Unico ponto do mundo para depois espalhar-se por todos os lugares, mas sim num numero limitado de “focos”. Para a Europa, a Asia ocidental e o nordeste da Africa, o foco mais importante se encontra na regiéo montanhosa de Anatolia, do Ird e do norte do Iraque. Foi nesses lugares que se desenvolveram a cultura do trigo e da cevada e a domesticagaéo da ovelha, da cabra e dos bovinos. Mais tarde, a técnica de produgao de alimentos foi introduzida nos grandes vales fluviais do Tigre e do Eufrates, do e do Indo, aprimorada pela drenagem e pela irrigacio "*. No quinto milénio, ovinos e bovinos foram domesticados no Egito, onde também se cultivaram. cereais . Atualmente, temos provas de que o gado domesticado ja existia anteriormente nas terras altas saarianas, e temos indicagdes, embora insuficientes, do cultivo de ce- reais ™§. Como mostra o exemplo do vale do Nilo, a dificuldade encontrada no cultivo de cereais na Africa subsaariana reside no fato de que as mais antigas plantas cultivadas — o trigo ¢ a cevada — dependem das chuvas de inverno ¢ s6 com bastante dificuldade conseguem desenvolver-se ao sul da frente tropical, na regiao das chuvas de verdo. Foi necessario cultivar grami- neas selvagens apropriadas, de onde se originaram diversos tipos de milhetes africanos. Dessas gramineas, a mais importante é a Sorghum bicolor ou milho da Guiné, cuja cultura se iniciou na primeira metade do segundo milénio, na Tegiao situada entre o deserto e a savana, entre o Nilo ¢ o lago Chade?’, Foram cultivadas outras gramineas selvagens, de onde se originaram o milhete perolado e o milhete coracan ou finger millet; 0 arroz africano j4 foi men- cionado ™", No sul da Mauritania, ao redor de Tichitt, ha tracos do consumo de grios de gramineas locais, mais aproximadamente em — 1000; a proporciio de milhete perolado sobe de 5 para 60% "1. Nas regiGes mais timidas da Africa ocidental, o principal tubérculo era o inhame, havendo mais de uma 104 CHaia, M. C., 1968; BrorHwett, D. e SHaw, T., 1971 105 GREENBERG, J. H., 1963 b. 100. CLARK, G., 1969. p. 70 © segs.; Ucko, P. J. e Dimatesy, G. W., 1969, 107 Cxton-THompson, G. e Garner, E. W., 1934; Seppon, D., 1968. p. 490; WENDORF, F. et al, 1970. p. 1168. 108 Mort, F., 1965; Camps, G., 1969. 2 De Wer, J. M. J. © HARLAN, J. 110 Portenes, R., 1951, 1958, 1972. 111 MUNSon, P., 1968, 1970. 1971. 638 Metadologia ¢ pré-histéria da Africa variedade africana ''*; todavia, embora essa cultura tenha existido ha 5000 anos atrds, ainda nio temos dados arqueolégicos ¢ botdnicos que possam provar isso; uma longa histéria do cultivo do inhame complementado pelo uso de outros produtos nutritives como as bagas de palmeiras oleaginosas, protegidas ou conservadas, ajudariam a explicar a densidade populacional do sul da Nigéria ''*_ Apesar de ser um pré-requisito para a urbanizagéo, o desenvolvimento da producdo de alimentos nao implica automaticamente ¢ por si 86 no cresci- mento de vilas ¢ cidades. Parece que outros elementos entram em jogo, tais como o aumento, até um certo nivel, da pressio demogrifica e a diminuicao weis 1", Na Africa subsaariana, a incidéncia da malaria aumen- tou em conseqiiéncia do desmatamento em fungao da agricultura e da presencga de comunidades estaveis mais importantes; também o crescimento populacional resultante da pratica da agricultura foi mais lento do que deveria ter sido * e, na maior parte das zonas subsaarianas, ndo havia na época falta de terras cultivaveis "*. Entretanto, no comego do primeiro milénio da Era Crista esta- beleceu-se uma economia agricola suficiente para satisfazer as necessidades de antigos reinos como Gana, Mali, Songhai, Benin e Ashanti. O advento do metal Apesar das propostas feitas j4 ha muito tempo, baseadas em razdes metodo- légicas validas, para que se abandonasse na Europa o sistema das “trés idades” — Idade da Pedra, Idade do Bronze ¢ Idade do Ferro? — ele continuou a ser usado por se mostrar conveniente. No seu conjunto, a Africa ocidental mal teve a idade do Bronze. No entanto, vinda da Espanha ¢ do Marrocos, uma de suas facies se manifestou na Mauritania, onde foram descobertos cerca de 130 objetos de cobre e onde foram exploradas as ricas minas de Akjujt, que uma datacdo em radiocarbono situa no século V antes da Era Crista; além disso, foram encontradas pontas de flechas achatadas, feitas de cobre, no Mali e no sudeste da Argélia 1’, Por que a Africa ocidental nao conheceu a Idade do Bronze? Por que ela nio foi mais influenciada pela antiga civilizagdo egipcia? As razoes residem parcialmente no fato de que o terceiro milénio — durante o qual a meta- lurgia, a escrita, a construgéo dos monumentos de pedra, a utilizagdo da roda ¢ a centralizagio do governo se estabeleceram solidamente no Egito — foi também a época do dessecamento final do Saara. Desse modo, as pop lagdes abandonaram o deserto e ele nado mais serviu de elo indireto entre o Egito e a Africa ocidental. Esse

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