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— Seu Pais Se cadeia resolvesse... JUSTIA ... 0 Brasil, segundo pais que mais prendeu em 15 anos, seria exemplar POR ANDRE BARROCAL MINEIRO A.M.P. foi preso ‘em flagrante em 2013 20 tentarfurtarumamotono Rio de Janeiro, Dois anos antes, entrara em vigor uma lei que estimula os juizes a aplicar enas alternativas, entre elas o uso de tornozeleira eletrdnica ouo pagamento de fianga, A ordem de prisio, supunha- e, deveria fiear reservada a situagdes, ‘mais graves, Para A.M.P, nao adiantou, Por serréuprimiirioe ndoteranteceden- tes, promotoria sugeriu uma puniga0 inicial branda, masajuizacondenou-oa 12 meses de prisio preventiva, sob oar~ gumentodeevitarameagasa sociedade, atéa decisio final sobre 0 caso.O rapaz foisoltoem 2014 ehojemoraemlocalin- certo, o que impede sta intimagio para ‘umjulgamentono qual o Ministério Pu- blico propde anular todo 0 processo. Ahistéria de A.M.P.¢ ilustrativa de ‘umaepidemiaquetomoucontado Brasil nosiiltimosanos. 0 Pais icouvviciadoem prender e faz pouco caso de outras solu- ‘ces, talvez mais produtivas e inteligen- tes, situagdo que a causa desconfortoem autoridades. Entredelegaciase presidios, os cdrceres brasileiros amontoavam 581 mildetentosemdezembrode2013,tiltimo PRENDE SEM ESPACO NAS CADEIAS E ARREBENTA dado oficial disponivel. Segundo estima. tivasextraoficiais,nofim de 2014 esseto- tal jéhavia ultrapassado os 600 mil, en- tre condenados e réus & espera de julga- ‘mento. Eaquartamaiorpopulagio prisio- nal do planeta, atrés de Estados Unidos, China Riissia. E-cresce em ritmo aluci. ante. De 1995 a 2010, subiu 136%, por- centual abaixo apenas daquele registra- do na Indonésia (145%). No ritmo atual, © Brasil chegard ao bicentenario de sua independéncia com 1 milhdode reclusos (© que para alguns parece boa noticia 1ndo justifica festejos. O fantasma da ca deia como punigao nio tem conseguido conterosassassinatos,o crime mais da- noso que se pode cometer. O Pais é re- cordista mundial em homicidios, cerca de 60 mil por ano.O niimerosé aumen- ta, apesar do encarceramento massivo. Foram37 mil mortesem 195,45 milem 2000 €56 mil em 2012, diltimo dadoco- nhecido. “Estamos naturali doo su- perenearceramento no Brasil e isso & preocupante, Prendemos muito e erra: do. O sistema no consegue se concen- trar nos crimes contra.a vida”, diz o di- retor do Departamento Penitencidrio Nacional, Renato de Vitto. infima, 12%, esta presa Uma paree! por assassinato. 0 indice de resolugao desse tipo de crime ¢ ridiculo, entre 5% £e8%edos casos. Olatrocinio, roubo com morte, representa 3%. Ogrossodamassa ccarceririaéformado por eriminososme: nosagressivos. Rouboe trifico dedrogas representam cadaum 26%, Haainda 14% por furtos (roubo sem violéncia) 20% de casos considerados leves, O sistema é um sumidouro de ver- bas. Entre presidios e unidades socioe- ducativas, em 2013 foram gastos 49 bi- Ihdesde reais, segundo oiiltimo Anuério Brasileiro de Seguranga Publica, A des- pesa média com cada preso, informa o Depen, situa-se entre 2,5 mil e3 mil re- ais pormés (valoraproximado do investi- mentoanual comalunos da rede piiblica). a Os gastos nao dio conta, porém, da sanha encarceradora. Sio necessarias 340 mil vagas novas para acomodar em condicdes decentes a massa hoje pre- sa, Sem isso, assistem-se a superlotacio das cadeias e a um ciclo vicioso. Do jei- toque as cadeias brasileiras estio - lo- tadas, sem controle do poder piiblico ¢ entregues a0 dominio do crime organi- zado -, nao resta divida, dali ninguém sai melhor, s pior. “Presidio é umam- biente crimindgeno.Prenderdeveriaser excegdo, ndo regra’, defende o juiz Luis Geraldo Sant'anaLanfredi, coordenador do Departamento de Monitoramentoe Fiscalizagao do Sistema Carcerario do Conselhio Nacional de Justiga.“O siste- maé medieval. Nele nfo existenenhuma possibilidade de ressocializagio’,afirma Maria LauraCanineu, diretorano Brasil dda Human Rights Watch, entidade que hé um més divulgou um relatdrio sobre a cadtica situagao no Pai ‘Ocomplexo penitenciériode Curado, no Recife, 0 exemplo mais recente do risco de o encarceramento lotar as ca- deiaseestasse transformarememesco- las de crime. O governo de Pernambuco enfrenta uma rebelio desde o inicio do ano, motivada pela superlotagio. 0 lo- cal tem capacidade para2 mil detentos, mas abriga quase 7 mil. Na fia intra muros, nio faltaram foices, facdes ebar- baie. O preso Marco Antonio da Silva, de 52 anos, foi decapitado pelos colegas. Essintomatico que acrise tenha eclo- didoem Pernambuco. Oestadoapostou nas prisdesemmassanocombateao.cri- me. Sob ocomandodo falecido Eduardo ‘Campos, criou-seo programa PactoPela Vida, para coibir assassinatos. De lé pa- ra cé, a populagio carceraria triplicou, ‘Soma hoje 31 mil. Suas cadeias aguen- ‘tam, porém, no mais que 11 mil deten tos. Asituagao ficou tio critica que ogo. verno tem repensado sua estratégia. “E, importante adotarmos mais as penas alternativas, para os jovens nio serem Dos 600 mil detentos, apenas 12% estao presos pela acusagaio de assassinato capturados por quadrithas nos presi dios”, especula Pedro Burico, secreté rioestadual de Justga ‘A tornozeleiraeletrOnica,de monito ramentopor GPS,éuma pedo, Segundo estimativas, 21 mil estao em funciona- mentoe otras 20 mil, prontasparauiso, E uma opeio mais econémica também Custa 10% das despeses comencarcera- dos. Priso domiciliar éoutro caminho, percorride por 47 mil pesos. Umaleide 2011 tentou estimular a aplicagao de me- dias alternativas. Em vo, pelo que in dlicamasestatisticas A explicagao talvez esteja na “cul- tura do encarceramento”, aponta- da recentemente pelo presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, como um dos “proble- mas mais sérios” do Judiciério, Nunca ‘um chefe da mais alta Corte do Pafs ha- via se pronunciado assim sobre o tema, nem perante colegasde toga. Amanifes: tagdo publica deu-se no langamento de ‘um programa-piloto que tentara “que- brar” essa cultura” A partir da terga-feira 24, 0 Forum Criminal da Barra Funda, em Sio Paulo, o maior da América Latina, realizara as chamadasaudiénciasdecustédia, Presos em flagrantes terdo de ser levados pe- la Policia Civil aum juizematé 24 horas apésadetengao, Normalmenteosuspei- toesperaem uma delegaciade 100.120 dias, antes do tet Nas audi \cias, uma equipe de nove ju 2zes fard uma primeira triagem, Com ba. senosantecedentesdoacusado, no relato dapoliciae naversiodopreso,decidirise harazdesparaumaprisioatéoprocesso ser julgado ou se podem ser aplicadas al ternativas. Oprocedimentoest previsto Coed ed Avie eeu ot em tratados internacionais e busca pre- venir sobretudo a tortura, Um efeito co- lateral positivo poderia sero desestimu- loao encarceramento, Ao menos na ex- pectativade Lewandowski,poisadecisa0 hndo serdi tomada s6.com base em papéi Uma experiéncia pioneira Maranhio levada adiante apés a crise em Pedrinhas, no verdio passado, suge re que a iniciativa pode dar algum re- sultado. Relatério concluido em janei- rocontémumbalango de84 audiéncias realizadas entre outubro e dezembro. Desse total, 48,8% terminaram sem or- dem de prisio. Para 0 juiz autordo rela~ t6rio, Fernando Mendonga,o resultado fo positivo. Como as prisdes maranhen- sesestao dominadas pelo crime organ zado, ébenéficaa seletividade noencar- ceramento ea separagao entre quem é perigosoe quem praticou um crime oca: sional ou episédico. Se as audiéncias fo: remadotadascomo regrano Pais,escre- vveuMendonga, “ficara para tris oestig- madas prisdes abundantes, initeisede qualidade técnica duvidosa’. Nem tudo éotimismo. Responsive por implantaroprojetoem Sto Paulo, ajuiza Marcia Helena Bosch, da Corregedoria do Tribunal de Justiga, vé um “equivo- co” naideiade quea audiéneia de custé: diavaiagir paraesvaziar cadeia, poishi “um problema muito grave de criminali- dade”."Aaudiénciadecustédiatem sido vendida como uma panaceia para oer éverdade carceramentoeisso ‘con: corda Paulo Malvezzi, assessor juridico dda Pastoral Carceraria. Ele aponta, po- rém, outrarazio: oconservadorismode toga. “Os mesmos juizes que hoje pren- dem provisoriamente e condenam por surdos so os mesmos que motivos al estar naaudiéncia, A opgio pelas prises em massa remonta aos anos 80 e 90, em li nha com uma tendéncia mun- dial. A ideia de recuperacao dos criminosos enfraqueceu- .e,em boa medida, por cau- sadeiniciativassurgidas nos exemplo ados Unidos, da politica de tolerancia zero. Venceu a “linha-du ra’, defensora da segrega. ‘do de quem comete um, delito, Para Salo de Carvalho, professor de Direito Penalda Universidade Federal doRiode Janeiro eespecialistaemerimi- nologia, apesar de seguir uma tendéncia mundial, o encarceramento massivo no Brasil tem suas peculiaridades, a come ‘garpelofocoemerimescontraopatrimo- nio (Furtos,roubos) edrogas."O aumento doencarceramentoaumentaa violencia, todos os estudos mostram isso’ ‘Segundo 0 académico, uma medida imediatade desafogo das prisdes deveria seradescriminalizagioda posse dedro- ¢gas,como aconteceem Portugal haanos, noestado norte-americanodo Colorado desde 2014 eno Uruguaiapartirdeste.A lei em vigor, de 2006, foi um dos prinei- pais combustiveisdoabarrotamento das cadeias. Desde suaedi¢ao,somaram 100 milas prisdes por trifico. Alei atual criminaliza o uso, embora jo chegueaprescrever punigéo comea deia nestes casos. Determina advertén: ciassobre os maleficios, prestagao deser- vigos comunitirios ea participagio em cursos educativos, 0 problema é existir uma linha ténue de interpretagdo entre quem usuario e quem é traficante, ri cada pelo policial, primeiro, e pelo juiz, depois. dramento como traficante, crime para oqualapenaéade reclusio. A historia do publicitario gaucho Alexandre Thomaz éum exemplodesse rigor excessivo. Em 2002, E bem mais comum o enqu descobriu Ajuliza Helene Bosch faz ressalvas audiéncia decustédia, defendida por Lewandowski ‘um cincer na garganta, Deixoude sentir sabores, perdeuafome e peso, Por conse lho médico, descobriu na internet que a ‘maconhaestimula oapetite. Plantou pés ddecannabis em um sitio. Em 2009, gracas. aumadeniincia andnima, foi presocomo traficante. Esti em liberdade, mas res. onde a processo por trificoe pode pegar de5a15anos. “Os cidadios nio sabemo (que é trifico. Tem umaimagema respei- to, masnio sabem oque se encarceraco- ‘mo trifico no Brasil”, explica Carvalho, Essa mistura da imagem entre usud- ioe traficantetem alguns responsivei centre eles a midia, que estimula oclima demedoalimentadordas politicas pibl cas de encarceramentoem massa. pa- pel de jornalistas no tratamento da eri- minalidade dispensado por governos, tribunaise parlamentares mereceu um, estudo em 2012 na Fundagao Escola do Ministério Pablico do Parana, O traba- Iho intitula-se “A influéncia da midia no processo penal brasileiro ¢ seus re- flexosnojulgamentodos crimes” edeixa (0s meios de comunicagio em maus len- 6s, especialmente aqueles programas “pseudojornalisticos" nalinhaRatinho, Datenae congéneres. © autor do estudo, Fernando Michalizen, analisou uma série de leis aprovadas no Congreso e identificou, {quase sempre, algum escandalo midis co por tris. Dois casos relatados:a Lei de ‘Crimes Hediondos sungiu em 1990 apés uma onda de sequestros de figures, in cluidos aqueles dos empresirios Roberto Medinae Abilio Diniz, noticiadossemtré- ‘gua dia e noite. Quatro anos depois, ‘Congreso incluiunalistadecrimes hediondos ohomicidio qualificado, resultante da intengao de matar. Motivo? O assassinato em 1992 da atriz global Daniela Perez por um colegade novela, Em 2033, 0 sistema penitencidrio do Pais consumiu 4,9 bilhdes de reais Atentativa de mudara Leide Crimes Hediondos para moderar a onda encar- ceradoracaiu, ela mesma, naarmadill ica, segundo o estudo. Em 2004, 0 entdo ministro da Justiga, Marcio ‘Thomaz Bastos, defendeu a revisio da lei, que lista uma série de crimes que po- demser chamadosde“os piores” paraos brasileiros. Homicidio doloso,latrocinio, estupro e extorsio mediante sequestro ‘ou seguida de morte, entre outros. Para estes, alei de 1990 nio admitia nem re- dugio da pena apés certo tempo de ca- deia. Bastosdefendiaocombate acultu- ra do encarceramento eo desafogo dos presidios. Foialvejado pelamidia, segun- do Michalizen, que enxergouno noticié- rio umapredilegao por mostrar o minis tro como alguém disposto a soltar mi- Ihares de criminosos, A cultura do medo disseminada pe- los meios de comunicagao é sé. um dos obsticulosao debate do encarceramen- tomassivo. Endo sé no Brasil. Ministro da Corte Suprema da Argentina e vice -presidenteda Associagiio Internacional de Direito Penal, Eugenio Raiil Zaffaroni acredita que 0 mundo moderno no fundo gosta da situagio. As sociedades atuais so exclu- dentes e precisam se livrar dos indesejados. Sistema prisional que ndo recupera “OBrasilprende rmuite.Eerrado’, dizRenatode Vitto,deDepen os MOTIVOS GUERRA AS DROGAS? 40.000 ninguém e parece um matadoura uma universidade do crime seriao! Foperfeito. Aselites polit © ecot 20 Sujam as maos. “Quanto mali matem os pobres, melhor. Esse 60 rama das sociedades excludentes'y sume Zaffaroni, «

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