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Classificagdo, Sistemdtica e Filogenia Nossas classificagdes virdo a ser, até onde elas puderem ser realizadas, genealogias. Charles Darwin, A Origem das Espécies, 1859 E voce vé que, toda vez que eu fiz mais uma divisao, acima vinham mais caixas baseadas nessas divisGes, até que eu obtivesse uma enorme piramide de caixas. Finalmente vocé vé que, enquanto eu estava dividindo o ciclo em pedacos menores e menores, eu também estava construindo uma estrutura, Essa estrutura de conceitos é formalmente chamada uma hierarquia e, desde os tempos antigos, tem sido uma estrutura basica para todo 0 conhecimento ocidental. Robert M. Pirsig, Zen e a Arte da Manutencdo de Motocicteta, 1974 ste livro lida com o campo da biologia comparada, ou o que pode ser chamado de a ciéncia da diversidade da vida. Para entender a zoolo- gia dos invertebrados, é necessario entender a biologia comparada, para a qual as tarefas sio descrever as caracteristicas e padrdes de sistemas vi vos e explicar esses padrdes pelo método cientifico. Quando esses padres re- sultaram de processos evolutivos, eles iluminam a historia da vida na Terra Biélogos tém empreendido estudos comparados de anatomia, morfologia, em- briologia, fisiologia e comportamento durante mais de 150 anos. Muitos bidlo- 205, particularmente sistematas, fazem isso com a intengao especifica de recu- perar a hist6ria da vida. Devido a nao podermos observar essa historia direta- mente, temos que confiar na forga do método cientifico para reconstrui-la ou inferi-la, Este capitulo prové uma visio geral desse processo. A biologia com- parada, entéo, em sua tentativa para entender a diversidade do mundo vivo, lida com trés elementos distintos: (1) descrigoes de organismos, particularmente em termos de semelhancas ¢ diferencas em suas caracteristicas; (2) a historia filogenética dos organismos ao longo do tempo; 3) a historia da distribuigio dos organismos no espaco. A Grea da sistemitica biol6gica experimentou uma revolugdo em sua teoria © aplicagao nos tltimos 30 anos, especialmente com respeito a reconstrucio filogenética. Alguns aspectos filosGticos e principios operacionais desse exci- tante campo do saber sto descritos neste capitulo, £ essencial que os estudan- tes de biologia tenham uma boa compreensao de como sio desenvolvidas as lassificacdes e inferidas as relagdes filogenéticas, © urgi- mos o leitor a que reflita cuidadosamente sobre as idéias apresentadas a seguir. Classificagao Biolégica Otermo classificagao biolégica tem dois significados. Pri meiro, significa 0 processo de classificar, o qual consiste em delimitar, ordenar e classificar organismos em grupos. Segundo, significa o produto desse proceso, ou o proprio esquema classificatério. O mundo vivo tem uma estrutu- 1a objetiva que pode ser documentada empiricamente e pode ser descrita. Um objetivo da biologia é descobrire des- crever essa estrutura, e a classificagdo é uma maneira de se fazer isso. Realizar o processo de classificacio biolégica constitui uma das principais tarefas do sistemata (ou taxo- nomista. A construgio de uma classificagdo-pode, a principio, parecer direta; basicamente, 0 processo consiste em anali- sar padrdes na distribuigao dos caracteres entre os orga- rnismos. Com base em taisanilises, espécimes sio agrupa- dos em espécies; espécies relacionadas so agrupadas em géneros; géneros relacionados si0 agrupados para formar as familias; e assim sucessivamente. O processo de agra- pamento cria um sistema de subordinagao, ou de aninha- mento, de taxons organizados de uma maneira hierdrqui- cae que segue uma teoria bésica, Se os téxons sfo agrupa- dos corretamente, de acordo com seu grau de similarida- de compartihada, a hierarquia refletiré padres de descen- dencia evolutiva —a “descendéncia com modificagao” de Darwin. Oconceito de similaridade é fundamental para taxono- ia, o proceso classificatério, e para a biologia compara- da como um todo. Similaridade, avaliada com base nas caracteristicas compartilhadas pelos organismos, ¢ geral- mente aceita por bi6logos como sendo uma medida de relacionamento biolégico (evolutivo) entre os téxons. O conceito de relacionamento, ou parentesco geneal6gico, também é fundamental para a sistemética e para a biolo- gia evolutiva. Padroes de relacionamento sao normalmente exibidos por bidlogos em diagramas ramificados chama- dos drvores (por exemplo, drvores filogenéticas, genea- ldgicas ou evolutivas). Uma vez construidas, tais érvo- res podem ser entdo convertidas em esquemas de classi- ficagao, os quais sao um modo dinamico de se represen- tar nossa compreensio sobre a historia da vida na Terra. Assim, arvores e classificagdes sao, de fato, hipéteses da evolugio da vida e da ordem natural que a evolugao ClassificagGes so necessérias por diversas razées, nao apenas para catalogar eficientemente o enorme ntimero de espécies de organismos na Terra. Mais de 1,7 milhgo de espécies diferentes de procariotos e eucariotos jd foram nomeadas edescritas. Apenasos insetos incluem quase um ‘illo de espécies nomeadas, e mais de 350,000 dessas 530 bhesouros! As classificages provéem tum sistema detalha- do para armazenamento e recuperagao de nomes. Em se- undo lugar, e mais importante para os bidlogos evoluti- CLASSIFICAGAO, SISTEMATICA E FILOGENIA 25 ‘vos, as lassificagdes servem a uma fungao descritiva, Essa Fungo nao sé é servida pelas descrigGes que definem cada taxon, mas também, como ressaltado anteriormente, pelas hipoteses detalhadas de relacoes evolutivas entre os orga- rnismos que habitam a Terra. Em outras palavras,classifi- cages sao (ou deveriam ser) construidas a partir de rela- es evolutivas; quer dizer, dos padres de ancestralida- dee descendéncia descritos em drvores filogenéticas. Assim, vemos que um esqquema de classificacao biol6- gica é realmente um conjunto de hipéteses definido e su- mariado por uma arvore filogenética. Assim, as classifica- Ges, como outras hipéteses ¢ teorias em ciéncia, tém uma terceira fungao, a de predico. Quanto mais precisa eme- nos ambigua fora classificagdo, maior seu valor prediti- vo. Previsibilidade é outro modo de dizer testabilidade, € 6 a testabilidade que define o reino da ciéncia, em vez do reino da arte, da fé ou da ret6rica, Como outras teori- as, classificagdes esto sempre sujeitas a refutagao, refi- rnamentoe crescimento & medida que novos dados se tor- nem disponiveis. Esses novos dados podem ser na forma de espécies recentemente descobertas ou caracteristicas dos organismos, novas ferramentas para a analise do ca- ter, ou novas idéias a respeito de como as caracterfsti- cas sio avaliadas. Mudangas nas classificacoes refletem as mudangas em nossa visio e compreensio sobre o mun- do natural Nomenclatura Os nomes empregados nas classificagdes s40 governados por regras e recomendacbes que sao andlogas as regras de gramatica, as quais governam o uso de um idioma. Os objetivos primarios da nomenclatura biolégica sao a cria- ao de classificagies nas quais (1) qualquer tipo tinico de organismo tenha um e somente um nome correto (2) que dois tipos de organismos nunca posstiam o mesmo nome. ‘A nomenclatura é uma ferramenta importante para 0s bid- logos por facilitar a comunicagao e a estabilidade.* ‘Antes da metade do século 18, os nomes de animais & plantas consistiam em uma a varias palavras ou, com fre- qiéncia, simplesmente uma frase descritiva, Em 1758 0 grande naturalista sueco Carl von Linné (Carolus Linnaeus, na forma latinizada que ele preferia; em portugués € refe- rido como Lineu) estabeleceu um sistema para nomear organismos que agora é denominado como nomenclatu- ra binomial. Osistema de Lineu requer que todo organis- mo tenha um nome cientifico com duas partes ~ um binémio. As duas partes de um bindmio sao 0 nome ge- *Geralmente evitamos usarnomes comuns, ou vernaculares, neste liv, simplesmente porque ees si fregienterente inadequades. A maioria dos invertebracosnio tem um nome especificocomum, wos que tem tix picamente possuem mais de um nome. Por exemplo,virias cizias de {spscies diferentes so conhecidas como "lesmas”. Todo sorted crat= ras échamada de “aranhas", a maioria ds quais no so aranhas verda- deiras (Araneae) (porexernplo, “opie”, “aranhas-o-mar” "carangue= jos-aranha’) 26 caPiTuLo vars nérico, ou género, ¢ 0 epiteto especifico, Por exemplo, 0 nome cientifico para uma estrela-do-mar comum da costa pacifica dos Estados Unidos ¢ Pisaster giganteus. Esses dois nomes, juntos, constituem o binomio; Pisaster & o nome senérico (genero) do animal, e giganteus 6 seu epiteto es- pecifico. O epiteto espectfico nunca é usado sozinho, mas deve ser precedido pelo nome genérico, e 0 “nome da es- pécio” do animal é, assim, o binémio completo. O uso da primeira letra de um nome de género que precede um epiteto especifico também é aceitavel, desde que o nome tenha aparecido por extenso na pagina ou em um artigo curto (por exemplo, P. giganteus) A versio do sistema de Lineu de 1758 6, de fato, a déci- ma edigéo de seu famoso Systema Naturae, na qual foram listados todos os animais conhecidos por ele até aquele ‘momento e incluidas diretrizes criticas para classificar os organismos, Lineu distinguiu e nomeou mais de 4.400 es- pécies de animais, inclusive Homo sapiens. O Species Plantarum de Lineu (no qual ele nomeou mais de 8.000 es- pécies) tinha feito o mesmo para as plantas em 1753. Lineu foi um dos primeiros naturalistas a enfatizar 0 uso das se- amelhangas entre as espécies ou entre outros téxons para construir uma classificagdo, em vez de usar as diferencas entre eles. Fazendoassim, embora de maneira desavisada, ele comegou a classificar os organismos em virtude de suas relacdes genéticas e, conseqiientemente, evolutivas. Lineu produziu seu Systema Naturae 100 anos antes do aparecimento da teoria de evolugao por meio da selegao natural, de Darwin e Wallace (1859), e portanto seu uso de semelhangas na classificagao pressagiou a énfase sub- seqitente dada pelos bidlogos as relagoes evolutivas en- tre os téxons. s binémios sie latinos (ou latinizados) devido ao cos- tume seguido na Europa antes do século 18 de publicar documentos cientificos em latim, o idioma universal de pessoas educadas daquele tempo. Durante varias décadas depois de Lineu, os nomes para os animais e plantas pro- liferaram e, freqiientemente, havia varios nomes para uma determinada espécie (nomes diferentes para o mesmo or- ganismo sao chamados sinénimos). O nome de uso co- mum era normalmente o mais descritivo ou, freqiiente- ‘mente, era simplesmente aquele usado pela autoridade ‘mais eminente da época. Além disso, alguns nomes gené- ricos e epftetos especifcos eram compostos de mais de uma palavra cada. Essa falta de uniformidade nomenclatural conduziu, em 1842, A adogao de um cédigo de regras for- miuladas sob 0s auspicios da British Association for the Advancement of Science (Associagao Briténica para 0 ‘Avango da Ciencia), chamado de c6igo de Strickland. Em 1901, a entao recentemente formada International Commis- sion on Zoological Nomenclature (Comissio Internacional de Nomenclatura Zoolégica) adotou uma versio revisada do cédigo de Strickland, chamado International Code of Zoological Nomenclature (I.C.Z.N., ou Cédigo Interna- cional de Nomenclatura Zoolégica, em portugues). Os botanicos tinham adotado um codigo semelhante para plantas em 1813, 0 Théorie Elémentaire de la Botanique (Teoria Elementar da Botinica), que se tornou em 1930.0 Intemational Code of Botanical Nomenclature (Cédigo Internacional de Nomenclatura Boténica) OLCZN. estabeleceu 1. de janeiro de 1758 (0 ano em que apareceu a décima edicéo do Systema Naturae de Li- neu) comoa data inicial para anomenclatura zool6gica mo- derma, Quaisquer nomes publicados no mesmoano, owem anos subseqtientes, sao considerados como tendo apareci- do depois do Systema Naturae. OLC.Z.N. também mudou ligeiramente a desericéo de nominagao do sistema de Li- neu, de uma nomenclatura binomial (nomes em duas par- tes) para uma nomenclatura binominal (nomes de dois nomes). Porém, ainda é comum ver a designacao anterior emuso. Essa mudanca sutil implica que o sistema deva ser verdadeiramente binario; quer dizer, nomes genéricos e especificos podem ser de apenas uma palavra cada. Em- bora o sistema seja binario, ele também aceita o uso de nomes de subespécies, ciando entao um trindmio (tré noms), dentro do qual esté obrigatoriamente contido 0 binémio. Por exemplo, é sabido que a estrela-do-mar Pisaster giganteus tem uma forma distinta que ocorre na parte sul de sua drea de distribuicao, a qual é designada como a subespécie Pisaster giganteus capitatus Todos 0s codigos dle nomenclatura biolégica comparti- Tham dos seis principios basicos seguintes: 1, Cédigos botiinico e zoolégico sao independentes umdo outro. E entao permissivel, embora ndo recomendavel, que um género de plantae um género de animal possu- am 0 mesmo nome (por exemplo, 0 nome Cannabis & usado para um género de planta e para um género de aves). 2. Um taxon pode possuir somente um nome correto, 3. Em nenhum caso dais géneros dentro de um determi- nado c6digo podem possuiro mesmo nome (i. nomes, sgenéricos so tinicos);e em nenhum caso duas espécies dentro de um género podem possuir o mesmo nome {2.6 bindmios sao tinicos) 4, Nomes cientificos so tratados como latinos, indepen- dente de sua origem linguistica, e, conseqtientemente, estio sujeitos as regras gramaticais do latim. 5. Onome correto ou vélido de um taxon esta baseado na prioridade da publicasao (primeiro uso). 6. Paraas categorias de superfamilia nos animais ¢ 6rdem, nas plantas, e para todas as categorias abaixo dessas, os nomes de téxons devem estar baseadios em espécimes- tipo, espécies-tipo ou géneros-tipo.* Quando a aplicacao estrita do cédigo resulta em confu- sio ou ambigitidade, os problemas sio referidos a comis- ‘Quando um bidlogo primeiro nomeiae desereve uma espicie nova, ele ‘ottela toma um espécime tipico,declara-o como um espécinetipoe de- posita

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