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Aprendizagem da performance musical e corporeidade Patricia Lima Martins Pederiva Universidade Catélica de Brasilia pat.pederiva@uol.com.br Afonso Celso Tanus Galvido Universidade Catélica de Brasil agalvao@pos.uch.br Resumo. © objeto de estudo presente nesta pesquisa é o da corporeidade ¢ sua possivel aplicagao. na aprendizagem da Performance Musical. Buscam-se, primeiramente na literatura pertinente, as pesquisas que tem abordado a temética corporal com o objetivo de fazer uma anilise de como o corpo vem sendo tratado no processo ensino-aprendizagem da Performance Musical. Demonstram-se, com base também na literatura, as possibilidades interdisciplinares da drea em questiio, com aquelas que ja trabalham o corpo de modo mais efetivo, como por exemplo, a Educagio Fisica, Introduz-se, entio, 0 conceito de corporeidade baseado na Fenomenologia de Merleau-Ponty, com 0 objetivo de propor sua utilizago na drea da aprendizagem da Performance Musical Palavras-chave: Musica, Aprendizagem e Corporeidade. Introdugio Pesquisas recentes no campo da Performance Musical (eg. Galvio e Kemp, 1999; Deutsch, 1999, Silva, 2000; Porto, 2002; Martins; 2000), tém procurado demonstrar a importéncia da compreenstio dos modos de utilizagao do corpo por misicos profissionais, bem como em seu processo de ensino aprendizagem. Destaca-se, entre estas, a pesquisa sobre o artista-atleta realizada por Andrade ¢ Fonseca (2000), onde & tragada uma reflexio sobre a utilizagdo do corpo na performance dos instrumentos de cordas, Ray (2001), por sua vez, ressalta a importancia dos aspectos fisico, mental e técnico relacionados a tocar um instrumento, com findamentos emprestados das artes marciais, propondo a identificagdo e 0 dominio dos elementos que interagem em uma performance attistica. Tais estudos, sobre questes corporais na pritica musical, t&m propiciado novas reflexdes sobre este campo, propondo, inclusive, modos mais eficazes de agdo, Este texto tem o propésito de empreender uma breve reflexdo sobre a pesquisa em andamento: “O Corpo Participante: Uma Abordagem Fenomenolégica da Aprendizagem Musical”. Esta tem 0 propésito de contribuir para uma visio do corpo como algo que pode e deve ser pensado e vivido de modo que exista uma relago mais profunda entre o ser e 0 objeto, onde estes sejam unos ¢ interativos, onde o corpo seja mais que a tradugdo do fisiolégico, e que se transforme em um corpo patticipante, por meio da corporeidade e da motricidade. A aprendizagem, como conseqtiéncia, é também parte integrante neste processo, um proceso consciente, que encontra sentido para aquele que a vivencia. E necessario alcangar a consciéncia do fenémeno, e para tal, sentir, pensar e agit intencionalmente na busca por um funcionamento normal das coisas, Este funcionamento normal, -gundo Merleau-Ponty (1999), deveria ser compreendido como um proceso de integragdo em que o texto do mundo exterior ndo seria recopiado, porém, constituido. O individuo que surge a partir da apreensio da sensagio na perspectiva dos fendmenos corporais, por este preparado e ligado a um conjunto, seria dotado de um sentido, Espera-se que ao encontrar este sentido, a aprendizagem da performance musieal possa alcangar uma perspectiva mais humana e menos mecanicista Kinaesthesia Na literatura musical e psicoligica (eg. Galvio ¢ Kemp, 1999), ha referéncia a um sentido corporal de espago © movimento (Kinaesthesia ou propriocepgiio), que teria grandes implicages para o ensino-aprendizagem de instrumentistas, sendo, porém, um campo ainda pouco explorado. J4 em pesquisa realizada com harpistas (Silva, 2000), alerta-se para a necessidade de estudos sobre 0 corpo, pois, o harpista possuiria, normalmente, diversos problemas corporais variando desde uma baixa resisténcia para o estudo, até dores e desvios ésseos. Um outro tipo de pesquisa, envolvendo 0 corpo na Performance Musical, trata dos problemas psicossomaticos, que surgem como conseqiiéncia da ma utilizagio do corpo por miisicos, e que foram abordados sob o ponto de vista da Ergonomia. Pesquisa realizada por Porto (2003), com violistas de orquestra, constatou que a organizagio do trabalho dos miisicos, as relagdes hierirquicas, a pressio temporal, os picos de demanda, 0 néimero insuficiente de violistas na orquestra, a inexisténcia de folgas e de rodizio que possibilitassem maior descanso dos misicos, poderiam estar contribuindo significativamente para a presenga de dor relacionada a0 tocar. Em um outro artigo realizado sobre o isco da profissio do miisico, Porto (2002), relata que, no Brasil, as agdes preventivas ainda ndo contemplam os miisicos em formago, 0 que jé ocorreria em paises que j4 disponibilizam varios tipos de orientagao (Feldenkrais, Técnica Alexander, entre outros). ‘As questdes relativas 4 aprendizagem motora também foram contempladas em pesquisa realizada por Lage, Borem, Benda ¢ Moraes (2002), que afirmam que a Aprendizagem Motora seria de particular interesse para o instrumentista e para o professor de miisica, pois, por meio da compreensio © da aplicagdo de conhecimentos que regem © movimento, poder- se-ia buscar uma diminuigo significativa dos erros de performance, bem como um controle maior da variabilidade dos movimentos corporais. Os autores afirmam que restam ainda muitas caréncias nas interfaces da Performance Musical com areas como Medicina, Psicologia, Fisica © Ciéneias do Esporte. A busca por respostas sobre questdes relativas a0 corpo na performance tem propiciado o surgimento de grupos de estudo © pesquisa interdisciplinares, normalmente compostos por profissionais de reas, tais como Misica, Educagio Fi Estudo e Pesquisa em Priticas Musicais, CEP-EMB, D. F.), GEPEM, (Grupo de pesquisa em Performance Musical, na Universidade de Goids), GEDAM (Grupo de estudo em desenvolvimento ¢ aprendizagem motora da UFMG), entre outros. O paradigma ica, Fisioterapia e Psicologia. Entre estes, podem ser citados: GEPM (Grupo de multidisciplinar para a miisica gera nfo somente seus préprios questionamentos, mas, informa e acelera o conhecimento na drea a partir da interagio de especialistas artisticos, os pedagégicos, os bioldgicos, os médicos, os psicoldgicos, os filoséficos e os sociolégicos no planejamento e na re do da pesquisa (Povoas, 1999). Para Lage et al (2002), a vocagio interdisciplinar da performance musical, bem como sua natureza artistica, possibilita buscar, conjuntamente com outros campos, os desenvolvimentos de seus aspectos cientificos. A Educagdo Fisica, por se tratar de uma ciéneia que trabalha diretamente com 0 corpo-humano encontra-se mais habituada a estes questionamentos. Esta rea torna-se, deste modo, uma grande aliada neste processo, j4 que tem como foco de interesse 0 corpo humano. Este campo de conhecimento tem langado o seu olhar sobre 0 fenémeno humano buscando saber mais sobre ele procurando recuperar os significados relativos nos conceitos implicitos ao serhumano, Segundo Freitas (1999), 0 corpo humano como corporeidade, & construido nas relagdes sécio-histéricas trazendo a marca da individualidade, nao terminando nos limites que a anatomia e a fisiologia Ihe impdem. Estende-se por meio da cultura, das roupas e dos instrumentos criados pelo individuo e confére-lhes um significado, passando, a sua utilizagdo, por um proceso de aprendizagem construtor de habitos. O Corpo humano superaria © corpo biolégico do animal, atingindo a dimensio da cultura por ser um corpo capaz de fabricar, de conferir significados ¢ de criar habitos, ele dlata-se no espago e é um corpo dindmico em suas relages no mundo. Fenomenologia Em pesquisa realizada com pianistas em conservatério piblico mineiro (Martins, 2000), a percepglio dos professores. mostrou-se um fator complicador do proceso a ino- aprendizagem, Relata-se que talvez isso acontega devido erenga, tradicionalmente consolidada, da supremacia da mente em relagdo a0 corpo bem como ao desprezo dado a percepeao, que segundo varios autores, principalmente Merleau-Ponty, antecede 0 pensamento objetivo desde que o mundo percebido ¢ o fundo pressuposto de toda a racionalidade, Merleau-Ponty afirma que o ser-humano vive as coisas, os seres ¢ 0 seu proprio compo. Seria entio, 0 sujeito, voltado & percepsdo de sua propria histéria, sendo, o corpo nio um objeto, mas o campo primordial, a condigdo primeira para a realizagio de suas experigneias. Nesse contexto, talvez, seja apropriado pensar essa nogdo de corporeidade na perspectiva do método fenomenolégico. Este reduz ou concentra a consciéncia ¢ a atengao reflexa até chegar ao conhecimento das esséncias puras, que ocorrem na conscigneia, Na fenomenologia nio se detem na observagdo do objeto exterior, liberta-se para a experiéncia vivida, sendo, portanto, a filosofia da experiéncia humana (Martins, 2000). Para Merleau- Ponty (1945/1999), © mundo nao seria aquilo que se pensa, mas o que se vive. Assim, fazese necessario & compreensdo de como os determinantes psiquicos e as condigdes fisiolégicas engrenam-se. © corpo seria o veiculo do ser no mundo e, para o ser vivo, ter um corpo jumtando-se a um meio definido deve entio se confundir com certos projetos e empenhar-se continuamente neles. Corpo-Instrumento © contexto ensino-aprendizagem da performance musical, normalmente, se di em uma sala de aula, onde se encontram o professor, 0 aluno e o instrumento musical, A misica, enquanto eédigo, & composta de signos a serem decifrados pelo aluno, que, alm do dominio do significado musical, teri também que dominar instrumento, utiizando uma téenica especifica, Além de todas estas va jéveis a serem consideradas nesse contexto, encontra-se, de um modo geral, um corpo que tem que se adaptar rapidamente a todos estes elementos. Esta ago corporal & esfacelada, no proprio corpo fisiolégico, na mente, enquanto possuidora de rocessos cognitivos e na emogdo, traduzida normalmente por tensio e ansiedade. Atribui-se a este esfacelamento, todas as decorréneias que possam surgit como aquelas que dificultam o processo ensino-aprendizagem da formagdo do misico. A partir da descrigdo deste cendrio, ¢ que se evoca a corporeidade, como elemento reintegrador do ser-humano em seu contexto sécio-cultural, © paradigma da corporeidade rompe com o modelo cartesiano, j4 que no haveria distingdo entre a esséncia ¢ a existéncia, entre a razio e sentimento. O cérebro nfo seria o érgio da inteligéncia, wm o corago seria a sede dos sentimentos, pois o corpo inteiro seria sensivel. 0 ser-humano deixou de ter um corpo para ser um corpo e, & com e por meio deste corpo que ele pode aprender, agir © transformar 0 mundo, podendo ainda construire recriar, planejar e sonhar (Freitas, 1999), O professor, a partir do reconhecimento da corporeidade adquire um outro olhar no proceso ensino-aprendizagem da performance musical. E construido, entre professor ¢ aluno um processo intersubjetivo, onde se cria o canal da comunicago, Encarar 0 aluno, como 0 proprietirio maior de sua vivéncia, e atribuir a este ser, o papel de protagonista do sentido daquilo que cle realiza, propicia uma outra dimensio neste processo. E, nessas circunstdncias que se pode encontrar o sentido maior do fazer musical, Trata-se, segundo Pokladek (2002), da intencionalidade da consciéncia, onde se considera a percepgio como a experiéncia original do corpo, com o mundo ao seu redor, o ser ao entrar em contato com 0 objeto, com as coisas, entra em dontato consigo mesmo, pasando 0 corpo a ser considerado como corporeidade, a matriz por onde passa o conhecimento, fonte dos sentidos e rede dos significados existenciais, que se manifesta, que se expressa na dualidade do vivido onde emergem significados nao do que se pensa, mas do que se pode Conelusio Para trazer a corporeidade para o proceso de ensino-aprendizagem da Performance Musical, faz-se necessario primeiramente langar o olhar sobre o fenémeno e, a partir dele, compreender © seu estado atual, Qual a real situagdo do corpo como corporeidade em sala de aula? Como o corpo & percebido neste contexto? Quais as reais agdes por parte de professores ¢ alunos? O 5 curiculo possibilita a adogdo desta abordagem? Existiria uma cultura corporal entre musicos? Como cla se realiza? A partir deste primeiro levantamento, poder-se-iam, posteriormente encontrar metodologias adequadas que possibilitassem este tipo de tratamento filoséfico- pedagégico, por parte da escola, dos curriculos, dos professores € dos alunos. Sdo, com estas intengdes que se pretende, a partir desta pesquisa, explorar a relagdo entre 0 conceito de corporeidade e 0 processo de ensino-aprendizagem da Performance Musical. A contribuigao cientifica que se espera alcangar ao final da pesquisa & de tomar o ensino-aprendizagem da Performance Musical um proceso mais consciente, ¢ que possa ser considerado em sua reflexdo e pritica a partir da perspectiva da corporeidade. Referéncias ANDRADE, E. E FONSECA, J. Artista-Atleta: reflexdes sobre a utilizagdo do corpo na performance dos instrumentos de cordas. Per Musi: Revista de Performance Musical. 2, 118 128, 2000, SILVA, C. Uma nova abordagem sobre a postura corporal do harpista. Goi 2000. DEUTSCH, D. Motor Processes in Performance. In DEUTSCH, D. (org). The Psychology of Music. San Diego: Academic Press, 1999. FREITAS, G. O Esquema Corporal, A Imagem Corporal, a Consciéncia Corporal ea Corporeidade. \jui: UNIJUI, 1999. GALVAO, A. E KEMP, A. Kinaesthesia and Instrumental Music Instruction: Some Implications. Psychology of Music. 27, 2, 129-137, 1999. RAY, S. Os Phases Warm-up Exercises de Diana Gannet: Apresentagdo e extensdo a cordas orquestrais. Per Musi: Revista de Performance Musical. 4, 72-80, 2001 LAGE, G., BOREM, F., BENDA, R. E MORAES, L. Aprendizagem motora na performance musical, Per Musi: Revista de Performance Musical. 5, 14-37, 2002 MARTINS, D. Umm olhar fenomenolégico sobre o ensino de piano em conservatério piiblico mineiro, Dissertagao de Mestrado do Centro de Pés-Graduagao, pesquisa ¢ extensdo do Conservatério Brasileiro de Miisica, 2000. MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da Percepcao. 2. ed. So Paulo: Martins Fontes, 1945/1999. POKLADEK, D. Cuidar do Humano. Sao Paulo: Alpharrabio, 2002. COSTA, C.P. & ABRAHAO, J.I. Masico: profissao de risco? Em Anais do VII Congresso Latino-Americano de Ergonomia e XII Congresso Brasileiro de Ergonomia, Recife: 2002 COSTA, C.P Quando tocar déi: Andlise Ergondmica do Trabalho de violistas de orquestra, Dissertagdo de mestrado. Universidade de Brasilia: 2003. POVOAS, M. Controle do Movimento com base em um principio de relacdo e regulagao do impulso-movimento: Possiveis reflexos na otimizacdo da acao pianistica. Tese de Doutorado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul: Instituto de Artes, Departamento de Miisica, 1999, “ Kelps,

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