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n teatro épico — — rs 4 aarte do ator pS Este nimero da inicio a uma nova fase da revista Vintém : abrigada agora pela Editora Hedra, com uma reformulagdo do projeto grAfice © seu subtitulo alterado para “teatro e cultura brasileira” A muidanca nao implica abandono da vontade original de discutir perspec- tivas do teatro dialético. Acompanhando as transformagées da Companhia do La- to, a orientagao dialética do trabalho gantia maior concretude ao priorizar 0 Brasil como assunto fundamental Assim, Vintém abre espago para novas segdes. A cada nimero, a revista traré entrevistas ou ensaios ligados reflexao politica sobre problemas brasilei- ros, Nesta edigao in para compreender 0 processo de destruigao simbélica do individuo que vem sendo levado adiante pela politica econdmica neoliveral do governa Fernando Henrique Cardoso. Na intengio deestimular o debate sobre o pensamento teatral no Brasil, a revista publica uma entrevista com a professora Ind Camargo Costa, uma das oucas vazes a esquerda em nosso ensa(sino teatral, e com certeza a mais atuarte delas, coma se pade ver também em sou estudo (escrita em colaboragio com José Femando de Azevedo) sobre duas historiogratias do teatro brasileira O artigo sabre o diretor e ator Jodo das Neves, feito por Claudia Mesquita, ‘bern como a homenagem tos editores ao grande teatrélogo Hermilo Borba Fillo, direcfonam Vintém para a reflexdo consequenie sobre temas que no costumam fazer parte das referéncias habituais da imprensa cultural, Por suas escolhas de assunto, Vintém se pasiciona com Independencia diante das exignclas de circula- (80 impostas oela economia de mercado, Por scu aberto posicionamento de es ‘querda, Vintém se cistancia da média das publicagdes académicas. Seu maior com- 1ugural, 0 sociélogo Fraricisca de Oliveira nos da elementos promissu & com a histérla viva do trabalho teatral no Brasil vintém ators série de Carvalho (Mtb, 23161/5P) Marcio stareiano aura tesquita kit bres cane, erojeto arate edasramacso Fabiana Pinheiro Fotlto Reflexo Imoressto rol Grafica Foto caea (Calhieita de trigo na eéeata de 1940, fio Seminario Seratico de Verandpatis, lo Grande eo Sul lncal onde hoie funciona o Iterra da MIST. Foto cedida alo Museu da Imigragao da Casa de (Cultura de Veranépolis. Pesquisa de ‘Maria Tendiau e Otavio Martin, IProsucio lEvitora Hear colatovaram nesta eiete [Alessandra Femandez, Claudia IMesauita, Francisca de Oliveira, Ina [Camargo Coste Jodo das Neves, Joao (Guedes da Forsees, Jose Femanda Peixoto de Azeveds, Leorardo Ferreira le Marcio Bare 1 revista vintém 6 um projeto a \Compantia do Lato, pubicado pea Fdtora Hedra. As opines expressas nos lartigos assitados san de respensabiidade lexclusha de seus autores, Os interessados ler se camuricar com os eaitores devem lescrever para Revista vinkém [elefax (01 36620702 = mall: vintem@ua).carnibr Venda: da publicacio Euitora Hora Koi) 867 e304 [Fraviaue Coutinho, 1239 1° and, [Sao Paulo Cep 05416.012 Fredrae bennet Pensamento Politico 04 teatro brasileiro _12 teatro do mundo _19 Mado de produgao 22 Meméria_ 25 ensaio 29 livros _38 Companhia do latio 39 Manifesto 46 entrevista com Franciso de Oliveira entrevista com Ind Camargo Costa depoimento de Yoshi Gida teatro dacumentario de Jodo das Neves por Claudia Mesquita Hermilo Borba Filho duas histérias doteatro brasileira por Ind Camargo Costa e José Fernando de Azevedo langamentos de obras teatrais oficinas dos diretores alemaes Peter Palitzsch e Alexander Still mark arte contra a barbarie 2 tor YOShi Oida tor japonés e diretor teatral, rascido em 1933, trabatha desde 1968 como dire Brook, tendo participado de montagens como Mahabharata e 0 homer que confuniy sua muller cam 0 inglés Peter chapéu.Esteve no Brasil ne final de junho a convite da Cooperativa Paulista de Teatro e do Sesc, par 0 ‘ancamento do seu fiero Un Atar Errante, uma canferéncia e oficinas sobre sus experiéncia como ator Apresentou também 9 espetaculo Interrogacdes, baseado em texto chinés do século X seseque foi montado a parte de entrevista concedida a Vintém, da qual participaram Alessandra Fernandez, Kil Abreu, Lauro Mesquita e Sérgto de Carvalho, acrescida de trechos da palestra realizada no Teatro do 1. Odepoimento que ‘Sese-Pompéta no dia 17 de junho de 2999. o que fazer? 114 30 anos, quando eu ful trabalhar com 0 Peter Brock ele me disse: ndo use nenhuma.tcnica japonesa, Perguntei: 0 ave eu fago entdo? Ele respondevt eu nao se acaso e necessidade A vida é em sI Improvisagao. Voce improvisa no Brasil, no Japa, e cada dia € uma improvisacéo. através das historias © melhor € pracurar umn tema que ndo se conhega bem. 0 objetivo da arte nao é mandar mensagens, mas através das histérias descobrir qual o ristério do humano © a beleza do humano. € muito dificil se encontrar um bom projeto. Mas em qualquer projeto o objetivo € 0 mesmo: contar o inistério e a beleza da humanidade. ocharme do teatro (© charme do teatro nao é o de ser uma arte, apresentada num paldcio da cultura, o charme é 0 ce conseguir,em qualquer lugar, abrir 0 coragao do public. abota € dificil encontrar um motivo para entreter o publico, entao, certa vez, um ator american do nosso grupo deixou por ‘acaso uma bota em cima do tapete e todos comecaram a improvisar. Ela se transformava em varias coisas, numa flauta, num pao. Era ainda mais interessante porque para 0 pdblico de africanos que nos assistia, a bota ¢ um simbolo da autoridade, da forca, da riqueza, A hola é uma coisa muito especial porque eles anclam sem sapatos, gato brasileiro No teatro ha varias formas de andr. No teatro de Tehecov ‘voce anda quase que naturalmente. As vezes eu quero usar iim andar estlizado, mas estilizar nao 6 s6 um conceito, voce precisa de uma técnica corporal. Cada pessoa tem un ito de andar: Agor um gato africano, um gate japanés ¢ um gato brasileiro anciam do mesma jeito. Isto significa que ‘em nossa vida nés estamos carregando nossos préprios hax bitos. Nem quando andam naturalmente as pessoas andam da mesma maneira. Entao, quando vocé for andar no tea- tro, livre-se dos seus habitos para poder pensar em algo mais e se abrir a sua emocao. A verdade do corpo & muito importante para que vocé atinja a liher¢ abandono do estilo Peter Brook diz que ndo busca um estilo, mas a base de tuma relagio humana. Se a pessoa se atém a um estilo acontece um combate, como se fosse de um cristo contra um islamico, de um catslico contra un protestante. Tem que se abandonar 0 estilo para surgir alguma coisa que permita uma relagao, palavra capciosa Vazio é uma palavra muito capciasa. Quando vocé buses 0 vazio, vocé se pergunta: onde esta 0 vazio? Onde esta 0 vazio? & dessa forma 6 impossivel achar 0 vazio, Posso usar outra palavra para vazio:liberdade, De pensamento.e corpo. Sem buscar éxito, em buscar aplauso. S6 ne palco, Passo a passo, sem que a mente esteja sedimentada. Como. na ceri ‘nia do cha. Voce coloca 0 cha na xieara, a aqua nna xicara, voce mistura, e vocé tern que se concentrar nes- te processo. No palco ¢ a mesma coisa. Eu simplesmente caminho pelo palco, pege um copo, coloco na boca, tento a sensagao do video © do Labio, e pravo a Aqua. 20 & como quando vocé esi escovando os centes de manira Tente apenas sempre escovar os dentes, sem pensar em outras coisas. £ muito dificil, No palco ocorre o mesmo: sempre se esta pensando em gutra coisa. Enquanto cami- nhamos pensando etn que coisa o piblico estaria pensan- do, a conseqliéncia € vocé pensar que tem que andar ma- ravilhosamente. Concentre-se apenas em andar. ganhar sua comida Na Inglaterra 0 ator folelbrico nao existe mais. Enquanta que no Japio, na Grécia, na Africa ainda existe esse tipo dieator: Quando atuei em Quest féfie a cera da pantomima em Hamlet no estilo folel6rico japonés. Um teatro comple tamente livre © muito popular. Um estilo t20 sofisticado quanto 0 Kabuki. A base do teatro folelérico em qualquer lugar do mundo é a mesma: como um ator pode divertir as pessoas e ganhar sua comida, perda de tempo como quer se concentrarno paleo? Disa, ‘ocd $6 se concentra no paleo por que as pessoas esto olhando para voct? Na vida isso seria uma perda de tempo. poesia-é imitagao Como disse Stanislavski, se qui- sermos procurar tm estado triste, podemos fechar 0 peito,¢ & partir dessa ati tude encontrar a emo- 680. Ao imitar a atitude odemos encontrar algu: ma coisa interior, 0 Peter Brook tem um exertieio sobre uma foto. Os atores imitam exatamente essa foto. Na se- quéncia procuram encontrar-o antes e 0 depois dessa fola. A respeito 56a uma coisa externa. Quando eu ime refira 20 outro,ocorno con. ‘inva sendo meu, o interior tam 3m € meu, Se eu tenho algum blog nada sai. Apenas aqueles que na mente ou no corpo 18m uma relagao muito forte entre Interior e exterior conse- rda imitagdo. 0 objetivo para ele quem fazer algo apar do ¢ ser cap de Fazer qual- quer coisa com 0 corpo, mas por seu interior se manifeste. 0 elo dele fazer com que abjetive nunca é mostrar a téc nica, mas el € necessari gesticular japonés uanda vocé esta triste seu pr se fecha e 5 mento se torna pessimista. Quando vocé esta alegr pelto se abre e seu pensamento se torna otimista, seul corpo € sua emogéin esldo conectadlos. 0 cor po, 0 gesto, a mente tudo esta conectado. Se o ator sepa: rao gesto da palavra, nao ocorre o fato teatral, pois os dois so ‘relacionados. Qua eu falo japonés eu gesti- culo japonés. Quando eu falo francés, eu nao sei 0 que gesticulay, e me movo de maneira diferente. neurologistas e psiquiatras Oator deve aprender a imi- tar 0 aesto, a atitude e 0 espirito. Quando observei 05 pacientes no hospital, também tentei ver como andavame reagiam diante das peraunt Observe’ que os neurologis- dos médicos. tas sao muito diferentes dos psiquiatras. Os psiqui- atvas sao mais deces ¢ os neurologistas muito diretes. Eu no falo do in: terior, mas da atitude des sos médicos. Os psiquiatras falam muito baixinho, do- c ente, © os neurolosis: ta so muito claros, duros, precisos. modos de vida Existem atoves que acham que melhor observar, mas se voc# nao acha isso necessdrio, nao é necessério. Para mim, quando eu passo trés meses observando problemas neurolé- <0 é muito ttil para entender como funciona a doen- gicos Ga mental. Nao tanto como ator, mas como ser humano. 0 neu oficio de ator é interessante porque eu posse descobrir 6 descobrir o ‘utras realidades. A vida mo ser um bom ator Mas atvar: € uma bea acasiao para se aprender a viver: ‘Atuar 6 estudac,modos de vida. Lure Reyer o documento Jcomo m da, 5) eves Claudia Mesquita* Ursin arscsalac toalaer eget ‘como matéria de criagao e cuja forma ~ composta de fragmen 05 que se articulam no interior de uma espécie de “cortejo dra: matico”” ~ dialoga com o teatro épica. Ou, conforme prefere seu autor, um teatro que se inspira na estrutura descontinua dos folguedos populares brasileiros. Sao aspectos marcantes da lon- ga obra que vem desenvolvendo, quase sempre como aulor e diretor; desde o comego dos anos 60, 0 ta nbém ator carioca Joao das Neves. Reconhecido pela histérica e premiada encenacao de seu texto 0 Uitinro Carro, que estreau 1976 e permaneceu mais dois anos em cartaz no Rio e em Sao Paulo, Jodo das Neves vem aprofundardo, desde o final dos anos 70, a experiéneia, tal- vez menos conhecida, do que chamou “Leatra documentario”. Thiciadas no Grupo Opinio, que ajudou a criar apés a dissolucao do CPC da UNE em 1964, as pesaui criativas em torno do “teatro documentario” tiveram terreno amplo durante a tempo- rada de quase sete anos que o artista passou no Acre, trabalhan- ula Caro ce Acuecinsts, 1983 do com alores na época nao profissionals, experléncia que gerou © Grupo Poronga, ainda em atividade, e os trabalhos Tributo a Chico Mendes (1989) e Caderno de Aconte tre outros. . cimento” (1991), en- 2 Nas duas pegas, Joao das Neves se valeu de pro- cessos semelhantes para levar a cena histérias de serin- gueiros expulsos pela pecudria, Indios que deixaram suas aldeias, migrantes recém-cheaados a uma jovem cidade ‘que crescia desordenadamente, entre outros atores soci- ais de um pedaco da Amazénia erm meados dos anos 80. Convid: ministrar oficinas de teatro, cle se deparou com um gru- jo pela Fundagdo Cultural de Rio Branco para po formado, entre outros, por ex-seringueiros, uma lava. deira, um chofer de carro, atores amadores © até um grt po de cinca indios Kaxinawa que aderiu aos ensaios. A, frente desse grupo heterayeneo, a artista partiu para as, ruas de Rio Branco para um procsso vivo de observacdo da realidad, entrevistas ¢ coleta ampla de material, que serviria de ponto de partida para a criagdo do texto e a montagem dos espetaculos que realizou com 0 Poronga. A partir do material colhide na rua, por exemplo, soma: do a depoitnentos de Chico Mendes, trectios de reporta- gens gravadas no rAdio e recortadas de jarnais, além da adaptacao de duas cenas da peca A Wide, de Brecht, Joao das Neves criou Tributo a Chico Mendes, homenanem ao lider seringueira morto em 1989. *Q Jade documental da vealidade sempre me fas- cinou, Nunca pensei, no entanto, em fazer do teatro uma especie de documentagao da realidade, mas sim em utili= zar essa documentacdo como materia’ essencial do fazer teatral. A primeira vista pode narecer a mesma coisa, mas nao é, Essa sutil inversAo significa uma recusa & instrumentalizacao do teatro”, reflete o artista. “Sem- pre me recusel a realizar uma arte pura, ou arte pela arte, como queiram. Meu trabalho teateal € impuro, im- pregnado da fumaga, da sujeira, da ama das ruas, da 2 poeira dos sertoes ou dos esqueletos calcinados das drvo: res das nossas florestas. Por outro lado, sou avesso a instrumentalizagdo da arte, Tudo isso ara reafirmar que me recuso a fazer do teatro uma documentagao mera simples da realidade, mas ao mesmo tempo nao quero ver meu teatro allenado dessa mesma realidade’” Segundo Jodo das Neves, na experiéneia com 0 Poronga, o material colhido nas ruas era manipulado pos- teriormente na criagae do espetaculo, cuja estrutura em episddios, deliberadamente quebrada, talvez expressasse o anseio de se aproximar da complexidade da vida, “Essa estrutura vem sim dos reisados, dos ternos de Conse, das: folias, das escolas de samba, do bumba meu boi, das ca- valhiadas... A esirutura dos folguedes e rituais religiosos que se manifesta em festas 6 descontinua, os brincan tam perfeita nogtio de estarem ali a mostrar persona gens, comportamentos, a obedecer a determinadas pro- cedimentos, a realizar com extrema precisaa gestos ritualizades que carregam significadlos profundos, soci- almente reconheciveis. Tudo isso é muits préxime da tea- tro épico de Brecht, que, por sinal, foi um grande obser vatlor de culturas populares”, comenta Os atores do Poronga, também eles atares soci- ais do universo pesquisado, dividiars entre si experiéncias ‘observadas, mas também experiéncias vividas. Wias Jodo das Neves refuta com veeméneia a ideia do “nao ator” “Posso trabalhar com atores joven, inexperientes. Nas Imposs pisaram num paico devem se descobrir atores no proces- com no ator el! Mesmo aqueles que nunca 50 de trabalho. 0 elenco de Grupo Poronga era de atores Apenas no Acre é impossivel a sobrevivéncia profissional em teatro, 0 Mathias era seringueiro, 0 Major eva chofer, a Ivette lavadelra, € a turma aqui do Sul Maraviiha re solveu achar que todo mundo era seringuetro © que por ‘sso, 56 por isso, conseguiam ser tao ‘auténticos’! Ponto para meus atores!™, diz Aorigem Mesmo tendo arigem no fascinio de Joao das Neves pelos “documentos da realidade” - “quando ainda cursava 0 antigo admissto ao ginasio, lembro-me de ter feito ini- meras redagBes sob a forte impressao de fotos documen- tando o genecidio nos campos de concentracao navista’’ 1 2 experiéncia do “teatro documentario” ja estava pre- sente nos trabalhos que criou e ditisiu para a rua com o GPC da UNE, tornando-sé mais visivel no Grupo Opinio, com a montagem de A Saida, Onde Fica a Saida?(1967), de Armando Costa, Antonio Carlos Fontoura e Ferreira a ‘ido. Para discutir a politica mundial naquele contexto, lar. “Esse trabalho foi um divisor de aguas no Opi- samos projecao de filmes como material cénieo, ¢ cria mas dilogos baseados em discursos e conferéncias, recriados ao lado de elementos ficcionais”, comenta. Esse processo de criacdo seria retomado com mais radicalidade na pega nu- ral Mubher, escrita e dirigida por ele €m 1979, quando valtou ao Brasil de- ois de uma temporada na Alema- aha, "Quando cheguei, o Grupo Opiniao estava totalmente domina- do por mulheres. Propus que fizés semas um trabalho em cima da ex- sd eel Gre Seto: Vredas 1095 eriéncia de ser mulher no Brasil naquele momento. A gente nao tinha nada escrito, As oito atrizes que partici Param do espetaculo foram para a rua, onde ouviram adolescentes, prostitutas, garis, mendigas e madames”, conta, Em paralelo ao trabalho de campo, © grupo ouvia as entrevistas, discutia idéias, improvisava, fornecendo material para a cria¢ao do texto por Jodo das Neves. Em cena, eram usados trechos das entrevistas gravadas. Havia uma base fIxa, uma estrutura composta de frag, mentos, em que cada cena valia por si. As vezes as atrizes faziam entrevistas com mulheres da platéia antes da abresentacao, jogando trechos gravados no espetaculo da sempre em transformagao”, recorda-se ‘mesma noite, improvisando em cima. A cena estava Para Joao das Neves, o gosto pela estrutura dra- matica descontinua ¢ pela incorporacao de “documen- tos da realidade’’ como matéria de criagao nao tém como equivalents um método preciso de trabalho com os atores. “Meu método € nido me fixar em um método, mesmo que ‘meu. Mas diria que sou, em primeira lugar, um atento observador do com- Portamenta pessoal dos atores. Como anda, fala, danga, se aquece, observa, 2 Somos matéria-prima um do outro. Dai sem as propostas de improvisa 640, que variam sempre, a cada caso. 0 segundo procedimento que adoto é langar mao de todo a conhecimento ue pude adquirir dos diversos méto- dos, sistemalizados ou nao” “Claudia Mesquita € jornalista e mastranda em Cinema na USP. lh i popular hermilo borba m pensador do teat Hlermitosorba Filho, dramaturao, professor ¢ encenador pernambucano, fo um dos inteleetuals mals importan- fe5¢ Inquietos da cena brasileira modema. Grande articulador cultural e lider da geracao de Ariano Suassuna, partici- ou do Teatro do Estudante de Pernambuco e fundou 0 Teatro Popular do Nordeste, grupos que a partir da década de 40 transformaram-se em importantes refer8ncias na discussao sobre um teatro nacional e popular e sobre uma dramaturgla de tematica brasileira, Sua trajeldria comeca em 1932, em sua terra na- tal, Palmares, onde val trabalhar como panto no teatro local. Em 1936, muda para o Recife para continuar os esiudos vai trabalhar novamente como ponto no grupo Gente Nossa. | 4, despontavam varios dramaturgos como Waltlemar de Oliveira, Herméaenes Viana e Samuel Campelo, todos eles influenciados pela dramaturgia fran- 25a, principalmente pelo teatro de boulevard, Em 1949 Waldemar dle Oliveira monta 0 Teatro de Amadores de Pernambuco (TAP), onde Hermilo foi ator ¢ traduziu varias pecas ~ de Somerset Maughan a Oscar Wilde, passando por varios autores de boulevard. Insatisfeito com 0 repertério eciético do Teatro de Amadores, Hermilo profere a conferéncla Teatro, Arte do Povo durante a Semana de Arte Popular do Recife, em 1944. Da conferéneia surge a idéia de se continua 0 Tea- tro do Estudante de Pemambuco, cuja precaria existencia, Jativera duas fases: umaem que apresentoua peca 1830, de Paula Goncalves, ¢ uma outra fase mambembe, com pegas digestivas. A nova etapa estréia com O urso, de Tchecov, e 0 searedo, de Sender. 0 arupo era praticamente constituido por alunos da Faculdade de Direito do Recife que, de acordo com Hermilo, “naquela éo0ca, 1945 — fase de redemocratizacao do Brasil —estava muito assanhado com os ideais demo- crdticos ¢, por consequéncia, contra os idea ascistas que, ensava-se, acabavain de ser extintos na Europa". Por isso, 0 segredo teve uma montayem antinazista, a agao decor ria num campo de concentracao e, para Hermilo, respon- dia muito mais ao ponto de vista politico do que ao artis tico. Ele afirmava que “em certas épocas de crise, em que ‘© homem precisa ser politizado, o teatro deve, coro qual quer arte, nao se abstrair da politica, quer dizer, tem de 8 entrar na discusséio”. A partir disso, 0 Teatro do Estudante partiu para mi repert6rio que se preocupava com classicos e © autor nacional, principalmente 0 nordestino. Os irés primeiros dramaturgos do Teatro do Estudante foram Aristételes ‘Soares, José de Moraes Pinho e Ariano Suassuna Acreditavamos em duas coisas: primeiro, que nao se podia falar em teatro nacional sem autores brasileiras; segundo que, naquele estasio, era mais aconselhavel levar teatro ao povo do que esperar que 0 pova viesse ao tea tro”, afirma. Com este objetivo, 0 grupo construiu uma barraca que estreou com apeca Cantam as harpas de Siao de Ariano Suassuna, 0 Teatro do Estudante ainda apre- sentou espetaculos em sanatérios, fabricas e presidios. 0 repertorio era fie! aos principios do grupo: Séfocles, Shakespeare, Ibsen e autores da regido. Para 0 grupo, nao fazer espetdculos no Teatro Santa Isabel era uma questo de prine’pias, porque 0 tea ‘ro era o reduto da burguesia do Recife e do Teatro de ‘Amadores de Pernambuco. Porém, a certa altura, nao ti- ham outra opgao e terminaram fazendo 0 Edipo rei no teatro, devido a uma tremenda divida acurtulada pelo gru- Po. As anresentacoes nao deram certo, Segundo Hermilo, a burguesia rejeitava 05 que lutavam contra a sua con- cepgao de teatro” Hermilo vai para Sao Paulo em 1957, 0 Teatro do Estudante Iiquida-se. "Cometernos o erro se ndio fazer su- ‘essores, Defeniiamos idéias tao avangadas na época, que ninguém queria se aproximar daqueles loucos”. Na capital paulista, foi critico de teatro da Ultima Hora e da revista Visto. Por causa disso, tinha acesso a ‘todos os bastidores de companhias nacionais © estrangei ras. 0 que, segundo Hermilo, Ihe dev uma perspectiva mui to boa do que seria a problematica de uma encenacdo. Por este motivo, dizia ser em $40 Paulo que realmente come- gara como encenador profissional. No mesmo ano estréia a sua primeira direcao pro- fissional, 0 Auto da Compadecida, de Ariane Suassuna,no teatro Maria Della Costa. 0 sucesso enorme do espetaculo Ihe rendeu o prémio da Associagao Paulista de Criticos de Teatro. Depois dirige para 0 teatra Sérgio Cardoso, O ca- suspeitoso, também do pernambucano. samento dramaturgo ‘Apés seis anos fora do Recife, Hermilo € convida- do por Aviano Suassuna, que havia ide ver o Auto da Com padecida em Sao Paulo, a dar aulas em um curso de tea. tro na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Pernambuco, Volta para a cidad= © passa a lecionar a Historia do Espetacule no curso de teatro, Funda, entao, 0 Teatro Popular do Nordeste com Aviano Suassuna, José Carlos Cavalcanti Borges, Gastao de Holanda, José de Moraes Pinho, quase todas represen- tantes do antigo Teatro do Estudante; além de, Aldomar Conrado e Leda Alves, do curso de teatro da Universidade de Pernambuco ¢ do compositor Capiba, ‘Na primeira fase, 0 Teatro Popular do Nordeste ti- ‘nha os fesmes propésitos do Teatro to Estudante, ence- Nar autorss eldssicos e nordestinas. O primeiro espetaculo foi A Pena e a Lei, de Suassuna, musicatlo por Capiba. Depois de cinco anos de estudos sobre os espetculos po pulares do Nordeste, o grupo inicia uma neva fase com 0 propésito de buscar um espetaculo ndo-itusionista, mufto menos baseado em Brecht do que nos mestres de Bumba e nastleguedelas de pastoris, nos capitaes de fandango e em outras manifestagdes populares. A proposta, segundo Hermilo, era montar espetaculos que se baseassem ainda 27 ‘em autores classicos e da regiao, mas com o espirito e a técnica dos espetaculas populares do Nordeste, Outra luta do Teatro do Nordeste era contra 0 ‘que Hermilo dizia ser “o grande mal do teatro brasileira” 9 semiprofissionalismo. “Quando se cstava ensaiando uma peca, nao se po- dia apresentar outra, JA que os elo ‘mentos estavam ocupados em suas ou- tras profissées. 0 Teatro Popular do Nordeste entdo estreava uma peca sempre com deficit enorme”, dizia. 0 ‘grupo tentou atrair de varias formas © operario, oestudanite, Mas tudo Isso, numa luta que um grupo sé nao po deria fazer. O arupo, coberto de divi- das, nao via outra solugao. Pagou as Giltimas dividas com o dinheire que rnham, e suspenderam as atividades. O tinico lucre que Hermilo ob- teve com teatro fot quando encenou a Dama das Camélias com Dercy Gon galves. “Ganhei tanto dink que en- joei”, dizia. “Mas, de repente, verifi- quel que a prostituicao era muita pe- sada, # pare" “Texto de Lauro Mesauita a partir da entrevista a Marcos Siqueira, Carlos Reis e Celso Marconi, para 0 Servica Nacional de Teatro, na década de 1970, publicada no Suplemento Cultural do Diarfo Oficial le Pernambuco, Julho de 1996. Fotos: arquivo Faria. a obra.teatral de hermilo Borba filho Estudos Teatrais: Espetaculos Populares do Nordeste. DESA, Sao Paulo, 1966 / Fisionomia e Espirito do Mamulengo, Col. Brasiliana, Editora Nacional, $40 Paulo, 1966 (reeditado pelo INACEN, colecao Ensaiso, 1997) / Apresentacao do Bumba Meu Bei, Imprensa Universitaria, UFPE, Recife, 1967 / Teatro: Arte do Povo- Retlexdes sobre a "mis-en-scéne”, Departamento de Documentagdo © Cultura da Prefeitura do Recife, 1947 / Historia do Espetaculo,edigdes 0 Cruzeiro, Rio de Janeiro, 1968 7 CartiIha do Teatro, Servigo Nacional do Teatro, MEC (co- autoria com B. de Paiva), 1969 / Teoria e Pratica do Teatro, biblioteca tris, 1960 (coordenador da antolosia) Dramaturgia: Electra ng circa, Joz0 sem Terra, A Barca de Ouro, Edigées Teatro do Estudante de Pernanbuco, Recife, 1965 7 Um paroguiano inevitavel, Imprensa Universitaria da UFFPE, Recife, 1965 / A Donzela Joana, editora Vozes, Col. Vores da Ribalta, Peirdpolis, 1966 / Sobrados © Mocambes, editora Civilizacao Brasileira, Rio de Janeiro, 1972 Hermilo Borba Filho escreveu aincia diversos romances e coletaneas de ontos e novelas teatro religioso, teatro profano* Por Hermilo Borba Filho Calderon de La Barca e 0 nosso pastoril sia parentes muito chegados. 0 jpastor'lliterario nasceu, descendeu do auto sacramental da sécilo de ouro espa- FPhol. Aconteceu com o nosso pastoril que velo da linha do auto sacramental felisioso- o que acontece com qualquer teatro religioso em cualauer ponto da his {tris do espetaculo: eaiu ne profano. Mas caiu no profano porque 6 piblico come (foul gestar: Tomemos como exemplo » espetdculo da Paixao de Crista, em Nova Jerusalem, 0 nublico comesou a gostar, 0 espetéculo conmegou a coneeder. O mes fre aconteecu no teatra littrgica medieval. Fol concedendo, corcedendo, até che [29" 20 prafano, Vejam a figura do velho, no pastoril. 0 velho era a figura que se Hinha predominantemente ao espirite pleaas, chorosa © mérbido da iareia [Todos 05 esnetdcules fitGrgicos eram mérbidos, de muita piedade, falando dos Jpeeados, , de repente, aparece 0 velha. Quer ¢ 0 velho? Nada mais ¢ que o diabe. [Guerdizen 0 diate das farsas medievals, chocarreiro, engracado, brineathao, trago fe tigagao entre o religioso e 0 profano, E terminou no que € hoje. Pastoril de porta "M1 porta, que ada mais tem com 0 pastoril antigo. Qutra forma de espetaculo, [Entao, dizern a5 puristas: 0 pastoril estd dearadacio, Degradade, nada, minha gen [e- © brinquedo ¢ do nove, 0 pove faz dele 0 que bem quiser O traco brasileiro esta todo dentro da peninsula ibérica, Calderén tnfluen: [lou tretendamente toda a mertalidade nordestina, através do romancelro ¢ até pa literatura de cordel. Ha multas moralidades na literatura de cordel que s4o Imoralidades do auto sacramental. Ura variante da moralldade itargica medieval [ie cal dentro do Nordeste, Me lembro de um espetaculo que vi quando adoles. ente, Rasa de Nossa Senhora, que girava ern toro de um milagre. 0 negécio ora [Péssimo literariamente, muito piegas, chato. Mas toda essa pieguice, essa chatice, lelo de um tipo de teatro religioso que se praticava na peninsula ibérica, A gente frerda tudo. Calderon ¢ mais ou menos isso. Quer dizer: uin cara plegas, mas genio. [A diferenca é essa, Por outro lado, eu nda crelo no popular puro, de geragto espon nea. Acho que pelo menos no problema do espetdcule popular ha sempre a ori Ise erudite. Quando digo erudito digo ao menos alfabetizade. Alguém escreveu lursa.colsa, compas uma cotsa que foi transmitica oraimente. © Bumba, se voré for -xaminar, tem coisas importantissimas em relagao com o teatra chinés, japonés, jore9e, commedia dell/arte . Os dots pathagos sdo dois briguelas da comédia det! rte. No Bumba tem o doutar Pinico Branco. Quer dizer, o douitor tipico da come ia dell arte, Come fel? Claro que fol a origem erudita, claro que teve influéncia, 'De onde vieram as influéncias? Nao vamas perder a cabeca com isto, lEalcao clo depoinento por Kil Abreu” 28 | ensaio | “uma imesinaczo graduiada em conscigncia’” (Machado de Assis, Memérias Pésturmas de Fras Cubas) Mas, no Brasil, 0 romantismo weia antes da razso, tornov-ve categoria duas historias _ eee _ do teatro brasileiro Pe eee ss ind Camargo Costa e . estado (.) Esta coméia malogradla inauaura peavavelmente a nova José Ternaido Peixoto de azevedo* histvia do teatro, asim como as evolugbes malagradas ou contradt : : “ (Ruggero Jacobbi) Ha muito € uma evicéncia, com Décio de Almeida Prado a critica teat Dono de uma prosa ldo elegante quanto aguda, (nica em nossa eritica teatral, sem nada conceder © no entanto sempre pronta a incentivar,o critica jamais furtou-se ao trabalho de organizagao do teatro brasilel- 0, para 9 qual, suas erfticas am jomais e seus livros constituem a mais cara contribuicao. Com o lan¢amen- |, no Brasil, da um salto inquestionavel to. de sua Histdria Concisa do Teatro Brasileira temos, contudo, a oportunidad de retomar alguns clome vagbes, repor alqumas questacs. — Alguns elementos, entre muitos, tirados a uma obra que abarca um percurso que vem de Anchieta até 1980. A fina andlise de pegas e encenacoes teve poucos continuadores. Tadavia, aproveitando a deixa, embora ualquer intuito comparativo ~ 0 que na caso ndo teria sentido —, trazemos a baila uma outra empreitada, Assim, situande a obra do critica paulista, poderemos avaliar, a partir de outros elementos, os caminhos ¢ descaminhos de una arte eternamente em crise. A outra empreitada, realizada a quatro mos por Edwaldo Cafezeiroe Carmem Gadelha, é a Histérla do Teatro Brasileiro:um percurso de Anchieta a Nelson Rodrigues, Logo veremos, em que pesem as diferencas de pontos de vista e tratamento estético, como, no Ambito da critica, uma certa continuidade, ainda que referidas as divergéncias, pode resultar em algumra comalementaridade, tos de sua obra, que permitars, A luz de suas obs De uin lado, um trabalho que ~ como nao paderia delxar de ser — a0 destacar da histéria de nosso teatro suas linhas, seus momentos determinantes, pretende dar conta de sua dimensao estética, avultando — reconhece 0 autor —"a parte social, 0 dialogo que o nossos dramaturgos e comediégrafos travaram com os acontecimentos historices do Brasil sobretudo no séctlo XIX”. De outro, um estudo que analisa “da porta de vista da dramaturgia, fatos politicos que a sociedade brasileira produziu”. Nao é dificil supor as aificul dades, mas em muito correspondem a clas as andlises e seus acertos, Para termos uma idéia do aleance desses trabalhos, ressaltaremos alguns aspectos que atraves sam, com suas abordagens distintas, os dois livros. Mas antes, é com o préprio Décio de Almeida Prado que iniciaremos, retornando a alguns de seus textos anteriores, {undamentais as duas Historias, o que talvez ajude na sua leitura, 29 formagao e concisae Recentemente um grupo do artistas langou em Sao Paulo um manifesto intitulado Arte contra a barbarie, Neste, se posicionavam contra a mercantilizacae da cultura eo sucateamento da arte teatral. Reconheciam que a condigao do atro “reflete uma situagao social e politica grave”, insisti- ‘amna idéia de que é fundamental a existéncla de um pracesso Continuada de trabalho © pesquisa artistica’”. Assumindo seu “campromisso ético” “com a fungao social da arte” diziam que entre as ilusdes vendidas pela atual politica de Yeventos’’a maior era a de “supor a existéncia de um mercado, Nao ha ecanismos regulares de citculacao de espetdculos na Brasil A produgao teatral € descantinua ¢ no maximo gera subemnprego". politica de exclusaa animariaum barateamento da arte em nome de uma adequagao aos novos tempos. E para esses artistas “cultura 6 0 elementa de uniao de um pavo que pode fornecer-lhe dignidade # o préprio sentido de nagao. & tao fundamental quanto a savide,o transporte e aeducacao. €, por tanto, prioridade do Estado.” A Julgar pelo que se 18, a situag2a do teatro, hoje, pare cc confirmar quase que um destino, Se lembrarmos as recla- mages. de um ja Gio" de um “teatro nacional”, @ Machaclo, e seu ermpenha na “constru- ainda, um pouco antes, as lar InGrias ¢ solicitagbes de um Jodo Caetano, veremos surgir,em ‘seus traces primitivos, as linhas descontinuas de um pracesso cuja complexidade or ser estudada. Quando péde, 0 teatro brasileiro mirou 0 que ao viae viv o que nao quis. Nos termes de Joao Caetano, diferontemente de outras ‘artes que tinham “mais ou menos atingida um certo grau de perfeigao, ...2a arte dramatica jaz ainda em completo esque- cimento abandono, e, concludentemente, sem progresso 0 te- atra nacional.” Para ele o problema era, antes de mats nacla, no que se refere ao tealra — ainda esta um problema de “formagtio". Era preciso niicos e dramaturgos que levassem a cabo 0 prajeto de um tea tro que pudesse “iaualar-se aos teatros estrangeiros”. As difi- /culdades nao eram poueas, insistia o ator-errpresario, rum pals mar atares, téc~ Jem que a quase todos faltava, entre outras coisas, 0 “conheci- ‘mento da lingua francesa, idioma em que estao escritas todas as excelentes obras cuja leitura tanto Ihes anroveitaria.” Nao ‘sem alguina frustragdo interessada, reconhecia Caetano Squao dificeis sto de vencer esses defeitos e prejulzos por uma em- |presa particular”, e em diregao a tao necessaria reforma, con- tinuava, Yenquanto 0 teatro nacional ¢ a sua escola nao tive- rem 0 carater oficial, nada padera fazer-se, nila procredindo nem atinginde nurca ao grau de perfeicao a que hao chegado 0s teatros eurapeus.” 1D modefo, cuja perfeicao te muito da imaginagao lo- cal, qualificava os interesses. Era pre que significava comecar do zero, Farmacaa, infarmagao, conti- nuidade de palco ¢ dramatursia, investimentos, tudo isso con- traposto a um batateamento da arte, transformada em puro comércio, A desorganizagao do trabalho correspondia a au séneia de concorréncia, Inclusive de “estrangelros”, ou, em ‘outras palavras, a monotonia da cena nacional, “donde pro- jvm que qualquer drama, por melhor que seja, cansa © nao iso urra reforma geral, 0 Pode ir a cena mais que trés ou quatra vezes"* Isso, porque o piiblico, sempre © mesmo, nao aumentava, ndo se renovava; situacdo que rediizia o trabalho do atores e encenadores a mera reposicao defeituosa de vicios. Por outro lado, @ necessi- ade de receita restringia o aleance da arte.* Gra, 0 sentida da empenho desses artistas e intelectu- ais do século XIX perdeu-se na histéria do teatro e do pais. /Algo daquele aspecta construtivo, simile da idealagia de cons- trugao da nagéo, parece hoje ingénuo, desafinando a nota em ‘tempos de desconstrugao, inclusive nacronal. Isso, aquele re- cente manifesto parece nao desmentir: Neste caso, 05 termos S20 ouitros. Sendo, vejamos. Destie sempre, aa que parece, a teatro esta em crise Em 1959, Déclo de Almeida Prado prefaciava sua Apresen- tagao do Teatro Brasileiro Modlemno ressaltando 0 fato de| que © “teatro br jleiro, come todo mundo sabe, atravessa| uma crise de crescimento”. Esta, razdo suficiente para in: centivar e registrar criticamente os esforcos de “renovagao’ Fala-se em renovacao, ¢ verdade, mas a nota incide sobre a cevid@neia de que esse “teatro ainda naa esta na fase de pen-| sar na posteridade, nao adquiriv ainda o direlte cle se enxer ‘gar como documento historico. Estamos no momento da cons ‘truco, vivernos ro presente e para a presente”. Entre os vae| ros problemas que se puaham a frente o “mais cruciante entre nés é 0 da criagao de uma consciéncia teatral, essal qualquer coisa vaga e indeterminada que antecede e preparal a acdo, compreendendo, por exemplo, desde 0 conhecimento| pprecisg de como se ilumina urn paico até a discussao a res-| peito da natureza estética do tendmeno teatral’”? Emoulral chave, vemos reposto 0 problema da farmacao. Diante do presente o maxima que se pode fazer tentar, de um lado, organizaro trabalho atual, de outro, refazer 0 percurso, com preender as lacunas que se abrem na listeria, sem o que todo projeto se fecha e st A sensagio de que se pisa em chao movedigo € vivida por qualquer um que se ponha a fazer e refletir sobre teatro| stra no Brasil. No sécula X1X, artistas e intelectuais brasileires,no| seu desejo cle ferem um “teatre nacional”, nao mediram esfor-| G05 para sunrimir tudo aguilo que nélo se enquadirasse no mo: delo a ser sequido, ou, por outra, suprimir tudo aquifo que nao| ‘garantlsse 0 acesso Imediato ao mundo eivilizade. 0 que a cena| teatral poderia fazer, sem com isso, a bem da verdadle, des- mentir © ps cando a sua porrmantncia s, pelo contrario, ratificando e em muito justif Assim,a distancia entre 1s que desejam um teatro”*renovado” © aqueles que freatientavam o teatra do dia-a-di de configurar um empecilha aos projetes. 0 fato é que, como’ 0 deixou Teeter eee ey Pe CR UAE ere ty weremas, 0 teatro “moderna” no Brasil herdara as conseqion- clas desse hiato. £ mats uma vez, agora diante do problema da formacao do teatro brasileiro, & 0 préprio Décio quem nos da achave, 1 Para a minha geragio,¢ isso ja fal escrito, a idéia de formacao é muito importants. Isso aparece na obra de Antonio Candido, que escreveu sobre a formagao da brasileira. As pessoas achavam que ele estava escrevendo uma jiteratura hist6ria da literatura brasileira, mas néio estava, era uma histo: ria da formagao dessa liter gue © teatro néio existe 36 com o escritor E preciso existir 0 eseritor, @ alor ou atores, o piblico e certa continuidade para aver a passage de uma geracao para outra. F isso 56 val cexistir no Brasil no século 19, dai a sua importancia. € quando surge a tragédia, depois a comédia com Martins Pena, © drama realista ¢, finalmente, o teatro musicado.” (entrevista concedt da ao OESP, 27/03/99) Como se vé, estamos em campo minacia. Ao caso da lite ura, Eu também tenho a idéia de ratura deveria haver o correspondente teatral. A resposta a.ques- tao parece ter sido dada pelo proprio Décfo, em 1964, agora no prefacio ac seu Teatro em Progresso, Nota 0 autor “que toda obra de arte, todo oPnero Miterario, jamais deixa de evaluir. A poesia e 0 romance brasileiro da fase propriamente modernista, or exemplo,alcangaram por vezes plenamente os seus objetives. Dentro das perspectivas estiéticas que eram as suas realizaram- se com perfeicao, Foram aquile que a sua épaca esperavae dese- java que fossem. Podemos atribuir hes maior ou menor valor, conforme as nossas preferéncias, pessoa Ihes negar 0 cardter de obras acabaclas, completas, prontas para entrar na historia, Ora, é essa plenitude, embora relativa, que buscarfamas em via no moderno teatro brasileiro. Para tados os efeitos, ele permanece ainda “a warle in progress!” is ou de escola, mas ndio Sabemos, nem sempre se progride para o melhor. Para ficarmos nes termos da autor, poderiamos dizer que ele escre- \veu a histéria desse processo, em alguma medida um progres: so,cuja dindmica nao configurou propriamente uma formacao. E verdad, quem inicia hoje no teatro encontrard escolas, mo- delos diversos de interpretagcio e dramaturaia, diferentemente de ha cingitenta anos atrés, quando a fundacao de um teatro Fomo oT BC, ou de uma escola como.a EAD,em 1948, configu- ravam uma reviravolta sem precedentes. Ou melhor, cujos pre-| | s80 a0 graw zero quase absoluto de 1940". — Grau zero, é eedentes confirmavam 5 riscos da empreitada, E claro que em 1948 0 TBC trazia ne bojo bem mais que urna renavagao teatral. Por outra lado, talvez nado seja arriscar dema's dizer quo a histaria do teatro brasileiro man témum elemento que se nao Ihe garante a continuidade, nan- tém-the a fisionomia. A cada ciclo, au renovagao, uma transi- so canceiada, Nao que a passada desapareca como em pas. se de magica, mas acorre como um saterramento de idéias, que, encobertas, quardam autro encaberto, uma outra transigao cancelada, Feita tabula rasa de uma experiencia anterior, reiniclar ¢ inevitavel. Quando nao, “vetoma-se“ algo do pasado, perdido entre lacunas incompreensiveis. A ansie: dade de artistas e criticos ¢ plenamente justificada. Décio de Almeida Prado a assinalou em varios momentos, € a sua cri 2 contexto, de mao du: pla. De um lado, o empenho na “construgaa” de um teatro, agora moderna, de outro, a necessidade de organizar as ba- $26, 0 trabalho técnico ¢ estétice, de mado a permitir o salto, ‘agora nao mais sobre o presento, mas a partiy dele. Esta, a praticas, tica, em larga medida, insere-se marca de uina traletéria de pensamento. Desde seu primeiro livro ais a recente Historia Concisa, ‘autros saltos acarrevam, emnbora paregam ratifiear (como in- dica 0 manifesto Arte contra a Sarbarie) o dizandstico que, visto & distancia, toma ates de progndstica certeiro. Cortes historicos, iacunas estéticas, ¢ quase sempre a tentativa de re. criar“em termos nacionais,..praticas alhetas”,0 sucesso, sern- pre relativo, paga 0 preco da precariedade, Ha duas décadas, aos olhos do critieo, chegavamos “as frustragtes do presente. A crise, é bom que se repita, nao se explica pela pendria de talentos individuals, por un stisito ¢ incompre da inspiracao, A experiencia Individual passa misteriosamente de geragao a geracdo, mes- mo quando os fils pensam desmentir 05 pals. Quatro decéni 05 ndo decarreram em vao e os que se Iniciam no teatro em 1980 fazem-no em gutro nivel de conhecimento, em compara vel esmarecim verdade, corresponde a certa perspectiva, culo ponta de fuga deve ser identificado, para que enfim se perceba o sau arco de abertura, ou suas conseaiiéncias. 0 teatro guarda, em sua trama, uma solidariedade Inrestrita com a vida nacional. 0 preco disso ndo esconde, j4 no titulo, a Historia Concisa do Teatro Brasileiro, de Décio de Almeida Prado. Sem exacero, aluo da concisio, analisada no livro, de um percurso nem sempre evidente, que é 0 do teatro por aqui, corresponde a outra concisto, a de uma experincia Cifrada em suas solugées de continuidade. Por outro lado, na Histéria do Teatro Brasiterro: um percurso de Anchicta a Nel: son Rodrigues, Edwaldo Cafezeiro e Carmem Gadelha apre- sentariam um percursa cujo ponto alto estaria na década de 30, com o surgimento do drainaturao carioca. Veremas, parém, que “Nelson Radrigues 140 encerra este livro”. Esse nao en: cerramento, que no entanto fecha o livro, acreditamos, nao é sem mais. Pela contrario, assinala algo a ser verificado, Décio de Almeida Prado interrompeuo seu liveo em 1907, Cafezeiro ¢ Gadelha vio até 1943, Essa diferenca nao 6 apenas de datas, ‘nem mero “conflita de geragdes”, mas de carater histérico, estético ¢ politico. Contudo, ocorre que talvez sejam antes com: plementares as perspectivas, revelande assim o urdimento in- certo desse teatro brasileiro, Velamos entao, mais de perto, 0 que nos dizem esses dois livros. 2 formacao das almas: um deménio familiar e beato 0 inicio é sempre Arichieta, que, verdade seja dita, sou- be bern aproveilar 0 que encontrara por aqui. O descompasso entre uma tradigaa que vinha dos autos medievais na Eurosa,e uma cultura nativa, ainda nao catalogada no imaginario do co- lonizadoy, dariam origem ao primeiro curto-circuito cultural de nossa historia (teatral © nao 6), cujas canseqiiéncias, se tomadas em seu tamanlio reai, ainda esto por ser devidaren- te decifradas. Mas, na medida em que se dedicou a um estudo minucioso da obra de Anchieta em seu livro de 1993, Teatro de Atichieta a Alencar, nesta Histéria Cancisa Décio de Almeida Prado se restringe a expor suas razbes para nao Ihe dedicar muita espago. Para ele, que explicitamente adota a definicao Classica de drama ¢, por extensio, de teatro, os autos de Anchista, sujeitds a toda sorte de dlavidas, a comecar pela au- toria, se prestam mais a reflexes de cunho antropoldsico, Tingifstico ou politico sobre a vasta empresa da coloriizacao, luma vez que nao podem ser cansiderados, nem eram pensados, como arte”. Como nao tinha em vistaa “arte teatral”, Anchieta antes compunha sermoes dramatizados. Seu total descompromisso com a unidade artistica, a0 qual correspondia ‘© compromisso cotn a unidade religiosa (metafisica), era de tal lordem que nem a uniclade da lingua, a mais elementan era res- peitada — nos autos utilizava-ce do tupi, do espanhol e do por: ttgués, as trés linguas faladas entao por estes lados da Améri a portuguesa, Jé.0s autores da Histéria do teatro brasileiro adotaram ‘uma coneepgao do fentémeno teatral que inclui as determina Gbe5 politicas, linguisticas e antropaldaicas (entre outras), de Todo que 20 tratar do caso Anchieta fazem questao de incluir entre, os materiais trabalhados pelo padve, em seus autos, até ‘mesmo o repertério de natureza teatral produzldo pelos indios, como dangas e representacoes de lendas. Quanto a9 pidgin (presenca de maisde uma lingua numa’ mesma obra), expressao teatral da heteroglossia comurn no final da idade média na Europa e praticada no Brasil até bem avangado 6 século XVIIT Ccom algumas regides entrou pelo XIX), s€ visto com outro tino de disposigao, pode servir como aracterizagao, nao s9 de personagens, ‘mas de interessantes sityacdes (inclusive politicas), com pode: oso potencial de comicidade. Sua viabilidade, entretanto, de pende da existéncia de uma comunidade heteroglota, como parece ter sido 0 caso das que assistiram aos autos de Arichicto, Os estudos sobre o teatro de Anchieta — este, assimidamente um aspecto da obra catequética dos jesultas ~ cm geral partem da convicgan de que seu destinatario sao s indios em carater priovitario,O estudo de Cafezciro e Gadelha parte de outra hipétese que merece ao menos considerarao, se do constitulr uma pequena evolugao critica, Partinda da corstatacaa de que no ha registra da ordenacao de nenhum Indio, e portanto de nenhum case limite de conversdo, eles pro curam ler alguns autos (ou as noticias a seu respeito) rrudan- do a érfase. Este a caso, por exempla, co tercelro ato da Pre- gacdo Universal, em que desfilam nada menos que doze peca dores brancos arrependidos. A nova hipétese 4 cue os tm recurso a mais d interiocutores de Anchicta seriam antes os préprios europeus da colonizagae que sabidamente (por relatos de Nobrega e da proprio Anchieta, entre outros) se deixavam atralr # enredar pelos costumes na- ‘vos, de preforéneia as bebedeiras a biase de caviim e 05 costi- mes sexuais, muito mais livres que os europeus. A finalidade leigos tsem falar nos padres), agente: primera dos autos seria, pots, disciplinar e resgatar esse reba- riho tresmmathado por meio de todas as ameacas, castiaos do inferno ¢ desqualificacao dos costumes, Quanto aos duvidosos resultados (em termas de con- versio} das autos, Cafezeiro @ Gadelha chegam mesmo a suge- ir que podem ter prodiizides efvitos canteaios, tendo em vise ta no s6 0 abismo entre as visdes de mundo de emissor € Prorat ac eld cule ECs receptores, mas eventuaimente © emprego por assim dizer do réprio repertorio dos receptores. Um exemplo, comentado | pelo editor dos autos de Anchieta, diz respelto a cara‘ (gdo de deménios con’ recursos cdmicos (préprios do teatro eriza-| medieval), nomes tupis e pintados ¢ vestidos de vermelho — come se quando se preparam para a guerra, Conta o editor que acena migrou para diversos autos, em vista do gosto especial que| por ela tinham os natives. Nao ¢ despropositado supor que, pelo menos neste caso, a intencao de produrir “terror e pie: dade” tenha fracassado, Embora os detalhes ainda constituam assunto de espe cialistas, todos sabem do estrondoso frarasso muito bem suce dido do trabalho dos fesultas: como agentes da colonizacao, 0 resultado pratico de seu trabalho foi a preparacao dos nativos para a escraviddio e o massacre (dos recalcitrantes). Sirva tam: bbéin a oportunidade para lombrar a severa avaliagao de Alfredo Bosi, que na Dfalética da Colonizagao considera o teatro de| Anchieta, na comparacdo com a livica, um exemplo da franca| abe, a cor do urucuim que os indios usayam (usam| tearesséo da conscléncia cul uropéia, justamente porque esta absorvida pela préxis da conquista e da civilizagao, Nestes tempos de celebra¢ao do aniversario da conquista, no é mA idéia retomar a reflexda desses autor que nela coube aa teatro, sobre a parte estado e “teatro nacional- No balango da teatro colonial, Décio de Almeida Praclo lembra que este oscilou entre 0 ouro, 0 gavernc ea igrejacats- lica sem jamais se equilibrar. JA 0 nossa projeto de “teatro nacional”, segunda Cafezeiro e Gadetha, vincu lou o scu destino| 20 eixo governamertal Por sua natureza pliblica (e incontornavelmente polti-| ea), n10350 “teatro nacional acabou corresponclend (e ern lar 9a medida expressando-as) 4s ambiolidades de nossa mais que problematica Independencia. 1ss0 sem prejuizo da imagem que a historia registrou — a de ter produzido, nas palawras de Décio de Almeida Prado em Teatro de Anchieta a Alencar, “uma certa continuidade de palco, escritores, atores e puiblico relativamente estaveis”. Isto é: apés a Independéncia, o nosso “teatro nacional” poderia muito bem ter correspondide a for- magao propriamente dita de urn mercado teatral. N3o foi o que se verificou A hiisteria do edificio hoje denominado Joao Caetano, no fulminante resumo de Decla de Almeida Prado, em suas nstrugoes e denaminagéées, cifra a histéria do de- sejo dos brasileiros de terem um teatro nacional, pals foi em diversas seu palco que pulsou o teatro brasileira com certa regularida de, Mas a heranca colonial tem seu peso: construide por or: dem de D.Jodo V1, sem ser propriamente da Corea, constituia privilégio a sua exploragao e manutengao, devidamente finan: ciada por foterias. Tal situagdo atravessau 0 século, Apés a indet ‘cantinuidacle ao investimento de D. Joao VI na Missdo Fran- esa, D. Pedra I importasse urna companiia completa de Lis- boa para acupar o teatro (que afinal deveria falar portugués, ora pois, pois) No proceso de consolidagao cultural dessa Indepen- déncia, também pareceu natural que Joao Caetano, formado pela Companhia portuauesa, se apresertasse com a primeira companhia brasileira a acupar o teatro (que agora se chama Constitucional). Este herdeira deu cumprimento inclusive & tarefa de cultivar 0 gosto francés, Em radical oposicao ao teatro (“da passado”) que se caltivava num incipiente mercada, 0 Estado independente endéncia, aos interessados parecou natural que, dando sob 0 signo do lieralisma a brasileira — a0 smo tempo in centivou a construgao de casas de espetéculo,financlou compa- hias € fiscalizou de perto, através da censuta, todas as suas atividades. Jana uma dramaturgia nacional, foi criado o Conservatorio Dramati ada de 40, e para atender ao clamor por co Nacional, que sé exercels uma das suas muitas funedes pre vistas; a ensura prévla’8em prejulzo das prerrogativas da pali- aformacao das amas; um deménio familiar (e beatoy O inicio € sempre Anchieta, que, verdade seja dita, sou- be bem aproveitar « que encontrara por aqui. 0 descompasso entre uma tradigdo que vinha tos autos medievais na Europa, © uma cultura nativa, ainda naa catalogada na imaginario do co- lonizador, dariam origer ao primeira curto-circuito cultural de nossa histéria (teatral e no $6), cujas conseqiiéncias, se tomadas em seu tamarho real, ainda esto por ser devidamen- te decifradas. Mas, na medida ei que se dedicou a um estudo ‘minucioso da obra de Anchieta em seu livro de 1993, Teatro de Anchieta a Alencar, nesta Historia Concisa Décio de Almeida Prago se restringe a expor suas razdes para nao the dedicar muita espaco, Para ele, que explicitamente adota a defini¢so classica de drama ¢, por extensto, de teatro, 05 autos de Anchieta, sujeitos a toda sorte de dvidas, a comecar pela au- toria, se prestam mais a refloxdes de cunho antrapolésico, {inglifstico ou politico sobre a vasta empresa da colonizacao, luma vez qué nao podem ser cansiderados, nem evam pensados, Gomo“arte”. Como nao tintiaem vista a arte teatval", Anchiela antes compunha sermées dramatizados. Seu total descompromissa com a unidade artistica, a0 qual correspondia ‘© campromisso com a unidade religiusa (metafisica), era de tal order gue nem a unidade da lingua, a mais elementar, era res. peitada — nos autos utilizava-se do tupi, do espanhal e do por- gues, as tr€s linguas faladas entao por estes lados da Améri ca portuguesa JA05 autores da Histéria do teatva brasileiro adotaram luma concepcao do fenémeno teatral que inelui as determina- es politicas, ingilsticas © antropolésicas (entre outras), de modo que 20 tratar do caso Anchiota fazem questao de ineluir entr2, 05 materiais trabalhados pelo padre, em seus autos, até ‘mesmo o repertério de natureza teatral produzido pelos incios, como dangas e representacées de lendas, Quanto ao pidgin (presenga de mais de uma lingua numa mosma obra, express final da idade média na Europa ¢ praticada no Brasil até bem avancado 0 século XVIII (com algumas regides entrou pelo XIX), se visto com cutro tipo de disposigao, pode servir como lim recurso a mais de caracterizagao, nfo 56 de porsonagens, mas de interessantes situacdes (inclusive politica), com pode oso potencial de comicidade. Sua viabilidade, entretanto, de- ence da existéncia de uma comunidade heteroglota, como parece ter sida 0 ¢as0 cas que assistivam aos autos de Anchieta, Os estudos sobre o teatro de Anchieta — este, assumidamente um aspecto da obra catequética dos jesuitas — em geral partem da conviceao de gue seu destinatario sa0 ‘os indios ein carater prioritario. 0 estudo de Catezeiro e Gadelha parte de outra hipdtese que merece ac menos consideracao, se do constituir uma pequena revolucao critica, Partinda da constatagao de que ndo ha registro da ordenacao de nenhum Indio, e portanto de nentium caso limite de conversa, eles pro- curam ler alguns autos (ou as noticias a seu respeito) mudan: do a enfase. Este 0 caso, por exemplo, do tercelro ata da Pre- Sago Universal, em que destilam nada menos que doze peca- dores brancos arrependidos, A nova hipdtese 6 que os interlocutores de Anchieta seriam antes as préprivs europeus leigos (sem falar 10s padres), agentes da coionizagas que Sabidamente (por relatos de Nobrega e da proprio Anchieta, entre outros) se deikavam atrair e enredar pelos costurnes na tivos, de preferéncia as bebedairas & base de cauim e os cost: ‘mes sexuais, muito mais livres que os europeus. A finalidade primeira dos autos seria, pos, disciplinar e resgatar esse reba ‘iho tresmalhadlo por meio de todas as ameagas, castigos do inferao # desqualificasaa dos costumes, Quanto aos duvidosos resultados (em termos de con- versio) das autos, Cafezeiro e Gadelha chegam mesmo a suge Hr que podem ter produzidos efeitos cantrarios, tendo em vis~ ta .nao 36 0 abismo entre as visées dle mundo de emissor teatral da heterodlossia comum no la, Diga-se de passagem que muitos dos dramaturgos que fa- zem parte do nosso panteao acumularam a fungao de censores. ‘As nossas duas Historias néio se detém mutto sobre a assunto mas, em vista dessa maldura na qual evoluiu o teatro brasileiro do século XIX, € de se supar que muita pega nao ha de ter sido encenada por motives de forga muita maior que 6 interesse ou desinteresse de empresdrios bem sucedidos como Jodo Caetano. Quanto a este, nao deixa de ser ilustrative @ mado como se esquivau de encentar Leanor de Mendanga, de| Gongalves Dias, apesar de sua aprovacao pelo Conservatorio Nacional. & Décio quem reconstitui o episédio, passando a palavra ao ironico poeta, do teatro musical industria cultural Machadlo de Assis recistrou sem meias palavras o trau- ‘ma cultural provocade entre nossos homens de letras pela in ortacao da onereta, Em poucas palavras: depois de dez anos’ de atividade regular © tendo 0 Ginasio Dramético por pélo, quando a dramaturgia brasileira parecia eunir 5 candliges cde dar aquele salto de qualidade lterdria que todos esperavam, «@ Rio de Janeiro fo! imzadido por um furacao musical que esva- ziou © Gindsio ¢ demais salas decicadas a0 teatro realista. Mo- ropolizand’as atensdes da piblico, a Alcazar Lyrique intradu- Ziv um género que, na avaliagéo dos literatos, rebaixava aos mais infimos patamares as ambigbes estéticas do nosso teatro. Em todo caso, 6 preciso nao cultivar ilusdes a respeito dos nossos realistas, Coma lembra Décio de Almeida Prado, Jana Franga essa dramaturgia corresponde a palavra de or- dem urguesa do “retorno ao rebanho e aa senso comum’, pds os,massacres de 1848, quando essa burquesia precisou esiruir a ferr0 ¢ a fogo os interessados em liberdade, igual de e demais sonhos que animavar os politizadissimos drama- ‘turgos romanticos, como Vietor Hugo. A verséo brasileira dessa dramaturaia de ambigdes Ja rebatxadas ria matriz teve em José de Alencar o seu mais celebrado representante. Nem por isso 0 nosso critico deixa de acampanhar © diagnéstico de Machado de Assis: “a Irrupcao da opereta francesa, acormpantiada por suas sequelas cénicas, trouxe consigo a morte da literatura tea tral eonsidevada séria" Fechado pelo teatro musical o camtinho do “teatro sé- vio", restou @ dramaturgia brasileira conformar-se com a co- média. Messe género os niossos maiores teriam sido Martins Pena, Macedo e Franca Jiinior, que entretanto jamais alcanga- ram os niveis de um... Shakespeare ou ce um... Moliére, Nem Artur Azevedo, que também fregiientou o aénero, aleangou aque- Tes padroes. De qualquer maneiea, Décio de Almeida Prado avalia que, se o Brasil chegou a ter alguma tradi¢ao teatral, fol na coméuila de costumes que ela existlu, porém sem continuidade historica perfeita. Pelo contrario, a impressao é antes de per- \contram nal manéneia nao superada de achados que ja se ‘obra de Martins Pena. Essa espécie de dupla anomalia da lite ratura teatral — inexisténcia de dramaturgia séria e comediégrafos atolados num repertorio que rao da mostras de se superar, com tipos basicos caricaturais como caipira na corte © 0 estrangeiro golpista —, combinada a pratica de espetaculos aparentados com a opereta, como a revista e as magicas, compde 0 quadro geral de fins do século XIX com que se oncerra a Histéria Concisa. u “0 livro Teatro Brasileiro Modenio cabre o periado de 1930 a 1980. Portanto, ao fazer essa escolha, eu delxel um va- cuo entre 1908 & 1930. Meu plano era escrever a historia do teatro desde 0 Iniclo até 1980, mas ndo completet esse proje~ coEsP, 27/0/09) to. Esse, 0 ponto de partida do ditime bloco da Histéria da Teatro, de Cafezeiro e Gadelha, que procura relacionar o reper- t6rio da revista, Za comédia musical e da comédia de costumes a3 desdabramentos obseyvavels nas obras da chamadaq2ra- ‘Gao Trlanan” Pela primeira vez uma historia do teatra brasi-| leiro abre espago para as (ainda) poucas noticias sobre o tea- {ro anarquista entre nds, que também intraduziu temas explo-| radas par dramaturaos como Oduvaldo Viana, Como Cafezeira © Gadelha tm por horizonte a dramaturgia de Welson Rodrigues (que numa transposi¢ao mecanica do esquema de| Antonio Candido seria 9 andlogo teatral de Machado de As- sis), fazem umm esforgo relevante @ de valor inestimavel na| bbusca dos fios que ligam a sua obra as experiéncias da aera ‘do anterior Assim, eles demnanstram que aiscussées tematicas| € formais da obra de Freud vinham sonda feltas por drama-| turgas simbolistas © decadentistas como Roberto Gomes e Renato Viana; experiéncias de quebra de linearidade do enre-| do sao observadas em pecas de Oduvaldo Viana e Joracy Camargo ¢, enfim, cenas da vida cotidiana e do trabalho nas ‘modalidades acima referidas, A getagao quie se reivindicou moderna, por razes que| 0 livronao procura explorar, desenvolveu um prodigiosos esfor-| 50, em alguma medida hoje incompreensivel, para cortar seus| vinculos com a anterior. 0 resultado foi a produgdo de uma espécie de vacuo entre a obra de Nelson Racirigues e a de seus predecessores, entre cujos efeitos, perceptivets alé hoje, encon-) ‘tra-se a dificuldade de perceber a que génera pertencem deter rminadas obras. Uma das contribuigaes mais fértels desta Histéria do teatro brasileiro ultrapassa sou abjetiva especitica. Ao dese-| havo mapa da mina para o estuda da “geragdo Trianon’”e da| chanchada — rejeitadas er bloco pelos modernos da década| de 40 —, seus autores lancam algumas luzes sobre @ fendme-| ‘no muita brasileiro do desencontro enitre intelectuais e a in-| iistria cultural Como se sabe, & excecao de Paulo Emilio que se dedi- ou a examinar 0 bovarismo dos nossos cinéfilos cultos, de cos~ as para os momentos em que o cinema braslielro encontrau o| seu pliblico (ambos profundamente subdesenvolvidos), nenhum intelectual brasileiro se interessou pelo exame da cultura radiofénica e, depois, da televisiva em termos sequer andlogos ‘aos dele. Aliés, salvo pela existéncia de estudos basicamente monograficas, nem se pode dizer que tenhamos propriamente uma eritica da inddstria cultural entre nés. Depois deste livra podemas dizer que tudo eamegou com «a recusa pura @ simples da opereta como fenémen de merca- do cultural refevante — sobretudo a partir da fase da naciona: lizagao parédica do original francés. 0 segundo capitulo este, propriamente uma transi¢ao deliberadamente suprimida — foi a desqualificacaa sumaria de toda a cultura teatral an- terior a Vestido de Noiva, Aos veteranos dessas expey suprimidas restaram, entre outros menos votados, as caminhos que 0s levariam ao radio, ao cinema e depois A televise — tanto no plano da dramaturgia séria quanta na imensa varie dade de programas cémicos. Quando Paulo Emilio chamou a atencdio para as chan: chadas © os musicais da Atlantida (que nos anos 60 também ja eram coisa do pasado), afirmava que nesses filmes o ptiplico encentrava modelos de espetaculo quo, para além de seu pa: rentesco em todo o acidente, emanavam diretamente de um fundo brasileiro e tenaz em sua permanencia, Sem prejulzo da marea da sutdesenvolvimento, que caberia especificar, 0 acor- do entre essas obras e seu piiblico era um fato cultural incom- parayeimente mats Vivo que 0 contato com a pradute cultural nort-americano. Pois muito bem: como ninguém se deteve para exami- nar no calor da hora Q Orfeu na roga do nosso Vasques, camo hhinguém quis saber © que tinha a ver “o primo pobre” como hhosso teatro de variedacles, nem quais eram os referenciais sociais de Mesquitinha ou Oscarito, ou quais eram as fontes de inspiragao das “queridinhas” de Manuel da Nobrega, hoje nin ‘guém mais dispde de argumentos para enfrentar com provetto 0 Orfeu mais recente. Gomo nao fomos capazes de produzir a memoria da nossa experiencia teatral, hoje tendemos a conti- nuar repondo 0 velho e’bom bovarismo dos nossas intelectuais. Em todo caso, 0 livro de Cafezeiro © Gadelha sugere um re- ‘édio para se salvar alguma ecisa antes pistas que conclusdes: Appartir do século XTX o teatro brasileiro passaria a apresentar certa continuidade, quo ‘he conferiria alguma fel- ao de progresso. Identificar o que significa tal progresso exi- ge responder acerca das conseq| Sncias estéticas e polfticas desse Leatra (0 que aos oltos do século XIX era uma expecta’ tiva em relagdo 2 posteridade), ‘Alquém, desavisado dos interesses cle nossos autores romanticos © ainda os realistas, perguntaria par gue mesmo ‘um eseritor como Machado de Assis, na mesma época em cue trabalhava em suas Memérias Péstumas de Bras Cubas,escre- via tambem uma pega como Tu, 56 tu, pura amor: Ainda que 0 ulor Livesse fid mufto reduzida seu empenhado interesse pela cena, poderiamos responce dizendla que dificuldade, nao ape- has no caso de Machado, nem sempre diz respeito aos talentas, mas antes, aos madelos de pensamento e criagao artisticos: Situagao que abarca ndo sé dramatuegos, mas a palco e a pi- blico, neste caso, pouco solidarias. Podemos mesmo dizer que— agora aos olhos dos pésteros em relacaa ao passado e © pre- senle ~ esse permanece um dos nossos malores dramas, Que se pergunte a um draraturgo iniciante: como tratar cenicamente um assunto coma a escravidao? 0 que 0 romance respondia o teatro nao campreendia. Ou, por outra, descartava as suas melhores solugSes, Basta lembrarmos 03 problemas que levanta um drama como Mae de José de Alencar e as solugies, tac engragadas quanto desabusadas, encontradas por Martins Pena ~ solugées essas que, no ro- mance, Machado podera ‘evar as tltimas consequéncias, sem qualquer ingenuidade.* Tudo se passa como se buscassemos uma continu dade esvanecida pela atmosfera de um pafs cujo tamanho cultural responde, em laraa medida, & extenstio de interesses bastante determinados. Por outro lado, tentativas varias de rom per corm tals Interesses, também no teatro, buscaram multas ve7es reatar-com elementos e expressdes quase sempre soterra- dos pela forea dos que precisa garantir a sua propria conti nuidade, Enfim, & continuidade de interesses corresponde o aborto de experiéncias sociais (artisticas e politicas) que, se continuadas, poderiam colocar-em risca, ro minimo, 0 imaging rio dominante. Assim, se no inicio do século temas, com Artur Azeve- do, limite da experiencia do teatro musicado ¢, mals de 30 anos depois, Nelson Rodrigues entranda em cena com alga que s€ apresentava a um s6 tempo camo sem precedientes e super ge do que havia, cabe-nos perauntar pelo sentido desses mo- mentos: expressdes de ruptura e continuldade, nem sempre re cconhecidas, ora reduzidas, ora entusiasticamente consideradas, ‘No fund, dizem um pouco sobre o que o teatro poderia ser, ¢ 0 {que ele vein sendo. Mamentos-chave de um processo cuja cifra nos faz relativizar o que até entao se disse sobre esses autores, © aquilo que comeles foi ou veto, mesmo ficou. Mas para isso, lessas Historias apenas acenam. 0 que ja € um passo além, algo ser continuado, * In ©. Costa & potesora ro Depto. de Teoria Lieriia da FFL CHVUSP © autora entre cuts, de Sita 0 Drama itara ores; José Femando P. de ‘Azecea 6 etudarts e ilesova na FELON/USP e datungo e dietr do ‘cupo Teatro de Naradores. Trethos de Manifest foram publcados no Joreal Fela de Sia Paul de 26 (04199. Assinar textoente autos, o grape TAPA,Cia.d Latan Foi D'Arie, Pia Frau alm de artistas como Glan Rattoe Arar Laba Memorial excite por Jose Gartana © rmingo 9 Mi us de Olid Ap vido CAFEZEIROe Carrer GADELMA, Mistriad nto bras um pecurso de Srctieta.a Nelson Rodin, 1996, Funarte pp, 126-123, * sco de Almeida PRADO, Apresentarao do teatro made brasileira Lina- ria Martins Edtora, 1955, e9.1-2 “Décia de Alea PRADO, Teatra om eragrssa Liwatia Martine Eto, 2964, 0.7. 5 Déce de Almeida PRADO, O testa brasiico moderna Fara Pept, 1980, p.138. * Que se confi, de Viva Artes, No Espeho do Paleo”, in Os Pobres na Literatura Brasileira Braslense,2963, orgarizado por R. Schwarz autor de LU amstre rg Perifora do Canalis, Urata Ouas Cidades, em ave anal sa, ete tans mas als dss A porta aberta Peter Book, Traducao de Ant6énio Mercado. Civilizagao Brasileira, 102 pags. R$18,00. G livro retine trés ensaios do encenador inglés, transcritos de oficinas ministradas na Franca e no Japao, 10 inicio da década. Com sua cosiumeira abjetividade ¢ claraza excepeianal, Braok explora, no exemplo alheio ou em sua prépria pratica, temas fundamentais nem sempre facels de visitar: forma e sentido no teatro, as relagGes entre atores, pablico ¢ espago e 0 processo de criagéo livre, em bases no ortodoxas Flavio Império Org, de Renina Katz e Amélia Hamburguer, Edusp, Colecdo Artistas Brasileiros, 278 pags. R$65,00. A trajeldria de Flavio Império— nome fundamental para quem queira compreender o teatro brasileiro a partir da década de 60 ~ & retomada em ensaios, depoimentos e notas agrupadas segundo as tres frentes de criacao do artista: cenografia, arquitetura e artes plasticas. No livro, a despeita do qualificative mais comum usada pra definir 0 cendgrafo (a elegancia), o depoimento do artista chama atencao para o que ele batizou como.o “kitsch” brasileiro, que nasceu dentro do teatro experimental e em grupos histéricas, como 0 Arena e o Oficina. Manual minima do ator Dario Fo, Org.de Franca Rame, Tradugaa de Carlos Szlack ¢ Lucas Bal doving, Editorado Senac, 384 pags. R$39,00. Dario Fo alia, nas informagoes de seu Manual, aspectos que vao da historia (do teatro popular e commedia dell’ arte}, as téonicas de atuagao. Amparado nos exempios de uma dramaturcia de tematica abertamente politica, 0 autor de Mistério Bufo usa o mesmo modo de argumentagao presente na maior parte de sia pecas — irénico, bem humorado e sempre contundente ~ para ir descrevendo uma maneira de criar a cena em que o improviso é fundamento da comunicagao teatral ¢ a representacdo é sempre motivo para um dialogo direto com o contexto cultural do pitlico. Um ator errante Yoshi Oida, traducao de Marcelo Gomes, Editora Beca, 220 pags. R28,00. Narragao permeada pela reflexao sobre a interpretagdo e o teatro om que o ator japonés Yoshi Oida relata as suas andangas e experiénicias a partir da sua integragdo a0 Centro Internacional de Cria¢ao Teatral de Peter Brook em 1968. 0 prefacio é de Francisco Medeiros e a Introdugaa de Peter Brook 0 ator criador (um caminho) Reinaldo Maia, editora Folias O’arte, 205 pags. R$ 10,00 Resultado do trabalho do autor e diretor Reinaldo Mala, este ensaio, segundo ele proprio, "nao se trata de um manual para se tornar uin ator criador“’e sim de uma obra que “rastrela, persegue as pegadas que os atares sriadores/fazedares de teatro deixaramn pelo mundo’ para entender “em que curva da histéria esqueceu-se a nossa totalidade como seres criadores’. 20 Companhia do lato duas oficinas com diretores alemaes setembra de 9B, odiretor alemao Peter Palitzsch velo ao Brasil a convite Goethe para para dar uma oficina aos integrantes de dois grupos paulistanos: Razdes Inver- do Institute teatrais sas € Companhia do La ‘¥io. 0 evento era parte da programacao comemorativa do Instituto para os cem anos de nascimento de Bertolt Brecht, Palitzsch foi um dos mais proximos colaboradores de Brecht no Berliner Essemble, de 1949 a 1961, quando informou sua deci 0 de sair da Republica Democratica em virtude da construga do muro de Berlim, Apds estadas pro- longadas na S écia, Noruega, Dinamarcae Paises Baixos,¢ de infimeras encenacdes como diretor convidado em diver- sos teatros na Alemanha, Palitasch aceitou a comvite para a Zo artistica do Staatstheater Stuttgart. Em 1972, Palitzsch iniciou no teatro Schauspiel Frankfurt uma prati- trabalho com PETER PALITZSCH a de trabalho que coletivizava as decisées artisticas. £m 1991, pouco tempo depois reunificagao alema, Palitzsch foi da convidado a retornar ao Berliner Essemble para fazer parte do novo divetério ao lado de Matthias Langhoff ¢ Heiner Milles, entre outros. Em 1993, tornou-se consultor artistica do grupo, ao lado de suas atividades como diretor independente, Na oficina realizada em S, Paulo, ands ter assistido ccenas do espetdculo Ensafo sobre o Lato, ele propos traba- Ihar com o texta de Brecht A cena de rua como modelo para um teatro épico ¢ com algumas cenas de Hamlet. No Ultimo dia do encontro, projetou e comentou cenas do filme u tomado parte no Berliner Ensemble, Os fragmentos que se Coragem feito a partir do espetéculo do qual havia sequem foram selecionades dos cadernos de notas dos inte- grantes da Companhia do Latao. apontamentos + No Berliner Ensemble, a teoria de Brecht era um ins- trumento para se montar Brecht. Na sala de ensaios, nao se discutia teoria, = Faziamos um teatro para as “criangas da era cientifica’”. Pro curdvamos a me- thor forma de en- tretenimento para elas. 0 objetivo A cra intervir na re alidade,de acorsio com a expectati va de-que 0 ope- impor. E de que 0 se impor, sursi- ria uma nova re- lagao com a arte. Quando 0 pé- blico assistia as encenarbes do Berliner Ens rage abe wetagen & dre Exeele mble, tinal a sensagao de que faltava alguma coisa. Saia com um sentimento de perda. Era a identificacao que faltava, « Aquestao da emocao nao é suprimi-la. Mas sim : con- tra © qué e para qué se canaliza essa emacao. 0s atores Gc teatro épico também precisavam manifestar tempera 40 mento, paixao e contradi¢ao dentro de si para que a en: cenagao nao fosse seca, =O procedimento épico, anti-naturalista, consiste em 0 efeito de distanciamento ¢ fundamentalmente masirar um evento apontar a realidade ao espectador. como um “momento histérico”. Come, por exemplo, no momento em que» Capitao diz "vamos fazer nterrro", Mae Coragem respande, "nao, vamos cuidar de minha ‘itha estuprada’’ = Adiferenca entre a forma épica e a forma dramatica iterpretagdi é quase impossivel de Brecht pensava nas historias das pegas como se fos- sem fabulas, historias de animais para se compreender a historia humana. Mae Coragem seria isso. Mas € neces- sdrio narrar uma fabula de modo dialético. A quantida- de, em determinado ponto, passa a ser qualidade. Existe em cada cena da pega um ponto de mudanea radical, um Ponto de rotagao, de reversao do curso da fabula. Algo que comeca a mudar de diregao. Mas de que maneira a encenagao vai tornar visivel essa virada 7 F preciso ele- ger mo texto esse panto e torné-lo plastico. + Em Mae Coragem, 0 estado da ordem € 0 estado da guerra. As personagens am da guerra coma se fosse algo normal. Na primeira cena, o ponto de rotacao se da quar o tema da perda ¢ apresentado. Segundo as per- Sonagens, a guerra se da entre o ganho e a perda. & precisco compreender as imagens em que isso aparece. 0 inicio era assim. 0 final é assim. = Quando dirigia, Brecht dividia a pega em cenas. E divi- dia a cena em partes. Tinha um plano prévio de marca- 40, uma planificagao de imagens, mas nao os sequia ri gorosamente. Ele trabalhava uma imagem de cada vez até que ela adquirisse estabilidade, Nao trabalhava a cena propriamente, mas uma imagem. + Em Mae Coragem Brecht anotou o nimero 7 como padrdo. Dizia que precisava de sete linhas de texto para marcar na meméria do publico as informagées sobre cada personagem. Al die bat ee + Omais importante é modificar a vida, todo resto desnecessario, Entender a realidade é atuar sobre ela. ‘= Confianga é bom, cantrole é melhor. Nao arregalem os olhos de forma tao romantica Devern a tentar entendé-Ia e modifica-la pessoas sejam boas. = Aprender a ter prazer em nAo ter tido razao. eee a colocar em cena a desorciem de mundo, de n Nao se deve ser uma boa pessoa, mas fazer com que trabalho com ALEXANDER STILLMARK 0 diretor teatral Alexander Stillmark, nascido em Berlitn oriental, esteve no Brasil em fevereira de 99 para um trabalho fechado com a Companhia do Lata, iniciativa da diregao do Instituto Goethe de S. Paulo. A proposta de trabalho era a leitu- rado libreto Johann Faustus, de Hanns Eisler, escrito em 1952, © dramaturgo e compositer ale- mao, colaborador de Bertolt Brecht, ti nha a intengdo de escrever uma épera na- clonal para a Repiblica Democratica. No en- tanto, 0 sarcasmo com que tratou as figuras de Fausto € Lutero, dois dos maiores emblemas da identidade alema, causou uma brutal reagao do membros do Partido, 0 Estado secialista ainda em construcao nao dispunha de autocritica su- ficiente para tolerar as qualidades do texto, De- cencionado frente a essa incompreensao, Eisler desistiu de compor a partitura musical. Utilizanda a tradugao de Irene Aron, feita especialmente para a Companhia do La- to a pedido do Instituto Goethe, Stillmark transmitiu principios de sua experiéncia como umn diretor que, além de ter pasado pelo Berliner Ensemble entre 64 © 70, encenou Brecht © Heiner Miller em varios lugares do mundo. s tr€s primeiros dias de trabalho foram de- dicados a uma aproximagdo ao universo da pega. Stillmark insistiuna importancia de investigar os porites de conexao com a realidade do Brasil hoje, como forma de potencializar um campo tematico que trata da escolha do intelectual diante da ade- \, so a um projeto revoluciondrio, Nos demais dias foram feitos exercicios de improvisagao. Os se- SSR guintes fragientos foram selecionados dos ca’ dernos de notas dos integrantes da Companhia do Latao, apontamentos + Stillmark fala sobre o contexto historiea da peca. Refere-se ao libreto coma “o cadaver \ legendario”. + Em 1968 Helene Weigel tentou realizar leitu- ras cénicas do libreto, mas nao péde levar o proje- to adiante. A invasdo soviética da Tcheco- Eslovaquia perturbava 0 equilibrio politico na Alemanha Oriental. As leituras foram proibidas. ‘+ 0 projeto de reconstrugao nacional alema ea afirma- ao do Estado Sacialista nao admitiam oposicao. As ert ticas mais contundentes ao libreto de Eisler partiam de intelectuais de esquerda, Emest Fischer publica artigo em que discute a idéia de um “Fausto renegado” ‘© Bertolt Brecht sai em defesa de Eisler ¢ oropde en- contras na Academia de Artes para discutir a visaio ne- gativa de Fat toe a posigdo de Lutero na historia ofici- al. Quals as raizes da reagao? = Possiveis fontes de Hanns Eisler: livras populares e 9 teatro de marionetes, = A bhistéria da literatura pode ser lida como a histéria do pacto e da traigao. Tema da rebeliao dos camponeses (1525) . liderada por Thomas Miinzer em paralelo com a revoluctio espiri- tual de Lutero. Uma discusséo que se poe ai é a da fé Crista como impulsa para a mudanga social. = Uma sugestao de Alexander Stillmark: a leitura de A guerra dos camponieses de Engols ea comparagao da pega com asituagao na América Latina, onde Idéias cristas se canjugam corn movimentos populares. ‘* A Alemanha depois da guerra: as coisas padem reco- megar conio se nada tivesse acontecido? 0 problema da reconstrugao do pals: as pessoas comuns vao seauir sua vida, enquanto os intelectuais vao refletir sobre a histo- ria."O novo aparece em velhos sapatos”. © Suaestao de estudo: 0 conceito de miséria ale Leituras: 2 peca 0 pobre Konrad, de Piscatar ea Ideo- logia alema, de Marx. «Uma observacdo formal: o texto trabalha com estrutu- ras vocabulério arcaicos e populares. Eisler usa 0 acento dos habitantes do sul da Alemanha e se inspira na lingua- 43 ‘gem de Lutero, 0 idiama é visto como partitura musical. © Sobrea situagao na Alemanha apés a reunificacao: 0 essimista diz que nao pode ficar pior. 0 otimista diz que pode. Camentava-se: "Como foi o enterra 2” Lindo. Mul- 05 choraram.” ‘+ Sobre 0 ocaso do socialismo na Alemanha Oriental: “Estamos de acordo que o socialismo esta se pondo, Mas que horizonte mais vermelho!” Historias sobre Brecht e Thomas Mann. Hanns Eisler tentou varias vezes reunir seus dois amigos sem sucesso. Brecht * Mann odiavam-se mutuamente, embora reco- nhecessein a grandeza do talento de cada um. Thomas Mann, ao ler uma pega de Brecht teria dito: “Esse asque- oso tem talento”. Brecht escreveu um poema eo atri- buiu a seu desafeto. 0 poema narra unia histéria que se passa em uma sauna e termina com 0 sequinte verso: Me- thor foder primeira e depois suar”. = “0 soce também é uma forma do contato”. + Para estudar 0 primeira encontro entre Joao Salsicha © Grete, Alexander propde que a cena seja improvisada ‘como um ntimero de palhacos. Um ator, como ponte, so: praa fala da personagem. Os atores que imorovisam ou- vem e reinterpretam a fala a sua maneira, # 0 jogo do escultor: dois atores leem o dialogo de uma ena, preocupados apenas com o sentido de cada fala. Enguanto estao lendo, um ator-escultor movimenta o cor- po de dois atores que representam as personagens da cena. ‘= Sobre o Fausto de Eisler, Stillmark diz: “A sombra de uma revolta. A revolugao avanga e ele vacila. Decide co- mer e voltar. Ao final se vende a um senhor. Reconhecida e vivida a verdade, ele nao a sublima ma’s. 0.contetido do libreto pode ser resumido assim: um ser humano entra ria sombra da inwnsa revolucao dos camponeses.”” Langamentes: Tnvengao da Pornografia: Obsscenitiade ¢ as origens da modernidacle. 1500-1800, nto intimarnerte re momentos decisivas da moder ultura no ocidente tas modemos assoc faziam parte de um grupo herético de reputacao duvidosa— livre-pensadates eli constitua 9 lado obscuto do Renascimento, da Tuminismo @ da Revolugaa F pornoaratia moderna europea entes e bona furedar tados, al da magistral fntroduedo de Lynn Hunt, aferece ago sexual.” ~ Natalie Ze ersity Cultura Popular: Uma introducsio ‘A partir da andlise de persadores como Adamo, Althusser, Barthes, Gramsci, Raymond Williams ¢ Walter Benjarnin, o autor discute as dlversas formas da cultura popula, do jazz & miisica folk, do cinema tle Hel ywood a televise, do romance policial as revistas femininas, considerando o desenvolvimento da indictria cultural ea distingao entre cultura evudita e cultura popular. Trata-se de uma introducdo ‘a0 debate ledrico cobre a natureza da cultura popular de acordo com 5 mais diferentes pontos de vista: a Escola de Frankfurt, 0 rmarxisma, a semiologia, 0 posulisro cultural, o feminisma © 0 pas- modernisino. Langamento: ulho/1999 2729p. 0 6: ficcio da literatura em Grande Sertdo Veredas Joo Adolfo Hansen ¢ professor de Lite-atura Brasileira da Univer sidade de Sao Paulo © aulor de A Satira e o Engenho: Greg6rio de Matos e a Bahia do século XVII. 0 autor analisa nesta obra o ro- ‘mance Grande Sertao: Veredas, demonstrande camo Guimaraes Rosa arganizaw as diversas falas prosentes em um discurso, contra- ‘izendo o¢ estereétipas e realacando opinides universais na fala do sertanejo. Parodiande 0 estilo do prépro escriter, Hansen desenvol- veo conceito de representagzo, seja de Oeus, do Diabo, ov de um sertanejo Improvavel. 0 Serliio, Nenada, 6 espago miclafisico, negativicade. Muito mais do que exético, 0 sertao é um clrculo culo epicentra est em toda parte. LLangamento: outibro/1999 192pp. arte contra a barbarie 05 grupos teatrats Companhia do Latao, Folias D’Arte, Partapatoes, Pia Fras, Tapa, Unido e Otho Vivo, Monte Azul e 05 artistas Aimar Labaki, Beto Andretta, Carlos Francisco Rodrigues, César Vieira, Eduardo Tolentino, Fernando Peixoto, Giannt Ratto, Hugo Pessolo, Marco Antonio Rodrigues, Reinalco Maia, Sérato de Carvatho, Ta de Sousa e Umberto Magnani, vem 2 piiblica declarar sua posi¢ao em relacao a questo Cultural ao Brasil: Teatro é uma forma de arte cuja especificidade a toma Insubstituivel como registro, cifusto e rellexdio do imaainaria de um pova, Sua condigao atual reflete uma situagao social e politica grave. E inaceitavel a mercantilizagae imposta a Cultura ne pais, fa gual predomina uma politica de eventos. fundamental a existéncia de um processo continuado de traba tho © pesquisa artistiea Nosso compromisso étice é com a fungio social da arte, A produpao, circulagao ¢ fruigao dos bens culturals é um direite constitucional, que nao tem sido respeitada Uma visio mercadolégica transforma a obra de arte om produto "cultural". E cria uma série de jlusées que mascararn a realidade da produgao cultural no Brasil de hoi. A alual politica offcia|, que transfere a responsabilidade do fomento & produeao cultural para a iniciativa privada, masca +a a omissao que transforma os 6raos oi rediarios de negécias. A aparente quantidade de eventos faz supor uma ia, mas, aa verdade, disfarea a miséria das Investi- smentos cultural ao artistica icas em metas inter fers fe longo prazo que visem a qualidade da produ- A maior das ilusi 3s € supor a existancia de um mercado. Nao hid mecanismos requiares de circulagae de espetécules no Brasil. A progucdo teatral & deseontinua » no maximo gora subempreao, Hoje, a potitica oficial detxou a Cultura restrita a0 mero 46 ‘Comercio do entreterimento, 0 Teatro nia pode ser tratado sob a Gtica econamicista, A Cultura & © elemento de unite de um povo que pode fornecer-Ihe dignidaclee o préprio sentida de nagaa. E tao funda ‘mental quanto a Satide, o Transporte @ a Educacao. E, portanto, priovidade do Estado, Torna-se imprescindivel uma politica cultural estavel para’ aaatividade teatral, Para Isso, sto necessvias, de imediato, aces no sentida de: Definigéo da estrutura, do funcionamento © da distribui de verbas des 6ra0s pubicos voltados 4 Apoio constante a ranutencao dos diversos grupos de Tea ‘ro da pais Politica renional de viabiizagao de acesso do piblico 205 espetcutos. Fomento a formulagio ule uma éramaturaia nacional. Criagio de mecanismios estdvels e permanentes de fomento ‘ pesquisa e experimentagaa toatral Recursos © politicas permanentes para a construeao, manu: tengo © acupacio dos Teatros publices. Criagaode programas planejados de ireulagao de espetdculos pelo pais. Ente toxlo ¢ expressiio do compramisso e responsabllida- de histériea de seus signatérios com a idéia de uma pratica artis: tica e politica que se canteapanha as diversas faces da barbarie— ial © nao oficial ~ que foriaram e forlam um pais que nto correspionde aos ideals ¢ 20 potencial da nave Grasilere, companhia do latao Filiada & Cooperativa Paulista de Teatro Nido de tuaio: Alessandra Fernandez, André Lopes, Deborah Lobo, Edgar Castro, Georgette Fadel, Gustavo Bayer, Heitor Goldfuss, Maria Tendlau, Ney Placentini Otavio Martins, Vicente Latorre / Nicleo de pesnise musa: Lincoln Antonio @ Waller Garcia /Cencarafaetguinos: Marcio Medina / Wicen de ares rca: Marcio Marciano e Francisco Brune / tina: # Paulo Heise / Colaboradores especiais: Sandra Ximenez, Marcio Boaro, Daura Martins, Eduardo Fleury / Nicleo de produgdo Ee ‘© Ginlgaio: Ney Placentii, Otévio Martins /Niceo de drecoe ramatusia: Séraio de Carvalho e Marcio Marciano / Cotte Ney Placentini: telefax (11) 2104285; Séraio de Carvalho: telefax (11) 36622702; E-mail: vintem@uol.camn br sum Mun lease cold ae FETT eT ce do Latao, a haa A tee Ut Ly S40 Paulo interessado em temas Meee WIC We lMeie- cil ap eee te We) PINs Cees eet Tate Ocha eae eC toatl state Seater Wortley Et ultura brasileira, politica e Rensamento de esquerda, eerie emir meray NATTA eestor Ura site) CTE ar Veer Vato L-m fell [ote

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