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DE VOLTA PARA O NOVO CORPORATIVISMO a trajetoria politica do sindicalismo brasileiro Avaxoo Boro Je. Professor do Departamento de Citnca Potica da Unicamp novo sindicalismo brasileiro passou por uma grande transformacio politico-ideolégica. Novo sindicalismo a denominagio que caracteriza 0 ‘de movimento sindical surgido em 1978 durante a cri- se da ditadura militar. Em contraste com a pritica burocré- tica © governista da quase totalidade dos diretores de sindicatos oficiais de ento, os dirigentes do novo sindica- lismo rebelaram-se contra a politica salarial ds ditadura e procuraram mobilizar suas bases para a ago grevista, No meio urbano, ao qual se detém este artigo, os dirigen- {es estavam inseridos prineipalmente nos setores da classe operdria e da classe média com maior capacidade de pres- sio ¢ organizagao sindical, como metaltirgicos das montadoras de vefculos e das grandes usinas de ago, ope- rérios do setor petroleiro, empregados de bancos, estatais, etc, Esse novo sindicalismo procurou, entre 1978 e 1983, estabelecer sua hegemonia sobre o conjunto do movimen- to sindical combativo brasileiro, ao se constituir em forga dirigente do processo de criagio da Central Unica dos Tra- balhadores (CUT), Essa corrente sindical € agressiva na agdo reivindicativa, pleiteia reformas distributivas no sis- tema capitalista brasileiro e, embora incorpore algumas pro- ppostas vinculadas & tradigdo socialista, nunca esteve ligada a organizagées marxistas. Foi a forca dirigente no proces- so de formagiio do Partido dos Trabalhadores (PT). Dife- rencia-se, portanto, do sindicalismo de direita, como o da Forga Sindical da CGT e do sindicalismo da esquerda marxista.' Desde 0 seu surgimento como movimento de ‘massa cm 1978, transitou de um sindicalismo que “tendia™ 8 agdo unificada de amplos setores das classes trabalhado- ras contra a politica de desenvolvimento pré-monopolista ¢ pré-imperialista do Estado burgués brasileiro ~ ou, pelo ‘menos, contra a politica salarial que era um aspecto funda- ‘mental da politica de desenvolvimento ~ para uma ago sindical na qual os diferentes setores das classes trabalha- doras isolam-se em suas reivindicagdes especificas, desen- volvem uma nova segmentagdo corporativa, e procuram reduzir as perdas do seu setor particular numa conjuntura de crise, mesmo quando a redugao de perdas implica a acei- tagio ativa da politica de desenvolvimento pré-monopolista € prG-imperialista. Essa transformacio politico-ideol6g ‘ca do novo sindicalismo pode ser sinteticamente caracter zada como atransigao de um sindicalismo de “massa econ- fronto” para um sindicalismo marcado pelo “neocorpora- tivismo”.? E certo que o quadro é mais complexo do que pode su- geri a divisio sinteticamente apresentada. As duas gran- des fases do novo sindicalismo néo se encontram separa- ‘das de modo estanque, Em primeiro lugar, havia tendéncias neocorporativas na fase do sindicalismo de massa e con- fronto, que podemos situar entre os anos de 1979 e 1989, e ‘ocorreram ages unificadas de massa contra a politica de desenvolvimento do Estado brasileiro na fase dominada pelo neocorporativismo, fase que se inicio em 1990 e es- tende-se até 0 momento atual. Em segundo lugar, tanto 0 sindicalismo de massa e confronto quanto o sindicalismo neocorporativo foram e sao praticados por um modelo de ‘organizagio sindical corporativa de Estado, Esse modelo, a0 longo dos anos 70 e 80, moderou a luta e minou a orga- nizagdo do sindicalismo de massa e confronto e, atualmente, convive problematicamente com 0 crescimento da ago sindical neocorporativa. Mas a despeito desses elementos de intersecgdo ¢ de continuidade, entendemos que a divi- silo que apresentamos em tragos gerais 6 procedente. A seguir, tentaremos desenvolver essas idéias a titulo ‘exploratério, sem a pretenso de sermos conclusivos. Sto PawLoen PansrcrvA, 83) 1994 0 SINDICALISMO DE CONFRONTO A linha de ago sindical de confronto com a politica salarial da ditadura nasceu apés uma tentativa abortada de prética sindical que, jé na conjuntura do final dos anos 70, apontava para 0 neocorporativismo. Talvez possamos afir- ‘mar que a tendéncia ao neocorporativismo decorria da si- tuagilo sécio-econémica das bases sociais do novo sindi- calismo, numa fase hist6rica em que as organizagdes revolucionétias e reformistas radicais do movimento ope- rério e popular tinkam sido liquidadas ou isoladas politi- camente pela ditadura militar, No entanto, a tendéncia & pritica sindical neocorporativa nfo pOde desenvolver-se. A existéncia de um regime politico ditatorial ¢ a imposi- do de uma politica salarialrigida ¢ centralizada bloquea- ram 0 desenvolvimento do neocorporativismo e induziram ‘9 novo sindicalismo, que recém surgia, & ago unificada com o movimento popular e democritico contra a ditadu- ra e sua politica de desenvolvimento, Foi a politica que uni- ficou o movimento sindical, contendo a tendéncia centrifuga proveniente da estrutura econémica do pais? niicleo mais poderoso do novo sindicalismo situava- se, como é sabido, no Sindicato dos Metaltirgicos de Sao Bemardo e Diadema, no ABCD paulista. A diretoria da- quele sindicato, na época presidido por Luiz Inécio Lula da Silva, apresentava uma forte tendéncia ao isolamento na atividade reivindicativa, separando-se do restante do ‘movimento sindical © procurando manter-se fora da luta politica democratica. A diretoria do Sindicato de Sao Bemardo justificava a luta reivindicativa pela produti- vvidade elevada das montadoras de automéveis, ¢ 0 discur- so de Lula naquela época estava marcado pelo econo- micismo ¢ pelo obreirismo, estampando desconfianga pagdo dos trabalhadores na luta politica € anga dos operérios com outros setores popula- res. Sio Bemardo reivindicava, antes e acima de tudo, a livre negociagio, entendendo por isso a nio intromissio do governo no movimento sindical e na determinagio dos salérios. ‘A evolugio da conjuntura revelou que 0 economicis- ‘mo € 0 obreirismo poderiam, também, assumir uma fun- ‘do progressista, servindo de instrumento de defesa frente as tentativas de diluigdo do novo smo na frente politica de orientagao liberal e conciliadora, dirigida pela burguesia interna brasileira, através do Movimento De- ‘mocrético Brasileiro (MDB). Porém, a nossa hipdtese € que até 1979, quando a diretoria do Sindicato dos Meta- Iirgicos de Sio Bernardo ¢ Diadema foi alvo pela pri- meira vez da agio repressiva da ditadura militar, 0 dis- ‘curso obreirista e economicista desempenhava a fungao de separar a luta reivindicativa de Sao Bernardo da luta democratica e popular. A greve geral dos metalirgicos de Sto Bernardo e Diadema, em 1979, parece ter alterado 0 curso da hist6ria do novo sindicalismo. Em 1978, 0 movimento surgira fora do sindicato of cial, na forma de greves por empresa, ¢a diretoria do sin- icato funcionou como mera intermedidria entre as em- presas ¢ 0s grevistas, Esbocara-se uma pritica de negociagao livre e direta, em desacordo com a politica salarial do regi ‘me militar, Em 1979, a diretoria do sindicato oficial, tal~ ‘vez compelida pelo fato de representar legalmente todos cos metalirgicos de Sio Bernardo e Diadema, ampliou a base do movimento, organizando uma greve geral de toda categoria metalirgica. O regime militar reagiu de forma dura: em vez da relativa complacéneia que demonstrara diante das greves de 1978, partiu para a ago repressiva contra os trabalhadores e contra a diresdo sindical e blo- queou qualquer negociacZo fora da polftica salarial. A julgar pela reagio de Lula e de seus companheiros frente 2 agio repressiva da ditadura, ¢ considerando o que escreveram ou disseram depois, eles nfo esperavam que o ‘governo pudesse reagir com tanta dureza. Num quadro de

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