14. O inquisidor como
antropélogo”
1. A analogiasugeridano titulo! me ocorreu pela primeira vez
sJurante um congresso sobre hstéria oral realizado em Bolonha
uns dez anos atrds. Historiadores da Europa contemporiines
antropélogose estudiososdehistdra africana, como ack Goodye
Jan Vansing,cliscutiam sobre diversos modos de utilizar os teste
‘munhos oras,Velo-me repentinamente a cabega que os historia
ores que estudam sociedades muito mais antigas (como, por
cexemplo,a Europa da Idade Média tardia ou da primeira [dade
Moderna), sobre as quais temos uma quantidade considersvel,
enormeaté,dedocumentesescritos também seservem asvezesde
testemunhosorais —maisprecisamente derepistros escrito detes-
‘temunhosorais. Defato, os ats processuais prodaridos pelos tre
Dbunais laicos e ecesidsticos poderiam ser comparados com o
\Veate precedente dete nso foram ids rum congress sobre tngll-
1 (De Kalina ourubo de 1985) enumeemintrioreinada scone de
Ernest Gener no Departamento de Antopsogia da Uninersiate de Came
bridge abel e198),
caderno denotas de um antropélogo em quetenha sda registrado
tum trabalho de campo feito séculos ards.
As diferengas entre inqusidores eantroplogos sto Sbvias,e
‘nto valea pena perder tempo salientando-a, Asanalogias (incla-
siveentreréuse"indigenas”) meparecem menosébviase,por isso,
tressantes. Proponho-me a analisar suas implicagoes a
partir das pesquisas que fiz, servindo-me sobretydorde documen-
‘os inquisitoriais, sobre a hist6ria da feitigria na Europa da Made
Média edo inicio da Idade Moderna.
CO atraso com quese percebeu 0 incalculével alorhist6rico
das fontes inquisitoriais é surpreendente, Num primeiro mo-
‘mento, como se sabe, histéria da Tnquisea fo realizads (qua-
se sempre de maneira polémica) numa ética exclusivamente
institucional. Mais tarde, os processos inquisitoriaie comesa-
rama sr utilizados peloshistoriadores protestances que preten-
diam celebrar a atitude hersica dos seus antepassadoe diante da
perseguigao celica, Umlivro como InostrprotertantiOsnos-
s0s protestantes], publicado em fins do século xx por Emilio
Comba, pode ser considerado uma continuacte, no pi
quivistco, ds tradigSo iniciada no stculo xvrpor Crespin,coma
sua Histoire des Martyrs (Historia dos méstires].Ds historiado-
res catlicos, por sua vez, foram iaisrelutantes em utilizar atos
nas suas pesquisas. Por um lado, devido a uma
Inquisitor
tendéncia mais ou menos consciente aredimensiona as reper-
‘cussbes da Reforma; por outro, devido a um sentimento demal-
estat em relagdo a uma instituigio considerada, no Ambito da
propria Igreja romana, com tim embarago cada vez maior, Um
outo sacerdote do Friul, como Pio Paschini (a quem agradeso
or ter-me fa
entao inacessivel da Caria arquidiocesana de Udine), nfo fez
rnenhum uso, nas suas peequisas sobre a heresiae a Contra-Re-
ado, trinta anos atré, 0 aceeso a0 arquivo até
anforma na fronteirasorientais da tlie, dos processos inquisto-
tials conservados naquele arquivo. Quando entrei pela prime’
ra vezma grande sala cheia de armérios em volta, onde estavarn
conservados, em perfeita ordem, quase 2 mil processos inquisi-
toriis,sentiaemosio de um garimpeiro que dé com uma rocha
inexplorada
Diga-se,porém, que no caso da fetsara relutaaci em utic
lizar processos inquisitorais foi compartihada durante muito
‘tempo, tanto porhistoriadores de féconfessada (catlicos ou pro
{estantes) como por hstoriadores de formago liberal. A razio €
«evident. Em ambos os cass faltavam elementos deidentiticacso
ios, intelectual ovate simplesmente emocional, Em gerala