Terapia Ocupacional No Brasil

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Cee ee ene Ree Ae histérias foram construidas, porém, pouco esté escrito, Pretendendo apresentar lum panorama dos diferentes prescupostos e correlacdes tebrico-préticas a par pie een er Scr eee Cee eee ras 3 pr muitas delas dout Ero issional com divsrsas clientelas, Colaboraram professoras, 15, que escreveram sobre o que mais tém pesquisado, sob Reet er Se nee meet ee ae TCS Dee cree a ee tee eet oie ue eee nod erg Coo ee ee eee eee ea er ey Ten te ee a Se ec De Eee Ae ECC aM a ec 'pedra fundamental” da profissao de terapeuta ocupacional: 0 conhecimento og De) Pere ea Cee Cuca ee cu ee Etc eecy Seat ea ee Ce eee Ce ee tt Cee ee ee OETA EUST oe a Maen ec PTE OMe Cha Der yee). oan cll Fundamentos e perspectivas | _ R. 098197-7 Data : 06/09/2003 TERAPIOCUPACIONAL NO BRAS, TERAPIA OCUPACIONAL NO BRASIL Fundamentos e perspectivas 1a aloo Seni 1. Bri: Tia sean: cas médias 615.85150981, Marysia Mara Rodrigues do Prado De Carlo e Celina Camargo Bartalotti (orgs.) Copyright © 2001 by autoras Direitos desta edicio reservados por Surnmus Editorial Capa: Mari Pini A polarea wal nw guano ditionartos Editoragao ¢ fotolitos: JOIN Bureau de Editoragao Cousultadn em veo, Ristro te! a polarde Getnunen wrfrra’ neler rem te pede iuventar hee pemnetaia 0 mundo 2 oO sabshilairian Mais cl do gus eset, dentro da guak wiekssemos ody tm Conunhers ; mndes, Plexus Editora aberean se fu Hapieuy, 613, 72 Perr Cade Boek © Ante Fax (11) 3872-7476 e-mail: plexus(@plexus.com.br [Ntndimenta 20 consumidor: vendas(@summus.com.br Impresso no Brasit Ledicamos este livro nossos familiares, que tanto nos apoiaram no intuito de conseguirmos coneluir este trabalho. ‘Também o dedicamos a nossos alunos ~ da Universidade de Sao Faulo e do Centro Universitario Sao Camilo ~ e a todos os estudantes de Terapia Ocupacional do Brasil. Foi pensando em ‘todos eles que visamos organizar e por fim realizamos este livro. A todos os terapeutas oeupacionais que constroem, eotidia- namente, nossa profissdo, que esto desbravando novos campos de atuagao e desenvolvendo referenciais tedrico-metodoligicos praticas inovadoras, passados quase cingiienta anos do inicio da nossa profissdo no Brasil. Agradecemos, ainda, a todos os colegas terapeutas ocupa- cionais que colaboraram com nossos autores, para que pu- dessem construir esse panorama tao amplo e, ao mesmo tempo, to profundo sobre a configuracéio de miltiplas ten- déneias da Terapia Ocupacional em nosso pais, neste inicio do séeulo x1 Sumario Prefiicio Apresentagiio ...... acetconceeamdessa-- 10 Parte! Fundamentos 1 Caminhos da Terapia Ocupacional................ 19 Marysia M. R. do Prado De Carlo Celina Camargo Bartalotti 2 Atividades humanas © Terapia Ocupacional ........ 41 Eliane Dias de Castro Elizabeth M. P. de Araitjo Lima Maria Inés Britto Brunello Parte ll Correlagdes Tedrico-Praticas em Terapia Ocupacional 3 Terapia Ocupacional em Satide Mental: tendéncias principais e desafios contempordneos .. . . 63 Elisabete Ferreira Mangia Fernanda Niedeio 4 Abordagens comunitavias ¢ territoriais em reabilitagéio de pessoas com deficiéncias: findamentos para a ‘Terapia Ocupacional ....... Marta Carvatho de Almeida Feétima Correa Oliver 5 Terapia Ocupacional ¢ o8 processos socioeducacionais. _ As atividades expressivas o artisticas possibilitam a re- / ae ; A composigao de universos de subjetivacao ¢ de ressingulariza- [ go dos sujeitos, pois e'as se constituem em linguagens de estrutura flexivel e plastica, que permitem compartilhar expe- rigncias e facilitam a eomunicacao entre as pessoas, sobretudo quando a linguagem comum é insuficiente para cxteriorizar vivéncias singulares. O desenvolvimento do fazer artistico pro- porciona a criagdo de objetos e obras que serdo “criagéo sobre 0 mundo real”, bem como ¢le 6 potencializador da experiencia de ‘uma nova realidade que ‘ornece ao préprio viver um sentido de vivéneias do criativo. As atividades artfsticas ocorrem dentro de limites amplos, verdedeiros universos nos quais 0 corpo e diversos materiais plissicos oferecem possibilidades para 0 processo de eriacao fluir, e proporeionam uma experiéncia de transformagéo: dos materiais, da natureza, de si mesmo, do no e das relagées interpessoais. O prazer da forma eria caminhos para o outro. Nesse contexto, instaura-se um estado de criagdo permanente, desenvolve-se a possibilidade de refor- mulagdo da propria existoncia, dentro de uma processualidade ria, em que o fundamental 6 a comunicagao © o didlogo novas formas e configuragées. propostas como a desenvolvida no Programa Perma- de Composigdes Artisticas e Terapia Ocupacional do Curso de Terapia Ocupacional ~ Pacto da USP,® a participagao em atividades corporais ¢ artisticas, que tém um lugar na cul- tura, como pratica social, e a soriedade no acompanhamento de um trabalho de criagao ¢ de exploracao de novas vias existen- is propiciam a inclusao do indivfduo em grupos e redimen- sionam a intervengdo em satide, possibilitando aos sujeitos reconestarem necessidades concretas a aspectos globais do seu desenvolvimento e A produgdo de uma satide dindmica, com- plexa, indeterminada. Nesse campo é fundamental 0 cuidado com os produtos, porque ha uma forte identificacao da pessoa com sua producao ‘imultaneamente, para que estes adquiram significagdes co- Ietivas e se articulem a uma rede de sustentagdo, fazendo sen- tido pera alguém ou para um grupo, podendo vir a criar novos territérios de transite ¢ troca com as formas vigentes ¢ as que véo sendo engendradas./Promover exposigdes, festas, partici- Pacdo em eventos, feiras, enfim, experiéncias em espacos de maior liberdade ¢ transite social, permite a construgdo de um novo catidiano e auxilia na transformagao cultural, chegando & tocar « questo de ineluséo no campo da troca de valores na rede svcial] Essas situagies produzem efeitos nos expositores no pitlico, transformando as relagdes entre eles e redimensio- nando o trabalho nos grupos de atividades em que as produgdes artisticas so realizadas. Processo e produto passam, nesse contex:o, a formar uma unidade de sentido. A questo relativa ao produto das atividades é, também, fundamental quando se considera a atuacéo do terapeuta ocupa- cional na esfera da vida de produgao. Sabemos que este é um desafic atual na prétiea do terapeuta ocupacional, que, con- frontado com a vida concreta dos usurios ¢ chamado a criar novas condigdes de inclusdo social e novas respostas as neces- sidades que se apresentam nas diversas esferas da vida, néo poderia se furtar a enfrentar a dificil questao do trabalho no mundo contempordneo ¢ buscar alternativas de insergao, nessa para individuos que estao dela exclufdos 3, Para conhecer mais sobre esse programa, ver Cangueu et al, 53 Para responder a essa demanda 6 preciso, em primeiro lugar, se perguntar que sentido o trabalho tem para determi- nado individuo; e se 0 movimento para inseri-lo em alguma atividade produtiva responde a uma exigéncia social de norma- tizagdo, ou se representa o exercicio de um direito e a amplia- 40 e fortalecimento das redes de troca com 0 corpo social. & preciso, além disso, afirmar 0 caréter econémico do trabalho produtivo, de valores de troca, sua insergao na trama social, aceitando a terapeuticidsde como efeito secundrio. Trabalho para quem deseja ou precisa trabalhar. Varias propostas de recolocar o trabalho no interior das préticas em reabilitagdo so hoje desenvolvidas no Brasil. Uma dessas propostas concretizou-se na formacdo de “frontes de tra- balho”, “grupos produtivos” e “cooperativas”, modalidades de interveneaio desenvolvidas de forma pioneira pelo Programa de Satide Mental de Santos, a partir de 1990. Essa experiéncia propunha um trabalho desenvolvido grupalmente, visando pos- sibilitar 0 exercicio da cutonomia e da solidariedade. Neste sentido as atividades predutivas a serem desenvolvidas eram eocolhidas a partir da intaraco entre trés fatores: a escuta das necessidades e possibilidades dos usuérios, as brechas do mer- cado e as possibilidades de se levantar recursos para sua im- plantagéio. Buscava-se produzit bens ¢ servigos em quantidade ‘¢ qualidade cuficiontes para a sobrevivéncia no mercado e, 20 mesmo tempo, respeitar os ritmos diferentes de cada um ¢ valorizar suas capacidades e saberes, na construgio de uma relagao de trabalho mais saudével, singularizada e autogerida. Por fim, é preciso inszrir essa discussao num espectro mais amplo e pensar essas priticas no atual mundo do trabalho e do mereado, como nos propde Fernando Kinker: o trabalho, tal como organizado nas sociedades capitalistas, é algo a ser discu- tido, questionado ou reinventado, pela sociedade como um todo. Experiéncias como a citada aqui podem, inclusive, desombocar na invengdo de novas formas do produtividade e de outra rela- ‘cdo subjetiva com o trabalho. Que pese o significado que tém, para cada um de nés, nassas produgoes, sua trajetéria em um coletivo, seu valor de troca e de intervencdo no universo eultu- ral e social do qual fazemos parte. Repensar o trabalho nos coloca a preméncia de também reinventar o lazer ¢ as priticas a ole vinculadas e redimensionar 54 a relacio entre essas esferas, levando em conta as configura- hes contemporaneas.* Ao lado da construcdo de alternativas que vizbilizem 0 exerefcio do “direito ao trabalho”, é preciso afirmar 0 “direito ao lazer”, No entanto, em nossa sociedade a valorizagéo do tompo da produgao, para determinados grupos sociais, acompanhada de uma desvalorizacdo do tempo livre, muitas vezes confundido com desinvestimento e abandono. Reconhecemos esse desinvestimento no tempo da aposen- tadoria e no tempo longo que muitas vezes constitui os fins de semane e as férias dos usuarios de servicos de satide. Esse vazio do sentido 6 agravado pela escassez de espacos de encon- tro e sociabilidade, em especial nas grandes cidades, nas quais, nos tiltimos anos, “o espago piiblico vem se constituindo em um espaco inimigo, ou, na melhor das hipéteses, numa terra de nin- guém? (Lima & Pasetchny, 1998, p. 38). Dessa forma, 6 preciso criar espacos de lazer e sociabilida- de, tais como os grupos de saida, as lanches coletivos, as festas, as viagens, as visitas a espagos puiblicos da cidade. Por outro lado, nio podemos confundir essas atividades com uma forma de encobrir a exclusdo e 0 desemprego, nem com a ocupacdo de ‘um tompo sem significado, O tempo do lazer é um tempo amplo ;preende escolhas ¢ preparagso, mas também surpresa, \cdo e transformagao. Trata-se, em suma, de abrir-se ao tempo, abrir-se ao acontecimento, sentido fundamental das atividades € ampliar o viver € torné-lo mais intenso, nunea diminu(-lo ou esvazi-lo. Elas nos enriquecem, nos permitem reestruturar a experiéneia em niveis de conseiéneia sempre mais integrados, tornando nossa com- preensio mais abrangente, intensificando, assim, o sentimento da vide. Elas abrem um campo de aquisigies, habilitagoes & prevengoes © podem operar como fatores de fortalecimento nos processos de potencializacio da incluso sociocultural. Cada atividaie realizada dé origem a novas proposigbes, ¢ nese sen- 4, Sabemos que a divisio entre tempo da produgdo, tempo do lazer tempo da eriagio est prestos a se dissolver, o que pode ser percebido la crescente valorizago de certo “écio criativo” ¢ pelo deslocamento ‘espayo da produgéo de valor, que passa hoje a cobrir um campo vex mais amplo de atividades socizs. 55 6 preciso entendé-las como altamente integradoras de outros campos das atividades das pessoas. Consideragées finais As atividades s8o sempre produgdes do universo cultural humano, sdo produzidas, realizadas ¢ significadas num campo cultural. A nogdo de cultura é central para esse campo. B, portanto, num “caldeirdo cultural”® que se delineia o terri de produgao subjetiva eda inclusao social - espago de produgaio e ampliagao da rede relacional num terreno social contradité- rio. Por um lado, ele exize a presenga de um téenico, nesse caso © terapeuta ocupacional, exercendo um papel de interlocutor dos sujeitos, mediador entre as instituigdes, os projetos ¢ a singularidade dos sujeitos, e, por outro, apresenta possibili- dades de aquisigao de novos conhecimentos, novas linguagens, novas culturas e praticas para constituirem os projetos de vida As atividades, por sua insergao no tempo e no espago, tra: zem a possibilidade de coneretizar e dar forma a essa conexéo entre 0 sujeito e seu ambiente, atuando em oposi¢ao ao pro- cesso de exclusdo. No panorama atual, no qual em algumas instituigdes 0 muro conereto foi superado, as atividades sio 0 instrumento para a superagdo dos muros simbélieos, ferra- mentas para estabelecer uma via de dupla mao: trazer para as Populagdes exclufdas o que se produz no panorama cultural contemporneo ¢ incluir nese panorama aquilo que essas po- pulagdes produzem. lades é possivel a criagdo de novas poss fades © ampla a trama de significados e sentidos que nos apresentam, Na Terapia Ocupacional, as atividades sio re- cursos que proporcionam um conhecimento e uma experiéncia que auxiliam na transformacao de rotinas e ordens estabeleci- das ¢ oferecem as pessoas instramentos que sejam para seu 5. Expressao utilizada por Kagan para expressar as diversas ma- os relacionadas eor a cultura, préprio uso, ampliando a comunie: itindo crescimento pessoal, autonomia, interagao social e incluso cultural. O acompanhamento na realizacdo de atividades fornece 0 entendimento da diversidade entre os sujeitos, das miltiplas experiéncias possiveis, de diferentes concepgdes de mundo e, prineipalmente, das rupturas ocasionadas pelos estados clfni- cos ou pela exelusdo social, A partir da realizagio de atividades 6 possivel completar experiéneias que ficaram destitufdas de sentido e significado ou criar novos sentidos e significados para as experiéncias vividas ¢, mais ainda, esse fazer permite aces- sar também 0 inconsciente. Na intervengao desse profissional pode-se restaurar ou instaurar vivencias de processualidade o, com isso, auxiliar no proceso de compreensao de padrées de vivéncias que precisam ser completadas e integradas plena- mente na experiéncia de vida dos sujeitos. A eficiéncia deste instrunento e dessa atuagéo profissional reside essenci mente 1a capacidade de promover rupturas ativas, processuais, no conunto de experiéncias vividas e nas tramas significa- cionais, a partir do que € possivel introduzir novos universos de referéncia, uma nova processualidade que apontard novas configuragdes na construgao da satide. Assim, nessa nova perspectiva de atuagéio que compreende a conesdo de espagos diferentes, sujeitos diferentes, projetos singulares e a aproximagao de culturas diversas, é que se pode recolocar em questo as atividades em Terapia Ocupacional Nao se trata de construir modelos, receitas, idicagoes de atividades, mas de construir com cada paciente, junto com cle, uma trajetéria singular, um projeto de vida, uma forma de sair das malhas aprisionantes de uma vida muito restritos e estreitos. Trata-se de amp! interlocagées, conexdes, favorecer encontros, possibilitar trén- sitos novos, empreender um conjunto de agdes que se tornarao uma nova “ponte” de interacéo do sujeito com a época ¢ o local no qual vive, configurando, assim, a partir das atividades, uma nova entrada social, Esso conjunto de fatores constitui os objetivos da Terapia Ocupacional no atendimento dos sujeitos e sera sempre com- plementado pela particularidade do conjunto de necessidades pressas pelo momento pessoal pela histéria de vida de cada , associadas & necesséria reconstituigao de uma multiplici- le de ages para a construgao da satide. 57 PARTE II Correlagdes Tedrico-Praticas em Terapia Ocupacional 3 Terapia Ocupacional em Saude Mental: tendéncias principais e desafios contemporaneos isabete Ferreira Mangia Fernanda Nicécio Para entender a configiragao das tendéncias préticas ¢ tedricas da Terapia Ocupacional em Satide Mental é fundamental refletir sobre as estratégias e concepedes que constituiram 0 pensa- mento psiquidtrico e sua crise contemporanea; os resultados dos investimentos realizados no eampo da transformagdo das insti- ‘tuigdes psiquidtricas; a emergéncia da nogdo de Satide Mental ¢, finalmente, reconhecer as novas questies presentes nos pro- cossos de superagao das instituigbes asilares e de construcao de toriais de atengSo em satide mental e nos percursos ‘As proposigdes da Terapia Ocupacional no campo da Satide ‘Mental tém acompanhado e respondido as influéncias ¢ aos 2 de um contexto que envolve, a partir da critica ao icional da institucionalizagao psiquidtrica e da con- cepgao de doenca mental, uma série de deslocamentos no conjun- to das proposigées ¢ desenvolvimento da eapacitagao das diversas categorias profissionais que atuam nesse contexto, suas formas de pensar e agir diante das questdes colocadas pelas transfor- magies das instituigdes e politicas de satide e pela populacéo atendida, especialmente aquela com transtorno mental grave. A constituigio do paradigma da Psiquiatria A identidade entre loucura e doenga mental, que a prinefpio pode nos parecer tao natural, 6, na verdade, uma construgao 63 muito recente na histiria do pensamento ocidental. Autores como Michel Foucault e Robert Castel nos mostram que até 0 inicio da Modernidade os loucos nao eram considerados doentes, nem faziam parte das preocupagses do pensamento médico. problema representado pela Ioucura pode ser inieialmente localizado no contexto de uma grave crise social presente na Europa nos séculos XVI e XVIII, ¢ identificado como o problema da desocupagio de uma grande populagio que, expulsa da ter- ra, passou a se condensar nas cidades. Para responder a esse problema social muitos estados eu- ropeus adotaram como medida o confinamento em instituigdes semijuridieas euja proposta era a de subordinar a populacao confinada a uma ética do trabalho vista como capaz de comba- ter a pobreza ¢ a ociosidade. As casas de internamento reco Thiam mendigos, deficientes, doentes, velhos, criancas, ou seja, uma gama muito grande de populacées, entre clas os loucos, € nao estavam orientadas por uma légica médica, logo, nao visa- vam a cura de loueos, deentes ou deficientes, apenas sua rechi- sfo e subordinaco 0 trabalho, Em meados do século XVII, no processo da Revolugao industrial, esse tipo de internamento foi avaliado como erro econémico e as instituigées esvaziadas, pois @ populagao passou a vor valor num mereado de trabalho em constituigao. O pensanento econdmico inaugurado nesce pe- rfodo considerava os pobres essenciais para a produgao da ri- queza de uma nacao, dasde que livres no mercado de compra e venda de forga de trabalho. ‘ Foi no processo de fechamento dessas instituigdes que algumas populagGes, tais como os loucos e doentes, passaram a demandar medidas de outro tipo. Nesse contexto identificamos ‘a organizagao do hospital moderno e do asilo especialmente destinado ao internamento de loucos, com estruturas e propo- sigdes distintas. # importante assinalar que a definigio sobre a necessidade do confinamento dos loucos esteve relacionada a um tipo especifico de sensibilidade social ¢ foi justificada pela supos- ta periculosidade daqueles vistos como loucos e sua evidente ineapacidade para o trabalho. Esses elementos, a necessidade de internacao e o perigo representado pelo loueo sao anteriores A configuragdo da psicuiatria, como a area de especialidade 6a 26 estavam presents no contest social em que eta Castel, ao estudar o nascimento da psiquiatria na Franga, lera que ela e 0 asilamento psiquidtrico tornaram-se pos, no émbito de uma nova partilha do poder de governar os rsinalizados na sociedade moderna, para a qual @ represae da loucura ainda 6 assumida como necesséria, mas que nao Pode ser realizada polo Poder Judiciario, pois saas mar $008 no se configuram como violagdo do contrato social | A intervengao sobre 0 louco nao se opera mediante wma acde juridico-policial direta, porém sua gestdo se da baseada wn ios téenico-cientificos que estabelecem uma nova relagie paz de participar de uma sociedade regida por leis © asses © 0s seus deveres de cidadao, para poder ter respeitados us direitos, Uma vez incapar de dedicar-ae a intercambie, racionais, o louco deve ser assistido, mas como escapa das cx, \egorizagdes jurfdicas, cabe a filantropia® dele se encarregen ‘sa foi a forma encontrada para inscrever a Ioucura na soci. larizacio substituindo a relacdo de con- . perceber que a disciplina psi- ocupa uma regidio de fronteira em relacéo = maeale e © cuidado € seu desenvolvimento e crise contempora- esto ligades ao exercicio de uma contradi¢ao, Assim, refletir FO a aceite ni ve 2% nap amit ti ones un a ft Sa i nin etn 65 iais no campo da psiquia- idas por quaisquer profissionais, requer 0 necessario reconheeimento dessa problematica. ‘As proposigées do tratamento moral como primeira modalidade de intervengéo terapéutica Essa nova forma de gerir a loucura, que configura 0 que convencionamos denominar de paradigma da psiquiatria, esté ancorada num conjunto de fatores indissocidveis: a apreensio da loueura como doenga mental; a necessidade do estaboleci- jalmente encarregada de seu internamento - 0 hospital psiquidtrico; a mudanea do sentido do internamento: de medida punitiva e de exclusao para medi- da de tratamento; a idéia de que o doente mental representa, também, perigo e ameaca para si mesmo e para o grupo social, © que justifica sua internagao; 0 estabelecimento de uma espe- cialidade médica e o desenvolvimento de um corpo de conheci- mento necessérios para a administracao da doenca mental — a psiquiatria, ‘Amplamente conhecidas, tanto na literatura que trata da histéria da psiquiatria quanto na que trata da hist6ria da Te- rapia Ocupacional, sao as trajetérias de Pinel, na Franca, & ‘Tuke, na Inglaterra, considerados os fundadores da psiquiatria © propositores de seu primeiro modelo de intervencao terapéu- tica, o tratamento moral. Suas estratégias, como jé apontamos, so herdeiras de uma demanda social que exigia a exelusio dos Joucos que incomodavam o bom funcionamento social, ao mes- ‘mo tempo que desenvolvem um saber que passa a justificar a medida de internagéo como necessaria ao tratamento da doenga mental. Em seu momento inicial a psiquiatria ainda nao estava ancorada no modelo ‘anatomo-patolégico), caracterfstico da medicina moderna, e sim numa concepgao 50- cial sobre a doenga mental e suas eausas. Em linhas gerai doente mental era visto como alguém que ndo suportou a pres- so ou as influéncias de seu meio social. Para os primeiros alienistas a doenca mental estava relacionada a vida nas cida- des e seu excesso de estimulos, ¢ aos efeitos danosos atribuidos ao nascente mundo industrial; assim, seria necessario 0 isola- 66 meio que pudesse fazd-lo retornar a visio social do problema também determinou que a empreendida visasse & reconducao do doente a um socialmente aeeito, que no caso da sociedade industrial te implicava o desenvolvimento de estratégias que pu- reconduzir 0 doente ao desempenho do papel do traba- a centralidade adquirida pelo trabalho no interior . ‘se primeiro modelo ainda est4 presente nas praticas asi- do sido por seu intermédio que a Terapia Ocupacional ‘truiu seu primeiro modelo de intervencéo, durante 0 cha- sso de reemergéncia do tratamento moral, ocorrido da década de 1920. Nesse perfodo, tanto na Europa » ros Bstados Unidos houve, por parte da psiquiatria, a ada das proposigdes ¢ valores do tratamento moral, es- vs ao longo do desenvolvimento da disciplina psiquid- , a0 adotar o modelo clinico centrado na locallizagéo las doencas mentais, assumiu uma posi¢do pessimista idade de tratamento e curas dessas doencas. m esse 0 modelo presente nas estratégias desenvol- s,m termos contempordneos, pelas perspectivas behavio- entendem o tratamento como treino de habilidades mentos néo apreendidos no proceso de sociabilizacao de pessoas com transtornos mentais ¢ deficientes ra identificadas historicamente como espagos em erise itemente e que ndo cumpriam sua misséo de trata- cura, as instituigdes psiquidtricas 86 passaram a ser ica mais ofetiva no periodo que sucedeu as duas guerras mundiais. Nesse contexto foram questionadas maixa eficdcia terapéutica e pelo seu alto custo, seus violéneia e exelusio social, tendo sido, em muitos yaradas aos campos de concentragao. do pés-guerra revelou também a necessidade da efeitos devastadores da guerra e redefiniu o papel 67 Estado no asseguramento de direitos antes ndo reconhe cidos. Nesse contexto a satide foi assumida como direito e for propostas reformulagies na oferta assistencial ao doente mental. ‘Nos chamados processos de reforma da psiquiatria identi- ficamos os elementos que ainda estao presentes nas novas pro- posigdes técnicas e tedricas das diferentes disciplinas e campos profissionais que se dedicam ao cuidado dos doentes mentais: & democratizacao das relagdes entre equipe e pacientes, o desen- yolvimento das terapias de grupo e de familia, a necessidade da melhoria das condigées de tratamento, 0 desenvolvimento de novas formas de tratar, 0 deslocamento da assisténcia do asilo para servigos na comunidade etc. Os movimentos da Co- munidade Terapéutica iniciada na Inglaterra, da Psicoterapia Institucional, na Franca, posteriormente a Psiquiatria Comu- nitdria ou Preventiva, nos Estados Unidos, e finalmente a Psi- quiatria de Setor Francesa, foram mareos importantes nesse processo. imente como meta a reno- vagdo do potencial terapéutico da psiquiatria e a humanizacéo e melhor gestdo de suas instituigdes e identificaram a necessi- dade de criagao de services na comunidade. ‘A trajetéria da Psiquiatria reformada desenvolveu na Ité- lia seu estagio mais radical; nesta, diferentemente do ocorrido nos Estados Unidos, Franca ¢ Inglaterra, colocou-se como ta- refa central a desconstrucio do hospital psiquidtrico ¢ dos apa- ratos que o sustentam. Essa nova orientacao ndo mais admite ‘a persisténcia da internagio psiquiatrica asilar e a convivéncia entre esta ¢ 08 servigos na comunidade, como vinha aconte- cendo nos demais process9s. Ao propor a desconstrugdo do ma- nicémio, ela colocou a propria instituigéo psiquidtrica e seu paradigma em xeque, buscando realizar a utopia de uma socie- dade capaz de construir uma nova forma de relagio com a loucura, A psiquiatria preventiva comunitaria € a emergéncia da nocao de Saiide Mental Para muitos autores essas mudangas definiram um des- locamento do objeto de a:encao médica da doenca para a pro- 68 satide eno eago da psiquiatria, a promogéo da sade Essa mudanga foi especialmente importante na confi- la psiquiatria proventiva nos Estados Unidos, que ao doenga mental como distirbio emocional instaurou a crenga de que as doengas mentais poderiam ser prevenidas dletectadas precocemente. Em 1963, 0 governo norte-ameri- esiabeleceu um Programa Nacional de Satide Mental, tor referéncia para todo o mundo, que definia o abandono das ostas de reformas hospitalares e propunha o alargamento io técnica e seu deslocamento para a “Comunidade” ‘De acordo com essa perspectiva,/promover a Satide Mental >, ica adaptar e equilibrar as tenses presentes na comunidade, ‘evitando que haja rompimenta dos mecanismos de interagio consi- wrados adequados, A enfermidade pass0u a Ser detectada median- te nogdo de crise, entendida como indicador do rompimento do , como momento de desajustamento social. A inter- ‘io deveria ocorrer nos momentos que antecederiam a crise, de evitar a eclosdo da enfermidade. © alargamento do ambito da intervengao técnica fot acompa- lo pela ampliagto da competéncia torapéutica de novos grupos ionais; enfermeiros, psieslogos, terapeutas ocupacionais, ‘tentes sociais, entre outros, passaram a dividir fungdes 8 86 atribuidas aos médicos ¢ ao mesmo tempo reconhecer 6 fungdes no cendrio da assisténcia. A idéia de promogao da Satide Mental redimensionou 0 po da intervencdo e hoje aparece como um referencial ori- das praticas assistenciais. Para a Terapia Ocupacional jo também passou a constituir um importante eixo, € configuragao ou divisio em area de intervencio, mente configurada pelo campo psiquisitrieo, tende cada is a ser definida mediante a nogao de Satide Mental. sa perspectiva(a sade mental poderia ser entendida m. campo complexo, “que considera as dimensies psico- wciais da saiide e os fatores psicossociais que de- satide e doenca” (Saraceno, 1999, p. 145):\Ao ser como nogao de referéncia, a Satide Mental inclui a ia ¢ a abordagem biolégica como aspectos do grande wr ela cireunserito, superando a dicotomia entre os légicos e psicolégicos de apreensio do sofrimento cS) Nesse contexto de mudangas é importante destacar © papel especial, no interior dos projetos de transformagao institucional, dos referenciais psicanaliticos e psieossociais que passaram a se colocar como alternativas 208 modelos bioldgico e condutivista, articulando novas formas de pensar e agir nos projetos institu- ionais e de cuidados aos transtornos mentais, Os percursos da Terapia Ocupacional, da Psiquiatria para a Salide Mental Como ja assinalamos, 6 num contoxto de mudangas que a ‘Terapia Ocupacional desenvolve seus referenciais. Desses refe- is destacamos dois que se tornaram muito importantes para o campo da satide mental, e continuam ativos na atuali- dade: a socioterapia ¢ a psicodindmica A perspectiva socioterdpica A Comunidade Terapéutica ¢ a Psicoterapia Institucional, compartilhando o ideal de transformagao do ambiente hospita- lar em ambiente terapéutico, desenvolveram estratégias orien- tadas por prinefpios que mesclaram as abordagens psicossocial sofri- \do no plano das relacbes pessoais € sociais ¢ a concopgao de que é no campo relacional que 0 sujeito se constitui e readquire sentidos para o viver, sendo esse 0 campo privilegiado tanto para 0 processo de tratamento da pessoa como para o processo de transformacao das instituigbes, ‘As abordagens grupais, az terapias individuais, as préticas de as, a redefinicao dos papéis profissionais dos terapeutas, entre outras estratégias do trabalho institucional, tiveram origem nesses processos recentes. m a Terapia Ocupacional estiveram presentes nas proposi- de Luis Cerqueira, que nos anos 1960 e 70 foi um impor- defensor da implementagéo de uma Politica de Satide vrientada para o desenvolvimento de servigos na comu- nidade e para a transformacéo dos hospitais em Comunidades ‘Terapéuticas, aderindo ao preconizado pela OMS desde 1963. Cerqueira considerava que (as( agbes desenvolvidas pela ‘Terapia Ocupacional poderiam constituir o principal eixo estru turador de mudancas no ambiente e nas praticas institucionais Nessa perspectiva ele propunha o desenvolvimento de grupos ‘operativos, oficinas, ateliés, e do “clube terapéutico”. Recomen- dava 0 acompanhamento em Terapia Ocupacional aos pacien- tes agudos, numa perspectiva praxiterépica. Entendia, ainda, que a Terapia Ocupacional pudesse orientar a personalizagao dos espacos e 0 respeito a identidade dos internos, nao se configurando como técnica isolada, mas organizadora da di- namica institucional. Suas idéias ainda se constituem em importantes eixos norteadores dos trabalhos de transformagao institucional. A perspectiva psicodinamica Conjuntamente aos deslocamentos mais gerais do paradig- ma psiquidtrico tradicional e a discusséo das Politicas de Satide Mental, houve a penetracao, nesse cendrio, especialmente a partir da década de 1960, da cultura psicanalitica, como um saber eapaz de superar os limites do pensamento psiquidtrico biolégico € normativo e orientar as mudangas in: ua forma de compreender os fendmenos psiq s foi lentamente, meselada ou nao com outros referenciais, incorporada nas préticas inovadoras em muitos aspectos: no égica para uma compreensio do sofrimento mental, no neiamento de praticas psicoterapicas grupais e indivi- na compreenso das dinémicas institucionais e seu ‘ionamento. Na Terapia Ocupacional essa influéneia se configurou na abordagem psicodinamica introduzida, nos Estados, pelas formulagdes de Gail e Jay Fidler que, apoiados psicanalftica, definiram a Terapia Ocupacional como ‘e580 de comunicacdo'que se estabelece na relagéo ja-paciente-atividade. No Brasil, a divulgacdo ¢ 0 namento dessa perspectiva tem ocorrido pelo trabalho n dosenvolvido por Benetton e colaboradores ¢ trazido impor- tantes contribuigdes para a Terapia Ocupacional, Embora reconhecendo as contribuigdes dos autores da psi- codinamica norte-americana na reconfiguragéo da Terapia Ocupacional, na importaneia da utilizagéo de atividades & pressivas, no manejo dinamico das relacoes dual ¢ grupal, no carétor terapéutico da relagdo e do processo, Benetton critica 0 tipo de utilizagdo que os autores faziam das nogbes psicanaliti- cas e passa a desenvolver uma metodologia de trabalho atual- mente conhecida como “trilhas associativas’. Essa metodologia tem como prineipios norteadores a concepeao de que a dindmi- ca estabelecida pela triade terapeuta-paciente-atividade com- pde um campo transicional no qual é possivel ao paciente, por meio do trabalho associative com as produgées realizadas nos settings terapéuticos, construir e reconstruir sua histéria. De modo geral abordagem psicodinémica contribuiu, em conjunto com outros referenciais, para a construgao de aspectos da critica ao tratamento moral, a ergoterapia ea todas as modalidades de ocupacao do tempo ocioso desenvolvidas nos ambientes hospitalares e para a compreensao das violagées do EU presentes na situagéo de confinamento. Discussées atuais sobre as orientagies da terapia ocupa- cional, no campo da satide mental, apontam para a necessidade de reflexao sobre importantes questies, das quais destacamos: + A importéncia de um novo perfil relacional entre terapeu- ta-paciente, servigo-ususrio que envolva caracteristicas de parceria e co-partieipagao, em que o terapeuta adota um papel ndo-diretivo, permitindo que 0 paciente se aproprie da definigao de seu projeto terapéutico. A importéncia do desenvolvimento dos processos terapeu- ticos nos espagos reais de vida da pessoa ¢ em atividades que Ihes sejam significativas e respondam a necessidades presentes no cotidiano, A énfase no desenvolvimento de experiéncias com pessoas ‘com graves desabilidades ou problemas de integracdo so- como perspectiva privilegiada da constituigao da le- gitimidade das praticas de Terapia Ocupacional. A Terapia Ocupacional no contexto dos processos de desinstitucionalizagio No Brasil convencionou-se denominar de Reforma Psiquis- trica o proceso de critica as instituicées asilares e de busea de alternativas de transformacao que emergiu no final da década de 1970. E nesse contexto que temos buscado compreender e situar as proposicdes da atengao em Terapia Ocupacional no campo da Satide Mental. Tarefa que temos desenvolvido a partir do referencial da desinstitucionalizagéo e em didlogo com as pré- tieas inscritas nos processos de superacao das instituigdes asila- res e de producdo de novas formas de interagir com as pessoas com 2 experitncin do eoftimente petguico 2 em aitagio de exclusio social . Na década de 1980, no estado de Séo Paulo, a imple- mentagéo da Politica Estadual de Sade Mental enfatizou a assisténcia extra-hospitalar e o trabalho em equipes multipro- fissionais como alternativa ao modelo asilar. Nesse contexto, podem-se verificar dois movimentos importantes: a partici- pacdo dos terapeutas ocupacionais na transformagdo das ins- tituigies asilares ¢ a insercéo nos Ambulatérios de Saide Mental Diversos trabalhos de terapeutas ocupacionai m nas experiéncias de translormacao institucional, a exemplo projetos realizados no Juqueri e no Instituto de Psiquiatria Jo Hospital das Clinicas. Pautados na transformacéo da lgiea lar, eles tomaram como eixos condutores fundamentais: a compreensao do significado da instituigéo psiquidtrica na orga- -Ao social, 0 entendimento do papel dos téeni es de mandato social e a compreensao sobre a pop ida em Terapia Ocupacional a partir de sua condigdo de iso social e de auséncia de direitos. De acordo com essa sspectiva e a partir da ampliagdo ¢ redimensionamento dos de Terapia Ocupacional e da nogio de atividade, bus- se construir espagos miiltiplos de agregacio, expressao & que viabilizassem a transformagao do cotidiano insti- superagéo da condigao de objeto das pessoas inter- iéncia como forma de relagao. 73 Esses processos colocaram em cena diversas questdes, den- tre as quais a laborterapia e as diversas formas de ocupacdo. A permanéncia de diferentes praticas de ocupagao pelo trabalho, ou simplesmente ocupagao nas instituigdes asilares até os nos- sos dias, nao pode ser analisada como um elemento isolade ou, de forma simplista, como um atraso teérico ou téenico. Praticas que, muitas vezes, sdo vivenciadas como naturais pelos pré- prios pacientes: no cotidiano de regras, disciplina e violencia Gas instituigées asilares, o trabalho/ocupagao se apresenta muitas veres para 0 intemado como tinica saida da situagdo em que se encontra. Entretanto, clas nao se constituem numa oposicao a essa situagéo ~ pelo contrario, a evidenciam, conservando a logica de controle, sujei¢do e exelusao da propria instituigao, Nos processos de transformacao das instituigdes asilares, freqiientemente a ocupagdo se apresenta também como uma resposta a ociosidade. Diferentemente dessa compreenséo, & perspectiva institucional de andlise revela que o vazio institu- cional nao é produto da falta de ocupacdo, e, sim, remete ao “proceso de institucionalizacéio” e & auséncia de intereambio, de relagées, expreasdo do “manieémio como lugar zero da troca”. Dessa forma, a superacéio das diversas formas de ocupa- do, como praticas consubstanciais légica asilar, se inscreve nos processos de transformacéo e superagaio das institui asilares e da relagao de “tutela como expropriagao dos corpos”. ‘Varefa que permancee absolutamente prioritaria na atuslidade, compondo os desafios do campo da atengdo em terapia ocupa- cional. Ag diversas agées de ruptura com o cotidiano asilar agem profundamente nas relagdes com a pessoa internada se, ‘¢ quando, possibilitam uma gradual transformagio de seu estar no mundo, de reapropriaeto de si, de sua relagdo com 0 proceso de adoccimento, de seus vinculos com o mundo, de sua projetua- lidade, anteriormente anvlada e/ou restrita pela internagao. Esse processo implica, dentre outras acves: eliminar os meios de contengao eas formas t{picas de controle asilar; rom- de diferentes formas, o isolamento das pessoas internada: ‘ir 0 direito & expresso, A palavra, aos objetos pessoa icolhimento, possibilidade de escuta; produzir pos: de grupalizacao, de invencio de contextos de troc nr a produgao de novos vinculos, ressignificar a preender e validar afetos, mensagens © producbes; transformar os espigos ¢ as relagies cristalizadas; aproximar-se dos familiares, ilitar relagdes com 0 mundo, reativar re- cursos, restituir direitos, construir aberturas reais ¢ virtuais nos muros, transformar a estétiea da separacao entre o dentro e o fora. No contexto das praticas desenvolvidas nos Ambulatérios de Satide Mental, a tarefa principal, daquele periodo, consistiu no desafio de desenvolver programas multiprofissionais vi- sando atender as pessoas com transtornos mentais graves. Partindo sobretudo das proposig6es e abordagens psicodinémi- as, alguns terapeutas ocupacionais participaram ativamente da elaboracdo das diretrizes da Politica Estadual de Satide Mental e da implantagao de suas propostas. Em alguns ambulatérios, implantagdo dos denominados Programas de Intensidade Mé- xima (PIM) buscou viabilizar modalidades de intervengo que sem, efetivamente, da internacao hospitalar. __ Apesar dos diversos obstaculos politicos, institueionais técnicos que emergiram no curso do processo de coneretizagao das novas orientagies e, de for idente, interferindo também na atengéo em terapia ocup: |, € fundamental destacar que esta atuacdo foi o marco inicial da construgao de uma nova identidade profissional As propostas desenvolvidas expressaram um novo perfil relacional entre terapeutas e pacientes, uma nova forma de compreenséo da relagéo paciente-terapeuta—atividade, a rele- incia da abordagem grupal e do trabalho em equipe. Desta forma, contribuiram para a construgao de um novo lugar para isténcia prestada em Terapia Ocupacional nos servicos icos de ateneao psiquistrica ¢ om satide mental vinculado, entéo, & instituicdo asilar. No final dos anos 1980 ¢ principalmente na década de no contexto do processo de municipalizacdo da sade, ‘uns municipios passaram a assumir a construgdo de novas icas de satide mental yoltados para a transformagio do assistencial, a implementagdo de uma rede de atengao rantia ¢ construgao de direitos das pessoas com transtor- rntais. No curso desse proceso, a transformagio das ces asilares e a produgao das instituigdes como os cen- miicleos de atengao psicossocial — CAPS e NAPS ~, centros oficinas terapéuticas, cooperativas sociais, mo- -veram, também, no percurso de busea de efetiva edo da atencao as parcelas da populacso tradi- 75 mente exclufdas do setor ptblico ¢ propiciaram a efetiva ipacdo dos terapeutas ocupacionais na elaboragao de pro- Jjetos © nas politicas puiblicas. No que diz respeito as politieas municipais, no estado de Sao Paulo, destacaram-se as expe- riencias dos municipios de Campinas, Santos e Sao Paulo. A experiéncia santista pode ser compreendida como pro- cesso social complexo que, a partir da desmontagem do mani- cémio, projetou a Satide Mental como territ6rio de cidadania, emancipagio ¢ reprodugio social. Nesse percurso destacaram- se: a producto dos servieos territoriais, uma nova forma de compreender ¢ intervir na questo dos projetos de insergao no trabalho com a criagio da primeira cooperative ineluindo pessoas com a experiéneia do sofrimento psiquico, a producao de projétos culturais por meio de miltiplas linguagens e de formas de associagdo e par-icipagao na vida publiea, Ancorado na perspectiva da desinstitucionalizagao, esse processo propiciou e exigiu a produeao de politicas publicas potencializadoras de cul- tura de validacao, a construgdo de novos quadros de referencia, a invengdo de modalidades de cuidado e de formas de intera- 80, 0 exoreicio de diferentes profissionalidades, bases funda- mentais para o conjunto ce reflexdes que temos desenvolvido. A desinstitucionalizac&o inscreve a necessidade de des- montar as solugdes existentes para (re)conhecer, (re)contex- tualizar 0 problema representado pelo sofrimento psiquico © inventar novas pos iades, processo que, necessariamente, permeia as diferentes distiplinas. Nessa perspectiva, as préti cas de atencao em Terapia Ocupacional pautadas na desinst tucionalizacdo tém exigido e propiciado novas formas de olhar, conhecer e interagir com a experiéncia do adoecer ¢ da exclu- so social. Em outras palavras, isso implica, também, romper com 0 olhar, as modalidaces de intervengao, as instituigdes, as formas de interacdo construidas em torno da “doenca” ¢ da “defieiéncia” como objeto abstrato e isolado que permeiam o campo da Terapia Ocupacional, ‘No percurso te6rico e pratico da desinstitucionalizagao, Ro- telli toma como objeto nao mais a doenga, mas a “existéncia-30- frimento das pessoas ¢ sua relagdio com o corpo social”. Essa proposi¢do requer a ruptura com as formas contempordneas de jcacdo da experiéncia de sofrimento, de mal-estar, de di- dade e a superacdo des instituigdes ¢ formas de intervencao coerentes com esté novo estatuto epistemolégico, Dessa form: a desinstitucionalizacao propée, também, transformar 0 mo pelo qaal as pessoas so tratadas para transformar seu sofri- mento e, neste proceso, construir os itinerarios que visem a ‘emaneipacao. Nessa perspectiva, temos trabalhado com a nogao de pro- Jeto com o sentido de interagao entre as pessoas, 08 contextos © os recursos, Projets singulares pautados em uma profunda transformacao do olhar construido em torno da dongs, da de- ficiéncia e da incapacidade: que tenham como ponto de partida a validagao do outro, 0 conhecimento e dislogo com as histérias de vida das pessoas em seu contexto e sua rede de relagées. A partir da atengio centrada nas pessoas, essa forma de pensar requer 0 desenvolvimento de praticas nos contextos reais, de vida colocando em cena as atividades e as redes de relagées que tecem a vida cotidiana, o habitar, o territério, o trabalho, a comunicagao, 0 lidico, a fantasia. Dimensdes que se entrela- gam e sao conexas e, assim, implicam respostas que superem a fragmentacdo e a descontextualizacdo dos instrumentos ¢ re- ‘cursos terapéuticos. Percursos ¢ itinerdrios que propiciam res- significar a nogao de atividade, inscrita nas interagées entre as pessoas © 08 contextos, na produedo das possibilidades mate- riais, subjetivas, sociais ¢ culturais que viabilizem os dife- rentes modos de estar no mundo. Projetos orientados para o cuidado do sofrimento, a ativagao de novas dade, ce linguagens, de reapropriagdo das vas de vida ~ criagdo de novos contextos, produgo de redes de trocas, invengdo de vias para viver na cidade, transformagao do cotidiano de vida -, projetos de producao de sentido. A producéo tedrica sobre a desinstitucionalizagao 6 exten- sa e trenscende os objetivos deste trabalho. Em uma andlise do conjunto de reflexdes e inovagdes que a compoe, podemos dizer que 08 eaminhos e percursos tedricos, praticos e politicos que se desenvolveram a partir do trabalho da equipe coordenada por Franco Basaglia em Gorizia convidam, sobretudo, a negar as versas formas de objetivacao do homem, a recusar a reclusao iséio como resposta natural e imutavel, a busear a supera- instituigdes da violencia, a arriscar 0 eneontro com 0 » na complexidade da existéncia das pessoas e a inventar '8 Fereursos e novas realidades. 7 A porspectiva da desinstitucionalizagao possibilita, tam- bém, redefinir os objetivos da atengiio em Terapia Ocupacional: nao se trata de independéncia como norma ideal abstrata atributo dos individuos ou do reinsereao como equivatente de normalidade produtiva, rorém de processos orientados para a produgio de autonomis ede itinerérios que enfrentem a exclu- 880 social. Os novos horizontes delineados que se expressam entfo como intencionalidade de nossa intervencdo implicam, também, poder superar o coneeito de satide como reparagio do dano e compreendé-la econo produgao de vida. A visio de reparagac do dano norteia também diferentes concepgies de reabilitagéo presentes no campo da Terapia Ocupa- cional. Saraceno eritiea a visdo que define a reabilitacdo “como a melhoria dos atributos danifieados (desabilidade) a fim de que o sujeito possa estar a par com 08 outros”. B propée que esse processo seja entendido como [..] um conjunto de estratégias oriontadas a aumentar as oportu- nidades de traca de recursos e de afetos: 6 somente no interior de tal dinfmiea das trocas que se cria um efeito habilitador |...) é uum proeesso que implisa a abertura de espagos de negociagao para o paciente, para sua famflia, para a comunidade circundan- te e para os servigos que se ocupam do paciente. (Saraceno, 1999, p. 112) Essa forma inovadora de pensar delineia, também, uma nova projetualidade pars as intervengdes em Terapia Ocupa- ddieando a produgio do redes de negoeiagao articuladas gio das oportunidades jem ampliar 0 po- der contratual das pessoas em situagao de desvantagem. Habi- tar, trocar as identidades, produzir e trocar mereadorias ¢ valores delineiam os censtios, contextos e relagdes que revelam a riqueza e a banalidade da vida cotidiana e se configuraram como eixos fundamentais para gerar o enri jento de rela- gbes de trocas © a potencializagao de contratualidades. A problematizagao e redefinig&o dos conceitos e nogies que ‘teiam a construgao do olhar, dos processos, dos lugares © lalidades de intervengao, dos objetivos ¢ projetualidades compoem algumas das questdes prosentes nas formas de pen- sar e fazer a Terapia Ocupacional na perspectiva da desinstitu- cionalizagéo. Novas indagagoes tedricas © pratieas emergem, inseritas nos desafios que, cultivando saberes, praticas, cultu- ras e politicas inovadoras, ousem compartilhar a produgao de ossibilidades de projetos de vida para todos. Compreendemos que essa complexa trajetéria de transformagao da forma de pensar a questo da loueura ¢ a assung a cidadania plena abre caminhos para mento", para 0 didlogo e a complexifieae no desafio de produzir ciéncia com conseiéneia. Referéncias bibliograficas | BARROS, D. D. Jardins de Abel. A desconstrugiio de manicimio de Trieste ‘S50 Paulo, Lemos! Edusp, 1994 -Perspectiva da instituiedo e o papel da Terapia Ocupacional”. Insight, n° 36, pp. 27-30, dez. 1993, BASAGLIA, F. “La distruzione dell’ ospedale psichiatrico come luogo di istituzionalizzazione. Mortifieazione ¢ liberta dello ‘spazio chiuso: Considerazion’ sul sistema ‘open door”. 1964. In; ONGARO BASA- 193-1968, Dalla psichiatria fenomenologica ‘all esperienza di Gorizia. Pari : Janeiro, Graal, 1978. 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De fato, esse nexo ¢ um dos elementos que caracteriza essa pritica, pois a diferencia da- quelas que tomam o “sujeito” como unidade essencial de anali- 50 © intsrvencao, trabalhando sobre a realidade objetiva em que este vive de forma indireta (pela possfvel agdo do préprio sujeito) 2/ou pontual (tratando de algum problema espectfico) e/ou eventual (em momento especifico). Mas pode se dizer que essa suposic&o é incorreta, se desejar expressar a idéia de que 0 trabalho no territério é essencialmente definido pela mudan- ga de localizago espacial da ago terapéutica. Se assim fosse, a atengéo no domicilio do sujeito, independentemente de que problemas estivessem sendo abordados por meio da agao pro- fissional, deveria ser considerada sempre pratiea tervitori que néo esté correto. Isso, além de representar um, 81 reduzir a natureza das préticas territoriais ou das préti- comunitarias ao aspecto “geografico”. Pode-se dizer que, em parte, essa interpretagio redutiva neontra sua razéo na flexibilidade do emprego do conceito nunidade”. Por comunidade entende-se um grupo de pessoas se identificam por apresentar caracteristicas comuns a fol (como em “comunidade portuguesa”). E possivel, ainda, usar a palavra para definir uma cultura mais ou menos pai cular, algumas vezes definida pelo tipo de atividade produtiva desenvolvida pelos membros do grupo (como “comunidade ru- ral” ou “comunidade artistica”). Contudo, na maior parte das veres 0 emprego da palavra “comunjdade” leva & consideragtio, em maior ou menor grau, da existéncia de uma delimitagao espacial propria a um conjunto de pessoas, Outra associaggo de idéias surge logo que se encontra a palavra comunidade qualifieando determinado trabalho: “t balho comunitério”. Esta so rofere & caracterizago econdmica da populacdo-alvo ou mesmo da rogiao que sedia essa agdo. Freqiientemente, o “trabalho comunitario” é entendido como uma intervengao sobre grupos ~ ou populagées localizadas ~ em que o fundamental é partilhar uma situagdo social em que a caréncia econdmica impée limites importantes na qualidade de vida, Essa caréncia diz respeito tanto aos elementos mate- riais basicos que garantem uma sobrevivéncia digna quanto ao acesso a diferentes servigos relacionados a producio de como edueagao, satide e lazer, entre outros. O trabalho eomuni- tario, nesse sentido, apresenta-se como uma agéo aplicdvel a quaisquer situagdes de pobreza ou grupos carentes, O proble- ma é que ao se eonsiderar apenas esse atributo para delimitar ¢ que se trata por trabalho comunitédrio, ou territorial, pode-se clencar um sem-ntimero de ages, com as mais diferentes con- figuragdes. A noco de trabalho comunitario pode aparecer aplicada a praticas bastante assisteneialistas, ou que enxer- gam na pobreza da populagdo a impo: fade de autodeter- io, até a préticas que, no sentido oposto, viabilizam uma ipagdo diferenciada da populagao, tanto no planejamento 1a implementacao de ages geradas com 0 objetivo de ir com sua organizagdo e emancipacao politica mitar o campo das prétieas comun sous elementos de identificagao te6rico-metodolégicos we pode ser uma tatefa dificil. No eampo da sade, tal como em outros campos nos quais as préticas comunitérias acontecem, a diversidade de configuracdes e seus respectivos suportes teéri- cos é uma realidade. Os fatores que condicionam ou motivam essas priticas, elementos importantes para sua caracterizacao, ios. H praticas, por exemplo, que tém origem da populagao organizada, mobilizada por um problema sanitério. Outras emergem de uma avaliagao téenica e da necessidade que os profissionais véem de atuar sobre de- terminado problema, Existem aquelas que partem de organi- zaghes néo-governamentais especializadas em determinados problemas e tipos de acdo. E outras, ainda, criadas pela noces- sidade de se respeitar a orientacdo de agéncias ou grupos fi- nanciadores, principalmente os internacionais, que querem difundr a idéia de que as préticas comunitérias, dado seu » baixo custo, sao as inais adequadas para a solucdo de problemas apresentados pelos paises em desenvolvimento. Fre- ‘qlentemente, as diferentes inspiragies relacionam-se direta- mente com um aspecto central da configuragao conereta dessas préticas: a participacdo que a populacdo interessada tem na construgao, gestio ¢ avaliago das agdes desenvolvid: também indica 0 conceito que se tem do termo territério ou comun:dade, E interessante, portanto, que, ao se eseutar refe- réncias sobre determinado trabalho comunitario, busquem-se maiores informagdes, néo apenas sobre seus objetivos, mas sobre seus métodos praticos e, em especial, sobre como se trata a comunidade ou 0 territ6rio no projeto. Sao essas informacies la pelo termo “comuni- almente registré-la em determinada perspectiva te6rico-metodolégica, bem como apreen- déla em seu sentido politico-ideol6gico. ‘No Brasil, no campo da saide ¢ reabilitagao de pessoas com deficiéneia, embora os canais de divulgagao formal indi- quem um mimero reduzido de experiéncias, tem-se um retrato dessa diversidade. Muitos projetos dessa natureza néo alean- cam amplos niveis de divulgagio, sendo mais conhecidos na prépria area em que acontecem. ciativas dessa natureza partem de diferentes agentes: Unidades Basicas do sistema piiblico de saiide, ou seja, do Sistema Unico de Satide (Sus), ‘dades, organizagdes ndo-governamentais e, ainda, de algumas estruturas tradicionais no tratamento it ional 83 da pessoa com deficiéncia, Essas vam eriando programas cifieos de acdo comunitdria, ou “extramuros’, de forma paral fe nao substitutiva as agées institucionais tradicionais. I posst- vel encontrar-se, também, ages na comunidade que partem de unidades hospitalares publicas que, por razées estratégicas, atuam com esse enfoque sobre algum(ns) problema(s) que ocorre(m) na regio sob sua responsabilidade, desenvolvendo programas de internagao ou de acompanhamento domiciliar de seus pacientes. ‘A diversidade de propostas também se expressa na compo- sigao de recursos, tanto materiais quanto humanos, das dife- rentes préticas. Hé prétieas de satide, por exemplo, em que as equipes de trabalho contam com poucos profissionais ¢ estos, ‘com caracteristicas generalistas. Em outras, a equipe pode con- tar com profissionais mais especializados. Em outras, ainda, 0 trabalho se realiza prineipalmente por intermédio de volunt- rios, com algum apoio téenico. Em algumas, profissionais de diferentes niveis e voluntdrios articulam-se em diferentes as- pectos da proposta, De forma geral, porém, pode-se dizer que as prétieas comunitarias tém em comum o fato de serem econo- ‘mieamente menos onerosas, principalmente por agregarem menos tecnologia. Entretanto, devem-se evitar dois equivacos. O pri- meiro 6 pensar que as préticas comunitdrias ou territoriais podem ser implementadas mesmo quando néo se conta com nenhum recurso. Como apontam Momm ¢ Konig, boas praticas sempre implicam eustos. O outro equivoco 6 supor que essas préticas, por contarem com menor densidade tecnolégica, re- querem menos conhecimento por parte de quem as executa. Ao contrério, por identifiearem ¢ atuarem sobre problemas muitas vyezes desconhocidos das salas e consultérios, exigem artieula- {Bo € didlogo entre diversos campos de conhecimento, o que pode ndo ser parte da formagao académica dos profissionais envolvidos. Nesse sentido, a pratica comunits complexidade prépria, que no pode ser desprezada sob o risco de torné-la inéeua. E com essa preocupagao que sero apresentados alguns ventos que vem orientando, teérica e metodologicamente, gumas priticas de Terapia Ocupacional atualmente em curso, es servern & fundamentagio da aco dos terapeutas ocupa- nas préticas comunitdrias ou territoriais. No entanto, deve ser lembrado que nao podem esgotar nem a diversidade, nem tampouco # complexidade implicada no campo. ‘A problematica da populagao com deficiéncia no Brasil Estudos sobre as prineipais eausas de morte e adoecimento demonstram a coexisténcia de padrdes de mortalidade e morbi- dade de doengas infecto-parasitarias, doengas cardiovasculares, mortes por violencia, por acidentes de trabalho, pelas conse- qiiéncias da fome ou ainda pela mudanga do perfil etério da populagiio. Nos servigos de satide sao expressas as contradigdes impostas pelo modo de produgao e de sociabilidade vigentos, contrapondo de maneira contundente modos de vida e acesso a bens e servigos, numa relagao direta entre morte, sobrevivéncia e qualidade de vida. ‘ Esses padres de morbimortalidade traduzem também as deficigncias a eles associadas, © seus desdobramentos, quando se trata de discutir acesso a servicos. H4 tempos se evidencia que a maior parte da populaeao com deficiéncia nos paises em desenvolvimento nao tem acesso a servicos de satide e real taco, Mesmo aqueles que conseguem assisténeia permanecem com grande parte de seus problemas néio solucionados, & medida que a assisténcia é predominantemente de natureza médica. A io social incide, desastrosamente, sobre os Co 1 psicossocial da vida dos sujeitos com defi- ciéncia; tem sido apontada como eixo central em torno do qual se deve processar a compreensio das condigies complexas de existéneia desses sujeitos, ‘As mudangas no campo da satide € da reabilitagao Desde 1960 esté em discussio 0 modelo assistencial em litacao. A Organizacao Mundial de Saiide (OMS) e a Orga- \edo Internacional do Trabalho (Orr) tém eolocado o modelo convencional - fundado no paradigma biomédico ~ sob questio- wento, gerando orientagdes que, além de enfatizar a necessi- je de mudangas abrangentes na forma de se entender e lizam, também, outros is, além da satide, por essa tarefa. Esse aspecto foi io detalhadamente no “Plano de A¢ao Mundial”, de 1980, 85 indicando a necessidade de se promoverem medidas eficazes para a prevengao da defieiéncia e para a reabilitagio, bem como para a “participagao plena” das pessoas com deficiéncia na vida social e no desenvolvimento. Nesse ambito, a reabilita- go compreenderia desde servigos de detecgaio precoce, diag- néstico e intervencdo até servigos de reabilitacao p nal (inclusive orientagao profissional, colocagao no emprego aberto ou abrigado). ‘A necessidade de ampliagao de cobertura assistencial em reabilitacso foi um dos aspectos que levaram os organismos internacionais a discutir alternativas as instituigdes especia- lizadas, apresentando a Reabilitagao Baseada na Comunidade (RRC) como estratégia politica a ser priorizada, Essa proposicao pode ser tomada como um modelo que visa A expansio da assisténcia as pessoas com deficiéncia pela simplificagao das agdes ¢ otimizacso dos :ecursos locais, de forma coerente as orientagSes mais gerais para a satide ~ particularmente a ex- pansio da Atencio Primaria — que integravam o Programa Satide Para Todos no ano 2000, da OMS. Embora esse organis- mo tenha orientado os peises-membros a adoté-la amplamente, nao se pode dizer que isso aconteceu. No Brasil, registram-se projetos dessa natureza;! alguns foram conclufdos ¢ outros es- ‘téo em andamento, amparados na diversidade jé comentada das praticas comunitirias. 0 SUS reconheceu a RBC como estra- tégia a compor as modalidades de reabilitagio. No Brasil, o perfode compreendido entre 1980 ¢ 1990 foi mareado por intenso movimento da sociedade. Mediante propo- sicdo o apresentagdo da Reforma Sanitéria, discutiu-se 0 modelo assistencial oxistente, apresentaram-se alternativas para o papel do Estado na organizacdo ¢ gestao de servicos de satide, para 0 ‘uso e a incorporagio da tecnologia e para a participagao da popu- lagao e dos profissionais de satide na distribuicdo de recursos ¢ na definigdo de prioridades assistenciais. A idéia central foi a lc efetivar a satide come direito de cidadania e servigo publico voliado para a defesa da vida individual e coletiva. 1. Ane € tema de rellexio de alguns trabalhos de terapentas oeu- tais como Oliver, Almeida, Tissi, Castro, Formagio e Almeida. ‘Esses pressupostos também influenciaram a proposiggo poli- tiea e 0 desenvolvimento da atengao as populagées com as quais trabalha-se em Terapia Ocupacional.2 O terapeuta ocupacional passou a compor equipes de satide chamadas a desenvolver um modelo assistencial centrado na universalizacao da assistén- cia, no qual todas as pessoas, independentemente de seu perfil de satide ou doenca, devem ser atendidas por servigos piiblicos de satide, préximos do seu domicilio (principio da regionalizacso e hiera-quizacdo dos servigos e da atenco), sendo acompa- nhados em suas diferentes necessidades de saxide (atengao in- ‘tegral, e nao apenas curativa). A partir das contribuigdes coneretas que jé havia demons- trado em programas ¢ projetos assistenciais nos anos 1980, 0 terapeuta ocupacional passou a ser provisto nas equipes de satide que atuam em unidades basieas de sattde, om centros do convivéncia, hospitais e centros-dia, em micleos ¢ centros de atencdo psicossocial, bem como naquelas que, nas unidades hospitalares, se voltaram para a atengao as necessidades inte- grais de criancas ¢ de pessoas com doencas crénicas ou degene- Tativas. Isso redimensionou a prética assistencial na drea e sensibil:zou profissionais para novos desafios tedricos e meto- dolégicos que se apresentaram. Esse processo gerou ¢ continua gerando reflexdes ¢ propo- sigBes acerca de estratégias de intervencao complexas, pelas quais dialoguem as necessidades e demandas de satide ¢ reabi- litagdo cas pessoas com deficiéncia ¢ as contril dos téeni- cos de sani acéo da Terapia Ocupacional em unidades extra-hespitalares, fundadas no respeito e na conquista dos direitos da populacao assistida, desencadeou articulagies con- ceituaise diretrizes préticas importantes. Algumas delas sera0 discutidas nos pontos seguintes. 2. Sto diversos os estudos existentes sobre o desenvolvimento de 0 as pessoas com deficiéncias e sua lesiastitucionalizagao de pessoas com transtornos mentais e com eins, prosentes no conirio europe © americano. Podemos citar sr (1990, 1998). Essex estudos so fundamentais a ccmpreenso do contexto de eriagio de estruturas assistenciais, ‘interna. 87 \ério-processo. ago sobre a comunidade ou o territério & wssencial adotar-se definigéo para o termo. Algumas préticas de Terapia Ocupacional tm dado preferéneia a utilizacao do nceito de territério, a medida que este se apresenta de forma delimitada e articulada a nogdes que sustentam o estofo ue processo”. Essa perspectiva se opée a idéia de que o territério se define, exclusivamente, por sua superficie solo. Ainda que esta seja tomada como uma de suas dimensdes, amplia-se 0 conceito de territério e sua operacionalizagao ao se incorporar a ele elementos que 0 qualificam também como espago demo- se articulam em torno de suas necessidades e interesses. A estrutura e a dinimica socioeconémica e politiea tém lugar central no conceito, visto que, a partir desses aspectos, articula-se a compreensio a respeito dos poderes locais, que 6° manifestam em aliancas, redes de solidariedade e conflitos — elementos fundamentais para o trabalho em territério. Outro aspecto a ser destacado é que, visto a rio 6 espaco téenico-cientifico de produgao e dif bem como de produgdo de cultura e de valores. Todos esses elementos sao essenciais, uma vez que as préticas territoriais buseam construir mudaneas multidimensionais, que abrangem 0s sujeitos ¢ seus contextas. preciso lembrar, ainda, que, tratando-se de proceso, nunca se esgota 0 conhecimento sobre um territério, Ble ndo pode estar acabado, porque 0 territério mesmo nunca esta. Por isso, a acdo que pretende operar com a realidade do territério deve estar sempre sensivel e flexivel &s mudaneas, que nao param de ocorrer O conceito de reabilitagao no territério Construir propostas de atencao voltadas para a garantia de direitos significa que ¢ necessario estabelecer/construir o ireito & satide e, no caso, a reabilitagao como politica pul wgrada ao desenvolvimento cultural e politico, possibilitando 88 oportunidades para’a reducdo de desigualdades sociais. Em outras palavras, € necessério trazer para dentro do proceso de reabilitazdo, e, portanto, das propostas de atencao, a comple- xidade da condicao de vida dos sujeitos que se busca atender. ‘Trabalher com ela de forma continua, Nesée sentido, o compromisso é promover a real participacdo social, ou seja, a atengao 6 desencaden te 0 estabelecimento de po: lades de participagao soci participagdo social nao é objetivo do proceso, e sim condigaio para seu estabelecimento, Essa percepedo compartilha idéias desenvolvidas por Sara- ceno, para quem 0 processo de reabilitagdo nao é o “processo de substituigao da desabilitacéo pela habilitagao, mas um conjun- to de estratégias orientadas a aumentar as oportunidades de troca de recursos ¢ de afetos: € somente no interior de tal dinamica das trocas que se cria‘um efeito habilitador” (Saraceno, 1999, p. 112). Essa abordagem, origindria do campo da atengao em satide mental, denominada “reabilitaco psicossocial”, apre- senta prinefpios que podem ser estendidos para vérios campos tengo em satide, Isso implica a consideragao de que a itagdo, a restauracéo ou 0 desenvolvimento de fungdes, que muitas vezes esto comprometidos nas pessoas com deficién- cias, deve acontecer no decorrer da, e no previamente a, cons- truco de processo de ampliaeo de trocas e redes soeiais, pois a agao € interacdo real do sujeito no seu contexto dard sentido a0 processo. — Reabilitar com ¢ na participagao social requer @ criagéo c/ou vitalizagao de espacos coneretos de trocas e possil com e para além da deficiénc entre as pessoas, apostando “na construcdo de redes multiplas de negociagao” (Saraceno, 1999, p. 113)./Nesse sentido, as catogo- s “mora”, “trocar identidades”, “produzir e trocar mercadorias valores’, apresentadas na reabilitacao psicossocial, suportam, a promogio de possibilidades de trabalho e sentido da reabili- tagao de pessoas com deficiéncias em territorio, ios © agdes da Terapia Ocupacional no territério 0 deslocamento das agoes profissionais da instituigdo para © lerritério tem como principio a mudanga de objeto de reabili- 89 Ou seja, a insereao no territério 6 caracterizada pela falta de acesso a servicos de satide e reabilitacio, pelo confinamento no espaco do domicilio ¢ pelo assistencialismo, paternalista, revelando que a pessoa é parte de um territério que cria alter- nativas de acdo solidaria que reiteram o lugar social ocupado por parte desse grupo social. Essas consideragdes devem ser parte do estudo das condigdes de pessoas com deficiéncia e estar agregadas as demais informagoes sobre a historia do su- Jeito, o funcionamento de equipamentos sociais locais as bar- Teiras arquitetnieas ou geogréficas existentes. Nesse sentido, entende-se que 6 prematuro iniciar a ava- liagdo funcional das condigdes das pessoas com deficiéneias em reas especificas nos primeiros momentos do acompanha- mento. A facilitagao do desempenho funcional é ponto impor- tante na intervencdo, e sua avaliacdo serd realizada, mas esta ‘no se constitui em um fim em si mesmo. A melhoria do de- sempenho funcional ou 0 uso de tecnologias de ajuda sao meios ase uti ara facilitar processos reais — e ndo s6 projetados = de participagao social. Os recursos de avaliagao, conven- cionais, padronizados ou elaborados especificamente para de- terminada proposta de acdo, so parte das estratégias de atengdo, devem contribuir para que a pessoa reeupere ou cons- trua a possibilidade que tem de ser sujeito As informagies sobre a pessoa com deficiéncia podem ser levantadas a partir de relatos orais durante acompanhamento ‘em servigos ou em domicilio. Pode ovorrer que a tinica maneira de acompanhar a pessoa seja em seu domieilio, dadas suas condigdes ou a existéncia de barreiras (arquiteténicas, googrd- fieas ou psieossociais). A complexidade dessa situacdo vai nos colocar, como profissionais, em confronto com diferentes con- cepgies de mundo, de oportunidades € de cuidado. O mesmo ocorre com as tecnologias de atengao de que se dispée, que deverdo ser ressignificadas, adaptadas as condigies e priori- dades ¢ consideradas parte da atengio e do direito das pessoas. ‘Sea avaliacdo € pecul modalidades assistenciais também 0 so? des assistenciais apresentadas esto centra- Ivimento e na facilitagao da participacao social \cao, eixo estruturador da atengéo territorial pro- posta até aqui. Pof esse motivo a separagio em modalidades apenas didética, adquirindo sentido no delineamento da inter- venedo com ¢ para sujeitos ¢ situagdes espe: Pode-se in- tervir utilizando-se diferentes procedimentos tais como: Atendimento, acompanhamento ou intervencdo sobre a lade sujeito-domi As experiéncias tém demonstrado que so freqientes as seguintes situagdes a) presenga de barreiras arquitetdnicas ou geogreificas (como terrenos acidentados) que impossibilitam 0 acesso a ser- vvigos de satide, escolas, ambientes de convivéncia; b) existéncia de barreiras psicossociais que promovem 0 iso- lamento no espaco doméstico, seja porque condicionam a Ita de motivagdo ¢ de sentido para a circulacio social, seja porque impedem a construcao de perspectivas de incluso ou de retorno a atividade s ©) inexisténcia de euidadores dispontv locamentos no territério ou pos: de convivéneia em outros espagos; 4) ndo-disponibilidadefeondigdes da familia para prover atengao A satide ou reabilitago em equipamentos s0- ciais existentes. para facilitar des- itar oportunidades servigos de atengao territorial implicaria deixar de prover ateneao a grupos de pessoas com doficiéncias de maior vulnerabilidade e no ndo-conhecimento de parte das condigdes de vida da pessoa, que subsidiariam a atengéo a lhes ser oferecida. ‘Nesse sentido, a atengao territorial deve prover atengao domi ciliar como parte do processo de avaliagdo de demandas e necessi dades e do proceso de intervencio, levando-se em conta que n domicilio participarao a pessoa com deficiéncia e os demais inter- locutores que habitam o espaco, trazendo nova configuracai abordagem da pessoa, de seus problemas e de seu cont 93 Acompanhamento individual na unidade de satide ou outro equipamento social local A ser realizado quand» for possivel para a pessoa com deficiéneia vineular-se a servigo, seja pelo acesso arquitetOnico objetivo, seja pelo reconhecimento subjetivo da pessoa ou de cuidadores de que o servigo pode ser provedor de assisténcia, Acompanhamento em grupos Acontece sempre quando 6 possfvel para 0 sujeito © cuida- mhecerem 0 espago de convivéneia com outros como \dor de solugées para demandas colocadas pelas pessoas individualmente. Mediante essa eonsideracdo, pode-se indagar: de que maneira ¢ possivel estruturar grupos para desenvolver intervengées em satide? Por sexo? Por idade? Por demandas relativas as ineavacidades, caracteristicas das defi- ciéncias? Por interesses? Por tecnologias de atengao a serem propostzs? necessério estabelecer objetivos para a constituigéo de atencao grupal. Ou seja, a que demandas se busea responder com sua apresentagao e constituiga0? Fundamental é propd-la como potencializacéo do proceso de atencao, pois acompa- wultaneamente diferentes sujeitos devem-se cons- ativas. A principio podem constituir-se a partir de demandas pontuais que pode- rao se ampliar, trazendo para dentro da modalidade assisten- cial a complexidade das reiacdes interpessoais, sociais e das relagdes de ajuda entre participantes. Como reunir pessoas? Deve-se considerar que, na atengfo territorial, trata-se de identificar sujeitos e seus grupos sociais de pertencimento. Articular as demandas dos sujeitos e as possibilidades de intervengao que os recursos locais possibilitem pode significar whhar eom: de geracdo de renda e trabalho: pela necessidade \5 pessoas tém de se constituir como sujeitos e pelas + gry possibilidadés de trocas sociais e criagsio apoio que a geragio de renda e trabalho i grupo de maes de criangas com deficiéncias graves: 0 que implica possibilitar espaco de escuta e de trocas soore 0 cotidiano dos cuidados, a necessidade de espago soriocultural para maes submetidas a afazeres e cuida- dos permanentes com 0 outro, a pessoa com deficiéncia ou os demais familiares; + grupo para promover 0 desenvolvimento infantil (neu- ‘oxsicomotor € social); grupo de intervengao sobre as dificuldades no desempe- nko escolar formal; grupo para possibilitar a convivéncia ¢ o desenvolyi- mento de atividades sociorrecreativas; grupo de jovens para possibilitar a criagao de espagos de expresso e de autonomia no territério; grupo de adultos para desenvolver autocuidado e auto- nomia pesso: grupo de vigilancia das condigdes de desenvolvimento invegral de menores de cinco anos. Ou ainda, grupos para possibilitar discussio de direitos fundamentais da pessoa, com a participacdo destas, de seus familiares ou cuidadores em busca da melhoria das condigées 1ess0 arquiteténico a equipamentos sociais locais; para 8 existentes; para acessar tecnologias de ajuda ou para incia de ateng&o a criangas com transtornos graves, que podem, por vezes, ser submetidas a maus-tratos ou negagéo de cuidados. Enfim, sao intimeras as possibilidades diretamente vinculadas as demandas que se apresentarem para o desenvolvi- ‘mento da atengao territorial. Esses grupos podem se realizar nos servigos de saiide, equipamentos sociais locais como escola, creche ou orga: zagées nio-governamentais. Podem ser abertos, sem nim fixo ou rigido de participantes, nos quais & possfvel entrar sair contnuamente, ou, ainda, com ntimero previamente deter- minado de participantes, 0 terapeuta ocupacional realiza intervengdes sempre mediante a utilizagdo de atividades? As intervengdes podem ou nao se caracterizar pelo uso per- manente de atividades (artesanais, artisticas, sociorrecreativas, lidicas, de autocuidado, eulturais, profissionais, entre outras). Os grupos de discussio verbal ou de operacionalizagio de Iugoes de problemas fercebidos como fundamentais para o de- senvolvimento da aterg4o em reahilitagao serao realizados de maneira integrada. Os princfpios ¢ ages apresentados sdo elementos para re- flexdo permanente, representam parte de um campo profis- al para terapeutas ocupacionais, Campo profissional e de conhecimento: uma construcdo necessaria No Brasil, as abordagens tervitoriais e comunitérias em reabilitagdo de pessoas com deficiéneias so um campo profis- sional e de conhecimento em constituigao. A participagd ta de terapeutas ocupacionais em sua estruturagao possil desenvolvimento e estudo de estratégias de atengao com pro- Jetos de intervengéo singulares, que buscam articular necessi- dades individuais contextualizadas. Por outro lado, esse campo 6 desafio para os técnicos da satice em geral e para as institui- com deficiéncias, artieulada ao contexto sociocultural brasi- leiro, reconhecondo a diversidade e as dificuldades colocadas para 0 campo no pais. Referéncias bibliogra‘icas ALMEIDA, M. C, Sauide ¢ reabilitagdo de pessoas com defieiénoia: pol € modelos assistencicis. Campinas, Faculdade de Ciéneias Médicas da Unicamp, 2000, Tose de deutorado, BARROS, D. D,; LOPES, R E. & OLIVER, F.C. Novas propostas assisten- ciais em Sao Paulo: estudo da recente incorporagéo da Terapia 96 Ocupacional no eontexto das agdes de satide mental e satde da pessoa portadora de deficién Relatdrio de pesquisa. Sao Pa BRASIL. Ministério da Saide. Coordenagao de Atengao a Grupos Especiais, Programa de Atencio & Satide da Pesson Portadora de Deficiéncia ‘Atengdo & pessoa portadora de deficineia no Sistema Unico de Sau- de: plancjamento e organizacao de servigos. 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R. do Prado De Carlo Nos espagos socivedueicionais, as populagdes atendidas das pela Iigiea da homogo- gico, e mesmo os procedimentos terapéuticos, entre iguais (individuos nos mesmos estégios evolutivos), para que se obte- nha sucesso. Para que esses prinefpios pudessem ser efetiva- dos, foram criados diferentes tipos de classifieagées, em geral baseados em anélises do comportamento, sob as denominacies de diagnéstico (segundo a patologia) ou psicopedagégico (segundo os niveis de desenvolvimento cognitivo-emocional). Essas classificagdes, que mostram as “anormalidades” ou “des- vios” em relagdio ao que é considerado “normal” (padrao), eria~ ram uma hierarquia segundo as competéncias individuais e levaram @ uma divisdo das populagées atendidas nos dife- rentes espacos ¢ programas educacionais. A definigao de normalidade ou debilidade do sujeito vem sendo feita de forma essencialmente psicométriea, a partir da avaliacao do nfvel de acertos alcangado na realizagao de certas tarefas. Os testes psicolégicos, em geral, mostram se 0 individu adquiriu ou nao determinados instrumentos co; noscitives, mas ndo se propéem a esclarecer as carac ticas especificas e os mecanismos implicados no process: constituicdo da sua organizacdo psiquica, nem o: suas necessidades, sous processos e recursos es} sdrios & sua aprendizagem, Esses fatos vem demonstrar a importéncia das diferentes concepedes a respeito do desenvolvimento humano e, funda- mentalmente, das diferentes teorias psicolégicas para a elabo- ragdo das propostas pedagogicas e definico das estratégias torapéuticas para promocio do desenvolvimento infant Refletir sobre as relagies entre a Terapia Ocupacional ¢ 08 processos educacionais implica a necessidade da anlise sobre que 6 central nos debates educacionais — 0 processo de ensino-aprendizagem em suas relagies com 0 desenvolvimento fantil. Como conhecimento fundamental para todos que traba- am em programas socioedueativos, apresentaremos, a seguir, alguns dos aspectos mais importantes de quatro abordagens da psicologia sobre as relagdes entre desenvolvimento humano ¢ aprendizagem. Abordagem inatista-maturacionista Em psicologia esta abordagem confere um papel central aos fatores bioldgicos (hereditarios e de maturagao) no desenvol- vimento humano, como mais importantes na defini¢ao das ca- pacidades da crianca do que a aprendizagem e a experiéncia. Nessa visio, as aptidées individuais e a inteligéncia séo deter- minadas biologicamente e herdadas geneticamente, e 0 com- portamento e as habilidades so governados por processo de maturagao biolégica. Considera-se que 0 desenvolvimento individual segue um processo de evolugao linear e creseente de fungdes parciais, sendo que o enquadramento das estruturas organica e psicolé- gica em padrdes quantitativos constitui eritérios de avaliagao comparativos para toda a espéeie humana. Desse modo, se por um lado existem as diferongas individuais, por outro existem muitas semelhancas nas etapas do desenvolvimento entre dife- rentes criangas, 0 que indiea certo padrao de desenvolvimento humano entre a maioria das eriangas, Considerado como o primeiro teérieo da maturacdo, 0 nor- americano Arnold Gesell (1880-1961) dedicou-se a criagdo de “cigncia do desenvolvimento humano”. Para ele, a evolu- ‘icoldgica da crianga é determinada biologicamente ¢ os res maturacionais s40 mais importantes na evolucéo do comportamento da crianga do que a aprendizagem ou a expe- riéneia. O papel do ambiente social é apenas de limitar ou facilitar o processo de maturag lizados até hoje, trouxeram contribuigoes para a compreensao de como evoluem os comportamentos ti cos de cada faixa etéria — por exemplo, a capacida de manter-se sentada com ou sem apoio. Entretat cendo 0 que seria esperado de uma crianea em um ritmo seqiiéneia “normais” de desenvolvimento, eriassem comparagées entre as criangas de uma ; 0 grau de adequacdo ou nao a oss define o nivel de normalidade ou anormalidade Na concepeao inatista-maturacionista, desenvol aprendizagem se confundem, pois, desde que condicdes pro- picias ao desenvolvimento scjam preenchidas, as formas inatas “desabrocharao” como resultado da maturagao organiea (visio que podemos chamar de “espontar Em outras palavras, mediante um olhar individualista, a idade e a maturagao, de um lado, ¢ a auséncia de conflitos, do outro, estariam possibi- litando a passagem de um estagio de desenvolvimento para 0 préximo, que seria superior em relagao ao anterior. A educagaio seria um processo pelo qual ocorre a passagem de fatores ina- tos de dentro para fora, desde que haja um ambiente propicio para que tudo acontega espontaneamente, Abordagem empirista-associacionista As idéias empiristas datam da Antiguidade, mas 86 nos séculos XVII e XVIII foram sistematicamente desenvolvidas. Ao combater a posigdo racionalista das idéias inatas, John Locke (1632-1704), filésofo inglés, defendia que a principal fonte do conhecimento é a experiéncia e introduziu a nogao de associa- $40; eventos vistos ou ouvidos repetidamente juntos tornam-se ados, associados em nosso pensamento, facilitando-nos cordagéo, Posteriormente, no século XIX, a posigdo em| Locke foi reclaborada e ampliada por David Hum que sistematizou o que ficou eonhecido como “associ ‘ara os empiristas, a mente da crianga, ao nascer, 6 uma “tabula rasa’, ou seja, nao hd nada nela em termos de contetido; ges sensoriais © a experiéncias vao acontecendo. 0 conheci- mento que vem de fora para formar o contetido mental e para fazer a ligacdo entre contetidos novos e os ja existentes tem por base as percepgées sensoriais, que passam pelo processo de asso- ciagao, 0 qual 6 facilitado quando os estimulos ocorrem em conjunto ou na seqiiéncia que devem ser aprendidos. (Os associacionistas enfatizam o tema da formagao de idéias como objeto de pesquisa e defendem que a aprendizagem e a retengao dos contetidos se efetivam quando as condigses de ensino favorecem as associagdes entre a novidade ensinada ¢ 0 material j4 aprendido. Assim, propdem como formas basicas de aprendizagem os condicionamentos e a aprendizagem por obser- vagio (ligada & imitagao). Na edueacdo, o maior representante desse pensamento foi Skinner. Qualquer que seja o aspecto considerado, intelectual, s ou emocionall, o desenvolvimento é sempre entendido como pro- cesso resultante de associagdes impostas pelo meio por inter- médio de condicionamentos e reforgos, Se esses procedimentos forem devidamente usados, 0 comportamento infantil sera pouco a poueo modelado, ou seja, iré conquistando uma das formas escolhidas pelo meio em que a crianga est inserida, O condi- cionamento, como técnica necessdria para modelar uma resposta qualquer, depende da ropeti¢ao cuidadosa de uma mesma si- tuagao de aprendizagem. Quanto ao reforgo, 6 usado como re- cargo eficiente para fixar a aprendizagem de respostas certas ©, ao mesmo tempo, dificultar o surgimento daquelas conside- radas erradas (a partir do critério do professor). Quer seja um reforgo positive ou negativo ( que varia em razao do estilo do adulto para lidar com a erianga), deve seguir imediatamente a resposta da crianga. Enfim, como o desenvolvimento é entendido a partir de ‘um somatério de situagbes de aprendizagem variadas, apren- dizagom © desenvolvimento sao procossos distintos, sendo que 0 primeiro é precondi¢ao para o segundo. Partidarios da hipétese de que os conhecimentos evoluem de fora para dentro, 08 ompiristas-associacionistas consideram que as influéncias 102 sociais determinam todo e qualquer aspecto do comportamento da crianga, A abordagem construtivista (piagetiana) Piaget, que era biélogo por formagao, tornou-se psicélogo para estudar questies epistemoldgieas relacionadas & aquisicao de conhecimentos e enfatizou o aspecto qualitativo da evolugéo pafquica da erianea (procurou explieé-la e ndo 36 descrever as etapas da evolucdo psiquica), opondo-se aqueles que consideram, que as alteragies que se produzem durante o desenvolvimento da crianca 86 podem ser apreendidas de modo quantitativo. Opés-se, também, & concepgio do desenvolvimento como uma rea- lizagdo progressiva de fungées predeterminadas, um acémulo de aprendizagens sucessivas ou uma sucesso de atualizacdes de estruturas preexistentes, em que a experiéncia nao tem papel algum. A concepgao piagetiana é de uma génese do psiquismo — dat o termo “Epistemologia genética”, que estuda os mecanis- mos pelos quais a crianga passa do estado de conhecimento menos avaneado aquele de conhecimento mais avancado, 0 que se caracteriza de acordo com sua maior ou menor proximidade do conhecimento cientifico. Distinguindo um certo nimero de estigios ¢ subestagios sucessivos no desenvolvimento cogniti- vo, ele se preocupou em precisar as transformagoes estruturais que caracterizam cada etapa, destacando os aspectos univer- (de apoio mais biolégico) e a formagao de esquemas (de ago ou coneeituai Piaget estudou, essencialmente, o desenvolvimento cogniti- vo, com sua intima conexao com a aprendizagem. Partindo da biologia e levando em conta a filogénese (salientando as particu- laridades humanas), interessou-se pela evolugdo ¢ a organizacao formal do desenvolvimento. Considera o desenvolvimento psi- quico um processo de construgio progressiva — dai o termo “construtivismo genético” ~ pela interacdo entre os esquemas de assimilagao ¢ as propriedades do objeto. Como 0 proces: conhecimento é fundamentalmente interativo e se pro. interagéo entxe o individuo e seu meio, para conhever 6 necesedrio que 0 sujeito faga sucessivas aproxi pendem dos esquemas mentais do sujeito e mudam ao longo do desenvolvimento. Apesar do fato de que ?iaget nao tinha um interesse espe- cifico por problemas educativos ou pela aplicagao de sua teoria A educacéo, a psicologia genética muito contribuiu para as pré- ticas educativas. Tendo proposto que a aprendizagem depende do nivel de desenvolvimento cognitivo do sujeito (esta limitada por seu nivel de desenvolvimento cogniti lovou a organizagdo dos programas escolares e & definigao dos contetidos do ensino de acerdo com os niveis médios de desen- volvimento e de competéncia cognitiva Porém, como nao é facil determinar com exatidao as com- peténcias cognitivas que ro requisitos na aprendizagem de contetidos escolares coneretos, a seqttenciagéio dos contetdos pode ser inadequada em casos particulares. Em todo caso, 0 aluno ndo 6 um receptor passivo do conhecimento, e sua cons- trucao pelo aluno se da pelas agoes efetivas ou mentais que ele realiza sobre os contetidos aprendidos. Abordagem historico-cultural Vygotsky constrdi sua sbra sobre uma concepgao filosética materialista-histérica e desenvolve, basicamente, trés temas principais, que 86 podem ser compreendidos mediante sua rela- do miitua: 0 método genético ou evolutivo, a origem social dos processos psicolégieos supoiores © os mecanismos de mediaciio instrumental e semistica dos processos mentais. Suas teses acerea das relagies entre pensamento e linguagem esto ba- ipio da inter-relacdo entre a vida psiquica, 0 e as condigées concretas de insercao na cultura (relagtio genética entre os processos individuais e sociais). Numa perspectiva histrico-cultural, a evolugdo da espé- cie ocorreu néo 86 numa esfera biolégiea, mas, principal- mente, na esfera da vida social humana, com a fixacdo das conquistas das atividades humanas na experiéncia hist6riea e social da humanidade, No progresso histérieo da humani dade, algumas das formas mais fundamentais de vida social esto nas esferas simbdlico-comunicativas da atividade - como a linguagem e outros sistemas de signos -, nas quais os 104 seres humanos produzem coletivamente novos meios para re- lar seu comportamento. Nessa perspectiva, o desenvolvimento humano se dé de forma sociobiologica, isto 6, se da pela uniao dos processos de crescimento e maturagao organica (esfera biolégica) com aque- les ligados ao enraizamento da crianga a civilizacao (esfera da cultura). ‘Tem um substrato biolégico inaliendvel, mas a cul- tura, que ¢ produto da vida social e que nos coloca diretamente no plano social do desenvolvimento, provoca uma reclaboragao da conduta natural da crianga e um redirecionamento do curso do desenvolvimento humano. Sem negar a importéncia dessa base organica, 6 0 meio cultural, ou seja, as experiéneias de interagao quo possibilitam, A crianca se construir como sujeito histérieo, o que deixa clara a importaneia da qualidade das interacies que se estabelecem 20 longo da vida do individuo. O coletivo ¢ fator fundamental no processo de desenvolvimento humano, sendo que a interli- gacéo entre o substrato material dos processos cerebrais ea experiéncia cultural se dé pela intersubjetividade (0 papel do outro). Piaget © Vygotsky compartilham a nogéo da importéncia do organismo ativo. Entretanto, enquanto Piaget destaca os “universais” (de apoio mais biol6gico), Vygotsky, pela sua con- ‘cepeao do organismo com alto grau de plasticidade e pela sua visdo do meio ambiente como contextos culturais ¢ histéricos em transformagdo, se ocupa mais da interagdo entre as condi- es sociais em transformagao e os substratos biolgicos do comportamento, Para este autor, em razao da constante mu- danga das condigdes histérieas, que determinam com intensi- dade as oportunidades para a experiéneia humana, ndo pode haver um esquema universal que represente adequadamente a relagao dinmica entre os aspectos internos e externos do de- senvolvimento, cada novo “perfodo estével” do desen- a crianga néo 56 muda suas respostas como tambéin as realiza de maneiras novas, gerando novos instrumentos e substituindo suas fungdes psicolégicas p outras, adquirindo os meios para intervir de forma comp: no seu mundo e em si mesma. Contudo, ele jamais 0 desenvolvimento histérico da humanidade com desenvolvimento individual; sua preocupacao qiiéneias da atividade humana na medida em que esta trans- forma tanto a natureza como a sociedade, Contrério a idéia dos inerementos quantitativos, Vygotsky propée que 0 desenvol- vimento humano seja visto como um processo dialético complexo, caracterizado por transfurmagdes qualitativas que ocorrem numa periodicidade miltipla, baseadas numa intrincada rela- ao entre fatores internos e externos ¢ numa despropor¢ao no desenvolvimento das diferentes fungdes, tendo em vista a su- peragio de dificuldades e » adaptacao. Sendo assim, o desenvolvimento infantil nao é um processo de acumulagao lenta e gredual de mudaneas isoladas, porém, sim, um proceso complexo caracterizado pela periodicidade, desigualdade no desenvolvimento de diferentes fungdes, trans- formagao qualitativa de uma forma em outra, embricamento de fatores internos e externos, processos adaptativos que superam os impedimentos que a crianga encontra e por uma alteragio radical na estrutura comportamental. O resultado do desen- volvimento nao seré uma estrutura puramente psicolégica, nem a soma de processos elementares, mas uma forma qui tivamente nova que se constréi ao longo do proceso, mediante interagdes sociais, 0 estado de desenvolvimento mental de uma crianca s6 pode ser determinado se forem revelados seus dois niveis: o do desenvolvimento real (que define fungies que jé se consolida- ram, caracterizando o desenvolvimento mental retrospectiva- mente) e do prox que a crianca consegue fazer nas interagies sociais, o que seria indicativo de seu desenvolvimento potencial, caracterizando 0 desenvolvi- mento mental prospectivamente e permitindo delinear 0 futuro imediato e o estado dinamico de desenvolvimento da crianga). ‘A zona de desenvolvimento proximal 6 0 intervalo entre os niveis de desenvolvimento real e potencial, sendo que aquilo que 6 proximal hoje ser o nivel de desenvolvimento consolida- do amanha. Embora possa haver semelhancas em certos estagios do desenvolvimento, o sistema funcional de aprendizado de uma erianga pode nao ser idéntico ao de outra, sendo que o bom cendizado é aquele que se adianta ao desenvolvimento, criando de desenvolvimento proximal. Assim, com a obra de sky e de outros autores que se dedicaram a continuidade do seu trabalho como Luria, Leontiev, entre outr: em um sentido amplo (tanto a informal ~ do cot a formal ~ da escola e/ou outros sistemas educacionais), dei de sor um simples campo de aplicagtio da psicologia e se cons- titui num campo fundamental para 0 desenvolvimento histéri- co-cultural do ser humano. 0 desenvolvimento humano as necessidades educativas especiais ‘Muitos dos estudos realizados acerca do desenvolvimento infantil, como os testes de inteligéncia de Binet e Simon e os trabalhos de Gesell, partiram de necessidades do meio educa- cional, em especial relacionadas a identificagao das criangas com deiciéncia e a elaboracdo de métodos educativos acossi- veis a elas. No Brasil, foram educadores que implantaram em escolas, na década de 1920, laboratérios de Psicologia Experi- mental e Psicologia Pedagégica, pelos quais foram introduzidos os primsiros testes i io teste foi desenvolvido pelo edicador Lourengo Filho e tinha como objetivo avaliar a prontidio de criangas para a alfabetizagao, E notério, no en- tanto, que: Os -esultados de tais testes de inteligéncia tém, historieamente, impodido que indmeras eriancas tenham acesso 20 conhecimento 8 ordpria escolarizagao, ao fornocorom indicadores de sua “ima- turidado” ou de seus “déficits” de inteligéncia, Ha criangas, por exemplo, que so retidas na pré-escola ou permanecem nos exer- cicios preparatérios, as vezes um ano inteiro, porque “néo es! prontas” para aprender a ler e escrever; outras so enviadas as classes especizis porque “nao tom condigbes” intelectuais de seguir © curso normal da escolaridade, (Fontana & Cruz, 1997, p. 21) ‘Todo o esforco em classificar as anomalias mentais a do estabelecimento de eategorias nosoldgicas mui ciadas, reconhecendo os quadros sintomaticos de me, teve seus frutos, sobretudo relacionadi mais aprofundado dos varios quadros Porém, esse procediments cristalizou a idéia do indivfduo com deficiéncia como se fosse uma variedade humana patolégica, caracterizada por sua insuficiéncia, ¢ vem servindo mais para formar grupos de entidades patolégicas e distribui-las nos es- pacos institucionais que, efetivamente, para criar novos e me- Thores métodos de intervencio educativa e terapeutiea. A psicologia hist6rico-cultural apresenta-se como uma forma transformadora de entender/explicar o desenvolvimento humano, eomprometido ouno pela deficiéneia, Segundo Vygotsky, 6 0 aprendizado que porsibilita e movimenta o processo de desenvolvimento. Isso quer dizer que nao bastam as condi¢des organicas, maturacionais, para que o individuo se desenvolva. H preciso que haja interagéo social, troca com outros indivi. duos, em suma, aprendisagem. Ao proporeionar situagies de interagao, viveneia de novas exporiéneias, desafios, colocamos a0 individuo (prospeetivamente) a possibilidade de desenvol- vimento real fundamental compreender, no entanto, que nao basta proporcionar ao sujeito sisuagées de interagdo. A relagdo educa- tiva se constitui em um proceso no qual as mediagdes sao planejadas de forma a passibilitar a aprendizagem, mas nao 6 qualquer mediagao que produz resultados efetivos, assim como néo basta eonhecer o suastrato biolégieo do desenvolvimento humano para conhecer 0 zaminho do desenvolvimento da espé- cie, B preciso que se conhegam os caminhos percorridos aquele individuo em sua cultura, em seu meio social, si experiéncias, para que se possa construir uma relagdo de ensi- no-aprendizagem eficiente no que se refere ao proceso de desenvolvimento como um todo. Nos diversos contextes socioeducacionais (eseolas, ereches, cursos profissionalizantes, escolas especiais, entre outros), en- contramos um tipo bastante espeeifico de experiéncia: a da construcao do conhecimento sistematizado, por meio de estra- tégias metodoldgicas que t¢m, em geral, um carter psicopeda- gégico, Nesses contextos, terapoutas ocupacionais ido chamados a atuar ao lado daqueles que apresentam dificul- dades de varias ordens (sejam fisicas, intelectuais, emocionais particularmente das pessoas com deficiéncias. Contudo, 0 terapeuta ocupacional que atua com pessoas tam equipamentos € programas socioeducacionais precisa saber como se estrutura, basicamente, o siste cional, uma vez que, para realizar uma ago integrada em foco de trabalho nao é a patologia, deve compreender 0 sujei principalmente, a partir dos espagos socioculturais que ele ocupa As diferentes modalidades educativas Segundo a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educacio Nacional (LDB) (Lei n® 9394/96), sao as seguintes as modalida- des pravistas de Educagao: a educaedo basica, formada educagio infantil (oferecida em ereches ou entidades ¢ lentes, para criangas até trés anos de idade, e em pré-escol para as criangas de quatro a seis anos de idade) ¢ ensino fun- damental (com duracéo minima de oito anos e ¢ obrigatério e gratuity na escola puiblica); 0 ensino médio (tem duragéo minima de trés anos); a edueaciio superior (oferecida nas instituigdes de ensino superior, o tempo de durago da formagao depende da carreira profissional escolhida); a educagao profissional (moda- lidade de ensino que visa a formagao técnica e deve ser oferecida de maneira integrada as diferentes formas de educacio, a0 trabalko, a ciéncia e a tecnologia) e a educagao especial (moda- lidade de educagao escolar oferecida, preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais). Em razio da particularidade da nossa clientela, dedi- caremos a essa tiltima nossa maior atengao, A.LDB aponta para a importaneia de se analisar a educa- ‘80 especial de maneira integrada as demais modalidades de ensino, a partir do momento em que afirma que 0 aluno com necessidades educativas especiais deve ser atendido, de prefe: réncia, na rede regular de ensino, 0 que, no entanto, nao quer dizer exclusivamente. Assim, na educagfo especial convivem, hoje, as escolas especiais, as classes especiais nas es regulares, as salas de apoio ¢ as salas de aula incl Em tocos esses espagos o terapeuta ocupacional pode 2 ‘mas, como jé dissemos, necessita ter um amplo con! no apsnas dos aspectos clinicos relacionados & Ja, mas também dos processos edueacionais insere, loo Uma mudanca fundamental: do paradigma da reabilitagao a0 paradigma da inclusi social Em 1994 a ONU, por intermédio dos delegados da Confe- réneia Mundial de Educaeao Especial, faz publicar a Declara- 40 de Salamanca. Af estio dofinidos os principios basicos do que se define como Educacao Inclusiva. Dentre seus prinefpios, destacamos que ha uma énfase sobre o direito das criancas de acesso a sistemas educacionais regulares, que levem em conta a vasta diversidade de caracteristicas e necessidades educacionais especiais e que sejain capazes de satisfazé-las. Os processos de aprendizagem, portanto, cevem se adaptar a diversidade das criangas, ¢ néo as criangas se adaptarem a “assungdos precon- cebidas a respeito do ritmo e da natureza do processo de apron- dizagem” (ONU, 1994, parégrafo 4) A base do paradigma inelusivista é a erenca na sociedade Para todos os seus cidadaos - é uma proposta de construgao de cidadania. A sociedade inc:usivista, portanto, extrapola a esco- la, pois envolve todos os segmentos sociais, numa prética de ndo-exclusao. Embora as idéias inclusivistas ja viessom, ha muito tempo, perpassando varias propostas referentes aos cha- mados excluidos, 0 movimento da “incluso social” 6 recente, aparecendo mais fortemente como uma tendéncia mundial a partir da década de 1980. No que se refere deficiéncia, no entanto, ainda predomi- na 0 modelo médico, que a vé como um problema individual, que deve ser tratado como uma patologia. Desse modelo deri- vam 0s conhecidos trabalhos de reabilitagao, que, fundamen- talmente, buscam “minimizar” a diferenga para que essas sssoas possam ser accitas na sociedade e “normalizar” os seus mportamentos. Esse provesso se da, em geral, de mancira segregada, nas instituigdes especializadas. © modelo médico tem sido responsivel, em parte, pela resis- téncia da sociedade em acoitar a necessidade de mudar suas turas e atitudes para incluir om seu seio as pessoas porta- deficiéneia e/ou autras condigées atipicas para que estas im, buscar © seu desenvolvimento pessoal, social, ssional. (Sassaki, 1998, p, 29) possam, litado) esteja pronto para assumir seu lugar ciedade — o momento da “integracao social”. O que a p mostra 6 que raramente essa integracio se efetiva, poi pessoas nfio deixam de ser deficientes e dificilmente est prontas para se adaptar totalmente a uma sociedade estruturad: para os “normais” ou competir em condigées de igualdade Noinicio da década de 1980 surge a idéia do mainstream que busca envolver as pessoas com deficiéncia (sobretudo erian. as em idade escolar) na corrente principal da comunidade, da maneira que fosse possivel, ou seja, elas eram, a principio, inseridas nas atividades que Ihes era possivel participar, den tro das rotinas da escola, em sala de aula com as demais crian- gas, na hora do recreio, em atividades extracurriculares ete. Porém nao se trazia a discussio sobre as mudangas que dove. riam ocorrer na sociedade pata receber essas pessoas, e a idéia da integragao estava, ainda, muito ligada as competéncias par- ticulares, dependente das capacidades individuais para d: conta das demandas do moio, Falava-se da pessoa com di ciéncia “capacitada para” - 6 0 modelo médico de deficiéneia ainda imperando. Avengando no processo de construgéo de uma sociedade que respeite a diversidade, firma-se 0 movimento de “incluso que deve ser considerado um processo no qual nao apenas a pessoa com deficiéncia deve se modificar, mas tam- bem a sociedade precisa se modificar para receber todos os seus membros. Parte do principio da aceitagdo das diforon- ¢as, convivéncia na diversidade humana e aprendizagem pela cosperagao, A Terapia Ocupacional e a incluséo social por processos socioeducacionais ~ caminhos para uma pratica transformadora A atuagio da Terapia Ocupacional, tradicionalmen ta-se A reabililacdo, Estes profissionais tem desenvol pratica a partir dos pressupostos da minimizacao dificuldsdes ¢ promocao do desempenho funcional Prétiea consolidada e importante para a cli be No entanto, é interessante que se faga uma reflexio sobre o papel do terapeuta seupacional diante dos processos de inelusdo/exelusdo da populagao icada como portadora de deficiéncia. O que se pode observar é que, muitas vezes, a pratica profissional acaba yor legitimar a exchiso mediante a confirmagéo da necessidade de “lugares especiais para pessoas especiais’. As instituighes especializadas em educago especial sempre se configuraram como importantes espacos, no mereado de traba- Iho, para os terapeutas ocupacionais. Porém, se a insergao profis- sional for realizada de maneira acritiea, pode se configurar como um entrave para 0 proprio processo de incluso social das popu- lagdes por elas atendidas, legitimando a segregagdo como uma estratégia para o cuidado dos que apresentam necessidades edu- cativas especiais. A Terapia Ocupacional deve se incorporar A discussdo sobre edueagio indusiva ¢ pensar sua atuagéo na esco- Ja regular, promovendo a insergao das pessoas com deficiéncia nesse ambito de sua vida ocupacional, sendo estar na contramao da Histéria — pensando a atuacdo s6 no nivel da preparagio profissionalizante em instituigdes de edueacao especial Assim, se a atuagao do terapeuta ocupacional focalizar, como problema a tratar, a snposta incapacidade do seu cliente, tratando a diferenca ou deficiéneia como uma “doenca” do indi- viduo (patologizagdo da diferenga), pode colaborar para que ele seja retirado dos contextos educacionais regulares, para ser trabalhado na clinica e tentar minimizar aquelas dificuldades que se manifestaram na eseola. Embora se deva considerar que na vatielle crginadas no:campe daa infaragSen socnis {ene pais ¢ filhos, entre alunos, entre alunos e professores etc.) Sendo a pessoa com defciéncia vista como enferma, o fator terapéutico impregnou também a escola e passou a determinar seu trabalho. Smolka fala da produgao social da patologia se- gundo a instituigao escolar: Producao esta que fica sistematicamente oculta, implicita no jogo de forgas das relagdes sociais: porque nio funcionam de acordo com o “osperado”; porque ndo se “enquadram” no sistema escolar; porque apresentam “comportamentos desviantes”, porque sub- 2 vortom a “ordém"; (porque a escola prioriza a “homogeneidade” ¢ ndo sabe 0 que fazer com as criangas sio encaminhadas para o8 “servigos de apoio” “ cacao", A escola falha na sua tarofa pedagégica o que es ce, na realidade, é uma rede de apoio a escola como tal, © necessatriamente & crianga que a freqtienta. (1989, p. 45) Os profissionais da satide costumam ser vistos como “inva- sores” da sala de aula, que complicam a dinamica pedagégica mais do que ajudam o desenvolvimento dos processos de apren- ‘agem. Por outro lado, se retiram os alunos “com mais difi- culdades’ do seu grupo (levando-o ao hospital, ambulatério, clinica etc.), reforcam 0 isolamento, a idéia da causalidade in- dividual do problema e reafirmam sua patologizagdo; passam a ser criacores de doengas e estigmatizadores das criangas “difi- ceis” (pot deficiéncia, pobreza, mau comportamento ett.) Para superar esse impasse, como diz Suzana Lima, Nao se esta advogando uma escola ambulatério [.. a escola deve estar aberta para que os especialistas possam contribuir & medi- da que as necessidades aparegam. O que se propée é que tanto as escolas como as unidades de reabilitacée se abram e incorporem nos seus projetos aces que viabilizem um trabalho de coopera sgl, que favoreca o desenvolvimento da erianga em todas suas necessidades, sejam elas fisicas, emocionais, de linguagem, cog- nitivas e sociais. [..] A escola nao prescinde dos outros profis- sionais como médicos, psicélogos. Mas nao é a escola que deversi respender as questoes médicas, por exemplo. (1999, p. 281) Os servigos de satide nao podem ser legitimadores da pato- logizagac da deficiéncia, nem ciimplices da exclusio dessas po- pulagdes com deficiéneias do contexto social e do siste educacional. Devem desempenhar suas fungées de modo junto com os servigos edueacionais, para colaborar, de for ‘Véenica e eficiente, com os sujeitos com deficiéncia, para construam seu caminho de integracdo social e para q trem um nfvel satisfaterio de qualidade de vida B preciso considerar que os diferentes servicos nados a educagao especial tém sua fungao e po sdrios, tratando-se de pessoas que tém maiores comprometi- mentos fisicos, mentais ou sensoriais. Porém, as instituigdes especializadas néo podem ser convertidas em “depésitos” de pessoas com deficiéncia e devem ser eficientes como interme- digrias no processo educacional, oferecendo pessoal especializado para 0 atendimento de pessoas segundo suas necessidades, seja preparando-as para sua insereao na escolaridade regular, seja encaminhando-as para funges profissionais na comunidade. A escola regular tampouco pode ser convertida em “depésito” de pessoas com deficiéncia, mesmo em nome de uma politica ‘educacional inclusiva, Seria mentiroso afirmar que estas pessoas, colocadas numa sala de aula comum superlotada, sem apoio acompanhamento adequados, relegadas a realizagao de sim- ples tarefas para passar 0 tempo, estao realmente “incluidas” no proceso educacional. Conforme afirma Carvalho: Lu por educagio especial entenda-se o conjunto de recursos que todas as escolas devem organizar e disponibilizar para remover ‘98 barreiras para a aprendizagem de alunos que, por caracte- rristicas biopsicossociais, necessitam de apoio diferenciado daqueles ‘quo estio dispontvels na via comum da educagdo regular. (2000, p. 17) No contexto socioedueacional, 0 terapeuta ocupacional deve ser um profissional de apoio, cuja atuagdo volta-se para as questies surgidas ao longo do processo educacional. Esse apoio deve estar associado a uma reestruturagao das escolas e das classes ¢ precisa inclair instrumentos, téenicas ¢ equipa- mentos especializados. Nesse sentido, 0 terapeuta ocupacional pode, por exemplo, instrumentalizar o aluno e a escola para uma agao pedagégica efetiva, nisso incluindo adaptagées am- bientais e de mobilidrio e utilizagao de diversos recursos de tecnologia assistiva. Contudo, sua atuagdo nao deve ser plane- jada apenas como um oferecimento de recursos técnieos ou tecnoldgicos para a inclusdo da pessoa com deficiéncia no es- pago fisieo da escola, Varias sio as possibilidades do insereao do terapeuta ocupa- ‘envolvem desde o atendimento espeeitfico do aluno, em 10 elinico, até, principalmente, 0 acompanhamento pode se dar pela participagao nas atividades escolare cao e assessoria A equipe educacional, trabalhos env comunidade escolar como um todo, visando a sensi para o respeito a diversidade, entre outros, Nao menos impor- tanle que a acao direta no contexto educacional esta a atuacio ‘em relacao as familias dos alunos com necessidades educativas especiais, que envolve construir, junto com a familia, um meio social que permita a este sujeito viver situagbes ricas em expe- rigncias e oportunidades. B preciso, portanto, superar as formas tradicionais de in- tervengio, mais baseadas no treinamento sens6rio-motor e nas ocupagies simples, que quase nada contribuem efetivamente para o desenvolvimento humano global; difereneiar os aspectos complexos da deficiéncia ¢ estruturar um atendimento néo-ho- mogeneizador, que ir as aspiragies minimizadas € estratégias empobr nar 08 aspectos mais débeis que a eompéem; posici claramente contra todas as pra- ticas que instituem a simploriedade nos trabalhos na drea edu- cacional; trabalhar sobre as possibilidades que se apresentam (pontos fortes), como forgas motrizes do desenvolvimento. A educacdo especial deve ser socialmente valida e precisa estruturar-se como uma pratica historica de produgao cultural, de mod» que a pessoa com deficiéncia possa superar os que parecem ter sido postos pela natureza 20 seu desen vimento ¢ conquistar uma posi¢ao social mais elevada, pois el: nao esté condenada a inferioridade. A diversidade 6'a marca fundamental do desenvolvimento da humanidade e deve ser respeitada em todas as relagdes humanas. E nesse contexto, partindo do pressuposto inelusivista, que yém se construindo as praticas de Terapia Ocupacional que chamamos transformadoras ~ considera-se que nao basta atuar sobre o individuo, mas 6 preciso transformar a sociedade ¢ a cultura, Logo, a atuacio da Terapia Ocupacional em contexto socioeducativos tem de ser maior que uma atengao individu zada — deve configurar-se como uma ago que envolve a pe: com nevessidades educativas especiais 0 meio soci no qual ela esta inserida. A compreensio do proce: no-aprendizagem, aliada ao conhecimento sobre a socioculsurais, permite ao terapeuta ocupacion:

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