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Artrite Reumatdide Maria Magalbdes Laurindo Jawton Yukito Torigoe INTRODUCAO, Ao jongo da titima década, 0 estudo da artrte eumatside tem-se intensificado. Reumatologistas, 3s, munologistas e epidemiologistas tém-se con- nirado nesta doenga que, hé 20 anos, era conside~ rater benigno e com evolugdo satistatéria, dos casos, eclizados a partir da décade de 80 jus- 0 interesse @ causaram uma mudanga pro ercepgao da doenga e de sua gravidade. * A artrite reumatéide é uma doenga universal, 1m prevaléncia entre 0,5 e 1,0% na popula- 20 adulta; porém, este valor aumenta para “, considerando-se a populagao entre 55 € 5 anos de idade. inais e sintomas do processo inflamatorio cular S40 maximos no inicio do quadro e as ee ee ‘+ Amaioria dos pacientes com artite reumatdide sofre uma deterioragao signilicativa na sua ca- ppacidade funcional, de maneira que mais de 50% dos individuos afetados apresentam dif culdades no desempenho das atividades pro- fissionais, apés 10 anos de doenga. * Asobrevida dos portadores de artrite reumatoi- de € 20% menor quando comparada & da po- pulagéo normal e a mortalidade aumenta em relagao direta com a gravidade da artrte. A so- brevida do subgrupo de pacientes reumatdides ‘com envolvimento de mais de 30 articulagées 6 de apenas 40 a 45% em cinco anos, niimero este que equivale @ sobrevida dos pacientes com doenga coronariana triarteral ‘Torna-se necessério, portanto, que o médico iden- tiique prontamente a doenga e assegure o tratamen- to eficaz e precoce, para melhor prevenir as compli- cae in ncaeme ae aan een Eden dias, 12 Reumatologia para o Clinico rmatéide e 0 considerével progresso no conhecimen- to de sua etiopatogénese traduziram-se em impor- tantes modificagdes na abordagem do paciente PATOGENESE A artrite reumatéide acomete primariamente a membrana sinovial, com caracteristicas de um pro- cesso inflamatério crénico. Acredita-se que um esti mulo antigénico inicie o proceso em individuos ge- reticamente predispostos e em condigées ambien- tais favordveis. A sinovite reumatdide seria, de inicio, ‘uma resposta imunol6gica especifica dirigida contra este antigeno no identificado, perpetuando-se por meio da secregao local de interleucinas e fatores de Crescimento, em um processo inflamatério crénico nao ‘especifico, com envolvimento de diferentes células € mediadores. ., Trata-se, entao, de um proceso multimediado 0s diferentes fatores envolvidos, ambientais, genét- 0s, infecciosos ¢ imunoligicos, serao comentados a seguit. Os fatores ambientais 540 ainda muito pouco co- nnhecidos e sua importancia fica destacada nos estu- dos com gémeos monazigsticos. A concordancia da attite reumatdide entre estes géme0s varia entre 12 30% apenas, demonstrando que exclusivamente fatores genéticos nao sao suficientes para o desen- volvimento da doenga. Alguns estudos identificaram ‘menor prevaléncia da doenga nos habitantes da zona rural em relago & zona urbana. Quanto a um possivel agente etiolégico, ao anti- ‘geno que desencadearia todo o processo na mem- brana sinovial, este pode ser exdgeno, endégeno ou uma combinagao de ambos. Diversas bactérias e vi- rus tm sido implicados, entre eles o virus Epstein- Barr, parvovirus, micoplasma, micobactéria e retrovi- rus de aco lenta, inclusive em modelos animais. En- tretanto, prova definitiva da presenga desses agen- ‘es na membrana sinovial ainda nao foi obtida, como também nao se dispdem de dados suficientes para definir a participacao de algum antigeno autdiogo. Em contraste, 0s inumeros estudos relativos aos fatores genéticos apresentam elementos mais de- finidos, como a distribuigao néo aleatéria dos ge- nes do complexo de histocompatibilidade principal (MHC) nos pacientes com artrte reumatdide. Estu- dos em diferentes populagdes sugerem que um grupo de alelos HLA-DRB1 estejam presentes em maior proporcao nesses pacientes. Comparando-se tais alelos, verificou-se que todos eles comparilham uma ‘seqUéncia de aminodcidos QK/RRAA nas posigdes 70 a 74. O papel deste epitopo reumatdide na pa- togénese da doenca ainda néo esta claro, sendo considerado uma das evidéncias mais importantes da participacdo do linfécito T nos estagios iniciais da artrite reumatéide, pois tal epitopo poderia contr buir para a selegao do repertério do receptor do an tigeno nas células T (TCR) ou para a apresentac: de determinados peptideos capazes de induzir a doenga. Estudos recentes sugerem que sua pre senga nao indica tanto suscetibilidade, mas sim uma forma mais grave da doenga, com maiores defor- midades e manifestagdes extra-articulares. Uma vez desencadeada, a raacdo imunolscica provavelmente envolvendo 0 antigeno, 0214 sentadora do antigeno @ linfécitos, perpetua-se com a secregao de mediadores (interleucinas ou citocinas) © da possivel persisténcia do estimulo antigénico. Na membrana sinovial predorinam linféctos T CD4 pos tivos, com certo grau de ativagao e expansao clonal capazes de iniciar a produgao de citocinas, atraindo © ativando macrétagos. Estes produzem citocinas clara mente implicadas no desenvolvimento da artite re matdide e na manutengao do processo infiamat6rio, ‘como interleucinat (IL-1) e fator ds necrose tune: (TNF). reago se amplia com a produgdo desias ¢ de ‘outras citocinas, particularmente fatores de crescimen: 10, pelos macréfagos, sinovidctos, fibroblastos e cal las endoteliais, sugerindo uma ampla interagao celular na patogénese da artrte reumatdide. E possivel, tary bbém, que a deficiéncia de inibidores, como o inibidor de IL-1, de IL2, de TNF, associada a superprocuca de citocinas, contribua de maneira decisiva para a nicidade do processo inflamatoro. Observamse, inicialmente, hipertrofiae hiperpla sia das células de membrana sinovial, que ios mais avangados pode atingir 100 vezes a massa original. Verifica-se, ainda, um infitrado linfocitario, {is vezes to proeminente que chega a formar vers deiros foliculos linféides, ricos em linfocitos T e ples: mécitos. Sob a acdo dos fatores de crescimen ticularmente daquele derivado de plaquetas (PDGF), fator de crescimento de fibroblastos (FGF) © do fato de transformagao de crescimento 8 (TGF-8), ocorre uma extensa proliferagao de fibroblastos e angio: ‘g6nese, formando um tecido granulomatoso, em ticularna regido de contaio entre a membrana sinov cartilagem e oss0, chamada pannus, com ticas tumorais, capaz de invadir e destruir os tecidos carllaginoso e ésseo e responsdvel pela extensiva 0 articular frequentemente observaca na artrite reumatdide. No liquido sinovial reumatside, predominam os polimorfonucleares, atraidos pela interleucina-s (pro duzida primariamente pelas células endoteliais), pro dutos da ativacdo do complemento (C5a) e do meta boismo do dcido araquidénico (LTE, ). Tais o#h vvadas origina prostagiandinas, racicais liv ram enzimas proteolticas que, associadas proteinases liberadas pelos macrofagos ativados e — (em resposta a citocinas pré-inflamatérias, e TNF), promovem a degradagao das ma- clivo @ a conseqdente cartiaginoso e 6sseo. Em rela- 4g metaloproteinases, também haveria um dese- entre a sua atividade e a dos seus inibidores ciduais das metaloproteinases. jonar, ainda, um outro elemento da s9 da artrite reumatdide: a produgao de an- squiente formagao de complexos 0 @ ativagao do complemento. Na latdide € caracteristica, mesmo que n&o gnoménica, a produgao de anti- Q fragmento Fe da imunoglo- ‘ados de fator reumatdide (FR). A forma- es complexos antigeno-anticorpo (FR-imu- globulina) @ a consequente ativacao do complemen- ‘ecanismos de fagocitose contribuem para ¢ lar e, acredita-se, seriam os prin- saves pelas manifestagdes extra-art- fe reumattide, idores QUADRO CLINICO ite reumatéide ¢ uma doenga sistémica ca- elas manifestacdes articulares, as quais rente precedidas por fadiga, mialgia, grecimento, Afeta ambos 0s sexos, com ancia do sexo feminino (2-3:1). O inicio da nga ocorre, habitualmente, entre os 20 ¢ 60 anos ‘om a maior incidéncia entre 35 e 45 anos. \iFESTACOES ARTICULARES rite reumatside pode acometer qualquer uma culacdes diartrodiais do organismo. Desde © quadro clinico, particularizado por dor € nas articulacdes (FiG. 2.1), costuma ser envolvendo especialmente as pequenas das maos e dos pés (70% dos casos) em um tergo dos pacientes, a doenca pode a uma ou duas articulagées, geralmen- destaque 0 cardter simétrico e aditivo do etimento articular, observado na maioria dos 8, constituindo um dos crtérios diagnésticos senga. Oultra manifestagao clinica importante é gidez articular (enrijecimento ou sensagao de in- percebida em especial pela manha, apés pe- Je inatividade e melhorando com a movimenta- inal, um dos critérios diagnésticos da Artrte Reumatside 13 FIGURA 2.1 - Artite reuratbide na fase inicial. Nota-se 0 ‘aumento do volume das articulagdes interfalangeanas pro- ximais e dos punhos. AAs articulagbes mais acometidas nos membros superiores so as do punho, as metacarpofalangianas e interfalangianas proximais. © envolvimento das interfalangeanas distais 6 incomum, ao contrario da atte psoriatica e da osteoartrose. Um punho alar- gado pela sinovite, a atrofia dos misculos interés- eos das mas @ 0 aumento de volume das meta- carpotalangianas ¢ intertalangianas proximais confe- rem um aspecto caracteristico que chamamos de mao reumatdide (Fic. 2.2) Com o avango da doenga, observam-se defor- midades tipicas, embora nao patognoménicas, 0 assim chamado dedo em pescogo de cisne (hi perextensdo da articulacao interfalangiana proximal ¢ flexo da interfalangiana distal) e casa de botdo FIGURA2.2-Artrite reumatdide em estdgiomais avancado. 44 Reumatoiogia para. o Cinco {flexdo da intertalangiana proximal e hiperextenso da interfalangiana distal). Sinovite dos tendoes dos unhos pode causar compressao, especialmente do Rervo mediano, com 0 desenvolvimento da sindro- ‘me do tunel do carpo. O cotovelo é comprometido com frequéncia, sen- do comuns © quadro doloroso pouco expressivo @ a significativalimitagdo funcional. Em relagao aos mem- bros inferiores, joelhos e pés so quase sempre aco- metidos, inclusive nas fases iniciais da doenca. Acre- dita-se que as erosdes apareceriam mais precoce- mente nas articulages metatarsofalangianas e inter- falangianas dos artelhos. Quanto ao joelho, é conve- niente destacar a formago de grandes derrames de cistos sinoviais — particularmente o chamado cisto ‘de Baker, que se pode estender para a fossa poplitea, Panturriha e face posterior da coxa e cujo eventual rompimento pode causar quadro clinico semelhante a0 da tromboflebite. ‘A artrite reumatdide também atinge 0 esqueleto axial, sendo que a freqtiéncia do acometimento da coluna cervical varia entre 17 e 86%, dependendo da selego dos pacientes, da técnica e dos critérios radiolégicos adotados. Quadros de compressao me- dular e mesmo morte subita so observados como ‘conseqiéncia da subluxagao atlantoaxial. O envolvi- ‘mento da coluna lombar e sacroiliaca so raros. Aarticulagdo temporomandibular é acometida em mais de 50% dos pacientes, tomando dificil a mast- ‘Gago e podendo ser causa de dor referida no ouvido médio e garganta. Artrite da articulagao cricoaritendide ode levar & rouquidao e até obstrucao grave das vias, reas superiores. A artrite esternociavicular ocorre em 30% dos pacientes. MANIFESTACOES EXTRA-ARTICULARES Nédulos subcuténeos - Sobrevém nas supert cies extensoras, tais como cotovelos, joelhos, dorso das maos, etc. (Fic. 2.3), medindo desde alguns mil- ‘metros de diémetro até 2cm ou mais. Ocasionalmen- te, podem aparecer em pulmées, cordas vocais, val- vulas cardiacas, aorta, Estes nédulos podem surgir © desaparecer espontaneamente ou, entéo, persistir indefinidamente. Apenas cerca de 20% dos pacien- tes com artrite reumatdide apresentam nédulos e, destes, 90% sao soropositivos. Vasculite reumatéide — Embora raramente obser- vada, 0 acometimento da vasa nervorum pode cau- ‘sar neuropatia periférica com comprometimento sen- sorial e motor; 0 acometimento cutaneo abrange des- de infartos periungueals até gangrena das extremi- dades, incluindo Ulceras de membros inferiores & “rashes” cuténeos (FIG. 2.4). Vasculite dos vasos cra- nianos, mesentéricos e coronarianos tem sido relata- FIGURA 2.3 ~ Nédulo reumatdide em cotovelo. da. Como na maioria das maniiestaySe lares, a vasculite se d4 principalmente n soropositivos @ néo costuma ter rela dade da doenca articular. ‘Acometimento pulmonar ~ As manite so variadas, observando-se fibrose intersticial cifusa (1.5%), nédulos solitrios ou multiplos no parénqui- ‘ma pulmonar e derrame pleural, caracte: olos baixos niveis de glicose e complemento, elevadas ‘concentragies de desidrogenase lactica e predominio de linfécitos. A bronquiolite obliterante é uma festagdo rara, que recaniemenie tein sico rizada. A sindrome de Caplan, descrita orig e Nos mineiros de carvao de Welsh, consiste ne asso: ciagdo entre artite reumatdide @ néduios pulmona res miltiplos em pacientes com pneu ‘Acometimento cardiaco ~ A pericerdite evento comum nos estudos de autépsias (mais de 50% dos casos) e no ecocardiograma, porém, na do com FIGURA 2.4 - Vasculte reuratéide. a das vezes, 6 assintomatica. Raramente se yeontram tamponamento ou pericardite constrtiva, bem como insuficiéncia aérica, disturbios de condu- 2 arterite coronariana, ‘atimento renal-- Decore, em geva, da me © ou por amiloidose secundaria. & desorta vas- ite renal no subgrupo de pacientes com vascuitesis- a. Aexisténcia de uma verdadeira glomerulte reu- matide ¢ questionavel e as alteragdes descritas podem cer alriouidas aos efeitos colaterais de drogas. Acometimento neurolégico - Pode ser consi- om trés categorias: compressao nervosa, neu- 1s periféricas e laso do sistema nervoso cen- medulla. As neuropatias compressivas s&o bas- nuns. conseatientes ao edema de partes es (sinovite ou tendinite) ou deformidade articu- Os nervos mais afetados so 0 mediano, uinar velo), flbular @ plantar. AS neuropatias periféri 25 originam-se da vasculte da vasa nervorum e 0 envolvimento do sistema nervoso central pode ser loses na coluna cervical, como jé descrito u, muito raro, as vasculites cerebrais. Acometimento ocular A manitestagao mals co- num é a ceratoconjuntvite seca (como parte da sin- srome de $j6gren), observada em 15% dos pacien- "73s, notam-se uvalte 2, mesmo, episclerte, que podem evoluir com 0 desenvolvimento de um ver- dadesiro nédulo reumatéide que, eventualmente, per- ura a esclera (escleromalacia perfurante). Outres manifestagdes — A associagao entre ar- write reumatéide, esplenomegalia e neutropenia rece- be o nome de sindrome de Fely, descrta pela pri- meira vez em 1924. Ocorre em cerca de 15% dos. es, geralmente com doenga soropostiva elon- 2 evoluedo, Podem surgir anemia e tromboctopenia, neuropalia periférica e, em 25% dos casos, ilceras 2s esngi0e inveriores. inieogoes frequentes @ gra- .odem ser complicagdes da neutropenia. Espienomegalia pode ser observada em 10% fas ocorréncias, bem coma linfadenopatia genera- lizada ou regional, prOximo a articulagao acometi- da, Em alguns pacientes, a linfadenopatia & mani- jestagao tao marcante que sugere doenga linfopro- ferativa maligna A doenga de Still, uma das formas clinicas da Joenga reumnatdide juvenil, pode acometer adultos, 1m quadro clinico variado, abrangendo febre alta © iverntenio, povartralgias, miaigias, "rash" maculo- papular evanescente, pericardite, pneumonite, dor Ge garganta, linfadenopatia, esplenomegalia e dor abdominal ‘Massa 6ssea e artrite reumatdide — O compro- metimento 6sse0 na arite reumatside foi descrito, pela primeira vez, por Barwell, em 1865, e desde en- Antrite Reumatcide 15 A perda dssea justa-articular, de aparecimento precoce na artrite reumatéide, tem sido atribuida aos diferentes mediadores liberados durante 0 proceso inflamatorio articular. Por outro lado, a perda dssea

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