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MINISTERIO DO PLANEJAMENTO E ORCAMENT( FUNDACAO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E STATISTICA - IBGE REVISTA BRASILEIRA DE GEOGRAFIA ISSN 0034 - 723 X R. bras. Geogr., Rio de Janeiro, v. 56, n. 1/4, p. 1 - 308, jan/dez. 1994 REVISTA BRASILEIRA DE GEOGRAFIA Orgio oficial do IBGE Publicac&o trimestral, editada pelo IBGE, que se destina a divulgar artigos @ comunicag6es inéditos de natureza teérica ou empitica ligados & Geografia e a campos afins do saber cientifico. Propondo-se a veioular e estimular a produc&o de conhecimento sobre a realidade brasileira, privilegiando a sua dimensdo espacial, encontra-se aberta a contribuigdio de técnicos do IBGE e de outras instituigBes nacionais e estrangeiras. Os originais para publicagdo devem ser enderecados para: Revista Brasileira de Geografia/Diretoria de Geociéncias Av. Brasil, 15 671 - Prédio 3B - Térreo - Lucas - 21241-051 - Rio de Janeiro, Fu - Brasil Tel.: (021)391-1420 - Ramal 223, ARevista nao se responsabiliza pelos conceitos emitides em artigos assinados. Publicagao editorada na Divisio de Editoragdo/Departamento de Editoraco e Grafica - DEDITICDDI, em 1996. Criagao: Programagao Visual e Capa Pedro Paulo Machado © IBGE Revista brasileira de geografia/Fundagao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica - ano 1, n. 1 (1939, jan/mar.)- Rio de Janeiro: IBGE, 1939- Trimestral. Orgto oficial do IBGE. Inserto : Atlas de relagSes intemacionais, no periodo de janJmar. 1967 - out /dez. 1976. Namieros especiais: vol. 47, n. 1/2 Gan. fun.1985): Sumérios «@ indices acumulados de autor @ assunto dos vols. 1 ao 45 (1839-1883); vol. 50, t. 1 (1988) :Clssicos da geogratia; vol. 50, 1.2 (1988): Retlexdes sobre geografia. ISSN 0034-723X = Revista brasileira de geografia. 1. Geografia - Periddicos. |. IBGE. IBGE. CDDI. Departamento de Documentacdo e Biblioteca CDU 91 (05) RUIBGE/88-23 Rev. PERIODICO Impresso no BrasilPrinted in Brazil Speridiao Faissol Faleceu no dia 22 de marco de 1997, aos setenta e quatro anos de idade, Professor ‘Speridigo Faissol, um dos mais importantes gedgrafos brasileiros dos ultimos cinqdenta anos. Nascido em Ituiutaba, MG, ingressou na Geografia através da Faculdade Nacional de Filosofia do antigo Distrito Federal no inicio dos anos 40 e logo depois no IBGE, onde trabalhou inicialmente como digitador para o Servico Nacional de Recenseamento, nos trabalhos de tabulacdo do Censo de 1940. Posteriormente, jé formada, fol recrutado pelo Conselho Nacional de Geogratia para trabalhar com um grupo pioneiro de gedgrafos que estruturava um novo conhecimento geografico visando 0 planejamento territorial, em consonancia com as diretrizes do Governo Vargas. Sdo desta fase, os seus trabalhos sobre 0 processo de colonizacdo agricola em diversas reglées brasileiras, mas principalmente na Regio Centro-Oeste, em virtude da demanda governamental em definir © espaco do futuro Distrito Federal no interior do Pais. No inicio dos anos 50, ainda trabalhando o tema Colonizacao Agricola, deu assisténcia ao Professor Preston James da Universidade de Syracuse, USA que a convite do IBGE veio passar um ano para trocar experiéncias com os gedégrafos brasileiros. Por intermédio do mesmo Professor Preston James vai para Syracuse e se doutora em 1956, trabathando 0 tema Desenvolvimento do Sudeste do Planalto Central Brasileiro. Ao retornar ao IBGE assumiu a direcdo do Departamento de Geografia e a Secretaria Geral do Consetho Nacional de Geografia até 1960, periodo em que também trabalhou na estruturacdo do volume Il da colegao Enciclopédia dos Municipios Brasileiros, além de ‘ser um de seus coordenadores técnicos. A segunda metade da década de 60 inaugura uma nova fase na Geografia brasileira. Os processos de industrializacdo e urbanizaco tomam a dianteira nas discussdes geogrdficas, e com Isso, suas preocupag6es redirecionam-se para os estudos da urbanizacéo brasileira, que nesta época operavam sob Influéncia dos trabalhos do Professor francés Michel Rochefort e sob a lideranca da Professora Lysia Bernardes. Com a transferéncia de Lysla para o IPEA em 1968, Professor Faissol assume gradativamente essa lideranca e inicia um movimento intelectual que criarla um novo referencial nos estudos geograficos do Brasil - A introdugdo dos métodos quantitativos e a preocupacao de determinar um arcabouco tedrico dedutivo para a Geografia. So desta fase a maloria de seus trabalhos sobre os processos de urbanizagdo brasileira e a Introdugéo de textos tedricos metodolégicos sobre a Geografia como Giéncia Social. E por influéncia do Professor Faisso! a mudanca de orientac&o na matriz de pensamento geografica até ent&o vigente no pensamento dos gedgratos do IBGE. A Geogratia anglo- sax, através dos métodos quantitativos, comeca a dividir a hegemonia da Geografia francesa. Este processo perdurou até o inicio dos anos 80, quando sob influéncia de uma nova matriz de pensamento de cunho critico e apolada nas idéias do marxismo a Geografia brasileira toma outro rumo, agora apoiada pelos inimeros departamentos de Geografia das principais Universidades. A.ditima fase intelectual do Professor Faissol inicia-se em 1982 com sua aposentadoria do IBGE e seu ingresso no mundo universitarlo como protessor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro até 0 seu repentino falecimento. SUMARIO ARTIGOS ANTIGO E O NOVO NA REDE VIARIA DO SUDOESTE AMAZONENSE E OESTE ACREANO E SUAS IMPLICACOES AMBIENTAIS - 5 \Miguot Angele Campos Ribe'ro ESTUDO GEOGRAFICO DA CIDADE NO BRASIL: EVOLUGAO E AVALIACAO (CONTRIBUIGAO A HISTORIA DO PENSAMENTO GEOGRAFICO BRASILEIRO) - 21 Mauricio de Aireida Abrou A DINAMICA URBANA E O USO DO SOLO EM BELEM: ANALISE DE PROCESSOS, ESPACIAIS EM ZONA PERIFERICA DO CENTRO - 123, Saint Clair Cordeiro da Trindade ur. A TERRITORIALIDADE PENTECOSTAL: UM ESTUDO DE CASO EM NITERO! - 135 erica Sampalo Machado MAPEAMENTO AUTOMATIZADO: EXPERIENCIAS COM O PROGRAMA “‘SURFR” - 165 Jaimeval Castano de Souza ‘Barbara Christine Nentwig APROPRIEDADE SANTA: O PATRIMONIO TERRITORIAL DA ORDEM DE SAO BENTO NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO - 203 Fania Fridman COMERCIO DE RUA NA FRONTEIRA: NOVA DIMENSAO DE UMA PRATICA TRADICIONAL - 219 Neiva Otero Schaffer PAPEL DAS CIDADES NO PROCESSO DE CRESCIMENTO ECONOMICO: UMA REAVALIACAO - 239 URBANIZAGAO E DESENVOLVIMENTO REDISCUTINDO O URBANO E A URBANIZAGAO COMO FATORES E SIMBOLOS DE DESENVOLVIMENTO A LUZ DA EXPERIENCIA RECENTE - 255 Maroalo José Lopes de Souza COMUNICACOES ORIGENS E TENDENCIAS DA REDE URBANA: ALGUMAS NOTAS - 293 Roberto Lobato Correa REFUNCIONALIZAGAO DO ESPAGO GEOGRAFICO, UMA ABORDAGEM PRELIMINAR - 301 Fany Davidovich INSTRUGOES BASICAS PARA PREPARO DE ORIGINAIS - 307 O “ANTIGO” E O “NOVO” NA REDE VIARIA DO SUDOESTE AMAZONENSE E OESTE ACREANO E SUAS IMPLICAGOES AMBIENTAIS * Miguel Angelo Campos Ribeiro ** “.. serdo prostitvidas e arrasadas mais mulheres, como aconteceu 20 Jongo das rodovias, que pretendiam abrir as portas do paraiso e denunciam 2 presenga do interno; sergio maie numeroeos os explorados, para all levados ‘@m condi¢oes medievais. Este é o caminho para a riqueza, mas a dos exploradores, ndo a dos povoadores da amazénia.” (Nelson Wereck Sodré, 1980, In: PMACI |. p. 56, 1990) CONSIDERAGOES INICIAIS Para definir e caracterizar o “antigo” e 0 “novo” na Rede Vidria do Sudoeste Amazo- nense e Oeste Acreano, tomou-se como re- feréncia 0 artigo de Almeida, de Ribeiro (1989, 33), que remete aos processos de integrago ‘espacial de uma regio, estruturados em gran- * lecebido para publicaao em 25 de outubro de 1999, des sistemas de transportes, de comunicagbes de geragao e distribuigao de energia. Para eles, tais sistemas organizam-se em dois tipos de redes: - as linearmente materializadas, como por ‘exemplo rodovias, ferrovias, rios, oleodutos linhas de transmissao de energia elétrica; e - as néo-materializadas linearmente, como por exemplo aeroportos, portos, estacdes de * Analsia especiazado em goografia do Departamento de Geografa da Fundaggo Instituto Brasiiro de Geogratia¢ Estatisica- IBGE. 0 autor scarce que o presente artigo fo! elaborado a part de pesquisas desenvolvidas na érea em estudo, om 1987, palo proprio © ‘equipe do Departamento de Geografia do IBGE, para levantamento de dados socioeconémicos, sob a coordenagso da geégrafa Olga ‘Mara Schild Becker, referente ao projeto PMACI I (Projeto de Proteco 20 Meio Ambiente e &s Comunidades incigenas), Expressa, ainda, sinceros agradecmentos a Angélica Alves Magno, Joo Baptista Ferreira de Mello e Rogério Botelho de Mattos, elas valiosas sugesttes @ crilcas na elaborardo do texto final. A Roberto Schmit de Almeida, pelas informagdes prestadas e id6ias Sbsorvidas. A Sergio Medeiros de Lavor, pelas sugesifes na revisto do texto @ verséo preliminar e final da micrografia. A equipe de lustragdes do DEGEO, através de Luiz Carlos Adelaide de Matos, que conteccionou os mapas e, por fim, & Sociedade local do ‘Sudoeste Amazonensa e Oeste Acroano, pela contrbuicSo dada através de depoimentos trascrtos no argo. ‘As idsias expressas no texto 680 de exclusiva rasponsabiidade do autor. R. bras. Geogr., Rio de Janeiro, 56 (14): 5-19, an /dez. 1994. telefonia e telex e distribuidores de com- bustiveis. Através dessas redes, os fluxos materiais e imateriais da economia circulam sob as mais variadas formas, articulando os diferentes es- Pagos econdmicos... um estudo sobre os sis- temas de transpontes é de validade, pela sua complexidade e amplitude, em funcao de apre- sentarem subdiviséo modal. Essas modalida- des exigem infra-estruturas especificas e or- ganizam seus fluxos de mercadorias e pes- soas, conectando os diferentes subespagos que compdem um determinado territério. Outra questéo a ser aludida refere-se ao processo de complementaridade intermodal que tende a otimizar os fluxos de cargas @ pessoas em relacdéo a algumas varidveis, como: a disponibilidade da modalidade, as caracteristicas do produto a ser transpor- tado, 0 custo e a distancia. No caso da Amazénia, até recentemente, esta complementaridade intermodal era to t@nue e particularizada que a sua exist&ncia, em escala regional, era mais uma aspiragdo dos técnicos de planejamento do que uma realidade concreta. Essa caracteristica de desequilibrio entre os diferentes meios de transporte 6, ainda, sentida na Amazénia, em virtude das condig6es naturais e da evolugo do processo de ocupacdo iniciado a partir do Século XVII. Em vista do exposto acima, este brave ar- tgp tem por objetivo prncal analsar a rede do sudoeste amazonense e oeste acrea- 10, pebsanes[ent consideracdo os sisternas de’ transportes, considerados, a partir daqui, como o “antigo”, representado pelo sistema de transporte fluvial, 6 o “novo”, representado pelos sisternas rodovidrio @ aéreo. Essa rede viéria apresenta-se constitulda pelos rios formadores das bacias do Javari e Jurud, formadores do Solimées e que se in- tegram a rede fluvial do Amazonas, onde destaca-se uma série de portos que viabili- zam 0 escoamento da produgao local, com- plementada pela implantacéo da BR-384, na década de 60 e consolidarido-se nas de 70 @ 80. Apresenta um tragado longitudinal, lo- calizada na fronteira dos Estados do Acre e Amazonas, proveniente. de Cuiaba, pas- sando por Porto Velho e indo em diregdio a Rio Branco, até a cidade de Cruzeiro do Sul. Com sua abertura, essa rodovia, de certa forma, veio complementar o “antigo” e tradi- cional sistema fluvial; provocando transfor- mag6es @ influenciando na organizaggo pro- dutiva e no direcionamento dos fluxos de mer- cadorias e pessoas para a capital, Rio Branco. Deve-se mencionar, também, a partici pagao do sistema aéreo que, juntamente com 0 fluvial @ 0 rodovidrio, complementa o sistema vidrio da 4rea em estudo (Mapa 1). Mapa 1 AREA DE EsTUDO RBG ‘Ao se analisar a estrutura espacial da rede vidria no sudoeste do Amazonas e este do Acre, chama atengdo 0 fato de que esta area pode ser subdividida em fungao da BR-364. Desta forma temos, de um lado, a regiéo do Estado do Acre e fronteira do Amazonas, cortada por aquela rodovia até Cruzeiro do Sul, apresentando caracteristi- cas diferentes da outra 4rea que corres- ponde ao sudoeste do Estado do Ama- zonas. Além dessa subdiviséo, 0 que carac- teriza, de imediato, a rede vidria do espago ‘em foco 6 0 predominio de um sistema em moldes coloniais, baseado na movimentago Jenta de niimero reduzido de produtos - latex, madeira, farinha de mandioca X com- bustiveis, cimento, ferramentas e alguns produtos de consumo das populagées, como café, sal, charque, etc.... - fluindo pelos rios das bacias do alto e médio Jurud e alto, médio e baixo Javari até a calha principal do SolimBes/Amazonas. Outro fato que individualiza a area em es- tudo é seu isolamento. Esta localizada a imensa distancia dos grandes centros re- gionais - Belém, Manaus, Rio Branco e Porto Velho - prevalecendo ainda como meio de transporte, neste espago, a nave- gacdo fluvial, que direciona a érea para li- gacdes cativas, sobretudo com a capital amazonense. Em se tratando da porgdo oci- dental do Estado do Acre, a forma dendritica anterior poderé ser substituida por uma estrutura multiarticulada, com ligages prefe- renciais com Rio Branco, Porto Velho, Cuia- ba e Centro-sul do Pais, em fungao da im- plantaco e asfaltamento da BR-364. Os sistemas fluvial e rodoviario so comple- mentados pelo aerovidrio que, neste espago, adquiriu papel importante devido as condigies precdrias de acessibilidade e as longas distan- cias (Mapas 1 e 2). E bem verdade que tal estrutura esta apenas esbogada, sendo, ainda, muito precaria as atuais condigdes de trans- porte, levando a um completo isolamento em decorréncia da auséncia de infra-estrutura tanto no que diz respeito ao seu principal e tradicional sistema de transporte - o fluvial - quanto ao ro- doviario. Este ultimo consiste na implantagao, ao longo do trecho compreendido entre as cl dades acreanas de Feijé e Cruzeiro do Sul, da BR-364. Esse isolamento responde por uma série de problemas ligados, principaimente, ao monopélio, questo dos fretes e pa: gamento, volume de estoque e entrega de mereadorias na regio, (Mapa 2). Antes de se abordar a estruturagio dos sistemas de transporte nesta porcio da Amazonia, caberia tecer alguns comentarios de ordem socioeconémica a respeito dos municipios que a integram (Quadro 1), per- fazendo um total de 12, sendo que, somente 9 apresentam sedes municipais localizadas na area em estudo. Esses municipios regis- traram populacéo residente inferior a 30 000 habitantes, em 1991, excegdo feita a Cru- zeiro do Sul, localizado no extremo oeste do Estado do Acre. Caracterizam esta drea as mais baixas densidades demograficas no contexto amazénico, verificando-se os maiores percentuais populacionais concentrades em zonas rurais. As baixas densidades demogréficas verifi- cadas na drea em estudo s40 decorrentes, dentre outros fatores, da propria estrutura vidria existente, baseada no sistema fluvial, gerador dos problemas de acessiblidade, desta forma isolando-a do conjunto da ‘Amazonia e do Pais; bem como de sua or- ganizag&o econémica, pautada no extrativis- mo vegetal (borracha, madeira, etc.) que nao gerou concentrago de populacdo em diversos nicleos, mas sim “em poucos, exatamente em fungaéo da descontinuidade @ da raridade do povoamento’, conforme nos afirma Santos (1993, p. 62) no tocante a Amazonia, (Quadro 1). Visando caracterizagéo da estrutura econémica dos centros urbanos, levou-se em consideragéo 9 trabalho inédito de Ribeiro (1993), no qual foi elaborada uma Tipologia referente a funcionalidade urbana das cidades com populagdo residente igual ou superior a 5 000 habitantes, na Amazénia Legal, sendo caracterizados quatro tipos de centros, a saber: 1 - com predominio da atividade industrial; 2 - combinagao de atividade comercial e industrial; 3 - com atividades ligadas aos produtos agropecuatios;e * 4- com atividades ligadas ao extrativismo vegetal. te 0 ese s0i490 AE spojunumed oon ‘s¥iAg08 wana9a7 sonvaun soaTonN CP ~007 ee tl viavuoowain oe oe ‘opmise ep eauy - ONVSHOV 31830 3 SVNOZVWV Od OdVS3 Od a1Sa00NS ZvdvW QUADRO 1 MUNICIPIOS INTEGRANTES DA AREA EM ESTUDO - INDICADORES SOCIOECONOMICOS, 1 por. tpop.sepe! por: | MuniciPios | MUNIG. (1) {MUNICIPAL! URBANO ! raps)! BS) | (ABS) | es beneeeeobee Crizerodo Su | 68.607! 26765! 27860! i i i Foie | 17700) Tm) 748) Amicolima | 10218) 3574) 3574 Terauacd | were; 943) os! Total Acre) 1 ya2250; 4egz1} 4841; i Atalaia do Norte i Bot4 2162 2162 sonarinCensart | were! nsw0! 11500! i i i coat rome} soot sre Envens moss! saat! 1sast! i i i Enea sean! eas! 403s! toe seer] a5} 950 aa wou! ome} oe} stoPaiodsonena| 19627! 442/505) Tapa asom} 7516| 7561 Toll Amazonas usea7! 67900! sera! “+ TOTAL DA AREA e714) AMAZONIA LEGAL @) | 16459 7541 8.445.687 | 9076742! 7977 04 FONTE - Sinopse Preliminar do Censo Demogréfico, 1981, IBGE, (1) Poputago resident, POP. GRAUDE | ESTRUTURA ECONOMICA DA. RURAL | URBANIZAGAO! —SEDE MUNICIPAL (ass) Cen @ Combinaeao "da alvdade ae 4188 | comercial e industrial 10812} 40.251 Aavidades onda 20 on ogo eon} 94,90} Atidades Igadas. 20 ox, vegeta sen7} 94.54 Andes gadas wo ox ope 7418! oe ee eee ere; coo! aera oP oe ee ee sm! sl mmr, shee fee ae ecg cl, eden eee ee ree a oe oe fae et oc nal wee! ae (2) Para carecterizagso da estrutura econdmica das cidades da AmazGnia Legal, uiizaram-se as informagdes basicas municipais, 11989, IBGE e Censos Econdmicas, 1985, IBGE. (@) A Amaztnia Legal 6 consttuida pelas Unidades da Federagto pertencentes & Regiso Norte (Amazonas, Paré, Tocantins, Acre, londénia, Roraima e Amapa); Centro-Ceste (Mato Grosso e Goiés, até 0 paralelo 19° S) e Nordeste (Maranh Wde Greenwich) Quanto a funcionalidade dos niicleos ur- banos da area em estudo constatou-se que, em sua maioria, estéo condicionados as atividades extrativas ¢ agricolas (Quadro 1). Dos 13 ndcleos urbanos que integram a rea em estudo, com excegao de Cruzeiro do Sul (AC) @ Eirunepé (AM) que tém suas atividades ligadas a combinagao do comér- cio @ industria e Benjamin Constant (AM) que se vincula aos produtos agropecudrios, 316 0 Meriiano 44° de os demais centros vivem do extrativismo vegetal. No tocante aos fluxos de mercadorias, a escala de alcance dos mesmos 6 a Local, ou seja, os fluxes se déo dentro dos mu- nicipios dos proprios estados (neste caso, os fluxos se realizam entre os préprios mu- nicfpios amazonenses e acreanos), Em seguida, aparecem os de alcance Regional, aqueles verificados nos limites da Amazonia Legal, sendo que os vinculos com Manaus sdo intensos. A rede fluvial funciona como o principal sistema de transporte dos fluxos de bens, sendo que a comercializag4o da borracha se destaca entre os demais produtos, entre os quais a madeira e os agropecuérios, benefi- clados ou n&o. Trata-se de uma 4rea que apresenta pa- dréo espacial predominantemente den- dritico, estando seus nicleos urbanos locali- zados préximos aos rios e orientados pela rede fluvial, quanto aos seus relacionamen- tos (fluxos de mercadorias ou bens). S40 re- lativamente pequenos e de pouca ex- pressdo, dentro da Amaz6nia Legal, vivendo da drenagem de produtos extrativos e agropecuarios. Com a implantagdo da BR-364 e seu fu- turo asfaltamento, é provavel que os re- lacionamentos desta area passem a ser di- recionada, com maior intensidade, para Rio Branco, em direg4o ao Centro-sul do Pals. Diante de tal fato, as ligagbes cativas com Manaus tendergo a diminuir. © que se pode constatar reforga-se na afirmativa de Figueiredo (1993, p. 1) em re- lagéo a drea em estudo, que integra as Uni- dades Espaciais configuradas da Amaz6nia Legal aquela de Dominio Extrativista da ‘Amazénia Ocidental: “conjugando baixa den- sidade demografica e acentuado isolamento espacial, apresenta no extrativismo vegetal, associado @ ocupagdo ribeirinha, sua princi- pal forma de ocupagao territorial”. ESTRUTURAGAO DOS SISTEMAS DE TRANSPORTE NA REGIAO a) O sistema de transporte fluvial A estrutura vidria da regido em estudo re- pousa, ainda hoje, fundamentalmente sobre as bacias hidrogréficas do Javari e Jurué, formadores do Solimées. Este sistema, ape- sar de ser o mais antigo e de grande im- porténcia para a area, onde as comunicacdes so bastante precarias, apresenta grandes inconvenientes no que conceme as con- digdes de navegabilidade, principalmente com relagao a bacia do Jurud, condicionada a fatores climaticos e geomérficos carac- teristicos da regiao. Um dos problemas verificados, no que tange ao conjunto Jurud e seus formadores - Tarauaca, Envira e afiuentes - diz respeito a0 intenso assoreamento provocados, em seus altos cursos, pela grande quantidade de sedi- mentos oriundos, em partes, dos desmata- mentos que vém se processando nas cabecel- ras daqueles rios. Esse processo de as- soreamento altera os canais de navegacao, exemplo verificado no rio Tarauacd, que tem a navegabilidade prejudicada em grande parte de seu alto curso. Outra caracteristica que dffcutta a navegacao em ambas as bacias consiste nos acentuados meandros, que aumentam o tempo de viager entre as cidades da 4rea e Manaus e Belém, distantes em cerca de 3 000 e 6 000 km, res- pectivamente. © tempo de viagem, jd muito longo (a par- tir do alto € médio curso) com média de 16 dias para alcangar Manaus e 25 dias para Belém, aumenta ainda mais no caso da bacia do Jurud e seus formadores - Envira e Tarauacé - em seus altos cursos, em con- seqiéntia da vazante associada ao periodo da estiagem (“verdo"), que corresponde ao perfodo de maio a novembre. A navegacao fica, ent&o, prejudicada, em decorréncia da profundidade, do calado das embarcagées, havendo necessidade de transbordos. Aos problemas de ordem fisica - distancia e dificuldades de navegacdo - alia-se @ falta de infra-estrutura portuaria, j4 que os “por- tos” existentes (ndo-estruturados) ndo ofere- cem condigdes necessérias ao transporte flu- Vial. Os “portos’, com excagao de Cruzeiro do Sul, banhado pelo Jurud, que apresenta estacao portuaria, correspondem a pequenos atracadouros individuais, utiizados para 0 re- cebimento de embarcagdes de pequeno ca- lado, sem nenhuma infra-estrutura para movi- mentacdio de carga e armazenagem. Quanto a navegagéo do Jurud, Tarauacd & Envira, realiza-se através das ligagbes entre as cidades acreanas de Cruzeiro do Sul, Feijé e Tarauacd com Manaus via as cidades ama- zonenses de Ipixuna, Envira e Eirunepé, que servem de ponto de transbordo e limite para No tocante @ bacia do Javari, algumas as embarcagdes de diferentes profundi- —_consideragdes especificas podem ser obser- dades de calado. Eirunepé tem condigses —_vadas, fazendo com que a mesma se diferen- de acesso fluvial 0 ano todo, o que aumenta, —cie da bacia do Jurud. A primeira diz res- em importancia, seu papel. Peito a periodicidade da navegagao fiuvial, ‘A navegagao na bacia do Jurué pode ser Que tem sua ocorréncia o ano todo sem in- dividida em dois perfodos: de maio anovem- ‘Mferéncia das estaghes @, conseqdente- Su mente, sem prejudicar as relagdes comer- bro, correspondendo ao “verdo", quando iais e o movimento das populagdes dessa transitam pelos rios pequenas embarcag6es area para Manaus e as demais cidades dos que vao de Eirunepé em diregdo a Envira, —_vales do Solimées e Amazonas. Alia-se a es- Feijé, Tarauaca e Ipixuna até Cruzeiro do te fato a importancia da bacia no tocante ao Sul; e de novembro a abril (“inverno”), quando transporte internacional, levando as _popu- diminui 0 fluxo de embarcagdes pequenas, —_lagdes das fronteiras da Colémbia e Peru a em virtude das cheias. Aumenta, assim, 0 se relacionarem intensamente com Tabatinga fluxo de balsas de maior porte e calado-vin- (que nao se encontra nos limites da rea em das de Manaus - que passam a atingir, dire- _estudo) e Benjamin Constant, relagoes estas tamente, localidades como Feijé (no alto de carater comercial (sobretudo vestuario e curso daquela bacia). Produtos alimentares). A titulo de informacdo, é relevante acen- Deve-se destacar, entre os produtos tuar que mais de mil pequenas embar- comercializados desta area com Manaus, 0 cagOes da propria area atuam na regiao do transporte intenso de madeiras de lei - alto Juru, conduzindo pequenos volumes — mogno em toras ou serrado. Assim, parte da de carga. Dentre eles, 60% correspondem madeira permanece nas serrarias da regio, aos tradicionais regatées' que, embora este- enquanto outra é exportada, via Manaus, jam desaparecendo, ainda monopolizam o _ Para os Estados Unidos. comércio nestas vias. No que tange aos pro- Em nivel local, podemos distinguir intenso dutos comercializados, destacam-se, proveni- deslocamento de passageiros através de entes de Manaus, os derivados de petréleo —_voadeiras, entre as cidades de Benjamin Cons- (inflamaveis), cimento, produtos de estivae tant e Tabatinga e, em menores proporgées, eletrodomésticos. Em sentido inverso, via de mercadorias, fazendo com que se estrei- Eirunepé, circulam como produtos mais im- tem as relagdes entre aqueles dois centros. Portantes a borracha, madeiras, grades va- A quisa de exemplficagéo, 0 Quadro 2 pro- zias de bebidas, produtos agricolas (atT0z, cura mostrar caracterizagao do grau de aces- feijéo, milho e farinha de mandioca) e frutas. _sipiidade fluvial 2 do “porto” ou atracadouro lo- Quanto ao transporte de passageiros pelo calizado na sede municipal, levando-se em Jurud e afluentes, convém mencionar que considerago a profundidade do rio no qual no existe embarcagao tipica para esse fim. - esto localizados, segundo Departamento de ‘Apenas duas embarcagdes tém permissio _Vias Navegaveis da Portobrés. ara transportar no maximo 30 pessoas, que ‘Quanto aos portos lovalizados na rea em se deslocam no periodo de 2 em 2 meses, —_estudo, cumpre mencionar que aqueles locali- partindo de Eirunepé, no Amazonas, pas- —zados no Estado do Amazonas s40 0s que sando por pequenos centros localizados nos _apresentam as melhores condigdes de nave- vales até chegar a Manaus. gabilidade durante todo o ano, destacando-se “agentes do processo de comercisizagao, de grande mobiidade, baseado em embarcagbes que trocam mercadoras, geralmente in- ‘dustialzadas, por rodutes locals de Sou interesse. Caso da borracha, castanha e demiais produtos da coleta vegetal ou da agricu- tra, Els so sustentados pelo sistema de “aviamento’, que consiste no principal mecanismo de financlamento da produgao ¢ das ‘tocas comerciais (vide Corréa, 1991, p.254 - 271) 2 0 Grau de Acesstiladade Fluvial foi elaborado por Ribeiro para caracterizar os “Portas” ou Alracadouros da Amazénia Legal. Em fungdo da ceracterisiea de protunaiade dos nos nos quals Os mesmos estao local2ados, asngurams0 quatro calegonas, S2ndO aribuidos pesos ou notas de 4 a 1, a saber: 4 ~ com navegagdo regular 0 ano into, com profundldade minima de 2.10m em 90% do tempo; 3 - com navegacdo regula’ ou néo, em certo echo, com profundidade minima entre 1,40m e 2.10m em 96% do tempo; 2 - sem navegagdo regular, em certo trecho, com protundidade minima entre 0,80m e 1,30m em 90% do tempo: 1 - sem navagago regular, em certo echo, sendo navegavel nas cheias. A nota 0 corresponde & auséncia, entre eles os situados nas localidades de Atalaia do Norte e Benjamin Constant, no baixo curso do rio Javari e Eirunepé, no médio Jurua. © conjunto formado pelos portos locali- zados nas cidades de Carauari (baixo Jurua); Jutal e S40 Paulo de Olivenga (alto Solimées) fe Tapaua (baixo Purus) apresentam as mes- mas condigdes de navegabilidade que os an- teriores, mas no esto localizados dentro dos limites da rea estudada (Mapa 2). Com excecdo de Mancio Lima (AC), que ‘em decorréncia de sua localizago nao apre- senta fungao portuaria, os demais carecem de navegagéo regular, sendo utiizados so- mente em certos trechos, durante as cheias. Tal fato pode ser explicado em virtude das caracteristicas fisicas de suas localizacées, geralmente no médio e alto cursos dos seus respectivos rios, muitas vezes com a presenca de corredeiras ou apresentando pouco volume de agua (Quadro 2). Alguns projetos estéo sendo elaborados com vistas ao meihoramento da navegabili- dade nos rios destas bacias, j4 que con- sistem em caminhos obrigatérios para a inte- gracdo da porgo sudoeste amazénica, nao sé com Manaus e Belém, como com as de- mais cidades fluviais da regiéo. Todavia, embora este seja um meio de comunicacao imprevisivel, 6, por outro lado, econémico, ‘em fungdo do frete mais em conta, se com- parado aos demais meios de transporte. b) O sistema de transporte rodoviario A Area em foco ainda nao é dotada de sistema de transporte rodovidrio. O que se encontra, na verdade, 6 um caminho de servigo, no Estado do Acre (fronteira com 0 Amazonas) saindo de Feij6 em direcdo a Cruzeiro do Sul. Trata-se do prolongamento da BR-364, implantada no final da década QUADRO 2 GRAU DE ACESSIBILIDADE FLUVIAL - “PORTO” OU ATRACADOURO LOCALIZADO NA SEDE. MUNICIPAL DOS MUNICIPIOS INTEGRANTES DA AREA EM ESTUDO Feijo ‘Mancio Lima Tarauacd ‘Atalaia do Norte Benjamin Constant Carauari Eirunepé Envia tpixuna uta So Paulo de Oivenca Tapaua : FONTE - PORTOBRAS, Dep. de Vias Navegavets. NOTAS REFERENTES AO GRAU DE ACESSIBILIDA 2 4 4 4 4 2 2 4 4 4 ‘AREDE hidrovidra brasieira. (S. : PORTOBRAS, Departamento de Vias Navegiveis, 1991 (Publicagbes técicas). de 60 e tendo sua consolidagdo entre as de 70 e 80 que, proveniente do Centro-sul do Pals, margeia a fronteira com 0 Estado do Amazonas e percorre, transversalmente, o alto curso da bacia do Jurud. Sua implan- tago esta ligada aos governos militares que, no inicio da década de 60, preocupava- se com questdes de seguranca nacional e ‘ocupagdo de areas vazias do territério brasileiro. No entanto, nesse trecho a es- trada s6 foi “aberta’, constituindo desta forma um caminho que sd funciona, pre- cariamente, durante quatro meses do ano (periodo do “veréo"). De Rito Branco a Cruzeiro do Sul sto 651 km de estrada precéria,, sujeita a longas inter- Tupgdes no periodo das chuvas (“inverno"). A BR-364 corta diversos rios e igarapés de porte médio, sendo que os rios da bacia do Jurua mantém, permanentemente, grandes reas alagadas entre Feijé, Tarauaca e Cru- zeiro do Sul. Qs impactos de um futuro asfaltamento da BR-364 (ja concretizado, recentemente, no trecho entre Porto Velho e Rio Branco) no trecho Rio Branco-Cruzeiro do Sul so vistos de diversas maneiras pelos varios segmentos da populagdo acreana. A maioria considera o asfaltamento imprescindivol. Ha, porém, os que o temem, por sentir que tal processo penalizava violentamente seus negocios. A guisa de ilustragdo, esto transcritos, a seguir, alguns depoimentos coletados nas entrevistas realizadas na area, em diferentes segmentos da sociedade, tais como comer- ciantes e liderangas locais, denotando o pa- pel daquela rodovia para a regiéo: "A estrada nao trouxe reflexo nenhum. ‘A BR-364, mesmo em Rio Branco, néo influenciou aqui". "Se chegar aqui, vai melhorar muito, pois vao ter condicéo de trazer mer- cadorias do Centro-sul em 5 a 8 dias’. * “A estrada 6 importante para haver cir- culagao com Rio Branco”. © “Tem que haver um controle, com 0 as- faltamento da BR-364, com relaco ao desmatamento". © "A rodovia asfaltada ia dar um impulso ao pequeno e médio produtor. Iria en- carecer o frete, para alguns produtos, mas em compensacao, iria ter uma regularidade maior no abastecimento, principalmente hortigranjeiros. Com isto, a cidade (Cruzeiro do Sul) superaria Rio Branco” "Com o asfaltamento da BR-364 poder- se-ia escoar a producéo de pescado para Rio Branco, bem como a manutengdo das maquinas melhoraria (embarcagées), j4 que as pecas fi- cariam mais baratas”. °“O asfaltamento da BR-364 encare- ceria 0 frete. Entretanto, com relagéo ao abastecimento, 0 asfaltamento se- ria a melhor coisa para Cruzeiro do Sul, pois no vero, fica-se de 4 a 5 meses sem vir a balsa pelo Jurua. O monopélio dos poucos grandes comer- ciantes acabaria’, © 'Primeiro melhorar aqui (Cruzeiro do Sul), antes de asfaltar. O perigo ¢ 0 grande chegar e expulsar 0 agricultor lo- cal”. * "Nao acredito ainda na efetivagao do asfaltamento da BR-364. Seria étimo e uim. Otimo, por que os horizontes se- tiam abertos aos imigrantes, iria desen- volver a regiao. Ruim, porque traria os problemas que a imigracéo em massa traz. Mas jé esto se preparando”. ° "Se néo asfalté-la, sua utilizac&o se re- sumird a apenas 2 meses por ano’. © “O seu asfaltamento 6 uma coisa ma- ravilhosa, que val dar progresso para Ipixuna, principalmente no transporte, uma vez que ha grande dependéncia de Cruzeiro do Sur’, Para finalizar, 0 depoimento abaixo re- sume os demais, com relagéo ao asfal- tamento da BR-364. “Ea solugdo. Ja passou do tempo de chegar’. Quanto ao sistema de estradas vicinais na regio, podemos dizer que das poucas existentes e ligadas aos projetos de coloni- Zag&io, como as encontradas nos Municipios de Cruzeiro do Sul e Ipixuna, entre outros, apresentam-se em estado precério, dificul tando 0 escoamento da produgao do interior rural para aqueles centros. A abertura de novos eixos vicinais ligados aos sistemas rodoviarios estaduais e munici- pais, ainda geraré muita celeuma entre ecologistas, especialistas em colonizacao, empresarios, colonos, politicos e liderangas locais. Ha os que pregam que um sistema de es- tradas vicinais com trafego permanente 6 uma das condiges necessérias para que os projetos de colonizagdo na area, hoje e no futuro,’ possam ser viabilizados. Por outro lado, ha também a preocupagao dos ecolo- gistas e indigenistas quanto ao descom- passo entre as delimitacbes das reservas, tanto indigenas quanto ecoldgicas e o plane- jamento e implantagéo dessas estradas turais cortando Areas reservadas j4 que, uma vez implantadas, é impossivel restringir a ocupacdo predat6ria no local. As rodovias, nessa 4rea, com excegao da BR.364, ainda ndo sairam dos projetos, estando indicadas nos mapas rodovidrios do Departamento Nacional de Estradas de Ro- dagem (ONER) - 1988 - como planejadas, caso da Perimetral Norte, que cortara a parte oeste da area (fronteira com o Peru), passando por Benjamin Constant, no Ama- zonas, indo conectar-se com a BR-364 em Cruzeiro do Sul, no Acre. Numa das entrevistas realizadas em Ben- jamin Constant, o entrevistado procurou ex- ternalizar sua opiniéo a respeito da Perimetral Norte: “A Perimetral Norte nao foi implantada, infelizmente, pois 0 Governo Federal vé 0 Amazonas como uma reserva para as muttinacionais". Algumas conseqdéncias para o futuro podem ser observadas em relagao a implan- taco e asfaltamento de um sistema viario, que jé se delinearam em Areas da Amazénia, caso do trecho da BR-364 entre Cuiabé (MT) e@ Porto Velho (RO) - Rio Branco (AC). No caso do asfaltamento da BR-364, a enorme frota de caminhées e Onibus alteraré profundamente os desio- camentos populacionais, provocando o en- curtamento nos prazos de entrega de mer- cadorias, modificande a administragéo dos estoques dos estabelecimentos comerciais e agricolas. Com isso, aumentaré 0 flux monetario, gerado por maior quantidade de transag6es comerciais, reestruturando a vida de relagdes de bens dos centros locais que hoje apresentam forte vinculo com Manaus, via rio e passarao a se ligar com maior intensidade, via rodovia, ao Centro-sul do Pais, indiretamente, através de Rio Branco. Hoje (1983) assiste-se em Rio Branco a um fluxo mais intenso com a cidade de Goidnia, via BR-364, sendo que a causa principal desta inverséo consiste no alto custo das mercadorias comercializadas por Manaus. Portanto, é mais vantajoso pagar um frete de caminh&o, que sai de Goiania, do que um barco que se desloque de Manaus. Com a abertura ¢ asfaltamento dos eixos rodovidrios, viabiizar-se-4 uma ampla gama de projetos agropecuarios (muitos 4 existen- tes) pelo poder piiblico e por grandes grupos empresariais do Sudeste. Paralelamente, haver& um deslocamento de parcelas da populagéo, proceso que jd se delineia em Rio Branco e vem ocorrendo com intensi- dade em Vila Extrema e Nova Califémia, na fronteira de Rondénia com o Acre, em busca de terras, partindo, principalmente, de imi- grantes chegados ‘do Nordeste e Sul do Pats. Tais processos de ocupacéo, quando néo planejados e monitorados adequadamente pelas diversas instancias do poder piiblico, acabam por gerar graves distorgbes sociais danos irreparéveis ao meio ambiente, além de levar a sérios conflitos entre possei- fos antigos, fazendeiros, seringueiros e indios. © SISTEMA DE TRANSPORTE AEREO Em vista das dificuldades inerentes 4 in- fra-estrutura do transporte fluvial e rodoviario na drea em estudo, o aéreo ainda garante 0 deslocamento de grande volume de carga e passageiros, através das empresas de am- bito nacional/regional e companhias de taxi- aéreo. RBG © Quadro 3 procura mostrar a caracteri- zagdo do grau de acessibilidade aérea? nessa rea, levando-se em consideragao 0 equipamento (tipo de aeronave) conjugado com a infra-estrutura do aerédromo, dando @ntase para as variéveis que os individuali- zam, tais como: luzes e sistemas de aproxi- magao (visual, eletronico (I.L.S.)) e luzes de pista, além das instalagbes de radionavegagao (auxllio-rddio e vo por instrumento).. Dentre os aerédromos destacam-se, em importancia, o de Cruzeiro do Sul (AC), que apresenta o maior grau de acessibilidade Por possuir pista ‘de asfalto de grande ex- tensao (mais de 2 000 m), sendo o mais equipado, com luzes de pista, venda de combustivel, equipamento para orientacdo de véo por instrumentos e centro me- teorolégico, Servido.por empresas nacionais @ de transporte regular e ndo-regular (téxi- aéreo), tanto em véos domésticos quanto in- QUADRO 3 GRAU DE ACESSIBILIDADE AEREA - AEROPORTO OU CAMPO DE POUSO LOCALIZADO NA ‘SEDE MUNICIPAL DOS MUNICIPIOS INTEGRANTES DA AREA EM ESTUDO MUNICIPIOS Cruzeiro do Sul Feiié Mancio Lima, Tarauacd ‘Atalaia do Norte Benjamin Constant Carauari Eiunepe Envira tpiuna sJutat ‘S80 Paulo de Olivenga Tapaua FONTE - Ministério da Aeronautica. eee oar oo [MANUAL ausiiar de rotas abreas - ROTAER, 91/PANROTAS. Brasilia: Ministério da Aeronautica, 1991 50 Grau de Acessbiidade Aérea fo eaborado por Ribeiro para caracterizar os aerécromos (aeroportes) da AmazGnia Leg Em fungo {do equipamento (ipo de aeronave) conjugada &infra-estrutura do aerédromo. Distinguiram-se, desta forma, seis (6) categorias, sendo ‘atrbuidos pesos ou notas de 6 a 1, a saber: 6 - com inha regular, aeronaves com 4 reatores, com I. L.S.: 5 com linha regul ‘aves com 4 rato sem LL.S.; 4 - com linha regular, aeronaves com aé 2 reatores, com luzes de pista e/ou vOo por instrument; com linha regular, aetonaves com até 2 reatores e/ou Bandeirante, com luzes de pista; 2 ~ com linha regular, eronaves com aié 2 reatores elou Bandeirantes, mas somente com pouso durante 0 dia, sem luzes de pista e/ou vOo por instumento; 1 ~ sem lina regu- lar (campo de pouso) ou no-ficais sem equipamentoe infra-esirtura. A nota 0 (zer0) corresponde & auséncia, ternacionais, apresenta este aerédromo in- tensa movimentagao de carga e passagei- ros. A seguir, aparece o de Eirunepé (AM), que possui uma pista média (entre 1 500 1 900 m), asfaltada e com instalagdo de auxilio-radio, sendo servido por empresa re- gional reguiar (TABA) e n&o-regular (taxi- aéreo), seguido do de Caravari (AM). Con- vém mencionar, ainda, que as cidades de Benjamin Constant e Atalaia do Norte, no ‘Amazonas, se servem do Aeroporto Interna- cional de Tabatinga. Quanto a infra-estrutura dos aeroportos da regidio, com excegao de Cruzeiro do Sul (AC) @, num nivel mais inferior, Eirunepé e Carauari (AM), que apresentam condig6es satisfatérias de pouso e decolagem, os de- mais caracterizam-se por precdrias ins- talagdes, tanto nos aspectos operacionais quanto no atendimento a carga e aos pas- sageiros, muitas vezes inexistentes. Ao lado dos aeroportos e campos de pouso homologados pelo Departamento de Aeronautica Civil (D.A.C.), convivem inimeros campos de pouso clandestinos, uns pertencentes a fazendeiros recentes que ainda ndo legalizaram a homologacéo junto ao Ministério da Aerondutica e outros, em grande maioria pertencentes a grupos de contrabandistas e traficantes de toxicos. O problema é de tal gravidade que jé existe um convénio entre o Ministério da Aeronau- tica, a Policia Federal e o Instituto de Pes- quisas Espaciais (INPE) para que, por meio de sensoriamento remoto via satélite, seja levantado o némero real de campos de aviagdo na regio, juntamente com a eluci- dac&o de seus verdadeiros objetivos. Quanto as empresas que atuam na area, de Ambito nacional, somente a VARIG/CRU- ZEIRO faz rota de passageiros e carg partindo de Manaus via Tabatinga, Cruzeiro do Sule Rio Branco. Ja a VASP atuava no Estado do Acre até Cruzeiro do Sul, somente no transporte de carga. Serve, ainda, a esta regio, uma empresa de 4m- bito regional - a Transportes Aéreos da Bacia Amaz6nica (TABA), com sede em Belém, que cobre, além dos 40 aeroportos catalogados pelo D. A.C. , muitos outros de menor porte. Esta companhia apresentou, no ano da pesquisa (1987), certo grau de deficiéncia, tanto no que se refere a segu- ranga das aeronaves, como também ao grau de conforto e precisao dos hordrios. Outro conjunto de empresas que possui importancia vital na area em fooo € 0 de tax- aéreos. Em Rio Branco estao sediadas qua- tro das principais que atuam nessa area: a TAFETAL (Taxi-Aéreo Feiié-Tarauaca Ltda.), a PUA (Purus Taxi-Aéreo Ltda.), TACEZUL (Taxi-Aéreo Céu Azul Ltda.) e a TAVAJ (Taxi Aéreo Vale do Jurué Ltda.), que co- brem diariamente os principais centros acrea- nos € 0 sudoeste do estado amazonense. Dois fatores explicam sua complementari- dade aos vos regulares: o primeiro, por ser a regido fronteira de recursos, onde as ativi dades econémicas, como a agropecudria, estao localizadas em 4reas isoladas. Alude- se, ainda, as condiges econémicas da maioria dos proprietérios de terras, geral- mente grandes fazendeiros e grandes or- ganizagoes sediadas na Regiéo Sudeste. O segundo consiste nas grandes distancias e na precariedade ou auséncia dos demais meios de transporte que fazem do taxi-aéreo © meio de locomogéo de pessoas e pequenas cargas, sobretudo aquelas de alto valor e menor peso. O custo operacional ele- vado encarece, assim, 0 prego da passagem e dos fretes. Estas aeronaves atuam também no trans- porte de funcionérios dos governos estaduais e municipais, fazendo ainda o deslocamento emergencial de passageiros, principalmente enfermos, entre os centros urbanos e destes para as fazendas do interior, através de con- vénios entre as empresas de taxi-aéreos e prefeituras locais. Nesse sentido, pode-se prever, & medida que a rodovia comegar a ser asfaltada e outras estradas forem abertas e dotadas de infra-estrutura, os tdxi-aéreos tenderao a perder importancia em atendimento. © téxi- a6reo - segundo 0 depoimento de um gerente administrativo de uma dessas companhias - “chega onde nao tem o meio de transporte. Serve de elo de ligagao, até quando nao chega a rodovia". Cutra instituigéo importante que atua na rea 6 0 Correio Aéreo Nacional, sob a res- ponsabilidade da Forca Aérea Brasileira (FAB) através de aeronaves “Butalo”, que complementa o atendimento a estas comu- nidades, no s6 no transporte de cargas, mas também das populacdes carentes, em- bora atue, hoje, de forma irregular. EFEITOS DA IMPLANTACAO DE REDE VIARIA NA AREA EM ESTUDO A principal diferenga entre o “antigo” (Sis tema Fluvial) e 0 “novo” (Rodovia BR-364 que comeca a se esbogar, em termos de transporte, 6 0 acentuado aumento da ca- pacidade de carga e de passageiros trans- portados; além da rapidez e da flexibilidade na entrega porta-a-porta que o transporte ro- dovidrio garante, quando dotado de certa fra-estrutura para sua atuagao. Nesta rea, ainda hoje, predomina o “an- tigo” Sistema Fluvial, que movimenta len- tamente quantidade variada de produtos e pequeno nimero de passageiros. A medida que o processo de substituigao de sistemas viarios terrestres vai se con- cretizando lentamente, 0 transporte aéreo adquire papel complementar, principalmente nas fases iniciais do processo de implan- taco rodovidria, pois a ele cabe o trans- porte de pessoal técnico mais capacitado, 0 deslocamento urgente de feridos e doentes @ 0 transporte de cargas e equipamentos de pequeno porte e de alto valor adicionado. Quanto aos efeitos do processo de im- plantagdo futura de uma infra-estrutura vidria na area estudada, cabe analisar alguns pon- tos positives e seus rebatimentos negativos na natureza e na sociedade. Tal empreendi- mento leva a: maior e melhor conhecimento do territério, com o alargamento da fronteira de recursos; bem como a integrago desta porgao da Amazénia ao sistema produtivo da propria regido em que ela se insere e a0 Brasil. Paralelamente, permite, também, 0 aumento da arrecadagao fiscal dos estados e municipios, aumento na geracéo de em- pregos, além da melhoria na estrutura comercial e de servicos dos municipios al- cangados pelas estradas, e a melhor inte- grago das modalidades de transportes. Porém, toda essa sucesso de processos considerados positivos para o desen- volvimento de uma regido, sem esquemas de controle adequados, ocasiona distorgdes, id verificadas em outras areas da Amazonia, como por exemplo a perda de controle do fluxo migratério, causando: a) disseminagao de doengas tropicais, via migrante no adaptado as condigbes de in- salubridade da area; b) colapso da infra-estrutura urbana dos antigos centros, que ndo esto preparados para receber os elevados aumentos de populagao. Este fato se delineou a partir de meados da década de 70, em Rondénia, na parte oriental do Para e norte de Mato Grosso e que ja comega a se acentuar, nos dias atuais, na érea em estudo (caso de Cruzeiro do Sul, no Acre); c) especulagao fundidria sem controle, terando fortemente o valor da terra e sub: tuindo antigas e tradicionais formas de ocu- pagdo por outras, muitas vezes nao ade- quadas & realidade; 4d) atuacdo predatéria, conduzida simul- taneamente por fazendeiros e grandes em- presas rurais no preparo de suas terras para as atividades agricolas e pastagens, aliados a empresas de extragao de madeiras. Essa atuagao implica em grandes devastagoes na floresta (tal processo ja existe, independente da estrada), sem que se tenha preocupagao com 0 uso racional dessas matas; e e) aumento dos fluxos de contrabando, tanto de mercadorias e sobretudo de téxi- cos. Esse fendmeno jé mereceu varias con- sultas diplomaticas, reunides entre érgaos policiais @ forgas armadas e esquemas de cooperacao entre os paises limitrofes ao Brasil. No bojo das mudancas de estratégias dos traficantes, observa-se que este seg- mento jé esta usando a estrutura industrial e a rede rodoviéria brasileira para 0 abas- tecimento de produtos quimicos neces- sarios A fabricagéo de drogas em seus paises. Finalmente, o ponto importante a ser lem- brado, quando comega a se implantar uma rede rodovidria, acrescida de infra-estrutura basica em regibes de clima equatorial, caso da area em estudo, 6 0 controle da capaci- dade de manutengao das mesmas. Sem esse controle, corre-se 0 risco de «. sestru- turar esquemas econémicos nascsrtes e gerar graves problemas de dispers’. '2 re- cursos humanos e materiais. ‘A maioria dos especialistas em soloni- zagao de reas de fronteira coloca como fa- tor preponderante do sucesso ou ndo, dos projetos, a conservacao das redes viarias, tanto a principal quanto a vicinal. Esse 6, hoje, um grande problema que se verifica em outras areas da Amaz6nia, pois o sistema rodoviario deteriora-se rapidamente, devido as condigSes climaticas e ao alto custo de manutencao. Nos préximos anos, espera-se que a populagao do sudoeste amazonense e ceste acreano consiga poder de barganha sufi- ciente para contar com uma estrutura per- manente de transportes adequados, além de melhoria em sua infra-estrutura, sobretudo no que toca ao fluvial. Este sistema, apesar do seu potencial, foi colocado a margem das politicas de transporte empreendidas na Amazénia e no Pais. CONSIDERAGOES FINAIS O grande problema enfrentado pelos cen- tros localizados nesta porgéo da Amazénia diz respeito ao grande isolamento vis-a-vis a precarledade do sistema de transportes que a serve. Enquanto os rios, principais artérias de deslocamento da regiao, apreseniam sé- rios inconvenientes, desde problemas de or- dem fisica (falta de‘infra-estrutura minima de seus “portos” ou atracadouros), as rodovias so ainda meros projetos, com excecao da BR-364, servindo a pequeno trecho desta area. Representa aquela rodovia, na ver- dade, um caminho de servigo, em furigao de suas precarias condig6es de trafego (trata- se de rodovia nao asfaltada). Tais fatos inferem numa gama de proble- mas de ordem socioeconémica, destacando- se, entre eles, os altos pregos cchrados pelos fretes, em face das grandes distancias percorridas, levando, desta forma, ao en- carecimento das mercadorias, associadas a0 monopélio. Na verdade, trata-se a regio em foco, de uma area “ilhada” e totalmente distante dos principais centros da Amaz6nia e do Pals. Sente-se, assim, a necessidade urgente de dotar seu sistema de transportes, de infra- estrutura condizente, com vistas a vencer ‘seu isolamento. Para tal, seria necessario: 1 - asfaltamento e manutengdo imediatos da BR-364, levando, assim, & sua regulari- zagéo automatica de trafegos; 2 - abertura de novos eixos e estradas vi- cinais, integrando os diferentes centros ur- banos e estes ao meio rural, facilitando, deste modo,’ 0 escoamento da produgao agricola; 3 - melhoria do sistema fluvial, dotando-o de methores condigées de infra-estrutura fisica e instalagdes portudrias, com a conseqdente modemizagao no transporte de carga e ofere- cimento de condigdes satistatérias para o transporte de passageiros; 4- melhoria dos aerédromos, dotando-os de condigdes satisfatérias de seguranca das pistas, além de instalagdes de infra-estrutura @ manutengéo, tanto nos aspectos opera- cionais quanto no atendimento a carga e aos passageiros, muitas vezes inexistentes. A viabilizagao de tais projetos s6 se tor- naria efetiva sendo eles bem estruturados e concebidos pelas diferentes distancias de poder, atendendo a uma politica que v4 de encontro a degradagao acelerada do meio ambiente e priorize as efetivas ne- cessidades das populagées locais, evi- tando, assim, os inimeros contlitos de or- dem social e cultural, bem como 0 des- mantelamento da economia regional. E com efeito, 0 que se espera para o futuro desta porgdo da Amazénia. RBG pees 19 BIBLIOGRAFIA ALMEIDA, Roberto Schmidt de, RIBEIRO, Miguel Angelo Campos. Os sistemas de transporte na regi Norte: evolugdo e reorganizagao das redes. Revista Brasileira de Geogratia, Rio de Janeiro, v. 51, n p. 33-98, abr jun, 1989. CORREA, Roberto Lobato. A organizagdo urbana. In: GEOGRAFIA do Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 1991. v. 3: Regiao Norte, p. 254-271. DIAGNOSTICO geoambiental e sécio-econémico. 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Com a implantacéo da Rodovia BR-364, na década de 60 e sua consolidacao entre as de 70/80, de certa forma veio a se complementar o “antigo” e tradicional sistema fluvial, provocando transformagbes na rea e influenciando na organizagéo produtiva e no direcionamento dos fluxos de mercadorias e pessoas. ABSTRACT This brief article studies transport network in the Southwest of Amazonas State and West of Acre State (Brazil), through the analysis of transport systems - the “old” one, represented by river network and the “new” one, being road and air systems. ‘The area under study, during a long period presented a mainly dendritic spatial pattern, being its ur- ban centers located along the rivers and organized according to river network. The actual construction of BR-364 federal road, in the sixties (completely implanted during 70/80 decades) happened, in a certain way, to complement the “old” and traditional river system, causing transformations in the area and intlu- encing on producing organization as well as on flows of people and goods, O ESTUDO GEOGRAFICO DA CIDADE NO BRASIL: EVOLUGAO E AVALIAGAO Contribuigdo a Historia do Pensamento Geografico Brasileiro* Mauricio de Almeida Abreu ** INTRODUGAO E sempre importante que, a intervalos periédicos de tempo, uma comunidade cien- tifica reflita criticamente sobre a sua propria produgdio. Ao fazer isto, ela nao apenas res- gata e recupera todo o esforgo jé em- Preendido de construgéo do conhecimento, valorizando-o portanto, como identifica pro- biemas e propde solugées de encaminha- mento para o futuro. No que diz respeito & Geografia Urbana Brasileira, esta tarefa j4 vem sendo reali- zada ha algum tempo, tendo dado origem a diversos trabalhos (Corréa, 1967 e 1978a; Miller, 1968; Fredrich, 1978; Mamigonian, 1978). Por serem historicamente determi- nados, esses estudos constituem-se hoje em verdadeiros depositarios, tanto da pro- dugo realizada pelos gedgrafos brasileiros * Rlecabido para publicagdo em 28 de agosto de 1992. Este abato 1 reazado com apoto da FINEP e do CNPq, e apesertado no | Sinpéso Nacional de Gaograia Urbana (Séo Paulo, Novembro 1988). O autor agradece & Rosa Ester Rossini por tar faitade o acesso a diversas obras que so aqui comentadas, sobre a cidade, como da prépria historia da Geografia no Pais. objetivo do presente trabalho ¢ 0 de oferecer mais uma contribuicio a essa avaliago que os geégrafos urbanos brasilei- fos efetuam periodicamente sobre a sua preducdo. Pretende-se, com este trabalho, resgatar muito do que jé foi abordado em es- tudos anteriores, e acrescentar também coisas novas, fruto das discussOes mais re- centes que vém sendo travadas na Geo- grafia. Dada a magnitude do objetivo que se pre- tende avaliar (0 estudo geografico da cidade), algumas decisées tiveram que ser tomadas no sentido de limitar 0 universo a ser pesquisado. Assim, foram incluidos na presente pesquisa 08 seguintes tipos de trabalho: a) trabalhos realizados apenas pelos gedgrafos braslieiros. Estio exciuidos, pois todos os estudos realizados por outros Foberto Lobato Corréa pela erica que realizou a uma versio preliminar do texto. “* Professor adjunto - Departamento de Geogratia da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFR. . bras. Geogr, Ri de Janeiro, 56 (1/4): 21-122, jan /dez. 1994. profissionais, excetuando-se aqueles que fo- ram realizados pelos pioneiros da Geografia no Brasil (muitos dos quais nao tinham for- macao especifica nessa disciplina) e os tra- balhos que, embora de autoria de nao- gedgrafos, foram defendidos em Programas de Pés-graduacéo em Geografia. Estudos tealizados por gedgrafos estrangeiros e por outros estudiosos das cidades estéo tam- bém presentes no texto, j& que servem de ponto de referéncia para as discussées que so ai levantadas. b) trabalhos que tratam apenas da es- cala intra-urbana. O objetivo de estudo esta limitado aos trabalhos que focalizam a cidade propriamente dita; que tratam da sua organi- zago interna e dos processos que a deter- minam. Deixamos assim, para outros, a tarefa de analisar a produgdo geografica realizada a nivel interurbano e a nivel do proceso de urbanizagao. c) trabathos que atingiram 0 dominio pUblico. Estéo incluidos nesta avaliagao ape- nas os trabalhos publicados ou defendidos em Programas de Pés-graduagéo em Geo- grafia, Optou-se por considerar também aqueles trabalhos que foram publicados sob a forma de resumo, geralmente incluidos em anais de congressos. A dificuldade de acesso dos geégrafos aos meios editoriais € notoria, raz&o pela qual muitos dos estudos que sao realizados conseguem apenas ser publicados de forma resumida, ou entéo em veiculos de circulagao bastante restrita, de dificil acesso. Acreditamos, assim, que os trabalhos publi- cados sob a forma de resumo traduzem um esforgo muito maior, que merece ser valori- zado. Por esta raz4o, fazem parte desta avaliagdo. A tarefa a que nos propusemos revelou- se, na pratica, muito maior do que a haviamos imaginado inicialmente. Com efeito, a pro- dugao realizada pelos gedgratos brasileiros sobre a cidade é nao apenas antiga, como numerosa e diversificada. Consequentemente, tivemos que trabalhar com um nimero bas- tante elevado de referéncias_bibliograficas, que estéo devidamente listadas ao final deste estudo. Resta dizer, para finalizar, que este trabalho nao pretendeu (e nem poderia) cobrir toda a produgao realizada pelos geégratos brasileiros sobre a cidade. Esto incluidas aqui apenas aquelas fontes as quais foi possivel ter acesso. Acreditamos en- tretanto que elas revelam, com bastante cla- eza, o que tem sido este longo e proficuo pro- cesso de producdo de conhecimento sobre a cidade, que & agora recuperado, discutido & avaliado. PENSAMENTO GEOGRAFICO E A CIDADE: PRIMORDIOS Ao analisar-se a evolugao do pensamento geogréfico mundial apés a institucionaliza- go da Geografia como disciplina universi- téria, por volta de 1870, nota-se com certo es- panto que a cidade & um tema de atenc&o re- lativamente recente dos gedgrafos. Com efeito, embora Ratzel tenha dedicado a ela diver- sos capitulos da segunda parte da “Anthro- pogeographie”, ¢ somente a partir da década de 20, quase 30 anos depois do aparecimento daquela obra (Ratzel, 1891), que a cidade passard a ser um objeto sistematico de inves- tigagdo da Geografia. No Brasil, sero ne- cessérios ainda mais 15 anos para que o mesmo possa vir a acontecer. Ratzel conferiu as cidades um papel im- Portante na evolugao da humanidade. Para ele, 0 conceito fundamental da andlise geografica da cidade era o de “Lage”, “palavra que em portugués corresponde ao mesmo tempo a de posigdo (isto ¢, de localizagao segundo as coordenadas geograticas) e a de situaco, ou seja, de localizacdo, por exem- plo, em relagdo a outro elemento ou conjunto de elementos” (Backheuser, 1944b, p. 401). Dentre esses elementos, Ratzel enfatizou principalmente o papel desempenhado pelas vias de comunicacao através da Hist6ria, chegando mesmo a dizer que a cidade de- veria ser estudada a partir de sua situacdo em relagao a essas vias. As grandes ci- dades foram, inclusive, definidas por ele como “uma reuniao duravel de homens e de habitagdes humanas que cobre uma grande superficie e se encontra no cruzamento de grandes vias comerciais” (Ratzel, 1903) E, pois, a partir do conceito de posigaoisi- que @ cidade entra no temério geo- grafico moderno. Vindo de Ratzel, isto ndo poderia deixar de ocorrer. Com efeito, este tui conceito é fundamental em toda a sua obra, especialmente na ‘Politische Geographie", que tem toda a sua quarta parte dedicada ao tema (Ratzel, 1987). Embora outros gran- des autores alemaes tenham também dedi- cado atengao’a posigao das cidades (Schlait- ter, 1899; Hettner, 1902), 0 fato é que, a par- tir da morte de Ratzel (em 1904), o estudo das cidades vai se transformar, deslocando- se do eixo preferencialmente estratégico econémico da posigao, para caminhar em di- rego a novos elementos balizadores. Isto ja era notado por Fébvre em 1922, que acusava os gedgrafos alemaes de se preocuparem agora excessivamente com 0 estabelecimento dos mais diversos esquemas classificatorios de cidades', tarefa que ele cor portante mas que nao refletia “a verdadeira contribuigéo geogréfica ao estudo do tema” (Fébvre, 1922). E que contribuigéo seria essa? Para Fabre, era a Geografia Francesa que estava contribuindo de forma mais efetiva para a compreensao da cidade. E isto ela fazia a partir da orientago geral de Vidal de la Blache que, segundo ele, “havia colocado e resolvido de uma sd vez o problema geografico da cidade” quando escrevera: “La nature prépare le site et homme organise pour lui permettre de repondre a ses désirs e A ses bésoins” (Vidal de la Blache, 1898, p. 107). Ou seja, 0 estudo geogréfico das ci- dades deveria pautar-se principalmente pelas questdes referentes ao sitio, que transfor- mava-se agora no principal elemento concei- tual do estudo urbano. A cidade seria, entao, mais um palco de demonstracéo da supe- rioridade da “vontade humana” sobre o jugo ambiental, e assim contextualizada passava a fazer parte, também, do temério principal do debate franco-alemao daquela época. Dados esses objetivos maiores, nao é de se estranhar que os trabalhos franceses de Geografia Urbana, que Fabre tanto elogiava, tenham optado preferencialmente pelo es- tudo de cidades localizadas em sitios desfa- voraveis, como provam os estudos reali- zados sobre Frivurgo (Girardin, 1909/10), sobre Grenoble (Blanchard, 1911), sobre Lille e Nancy (Blanchard, 1914/15), soore Lausanne (Biermann, 1916), sobre Annecy (Blanchard, 1916), sobre Bordeaux (Blanchard, 1917), e sobre Marselha (Blanchard, 1918; Rambert, 1919). Como conclusdo, esses estudos pro- clamavam, invariavelmente, as “grandes vité- rlas humanas” sobre o melo natural? Essa ‘naturalizagao" do estudo geagrético da cidade se inscreve perteitamente bem no contexto dos debates da época. N3o é o lugar, aqui, de comentar tudo o que se escondia por tras dessa opcdo, ou seja, 0 esiatuto de cién- cia natural que Vidal de la Blache defendia para a Geografia, as press6es externas vindas de outras disciplinas (que contestavam a vali- dade da existéncia da Geogratia como cién- cia), 0 significado politico-ideol6gico do debate franco-alemao, etc. O que importa referir 6 que © projeto naturalista foi vitorioso da Franga, € que embora La Blache tenha deixado apenas algumas poucas paginas escritas sobre as-ci- dades®, sua orientacdo fol decisiva para o de- lineamento do tipo de estudo urbano que iria agora predominar naquele pais e, mais tarde, nos paises que receberiam a influéncia da “escole' ancesa’, dentre eles o Brasil + naturalista imposto ao estudo geo- gréficc 3 cidades transparece claramente nos thos, realizados pelos gedgrafos franc do infcio do século. Jean Brunhes, por exe-nplo, na sua “Géographie Humaine”, de 191. define a cidade como um dos “fa- tos da «: upagao improdutiva do solo”, como “uma Scie de organismo vivo 20 qual se aplice 5 métodos comparativos das cién- clas‘ —_servacdo” (Brunhes, 1912, 2" Ed., 187-L.... -ianchard, por sua vez, no prefacio de seu livro pioneiro sobre Grenoble, afirma claramente que a idéia essencial do estudo é que a origem e 0 desenvolvimento da cidade so explicados pelas condigées fisicas do seu sitio” (Blanchard, 1911, p.5). Assim, no coragéo mesmo dessa Geografia Urbana que se iniciava, conforme lembra Pinchemel, reinava imponente o conesito da sitio, com a nogao de posi¢éo ocupando um nivel sub- sidiério (Pinchemel, 1983, p. 298). * Veja-se, por exemolo, Hasser, 1907; Oberhummer, 1907; Krécher, 1913; Geiser, 1920. 2 Alés, Pere Detfontanes ira caracterizar mais tarde, ¢ dessa mesma forma, o resultado da luta que se estabeleceu entre homem @ malo natural no Reo de Janet (Dettontaines, 1937) ® Compliadas por Emmanuel De Martonne para a publcagao post-mortem dos “Principes de Géographie Humaine” Vidal de fa Blache, 1922) Discipulo fiel de Brunhes, morto em 1930, Pierre Deffontaines traré em sua bagagem, ao chegar ao Brasil em 1934, toda esta opgao preferencial pelo natural. Antes de discutir mais detalhadamente 0 inicio dos estudos de Geografia Urbana no Brasil, 6 preciso destacar, entretanto, um outro ele- mento importante do ambiente da época, @ que também afetou, a nosso ver, a op¢éo naturalista pela qual votaram os gedgrafos franceses. Trata-se da necessidade de dife- renciar claramente os estudos geogréficos daqueles realizados por outros protissionais, principalmente pelos soci6logos. Com efeito, se a alocugao metodolégica de Vidal de la Blache sobre as “caracteristi- cas préprias da Geografia’ (1913) parece ter dado resultado, tranqtilizando a disputa com a Historia e dando lugar, inclusive, a uma fase de maior integragao entre as duas disci- plinas*, o mesmo no acontecia com a Soci- ologia. As polémicas de Vidal de la Blache com Durkheim, na virada do século, séo bastante conhecidas. Outras influéncias, en- tretanto, surgiram a partir de entéo, e podem ter ameagado a nascente Geografia Urbana Francesa. Maunier, por exemplo, escrevera em 1910 importante estudo sobre a origem e a fungdo econémica das cidades. Ja na década de 20, por sua vez, sutgiram os es- tudos sistematicos de-Ecologia Humana da “escola de Chicago”, que propunham nao apenas uma abordagem diferente do estudo urbano (a ser discutida mais adiante), como apresentavam também um modelo geral (¢ espacial) de crescimento das cidades. A nivel de hipétese, podemos argumentar que urgia diferenciar claramente 0 estudo geo- grafico das cidades dos trabalhos realizados Por outros profissionais, o que acabou acon- tecendo a partir da promogo da “monografia urbana” como estudo-padréo de cidades teito pela Geografia. Isto ficaré mais claro agora, quando passamos a tratar especifi- camente da introdugéo da chamada “escola francesa” no Brasil. A ESCOLA-FRANCESA CHEGA AO BRASIL: A “GEOGRAFIA TRADICIONAL” E comum assinalar 0 ano de 1934, data da criagéo da Universidade de Sao Paulo, como 0 marco de fundagéo da modema Geo- grafia Brasileira. Com efeito, é nesse ano que, convidados pelo governo daquele estado, chegam ao Brasil os mestres franceses que viriam ocupar as catedras abertas na nas- cente Faculdade de Filosofia, Ciéncias e Le- tras. Dentre eles estava Pierre Deffontaines, que n&o sé participou da fundagao da USP coma, no ano seguinte, transferindo-se para © Rio de Janeiro, emprestou seu prestigio também a criacéo da Universidade do Dis- trito Federal - UDF -, sendo substituido na USP por Pierre Monbeig. Embora seja inegavel que, com a criaco dos cursos universitarios, a Geografia atin- giu um patamar novo em seu processo de desenvolvimento no Brasil, fixar 0 seu nas- cimento em meados da década de 30 acaba por encobrir o importante papel que vinha desempenhands, ja ha 25 anos, aquele que foi 0 verdadeiro introdutor da chamada “escola francesa" no Pais: Carlos Delgado de Carvalho. Com efeito, se é em 1910, data da publi- cagéo de “Le Brésil Meridional’, que as idéias lablacianas so introduzidas no Brasil (Delgado de Carvalho, 1910), serao nos 20 ou 25 anos subseqiientes que Delgado ird travar uma verdadeira guerra contra o ensino descritivo e enciclopédico entao rei- nante nas escolas de nivel elementar e médio do Pais. Datam desse periodo, por exemplo, a sua agdo efetiva para mudar 0 cutriculo do Colégio Pedro Il, no Rio de Ja- neiro (considerado colégio-padrao); suas in- terveng6es em diversas sociedades cientifi- cas, dentre as quais a Sociedade de Geo- grafia do Rio de Janeiro (depois Sociedade Brasileira de Geografia); a publicagéo de compéndios escolares, dentre os quais a “Geographia do Brasil” (Delgado de Car- valho, 1913); e, principalmente, a publicagao Vide. por exemplo, os titulos dados por Fébvre © por Brunhes © Vallaux a duas de suas grandes obras: “La Terre et févolution hu- maine Introduction Sographique a Histoire (Fatbwre, 1922 @ La gSographie de rHistore" (Brunhes ¢ Vallaux, 1921), de sua “Methodologia do Ensino Geogréphico”, trabalho em que revela estar a par do que de mais recente havia, aquela época, em termos de teoria e método geogrdficos (Del- gado de Carvalho, 1925) Pode-se afirmar entéo, seguindo Vania Viach, que a chegada dos mestres france- ses em meados da década de 30, ao invés de detonar um processo inteiramente novo, veio 6 dar impulso a um processo que jé havia se iniciado nas décadas anteriores e que, tal qual havia ocorrido na Alemanha e na Franga do Século XIX, teve sua origem nas pressdes, estimulos e demandas provenientes do ensino médio (Vlach, 1988). Corroborando esta opi- nigo, assim falava Maria Conceigo Vicente de Carvalho na década de 50, em reuniéo que homenageou a meméria de José Verissimo da Costa Pereira, recentemente falecido: “Quando pois, a geografia moderna en- saiava os primeiros passos no Brasil pela mao de Delgado de Carvalho, e muito antes que os mestres franceses viessem trazer a sua contribuigao através das faculdades de filosofia, jA Verissimo se familiarizara com a obra de um Ratzel, de um Vidal de la Blache, de um Penck, de um Marinelli. Dai a sua formagao eclética, ndo filiada a esta ou aquela escola, mas conhecendo-as todas” (Leite et al., 1955, p. 42) (grifo nosso). Se Delgado de Carvalho e outros foram pre- cursores da chamada “Geografia Moderna’ no Pais, nao ha divida, entretanto, que foi com a chegada dos mestres franceses que ela real- mente se instalou com solidez no Brasil. E ago- ra no apenas a nivel do ensino, mas também através da pesquisa. Conforme bem atestou Aroido de Azevedo (1954, p. 49): “Criada a Universidade de Sao Paulo e, com ela, a Faculdade de Filosofia, passou a Geografia a ser ensinada em nivel superior, com o objetivo de formar bons professores para o magistério secundario e pesquisa- dores para 0 trabalho no campo.” Esse trabalho no campo a que se referiu Azevedo sintetiza bem o que seria, de 1934 em diante - @ por um bom tempol - 0 tra~ balho geografico “par excellence” no Brasil. Com efeito, diretamente influenciada pela Geografia Francesa, j4 tradicionalmente re- frataria & teorizagdo, a Geografia Brasileira fez do trabalho no campo, do contato direto com a observagéo, uma atividade néo apenas fundamental de pesquisa, como também de aprendizado. Nao seria exagero afirmar que foi no trabalho “no campo" - e ndo nas facul- dades - que a primeira geragao de gedgrafos obteve, verdadeiramente, a sua formagao. A “geografia moderna” eacidade Ao falar-se especificamente da pesquisa geografica urbana, 0 ponto de partida ine- quivoco de sua realizagao no Brasil encon- tra-se na atuago de Pierre Monbeig na USP e, mais especificamente, em seu trabalho so- bre “O estudo geogréfico das c'dades” (Mon- beig, 1941b), obra metodolégica que viria orientar 0 pensamento de inumeros geégra- fos brasileiros por mais de um quartel de século. Houve, é verdade, trabalhos anteriores sobre as cidades brasileiras realizados por gedgrafos. Caio Prado Junior, por exemplo, No inicio de sua brilhante carreira, publicou dois artigos sobre a posigéo da cidade de So Paulo (Prado Jinior, 1935 e 1941). Def- fontaines, por outro lado, escreveu alguns artigos a respeito da origem de nossas ci- dades que so, hoje, considerados classi- cos. Destacam-se aqui o estudo sobre Soro- caba e sua feira de burros (Deffontaines, 1935) e, principalmente, seu longo ensaio sobre as diversas formas de origem dos centros urbanos brasileiro (Deffontaines, 1938), tematica que no deixard de cativar a atengdo do gebgrafo nas décadas seguin- tes, como atestam os trabathos de Aroldo de Azevedo sobre as vilas e cidades do Brasil colonial (Azevedo, 1954/55), sobre embrides de cidades brasileiros (Azevedo, 1957a), so- bre arraiais @ corrutelas (Azevedo, 1957b), além dos trabalhos de Soares (1958), sobre “a primeira vila portuguesa no Brasil" e de Bernardes (1960a), sobre a “fungdo defen- siva do Rio de Janeiro e seu sitio original’. Houve também outros estudos, que resul taram de pesquisa de campo aqui realizada por gedgrafos estrangeiros, dentre os quais podemos citar A. Haushofer (1925), que es- tudou Ouro Preto e Belo Horizonte; Otto Quelle (1931), que estudou o Rio de Janeiro; Preston James, que realizou trabathos sobre Belo Horizonte e Ouro Preto (1932) e sobre Rio de Janeiro e Sao Paulo (1933); e, final- mente, Philippe Arbos, que estudou Petrépolis (1938) quando aqui esteve em 1937 dando aulas na Escola de Economia e Direito da Universidade do Distrito Federal. Isto sem falar do capitulo dedicado as duas maiores cidades brasileiras por Deffontaines (1939) em sua “Geografia Humana do Brasil”. Apesar da precedéncia desses estudos sobre 0 ensaio metodolégico de Pierre Mon- beig citado acima, a verdade que eles aqui pouco tiveram repercussdo, j4 que foram originalmente publicados no exterior e, em alguns casos, em lingua de dificil acesso (alemao). O trabalho de Monbeig, ao con- trério, néo 86 foi publicado no verndculo, como revestiu-se de significado ainda maior por ter sido 0 carro-chefe de uma série de estudos apresentados & discussdo no IX Congresso Brasileiro de Geografia, reunido ‘em Florianépolis em 1940, sob o patrocinio da Sociedade de Geografia do Rio de Ja- neiro (tradicional promotora do evento) e do agora recém-criado Conselho Nacional de Geografia. Tratava-se, na verdade, da primeira in- curséo da nova Geografia académica, da Geografia das faculdades de filosofia, na seara dos congressos cientificos. E essa era uma incursdo aguardada com expectativa pelos que trabalnavam na Academia. Para eles era fundamental impor definitivamente no Pais a "Geografia Moderna’, e cortar os lagos, de uma vez por todas, com a Geo- gratia Enciclopédica que ainda teimava em se manter por aqui. Colaborando também nessa direco, o IBGE fez divulgar com bas- tante antecedéncia o evento, transcrevendo na Revista Brasileira de Geografia 0 teor de varios discursos de adesdo ao certame, dentre os quais figurava um pequeno artigo de autoria de Joao Dias da Silveira, docente de Geografia Fisica da USP. Esse artigo, originalmente publicado na Folha da Manha, revela claramente 0 que representava, para a nova geracdo de gedgrafos que surgia no Brasil, 0 congresso a ser realizado em Flori- anépolis. Dizia Silveira naquela ocasiao: “Como € dominio piibiico, esta marcada para setembro préximo, a realizaggo, em Florianépolis, do Nono Congress Bra- sileiro de Geografia .... Muito embora ini- ciativa como essas devam, jé de per se, ser elogiadas .... 0 Congresso de: Flori- anépolis assume aspecto particular. Pren- dem-se-the detalhes e questées que o transformam em verdadeiro centro de atragéo, que fazem dele uma prova para as elites intelectuais do pals .... A Geo- gfafia, no & novidade para os que es- tudam, evoluiu muito nos titimos tempos. Atualmente suas linhas diretrizes, seus métodos e objetivos fazem dela uma cién- cia que, se nao pode ser chamada de nova, deve ao menos ser considerada como rejuvenescida. Mas, efitre nds, no faz muito tempo que comegou a ser en- tendida em suas modernas tendéncias. Na realidade a nova Geografia ainda nao sonquistou todos os centros cultos do pais. HA muitos que nao a conhecem na nova roupagem e que continuam a oraticé-la como era feito hd cem anos atras. E necessdrio considerar, porém, que .... algo j vai sendo feito. Ja aparece reagéo animadora .... Os estudos nas ascolas superiores, feltos muitas vezes com a assisténcia de mestres vindos de fora, j@ produziram bastante, muito mais mesmo do que se poderia esperar, dadas as dificuldades encontradas. Em Floriand- polis, esperamos, iremos ver quao pro- fundo tem sido esse trabalho das Univer- sidades e como se tem alterado a técnica do ensino da Geografia” (Silveira, 1940). As expectativas de Silveira foram plena- mente preenchidas. Dentre os trabalhos aprovados para publicagéo nos Anais do congresso®, diversos eram de alunos de Monbeig, destacando-se ai uma série de monografias urbanas, que aplicavam em contextos espaciais diferentes, 0 método proposto pelo mestre francés. Sao essas monografias - sobre Franca (Ribeiro, 1941); sobre Casa Branca (Pantoja, 1942); sobre Jaboticabal (Matos, 1942); sobre Palmital (Dias, 1944); sobre Pogos de Caldas (Ra- mos, 1944); sobre Santo André (Silva, 1944); e sobre Catanduva (Pantaledo, 1944) - além de um trabalho de Monbeig (19412) sobre Marilia, e de outro sobre Campos re- F [stados na Revista Brasilia de Geografa. Flo de Janeiro, v.3, 0.3, jute. p. 51-66, 1942, alizado por Pessanha (1941) - que inaugu- ram a “Geografia Moderna’ (hoje tradicional) no Pais, algando o estudo geografico da ci- dade a novo e desafiante .patamar. Aliés, para finalizar esta parte, é importante desta- car que entre as nogdes discutidas ao final do congresso figurava uma proveniente da jeccéio de Geografia Humana’, e que pedia ainclusdo da “Sece4o de Geografia Urbana” no congresso seguinte. Foi aprovada por unanimidade! Amonografia urbana © que era monografia urbana sugerida por Monbeig em seu artigo pioneiro? Em poucas palavras, pode-se dizer que era o re- sultado da aplicacéo do método da Geo- grafia Regional a cidade. Era, na realidade, uma monografia regional, s6 que a regiao, neste caso, era a cidade. ‘Assim delineada, o que se poderia esperar entéo de uma monografia urbana? Nada menos do que uma sintese urbana. E como fazer esta sintese? Da mesma forma como vinham sendo feitas as “sinteses regionais", ou seja, através da integracao analitica de dados fisicos e humanos, objetivando com isso demonstrar a individualidade deste “fato geografico” que era a cidade. trabalho de Monbeig é, neste sentido, perfeitamente claro e didatico. O estudo geografico das cidades deveria ser o resul- tado final da superagao de uma série de eta- pas metodolégicas, cada uma direcionada & observagaio e obtencdo (in locu ou a partir de fontes secundarias) dos dados exigidos para a elaboracdo de cada segmento da monografia. E que segmentos seriam esses? Eles eram basicamente seis: 0 sitio, a posi¢ao, a evolugao histérica, a fisionomia e estru- as fungdes urbanas, e 0 raio de acao da cidade. Antes de comenta-los, é ne- cessario alertar, entretanto, que o esquema apresentado por Monbeig nada tinha de ori- ginal, j4 que as monogratias urbanas vinham. sendo elaboradas na Franca hd quase 40 anos (Vacher, 1904), e seguiam sempre o mesmo modelo que, alids, j4 havido sido sis- tematizado anteriormente por Blanchard (1922) Phillippe Arbos, por sua vez, ao dar uma aula de Geografia Urbana na Universidade do Dis- trito Federal, em 1937, também havia propos- to esquema semelhante (Arbos, 1946). O que deve ser creditado a Monbeig com justiga, neste caso, 6 que foi ele quem elaborou © primeiro trabalho metodolégico e didatico sobre 0 assunto no Brasil (necessidade, talvez, de sua atividade docente num pais sem quaiquer tradigao académica em Geografia), reunindo num Unico texto proposigdes. de Pesquisas que haviam sido encaminhadas, nos itimos 40 anos, pelos mais variados pesquisadores. Logo no inicio do trabalho, Monbeig credita a Ratzel, Vidal de la Blache e Brun- hes a fonte de sua aspiragao. A partir dai, entretanto, esquece esses pioneiros, nao fi- cando claro - como era de se esperar num texto metodolégico - quais foram as fontes inspiradoras de cada uma de suas partes®, Para Monbeig, a cidade era ndo apenas “um organismo, mas também uma forma de ato de posse do solo por um grupo hu- mano”. Para se compreender a cidade havia que se estudar, entao, como funciona esse organismo, e como se efetuou (e ainda vem se efetuando) esse ato de posse. Em outras palavras, era preciso saber “qual é este solo?” e “quais s8o esses homens?’ visando, com isso, & obtencdo de elementos que destacassem “o papel da vontade humana no crescimento das cidades” (Monbeig, 1941b, p. 8). estudo deveria comegar pela posicao, e seguir as etapas j4 consagradas pela pratica de pesquisa. Nao é 0 lugar, aqui, de discutir cada um dos elementos que compunham a monografia urbana. Para um esclarecimento maior, o leitor deve dirigir-se diretamente ao texto de Monbeig que, como ja foi dito, é claro e didatico. Vale pingar, entretanto, algu- mas passagens espectficas do trabalho, ja que elas sao bastante esclarecedoras da pro- posta cientifica da chamada "Geografia Mo- derna” (hoje transformada em ‘tradicional’, ® ‘és. 0 descuido (04 pouco caso) com as otagies biblonrticas & uma caraceristca marcante de diversos gesgratos regionals franceses dessa época,resultando dai uma impressao - fala - de que as discusses por eles elaboradas eram Iruto, quase que ex- clusve, da genvaiade do proprio autor. Em primeiro lugar, digno de nota a ateng&o que Monbeig dé as representagdes cartograficas: “todo trabalho geografico supde 0 estabelecimento de mapas", dizia ele (p. 9). Ciéncia empirica pautada na observacao, a Geografia teria, com efelto, que dar atencao especial a sistematizagdo das observagées ‘obtidas em campo, razdo pela qual Monbeig no cansa de alertar para a importancia do mapa, sugerindo a necessidade de ob- tengo de uma carta topogréfica aqui, ou de elaboragdo de um mapa de densidade ali. Chama a atenco, sobretudo, para aquelas cartas que, produzidas pelo préprio pes- quisador, revelariam a paisagem invisivel da cidade: mapas de isécronas, de provenién- cia de alunos, de deslocamentos didrios da populagao, etc. Estas cartas, por sua vez, deveriam ser elaboradas a partir de dados em “inquéritos’, elemento fundamental da pesquisa de campo em Geografia. A representagao cartografica, conside- rada como o “melhor meio de esquematizar @ dar da realidade uma representagao a um tempo exata e eloqdente” (p. 9), deveria en- tretanto ser judiciosamente considerada pelo gedgrafo. Com efeito, se a vulgarizacdo do mapa era um fato inconteste entre as cién- cias humanas, j4 que seu emprego “foi ado- tado pela sociologia e pela etnografia, sobre- tudo americana, @ os estudos classicos da escola de Chicago mostram tudo o que era possivel conseguir desse emprego” (p. 9), era necessério, entretanto, que 0 gedgrato no extrapolasse demasiadamente as con- clusées obtidas a partir dele. Assim, ao comentar a necessidade de descrever o di- namismo das diversas partes constituintes da cidade, Monbeig afirma que “pode-se pro- curar sistematizar a distribuig&o dos diferen- tes tipos de bairros, como fizeram os ameri- anos... (com) .. a Série de circulos concéntri- cos”. Nao se deve, entretanto, “procurar enquadrar de qualquer modo 0 caso espe- cial estudado nesta sistematizagao ... (a nao ser como hipétese) .... como fio condutor (Monbeig, p. 18). Para Monbeig, a cidade, assim corio as diversas partes que a constituiam, tinham uma “alma”, que cabla ao ge6grafo desco- brir. Por essa raz4o, nao havia lugar no es- RBG tudo urbane para modelos, para ‘sistemati- zagées’. O objetivismo cientifico (da Escola de Chicago, por exemplo), deveria ser rejei- tado pela Geografia, pois ele levaria neces- sariamente & sua “desumanizagao”, | que “ninguém acredita ter mostrado o homem, quando este foi contado como um rebanho de gado’. Para ele, ja era tempo “de fazer uma injegao de Elisée Réctus na Geografia dos synclinaux e das estatisticas, como na Sociologia que cré exprimir 0 real por colocé-4o em equagées” (p. 19). A passagem acima é extremamiente signi- ficativa, pois revela claramente as dimen- s6es tebrico-metodolégicas da chamada “Geografia Tradicional". Em primeiro lugar, ela enfatiza a opgdo prioritéria pelo idiografico, pelo singular. Assim, as sistematizacoes, as posturas nomotéticas, deveriam ser evi- tadas. Se elas jd vinham ocorrendo nd Geo- morfologia, era preciso nao sé estancé-las af, como impedir que chegassem a Geo- grafia Humana”. E quanto & Sociologia? Por que a cons- tante referéncia a ela no artigo? A resposta a esta pergunta néo é facil, mas hd elemen- tos que podem servir de “pistas” esclarece- doras. Falamos, em primeiro lugar, da antiga, rixa com a morfologia social durkheimiana, que fazia com que 0 geégrafo francés esse, j4 ha décadas, contrapondo sistemati- camente 0 esprit géographique aos traba- lhos produzidos pela Sociologia. Embora im- portante, acreditamos, entretanto, néo ser esta a principal razéo dos ataques de Mon- beig A Sociologia. - Qual seria ela entdo? A nivel de hipstese podemos argumentar que, no final da década de 30, a Sociologia americana vinha também influenciando os jovens universitérios brasilei- tos, @ isto representava um perigo para a en- tao nascente Geografia Urbana de base vi- dalina que estava sendo introduzida formal- mente na Academia Brasileira. Com efeito, desde meados da década de 20 que uma nova proposta de estudo urbano vinha sendo pregada pela chamada escola de ecologia hu- mana, e esta proposta ousava inclusive, como J vimos, utlizar-se de representagbes car- 7 Note-se que a tentagfo de percorer 0 caminto do neopostvismo ja afetava a Geogralia bem antes da chegada "Revolucdo Quantitative’ tograficas! E ela também ja havia chegado ao Brasil. Geografia humana ou escola humana? HA indicios que apontam para um ele- mento de disputa terico-metodolégica na discusséo que se realiza sobre a cidade nos meios universitarios brasileiros (sobretudo paulistas) por volta de 1940. De um lado, Monbeig (ligado & USP) defende a monografia urbana. De outro, a ecologia humana tenta penetrar no Pais, propondo uma abordageri nova, processual. Seu grande arauto era Donald Pierson que, desde fins de 1939, também estava em S40 Paulo e, tal qual Monbeig, também estava “treinando jovens pesquisadores’, sé que na Escola Livre de Sociologia e Politica (Pierson, 1948). ‘Ou seja, por volta de 1940, época em que Monbeig escreve seu famoso artigo, 0 es- tudo da cidade vinha sendo defendido a par- tir de duas vertentes distintas. De,um lado, 0 mestre francés preconizava o estudo de base idiografica. Por seu lado, Pierson de- fendia a ecologia humana, “campo as vezes erroneamente confundido com outros cam- pos afins mas bastante diferentes, especial- mente a Geogratia Humana e a Antropogeo- gratia” (Pierson, 1948, p. 9). Havia entretanto raz6es para essa con- fusdo. E isto devia-se, principalmente, ao fato de que “o desenvolvimento deste novo campo tem sido, na sua maior parte, em- pirico” (Pierson, 1948, p. 10), grifado no original). Ou seja, campo ainda em for- maco, a Ecologia Humana vinha acumu- lando conhecimentos da mesma forma que a Geografia o fazia: através do trabalho de campo. A proposta ecolégica, entretanto, nao era a mesma da Geografia. Se na con- cepgao de Pierson a cidade também era um organismo, “um produto natural que surge da interagao de forcas naturais” (Pierson, 1943, p. 51) - uma definigao que embutia o mesmo viés naturalista daquela usada na Geografia Humana - 0 método que ele apre- sentava para o seu estudo era radicalmente ‘posto. Para Pierson, jé que a cidade era um “ser natural’, ela, por definiggo poderia ser es- tudada segundo 0 método das ciéncias da natureza e investigada com o objetivo da busca de suas leis. Dizia ele: “Se a cidade 6 um fenémeng natural - uma “coisa”, em linguagem cientifica - sa- bemos que esta sujeita a mudanca orde- nada ..... O que a principio talvez parega um emaranhado contuso de elementos desconexos pode se tornar cada vez mais inteligivel.... Para 0 socidlogo. a cidade uma “coisa dindmica’.. Seu objetivo é descobrir as leis de seu crescimento, descobrir 0 que é comum, genérico, uni- forme em todas as cidades, desprezando, por enquanto, o que particular e Unico” (Pierson, 1943, 51-52). A proposta de Pierson no contemplava, entretanto, 0 estudo do meio natural, e nem buscava a “alma” da cidade. Conforme ele afirmava: “A Ecologia Humana ... estuda as re- lagdes que existem, nao diretamente en- tre 0 meio fisico e'0 homem, seja a in- fluéncia deste sobre aquele, ou daquele sobre este, e sim as relacdes entre os proprios homens, na medida em que estas relagdes s4o por sua vez influen- ciadas pelo Habitat. Por outras palavras, © interesse principal da Geografia Hu- mana e da Antropogeografia 6 a locali- zag&o espacial, enquanto que o da Ecolo- gia Humana é 0 processo” (Pierson, 1948, P. 12, grifado no original). Duas propostas cientificas, duas pro- postas antagénicas. De um lado, a busca do peculiar e do Unico; de outro, a procura do. geral, do uniforme. Ha indicios de que Pier- son foi ouvido pelos gedgrafos. Suas pro- postas estado transcritas inclusive no Boletim Geogréfico, cujo redator o apresenta como “um eminente socidlogo americano, que vem desenvolvendo eficiente atuagao nos meios universitarios pelo desenvolvimento das pes- quisas sociolégicas em nosso Pais (e que) estuda a cidade sob o prisma social” (Pier- son, 1943, p. 51). Essas propostas eram, ademais, bastante atraentes, principalmente para 0 estudo dos “aspectos humanos" das cidades, e @ exatamente ao aborda-los que Monbeig dd suas estocadas a Escola de Ecologia Humana. Temas tais como. ‘relagdes entre os préprios homens” e "processo social” nao eram, para Monbeig, de interesse da Geo- grafia Humana. Em seu artigo pioneiro, por pelo menos duas vezes ele deixara isto bem claro. Ao discutir, por exemplo, o estudo das “pessoas” (no caso, a populagao), ele atir- ‘mara que a populag&o 86 tinha interesse na monografia urbana enquanto dado men- suravel ou cartografavel. Havia que se dis- cutir a evolugao demografica, a composicao por idade e sexo, a distribuigao das densi- dades, a formagao dos bairros. Poder-se-ia também “colocar em mapa a Geografia das profiss6es e das classes sociais: zona dos operdrios de fabricas, dos trabalhadores de estrada de ferro, dos burgueses abastados e da classe média’. Entretanto, para ele, estes eram ‘fatos sociais que o geégrafo no sabe e néo precisa estudar” (Monbeig, 1941b, p. 17, grifo nosso). Numa outra passagem, ao falar da fungo bancaria, Monbeig ressaltou a importan do “dinheiro”, que reconhecia ser a mola- mestra da cidade. Dizia ele: “falar dos homens e de suas casas é bom, mas se se esquece 0 dinheiro, nada se disse e apenas se mostraram corpos inertes”. Com essa frase, ele pretendia realcar a importancia do capital financeiro no crescimento das ci- dades da zona pioneira paulista mas, jul- gando estar saindo dos limites de um tra- batho geogréfico, logo cortou a discuss4o desta forma: “Dir-se-4 que nos afastamos (com esta discussao) demasiado do meio natural ...” (Monbeig, 1941b, p. 23). Enfim, a proposta da Ecologia Humana era demasiadamente contraditéria para o Modelo de Geografia que se implantava no Brasil no final da década de 30. Por isso, apesar de atraente, ela foi desconsiderada pelos gedgrafos. Quando os termos da equagao se inverteram, 40 anos mais tarde, quando a busca do geral e do constante passou a tomar o lugar do particular e do Unico, ela serd entretanto resgatada do esquecimento, e fara sua estréia na Geo- grafia Urbana brasileira. Sobre isso falare- mos adiante. Concluindo esta parte, ¢ inegavel que 0 metodo sugerido por Monbeig nao apenas se afirmou na Geografia Brasileira, como teve também um. papel orientador furida- mental na evolugéo subseqdente dos es- tudos urbanos no Pals. € a partir dele, base- ado nele, que a monografia urbana vai se generalizar como 0 estudo-padréo de Geo- grafia Urbana no Brasil. Mas isto s6 vird a ocorrer de forma mais sistemdtica a partir da década de 50, e sob'a égide da Associagao dos Geégrafos Brasileiros. Antes de passar- mos a esta discuss4o, é necessario que se- jamos capazes de recuperar, um pouco mais, os estudos que resultaram desta fase inicial de estabelecimento da Geografia uni- versitaria no Pais. Os outros estudos urbanos da década de 40 ‘Ainda comentando a produgéo da década de 40 é preciso falar do aparecimento de uma série de trabalhos que, embora seguindo o método monbeigiano, n&o se estruturaram Necessariamente como “monografias’, isto @, nao deram atengao igual a todas as fases de andlise propostas pelo mestre. Sdo es- tudos que privilegiaram a fungao (Carvalho, 1944b; Miller, 1952) ou que, por analisarem pequenos niicleos urbanos (e mesmo vilas) acabaram se direcionando para 0 modelo conceitual do “género de vida’. Estao neste grupo, por exemplo, os trabalhos de Val- verde (1944) sobre Pirapora e Lapa; de Azevedo (1946) sobre Juazeiro e Petrolina; de Peluso Junior (1948, 1952a) sobre vilas no Estado de Santa Catarina; de Miller (1949a) sobre a vila de Icapara, no litoral sul paulista; e de Silva (1949) sobre Atibaia. Destaque especial merece ser dado, entre- tanto, ao estudo de Peluso Junior (1952b) sobre Lajes, apresentado no X Congreso Brasileiro de Geografia (Rio de Janeiro, 1944), Trata-se de um estudo de félego, bastante original, dificil de ser enquadrado em classificagées. Ha que se reterir ainda, nesta época, a0 aparecimento de alguns trabalhos que, por sua abrangéncia, constituem-se em ver- dadeiros pontos de referéncia. Trata-se do surgimento das primeiras monografias re- gionais brasileiras, que inauguram no Pais a tradition vidalinenne. Sao trabalhos belissi- mos, que dedicam um capitulo (estruturado como monogratia) & analise do centro ur- RBG bano principal da regiao estudada. Incluem- se aqui as teses de doutorado de Maria Conceigao Vicente de Carvalho (1944a) so- bre “Santos e a geografia humana do litoral paulista” (a primeira tese de Geogratia de- fendida_no Pais), e de José Ribeiro de Araujo Filho (1950) sobre a “Baixada do Rio ltanhaém’ Por outro lado, como toda regra tem ex- cago, @ como a historia do pensamento geografico no Brasil esta cheia de tematicas e de individuos precursores, é também nesta década de 40 que Aroldo de Azevedo realiza suas primeiras pesquisas urbanas. Estas, ini- ciadas com dois trabalhos modestos sobre Goinia (Azevedo, 1941) e Salvador (Azevedo, 1942), logo se deslocaram para a tematica metodoligica (Azevedo, 1943a) e para 0 es- tudo dos “subtrbios’ da capital paulista (Azevedo, 1943 ¢ 1944), culminando, final- mente, na publicagao de sua tese de concurso a cétedra de Geografia do Brasil da USP, que analisou os “suburbios orientais de Sao Paulo" (Azevedo, 1945a). Este ultimo estudo constituiu-se em tra- balho verdadeiramente inovador, j4 que nao se restringiu a analise fechada, isto 6, cen- trada em si mesma, de apenas uma cidade (como era praxe na monografia urbana), mas tratou de uma série de nuicleos urbanos que nao poderiam ser estendidos apenas ‘em fungao de suas caracteristicas pecu- liares, posto que ja estavam sofrendo os efeitos do crescimento acelerado da capital paulista. Enfim, um estudo que, dentro das limitagdes tedricas da época, ja fazia a li- gagao do local (no caso, a periferia urbana) com uma totalidade maior (a dinamica da Qrande cidade), antecipando-se assim a dis- cusso da tematica das areas metropolitanas, que s6 vingaria na Geografia Urbana brasileira a partir de meados da década de 50. Ser nessa década de 50, também, que a monografia urbana vai “explodir” no temério. geografico. E isto tem muito a ver com a mudanga dos estatutos da AssociagSo dos Geégrafos Brasileiros - AGB -, ocorrida em 1945, e com 0 inicio das suas reunides anuais. Isto discutiremos agora. A AGB - seu papel na produc&o do conhecimento geografico brasileiro (1946- 1970) Fundada “naquele ja remoto més de setembro do ano de 1934 na residéncia do eminente professor Pierre Def‘ontaines, na capital paulista’, como nao cansara de lem- brar Aroldo de Azevedo em suas alocugdes &s Assembléias Gerais (vide, por exemplo, Azevedo, 1953/54), a verdade é que, de inicio, como bem lembra Pierre Monbeig, “a despeito de seu nome, nao conseguiu a As- sociagao dos Gedgrafos Brasileiros estender sua atividade além das fronteiras do Estado de Sao Paulo” (Monbeig, 1946, p. 119). E mesmo dentro dessas fronteiras, manter viva a associacdo nesses primeiros anos foi tarefa quase que impossivel, mas bem de- sempenhada por Monbeig. Como lembra no- vamente Aroldo de Azevedo: “Recordamo-nos bem nitidamente dessa fase “herdica’ da AGB, quando suas re- unides nao contavam com mais de quatro ou cinco pessoas .... No entanto, Monbeig conseguiu manté-la de pé, fazendo re- unides bimensais, em que temas resultan- tes de pesquisas eram expostos e discuti- dos” (Azevedo, 1954, p. 52). Foi realmente uma fase desbravadora. E nela que surge, publicada pela AGB, a primeira revista “moderna” de Geografi do Brasil, a qual, nao obtendo “o necessario apoio mate- rial", foi posteriormente transformada “num boletim mais modesto, mas sempre estri- tamente cientifico’® (Monbeig, 1946, p. 119). E nessa época “heréica” que surge tam- bém, no Rio de Janeiro, 0 Conselho Na- cional de Geografia. Fundado em 1937, no bojo da politica de Vargas de controle cen- tralizado do territério brasileiro, ele logo pas- sou a contar.em seus quadros com a partici- pago de jovens gedgrafos egressos da U: versidade do Distrito Federal, dando também estégio a uma ampla gama de estudantes que ainda estavam em formag4o nessa Uni- versidade, a partir de 1939 denominada Uni- versidade do Brasil (hoje UFRJ) © autor refere-se & revista “Geografia’, que se publicou em 1835/1935, ao “Boletim da Associagdo dos Gedgrafos Brasileiros’, publcado de 1941 a 194, Embora nao filiados a uma associagao cultural como a AGB, os geégrafos do Rio também passaram a se reunir periodicamente em ‘tertUlias geograficas semanais”, patroci- nadas pelo CNG. Essas tertilas, iniciadas em 1943 e cujas atas estao publicadas no Boletim Geografico, constituiram-se em im- portante elemento de agregagdo da comuni- dade geografica carioca. Realizadas de 1943 a 1947, essas reunides em nada diferiam daquelas que vinham, a duras penas, acon- tecendo em S&o Paulo. Nelas discutiam-se os resultados de pesquisa de campo (em andamento ou jd concluidas), palestravam os grandes mestres, etc. Seu sucesso foi enorme nessa 6poca, chegando o numero de tertulias ao total de 135. ‘Atuando separadamente mas percorrendo caminhos semelhantes, posto que tinham a mesma origem, os grupos de Sao Paulo e do Rio de Janeiro logo decidiram congregar esforgos, surgindo dai a idéia de reunirem- se periodicamente para discutir, em con- junto, aquilo que j4 faziam paroquialmente. Delineou-se entéo uma vontade maior, de ampliar 0 escopo da AGB, tornando-a uma associagéo verdadeiramente digna de seu nome. Conforme recorda Monbeig, esse de- sejo de integrago “foi o que, em 1945, levou a sociedade a passar por completa re- forma, que the desse o carter e, sobretudo, Ihe assegurasse uma atividade verdadeira- mente nacional" (Monbeig, 1946, p. 119). Reformados os estatutos, surgiram entéo as “secgdes regionais (de inicio, apenas as de Sao Paulo e do Rio de Janeiro), que pas- saram a se reunir anualmente, sob 0. pa- trocinio da AGB-Nacional, em Assembléias Gerais. A historia dessas assembléias ainda esté por ser contada e analisada critica- mente. O que sabemos delas provém ape- nas das atas de cada um (que estdo publi- cadas, mas que sé documentos formais) € das ricas lembrangas das geragées mais velhas, que delas participaram ativamente mas cujas recordagdes correm 0 risco de se perderem para sempre, comprometendo 0 conhecimento pleno do que foi 0 proceso de construgéo do pensamento geogratico brasileiro, caso néo sejam transformadas logo em fontes formais de referéncia (livros, artigos, gravagées). RBG A recuperagao da meméria de nossa as- sociagao é, pois, um desatio que se impde a todos nés, e que precisa ser logo enfren- tado. Isto porque o papel da AGB na for- magao do pensamento geogréfico brasileiro foi téo importante que, a partir da realizado de suas Assembiéias Gerais, tomou “vene- randas” as Sociedades de Geogratia que Ihe antecederam, algumas existentes hd bas- tante tempo. E no podia ser de outra forma, ja que as propostas que norteavam a AGB eram radical- mente diferentes daquelas que orientavam a ago das antigas sociedades de Geogratia. Co- mo bem lembrou Arokdo de Azevedo, ao inau- gurar 0 12 Congresso Brasileiros de Gedlogos (Ribeirdo Preto, 1954): “Em um Congresso de Geografia, tomam parte ativa todos quanto nele se ins- creveram, bastando que se interessem pelo seu sucesso ....; gedlogos ou econo- mistas, matematicos ou juristas, militares ou gedgrafos profissionais, cirurgiées ou historiadores, odontologistas ou etnégra- fos, quimicos ou arquitetos, sumidades em qualquer ramo do saber humano ou ‘simples curiosos, todos, indubitavelmente, na medida de seus conhecimentos ou de sua audécia, podem oferecer sua con- tribuigao .... O resultado, como era de se esperar, nem sempre 6 muito lisonjeiro e a Geografia deixa de receber, via de re- gra, 0 ambicionado ndmero de contribui- goes realmente valiosas e verdadeiramente geogrdficas. A situagdo, muitas vezes, torna-se bastante delicada, porque os gedgrafos presentes véem-se, com fre- giéncia, numa dificil encruzilhada: ou fe- char os olhos e tapar os ouvidos, deixando que tudo seja aprovado, embora em de- sacordo com a prépria consciéncia; ou agir com relativo rigor, numa tentativa de separar 0 joio do trigo, o que sempre traz contrariedades, quando néo magoas que ficam. Muito pelo contrario, no Congresso que hoje inicia os seus trabalhos, so os Geégrafos que tém voz ativa e dao a Gltima palavra, nao podendo jamais ser esquecido 0 ponto de vista, o interesse e a_metodologia da Geografia" (Azevedo, 1953;54, 13-14, grifado no original). Com eféito, a partir da 2* Assembiéia Geral (Lorena, 1946 - logo apés a reforma dos es- FBG tatutos), 0 panorama geografico brasileiro havia mudado substancialmente. Reunidos com a finalidade precipua de apresentar tra- balhos e, principalmente, de realizar pes- quisa de campo em conjunto - conforme era esperado de uma ‘ciéncia empirica” - os geégrafos da AGB logo tornaram suas re- unides nao apenas estimulantes, como bas- tante singulares, qualidade que seria sempre reafirmada com o decorrer dos encontros. O que era esta singularidade das Assem- bléias Gerais da nova AGB? Conforme bem assinalou 0 seu presidente, ao relatar os re- sultados da reuniao de Lorena: “Desejévamos evitar 0 mais possivel, tudo ‘© que ha de académico no ritual tradi- cional dos Congressos .... Nosso intuito era trabalhar, e nao fazer discursos; con- frontar nosso ponto de vista, criticar-nos mutuamente para chegarmos a con- clusdes positivas, e sobretudo, desem- baragar-nos dos micrébios da geografia de gabinete, indo junto ao terreno objetivo - tal era nosso fim .... ‘Como em todos os Congressos, comecaram os trabalhos da Assembléia pela leitura e discussao de algumas comunicagdes. Breves @ preciosos, desprovidos de “lero- eros” pseudocientificos, os trabalhos sub- metidos @ Assembiéia Geral tratavam de aspectos geograficos de diferentes regides brasileiras .... No € preciso acentuar o in- teresse pratico que esses estudos apre- sentam .... (mas) .... A parte mais provei- tosa da Assembiéia foi cerlamente a das excursées .... A Assembléia Geral dos geégrafos nao representou uma simples formalidade administrativa. A boa vizinhan- a entre cariocas e paulistas ganhou, cer- tamente, ndo gragas a belas palavras, mas em conseqiéncia de esforgo coletivo de pesquisa em comum” (Monbeig, 1946, p. 120-121). Este comentario de Pierre Monbeig re- ‘sume bem, a nosso ver, 0 que foram - de Lorena em 1946, a Vitoria em 1969 - as As- sembléias Gerais da AGB: reunides anuais nas quais os gedgrafos brasileiros se encon- travam para apresentar comunicagoes, tro- car experiéncias e, principalmente, para fazer trabalhos de campo em conjunto. A importancia do trabalho de campo para a Geografia, nessa época que hoje chamamos de "Geografia Tradicional", foi fundamental. E hd que se notar que, ao dar-se inicio & pré- tica de reunides periddicas, esta atividade jé havia assumido, h& muito, o papel de motor principal da pesquisa geogréfica. Como dizia Aroldo de Azevedo em 1954, ao relembrar 0s tempos iniciais das Faculdades de Filosofia de Sao Paulo e do Rio de Janeiro: “Os trabalhos de campo, titubeantes a principio, apareceram depois feitos com melhor técnica e seguranga maior. Veio a tornar-se um espetaculo comum a reali- zagao de excursdes geogréticas, didaticas @ de pesquisa, e ndo tardou que grupos nu- merosos de geégrafos permanecessem dias e semanas a fio, a realizar trabalhos de campo" (Azevedo, 1953;54, p. 24). Nao 6 de se espantar, pois, que com a insti- tucionalizag4o da pratica de se fazer trabalho de campo durante as Assembléias Gerais, esta atividade tenha nao s6 se tomado ainda mais importante, como também defini- dora do cardter “singular” dessas reunides de geégrafos, razo pela qual (face a impos- sibilidade de realizar um trabalho de campo eficiente com um grande nimero de partici- pantes), as inscrigdes para participar das Assembiéias Gerais eram muitas vezes limi- tadas. A partir de Lorena, todas as Assembiéias Gerais da AGB se estruturaram em torno do trabalho de campo. E isto foi uma decisdo mais do que coerente com a proposta empirista, que orientava, ent&o, a Geografia Brasileira. Era através dele e do conhecimento que proporcionava a partir do contato direto com a paisagem, que poder-se-ia chegar, sem “lero-leros’, 4s conclusdes posttivas (isto é, baseadas na observagao) de que nos falava Monbeig. Ademais, ao se estudar, a cada As- sembiéia, uma regido distinta, 0s geégrafos contribuiriam, por acumulagao de conheci- mento de cada parte, para o conhecimento do todo, isto é, da “superficie da Terra” que era 0 somatério de todas elas. Por esta razao, havia também que se pre- ocupar muito com os critérios de escolha da sede de cada encontro. Além dos inevitaveis critérios logisticos (téo mais importantes quanto mais nos distanciamos no tempo), havia que se atentar também para o “inte- resse geografico da area’, isto &, para a ri- queza de paisagens (de preferéncia, a re- unido deveria se realizar em “areas de con- tato" de paisagens diferentes) @ para a falta {ou 0 reduzido nimero) de estudos a res- peito do local escolhido. Jé que o interesse fundamental das reunides era “desembaracar- nos dos micrdbios da Geogratia de gabinete, indo junto ao terreno objetivo", era preferivel também que fosse escolhida como lugar do encontro uma cidade de pequenas dimen- ses, jA que ai o contato com a paisagem (especialmente a natural) era facilitado, e as tentagbes da cidade grande evitadas. Os trabalhos de campo realizados durante as assembléias, no perfodo 1946-1969, tive- ram, ademais, duas outras fungSes impor- tantes. Por um lado, proporcionaram aos gedgrafos mais experientes a oportunidade, sempre renovada, de aplicar os saberes j adquiridos e de acumular conhecimentos no- vos via contato direto com diferentes reali- dades regionais. Por outro lado, proporcio- naram também aqueles geégrafos recém- saidos das faculdades, ou ainda em formagao, @ oportunidade n4o s6 de trabalhar dire- tamente com os grandes mestres, como de adquirir 0. know-how necessério para fazerem eles também, no futuro, seus préprios véos. Em 1972, ao saudar os congressistas reu- nidos em Presidente Prudente para o | En- contro Nacional de Geégrafos, 0 primeiro a se realizar apés a nova mudanga de estatu- tos ocorrida em 1970 (que acabou com a pratica do trabalho de campo durante as reu- nies), Marcos Alegre enfatizou bem este Giltimo ponto: “Vale dizer que essa nova modalidade de reuniéo velo substituir nas Assembléias da AGB, o trabalho de pesquisa que du- rante muito tempo se fez através de gru- os que se organizavam e salam a campo para .... estudar os variados aspectos da geografia local e regional. Estudos de vulto realizados @ posteriormente publi- cados fornecem cabal demonstragao da importancia que essas atividades tiveram e da imensa contribuig&o que deram para © progresso da Geografia do Brasil. Mas esses estudos e pesquisas de campo, tradicionais na AGB .... desempenharam ainda um outro relevante papel: con- RBG tribuiram, e muito, para a formagao de al- guns dos maiores nomes da Geografia brasileira j& que, nessas reunides e gru- pos, estudantes jovens licenciados tiveram a oportunidade de trabalhar ao lado dos mais experientes e renomados gedgrafos nao s6 do Pais como no raro, do exte- rior. Foram, portanto, verdadeiras escolas de Geografia’ (Alegre, 1973, p. 11-12). A geografia tradicional e a produgéo de conhecimento sobre a cidade (1950 - ....) Como nao poderia deixar de acontecer, dado 0 que acabou de ser discutido, as As- sembiéias Gerais da AGB tiveram- papel bastante importante na estruturacao do pen- samento geografico brasileiro sobre a cidade no perlodo em apreco. Inicialmente este pa- pel fol direto, fruto da pratica do trabalho de campo durante as reuni6es, que acabaram por consagrar a monografia urbana como estudo-padréo dos geégrafos sobre a ci- dade. Com o passar do tempo, entretanto, esta influéncia passou a ser menor, 0 que pode ser creditado & consolidacao dos centros de pesquisa em Geografia do Pals. Nem por isso, entretanto, as Assembléias Gerais deixa- ram de ser foro privilegiado para as dis- cussdes. Com efeito, foram em algumas delas que importantes avangos se realizaram, redi- recionando inclusive a pauta da pesquisa geografica sobre a cidade no Pais. A década de 50 foi, efetivamente, a década da monografia urbana. Ela apareceu sob variadas formas, seja como resultado do tra- balho de campo efetuado durante as As- sembléias Gerais, seja por iniciativa propria de pesquisadores isolados (que seguiam, entretanto, 0 mesmo método monbeigiano), seja ainda como capitulo especifico de es- tudos regionais. No que diz respeito ao primeiro tipo, isto 6, As monogratias urbanas realizadas a par- tir das reunides da AGB, hd que se men- cionar que elas eram um produto intelectual no qual se misturavam o trabalho coletivo e a capacidade de sistematizagdo final de um Uni- co profissional. O processo de sua elabora- ‘co, embora variando no detalhe, seguiu sem- pre 'a mesma seqiiéncia, tao bem descrita por Azevedo ao relatar o que eram as As- sembléias Gerais “Discutem-se teses ou comunicagdes, é bem verdade; porém a principal tarefa consiste em realizar pesquisas em traba- hos de campo, 0 que ¢ feito através de trés ou quatro equipes (cada qual sob a diregdo de um dos associados), que se dirigem, simultaneamente, para areas di- ferentes dentro do raio de influéncia do lo- cal escolhido como sede da assembiéia, entregando-se a um trabalho ativo e in- tenso. Fazem lembrar verdadeiros “co- mandos’, pela rapidez de sua ago e pela 4rea que conseguem percorrer, gracas a uma inteligente divisao de tarefas. Diaria- mente, nas primeiras horas da noite, rea- liza-se a coordenagao do material reco- thido na pesquisa; ao fim de trés ou qua- tro dias, retornam as equipes ao local da assembléia e passam a preparar os re- lat6rios parciais, em febril atividade, para que seus respectivos chefes possam, ainda no decurso da propria assembléia, apresentar o relatério final preliminar (que 6 ento discutido por todos os presentes). Mais tarde, com o necessario vagar, tais relat6rios so redigidos de forma definitiva publicados nos “Anais” (Azevedo, 1953/54, p. 53-54). Estes “commandos a que se referia Azevedo geralmente se dividiam em grupos de “Geo- morfologia’, “Geografia Agraria’ e “Geografia Urbana”. No caso da equipe urbana, o tra- balho de campo era geralmente realizado na propria cidade, e a divisdo de tarefas seguia as determinagées especificadas por Mon- beig, com os integrantes se estruturando com grupos de estudo de “sitio e posicao", “evolucio histérica’, Yungbes urbanas”, “raio de ado da cidade’, etc. Como resultado fi- nal desses diversos esforgos de pesquisa contamos hoje com varios estudos monograti- cos, que esto listados no Quadro 1. Além desses trabalhos, resultantes de pesquisas realizadas nas proprias Assem- biéias da AGB, vieram a luz também, espe- cialmente na década de 50 mas prolon- gando-se até 4 década de 70, uma grande quantidade de estudos que, embora diferen- tes entre si, tiveram em comum a utilizagao, em sua totalidade ou em parte, do método monbeigiano. Para efeito de agregagao, podemos classificd-los da seguinte maneira: Monografias urbanas S40 estudos do tipo padrao, muitos deles apresentados e aprovados em reunides da AGB. Esto aqui trabalhos sobre Diamantina (Bernardes, 1949/50); Aguas da Prata (Souza, 1950); Sao Luiz do Maranhao (Azevedo, 1950/51); Olimpia (Aratijo, 1950/51); Cruzeiro (Bernardes, 1951/52); Londrina (Prandini, 1951/52); Manaus (Ab'Saber, 1953); Ubai- taba (Santos, 1954); Cataguases (Cardoso, 1955); Porto Alegre (Roche, 1955); Crato (Petrone, 1955); Ponta Grossa (Santos, 1956); Pesqueira (Sette, 1956 b); Contagem (Guimaraes, 1957); Mogi das Cruzes (Tirico, 1957/58); Maraba (Dias, 1958); Pirapora do Bom Jesus (Franga, 1961); Aracaju (Diniz, 1962 e Castro, 1967); Taubaté (Miller, 1965); Teresina (Moreira, 1972); e Belém (Barcel- los, 1974). Podem ser citados aqui também alguns trabalhos que, embora mais dire- cionados a temética interurbana (determi- nago da area de influéncia de uma cidade; analise do grau de centralidade de pequenos nécleos urbanos), dedicam uma parte es- sencialmente monografica ao estudo da ci- dade em questdo. E 0 caso, por exemplo, dos estudos de Cardoso sobre Campina Grande (1963) e Caruaru (1965), @ dos trabalhos de Perides (1971) sobre Dois Cérregos, e de Garms (1977) sobre Paraguacu Paulista. Estudos regionais com capitulo monografico urbano Trata-se, neste caso, de trabalhos tipica- mente regionais, mas que dedicam uma parte da andlise ao estudo da cidade principal da rea estudada. Incluem-se aqui o estudo da Regio de Santa Isabel (Ab'Saber, 1950/51); da Regido de Corumbatai (Petrone, 1951/52); da Zona do Cacau da Bahia (Santos, 1955); da Zona da Mata de Minas Gerais (Valverde, 1958); da Regido de Sao Luis do Paraitinga (Petrone, 1959); da Regiao do Alto Curso ‘Superior do Tieté (Trico, 1980b); da Baixada do Ribeira (Petrone, 1961); do Nordeste Potiguar (Valverde et al. 1962); e do Nordeste da Mata Pernambucana (Valverde, 1960). Este Ultimo trabalho merece destaque es- pecial, j4 que se constitui num dos poucos estudos dessa fase que ousaram nao seguir a regra monbeigiana de que temas sociais, como o das relagSes de classe, so “coisas que 0 gedgrafo nfo sabe e nao precisa es- tudar’. Ao descrever a cidade de Timbatba, RBG Valverde dé atengdo especial & miséria af reinante, & disparidade entre as classes so- ciais, utiizando am sua andlise, ainda que ti midamente, categorias que s6 muito mais tar- de setiam incorporadas ao temario geogratico, tais como “exercicio industrial de reserva’ “capital constante”. QUADRO 4 AS ASSEMBLEIAS GERAIS DA AGB (1945 - 1969) Ac.|ano | tocat TMA URBANAOBSERVAGOES 1* 1945 S&o Paulo Nao houve trabalho de campo. Mudanca de estatuto. 2 1946 Lorena Excursdo a Serra da Bocaina. 3" 1947 Rio de Janeiro Excursao as Baixadas Litoraneas ¢ a Campos. 41948 oan Wao Ges de Gos eRe o Jaga 5 160 saoHonzme Lagoa Sanarog co Ganraee Hn, Noaytas urbanas: Azevedo (1949-50); Mattos (1849-50) 6* 1951 Nova Friburgo: Municipio de Nova Friburgo. Monografias urbanas: Bernardes (1950-51). 7* 1952 Campina Grande Brejo Paraibano; Sertao de Curema, Campina Grande. Monografias: Miller (1951-52); Carvalho (1951-52). 8* 1953 Cuiaba Médio Cuiaba/Chapada dos Guimaraes. Monografia: Azevedo (1952-53). 84 edo Pro SESW de Redo Prem Nong: rary 10" 1955 Garanhuns Catende/Arcoverde/Borborema. Monografia: Azevedo (1954-55) {i 188 Rodolamio——_Rasnoainncratva 12% 1957 Colatina Linhares/Reg. colon. antiga ¢ nova; Monografia: Bernardes (in.) 13® 1958 Santa Maria Municipio de Santa Maria/Depressao do Jacui/Reg. ‘So Gabriel. Monografias urbanas: Mattos, Dirceu (inéd.); Miller (1962) 148 1959 Vigosa ‘Vigosa/Ponte Nova/Uba. Monografias: Keller (in.); Andrade (1961). 15" 1960 — Mossoré Area salineira; Varzea do Agu; Regiao do Apodi. Monogratia urbana: Santos, Milton (inédito). 16* 1961 Londrina Jacarezinho/Maringa/Cianorte. Monografia: Geiger (inédito) 17" 1962 Penedo Baixo S. Francisco/Regides de Arapiraca/Itabaiana. imate a Sons eis 18" 1963 Jequié Zona cacaueira; Plan. de Maracas; Zona de Conquista. range are 19" 1964 — Pogos de Caldas Pogos de Caldas/Reg. de Andradas, Monografia: Tirico (in.) 20) 1888 Rocelanto——_Notowetabaro conn S6 exaust 21° 1088 aims Boral Go Ti Mevogla ute Margo (fn) 228 1967 Franca Planalto de Franca. Monog) Mesquia, Myriam (inéd.) 23* 1968 Montes Claros Nao houve trabalho de campo conjunto. $6 excursées. as 1088 va aaxo Ro aco apn re Monografia urbana: Keller, €.(in,); Est. area inl: Corréa, R. (inéd.) Monografias urbanas parciais Neste caso esto incluidos os trabalhos que se dedicam ao estudo de uma cidade pelo método monbeigiano, mas que nao re- sultam em monografias completas jé que privilegiaram apenas algumas das andlises ue comgdem a monografia-padréo. Podemos destacar aqui, em primeiro lugar, as andlises realizadas sobre o sitio e/ou posicao de Soro- caba (Santos, 1950); de Nazaré e Itubera (Gantos, 1954/55 e 1955/57); do Rio de Janeiro (Bernardes, 1957/58 e Deffontaines, 1959; das cidades de Pernambuco (Melo, 1958); de Porto Alegre (Ab’Saber, 1965); de Belém (Bernardes, 1974), e de Recife, Lins (1987). Muito mais numerosos, entretanto, so aqueles trabalhos que se dedicam a analise da origem e evolugao historica das cidades e/ou das fungées predominantes, como atestam os estudos sobre Sao Paulo realizados por Canabrava (1949/50), Monbeig (1954) e Aze- vedo (1961); sobre o Rio de Janeiro, de autoria de Bemardes (1959, 1961a), de Cas- tro (1965a, 1965b), de Pinto (1965), e de Cardoso (1968a); sobre cidades de origem portuguesa e alema em Santa Catarina, de Peluso Junior (1953); sobre Garanhuns, de Sette (1956a); sobre pequenos centros paulis- tas de fungo religiosa, de Franca (1972); so- bre antigas capitais do café, de Pazera Junior (1974); sobre Mossor6, de Felipe (198: bre Aguas de S40 Pedro, de Rodrigues (1985); e, principalmente, sobre o Recife, de autoria de Castro (1948), de Melo (1978), ¢ de Andrade (1979). Outra tematica que atraiu a atencdo dos gedgrafos nesse periodo foi a da andlise da estrutura urbana. Neste caso privilegia-se a descrigao das diversas partes que compéem 0 “organismo urbano”, nao sendo rara a se- lego de um desses componentes para que seja objeto de andlise mais detalhada, Al- guns trabalhos de peso resultaram desses esforgos de pesquisa como, por exemplo, 0 estudo pioneiro de Penteado (1954/55) so- bre a “regio suburbana de Sao Paulo’, em- brido de trabalho sobre a tematica das areas metropolitanas; 0 ensaio de Geiger (1960) sobre a estrutura urbana do Rio de Janeiro; @ 0 belo estudo de Soares (1965), também sobre 0 Rio de Janeiro. A tematica do bairro também foi seguida em trabalhos menos ambiciosos, desta- cando-se aqui o estudo metodolégico de Soares (1958b) sobre a conceituacao dessa unidade urbana, e os estudos cariocas so- bre Laranjeiras (Simoes, 1952/53) e Santa Teresa (Boynard, Soares, 1958b). Até mesmo uma tua foi objeto de andlise, no caso um dos grandes eixos de circulagao da capital paulista: a rua da Consolagdo (Tirico, 1958). Grandes estudos urbanos Q periodo que hoje chamamos de “Geo- grafia Tradicional” produziu também alguns tra- balhos que, por sua abrangéncia e pela riqueza da andlise empirica, metecem cartamente um destaque especial. Sao trabalhos de félego, fruto de pesquisa exaustiva, que demandaram longos periodos de preparacdo mas que resul- taram em obras que merecem, com justiga, um lugar de destaque na histéria do pensamento geogratico sobre a cidade no Brasil. Dois desses trabalhos privilegiaram a andlise da area central, e resultaram num minuciosis- simo estudo sobre a organizacao do centro de Salvador em fins da década de 50 (Santos, 1959), e do centro do Rio de Janeiro, aproxi- madamente dez anos depois (Duarte, 1967a). ‘A temética do bairro, de sua integragao do con- junto maior que é a cidade, e de sua estru- turagdo interna, também resuttou num trabalho de grande envergadura, conforme demonstra o estudo de Petrone (1963) sobre Pinheiros, na capital paulista. A temética regional, por sua vez, também se fez presente através do estudo sobre a “Baixada Santista’ coordenado por Aroldo de Azevedo (1965a), que contém anélise monograficas e funcionais de diversos centros urbanos dessa parte do ltoral paulista. Frutos de teses de doutoramento ou de livre- docéncia, riquissimos em contetido e bem mais abrangentes em escopo, merecem destaque também 0 estudo monografico sobre Belém, de Penteado (1966); a andlise abrangente da es- truturagdo da Grande Sao Paulo realizada por Langenbuch (1968); 0 estudo de Miller (1967) sobre as cidades do vale do Paraiba paulista; € 0s trabalhos de Aratjo Filho sobre a fungao portuaria de Santos (1969) e de Vitoria (1974), Para concluir, ha que se falar daquela que foi, sem sombra de duvida, a obra mais impor- tante de Geografia Urbana desse periodo. Fruto de longos anos de trabalho, j4 que foi idealizada em 1948 e s6 publicada dez anos mais tarde., "A Cidade de Sao Paulo” (Aze- vedo, 1958a), homenagem da Secgéo Re- gional de Sao Paulo da AGB (em associacao com o Departamento de Geografia da USP) ao quarto centendrio de fundacéo da capital paulista, 6 hoje um marco hist6rico dos es- tudos urbanos no Pais. Esta obra, que teve a coordenagdo geral de Aroido de Azevedo, 6, sem divida, a mais abrangente “monografia urbana” que jé foi realizada no Brasil. Nos quatro volumes que a compéem, o leitor en- contra um variedade de ricas andlises - cada uma enfocando uma das tematicas-padrao do estudo monogréfico - assinadas pela “nata’ da Geografia paulista de entao. Obra premiada pela CAmara Brasileira do Livro, referéncia obrigat6ria hoje para todos os que estudam a metrépole paulista. Sinais de mudanga na geografia tradicional A realizacéo do Rio de Janeiro, em agosto de 1956, do XVIII Congresso Internacional de Geografia representa um marco divisério importante na histéria do pensamento geo- grafico brasileiro. Simbolo da “maturidade” a que havia chegado nossa disciplina em tio pouco tempo, como nao cansarao de salien- tar alguns geégrafos, ele ndo apenas demons- trou a capacidade da comunidade geografica brasileira de organizar uma reuniéo infini- tamente mais complexa do que as assem- biéias da AGB, como propiciou a essa mesma comunidade uma oportunidade im- par de intercambio cientifico. Para Nice Lecocg Miller, 1956 representa 0 fim de uma era e 0 inicio de outra. Falando especificamente da Geografia Urbana, ela con- sidera que 0 XVIll Congresso Internacional da UG! separa, claramente, uma fase de consoii- dagio gradual de conhecimentos (tase de de- senvolvimento) de outra época: a fase da afir- macao. Segundo suas préprias palavras: “O XVIII Congresso Internacional de Geo- grafia.... lém de propiciar renovagao de pon- tos de vista e de métodos pelo contato com especialistas estrangeiros, estimulou uma série de estudos urbanos, quer para serem apresentados ao congresso, quer para se- “RBG rem incluidos nos varios livros-guia das ex- cursdes realizadas" (Miller, 1968, p. 16). Nessa. mudanga de fases esconde-se algo, que Miller ndo salienta de forma e plicita, mas que flui claramente de seu dis- curso: 0 sentimento de autoconfianca que o congresso deu & comunidade geografica brasileira. E isto j4 pode ser observado na preparacao da XI Assembiéia Geral da AGB que, marcada para Colatina em julho de 1957, pela primeira vez passou a se organi- zat sob a forma de simpésio, com os partic pantes sendo convocados e reunirem-se na cidade capixaba de forma diferente, isto é, para debater e apresentar trabalhos sobre um tema especifico e (para a época) atual: 0 “habitat rural no Brasil. Apesar da tematica agraria, foi entretanto nessa mesma reunigio, conforme lembram Miller (1968) e Corréa (1967, 1989a), que a Geografia Urbana atingiu um novo estagio. A partir da iniciativa de Lysia Bernardes, a monografia urbana tradicional das reunides da AGB sofreu modificacao importante, pas- sando também a incluir uma analise do grau de centralidade urbana, da determinagao da rea de influéncia da cidade. Se a reuniao de Colatina representa um marco dos estudos interurbanos no Brasil, a XIV Assembiéia, reunida em Vigosa em 1959, teve papel semelhante no que diz respeito & tematica intra-urbana. Com efeito, convocados novamente para um simpésio, desta vez dedi- cado ao estudo do “habitat urbano no Brasil’, os gedgrafos brasileiros optaram por debater ali uma tematica que era tao nova quanto a da centralidade urbana, e que era também de grande importancia para a época: a das. metrépoles e areas metropolitanas. E 0 fize- ram de maneira bastante diversa daquela que era caracteristica das reunides anteriores. Com efeito, ao debrugarmo-nos sobre os trabalhos apresentados em Vigosa, senti- mos claramente a mudanga. Sao estudos principalmente de carater metodoldgico, que suscitaram, por conseguinte, acirrados de- bates conceituais. Observados com os olhos de hoje, esses trabalhos e debates podem parecer simplérios e até insignificantes. Eles tiveram, entretanto, um papel fundamental no posterior redirecionamento da pauta da pesquisa geografica urbana'no Pais. RBG Em Vigosa, discutiu-se basicamente ques- t6es de método e de terminologia, tais coma: a) qual 0 criiério de definigao de metrépole? Seria ele quantitativo, como sugeria Aroido de Azevedo(1958/59) - ou seja, metropoles seriam as cidades de mais de 100 000 habitantes - ou deveriamos optar por um critério funcional, limi- tando, ademais, esse conceito as cidades “ca- becas de rede urbana’, como sugeria Geiger? (Melo, 1958/59). b) quais os tipos de metrépole? Houve consenso em que haveriam dois tipos de metr6pole: nacionais e regionais. A temética da organizagao interna das cidades também foi objeto de ampla dis- cuss&o. E de forma nova! Nao mais se dava prioridade ao estudo estanque das diversas partes da cidade, da fisionomia e fungdes de cada bairto tomado isoladamente, como era tipico da monografia-padréo. Ja, ao que parece, sob a influéncia do trabalho de Tri- cart (1954) sobre o habitat urbano, aos ge6grafos importava agora analisar princi- palmente a estrutura urbana, definida de forma dinamica, a partir das relagdes que se estabeleciam entre cada parte da cidade. Mas como fazer isto? Se os trabalhos e de- bales que aconleceram em Vigosa indicam claramente a existéncia de duvidas, de hesi- tagdes, eles também revelam - ainda que timidamente - a tomada de iniciativas novas, a busca de um pensamento proprio. Para comprovar isto, reproduzimos abaixo o teor de alguns debates ocorridos naquela reuniao: a) que critério utilizar para caracterizar um aglomerado como urbano? Critério numérico, administrativo, funcional? b) 0 que 6 um subtirbio? © subiirbio no Brasil tem algo a ver com 0 suburb norte- americano e com a banlieue parisiense? c) qual a distingao entre urbano e su- burbano? d) que critérios utilizar para diferenciar as diversas partes da cidade? Seriam oritérios de fisionomia (de paisagem) e de fungo, como defendiam Therezinha Soares, Antonio Pen- teado e Ary Franga? Ou sera que um estudo como esse, “do processo de diferenciacao das zonas constitutivas da estrutura urbana ... (no seria) .... menos de Geografia e mais de Ecologia Humana’, como alertava Mario Lacerda de Melo (1958/59)? © simpésio encerrou-se com uma grande discuss&o sobre a necessidade de harmoni- zagao da terminologia adotada em Geo- gratia Urbana. Com efeito, o que era “subir- bios préximos” para Penteado (1958/59) cor- respondiam aos “suburbios periféricos” de Maria Therezinha Soares (1958/59). E 0 que aquele denominava de “suburbios remotos”, para esta eram “nticleos pioneiros subur- banos”. Tentando chegar a uma conclusdo conciliatoria, Bernardes (1958/59) apresen- tou um “quadro sumdrio da nomenclatura de zonas urbanas”, que deveria servir de base para a meditagao e aprimoramento futuros®. A década de 60 viu prosperar as temati- cas que foram debatidas no simpésio de Vigosa, que passaram a atrair cada vez mais a atengao dos gedgrafos. Com efeito, num pais que passava por transformagbes radicais em sua base econdmica, onde as for- gas de acumulacdo capitalista redesenhavam toda a estrutura espacial de fixos e de fluxos, seja através da aceleracao do processo de formagao de areas metropolitanas, seja via a reformulagdo do padrao de relagdes interur- banas, seja ainda mediante o redesenho de toda a organizacdo interna das cidades, nao eram mais possivel e nem relevante concen- trar esforgos no estudo monogrético tradi- cional. Como ja visto, as monografias urba- nas até continuaram a ser realizadas, mas j4 nao expressavam mais o estudo geografico padrao de cidade, tanto que muitas daquelas que foram elaboradas nas assembléias da AGB da década de 60 jamais foram publi- cadas (Quadro 1). Alias, a partir dessa década a Geogratia urbana brasileira deixou de ter estudos-padrao, um sinal evidente de amadurecimento. Reflexos na Produgao Geografica A mudanga de temério ocorrida no final da década de 50 na Geografia Urbana pode 5 jriciava-se ai uma grande discussto sobre a necessidade de harmonizardo do vocabulrio de Geografia Urbana, que se prolongou por toda a década de 60 e resultou, inclusive, numa publeagao especial, parrocinada pela Comiss#o de Geogratia do Insituto Panamericano de Geograta e Historia (IPGH, 197). ser claramente verificada pela andlise do que foi produzide por seus profissionais. Conforme salientado por Corréa (1989a) em sua avaliacéo dos estudos sobre hinter- landias e redes, a mudanga de temdrio que afetou a Geografia Urbana apés a reali- zagao do XVII Gongresso Internacional de Geografia refletiu-se principalmente na én- fase que se passou a dar, a partir de entao, aos estudos de centralidade urbana. Uma analise dos trabalhos publicados nessa época indica que seré também a partir dessa vertente que 0 processo de transfor macao chegara ao estudo intra-urbano, con- forme demonstramos agora. © grande interesse despertado nos gedgrafos brasileiros pelo estudo de redes urbanas (a partir da inspiragao original de Tricart e de Rochefort) levou, de inicio, a uma desaceleracao no ritmo de produgdo de trabalhos a nivel intra-urbano. Isto se deve, por um lado, & extrema identificagao desse tipo de estudo com a monografia urbana, agora considerada um simbolo de uma fase jd superada. Por outro lado, o desatio repre- sentado pela nova tematica, um territério que praticamente ainda estava por ser ex- plorado, atuou como foco irresistivel de atracdo. Finalmente, a difuséo das atividades de planejamento territorial na Europa no periado do pés-guerra, e sua expansdo no Brasil no final da década de 50, constituiram-se em fora centripeta de grande intensidade, completando o processo de atragéo dos geo- grafos para a chamada area urbano-regional’®. Se Chabot (1948) ja dissera antes que “no existe cidade sem regiéo nem regido sem cidade", nunca essa frase teve tanto appeal na Geografia Brasileira quanto na década de 60. A perspectiva de que, a partir da cidade, poder-se-ia intervir no quadro re- gional, alterando-o, acabou por dar 4 Geo- gratia um’ sentido de aplicabilidade que nunea tivera antes. Planejamento, Geografia ativa, Geografia aplicada, Geogratia volun- taria .... Eis, agora, as novas dimensées da Geografia, que abriram novos horizontes aos gedgrafos (ver, por exemplo, as dis- cussoes realizadas por Carvalho e Santos (1960) e por Santos (1965). Principais pélos de organizacao regional, nao & de se estranhar que foram as metropoles e suas fungdes regionais que mais captaram © interesse dos gedgralos nessa época. Os trabalhos entéo desenvolvidos ja foram comentados por Corréa (1989a) e nao pre- cisam ser novamente discutidos aqui. O que 6 importante destacar, no entanto, 6 que gradualmente a atenc&o dos gedgrafos tam- bém se deslocou para o estudo da organi- Zagao interna e dinamica de estruturaco do espaco metropolitana, que se transformou entéo em palco de investigagao igualmente privilegiado da Geogratia JA nos referimos, ha pouco, as discussdes iniciais ravadas em 1959 em Vicosa. Deu-se ali um inicio timido, que foi entretanto ganhando “momentum” a partir da elaboragao de uma série de estudos pigneiros, que abriram cami- nhos importantes. E preciso, agora, que se- jamos capazes de recuperévlos. Metropolizac4o A tematica da metropolizagéo teve em Maria Therezinha de Segadas Soares uma grande incentivadora e sistematizadora. Sua tese sobre “Nova Iguacu, absorgéo de uma célula urbana pelo Grande Rio de Janeiro” (Soares, 1962) 6 hoje um,classico da Geo- grafia Urbana brasileira. E dela também o primeiro trabalho que trata explicitamente da questao das 4reas metropolitanas. De fato, em artigo que discute os critérios de delimi- taco dessas unidades territoriais e a possi- bilidade de sua aplicagdo ao Brasil (Soares, 1968b), a autora abriu uma trilha importante, que foi posteriormente ampliada por um grupo de gedgrafos do IBGE (Galvao et al., 1969), também chamamos a refletir sobre 0 tema jé que este 6rgdo se transformara, ago- ra, em eixo importante de sustentacéo do sistema brasileiro de planejamento territorial, ‘A década de 70, por sua vez, assistiu ao desenvolvimento de inmeros trabalhos de cardter empirico sobre as formas de inte- gragao de municipios periféricos ao agio- merado metropolitano. Sao estudos que, na maioria, se estruturam a partir do esquema monogréfico classico, mas cuja andlise ja © Note-¢a, por exemplo, que a XVII Assembleia Geral Orgindria da AGB, reunida em Penedo (AL) em juho de 1962, teve como toma, central "Geograiae Pianejamenta Regional, e contoy com a presenga de Celso Furtado. esté orientada basicamente para a tematica das relagées, dos fluxos. Incluem-se aqui estudos sobre Itaborai (Abreu e Diniz, 1970; Mizubuti, 1972); sobre Guaiba (Becker, 1971); sobre Tapes (Copstein, 1971); sobre Maric (Teixeira e Soares, 1973-75; Castro et a, 1974) Destaque especial, entretanto, precisa ser dado a série de dissertagdes de mestrado efou teses de doutoramento desenvolvidas na Universidade de S40 Paulo sobre o cha- mado “cinturdo caipira” da capital paulista, € que versaram sobre Cotia (Lemos, 1972); Embu (Oliveira, 1972); 0 setor metropolitano ocidental de Sao Paulo (Aimeida, 1975); Naza- ré Paulista (Merino, 1976); Barueri (Caval- cante, 1978); Salesépolis (Le Bourlegat, 1978); Jandira (Cardieri, 1980); Itaquaquecetuba (Le- mos, 1980); e Caieiras (Pazera Junior, 1982). Na maioria orientadas por Pasquale Petrone, essas teses e dissertag6es cobriram uma grande parte do anel periférico extemo da metrépole paulista, ou seja, daquele setor que estava ent&éo em processo de inte- gragao metropolitana. Embora pouco teéri- cos (como, alids, foi toda a produgdo da Geogratia Tradicional), esses trabalhos so entretanto extremamente ricos a nivel em- pirico, e constituem-se hoje em fonte de consulta essencial para outros estudos, em especial para aqueles que se propdem a re- pensar 0 processo de metropolizacao ocor- rido em Sao Paulo a partir do referencial tebrico do materialismo historico. Organizagéo Interna da Cidade ‘A orientagdo em diregéo a estudos mais dinamicos, que levassem em conta relacées, fluxos @ processos (indicando também uma in- fluéncia marcante de Pierre George) acabou por se refletir em outras dimensées do estudo geografico da cidade, alterando contetdos e estimulando investidas exploratérias. A nivel metodolégico, destacamos a preo- cupagao de Milton Santos em definir 0 que seria a cidade nos paises subdesenvolvidos (Santos, 1962 e 1965). Partindo da nocdo de paisagens derivadas de Sorte, 0 autor dedica uma longa reflexdo ao assunto: Que fatores seriam comuns a todas as cidades do mundo subdesenvolvido? Que outros as individualizariam externa e intemamente? Esta temdtica também interessou & Maria Therezinha Soares que, ao analisar a “organi- zagéo interma das cidades brasileiras segundo seu estagio desenvolvimento” (Soares, 1968a) numa perspectiva evolucionista, sugeriu um método que classificava os nicleos urbanos a partir de critérios formais, paisagisticos, diferen- iando-os segundo uma escala que ia das “for- mas simples” as “formas de grande complexi- dade”: as metropoles. A nivel empirico, hd que ressaltar o aparecimento de alguns trabalhos que enfo- caram temas novos e/ou apresentaram andlises pioneiras. E 0 caso, por exemplo, do estudo de Anna Carvalho (1955/57) so- bre 0 “crescimento recente da cidade do Salvador’, que ja detecta o papel que as politicas publicas de provisdo de infra-estru- tura urbana vinham tendo sobre o mercado de terras (ao concentrar investimentos em “Areas _nobres de expansdo’), e alerta para a existéncia de um processo perverso de periferizacéo dos grupos sociais mais po- bres da capital baiana, antecipando um de- bate que s6 viria a ser desenvolvido plena- mente na década de 80. Sao palavras deta: “Enquanto 0 setor costeiro passa por uma fase de valorizagao (em muitos casos pre- matura e artificial), como que profetizando a futura ocupacdo pela classe abastada, a parte Norte apresenta 0 problema oposto. A populagao menos favorecida da Cidade vai sendo no s6 cada vez mais proletariza- da, como também “empurrada” para N-NE, pelo nivel de vida do povo, pelas dificuldades de casa e transporte, pela valorizagao exa- gerada de outras reas periféricas ou urba- nas" (Carvalho, 1955/57, p. 95). ‘A andlise do que hoje se denomina “agentes modeladores do espago” também tem o seu inicio no periodo ora em andlise, com atengao especial sendo dada ao papel da industria. Ainda na década de 50, Santos e Carvalho (1955/57) publicam um trabalho pioneiro sobre localizagdo industrial em Salvador, identificando diferentes tipos de area industrial na cidade e discutindo critérios de localizacdo. Essa tema- tica seria depois retomiada por Santos (1958), e ampliada por Mamigonian (1960), que chama a atengao para 0 papel desempenhado pela in- distria na producéo de um espago hetero- géneo, em forma e em contetido, na cidade de Brusque, e por Davidovich (1966), que chegou ‘mesma conclusdo ao estudar Jundiay. Coroando esses esforgos iniciais, encon- tramos outros estudos que analisam mais profundamente o tema, destacando-se aqui 08 trabalhos de Tumowski (1967, 1968, 1969) sobre a Geografia das Indistrias no Rio de Janeiro; de Andrade (1979) ¢ de Pontuschka (1979) sobre o impacto da indUstria no pro- cesso de transformagao de dois municipios da periferia metropolitana paulista (Diadema e Suzano, respectivamente); e de Sampaio (1975), sobre a Geografia Industrial de Pi- racicaba. Anterior a esses tiltimos, é ino- vador quanto a tematica e ao método de andlise, a tese de doutoramento de Léa Goldenstein (1970) sobre o desenvolvimento de “um centro industrial satélite” (no caso, Cubatao), 6 outro daqueles grandes estudos que a Geografia Tradicional produziu, e que podem ser considerados hoje, com toda justiga, como classicos da nossa bibliogratia, Finalmente, ha que se referir aos estudos que abordaram a cidade a partir da dtica dos fluxos. Isto ocorreu sob diversas formas e contemplou dimensées diferentes, que sé foram mais plenamente desenvolvidas em periodos mais recentes. A questo da descentralizacao das ativi- dades tercidrias na cidade foi inicialmente estudada por Botelho e Cardoso (1960/62) a partir da aplicacao a escala intrametropol tana dos métodos de determinagao de hin- terlandias. Seu estudo sobre o raio de atuagao do subcentro carioca de Madureira langou uma semente fértil que, embora nao aprovei- tada por Pegaia (1965) em seu trabalho des- critivo sobre a rede bancaria da cidade de S40 Paulo, foi entretanto aprofundada mais tarde por Duarte (1974) e por Langenbuch (1974). Atualmente, 0 estudo da descentrali- zagao das atividades terciarias voltou no- vamente @ pauta, enfatizando as suas for- mas mais recentes (0s shopping centers) Segue, entretanto orientacdo tedrico-meto- dolégica bastante diferente, como sera dis- cutido mais adiante A questo do abastecimento urbano tam- bém teve seus primeiros estudos desen- volvidos nessa época, através do trabalho pioneiro de Mesquita (1959) sobre os “as- pectos geogréficos do abastecimento do Distrito Federal em géneros alimenticios de base’, logo seguido pelos estudos de Jovia- no (1960), Lavareda (1961), Magalhaes BG Filho (1961) e Seabra (1969). O rebatimento intra-urbano e intermetropolitano da questéo do abastecimento, por sua vez, apareceu no trabalho de Guimaraes (1968) sobre as fei- ras livres paulistanas; no estudo de: Abreu (1969) sobre as funges urbanas da zona do mercado central de Sao Paulo; e no estudo de Bicalho (1971) sobre transformacdes na periferia urbana do Rio de Janeiro. Ainda hoje esta tematica vem atraindo a atencao do geégrafo, como demonstram os estudos mais recentes realizados por La Corte (1976) para Sao Paulo, por Lima (1984) para Re- cife, e por Sérvio (1985) para Teresina. Para concluir esta avaliagao da chamada Geogratia Tradicional, resta dizer que pode ser creditado a Rosa Ester Rossini o mérito de ter introduzido, no temério geografico ur- bano, 0 papel desempenhado pela mudanga das relagdes de produco no campo. Seu estudo sobre Serra Azul (Rossini, 1971), de cardter monogréfico, parece ser o primeiro a tratar do impacto causado, na cidade, pelo processo de assalariamento da forca de tra- balho rural. Segundo ela, as mudancas que entao ocorriam no campo paulista estavam dando origem a uma nova classe de habi- tantes urbanos, que residiam em “vilas po- bres na periferia’ (o béia-fria) G legado da geografia tradicional A geragao de conhecimentos sobre a ci- dade brasileira, propiciada pela fase de pro- dugao cientifica que hoje denominamos de Geogratia Tradicional, foi, como j péde ser observado, bastante extensa. E isto se aplica tanto & quantidade de trabalhos reali- zados, quanto a qualidade de uma parcela consideravel _desses. Com efeito, datam desse periodo uma série de estudos que hoje fazem parte, merecidamente, da galeria de honra da produgae geografica nacional. O elogio acima € proposital. A sucessao de movimentos de renovagao pela qual passou 0 pensamento geografico brasileiro, a partir do fi- nal da década de 60, resuttou, infelizmente, no aparecimento de uma seqiiéncia de posturas nilistas em relagdo & producéo da Geografia Tradicional, que pretenderam reduzir a zero todo um esforgo intelectual de mais de 40 anos, como se fosse possivel avangar em Ciéncia a pantir do vacuo, isto é da ausénoia de uma base anterior. Tais posturas, em- bora minoritarias, acabaram produzindo en- tretanto um efeito-demonstracdo consideravel, levando ao ostracismo, por algum tempo, todo um esforco realizado por geragbes mais velhas de profissionais da Geografia do Brasil. E necessdrio, pois, que recuperemos 0 le- gado da Geografia Tradicional, 0 que nao quer dizer que deixemos de apontar suas limitagdes. Com efeito, se sua proposta em- pirista-naturalista parece pertencer hoje ape- nas a hist6ria do pensamento geografico, sua rica produgao cientifica constitui-se em ponto de partida fundamental para 0 avango tedrico e conceitual da Geografia. E 0 caso, por exemplo, de categorias como paisagem, regio, territério e espago que, recuperados e tepensados teoricamente nos tltimos anos, voltaram a freqdentar 0 temério da dis- ciplina, e tém orientado 0 desenvolvimento de estudos empiricos de alta qualidade. Ha que se falar, também, sobre a variedade de técnicas de descrigao e de representacdo que resultaram desse periodo e, especialmen- te, da riqueza empirica dos trabalhos que foram nele elaborados (Moraes, 1980). Esta Ultima vem se revelando, inclusive, imprescindivel ao desenvolvimento de intimeros trabalhos, pois retratam com nitidez toda uma estru- turagao espacial que ja ndo mais existe, mas se pode ser resgatada e servir de ponto de apoio para andlises processuais. Como vere- mos mais tarde, as pesquisas que vém hoje sendo desenvolvidas sobre as_periferias metropolitanas de So Paulo e do Rio de Ja- neiro, de cunho materialista historico, tem-se beneficiado, em muito, da produgao realizada nas décadas de 50, 60 e 70 sobre essas, mesmas areas. Resta citar o caréter de documento hist6rico que muitos desses trabalhos passaram a incor- porar. Com efeito, 0 crescimento urbano avas- salador, a que estiveram sujeitas diversas ci- dades brasileiras nos titimos 40 anos, resultou ‘em mudangas to radicais em sua paisagem que nem mesmo rugosidades de periodos an- teriores conseguiram sobreviver. Das formas e contetidos espaciais anteriores s6 restaram muitas vezes as andlises geograficas tradi- cionais, etemizadas no papel A GEOGRAFIA NEOPOSITIVISTA E A “REVOLUCAO QUANTITATIVA” Desde a sua implantagao como curso de nivel universitério, na década de 30, e até mea- dos da década de 80, a Geografia Brasileira foi essencialmente uma disciplina voltada para a chamada “escola francesa’. Foi da Franga que vieram os seus primeiros mestres; foi com esse pais que 0 intercambio cientifico foi mais intenso; foram autores franceses os que mais influenciaram a geragdo de geégra- fos aqui formada nesse periodo''. Na segurida metade da década de 60, entre- tanto, esta situagao comegou a mudar. E a par- tir dai que a chamada “revolug&o quantitativa” - que jé vinha ocorrendo nos EUA e no Reino Unido hé cerca de dez anos - chega ao Brasil no bojo do processo de intensificacao das ativi dades de planejamento territorial promovido pelo governo militar de entao. Conforme relata Geiger (1988), tudo parece ter comegado com a chegada ao Brasil do economista e planejador John Friedmann, convidado pelo IPEA para prestar consulto- ria especializada aquele 6rgo. No decorrer dessa consultoria, contatos com outros ér- ga0s de planejamento do Governo Federal (dentre eles, 0 IBGE) foram inevitaveis, sur- gindo ai a sugestéo de que os gedgrafos brasileiros deveriam praticar a Geografia que vinha sendo realizada por Brian Berry e outros nos EUA, a qual, por basear-se na linguagem franca da Matematica era mais precisa e acessivel aos economistas (Gei- ger, 1988, p. 77). Posteriormente, chegou ao Brasil 0 Prof. John P. Cole que, ao oferecer um curso sobre técnicas quantitativas no IBGE em 1969, introduziu formalmente o seu estudo no Pais', O proprio Berry esteve no Brasil logo a seguir, difundindo ele mesmo a “Geografia Quantitativa’, da qual 5° verdade que alguns protissionais brasileiros optaram por ouras escolas (alema, anglo-americanal, infuenclados que foram por rmestres como Leo Wael, Carl Troll e Preston James. Eles foram, entetanto, minora, * Vale lembrar que. em momento algum, Cole Se preacupou com a inrodugao das bases epistemol6gicas do neopositvismo, limi tando-se ao ensino das técricas. era um dos pais. A Comissao de Técnicas uantitativas da Unido Geogréfica Interna- clonal, ao reunir-se no Rio em 1971, deu, por sua vez, um impulso adicional a intro- dugao da chamada “New Geography” no Pais. A partir de 1970 a proposta atingiria também outra instituigao importante, com os docentes do Departamento de Geografia da UNESP-Rio Claro aderindo “entusidstica @ ruidosamente & "Geografia Quantitativa .. pro- vocando 0 desencadeamento de uma série de eventos académicos” (Langenbuch, 1983, p. 5). E bom lembrar que, mesmo antes desses contatos, os gedgrafos brasileiros j4 vinham acompanhandp, com vivo interesse, 0 cres- cente relacionamento de sua disciplina com as atividades de planejamento territorial. Com efeito, desde a década de 50 que profissio- nais de renome (inclusive da Franga) defen- diam uma maior participagdo da Geografia nos sistemas de planejamento (Gottman et al., 1952/ Mayer, 1954; Thomas, 1956; Free- man, 1958), propagando inclusive a idéia de uma ‘Geografia Aplicada” (Philipponeau, 1960; Stamp, 1960; George, 1963), de uma *Geografia Ativa” (George et al., 1965, de uma “Geografia Voluntaria” (Labasse, 1966). E conforme ja visto anteriormente, os ecos dessas idéias j4 haviam chegado ao Brasil desde finais da década de 50, tendo inclu- sive dado alguns frutos na década seguinte (Bernardes, 1966; Bernardes, 1967 e 1969; Geiger, 1967). Nao foi, portanto, por obra e graca da “quantitativa” que a vinculagéo da Geografia com o planejamento se realizou no Brasil. A nivel de hipétese, pode-se afir- mar, inclusive, que as mudangas que ja vi- nham ocorrendo na Geografia Tradicional brasi- leira levariam-na certamente a essa direcdo, ainda que seguindo, talvez, um roteiro diferente. O que parece ter sido realmente novo nos contatos estabelecidos por Friedmann, Berry Cole foi o acoplamento perfeito do discurso neopositivista (que eles trouxeram), tanto as exigéncias do momento politico-econdmico pelo qual passava o pais, quanto as preten- ses de cientificidade e de aplicabilidade que afetam periodicamente a Geografia e que, Aquela época, estavam novamente em alta. Com efeito, num pais que tinha o sistema politico amordagado e expurgado, e no qual as tentativas de organizacdo (e de contes- tagao) da sociedade civil eram desencora- jadas e reprimidas, a ditadura militar pode implementar, sem oposigao, 0 seu projeto de aceleracdo do ritmo da acumulacéo capitalista. E nessé projeto assumiu lugar de destaque a atividade de planejamento que, inicialmente restrita as esferas setoriais, logo se espraiou também para a escala territorial, trazendo con- sigo toda a ideologia tecnooratica, toda a cren- ana supremacia do discurso técnico sobre a pratica politica. Afinal, se a nivel setorial era possivel intervir na economia e colher “milagres econdmicos”, 0 mesmo poderia ser feito a nivel territorial. Ademais, a redefiniggo da “estrutura espa- Gia do pais era uma condic&o necesséria & manutengdo dos altos niveis de crescimento do PIB. Havia que fazer o bolo crescer primeiro para depois dividi-lo, conforme sio- gan da época. E um dos fermentos que fa- ziam parte dessa receita era justamente o da ordenacdo territorial, razao pela qual pas- saram-a proliferar planos dos mais diferen- tes matizes: Planos de Desenvolvimento Re- gional, Planos de Desenvolvimento Local in- tegrado, Planos de Regionalizagao, Planos de Agao Imediata, etc. Num contexto como esse, os atrativos da “Nova Geografia’, que Berry e outros anun- ciavam, tornaram-se irresistiveis para alguns gedgrafos brasileiros, que viram nela a resposta para duas angistias que assolam_periodi- camente a Geografia (ou melhor, os geégra- fos): a do seu reconhecimento externo como ciéncia (como cientistas) ¢ a da relevancia aplicabilidade do saber geografico, por mui- tos considerado como um saber indtil, Como resposta a essas angiistias, a pro- posta neopositivista era bastante atraente. Por um lado, ela dava a Geografia, através da Matematica, a linguagem cientifica que j& era caracteristica de outras ciéncias, facili- tando assim a sua integrago com essas. Por outro lado, sua nova capacidade predi- tiva - fruto da adogdo dessa nova linguagem - integrava-a perfeitamente as exigéncias do planejamento territorial. De fato, a “Nova Geografia” tinha muito a aproveitar de seu acoplamento a matriz cientifico-planejadora. Falando a mesma lin- guagem dos demais integrantes dessa ma- triz, mas focalizando teméticas que eram pouco consideradas por eles ( 0 territério, a RBG” regio, a cidade, etc.), a Geografia poderia Ihes oferecer os insumos empiricos que de- mandavam. Por outro lado, pelo fato mesmo de ocupar uma célula dessa matriz, na qual imperava soberanamente, a Geografia tam- bém se habilitava a receber auxilio das de- mais ciéncias. E a ajuda de que necessitava traduzia-se em teorias e modelos que, em- bora desenvolvidos em outros contextos, po- deriam muito bem ser apropriados e retraba- lhados pelos gedgrafos em suas tentativas de construgéo de teorias eminentemente geograficas. O desenvolvimento dessas teo- rias permitiia, por sua vez, que a Geografia também oferecesse as outras ciéncias uma contribuigdo teérica, e era nessa diregao que estavam trabalhando, jé ha algum tempo, ai- versos gedgrafos “quantitativos” que agora tornavam-se conhecidos no Brasil: 0 préprio Berry, William Bunge, Michael Dacey, Richard Chorley, Peter Haggett, David Harvey ... O que houve a partir desse momento na Geografia Brasileira tem sido objeto de acalora- dos debates, que resultaram em publicagdes prenhes de paixdo, tanto por parte daqueles que defenderam/defendem o neopostivismo, como principalmente por parte dos que Ihe foram/sao contrarios. Resta perguntar, pas- sados ja 20 anos, se houve realmente uma “revolugao quantitativa” no Pais, ou se o que acabou acontecendo aqui aquela época foi outa coisa, que os acalorados debates en- to ocorridos - basicamente centrados na di- menso politica - acabaram por nao perce- ber. E para essa diego que nos dirigimos agora, tendo como base de discussao a pro- dug que foi realizada sobre a cidade. A produgao geogrdafica sobre a cidade Introduzida no Pais a partir de uma pre- ocupacgdo com o planejamento, e nao a par- tir de uma inquietagao tedrica interna, nao é de se estranhar que a produgdo geogréfica sobre 0 urbano durante a década de 70 (época aurea do neopositivismo no Pats), tenha se orientado essencialmente para essa direcdo. E ao fazer isso, privilegiou, como era de se esperar, os temarios que estavam sendo demandados pelo sistema de planejamento, dentre os quais despon- tavam agora as tematicas interurbanas. ‘Ao fazer uma avaliagéo da produgS0 geo- gréfica interurbana realizada no Brasil, Cor- réa (1989a) afirma, com raz&o, que é nesta 6poca que os estudos interurbanos tomam a dianteira da produgdo geogrdfica sobre a ci- dade. Com efeito, apés um longo periodo em que a cidade em si foi o foco maior de atengao dos geégrafos, a década de 70 viu essa tendéncia ser revertida, e isto deveu-se em grande parte as demandas provenientes do sistema de planejamento territorial e re- gional. Esta é a época em que predominam 08 estudos sobre hinterlandias e redes urba- nas, sobre pélos de crescimento, sobre cen- tralidade urbana, sobre fluxos interurbanos e inter-tegionais, sobre regionalizagao, etc., em sua maioria apoiados na fenomenal base de dados que foi o Recenseamento Geral do Brasil de 1970, a mais completa “radiografia’ até entao realizada do Pais. Embora minoritéria em termos da produgao realizada, a pesquisa intra-urbana sofreu en- tretanto, nesse periodo, uma transformagao sig- nificativa. Invocando o ‘novo objetivo de busca de generalizac6es, de leis, de abandono do excepcionalismo, conforme pregado pelo neo- posttivismo, os geégrafos deram uma guinada brusca em suas pesquisas, largando de vez a monografia (que, de resto, ja no Ihes atrafa tanto a atengdo), ¢ orientando seus esforgos pera 0 estudo daquilo que era geral, que era comum a todas as cidades. Na auséncia de bases te6ricas proprias, recorreram ent&o, como ocorreu em outros paises, as teorias desenvolvidas por outras ciéncias, notada- mente a Economia e a Sociologia. A grande ironia 6 que, dentre essas teorias, nenhuma teve tanto atrativo para os geégra- fos brasileiros quanto a velha Ecologia Hu- mana que Pierson tanto defendera no pas- sado, e que Dickinson (1947) ja expusera hd tanto tempo em seu classico livro. Processos como os de centralizacdo, descentralizagao, invasdo-sucessao, etc., passaram eto, com 30 anos de atraso, a fazer parte do temario dos geégrafos brasileiros, que também in- corporaram em suas pesquisas outros refe- renciais de analise, vindos principalmente da teoria econémica neoclassica e da teoria geral dos sistemas. Apoiados nessas teorias, os gedgrafos passaram entao a esquadrinhar as mais di- versas realidades urbanas do Pais, bus- cando verificar ai os padrées reveladores da sua validade. Para tanto, contaram no ape- nas com a existéncia de estudos empiricos similares j4 realizados em outros paises (que Ines serviram de modelo), como benefi- ciaram-se bastante da melhoria significativa das bases de dados produzidas no Pais. ‘Ao analisar-se a produgao realizada, nota-se que a busca e/ou a explicagdo de padres so, de fato, uma caracteristica comum a todos os trabalhos produzidos. E possivel entretanto di- ferencié-los segundo 0 objetivo a partir do qual essa tarefa foi realizada, 0 que nos permite separé-los em dois grupos distintos: - trabalhos que dedicaram-se apenas & determinagao de padrées espaciais, - estudos que objetivaram mais do que isso, isto 6, que pretenderam determinar também a relagdo que se estabelece entre processos padroes. A procura de padrées espaciais ‘A grande maioria dos trabalhos intra-urbanos realizados pelos geégrafos, sob a influéncia do neoposttvismo, objetivou apenas a determina- Gao de padrées espaciais. Esta constatagao, que sera comentada mais adiante, posiciona bem 0 que foi 0 “quantitativismo” no Brasil, @ coloca em diivida a afirmacao de que teria havido uma “revolugSo neopositivista’ no Pais no inicio da década de 70. Independente desses questionamentos, néio hd duivida que 0 “tipo” de trabalho que pas- sou a ser realizado pelos gedgrafos a res- peito da cidade modificou-se sobremaneira na década de 70. Amparados por bases te6ri- cas novas - 0 que os diferenciava do tra- balho geografico tradicional, de cunho es- sencialmente empirista - esses profissionais pretenderam, com seus estudos, apontar os mais variados padrées de distribuigdo de fenémenos no espacgo urbano, revelando no apenas as configuragdes visiveis da ci- dade, como também uma série de outras di- mensées do urbano que néc poderiam ser observadas, nem a olho nu, nem através da superposigao de mapas. Pretenderam tam- RBG bém, em muitos casos, oferecer “subsidios ao planejamento”. Com o intuito de diferenciar esses traba- thos, podemos agrup4-los em dois grandes grupos: o primeiro agregaria os estudos que se propuseram a trabalhar com diversas dimen- 0es do urbano ao mesmo tempo, @ o segundo reunifa os trabalhos que privilegiaram o estudo de um Unico tipo de padrao. Este timo grupo, or sua vez, pode ser subdividido em fungaio do tipo de padréo que foi singularizado. Padrées multidimensionais A caracteristica principal deste tipo de es- tudo & a sua preocupago de “varrer’, o mais que possivel, as dimensbes fenoménicas do urbano, procurando detectar padrdes de as- sociagdo entre elas. O trabalho tipico é aquele que utilizou a andlise fatorial e/ou de agru- pamento para condensar, em poucas dimen- sOes (ou fatores), variaveis que apresentavam um padréo de distribuicéo semelhante no espago urbano. Foi a partir de estudos como esses que a “revolucéo quantitativa” chegou a0 Pais, devendo-se aos geégrafos da Fun- dacdo IBGE o papel de divulgadores dessa nova forma de se fazer Geografia no Brasil. Nao 6 de se estranhar que tenha sido no IBGE que tudo tenha comegado. Desde meados da década anterior que essa insti- tuigdo havia sido chamada a participar efeti- vamente do sistema de planejamento na- cional, como fomecedora de bases territo- rials e estatisticas, ja no final da década, toda a regionalizacdo do Pals para fins estatisti- cos havia sido modificada pelo IBGE, com a institucionalizagao da divisdo do Pais em mi- cromregiées homogéneas. A introdugéo do computador no processo de tratamento dos dados obtidos pelo Censo, por sua vez, abriu todo um mundo novo & curiosidade dos gedgrafos, que podiam agora rapida- mente recuperar as informac6es colhidas, @ nas mais variadas escalas (microrregigo, municipio, distrito, setor censitério, etc.). E a esas informages, como era de se esperar, os geégrafos do IBGE tinham acesso privile- giado. Puderam entéo aplicar seus novos conhecimentos quantitativos sobre um mate- tial riquissimo, resultando dai uma série de estudos bastante representativos dessa época, em sua maioria publicados na Re- vista Brasileira de Geografia. Como jf foi dito anteriormente, foi em di- regéo aos estudos interurbanos que os novos “gedgrafos quantitativos’ priorttariamente se deslocaram. Ha entretanto uma pequena produgo intra-urbana dedicada a determi- nagéo de padrées multidimensionais, na qual tem papel pioneiro o estudo realizado por Geiger (1970) sobre as cidades do Nordeste, que objetivou descobrir, via a utiizagao da andlise fatorial, similaridades e diferencas entre os nicleos urbanos dessa regido do Pais. Em estudo imediatamente posterior, Almeida e Lima (1971) fizeram 0 mesmo com respeito as Areas Metropolitanas de Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre, isto 6, a partir da utilizagéo de uma gama com- plexa de variaveis, pretenderam determinar 0s padres agregados (fatoriais) da sua dis- tribuigdo. J4 Almeida e Ribeiro (1974) privile- giaram a andlse setorial e, a partir de infor- mag6es obtidas em 152 cidades brasileiras, discutiram aspectos de sua estrutura indus- trial. Finalmente, Davidovich e Lima (1975, 1976) utiizaram 0 mesmo método para de- terminar quais seriam as unidades urbanas de médio porte que transcenderiam & escala municipal, langando a nogo de aglomeragbes urbanas. Foi entretanto fora do IBGE que se pro- duziu 0 trabalho mais completo de andlise multidimensional intra-urbana, no caso 0 es- tudo realizado por Digiécomo (1979) sobre Floriandpolis. Trata-se da chamada “Ecologia Fatorial’, um tipo de trabalho que, baseado no conceito de area social de Shevky e Bell, tendo como unidades de estudo os se- tores censitérios, utiliza-se do poder re- ducionista da andlise fatorial e da andlise de agrupamento para associar os padrdes ur- banos encontrados aos modelos oriundos da Escola de Ecologia Humana, em especial aquele desenvolvido por Burgess (1925). Padtées simples Muito mais numerosos do que os estudos que tentaram abarcar varias dimensoes do urbano foram os trabalhos que singu- larizaram uma delas, estudando-a a fundo. Em geral esses estudos remetem o leitor a uma base teérica hibrida, na qual se mes- clam os processos ditos ecolégicos com as determinagdes microeconémicas neoclassi- cas. Entretanto, apesar dessa preocupacao de ordem conceitual, raramente a ligacéo entre teoria e realidade se efetiva, resul- tando daf uma série de pesquisas bastante ricas em termos empiricos, mas deficientes quanto as generalizages a que, pretensamen- te, queriam chegar. Para fins de andlise, e a partir do tipo de padrao que foi privilegiado, esses estudos podem ser reunidos em trés grandes conjuntos: locacional, socioe- conémico e de interagao. Padrées locacionais Os estudos chamados locacionals podem ser classificados em dois grupos. Em primeiro lugar esto as pesquisas que objetivaram deter- minar padrdes de localizagao das mais diversas atividades urbanas. Em segundo esto os es- tudos que privilegiaram a temdtica do uso do solo, isto 6, que pretenderam identificar os con- juntos de atividades que definem cada porgdo do espago intra-urbano. Dentre os estudos locacionais que privile- giaram a determinagdo de padres de distri buigdo de atividades, merecem destaque aque- les realizados por Mold (1975), por Ribeiro (1982a, 1982c) e por Ribeiro e Almeida (1980) sobre padrées de localizagao industrial nas Areas Metropolitanas de Porto Alegre, Salvador @ Recife, respectivamente; 0 estudo realizado por Miranda (1977) sobre padrdes residen- Ciais na periferia rica da cidade do Rio de Ja- neiro; 0 trabalho de Villaga (1979) sobre a estru- tura residencial e comercial da “metrépole sul-brasileira’; e as dissertagdes de mes- trado de Souza (1978) e de Erthal (1980), sobre a implantagéo de escolas profissionali- zantes em Nova Iguacu e sobre a organi- zacao espacial das atividades terciarias em Niteréi, respectivamente. © outro tipo de estudo locacional predomi- ante foi aquele que privilegiou a andlise, no do padrao de distribuigéo espacial de um setor de atividade, mas da forma como as diversas atividades se entrelagam no espaco da cidade, dando origem a usos do solo urbano diferenciados em cada uma de suas partes. Neste caso podemos distinguir dois tipos de estudo. Em primeiro lugar esto os trabalhos que objetivaram analisar © padr&o morfolégico geral da cidade, isto 6, que trataram da cidade como um todo e que pretenderam, a partir dal, aferir o grau de adequacdo do padrao encontrado as expec- tativas emanadas de diversos modelos nor- mativos (modelo conc&ntrico de Burgess, modelo setorial de Hoyt, modelo neoclassico do gradiente decrescente de densidades ur- banas, etc.). Esto aqui, por exemplo, os trabalhos de Copstein (1977, 1978) sobre a estrutura urbana de Porto Alegre. Em segundo lugar, por sua vez, esto as pesquisas que privilegiaram o estudo de de- terminadas parcelas do espago urbano, mere- cendo destaque aqui os trabalhos que objeti- varam testar a validade das teorias ecolégi- cas para a explicagdo da estrutura espacial de diversos bairros cariocas (Brito, 1975; Cas- tro, 1975; Lacorte, 1975; Lacorte e Sant’Anna, 1974; Sant’Anna, 1975; Soares, 1975; Vieira, 1975) e os estudos que se dedicaram a carac- terizagdo e delimitagao das areas centrais de diversas cidades, como 6 0 caso do trabalho de Liberato (1972) sobre Rio Claro, de Re- zende sobre Lorena e de Costa sobre Santa Maria. Mengo especial merece ser dada, porém, ao estudo de Helena K. Cordeiro so- bre o centro da metrépole paulistana, muito mais abrangente que os demais e que resul- meras publicagbes (Cordeiro, 1978; 1979; 1980; 1984). Padrées socioeconémicos Os trabalhos que se dedicaram ao estudo de padrdes socioeconémicos sao também numerosos e foram viabillzados, em grande parte, pela abundancia e qualidade dos dados fornecidos pelo Recenseamento de 1970 e por outras fontes de coleta oficiais posterior- mente criadas (ENDEF, PNAD, etc.). Em geral estes estudos partem de uma base te6rica neoclassica e explicam, via mecanis- mos e determinagdes de mercado, os mais diversos atributos @ caracteristicas das popu- lagdes urbanas. Merecem destaque, em primeiro lugar, os trabalhos que se dedicaram a andlise da po- breza urbana, geralmente referenciada a pa- drées de salario e de acesso a bens publi- cos e privados (Pinto et al., 1978; Araujo, 1979; Almeida, 1980; Santos, 1981; Soares et al., 1984). Também importantes, nessa fase, foram os estudos que pretenderam di- ferenciar a populagao urbana entre naturais e migrantes, destacando também, neste titimo grupo, os migrantes recentes daqueles que iA vinham chegado & cidade h4 mais tempo (Paviani e Barbosa, 1973; Becker e Oliveira, 1975 e 1976; Vianna, 1976). Embora mais recentes, também se inscrevem neste grupo 0s estudos de Acdcio (1983), sobre a absorgao de m&o-de-obra migrante ¢ natural nos bair- tos periféricos de Juiz de Fora; de Augusto (1983), sobre moradias e moradores na estru- tura urbana de Rio Claro (SP); de Massena (1986), sobre a distribuigao da’ criminalidade violenta na Regio Metropolitana do Rio de Janeiro; e de Vasconcelos (1987), sobre 0 trabalho informal nas metrépoles brasileiras. Padrées de interagdo Finalmente, h4 que se mencionar os es- tudos que, embora tratando também da dis- tribuigéo de varidveis de estoque, concen- traram maior atengao nas varidveis de fluxo, de interag&o. Est&o neste caso 0 trabalho de Danelli (1979) sobre a mobilidade espacial da populagao na Grande S40 Paulo e o es- tudo de Paviani e Barbosa (1974) sobre movimentos pendulares no Distrito Federal. Relacionando padrées e processos Conforme acabou de ser visto, a maior parte da produgdo geografica neopositivista sobre a cidade tratou principalmente da identifi cago de padrées urbanos (locacionais, so- cioeconémicos e de interagao). Alguns pou- cos estudos, entretanto, foram além.disso, & tentaram - ainda que timidamente - avangar na teoria. Testando hipéteses, calibrando mode- los, introduzindo a acéo de agentes mode- ladores especificos dos contextos urbanos subdesenvolvidos e/ou dindmicas proprias do caso brasileiro, esses trabalhos foram aque- les que, a nosso ver, mais se aproximaram do modo neopositivista de pensar. Geralmente estruturados a partir de matrizes tedricas ecolégicas e/ou neocldssicas, estes estudos privilegiaram principalmente 0 lado proces- sual da andlise, cabendo ao estudo de padrées apenas a fungao de comprovagao (ou no) dos parémetros normativos esperados. A temética da mobilidade & um trago 00- mum a praticamente todos os trabalhos in- cluidos neste grupo. Abreu (1976), por exem- plo, apoiado firmamente na teoria econémica neocléssica, anallsou a relagdo existente entre a estrutura de emprego da Grande Sao Paulo e do Grande Rio de Janeiro e os padrées de mobilidade ocupacional da forga de trabalho migrante @ ndo-migrante, e concluiu que os caminhos de mobilidade entre os setores in- formal e formal da economia se diferenciam nao apenas entre ambas as éreas, como também entre cada nucleo central e sua res- pectiva periferia e, finalmente, entre naturais, migrantes recentes e migrantes antigos. Corréa (1976), por sua vez, baseando-se na teoria ecolégica, contestou a hipdtese de que a area degradada periférica ao centro seria 0 foco principal de localizagao do mi- grante recém-chegado ao Rio de Janeiro, hipétese que também no se confirmou ple- namente com relagao as favelas, conforme demonstraram Bezerra e Cruz (1982). A questo da mobilidade intra-urbana tam- bém atraiu a atengao dos geégrafos. A partir de um referencial em que associa bases te6r- cas da Geografia Tradicional e da Geografia Neopositivista, Guidugli (1979), por exemplo, analisou as caracteristicas da populag&o ur- bana de Marilia (SP), destacando os seus pa- droes de movimento pendular (casaftrabaiho) e de mobilidade residencial. Mello (1981), por sua vez, utilizou-se do referencial ecolégico para comprovar a existéncia, na zona sul catioca da década de 70, de processos de se- yegagao e invasdo-sucessdo. Finalmente, Almeida (1982) associou padrdes de mobili- dade e de estruturacao urbana a atuagdo re- cente das empresas de incorporagao imo- biliéria no Rio de Janeiro, apontando tendén- cias espaciais vigentes e alternativas futuras. Houve afinal uma “revolugao neopositivista” na geografia urbana brasileira? Em sua fase de transigéo de um posi- cionamento liberal para um posicionamento marxista, David Harvey escreveu um artigo que é hoje um cléssico da Geografia Urbana (Harvey, 1973). Nesse artigo, ele pregava a necessidade de se fazer uma revolugéo no pensamento neopositivista (do qual era um dos expoentes) @ apresentava as fundamen- tages que sustentavam o seu argumento. Para Harvey, o paradigma neoposttivista estava, aquela época (inicio dos anos 70), pronto para ser superado. E isto devia-se a sua incapacidade de dar resposta, de explicar as transformagdes que ento afetavam a so- ciedade. Com efeito, apesar do enorme estorco ‘empreendido a nivel te6rico e metodolégico, a Geografia Neopositivista mostrava-se incapaz de dizer qualquer coisa relevante sobre essas transformagbes. Dizia ele: “Hé um problema ecolégico, um problema urbano, um problema de comércio inter- nacional e, néo obstante, parecemos in- capazes de dizer qualquer coisa de fundo ou profundidade sobre qualquer um deles. E quando realmente dizemos alguma coisa, ela parece trivial, ou mesmo ridicula”. E por que isto ocorria? Porque as teorias modelos desenvoividos pelos geégrafos neopositivistas, por serem normativas, nio tinham qualquer compromisso com a expli- cago da realidade. Em outras palavras, os esforgos tebricos empreendidos pelos gedgra- fos ditos “revoluciondrios”, necessarios para que se pudesse superar o paradigma excep- cionalista anterior, néo objetivavam explicar a realidade, mas indicar, a partir da dedugdo, 0 quanto o “mundo real’ estava distante de uma situacdo ideal que - esta sim - era es- tudada em detalhe e teorizada’®. Dai, nao podiam mesmo dar uma resposta concreta as crises que afetavam o mundo aquela 6poca. Enfim, 0 que Harvey criticava era a falta de pragmatismo de uma Geografia que, entre nds, acabou ficando conhecida como “Geografia Pragmatica” (Moraes, 1983). As. consideragSes levantadas _acima server de boa introdugo afirmag&o que desejamos fazer de que, embora tenha havido uma transtormacao sensivel na Geo- grafia Urbana (e humana) Brasileira a partir de 1970, nao houve por aqui uma “revolugdo neopositivista’ conforme ocorreu, por exem- 1 signtfcatvo citar, neste sentido, que a questo central do trabalho de LOsch, autor que tanto inuenciou 0s ge6grafos neopositis- tas, ora: Serd que @ reaidade 6 racional? (Leech, 1954, p. 263). plo, nos EUA. E isto deveu-se principalmente a0 fato de que, aqui, ndo se saguiu a regra maxima do neopositivismo, qual seja, a de que o avango da Ciéncia se realiza apenas a partir do raciocinio, de conceitos hipotéti- cos, de axiomas no a partir da observacao. Em outras palavras, embora o discurso neopositivista tenha sido importado, nem o seu objetivo (teorizar), nem o seu método caracteristico (0 dedutivo) foram adotados plenamente pelos gedgrafos brasileiros, re- suitando dai um movimento de transfor- macao incompleto, mistura de novo e antigo; enfim, um movimento que trouxe con- tribuigoes & Geografia Nacional mas que, por falta de consisténcia tedrica, n&o con- seguiu se impor diante dos ataques que re- cebeu no final da década de 70. Embora no tenha desaparecido (ao contrario, pode- se dizer mesmo que se fortaleceu), a Geo- grafia Humana/Urbana “Quantitativa” repre- senta hoje uma tendéncia francamente mi- noritéria no cenario nacional. © que foi afinal esse movimento quantita- tivo no Brasil? Para entendé-io bem, 6 ne- cessdrio que discutamos primeiro 0 que ele no fol. SO a partir dai 6 que poderemos, en- t4o, avaliar a sua produgéo. Em primeiro lugar, conforme ja indicado acima, ele nao foi um movimento teorizador. Com efeito, todo o esforgo realizado no ex- terior para desenvolver uma “geometria do espaco", para descobrir “leis espaciais", para determinar relag6es entre varidveis e entre Areas num espaco tebrico, topolbgico, criado a partir da l6gica formal (como, por exemplo, a planicie isotrépica), ndo teve por aqui qua quer seguidor. Ao contrario, o mais comum foi a introdugdo da linguagem matemdtica em pacotes estatisticos fechados, que serviam para “testar” o grau de adequacéo da reali- dade brasileira a teorias também importadas, visando-se com isso, muitas vezes, oferecer “subsidios ao planejamento”. No 6 0 caso de se criticar aqui a impor- taco de teorias e modelos e nem de ser contrério a que a Geografia ofereca con- tribuigdes ao planejamento. O que pretende- mos demonstrar é que, na busca de um pragmatismo rapido, acabou-se por nao fazer aquilo que se dizia estar fazendo e, na Ansia de oferecer subsidios ao plane- jamento, acabou-se também por nao perce- ber que, apesar da nova roupagem (e com as excegées j4 apontadas acima), a pes- quisa geografica pouco havia mudado de con- tetido quando comparada com aquela que ja vinha sendo realizada na fase “radicional”. Explicitando melhor, a utilizag&o de teori- zag6es de base dedutiva deveria ser prece- dida de um mfnimo de esforgo (ou dominio) na estera da deducdo, @ isto no foi o que ocor- reu na Geografia Brasilia aquela época. Ao contrério, os ge6grafos muitas vezes desco- nheciam o real funcionamento das bases te6- ricas que diziam utilizar, resultando daf, por exemplo, a pratica comum de se trabalhar no espago geografico com conceitos e teore- mas que se aplicavam apenas ao espago topolégico, e sem que as regras de transfor- mag&o de um espago ao outro fossem ex- plicitadas. Este procedimento, é bom que se diga, nao foi caracteristico apenas da Geo- grafia Brasileira nesse periodo, tendo afetado também uma série de estudos realizados em todo o mundo sobre tematicas entéo em moda_ como, ‘por exemplo, a dos pélos de cres- cimento. A contradigéo apontada acima deve-se acrescentar outra, qual seja, a de que a opgao pelo método indutivo (pelo caminho que tem na observac&o 0 seu ponto de partida) con- tinuou a ter a preferéncia dos geégrafos, sem no entanto levar ao estabelecimento, tal qual na Geografia Tradicional, de qualquer lei ou generalizacdo. Em outras palavras, im- portou-se um novo discurso mas, na maioria das vezes, continuou-se a trabalhar essen- cialmente da mesma maneira como se fazia antes, Para substanciar 0 que foi afirmado, basta notar que 0 trabalho “quantitativo" tipico dedi- cou-se, como vimos, basicamente a determi- nagdo de padrdes espaciais, objetivo que jd era caracteristico da Geografia Tradicional. A.diferenga 6 que, agora, nao mais se chegava a eles por intermédio da superposicaio de ma- pas. Técnicas de agrupamento acopladas & andlise fatorial poderiam ser utiizadas, tor- nando possivel 0 que seria inimaginavel an- tes; trabalhar com um imenso némero de va- riaveis. Ademais, os progressos da cibemética também deram a sua contribuigao, facii- tando ainda mais o manuseio de tantas in- formagées. Em outras palavras, embora os geégrafos falassem agora de factor loadings, de factor scores, de superticies de tendéncia, de clus- ters, @ embora relacionassem suas pes- quisas a indmeras teorias, a esséncia de seu trabalho pouco havia mudado, fato que jd era comentado por Abreu (1978a, 1978b) na reuniéo da AGB de Fortaleza, palco maximo do ataque empreendido @ chamada “Geografia Quantitativa” no Brasil. Quer isso dizer, entéo, que nao passou de perda de tempo, de esforco init, toda a produgéo geogratica empreendida nesse periodo? Ou ser que deveremos tomar uma postura ni- ilista, e descartar toda e qualquer con- tribuigéo advinda dessa época, “posto que estava intrinsecamente comprometida com a dominago burguesa"? Acontribuigao da “geografia quantitativa” Conforme explictado acima, a chegada da quantificagao & Geografia Brasileira teve al- guns pontos de contato com 0 que ocorreu, Por exemplo, nos EUA, diferindo entretanto do process norte-americano (comentado por Harvey) em dois pontos fundamentais: a) 0 débil - ou inexistente - esforgo de teo- rizagao realizado pelos ‘neopositivistas” bra- sileiros até 0 momento em que se deu a critica a esse movimento, @ que explica, por exem- plo, por que nos EUA a critica a0 neoposit- vismo deu-se no seu proprio interior, isto 6, fol formulada pelos seus préprios tedricos (Harvey e Bunge, por exemplo), enquanto que, No Brasil, ela originou-se externamente; & b) a estreita ligacdo que a “Geografia Quanti- tativa’ teve aqui com o sistema de planeja- mento estatal e, mais do que isso, com o plane- jamento de um Estado autortério. Com efeito, ligada intrinsecamente ao “sistema” (com’as excegbes de praxe), ndo 6 de se espantar que, com a crise do modelo econémico do regime militar (@ com a poste- rior crise do modelo politico e do préprio sis- tema de planejamento), a “Geografia Quanti- tativa” entrasse também em crise. A esta crise somaram-se outras - evidenciadas nas contestagdes as estruturas de poder entéo existentes nas universidades, na AGB, nos comités que controlavam as verbas para Pesquisa, etc. - tudo isso resultando num vigoroso e muttifacetado ataque a “quantita- tiva” @ as instituicBes e individuos que a ela estavam mais ligados, que foram entao iden- tificados com o préprio diabo. A distancia dos acontecimentos, que 0 passar do tempo sempre torna possivel, per- mite que analisemos hoje, de forma mais cuidadosa, a produg4o geografica entéo em- preendida sobre a cidade naquele perfodo, levando-nos a concluir que, apesar de suas deficiéncias @ de seus impasses, 0 saldo que restou foi positive. Esta concluséo se apéia em trés grandes argumentos, que so agora apresentados. Em primeiro lugar, foi a partir da “quantita- tiva’ que a Geografia Brasileira passou a se preocupar mais seriamente com teoria & método, fundamentando suas conclusdes, de um lado, em teorias e modelos e, de ou- tro, em observagdes cuidadosamente cole- tadas e analisadas. Ao abandonar a pratica empirista anterior, seu caréter positivista fi- cou, pelo menos, mais explicito e também mais sélido. Em segundo lugar, foi com a “quantitativa” que a Geografia se definiu pela primeira vez como Ciéncia Social, abandonando o natu- ralismo que até entéo Ihe era caracteristico. Uma ciéncia social burguesa, como diriam mais tarde os seus criticos, mas indubitavel- mente social. Finalmente, néo se pode negar que, se i- versos modelos ou teorizagées neopositivis- tas, por seu cardter linear e determinista, di- ficilmente podem ser incorporados as ma- trizes teéricas criticas predominantes hoje na Geografia Brasileira, um bom numero de conceitos e/ou bases tedricas dessa corrente ientifica pode (e deve) ser retrabalhado criti camente. Passado é 0 tempo (esperamos) em que se associava a construgao teérica na Geografia com 0 no reconhecimento, ou mesmo repidio, de contribuigbes anteriores. A CAMINHO DE UMA GEOGRAFIA RENOVADA ‘A maior dificuldade que se apresenta a este trabalho 6, sem divida, a de tentar en- caixar, em escaninhos claramente identii- cados, a producdo que os geégrafos brasileiros realizaram sobre a cidade. Ao tentar fazer isto, estamos certamente correndo 0 isco de cometer enganos ou de, pelo menos, estarmos sendo imprecisos. Isto porque os recortes epistemolégicos néo s&o absolutos, isto 6, nem toda produgdo intelectual se en- caixa precisamenite num Gnico tipo de orien- taco tedrico-metodolégica. Ademais, esta dificuldade tende a aumentar em periodos de crise, de transi¢&o, como foi por exemplo a década de 70. Foi argumentado anteriormente que a Geografia Tradicional jd apresentava, na dé- cada de 60, sinais evidentes de mudanga. In- fluenciada por autores‘como Pierre George, gradualmente ela vinha se distanciando do naturalismo e funcionalismo exacerbados das fases anteriores, passando a dar maior én- fase as questées e processos sociais. Por sua vez, 0 neopositivismo, logo apés a sua chegada ao Brasil, comecou a ser criticado por varios de seus préprios teéricos, fato que injetou, sem divida um certo teor de in- quietagéo em grande parte daqueles que vinham sendo atraidos por suas propostas. Com efeito, a questo da “relevancia social’, levantada por Harvey e outros, abalou pro- fundamente a crenga no poder magico da “ciéncia’, fazendo com que varios geégrafos passassem a pensar de forma mais critica, n&o apenas a nova proposta que se apr sentava, como também a prépria Geografia Tradicional, que j& mostrava sinais de mu- danga mas que ainda nao era capaz de dis guir claramente os roteiros que se abriam ao seu futuro desenvolvimento. Finalmente, 0 esgotamento do regime politico entao vigente, que ja se fazia sentir, propiciou uma maior liberdade de pensamento e de ex- press, tornando possivel néo apenas um maior confronio de idéias. como também a abertura a propostas cientificas (e pollticas) até entao combatidas ¢ proibidas pelas forgas de repressao. Tudo isto serve para veicular a afirmagao de que, na década de 70, a Geografia Brasileira viveu uma fase de grande abertura &s mais variadas correntes de pensamento, resultando desse periodo uma série de tra- balhos que refletem esse momento. Alguns deles j4 foram discutidos aqui, e se foram referenciados aos escaninhos discutidos an- teriormente 6 porque, embora abertos a no- vas influéncias, apresentaram uma matriz epistemolégica nitidamente predominante. Outros trabalhos, entretanto, nao se identifi- cam to precisamente com a Geografia Tradicional ou com a Geografia Neoposi- tivista, refletindo pois, com maior clareza, este momento de transigao. Para entendé- los melhor é importante que tenhamos uma compreensao mais adequada no que foi esse momento de transig&0, j4 que ele afe- tou nao apenas a Geografia, mas todo o con- junto de disciplinas que estudam as cidades. Os movimentos sociais da década de 60 e.seus impactos Nao ha divida de que o final da década de 60 representa um marco temporal imp tante na hist6ria do pensamento sobre as dades. E isto deve-se muito mais a sua inca- pacidade de dar conta das transformagées que ai vinham tendo lugar a essa época, do que as suas qualidades preditivas e/ou expli- cativas. De fato, num mundo que estava sendo questionado a partir das mais diver- sas dimensées (surgimento do movimento ecolégico, do movimento feminista, de movimentos de emancipagao de minorias, de movimentos de afirmagéo da cidadania, de movimentos reivindicatérios dos mais di- versos tipos, etc.), e que tinha nas cidades 0 seu ponto maior de ebuligao, a “questéo so- cial’, amplamente definida, nao apenas se projetou na ordem do dia como acabou as- sumindo foros de verdadeira “questéo ur- bana’. E foi neste momento que as estru- turas tedricas entéo vigentes comegaram a entrar em crise. Com efeito, as brutais transformagdes que afetaram nessa época as estruturas s0- ciais do mundo capitalista (¢ especialmente as suas cidades) puseram a nu a fragilidade das concepgées tedricas que as susten- tavam e exigiram, por conseguinte, um novo @ redobrado esforgo de compreensao. Havia que repensar essas transformagdes que estavam ocorrendo. Havia também que re- pensar as cidades, e foi em direcdo a esses objetivos que diversos pensadores sociais decidiram investir seu tempo. Como resultado desse esforgo, comegaram a surgir, a partir do infcio da década de 70, novas preposig6es tedricas sobre as cidades, destacando-se dentre elas, por seu poder persuasivo, duas grandes contribuigses. A primeira 6 resultado de uma critica interna da teoria econémica neoclassica, e pode ser chamada de proposicao explicativa neolibe- ral. Sua mensagem principal resume-se na afirmagao de que, devido ao desenvolvimento de diversas estruturas monopoliticas nas ci- dades capitalistas do mundo contemporéneo, as condig6es viabilizadoras do aparecimento da mao invisfvel, isto 6, do mercado, néo mais se coneretizam de forma espontanea. Con- seqiientemente, o mercado privado deixa de funcionar corretamente, isto é, ha falha de mercado (market failure). E & por causa disso que aparecem os mecanismos perver- sos de distribuicao de recursos nas areas urbanas, que s&0 os detonadores n&o ape- nas de injustigas sociais intra-urbanas, como também dos mais diversos movimen- tos contestat6rios. Como solugao para esse impasse, esta escola sugere uma maior pre- senga do Estado na Economia Urbana, ca- bendo a ele a tarefa de garantir o funciona- mento do mercado (via regulagao) e de vi- abilizar 0 funcionamento de mecanismos de distribuiggo de renda, quando isto for ne- cessatio. No que diz respeito a Geografi David Harvey (com as proposicGes liberais contidas no seu classico A Justica Social e a Cidade, de 1973) foi o grande arauto desta escola. A segunda grande contribuigéo tedrica emanada desta fase foi, sem divida, aquela proveniente do pensamento marxista, mais pre- cisamente do pensamento marxista francés pés-1968. E hoje um fato reconhecido por todos que os acontecimentos de Maio de 1968 na Franca pegaram de surpresa néo apenas o status guo gaulista/liberal, mas também os partidos de esquerda, e em es- pecial o Partido Comunista Francés. Com efeito, 0 maior paradoxo que as revoltas ur- banas de 1968 colocaram para a reflexéo dos pensadores marxistas foi o da incapaci- dade das teorias entao vigentes de prever, ‘ou mesmo de explicar, 0 que realmente havia acontecido. Tal qual ocorreu com 0 pen- samento liberal, era mais do que necessério repensar teoricamente as cidades, e a essa tarefa dedicaram-se intelectuais das mais di- versas filiagdes de esquerda, destacando-se ai Manuel Castells e Jean Lojkine. Seus tra- balhos, publicados ao longo da década de 70 (Castells, 1972; Lojkine, 1977), tiveram um profundo impacto no desenvolvimento da pesquisa urbana, tanto no Primeiro Mundo (que foi 0 principal objeto de suas investi- gagées), como no Brasil. APRODUGAO GEOGRAFICA ATUAL Tal qual ocorreu nas demais disciplinas, a crise que se abateu sobre o conhecimento existente sobre a cidade na década de 70 também atingiu a Geografia. Entretanto, devido a auséncia de um pensamento tedrico bem estruturado sobre as cidades nessa disciplina, ela af se manifestou -principal- mente a nivel do temério de pesquisa, que viu surgir a partir de entéo um novo tipo de trabalho, que objetivava identificar no ape- nas os mecanismos perversos que estavam em funcionamento no sistema social, mas também as diversas dimensOes através das quais eles poderiam se expressar no espaco. Era preciso apontar infratores, de- nunciar injustigas sociais, falar enfim daquilo que, ao contrario do que pregara Monbeig, o geégrafo nao apenas sabia como precisava saber ainda mais. Era preciso ver, afinal, 0 que se escondia atrés da paisagem visivel da Geografia Tradicional, sem entretanto fazé-lo com o auxilio dos éculos da Geo- grafia Neopositivista, ja que estes distorciam 9 objeto observado ao tentar explicé-lo a partir de um referencial que, ou negava o conflito, ou o reduzia a mero estado de de- sequilibrio do sistema. Surge assim uma “Geografia de Denin- cia", uma Geografia que, embora nao rom- pendo com os procedimentos de andilise da Geografia Tracicional ou da Geografia Néopos!- tivista, alterou substancialmente o seu con- tetido (Moraes, 1980). E esta alteracdo se realizou sobretudo a partir de uma crescents vinculagao dos estudos de padrao, to a gosto dos gedgratos, a referenciais proces- suais maiores. Relacionar processo social @ forma espacial, eis, agora, a palavra de ordem desta Geografia que se renovava. Na busca desse relacionamento entre pro- cess0 ¢ forma, os geégrafos apelaram entio para as duas correntes que haviam entrado ‘em cena a partir da crise do inicio dos anos 70. A critica neoliberal, por exempio, orien- tou uma série de estudos que objetivaram no apenas denunciar as mais variadas in- justigas urbanas, como colocar em xeque al- gumas concepgies basicas das teorias do laissez-faire. Por sua vez, a vinculago do estudo geogréfico com o referencial tebrico vindo do materialismo histbrico também teve inicio nesta época, no bojo do processo de implantagdo da Geografia Critica no Brasil, e levou a uma transformagao radical do pro- cesso de produgdo de conhecimento sobre a cidade. A influéncia neoliberal A critica interna felta por Harvey (1973) ao neopositivismo, de base liberal e j4 comentada anteriormente, teve um papel fundamental No redirecionamento da pesquisa urbana em Geografia. Com efeito, foi tao grande a sua importancia que ela conseguiu inclusive so- breviver & sua propria critica (realizada pos- teriormente pelo mesmo Harvey ao abracar © materialismo histérico e dialético), e con- tinua a orientar hoje uma grande quantidade de estudos urbanos, tanto no Brasil como no exterior. A caracteristica principal dessa critica 6 a rejeigao que ela faz a uma série de pressu- postos embutidos nas teorias econdmicas neoclassicas como, por exemplo, o do acesso generalizado informagéo (qualquer que seja ela), o da homogeneidade de preterén- clas e de comportamentos e, principalmente, 0 da neutralidade do Estado. Ao ser incorpo- rada ao trabalho geogrdfico, esta critica tem dado origem a indmeros estudos que se pro- pOem a questionar frontalmente esses pres- supostos, especialmente o Ultimo, sem en- ‘tretanto romper totalmente com o pensamento liberal. A produg&io geogréfica realizada até agora tem-se revelado bastante rica, com os gedgrafos apontando suas baterias neoli- berais em diregd aos mais variados alvos. A temética metropoiitana, por exemplo, mereceu grande atencdo, ressaltando-se aqui as andlises que enfocaram 0 processo de crescimento acelerado das periferias ur- banas realizadas por Abreu (1982a), por Be- zerra et al. (1983), por Ferreira (1985 e 1987) @, principalmente, por Paviani (1980a, 1980b, 1982, 19842, 1984b, 1984c, 1986/87, 1987a, 1987b, 1989a, 1989b, 1989c, 1989d, 1989e; Paviani e Barbosa, 1974). Segundo esta perspectiva tedrica, 0 crescimento rapido das metr6poles - e os problemas dele decor- rentes - seriam explicados, de um lado, por fatores estruturais (como, por exemplo, a necessidade de polarizacéo espacial que 6 inerente ao capitalismo e que se expressa na concentragao das atividades produtivas em apenas algumas porgdes do territério, que se tornam, assim, focos de atragao populacional) e, de outro, por fatores ligados diretamente a apropriagao da renda da terra urbana, seja por agentes privados ou pelo Estado. Neste sentido, 0 crescimento acele- rado de um cinturao de pobreza na periferia das grandes cidades estaria associado ao elevado prego que 0 solo urbano atinge nas reas mais centrals (que se tornam assim inacessiveis as populagdes mais pobres); A auséncia de uma politica severa de controle do solo urbano (que faz com que as cidades cresgam em fungao dos interesses de maxi- mizagéo de lucro dos agentes privados, ¢ n&o a partir do interesse coletivo); a natureza regressiva da aplicaco, pelo Estado, dos re- cursos obtidos através do sistema tributério (que se direcionam preferencialmente as 4reas mais centrais, reforgando assim o padrao cen- tro-periferia jé existente e, conseqientemente, a marginalizacdo social das camadas mais po- bres), etc. © papel exercido pelo Estado no proces- .s0 de estruturacdo intema das cidades tam- bém foi objeto de grande discusséo, dis-tin- guindo-se af trabalhos que trataram esse papel de forma agregada e outros que privi- legiaram a andlise de atuagdes especiticas do Estado. No primeiro caso esto, por exem- plo, os estudos realizados por Abreu (1978a: 1981; 1982b) que, apoiado em conceitos como 08 de bens pilblicos, de extemalidades e de grupos de press%o, denunciou o caréter in- justo das politicas levadas a cabo pelo Estado, sempre favoréveis aos interesses dos mais ricos ¢ poderosos. Esse cardter discriminatério das politicas plblicas tam- bém foi amplamente documentado por esse autor, a partir do estudo de caso da cidade do Rio de Janeiro (Abreu, 1980; 1987a; 1987b). Mold (1978; 1982), por sua vez, também chamou a atengdo para esta tematica, indi- cando haver uma relagéo direta entre a pres- so exercida sobre o Estado pelos grupos de interesse mais poderosos da cidade e o con- teido das politicas pUblicas por ele adotadas. Quanto aos trabalhos que privilegiaram a tematica setorial de atuagéo do Estado, merecem destaque os estudos que se dedi- caram & andlise dos impactos causados pela poltica habitacional comandada pelo extinto BNH, e que foram desenvolvidos por Lima (1980), por Rodrigues (1980) e, espe- cialmente, por diversos pesquisadores. fi gados & UFRJ (Hijjar, 1979; Corréa, 1980a; Vianna e Santos, 1980; Castro, 1982; Castro e Macedo, 1982; Sant'Anna, 1982a e 1982b; Freire et al., 1982; Vinagre e Sant'Anna, 1982; Olveira e Ramires, 1983/84; Costa, 1984; e Ramires et al., 1984). E importante mencionar aqui, também, os trabalhos que objetivaram demonstrar a falta de equidade existente no acesso das diversas classes sociais urbanas aos mais diversos meios de consumo coletivo, e que foram desenvolvi- dos por Vetter et al. (1979, 1980, 1981); por Carvalho (1980); e por Massena (1983). A visualizago do espago urbano como um campo de forgas também vem carac- terizando a produgéio geografica neoliberal Destacam-se aqui os trabalhos desenvolvi- dos a pattir da matriz conceitual dos “agen- tes modeladores do espaco” (Bahiana, 1978; Neves, 1978) que, ao associar a ci- dade a uma arena na qual esto presentes diversos atores, propéem-se a identificar cada participante do ‘jogo urbano", precisar os seus respectivos objetivos, avaliar suas estratégias e légicas de atuacdo e, final- mente, explicar - a partir do confronto de to- dos esses elementos - 0 padréo espacial re- sultante. Os trabaihos que tém seguido esta 6tica podem ser classificados em dois gran- des grupos. No primeiro estao aqueles que analisam 0 jogo como um todo e trabalham com a atuagao de diversos agentes mode- ladores a0 mesmo tempo, visando com isso a explicar as transformag6es ocorridas na ci- dade como um todo, ou em partes dela. No segundo grupo estdo os trabalhos que dio preferéncia ao estudo das estratégias loca- cionais de determinados agentes, ou as trans- formages ocorridas em areas especfficas da c- dade, @ que enquadram a andlise na temética dos chamados “processos espaciais". ‘So caracteristicos do primeiro grupo, por exemplo, aqueles trabalhos que objetivaram discutir a légica do erescimento urbano recente de diversas cidades brasileiras e que, embora indiquem a existéncia de indmeros participantes no jogo urbane, tém dado des- taque especial a atuaco do Estado como agente provedor de infra-estruturas urbanas. Muito ricos em termos de contetido em- pirico, esses trabalhos apresentam, entre- tanto, grande heterogeneidade quanto ao contetido teérico e, embora discutam temas e/ou realizem andlises semeihantes aqueles da chamada Geografia Critica, certamente no se filam a essa corrente do pensamento. Dentre esses estudos merece destaque, em primeiro lugar, a série de dissertagdes de mestrado defendidas durante a década de 80 sobre 0 processo de expansdo territorial urbana, e que analisaram os casos de So José dos Campos (Andrade, 1980), de Re- cife (Costa, 1981), de Maceié (Lima, 1982), de Aracaju (Ribeiro, 1985), de Palmas - PR (Mendes, 1988) e de Natal (Cunha, 1987 Selva, 1989). Hé que se mencionar também 08 trabalhos desenvoivides na Universidade Estadual do Parana sob a coordenacao de Yoshiya Nakagawara Ferreira, e que objeti- varam identificar os agentes responsavel pela transformacao do uso do solo em Lon- Grina (Nakagawara, Ziober, 1982); Hino @ Manganaro, 1982; Wada, 1988a © 1986b; Hayashi e Kreling, 1986; Ferreira, 1986; Matsumoto e Sanches, 1986; Barreira, 1986 e Ferreira e Hayashi, 1986). Quanto ao segundo grupo de trabalhos, destacamos a presenca das mais variadas tematicas, que t8m sido abordadas nos mais variados graus de profundidade. A prolife- racéo do comércio ambuiante nas cidades brasileiras a partir da década de 80 foi anaii- sada por Pacheco e Azevedo (1982) para 0 caso de Natal, por Erthal (1984) para Niterdi, e por Mendonca et al, (1984) para Goldnia. Seguindo a matriz tebrica dos “dois circuitos da economia urbana’ (Santos, 1979a), esses autores buscaram entender as légicas de lo- calizagdo que orientam este tipo de ativi dade, mas, infelizmente, néo foram muito além disso, deixando de tirar proveito da grande riqueza contida no texto que os inspi- rou. A andlise do processo de descentraii- zagdo de atividades terciérias, por sua vez, deu origem a diversos trabalhos, que cobri- ram um espectro analitico amplo, se esten- dendo desde a andlise do processo de des- centralizacéio do conjunto de atividades cen- trais da metrépole paulistana (Cordeiro, 1982) a caracterizagdo do desenvolvimento comercial de apenas uma via de circulagao no central (Corréa, 1982; Machado, 1982), passando por andlises preliminares das es- tratégias de descentralizagao de grandes ca- deias de lojas comerciais (Kossmann e Ribeiro, 1982; 1989/84; 1984) © de grandes organi- zag6es financeiras (Natal, 1982). A tematica da segregag&o urbana tam- bém tem chamado a atencdo dos gedgrafos. ‘ONeill (1983), por exemplo, apontou a pre- senga nas cidades brasileiras atuais de um processo de dupla entrada, no qual in- tervém, de um lado, as forgas de auto- segregacao que orientam as decisdes loca- cionais de uma elite privilegiada e, de outro, as forgas impostas de segregago, que en- quadram em limites bastante rigidos as opgies que se oferecem as classes sociais dominadas. Também atraidos pela temdtica da auto-segregagdo, Abreu (1983) discutiu 0 processo de crescimento da zona leste de Teresina, enquanto Furianetto et al. (1987) provaram que, mesmo no espago onde, numa escala macro, predominam as forgas impostas de segregag&o (no caso, a Baixada Fluminense), 0 processo de auto-segregagao também esta presente, levando as elites lo- cais a residirem cada vez mais em con- dominios exclusivos. Pompilio (1982), por sua vez, trouxe a balla a questo da segre- gagao étnica, relacionando-a com a diferen- ciagao residencial encontrada em Blumenau. As transformagées verificadas em deter- minadas areas da cidade através do tempo também deram.origem a alguns estudos de folego, que merecem ser destacados. En- quadrados na matriz tedrica dos processos espaciais e tendo como objeto de estudo al- guns bairros da cidade do Rio de Janeiro, esses estudos apresentam o mérito de tra- balharem corretamente (@ ao mesmo tempo) com diversas escalas de andlise (especial- mente com aquelas do particular e do singu- RBG Jar), resultando dai andises bastante ricas esclarecedoras sobre a cristalizagao e resis- téncia de formas espaciais antigas nas proxi- midades da rea central carioca (Rabha, 1984); sobre o conflito entre permanéncia e mudanga no uso do solo do bairo do Jardim Botanico (Santos, 1985); e sobre as mudan- gas drasticas a que se viu sujeito o bairro de Sao Crist6vao, transformado que foi de “ar- rabalde aristocrético a periferia do centro” (Strohaecker, 1989). Finalmente ha que se reservar um lugar especial para comentar aquele trabalho que foi, sem davida alguma, o mais importante dessa fase de incorporacao da critica neo- liberal @ pesquisa geogréfica, e que influen- ciou também uma grande parte da produgaio geografica comentada acima: 0 artigo de Roberto Lobato Corréa sobre os “processos espaciais e a cidade” (Corréa, 1978b). Esse trabalho, que objetivou reenquadrar_teori- camente os modelos emanados da Escola de Ecologia Humana de Chicago, constitui no apenas a tentativa mais elaborada de re- flexo te6rica neoliberal realizada no Brasil sobre 0 espago interno das cidades, como representa também o ponto a partir do qual esse autor vai ingressar em uma nova fase de reflexao critica sobre as cidades brasilei- ras, que sera comentada adiante. A geogratia critica Conforme jé observado anteriormente, a crise que afetou as ciéncias sociais a partir do final da década de 80 levou ao apare- cimento de dois novos referenciais tedricos sobre a cidade. O primeiro se apoiou no que chamamos de critica neoliberal, ou seja, uma critica interna ao (neo)positivismo que, embora tenha afetado bastante o curso da pesquisa geografica nos anos 70 e 80, nao rompeu suas ligagdes com 0 modo (neo)po- sitivista de pensar. O segundo referencia, ao contrario, caracterizou-se exatamente por esse rompimento (ou, pelo menos, pela ten- tativa de rompimento). Como resultado, sur- giu uma nova forma de se fazer geogratia, uma forma que no apenas alterou o temario da produgéo geogréfica, mas que the deu também uma dimensao muito mais ampla e anaiitica. RBG Que nova forma foi essa? Uma forma mais critica, poderiamos dizer, dai a razdo por que passou-se a chamar essa Geografia Nova de “Geografia Critica’. Mas, pergun- tarlamos entao: E a critica neoliberal, tam- bém nao Ihe atribuimos esta mesma quali- dade critica? Embora a resposta a esta per- gunta seja afirmativa, existe entretanto uma diferenca fundamental no significado que este adjetivo assume em cada uma dessas formas de pensar. A critica neoliberal, por exemplo, opera sempre “dentro do sistema’, isto 6, critica a forma mas no o contetido. Em outras palavras, ela nao contesta nem a ordem estabelecida (ao contrario, toma-a como dada), nem aquilo que a Escola (critica) de Frankfurt chama de “teoria tradi- ional", ou seja, aquele tipo de teoria que se caracteriza pela derivagdo logica de seus enunciados, pela objetividade de suas for- mulag6es, pela historicidade de sua andlise e pela exigéncia de comprovagao empirica. A Geografia Critica, por outro lado, tem nas raizes histéricas e nas determinagdes so- ciais a sua maior fonte de inspiracao e de teorizagdo, e na contestagao da ordem esta- belecida o seu leitmotiv. E importante observar que aquilo que hoje conhecemos como Geografia Critica 6 © resultado de um processo de evolugdo que foi, ao mesmo tempo, rapido, tumultuado e construtivo. Rapido porque suas primeiras manifestagdes comecaram apenas na segunda metade da década de 70; tumultuado porque sua implantac&o e desenvolvimento ocorreram associados @ contestagdo (politica e epis- temolégica) do statu quo profissional, isto é, de um establishment geografico longamente estabelecido; construtivo, finalmente, porque 6 através da Geografia Critica que a produgao de conhecimento sobre a cidade (e sobre ou- tras dimensées do espaco geogréfico) vem hoje se realizando de forma mais sélida, em- bora jé seja bastante clara a necessidade de efetuar corregdes de rumo no seu processo atual de desenvolvimento. A preocupacao maior da chamada Geo- grafia Critica 6 a de tornar a Geografia menos descritiva e mais analitica, um objetivo que, como ja vimos, também caracteriza a Geo- grafia Neopositivista. A similaridade entro- tanto termina por al, j4 que tanto o plano tedrico que sustenta cada andlise, como o método que the & correspondente séo pro- fundamente distintos. As Geografias Positivistas (sejam elas neo ou no) partem do pressuposto de que © espago é algo exterior & sociedade, isto 6, assumem que espago e pratica social 40 independentes entre si. Assim definida a re- lagao fundamental da Geografia, 0 corolario que Ihe & complementar define entéo essa disciplina como aquela que analisa os dife- rentes modos através dos quais a sociedade se organiza e se relaciona com esse espago que Ihe é exterior. E a partir destas premis- sas basicas que todas as teorizagées geogrdticas positivistas se estruturam, 0 que no quer dizer que, tendo isso em comum, elas sejam semelhantes em contetido. Ao contrario, dependendo da forma como a categoria espaco é definida, as anélises po- sitivistas poderao ser bastante distintas uma da outra, como dao prova as diferengas marcantes que separam os estudos da Geo- grafia Tradicional, baseados na nocdo kan- tiana de espago absoluto, dos trabalhos da Geografia Neopositivista, baseados na nogao de espago relativo, topolégico. Ao contrario das geografias de base posi- tivista, a Geografia Critica rejeita a autonomia do espaco, isto 6, a sua exterioridade em re- lagéo a sociedade. Para essa corrente de pensamento, o espago geografico nado deve ser concebido como espago (externo) or- ganizado pelo homem, mas sim como pro- duto desse mesmo homem. Em outras palavras, 0 espago 6 materialidade social; ele nao é organizado pela sociedade, como assume 0 positivismo, mas produzido por ela através do trabalho. Decorre daf que 6 0 homem, mais especificamente o homem so- cial, 0 verdadelro sujeito da produgao do ‘espago, razéo pela qual é a partir dele que toda a discussdio geogréfica deve proceder (Carlos, 1987) JA que 6 produto da sociedade, 0 espaco geografico ird refletir, obviamente, tanto a sua estrutura como a sua dindmica, Em outras palavras, como € da sociedade que o espaco geografico recebe a sua forma e 0 seu contetido, a sua compreensdo total sé sera possivel se estiver acoplada & com- preensdo da sociedade. Esta, por sua vez, ‘do é imutdvel. Dai, toda compreenséo que abtenhamos do espago serd sempre e ne- cessarlamente historicamente determinada, isto 6, estara sempre relacionada ao grau de desenvolvimento a que chegaram, nessa so- ciedade, as forcas produtivas, as relagdes de produgo e a cultura. Definida assim esta relagao fundamental, é importante ressaltar finalmente que ela nao incorpora qualquer teor determinista, isto 6, ndo designa qualquer relagdo linear de causa e efeito. Com efeito, se o homem produz 0 espago através do tra- balho social, 0 espago & também condigao de existéncia do préprio homem, fechando- se assim 0 ciclo das mitiplas e interatuan- tes determinacées. Resta dizer que, sendo 0 processo de pro- dugdo do espago um proceso que é ao mes- mo tempo histérico e social, ele néo apenas esta sempre em movimento, como expressa, a cada passo de sua trajetoria, as determi- nag6es socials presentes naquele momento. Em outras palavras, esto nele incorpora- dos, a cada momento, as relagies de classe ento vigentes na sociedade, os confitos de interesses e de objetivos daqueles que a constituem, e os diversos valores que estru- turam a sua cultura. Entender a produgao do espago exige, pois, o entendimento prévio de cada momento de desenvolvimento da sociedade, e é por esta razdo que assumem importancia fundamental, na Geografia Critica, as categorias Modo de Produgéo e Formago Social (Santos, 1977). E por esta tazo também que 86 sera possivel entender a cidade capitalista - e, em especial, a cidade brasileira - se tivermos um minimo de entendi- mento de como se estrutura hoje (ou de como se estruturou no pagsado) esse modo de produg&o no Brasil. E esta, enfim, de forma bastante resumida, a proposta funda- mental da Geografia Urbana Critica. E comum associar-se a introdugéo da Geografia Critica no Brasil aos debates que tiveram lugar no 3° Encontro Nacional de Geégratos, realizado em Fortaleza em 1978. Nao ha como negar que foi naquele forum da Associagéo dos Geégrafos Brasileiros que a proposta de uma "Geografia Nova”, pregada por Milton Santos (Santos, 1978a) e por outros gedgrafos, revelou-se clara- mente vitoriosa. E necess4rio observar en- tretanto que, no que diz respeito aos debates RBG urbanos, o Encontro de Fortaleza constituiu apenas ‘desaguadouro (torrencial) de um processo de renovacdo critica que j4 havia se iniciado dois anos antes em Belo Hori- zonte. Com efeito, foi no Encontro anterior, mais especificamente durante a realizagdo de um simpésio sobre Organizagéo Interna das Cidades, que os primeiros questiona- mentos sérios foram enderegados ao neopo- sitivismo entéo reinante na Geografia Brasi- leira, no bojo de um processo de contestacao teérica e politica do statu quo que jé se ini- ciava, e que também ja chegara (ainda que timidamente) as publicagdes especializadas (Associagao dos Gedgratos Brasileiras/Seocdo Regional de Sao Paulo, 1976a e 1976b; Silva, 1976). Os debates travados em Belo Horizonte ‘ado foram publicados, talvez porque a critica a0 neopositivismo associou-se, como era de se esperar, a uma critica maior, ainda sujeita a censura, @ que tinha como alvo o regime militar ent&o em vigor. Foi um inicio timido, mas que haveria de produzir frutos rapida- mente, desembocando no grande forum de debates que representou a Sessdo Diigida sobre “A Geografia Urbana no Brasil - Uma Avaliagdo”, realizada dois anos depois em Fortaleza sob a coordenagao de Roberto Lo- bato Coréa (Associagao dos Ge6crafos Brasileiros, 1978). Se os debates urbanos tiveram importan- cia nessa fase inicial de implantacao da Geo- grafia Critica no Brasil, hd que se reconhe- cer entretanto que, logo apés Fortaleza, eles ‘entraram numa fase de recesso, conseqaén- cia imediata da prioridade que se passou a dar a reflexdo tedrica mais ampla, de cardter te6rico-epistemolégico, necesséria para a afir- mag&o da nova proposta que surgia. A produgéo resultante desse esforgo teérico foi bastante expressiva, mas nao seré discutida aqui posto que extrapola os objetivos deste trabalho"*, z importante res- saltar, entretanto, que ela foi complemen- tada pelo aparecimento das mais variadas propostas tedrico-politicas, numa demons- tragao clara da compiexidade que caracteri- Z0U essa fase inicial de implantacao da Geo- grafia Critica no Pats. * Um resumo dessa produgo pode sar encontrado em Siva (1989-84).

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