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IBGE Presidente: Isaac Kerstenetzky Diretor-Geral: Eurico de Andrade Neves Borba Diretor-Técnico: Amaro da Costa Monteiro Departamento de Documentagao e Divulgacgao Geografica e Cartografica Chefe: Carlos Goldenberg, Substituto Publicagao trimestral — Assinatura anual 90,00 Numero avulso ou atrasado 25,00 Redagao: Rua Augusto Severo, 8 — 2.° andar — Lapa — 2C-06 20000 Rio.de Janeiro — RJ — Brasil Pede-se permuta — on démande I'échange — we ask for exchange Secretaria de Planejamento da Presidéncia da Republica IBGE — DIRETORIA TECNICA Departamento de Documentagao e Divulgacgao Geografica e Cartografica Boletim Geogrdfico 251 out./dez. de 1976 — ano 34 Diretor responsdvel: Amaro da Costa Monteiro 1 — A DINAMICA DAS GRANDES CIDADES 2 — A GEOMORFOLOGIA NOS ESTUDOS INTEGRADOS DE ORDENA- AO DO MEIO NATURAL 3 — CONCEITOS TEORETICOS E A ANALISE DOS PADROES DE USO DA TERRA AGRICOLA NA GEOGRAFIA 4 — INTERAGAO ENTRE BAIRROS EM SELECIONADOS GRUPOS DE BAIRROS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO 5 — A UTILIZAGAO DO TERMO “HIPOTESE” NA GEOGRAFIA Dee 6 — ESTUDO COMPARATIVO ENTRE VARIAVEIS DA MORFOMETRIA PLANIMETRICA DE PRAIAS DO LITORAL PAULISTA 7 — CLIMATOLOGIA DO BRASIL — 9 ee 8 — INDICIOS DE MUDANGA CLIMATICA CAUSADA POR DESMATA- MENTO — MUNICIPIO DE JUIZ DE FORA — MINAS GERAIS 9 — POSSIBILIDADE DE UMA INTERAGAO OCEANO—ATMOSFERA EM CABO FRIO 10 — BIBLIOGRAFIA 11 — NOTICIARIO O Boletim Geografico nao insere matéria remunerada nem aceita qualquer espécie de publicidade comercial, nao se responsabilizando também pelos conceitos emi- tidos em artigos assinados. 15 63° 82 90 102 139 151 157 163 Boletim Geografico, a.1- nde 1943- Rio de Janeiro, IBGE, 1943. n. ib. 23cm Mensa! do n. 1, 1943 ao 105, 1951. Bimestral do n. 106, 1952 ao 243, 1974. Trimestral do n, 244, 1975 em diante. Do n.1, 1943, ao 198, 1967 — Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica. Conselho Nacional de Geografia; do n. 199, 1967 ao 214, 1970 Fundacao IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia; do n. 215, 1970 a0 233, 1973 — Ministério do Planejamento e Coordenacao Geral. Fundacao IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia; do n. 234, | s 1973 ao 239, 1974 — Ministério do Planejamento e Coordenacao Geral. IBGE; n. 240, 1974 — Secretaria de Planejamento da Presi- déncia da Repiblica, IBGE, Geografia — Periédicos. 1. IBGE | de Janeiro SW kat Bibl. de Geografia 68 E O DD 910.5 | A DINAMICA DAS GRANDES CIDADES A GEOMORFOLOGIA NOS ESTUDOS INTEGRADOS DE ORDENACAO DO MEIO NATURAL CONCEITOS TEORETICOS E A ANALISE DOS PADROES DE USO DA TERRA AGRICOLA NA GEOGRAFIA INTERAGAO ENTRE BAIRROS EM SELECIONADOS GRUPOS DE BAIRROS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO A UTILIZAGAG DO TERMO “HIPOTESE” NA GEOGRAFIA ESTUDO COMPARATIVO ENTRE VARIAVEIS DA MORFOMETRIA PLANIMETRICA DE PRAIAS DO LITORAL PAULISTA CLIMATOLOGIA DO BRASIL — INDICIOS DE MUDANCA CLIMATICA CAUSADA POR DESMATAMENTO — MUNICIPIO DE JUIZ DE FORA — MINAS GERAIS sumario JEAN GOTTMANN JEAN TRICART DAVID W. HARVEY C, ERNESTO S. LINDGREN JAMES L. NEWMAN ANTONIO GONCALVES PIRES NETO ANTONIO CHRISTOFOLETTI ADALBERTO SERRA RUBENS LEITE VIANELLO 82 102 102 138 | Bol. Geogr. | Rio de Janeiro Ano 34 | n° 251 | p. 1-165 | out./dez. | 1976 | POSSIBILIDADE DE UMA INTERACAO OCEANO—ATMOSFERA EM CABO FRIO BIBLIOGRAFIA NOTICIARIO ANAIK VULQUIN Frente de Expansdo e Estrutura Agraria OTAVIO GUILHERME VELHO Geografia Industrial do Nordeste de Santa Catarina GERD KOHLHEPP Revista Geografica Italiana Convénio FAB—IBGE da ao Brasil sua primeira Carta Aeronautica Nivelamento de Precisdo do IBGE na Amazénia Conseqiiéncias Sécio-Econémicas da Implanta- ao da Belém—Brasilia Rodovia Cuiab4—Santarém 32.° Aniversario da FAO 151 157 160 161 163 163 164 164 164 © autor apresenta uma visao geral da dinamica contemporanea das grandes cidades que merecem maiores estudos @ pesquisas de gedgrafos. Houve, aparentemente, ciclos de deslocamento dos fabricantes para dentro e para fora das grandes cidades. Esies ciclos nao interromperam o crescimento urbano, mas afetaram sua forma. 0 dinamismo do grande crescimento urbano no momento é causado, principalmente, pelo desenvolvimento das ocupaces ‘“quaternarias”, Esse desenvolvimento fixa a concentragao urbana em locais selecionados devido ao entrelacamento das atividades que usam pessoal e informagées quaternarias e devido, também, a consegiiéncias tais como © fluxo crescente de pessoas em transito nas grandes cidades e o papel cada vez mais amplo dos rituais coletivos- Como conclusao, um “modelo Alexandrino” de complementagao entre andes cidades é apresentado para ara compreensdo da estrutura da urbanizagao moderna. 0 Professor Jean Gottman é professor de Geografia na Universidade de Oxford. Este artigo foi apresentado em uma reuniao do Instituto dos Geégrafos Britanicos com a Associagao Geogréfica no dia 2/01/1874 e publicado no “The Geographical Journal”, da The Royal Geographical Society de Londres, vol. 140 — parte 2 — junho 1974. A dinamica das grandes cidades A dindmica das grandes cidades é um assunto vasto e, neste artigo, cu gos- taria de chamar a atencio rapidamente para alguns poucos aspectos nos quais trabalhei durante uns 30 anos, mais ou menos, mas que parecem merecer mais estudo e pesquisa, Enquanto eu estiver tratando essencialmente das ci- dades das 4reas bem desenvolvidas, ten- tarei ter em mente as grandes cidades do Terceiro Mundo e seus problemas especificos. JEAN GOTTMANN A LOCALIZAGAO DAS INDUSTRIAS E O CRESCIMENTO URBANO fere-se 4 relagio entre a produgio in- dustrial ¢ a dindmica das grandes ci- dades. Em geral, aceitase o fato de que, desde a’ Revolucio Industrial, a concentracio € 0 crescimento das in- dustrias foram as principais causas da dinimica urbana moderna. Somente nas tiltimas décadas admitiu-se o fato | | as © primeiro ponto a ser abordado re- | | de que as indiistrias estavam saindo das Bol. Geogr. Rio de Janeiro, 34(251): 5-14, out./dez., 1976 L. grandes cidades e, portanto, de suas Tegides centrais, em direcio a perife- tia da aglomeracio, aos suburbios ou, ainda mais além, as pequenas cidades e zonas rurais em vias secunddrias de facil acesso. Nas grandes cidades do Ocidente o deslocamento da produ- cdo industrial para fora desses centros tornou-se uma caracteristica de nossa época, embora no Terceiro Mundo grandes indiistrias ainda se agrupem dentro e em volta de importantes aglo- meragées. Nos paises mais avancados, especialmente nos dois lados do Atlan- tico Norte, especialistas usaram a ter- minologia “cidade pré-industrial”, “in- dustrial” e, agora, “pés-industrial”. Nao estou satisfeito com essa seqiién- cia tripartida da evolugio histérica. A relagio entre a produgio industrial e a dindmica das grandes cidades parece ter seguido, pelo menos no Ocidente e durante o ultimo milénio, um modelo que pode ser caracterizado como ciclico. Os historiadores da ciéncia econdmica mostraram que em Flandres, norte da Italia e outros lugares, as cidades con- centraram a atividade industrial den- tro de seus limites desde o século X até o XII. Essa tendéncia de acumu- Jar offcios e guildas nas regides urba- nas estava quase completamente con- cretizada por volta do século XIII. Do século XIV em diante e até a ultima metade do século XVII houve um des- locamento da atividade industrial para fora das cidades, espalhando a produ- gio de bens pelas povoacées e por to- da zona rural. Essa dispersio é expli- cada pelos historiadores da ciéncia econémica como sendo um resultado do aumento de custo e de regulamenta- Ses causados pela concentracio nas grandes cidades, sob a forte autoridade dos administradores ‘locais, guildas e corporagées (Braudel, 1967). A fuga “extra muros” foi encorajada pela me- lhoria das condicées de seguranca das zonas rurais. Essa desconcentracao niio fez com que as cidades perdessem a sua acio: elas continuaram a dirigir, financiar e administrar a produgio in. dustrial, controlando nos escritérios dos centros urbanos © comércia dos bens produzidos. £ possivel que as cidades tenham mantido, também, uma “fungio incubadora” da nova tecnolo- gia industrial criada pelo Renasci- mento. No século XVIII a Revolugio Indus- trial iniciou um novo ciclo de reagru- pamento das industrias em cidades importantes, antigas e novas, dessa“ vez com grandes fabricas. Em alguns lugares tal reconcentragao ja tinha co- mecado na segunda metade do sé culo XVI, em conseqiiéncia de politi- cas locais como, por exemplo, o esta- belecimento, por Colbert, das indus- trias Reais em Paris e nos seus subur- bios em 1660-1680. O século XX presenciou o fim da ten- déncia de levar a produgio industrial para dentro das cidades e 0 comeco de uma desconcentracio macica, espa- Thando a atividade de producao, ape- sar da amplitude das industrias. Pode- se dizer novamente que a pressiio dos custos cada vez mais altos, congestio- namentos, taxas e regulamentos deter- minaram o movimento para fora das cidades. Entretanto, grande parte desse movimento resultou também da legis- lac&o deliberadamente aprovada e pos- ta em vigor para limitar os efeitos de uma concentracio em larga escala, para ajudar as regides atrasadas ou em crise econdmica ¢ para esclarecer os problemas causados pelo crescimento demasiadamente rapido e macico em muitas das maiores cidades de nossa época. Mais uma vez as grandes cida- des mantiveram o controle geral da economia industrial ¢ a fungdo incuba. dora. O processo, entretanto, foi lento e to- mou diferentes formas nas diversas partes do mundo. Em paises totalmen- te industrializados o deslocamento dos grandes sistemas de produgio exige grandes investimentos e planejamento em alta escala. No Terceiro Mundo a dispersio é limitada pela falta de equi- pamento em quase todo o territério; somente as maiores cidades e suas adja- céncias adquiriram recursos e infra- estrutura suficientes para atender as necessidades das industrias, controlar a producao ¢ abrigar os trabalhadores das grandes unidades modernas de pro- ducio. Num pais vasto e em rapido processo de desenvolvimento como o Brasil, as cidades ainda crescem, princi- palmente pela concentracio da pro- dugao industrial, embora as industrias, quando aglomeradas, tenham mostrado uma tendéncia de deslocamento para a periferia dos maiores sistemas metro- politanos como, por exemplo, em volta de Sio Paulo (Goldenstein, 1972) e Rio de Janeiro’ (Bernardes, 1971 a). Existem, é claro, casos especiais, devido a condi¢ées de localizacio ou extensio do territério. Entre eles o mais im- pressionante é o de Hong Kong, onde a aglomeragao continua extrema ape- sar de uma extraordindria taxa de cres- cimento e um enorme volume de pro- dugio (Dwyer, 1971, 1972). Hong Kong produziu e exportou no fim da década de 60 um quarto de todos os bens de produgio exportados pelos pai- ses em desenvolvimento, embora sua populacao fosse somente de trés mi- Ihdes de habitantes (OECD, 1972). Até mesmo em Hong Kong, novas ci- dades e fdbricas estéo se alastrando pelas dreas suburbanas. Mas a exigiii- dade do territério e sua geografia poli- tica impde a densidade. Torna-se evidente que a relacio entre a produgio industrial e a dindmica das grandes cidades obedece a um ciclo. Sob varios aspectos, a dinamica das grandes cidades do século XX relem- bra alguns mecanismos que impulsio- naram o crescimento dos maiores cen- tros do sul e do oeste da Europa no século XV e até mesmo no século XVI. E interessante notar as forcas es- timulantes do grande crescimento ur- bano na segunda metade do século XX, A medida em que a industria se desloca para fora dos centros. O APARECIMENTO DAS OCUPAGGES QUATERNARIAS A relagio entre a cidade ¢ o sistema | de producio depende da tecnologia ¢ do trabalho necessdrios ao processo in- dustrial. A tecnologia tem miltiplos aspectos, muda rapidamente e tem sido muito estudada. Mas seus instrumen- tos sio manipulados por pessoas e, por- tanto, a evolucio do papel do trabalho humano na produgio de bens é essen- cial & dindmica urbana. No século XX a urbanizagao desen- volveu-se em larga escala através do ré- pido aumento do total da populagio €, mais ainda, porque no havia tanta necessidade de mfo-de-obra para tra- balhar nas fazendas ¢ nas minas cuja localizagio tinha causado grande dis- persio no passado. Chegando as cida- des, a forcadestrabalho passou do ti- po primdrio para o tipo secundario e, também, para o tipo tercidrio de ativi- dade econémica, isto é, 0s servicos. Para calcular o numero de habitantes que seria atraido para determinado lo- cal por uma grande industria manufa- tureira, a técnica de planejamento aprovada foi adicionar ao nvimero de pessoas dessa industria ¢ suas respecti- vas familias um mimero quase equi- valente de pessoas que seriam necess- rias para prestar-lhes servicos. Com a moderna mecanizagio, automatizacio & racionalizagio da produgio industrial, o numero de operarios nas industrias manufatureiras tem aumentado muito pouco ou, até mesmo, diminufdo em alguns casos. O mesmo processo que fez com que as pessoas safssem das fa- zendas e das minas, embora mantendo e expandindo a producao de materiais primérios, comecou a afetar, na me- tade do século XX, a produgio indus- trial, o transporte e a armazenagem Bol. Geogr. Rio de Janeiro, 34(251): 5-14, out./dez., 1976 nos paises mais avancados economica: mente. Nos Estados Unidos o nime- ro de operarios dos estabelecimentos industriais permaneceu praticamente 0 mesmo de 1953 a 1966, enquanto a quantidade e variedade dos bens de producio se expandiram imensamente. O emprego nas industrias manufatu- reiras continua a se expandir nos. Es- tados Unidos e Canada, assim como nos paises da Europa Ocidental. Po- rém, essa expansio é causada pelo au- mento de pessoal nas categorias no produtivas de emprego, isto é, as ca- tegorias que empregam trabalhadores nos setores administrativo, técnico e€ nos escritérios. Em 1972 essa categoria ocupacional compreendia 27% do to- tal de empregos industriais na Gra- Bretanha. Essa percentagem ultrapas- sou os 84% de importantes categorias industriais, tais como substancias qui: micas, produtos derivados do petrdleo e carvio, maquinaria, engenharia meci- nica e elétrica (Escritério Central de Estatistica, 1973). A evolugio atual dos empregos favore- ce uma separacio geografica entre a localizagio dos escritérios e laboratd- rios onde trabalham os empregados de escritério, Em qualquer pafs onde se processa a industrializacao moderna, essa evolugio leva, também, ao rapi- do aumento do-nuimero de empregados de escritério, mais do que do nimero de operdrios, e 4 constante transforma- do de uma grande proporcio de tra- balho no que chamei de ocupacées quaterndrias. Tendo discutido e publi- cado trabalhos, durante uns 13 anos, sobre o papel e desenvolvimento do elemento quternario na_forca-de-tra- balho (Gottmann, 1961; 1966; 1970), nao vou estender 0 assunto, mas quero enfatizar os efeitos macigos quantitati- vos e qualitativos da expansio do se- tor quaterndrio na dinamica das gran- des cidades. Isso ajuda a explicar a relativa facilidade com que as indus- trias se deslocaram para fora das gran- des cidades € 0 crescimento continuo dos centros metropolitanos nos paises desenvolvidos, apesar dessa desconcen- tracao. Em algumas regides do Terceiro Mun- do, em processo de desenvolvimento bem sucedido, a extraordinaria taxa de crescimento das maiores cidades pode ser melhor explicada pelo fato de que essas cidades se equiparam ao Ociden- te tanto no desenvolvimento indus- trial como na expansto das atividades quaterndrias. Nao se poderia explicar de outra maneira o enorme crescimen- to e a atual distribuigg0 do uso das terras em cidades tais como Sio Paulo (agora uma aglomeracio de oito mi- IhGes de pessoas), Rio de Janeiro (cin- co milhées) e Hong Kong (quatro mi- Ihdes). Uso exemplos de grandes cida des que visitei recentemente no Tercei- ro Mundo e cuja dindmica foi relativa- mente bem estudada, particularmente por geégrafos. Pode-se sugerir que elas pertencem, de fato, a uma categoria in- termedidria entre as regides mundiais bem desenvolvidas e subdesenvolvidas. Muitas partes dessas cidades sio seme- thantes ao que se pode observar em qualquer metrépole da Europa ou da América do Norte. E£ principalmente a aglomeracao industrial da periferia que identifica as cidades como pobres. Processos similares de evolucio esto acontecendo em varios outros paises € cidades como, por exemplo, na cidade do México, Singapura, Istambul, Teera, Bombaim, etc. O crescimento rapido e simultdneo das atividades se- cundarias e quaterndrias continuou, também, nas principais cidades do Ja- pao, até alguns anos atras, quando o congestionamento, 0 custo e a preo- cupacio com a poluigio do meio am- biente comegaram a impelir as in- dustrias para fora das cidades, em’ di- regio a outros locais. Em alguns de seus planos de expansio da producio industrial 0s japoneses consideraram recentemente a localizacio de novas industrias fora de seu territério na- cional, por exemplo em Hong Kong, Formosa e até mesmo Brasil. © deslocamento da produgio indus. trial para fora dos principais centros é, certamente, uma antiga tendéncia mo- tivada por uma variedade de circuns tAncias, algumas delas politicas e finan. ceiras, além do simples fato do con- gestionamento na antiga posic¢do “intra muros”. Com a facilidade cada vez maior de transporte e com a rapidez € relativa seguranca do comércio mun- dial, a redistribuigéo das fungées eco- némicas no espaco pode se desenvol- ver seja na escala nacional ou inter- nacional. A expansio das circunstin- cias geograficas favorveis estimula o crescimento das atividades quaterné- rias em cidades que constituem os cen- tros das grandes redes econdmicas atuais. Para instalar as novas ativida- des na cidade, algumas renovagdes € restauragées se tornam necessarias, transferindo, para um outro lugar, quaisquer elementos que tenham cria- do o antigo sistema de uso das terras centrais. Assim, a diviséo auto-aperfei- coadora do trabalho e a crescente com- plementagio dentro e entre as gran- des cidades modernas modificaram muitas caracteristicas da dinamica ur- bana entao estabelecidas. As caracte- risticas que, geralmente, se adequavam a um pequeno mimero de capitais mundiais tais como Londres, Paris, Nova York e talvez Amsterda, estado se tornando, agora, comuns as grandes cidades do mundo inteiro, nao somen- te 4s maiores e de atividades mais in- tensas como Téquio, Moscou, Sao Pau- lo, etc, mas também a centenas de cidades de tamanho médio com ati- vidades especializadas e centralizacio regional que exigem participacio nas redes mais amplas. Essas uiltimas eram basicamente estruturas bem, estabiliza- das que adquiriram um novo dina- mismo. Deve-se enfatizar o fato de que, na ci- dade, as pessoas ligadas 4s ocupagées quaterndrias necessitam de um tipo de instrumento, material e até mesmo mo- do de vida que é essencialmente dife- rente daquele tipo de que a vasta maioria da populacdo ativa necessitava no passado. A atividade quaterndria consiste basicamente de transages abs- tratas. A categoria mais importante de materiais por ela manipulada e pro- cessada pode ser definida como infor- magio. Os planejadores japoneses j4 falam de uma “sociedade de informa- io” para a qual modelos urbanos de- vem ser obrigatoriamente desenvolvi- dos, Nestes modelos os elementos “software” serdo mais importantes do que os elementos “hardware” (Tange, 1971). O ENTRELACAMENTO NO SETOR QUATERNARIO O advento da nova composicao da ati- vidade econémica nas grandes cidades contempordneas significou que os cei tros das aglomeragées, onde os locais de trabalho do setor quaternario se retinem, necessitaram de uma refor- mulagio para proporcionar melhor atendimento 4 nova sociedade urbana. A reacio mais comum a essa necessi- dade foi descentralizar e dispersar os escritérios e atividades quaternarias, processos que tém sido tentados em vi- rios paises por diferentes governos: a politica oficial de Londres, Paris, Ams- terda, Zurique e varias outras grandes cidades. Na mudanca da sede do: go- verno nacional para fora da cidade principal, como foi feito no século XVII na Franca com Versalhes e na Holanda com a cidade de Haia, e des- de 1800 nos Estados Unidos, Canada, Australia, Africa do Sul e mais re- centemente na Turquia e no Brasil, todos os esforcos convergiam para o mesmo ponto. Essas mudangas. expri- miam a desconfianca dos governos em | relag&o ao forte impacto exercido na Bol. Geogr. Rio de Janeiro, 34(251): 5-14, out.|dez., 1976 10 politica nacional pelas turbulentas mis- turas de interesse inerentes a dindmi- ca das grandes cidades, as quais fun- cionam como centros de redes extensas. Todos esses esforgos de descentraliza- cao raramente enfraqueceram a vital dade das grandes cidades. Entretanto, eles incentivaram novo desenvolvimen- to e vitalidade em outras cidades me- nores, O funcionamento de atividades politicas e grandes empresas privadas se deve principalmente a um bom for- necimento € processamento de mate- rial de informacao. Isto exige nao so- mente uma infra-estrutura adequada de tipo tecnolégico complexo mas, também, de pessoal adequado e quali- ficado, ¢ de equipamentos tais como bibliotecas, laboratérios, institutos de pesquisa, universidades, museus e ati- vidades recreativas que facilitariam os negécios, atraindo mao-deobra ade- quada e criando o ambiente desejado. E claro que esses requisitos si0 muito diferentes daqueles dos estabelecimen- tos e da armazenagem da producio in- dustrial que eram, até entio, conside- rados como o principal apoio de uma grande estrutura urbana. Além do fornecimento de tais equipa- mentos ¢ atividades recreativas que di- ficilmente podem estar 2 disposigio em locais pequenos, é importante perce- ber e enfatizar a interdependéncia en- tre as varias categorias de atividades aglomeradas nas grandes cidades que usam pessoal quaterndrio. Em varios trabalhos meus apresentei uma visio geral desta interdependéncia que se entrelaca 4 nova centralizagio de nossa época (Gottmann, 1970, 1972, 1974) ¥ ébvio que a administragio dos negé- cios ptblicos e a dos privados estdo intimamente relacionadas. As reparti- Ges publicas requerem maior volume de atiyidades administrativas, onde quer que estejam localizadas, em virtu- de da expansio dos meios orcamenté- rios e dos poderes regulamentares das representagdes executivas na maioria dos paises. A professora Lysia Bernar- des, do Rio de Janeiro, analisou de uma forma muito interessante 0 con- glomerado de atividades que se organi- zam em volta das sedes do governo nas capitais estaduais do Brasil (Bernardes, 1971 b). Um recente estudo sobre os recursos de mao-de-obra na cidade de Nova York chega a conclusées para- lelas, demonstrando as interconexdes do setor quaternario (Ginzberg, 1973). O crescimento da atividade econdmi- ca numa cidade que tenha, pelo me- nos, uma funcio principal de nature quaternaria, pode ser estabelecido co- mo regra da dinfimica urbana moder- na. Esses mecanismos requerem maio- res estudos € pesquisas. O TRANSITO DE PESSOAS ENTRE AS CIDADES Num outro plano geogréfico a com- plementagio entre as varias atividades quaterndrias dentro de uma grande ci dade se estende a uma complementa- Gio entre as diversas grandes cidades. ‘A atual evolugio da forga-de-traba- Tho, de seus propésitos e de toda a estrutura da sociedade, gera intensos fluxos de deslocamento entre as gran- des cidades que, de certa forma, de- vem estar a par de todas as informa- Ges desenvolvidas, armazenadas e pro- cessadas que possam ser importantes para os seus diversos interesses. O des- locamento das pessoas entre os maio- | res centros do mundo esta se intensifi- cando rapidamente. Essa tendéncia apresenta conseqiiéncias considerdveis, afetando o plano ¢ a di- ndmica das cidades que devem receber um fluxo crescente de visitantes. Re- considerando o Plano de Desenvolvi- mento da Grande Londres, 0 Conselho da Grande Londres demonstrou, em fe- vereiro de 1972, grande surpresa dian- te do enorme crescimento do que era designado como “turismo” na cidade de Londres. O nimero de estrangeiros que entram no Reino Unido aumentou de um milhdo em 1960 para seis mi- Ihdes em 1970. Desses milhdes, 75% fi- caram na cidade de Londres, tanto em 1960 como em 1970; isso significou que o numero de pessoas estrangeiras que ficaram em periodos de duragio diversa na cidade de Londres aumen- tou de 750.000 para 4.500.000 em dez anos. Nio ha divida de que houve nessa cidade, por volia de 1970, um grande aumento na construgio de hotéis e que ruas inteiras de tipo re- sidencial se transformaram em fileiras | de “quartos com café da manha”. En- tretanto, seria um erro considerar co- mo simples turismo todos esses milhdes de visitas recebidas por uma cidade co- mo Londres. Nao ha nenhuma andli- se estatistica adequada que especifi- que 05 objetivos de todas essas visitas. verdade que, na década de 60, ex- curses comuns organizadas por agén- cias de viagens proliferaram sob todos os aspectos. Mas um grande numero de visitantes veio para Londres com obje- tivos mais praticos, isto 6, para algum tipo de negécio relacionado com seu trabalho, interesses profissionais, sade, etc. O caso de Londres nao é unico nesse | aspecto. Toda grande cidade sofreu um aumento considerdvel no fluxo de visitantes ¢ isso acontece até mesmo nas cidades que pouco tém a oferecer em termos de atragdes. Os visitantes pro- vém de outros paises, assim como de outras cidades dentro do mesmo pais. © volume do fluxo que se origina | dentro dos limites do pais, no qual es- td localizada uma determinada cidade, é mais dificil de ser estabelecido estati ticamente, Em geral, é muito alto, es- pecialmente nas principais cidades dos paises de extenso territério. A com- plexidade das atividades modernas, com sua divisio de trabalho que se aperfeigoa constantemente, aumenta a necessidade de contatos pessoais em va- rias transagées, conferéncias, debates e | coleta de dados As bibliotecas e centros de pesquisa de- sempenham um papel substancial no deslocamento do pessoal quaterndrio Durante o ano letivo 1972-78, a Biblio- teca de Bodley em Oxford registrou um numero maior de novos leitores (por volta de 20%) que nfo eram membros da Universidade do que de novos leitores que pertenciam 4 Uni- versidade. O bibliotecdrio de Bodley confirmou que esta é uma ocorréncia comum, jé observada em anos anterio- res. Isso significa que, por ano, milha- res de pessoas vio a Oxford para con- sultar livros e documentos na biblio- teca de Bodley e em outras biblioteca da Universidade. Em Londres ha cen- tenas de bibliotecas, talvez cerca de mil, que atraem um grande ntimero de leitores de fora da cidade. A Biblio- teca da Sociedade Geografica Real ¢ uma delas. Muitos visitantes tem em mente varios objetivos, especialmente se vém de muito longe. Numa grande cidade, 08 escritérios, bibliotecas, mu- seus, laboratérios, hospitais e outras instalagdes médicas se complementam entre si e também complementam ins- talagées avulsas, teatros € outras ativi dades recreativas para atrair o fluxo de visitantes ¢ atender & populacio local. Para receber esse fluxo de visitantes a cidade moderna deve fornecer trans- porte, acomodagées e também uma va- riedade de atendimentos que, no pas- sado, costumavam ser dirigidos princi- palmente as necessidades € objetivos da comunidade local. Essa _mudanca na énfase dada ao consumo de servicos fornecidos pelas cidades-centros tem afetado a utilizacio do territdrio, o sistema de transporte, o tipo de traba- lho exigido na drea e, conseqiiente- mente, o modelo da cidade considera- do como um todo. © PAPEL DOS RITUAIS COLETIVOS © modo de vida moderno dos paises avangados é uma resposta 4 nova facili- dade de deslocamento em todo o mun- Bol. Geogr. Rio de Janeiro, 34(251): 5-14, out./dex., 1976 il 12 do, aos padrées de vida mais altos ¢ 4 reducio das horas de presenca obri- gatéria no local de trabalho. Esses fatores, somados 4 transformagao gra- dativa de uma maior proporcio da méo-de-obra em ocupacdes quaternd- rias, concorrem para o desenyolvimen- to na cidade moderna, particularmen- te na grande cidade, do mimero e da freqiiéncia de reunides que eu gos. taria de classificar como rituais colet: vos. Ritos de tipo religioso, atlético, cultural ou social, assistidos por um grande mimero de pessoas unidas por crengas ou interesses comuns sio uma das mais antigas e permanentes tradi- ges da humanidade. Esses ritos foram estudados por antropélogos e etndégra- fos, tendo em vista povos mais primiti: vos, ¢ foram descritos e analisados por arquedlogos ¢ historiadores nas civili- zagoes e cidades do passado. Eles mar- caram a paisagem das regides de civi- lizagio mais avancada com altares, are- nas, teatros e estddios. Na maioria dos casos, esses monumen- tos eram localizados nas cidades impor- tantes, As quais davam vida, e os rituais coletivos, mesmo quando religiosos, se entrelacavam freqiientemente a ativi- dades politicas e econémicas. O culto de Apolo em Delos e Delfos pode ser citado como um dos muitos exemplos registrados na historia e na pedra. Em geral, as cidades romanas construfam grandes arenas e teatros, como pode ser observado, hoje em dia, em Arles, Nimes e Orange. A maior arena era, obviamente, o Coliseu de Roma. A ce- lebragio de ritos coletivos enfatizava 0s importantes simbolos do local e, em geral, do poder e riqueza da cidade. Os gedgrafos observaram esse aspecto em diversos casos ¢ Paul Wheatley en- fatizou em varios de seus trabalhos a importancia do simbolismo em cada cidade, particularmente nas grandes ci dades do Extremo Oriente. (Wheatley, 1969, 1971). De fato, o ritual coletivo em todas as civilizagdes é um dos importantes com- ponentes da centralizacio das grandes cidades e de algumas poucas cidades menores especificas. As tradic&es de Roma ainda podem ser encontradas vivas na bengdo Pontificia “Urbi et Orbi”. Entretanto, nenhuma época da historia multiplicou e diversificou tan- to as reunides dos rituais coletivos co- mo a nossa. Agora, toda a cidade de uma certa extensdo precisa de pracas de esportes de varios tipos, uma varie- dade de teatros para as artes dramati- cas, grandes prédios para exposicées, conferéncias, congressos e etc. Reu- nides profissionais em menor escala proliferam de tal maneira que as ve- zes interferem no funcionamento nor- mal das ocupagdes quaterndrias. Em varios casos os participantes tém difi- culdade de distinguir o que pode ser recreativo do que pode ser profissional- mente lucrativo em tais encontros. As cidades do Terceiro Mundo adota ram rapidamente muitos rituais origi- nados em outros lugares. Os campos de criquete e os cursos de golfe sio abundantes no Extremo Oriente e nas Indias Ocidentais. O Rio de Janeiro tem o maior estadio de futebol do mundo, que comporta 200.000 pessoas. Conferéncias e congressos internacio- nais sio realizados na cidade do Méxi- co, Nairobi ou Bombaim com tanta freqiiéncia como em Chicago, Londres ou Genebra. O numero de prédios especiais e hotéis estd crescendo cada vez mais em centenas de cidades. Além disso, os rituais coletivos variam de acordo com o local. Eles séo indis- pensdveis a uma cidade viva e ajudam a definir sua personalidade. A medi- da em que se estendem a outros luga- res e€ aumentam sua variedade e fre: giiéncia, intensificam o transito de pessoas entre as cidades, Sugeriu-se varias vezes que, & medida em que as comunicacées se aperfeigoam com o telefone, a televisio e outros meios de transmissio de informacées, as pes. soas vio necessitar cada vez menos de se encontrarem pessoalmente. As ten- déncias atuais nao alimentaram tais previsdes. O ritual coletivo, particular- mente, parece ser um anseio permanen- te e fundamental da raca humana e s6 pode ser satisfeito pela participagio efetiva no local do acontecimento. O MODELO “ALEXANDRINO” A dinamica atual das grandes cidades intensificou as ligacdes e complemen- tagdes entre varios centros urbanos. Este fato é expresso nfo somente pelo movimento de bens e pessoas entre es- tes centros mas também pelo enorme Huxo de mensagens registradas no mundo inteiro. Assim, as redes que li- gam as grandés cidades nfo esto limi- tadas as relagées econdmicas ¢ poli: ticas. Elas apresentam varios aspectos, entre eles os culturais, cuja funcdo es. ta se ampliando dentro da rede. Em muitos de seus aspectos arquiteténicos e tecnolégicos, as grandes cidades do mundo podem comegar a ficar pareci- das umas com as outras. Porém, cada cidade desenvolve seu proprio conjun- to de interesses, algumas caracteristi- cas préprias, certa especializagio ¢ ino- vagées que nela permanecem enraiza- das. Cada cidade é um participante in- dividual de uma determinada rede que escolheu para representar o seu papel. Vale a pena notar que cada regio se esforca para construir e reforcar os seus centros urbanos, enquanto con- tinua suspeitando dos impulsos dema- siadamente cosmopolitas das metrépo- les maiores. Cada regio e cada cida- de grande procura afirmar a sua pré- pria personalidade, mas todas elas re- conhecem a necessidade imperativa de tabalharem juntas num sistema mais intensivo do que no passado, Em va- rios aspectos, 0 quadro geral das cida- des dindmicas atuais, em proceso de crescimento e proliferacio, relembra a grande rede de cidades criada por Ale- xandre o Grande em vastas 4reas sobre as quais estendeu seu Império, desde a Maced6énia até o Nilo, 0 Indus e 0 Oxus. Centenas dessas cidades, anti- gas e novas, constituiram no periodo Alexandrino a estrutura de um siste- ma intrincado que durou varios culos, assim como o “Mundo Helenisti- co”, apesar de todas as disputas e con- flitos entre as dinastias estabelecidas pelos sucessores de Alexandre. Algo que pode ser adaptado a um “mo- delo Alexandrino” est4 comegando a ser formado em todo o Globo pela mo- derna multiplicagio de grandes cida- des interligadas. Essa rede urbana é particularmente importante para o Terceiro Mundo porque aproxima os seus diferentes povos das outras na- Ses mais desenvolvidas. Na visio tra- dicional das ligagdes entre as diver- sas partes de nosso mundo dividido leva-se em consideragio, primeiramen- te, todas as redes governamentais. Re- centemente, uma outra teia formada pelas corporagées multinacionais, que ultrapassam as soberanias politicas, foi reconhecida e acrescentada a estrutura internacional. Submeto & apreciacio a idéia de que as grandes cidades, em suas atuais relacdes, oferecem uma ter- ceira rede de grande significacio eco- némica, politica ¢ cultural. BIBLIOGRAFIA BERNARDES, Lysia M. C. 1971a, La régionalisation de l'espace au Brésil, Em Séminaire du Centre d'Etudes de Géographie Tropicale de Bordeaux, no- vembro 1968. Paris: Edicdes de CNRS. Bol. Geogr. Rio de Janeiro, 34(251}: 5-14, out.\dez., 1976 [13 -—— 1971b, Les villes capitales d'état au Brésil: une interprétation. Cahiers de Géographie de Quebec, 35: 171-90 BRAUDEL, Fernand 1967, Civilisation matérielle et capitalisme. Vol. 1 Paris: Colin Central Statistical Office, 1973, Annual abstract of statistics. HMSO. CLARK, Colin, 1940, Conditions of economic progress, Macmillan DWYER, D. J. (ed.) 1971, Asian urbanization: a Hong Kong casebook. Editora da Universidade de Hong Kong; Editora da Universidade de Oxford. ~~ (ed.) 1972, The city as a centre of change in Asia. 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Aula inaugural na University College ‘London. —~— 1971, The pivot of the four corners. Editora da Universidade de Edinburgh. A geomorfologia nos estudos integrados A UNESCO solicitou que 0 autor deste artigo integrasse um pequeno grupo de peritos cuja tarefa seria aconselhé-la nos aspectos metodolégicos do estudo integrado do meio natural. Subordinada ao tema, o Professor Jean Tricart, da Universidade Louis Pasteur, Strasbourg, tece minuciosas consideragdes sob que angulo deve-se enfocar a geomorfologia em um estudo integrado de ordenagao do meio natural, definindo € analisando trés grandes tipos de situag6es: os meios estaveis, os meios intermedidrios e meios instaveis; tratando, finalmente, da avaliagao integrada das caracteristicas regionais. 15 de ordenagdo do meio natural A eficécia mediocre de numerosos pro- gramas de desenvolvimento obrigou re- centemente os organismos internacio- nais a efetuar um exame critico de seus métodos. O PNUD (Programa das Na- Ges Unidas para o Desenvolvimento) percebeu que os estudos tradicionais, constituidos por uma justaposigio de tabalhos especializados, sio uma ba- se insuficiente para a acio. Eles nao permitem apreender a coesio propria da unidade territorial a ser ordenada e desenvolvida. A intervengfio ocasio- na, entio, conseqiléncias que nao fo- ram previstas ¢ que sio as causas do fracasso ou, no melhor dos casos, de despesas consideravelmente elevadas. * Tradu de Lucy Pinto Galego JEAN TRICART Professor da Universidade Louis Pasteur, Strasbourg * A rentabilidade da intervengao previs- ta inicialmente ¢ questionada. Este aspecto é particularmente importante para o PNUD, organismo de financia- mento. Infelizmente, o pensamento cientifico esté atrasado com relacdo as necessi- dades praticas, A justaposicio de pes- quisas setoriais, nos estudos, limitadas a somente um aspecto restrito da re- gido em questiio, nao pode senio refle- tir uma distorgio no encaminhamento metodoldgico. Este ultimo, ha um sé- culo, vem privilegiando unilateralmen- te a andlise em detrimento da sintese. Muitas vezes, ele fez do pesquisador uma espécie de “operdrio especializa- Bol. Geogr. Rio de Janeiro, 34(251}: 15-42, out.-rer.. 1976 16 do”, prisioneiro de uma ferramenta, de um instrumento de laboratério, neste caso. O pesquisador geralmente niio es- tuda um problema e faz funcionar um equipamento: acelerador de particulas, microscépio eletrdnico, quantémetro ou radiémetro. Esta evolucio, nitida na pesquisa fundamental, obviamen- te também afeta a pesquisa aplicada. Ora, o desenvolvimento das técnicas tende a encarar ordenagdes cada vez mais custosas, 0 que torna os fracassos € os semifracassos cada vez mais dis- pendiosos, Foi porque 0 PNUD soli- citou 4 UNESCO o lancamento de es- tudos metodoldgicos referentes 4 or- denagio integrada do meio natural. © mesmo problema foi percebido, tam- bém, em diversos paises, através de organismos intervindo nos problemas de desenvolvimento, notadamente na Franca o IRAT (Instituto de Pesquisas Agronémicas Tropicais). Eis um exce- lente exemplo do papel de estimulo que as exigéncias praticas podem de- sempenhar junto & pesquisa funda- mental. Nossa proposta sera expor, aqui, o re- sultado de algumas de nossas_refle- xdes sobre a maneira pela qual pode ser estruturada (integrada) uma parte das pesquisas de base, preliminares a uma ordenacao bioldgica regional. Nos- So passo inicial consistiu em uma osci- lagao dialética permanente entre as ne- cessidades da pratica (no caso, as res- ponsabilidades de aconselhar organis- mos que devem estabelecer programas de ordenagio) e 0 desejo de elaborar concepgées de valor geral, podendo ser consideradas como da pesquisa funda- mental. Nao raciocinamos como geo- morfélogos: nossa intengao foi trazer nossa contribuigio a solucio de pro- blemas efetivamente colocados. Fun- damentamo-nos, antes de tudo, em nos- sa experiéncia pratica e em nossa cultu- ra geral, permitindo uma certa aber- | tura de espirito interdisciplinar. Foi | somente durante o desenrolar dos es- tudos que obtivemos a conviccio de | que a geomorfologia desempenhava um papel importante no assunto. Algo essencial: esta convicgio nao nos é pes- soal. Na Australia, o CSIRO adqui- riu-a desde os anos 40 e nossos colegas de trabalho, no geomorfélogos, parti- Tharam-na conosco quando estabelece- mos a abordagem aqui apresentada. Na primeira parte examinaremos sob que Angulo deve-se enfocar a geomor- fologia em um estudo integrado de or- denacao do meio natural. Isto nos le- varé” a definir trés grandes tipos de situages que, em seguida, sero anali- sados sucessivamente. 1. Como a geomorfologia se insere nos estudos integrados de orde- nagado do meio natural? Para nés o meio natural é um sistema caracterizado por uma interagio entre toda uma série de forcas diferentes. Esta_concepgio é a de nosso mestre A. Cholley, que falava, com relacio 20 assunto, de “combinagées” e de “‘com- plexos”. Esta concepgio é essencial- mente dindmica. As relag6es entre as | diversas forcas variam simultaneamen- 1 A UNESCO solicitou-nos que integréssemos um pequeno grupo de peritos cuja tarefa seria aconselhd-la nos aspectos metodolégicos do estudo integrado do meio natural, em vista de sua ordenacio. O IRAT, apés estégios de formacdo permanente organizados sob nossa direcio pelo Centro “Ordenacio do meio natural” funcionando junto ao Centro de Geogra- fia aplicada, solicitou-nos 0 preenchimento das fungdes de conselheiro cientifico para essas questées, O presente artigo baseia-se na documentacio € nas reflexes que fizemos para cumprir estas tarefas. Ele deve muito, em particular, as freqiientes discusses que tivemos com J. Killian, responsivel pela pedologia no TRAT, tanto no local quanto em Paris ou em Strasbourg, ¢ com J. C. Griesbach, da COPLANARH (Venezuela), outro organismo que aconselhamos, € com os pedélogos e agronomos do IRAT e da COPLANARH, no quadro das relagGes cordiais de trabalho. te no tempo e no espago. Originalmen- te, suas variagdes sio modificagées de uma evolugio, e no espaco sao origi- nalmente diferenciagdes que geram unidades territoriais. Todos esses sis- temas sio abertos, Assim como os niveis tréficos em ecologia, eles hicrarquizam- se entre si segundo uma “taxonomia”. Assim como os ecossistemas, eles jus- tapdem-se e sobrepdem-se no espaco € podem ser estudados segundo um pon- to de vista “corografico” . A concepgiio de sistema fornece desde muito tempo uma estrutura metodold- gica aos trabalhos dos ecologistas que forjaram o termo de “ecossistema” ¢ que utilizam-no bastante. Alguns ged- grafos voltados para a biogeografia ¢ para a ecologia propuseram 0 conceito de “geossistema”. Segundo G. Ber- trand, um geossistema é uma unidade de algumas dezenas ou de algumas cen- tenas de quildmetros quadrados que as- socia diversos ecossistemas a diversos tipos de suportes naturais: relevos, so- los, climas locais. O conceito de geos- sistema insiste nas relagdes de causa e efeito entre os ecossistemas e 0 meio natural. Os geossistemas ordenam-se segundo uma taxonomia. Eles também so cartografados. Caracterizam-se ne- cessariamente por uma dindmica. Do ponto de vista pratico, a dindmica é fundamental, determinante. Real- mente, toda ordenacao deve leva-la em conta, por um lado, para salvaguardar seus aspectos benéficos e que dio “re- cursos”, por outro lado, para limitar seus aspectos nefastos ou para controla- los, elimind-los, algumas vezes. Estes Ultimos constituem “obstdculos” do ponto de vista do ordenador. Em nos- sa opinido, a concepcio de “ordenacao integrada” consiste em um conheci- mento suficientemente vasto e preciso do sistema natural para que se possa agir em condicées financeiramente aceitdveis sobre os recursos, para ex- plord-los sem degradé-los, sobre os obstaculos para acomodar-se a cles. O essencial é nao desencadear fendme- nos secundarios que ameacem a pré- ptia ordenacdo, fazendo aparecer obs- taculos novos e imprevistos. Tal concepgio apresenta diversas van- tagens, responde as necessidades da pratica, permitindo uma melhor inte- graco do Homem e de suas atividades na Biosfera, peca mestra do meio na- tural; presta-se ao desenvolvimento de pesquisas interdisciplinares, indispen- saveis para atingir este objetivo prati- co; permite aos diversos ramos do es- tudo da Natureza adotar métodos co- muns € tirar proveito daqueles que es- tio mais adiantados do ponto de vista metodoldgico. No caso, a geografia fi- sica tem muito a ganhar com estas aproximagées: nossos colegas ecologis- tas dominam muito mais que nds a andlise dos sistemas, o que permite-lhes raciocinar em termos de energia e es- tabelecer balangos. As tentativas de utilizagio da andlise de sistemas em geografia fisica sio excegdes e a de R. Chorley e B. Kennedy (1971) qua- se nfo aprofunda o estudo do pro- blema. No entanto, a integracio da geomorfo- logia em estudos mais amplos, relati- vos ao meio natural e aos recursos na- turais, no comegou desta maneira. Considerou-se que a geomorfologia for necia um “quadro” aos outros diversos fenémenos. Conseqiientemente, foi en- carada de um ponto de vista estatico. £ 0 que aparece nos trabalhos do~ CSIRO, na Australia, que remontam a ultima guerra mundial. Nos levanta- mentos de terras (land surveys) desti- nados a definir regides naturais em vis- ta de sua valorizagio, a geomorfologia desempenha um papel importante. Ela guia principalmente a fotointerpreta- co. Mas limita-se a descricées fisiogré- ficas, materializadas através de blocos- diagramas representando amostras de diversas unidades. Todo o aspecto di- namico é deixado de lado. Somente as influéncias estruturais e as grandes eta- Bol. Geogr. Rio de Janeiro, 34(251): 15-42, out.|dez., 1976 18 pas da morfogénese, principalmente os nivelamentos € as etapas da dissecagio sio levados em consideracio. Isto é explicado pelas condicées histéricas do desenvolvimento da pesquisa: nesta época reinava a geomorfologia davisia- na € os australianos tiraram partido so- bretudo dos trabalhos de Fennemam, a quem devemos uma descri¢io fisio- grafica bem feita dos Estados Unidos. Reencontramos a mesma concepcio, alguns anos mais tarde, na nogio de “catena”, de cadeia de solos, tentativa, dos peddlogos anglo-saxdes, de expli- cagio de alguns aspectos da distribui- Zo espacial dos solos. Em sua ori- gem, a nocfio de “catena” leva em con- sideracio apenas o modelado, a topo- grafia. Devido a isto os pedélogos franceses traduzem o termo por toposé- quence. A influéncia dos processos morfogenéticos é completamente deixa- da de lado. A toposeqiiéncia interessa- se somente pelo relevo estatico, acaba- do, cujo amoldamento, conseqiiente- mente, n&o pode interferir na pedogé- nese. O caso existe, mas est longe de ser um caso geral. O conceito apoia-se, também, em uma outra hipétese sim- plificadora, que consiste em admitir que todos os elementos componentes deste relevo sio contemporaneos e que formam um conjunto rigorosamente homogéneo tanto do ponto de vista litolégico quanto do ponto de vista morfogenético. Realmente, na toposse- qiiéncia os diversos tipos de solos associados diferenciam-se entre si so- mente por sua posigio no relevo. Sio considerados como tendo a mesma ida- de e formados a partir dos mesmos ma- teriais. Ora, esta uniformidade dos materiais originais implica no somen- te em uma uniformidade das rochas originais como também das formas su- perficiais, onde os solos desenvolvem- se com mais freqiiéncia que nas rochas sis. A nogéo de toposseqiiéncia supée este relevo estdtico, que ¢, além disto, um relevo monogenético, cujas diver- sas partes pararam de evoluir no mes- mo momento, apés sofrerem uma evo- lugio semelhante, ¢ isto em um mate- rial geoldgico homogéneo, O concei- to implica em hipéteses iniciais que sio raramente realizadas em geomorfo- logia. Além disto, mesmo que estas hipéteses se realizassem, seria estranho, absolutamente excepcional, que as mes- mas formagées superficiais cobrissem inteiramente uma vertente ao longo de seu perfil, os cimos e os planaltos que o dominam, o fundo do vale que en- contra-se a seus pés. Um cume de um pico, uma vertente ¢ um fundo de vale constituem uma associagio de forma clementar cujos diversos componentes esto geneticamente ligados entre si, 0 que significa que os processos afetam- nos diferentemente no quadro de um mesmo sistema morfogenético. Por- tanto, eles nao podem gerar os mes- mos tipos de formacées superficiais em todo o conjunto, visto que este ultimo compreende sitios de ablagio, partida de materiais, s{tios de transporte e si- tios de acumulagio. No minimo, exis- tem diferengas granulométricas nos ma- teriais, o que gera séries de solos dife- rentes. A nogio de toposseqiiéncia é apenas uma abstragio. A Natureza pratica- mente nio oferece possibilidades que permitam aplicé-la sem desfiguré-la. # apenas uma aproximacdo muito gros- seira e geralmente inexata. Observe- mos, alids, que 0 conceito de toposse- qiiéncia contraria as descrigGes fisio- graticas, que so, no entanto, tio es- taticas quanto ele. Realmente, as des- crigdes fisiogrdficas insistem nas in- fluéncias da estrutura e das etapas da morfogénese. Desta forma elas eviden- ciam a heterogeneidade dos perfis to- pograficos, dos cortes aos quais re- ferem-se justamente as toposseqiiéncias. Na realidade, 0 que é regra, e uma regra raramente transgredida, sio as toposseqiiéncias geomorfologicamente heterogéneas, as toposseqiiéncias que associam elementos de relevo de ida- de diferente caracterizados por estru- turas diferentes, por materiais superfi- { ciais diferentes. A nogio de toposse- qiiéncia é um “modelo” abstrato que se aplica corretamente apenas aos ca- sos excepcionais. Estamos em presenga, portanto, de dois aspectos diferentes da realidade geo- morfolégica que intervém a nivel in- terdisciplinar e que desempenham seu papel nas pesquisas aplicadas: um pon- to de vista dinamico, levando em con- sideragio os processos que modelam a superficie terrestre € que séo exercidas simultaneamente com outros processos, notadamente os pedogenéticos, interfe- | rindo, em seguida, com estes; um pon- to de vista estatico, histérico, descriti- vo, aquele da fisiografia, que define um quadro imutavel dado, uma vez por todas, e no qual se exercem, apds a morfogénese, 0s outros fendmenos que | dao sua fisionomia ao meio natural. | Claro, é mais facil eliminar as inter- | feréncias e limitar-se a considerar um quadro fixo. E exatamente a diferenca que ha entre uma descrigao fisiondmi- | ca da vegetacio, por exemplo, onde se limita a observar a existéncia de uma floresta mais ou menos alta, mas ou menos densa, e a ecologia, que de- | fine ecossistemas, que estuda de que | maneira os diversos seres vivos repar- tem-se em diferentes niveis tréficos e de que mancira circulam entre eles a energia e a matéria. De passagem, assi- nalemos que limitar 0 estudo A con- sideragio de aspectos fisiogréficos ou, | pior que isto, a simples toposseqiién. | cia equivale as concepedes davisianas | que admitiam que as deformacées tec- ténicas eram produzidas brutalmente pouco antes do desenvolvimento do ci- clo de erosio e que, devido a esta | hipstese, nunca tentaram analisar as modalidades de uma interferéncia entre tectogénese e morfogénese. Nao esta- mos mais neste ponto. .. Isto significa que 0 aspecto fisiografico no tenha nenhuma importincia para © conhecimento integrado do meio na- tural? Nao acreditamos. As etapas da evolugio do relevo introduzem um principio de diferenciagio no meio na- tural. Ele tem maior importancia, j4 que a histéria do Globo foi bastante movimentada durante as ultimas cen- tenas de milhares de anos, com amplas ¢ rapidas oscilagées climaticas que se acrescentaram aos outros aspectos da geodindmica. Isto faz com.que a hete- rogeneidade seja a regra no meio geo- morfolégico, o que conduziu P. Birot a compard-lo a um palimpsesto. De- terminar os elementos que compéem este palimpsesto, definir suas caracte- risticas prdprias, estabelecer a sucessio das etapas que estabeleceram-no, a fim de melhor compreender sua disposigio, no é apenas uma fonte de satisfacdo intelectual. 1 uma operagio indispen- savel para descrever 0 meio natural e para apreciar sua aptidao 4 ordenagio. Acrescentemos, ainda, que todos estes conhecimentos sio necessérios para compreender também a dindmica atual € todas as que precederam-na e que se influenciaram mutuamente 4 medida que o tempo passava. Realmente, ca- da dindmica anterior criou anteceden- tes para as dindmicas que sucederam- na. Nenhuma forma de relevo atra- vessou as eras sem sofrer um pequeno retoque. Evidentemente, observamos muitas herangas geomérficas em nume- rosas regides do Globo, mas nenhuma destas herangas chegou até nés rigoro- samente intacta. Quantos velhos nive- lamentos nao foram deteriorados ou regrediram? Quantos solos antigos, ali- nhando relevos herdados, nao foram truncados desigualmente, fossilizados, em outros? As herancas sio mais bem conservadas quando observamo-las de muito longe ou quando somos muito miopes... Se dedicamo-nos a obser- var corretamente, se desejamos com- preender corretamente o meio natural em seus diversos aspectos, preciso saber, a0 mesmo tempo, reconhecer suas herangas, situd-las no tempo e no espago, e precisar os retoques que elas sofreram, quando e como sofreram, Bol, Geogr. Rio de Janeiro, 34(251): 15-42, out./dex., 1976 19 O ponto de vista fisiografico e 0 pon- | to de vista dindmico nao se excluem. Sio dois aspectos da Natureza. Cada um deles estd mais aparente em um de- | terminado nivel de percepcio. O as- pecto fisiografico modifica-se menos rapidamente que a dindmica, descm- penhando um papel mais importante para as unidades mais vastas, para os conjuntos. De certa forma, ele forne- ce um quadro onde os processos sio exercidos, onde se manifesta a dinami- ca em um dado momento da evolu- cao. E esta dindmica contribui para modificar, mais ou menos visivelmente, mais ou menos insidiosamente, 0 qua- dro onde ela se exerce. A dinamica de hoje gera, em parte, o quadro fisiogra- fico onde se exercera a dindmica de amanha. Tal dialética aplica-se tanto as mu- dangas lentas e progressivas, freqiien- tes na Natureza, quanto As modifica. Ges bruscas e répidas, como sio habi- tualmente as manifestagdes da degra- dagio antrépica. O conhecimento do quadro natural permite observar_ a acuidade do perigo de degradacio, dlassificar as unidades naturais em fun- Go de sua susceptibilidade. £ uma operacdo preliminar indispensivel sem- pre que se quiser lancar programas de conservagao. Ora, uma ordenacio ra- cional tem como objetivo explorar os recursos naturais, terras e dguas, sem destrui-los, sem deterioré-los; portanto, comporta necessariamente medidas de conservacio. Estas concepgées foram aplicadas aos estudos das relagdes entre morfogénese, pedogénese e ordenacio. Ml. Andlise taxiondmica das relagoes morfogénese — pedogénese — ordenagao ‘A ética dindmica impde-se quando se trata de ordenacio. Realmente, esta nao consiste em intervir em um meio inerte, em considerar dados imutdveis, definidos de uma vez por todas, como fica patente no termo de “inventario”, que ainda é freqiientemente utilizado. A acio humana exerce-se sobre uma Natureza varidvel, que evolui segun- do suas préprias leis, cuja complexida- de percebemos a cada dia. Nao pode- mos mais limitar-nos a descrigio fisio- grafica, assim como 0 médico no po- de contentar-se com a anatomia. Estu- dar uma ordenagio é determinar de que maneira uma acio serd inserida na dindmica natural para corrigir alguns de seus aspectos desfavordveis e para facilitar a exploraco dos recursos eco- légicos que 0 meio oferece. Sob um ponto de vista dindmico, a abordagem deve ser tratada logo no inicio. Deve guiar, portanto, a classifi- cago dos meios ao nivel taxiondmico mais elevado e, neste caso, considera-se a primeira coluna a esquerda do nos- so quadro sindtico (coluna I). Fomos levados a distinguir trés grandes tipos de meios morfodinamicos, em fungio da intensidade dos processos atuais: A. Os meios estaveis: Esta nocgio de estabilidade aplica-se ao relevo, & interface atmosfera—litos- fera. O relevo evolui lentamente, qua- se sempre de maneira insidiosa, difi- cilmente perceptivel. Os processos me- canicos agem pouco e sempre lenta- mente, Somente medidas precisas, di- ficeis de realizar, podem evidencia-los. A evolugio é suficientemente Jenta para que os geomorfdlogos hesitem so- bre suas caracteristicas. As vertentes recuam conservando aproximadamen- te a mesma inclinagdo ou suavizam-se como o tempo? A falta de medidas le- vando a resultados claramente inter- pretaveis faz com que a maioria dos autores se dediquem a consideragées tedricas, estabelecendo modelos que servem apenas para desenvolver_con- cepgoes pessoais altamente intuitivas. A caracteristica essencial deste tipo de meio é devido & lentidio da evolugio, a constancia desta evolugao, resultado da permanéncia no tempo, das com- binagdes de fatores. O sistema morfo- genético no comporta paroxismos vio- lentos, traduzindo-se por manifestagdes catastroficas. Estas condigdes aproxi- mam-se das que 0s fitoccologistas desig- nam pelo termo “climax”. Alids, pa- rece-nos que estes meios morfodinami- cos devem estar associados freqiiente- mente a formacGes vegetais gradativas, mas esta idéia deveria estar apoiada ‘em observagées precisas. As formacées vegetais realizam-se muito mais rapi- damente que um relevo em gradacio, € a aparicio de um deles exige uma certa constancia no sistema morfogené- tico que implica em uma vegetaciio em gradacao. Os meios morfodinamicamente estaveis encontram-se em regiées onde sto rea- lizadas toda uma série de condigdes: — Uma cobertura vegetal suficiente- mente cerrada para colocar um freio eficaz no desencadeamento dos proces- sos mecinicos da morfogénese; — Uma dissecagio moderada, sem inci- sio violenta dos cursos d’4gua, sem so- lapamentos vigorosos dos rios, com ver- tentes em lenta evolucio; — Uma auséncia de manifestagdes vul- cdnicas susceptiveis de desencadear pa- roxismos morfodinamicos de alcance mais ou menos catastrofico Geralmente _estabelecem-se__relagdes complexas entre estas diversas condi gGes. Estas relagdes comportam meca- nismos de compensagio e de auto-re- gulacio. Em geral, uma dissecagio moderada afeta essencialmente as re- gides tectonicamente calmas ha muito tempo, enquanto que as dreas soer- guidas mostram uma tendéncia nitida 4 incisio dos cursos d’igua, que acen- tua a inclinaggo das vertentes e ace- lera sua evolucio, Mas o {ator lito- légico pode compensar, dentro de cer- tos limites, os efeitos da tect6nica, prin- cipalmente defasando a incisao dos cursos d'agua com relacio ao levanta- mento tecténico que a gera. O caso é freqitente nas regides quentes € su- ficientemente wmidas, onde as rochas sio macicas e geram rios com casca tas e quedas. Uma cobertura vegetal suficientemente espessa pode manter os declives muito acentuados em uma re- lativa estabilidade, como os flancos das meiaslaranjas do relevo cristalino tropical imido. © papel da cobertura vegetal foi visto pelo pedélogo H. Erhart ¢ evidenciado por este gracas ao termo “biostasia”. Todas as regides em estado de biost sia entram neste tipo de meios geodi- namicos: florestas tropicais umbréfilas e meséfilas, florestas temperadas, tun- dras com humus turfoso. Assim, em. certas tundras do Canada, determina- ges de datas através do radiocarbono atribuiram uma idade de 4 a 5.000 anos a este humus: portanto, pode-se perfei- tamente falar de biostasia. . Mas as regiées geodinamicamente esté- veis compreendem também certos tipos de meios onde a cobertura vegetal é bastante reduzida. Neste caso niio se- ria possivel falar de biostasia. Tal ¢ 0 caso do deserto enevoado da costa do Pacifico da América do Sul, onde as agdes edlias nao se fazem sentir. O | relevo € fixado sob uma pelicula muito fina de produtos limosos de meteoriza- Gio. A mesma dinamica, extremamente fraca, aparece em certos meios hiper- periglaciais, como os odsis antarticos, ou meios excessivamente aridos, rebel- des aos efeitos do vento A pedogénese exerce-se nas regides on- de a cobertura vegetal é capaz de for- necer detritos., A fraqueza das agoes mecanicas limita ao minimo a interfe- réncia _pedogénese—morfogénese: des- te ponto de vista, pode-se dizer que a pedogénese se exerce livremente, sem sofrer limitagdes morfogenéticas. Esta- Bol. Geogr. Rio de Janeiro, 34(251): 15-42, out./dez., 1976 | 22 mos entio na situacio biostésica de H. Erhart, mas € preciso assinalar_que se trata de um caso extremo. Nao é indispensdvel, para compreendé-lo, re- correr ao conceito de balango pedogé- nese—morfogénese (J. Tricart, 1965) , j4 que este balanco comporta um ter- mo “morfogénese” negligenciavel. As condigées sao as melhores para o estu- do dos solos: 0 pedélogo pode aplicar as concepgdes de sua disciplina sem que precise alcar-se ao nivel de uma abordagem interdisciplinar. Portanto, nao é de espantar que somente esta situagdo particular tenha sido lembra- da pelos diversos autores de classifica- g&es pedoldgicas. O caso mais tipico é 0 da classificacio americana (U.S. De- partment of Agriculture). O proble- ma da duracio necesséria ao desenvol- vimento dos grandes tipos de solos nao € abordado. Ora, esta duracio é aque- la em que o meio é geodinamicamente estavel. Foi somente em uma nova versio, datada de fevereiro de 1972, circulando apenas datilografado, que encontramos rapida alusio a este pro- blema capital: uma frase, apenas uma pequena frase. Ela indica que 0s so- los oxidados, correspondendo aproxi- madamente aos solos ferruginosos tropicais da classificagio francesa, en- contram-se somente em formacdes mui- to antigas, que datam do Plioceno ou do comeco do Quaterndrio. Seria pre- ciso falar de unidades geomérficas es- taveis desde o Plioceno ou o comeco do Quaternario (derramamentos, ter: Tacos, cones de dejeccdo em suas par- tes pouco dissecadas). Esta observacio corresponde as nossas préprias observa- Ges na Venezuela e na Africa Ociden- tal. As conseqiiéncias desta situagio sio evi- dentes: como as classificagdes de solos foram estabelecidas baseandose em uma situacio particular, elas geral- mente sio dificeis de aplicar a nume- rosos solos que se desenvolveram em condigées diferentes das que foram le- vadas em consideracio para o estabele- cimento da classiticacao. Por outro la- do, os peddlogos, tendo-se colocado em um caso idealmente simples, tendem a fechar-se em sua disciplina, a estudar 0 solos “de dentro”, 0 que torna mais dificeis os esforcos dos que tentam ope- rar de maneira diferente, isto é, colo- cando o solo em seu contexto natural, em seu meio-ambiente, fazendo uma concessdo ao vocabuldrio em moda. Os belgas que trabalham no Congo, os soviéticos € um numero crescente de franceses demonstram, a respeito disto, uma maior abertura de espirito que os americanos. O resultado é que as clas- sificagbes atuais no sio adequadas ao estudo das relacées solo—planta e freiam o progresso. da propria pedo- logia. A duragio, a partir da qual as condi- ges de estabilidade reinam, revestem- se de grande importancia. £ ela quem determina a duracio apés a qual a pe- dogénese pode se exercer ¢, portanto, a idade dos solos, e que, por sua vez, influi no seu grau de evolucio e nas suas caracteristicas tanto morfoldgicas quanto analiticas. Foi por isso que si- tuamos a duracio no segundo nivel ta- xonémico. Ela permite-nos subdividir os meios geodinamicamente estaveis, distinguindo os que sao estaveis ha muito tempo e aqueles que tornaram- se recentemente (coluna Il). Precise- mos este ponto Esta hoje estabelecido que o conjunto da superficie terrestre foi afetado pelas oscilages climaticas quaterndrias. As paleotemperaturas indicadas por 0 demonstram um resfriamento de 5 — 6.° nas partes equatoriais dos oceanos. O estudo das floras pela andlise do polen oferece resultados concordantes nas montanhas intertropicais, sobretu- do para a savana de Bogota (Colém- bia). Estas baixas de temperatura, acompanhadas de um aumento do gra- diente térmico entre baixas e médias latitudes, modificaram a circulagio atmosférica ¢, conseqiientemente, as ca- racteristicas dos diversos climas. Na | maior parte das regides as oscilagées climaticas foram suficientes para ge- rar mudangas fisiondmicas na cober- tura vegetal, que influiram, por sua | vez, nos sistemas morfogenéticos, como atestam-nos as formacdes superficiais € as sucessdes, muito espalhadas, de terragos climdticos. Neste tipo de meios as condigdes ecolégicas atuais reinam somente a partir do fim do ulti- mo periodo frio, aproximadamente o comeco do Holoceno, cerca de 10.000 anos. Ea duracio em que se exerce a biostasia, nos lugares onde ela é rea- lizada atualmente; portanto, a dura- go de que dispds a pedogénese para agir segundo suas modalidades atuais. Ela é suficiente para permitir a alguns tipos de solos desenvolverem-se de for- ma caracteristica, mas naio € 0 caso para todos eles. & aqui que aparece o interesse de um estudo geomorfoldgi- co precedente ao estudo pedoldgico: ele fornece 0 quadro cronoldgico da pedogénese. Um mapa geomorfoldgico | detalhado informa ao pedélogo, além de outras coisas, sobre as formacées su- | perciais que sio o material original dos solos. Compreendese imediata- mente o sucesso desta maneira de pro- ceder, estabelecida desde 1953-1954 na Africa Ocidental quando de nos- sas intervengdes para a ordenacio do delta do Senegal. Nestas regides que se tornaram geodi- namicamente estéveis somente no ini- cio do Holoceno, o relevo é poligénico e formado por herancas. A grandes distincias este tipo de meio é inter- rompido por pequenos enclaves onde a dinamica manifestou-se mais recente- mente ou manifesta-se ainda hoje, en- trando nas categorias morfodindmicas Be G. £ 0 caso, por exemplo, de al- gumas escarpas afetadas por movimen- tos de massa recentes, como os roche- dos da Fraze, ao sul de Metz; ou ain- da algumas vertentes de vales cujo sopé foi solapado pelo curso d’igua e fica- ram submetidas a uma instabilidade crénica. Quanto mais fraca for a intensidade da dissecacio maior é a complexidade do relevo € dos solos, pois as condigées fa- vorecem a persisténcia de reliquias. Os solos, principalmente, frageis devido a sua pequena espessura e sua fraca coesio, sio amplamente conservados, ainda que raramente por inteiro. Os solos truncados sio freqiientes. Os so- los fossilizados também. Encontram-se mesmo solos que foram truncados e, em seguida, enterrados, os dois fené- menos tendo se produzido ao longo do periodo de instabilidade geodinami- ca. Acontece freqiientemente aos so- los enterrados, estejam ou no trunca- dos, serem fossilizados a uma profun- didade suficientemente pequena para que a pedogénese continue a afeté-los. Observamos numerosos exemplos dis- to no Pampa Deprimido, na Argenti- na. Eles sofrem entiéo uma “transfor- macio” sob o efeito da chegada de so- lugdes. Por exemplo, solos pardos com horizonte B argiloso, bastante espes- so, desenvolvidos durante o ultimo pe- rfodo tmido, foram truncados quan- do do perfodo semi-drido seguinte, pela deflacio ¢ escoamento superficial. Es- tes processos respeitaram o horizonte B, mecanicamente resistente, e colocaram- no em afloramento. Foi freqiientemen- te fossilizado sob 10 a 30 cm de limos edlios salgados. Desde o inicio do Holoceno desenvolveuse uma pedoge- nese sob um clima novamente umido. Ela acarreta uma lixiviacio parcial do sal no limo superficial, 0 que se traduz por uma solodizacio. Grande parte dos sais precipitase no antigo horizonte B argiloso subjacente ¢ modifica, a0 mes- mo tempo, sua estrutura, que se torna colunar, e suas caracteristicas analiti- cas, Tornase impermedvel e dificil- mente penetravel pelas raizes, 0 que traz graves problemas agrondmicos: sio Bol. Geogr. Rio de Janeiro, 34(251): 15-42, out.[dez., 1976 23 a causa dos estudos que conduzimos. ? Com efeito, este horizonte impermeé vel, com muito pouca profundidade, da, um péssimo regime hidrico & camada superficial, que somente as tafzes ex- ploram: ela encharca-se na época das chuvas e desseca rapidamente quando as precipitacdes se interrompem. Uma diminuigio do rendimento dos pastos produzse ao final de 10-15 dias sem chuvas. Pampa Deprimido é par- ticularmente demonstrative, em sua grande complexidade, porque € uma regio que permaneceu subsidente até © comego do Quaternario e, devido a isso, extremamente plano: os declives de apenas 0,2/100 ai sio raros... Outro caso interessante € o das regides de transicZo entre dominios biogeogra- ficos diferentes, como as regiées sahe- lianas ¢ pré-saarianas. Junto ao limi- te de sua drea de extensao, as forma- G6es vegetais sio muito mais sensiveis as menores oscilag6es climaticas. Ha uma amplificagio dos eleitos. Tais meios caracterizam-se por uma “alta susceptibilidade” face tanto aos fend- menos naturais quanto as intervengées humanas: sio muito frdgeis e prontos a deteriorar-se, As modificagdes meno- res do clima durante 0 Holoceno pro- vocaram nesta regio modificagdes de bidtopos suficientes para fazer alternar- se fases de instabilidade e de estabil dade. A isto acrescenta-se a modula- gao das influéncias humanas sob o du- plo efeito das modificagSes naturais do clima e das circunstancias histéri- cas, que nao so desvinculadas das os- cilagdes climaticas. As mudangas de situagées geodinamicas multiplicam-se, mas os métodos de andlise continuam 0s mesmos, € os principios também. O que observamos, e estamos somente em um estdégio exploratério, conven- ceu-nos do interesse consideravel de uma abordagem interdisciplinar em tais regides. segundo caso, mais raro por ser um caso extremo, € 0 dos meios que pra- ticamente no foram afetados pelas os- cilag6es climaticas recentes. Explique- mo-os: © conjunto da superficie ter- restre conheceu variagdes de tempera- tura importantes em sincronia com as alternincias de periodos glaciais ¢ in- terglaciais das médias latitudes, mas em algumas regides seus efeitos foram fracos porque no provocaram modifi- cagées importantes nos aspectos fisio- némicos da vegetacio e nao ocasiona- ram a alterndncia de sistemas morfoge- néticos diferentes. Houve, ao contrario do caso precedente, um efeito-tam- pio que amorteceu as conseqiiéncias com relagao as suas causas. Estas re- gides permaneceram geodinamicamen- te estaveis por muito tempo, pela con- digo de serem tectonicamente pouco ativas e nio vulcinicas. Esta estabili- dade geodin&mica pode datar do Qua- terndrio médio e mesmo, em alguns casos, do Quaternério antigo. As con- digées realizadas permitem o desenvol- vimento de tipos de solos que exigem longas dura¢ées, como 0s solos oxida- dos. Este também é um dominio in- teressante para uma pesquisa interdis- ciplinar, que permitiria precisar_me- lhor a influéncia do fator tempo na pedogénese, Repetimos que estas sio as uinicas regides onde sio bem reali- zadas as condicées implicitamente con- sideradas 0 estabelecimento das clas- sificagdes dos solos. Infelizmente elas so raras, pois sua existéncia depende de um concurso de circunstancias que se tornou excepcional pelas particulari- dades da histéria do Globo durante o Quaterndrio. Citaremos, a titulo de exemplo, 0 sudoeste do Camerum e os confins Libéria—Costa do Marfim, 2 Estas pesquisas foram feitas enquanto consultor da FAO, no quadro do plano Mapa de Solos do INTA, onde se organizou um trabalho de equipe muito simpatico com os pedélogos © os agrénomos.. que parecem ter conservado uma flo- resta tropical densa durante todo o Quaterndrio médio e superior; a maior parte do deserto enevoado do litoral chileno—peruano a partir do Quater- nario médio; talvez algumas regides subtropicais como o norte de Portugal € 0 sudeste dos Estados Unidos; ilhas como os Acores. Para as diversas variedades de meios atualmente estaveis, o princ{pio da conservagio deve ser a manutengio de uma cobertura vegetal densa, tendo efeitos equivalentes aos da cobertura vegetal natural. E uma aplicacio do conceito de biostasia de H. Erhart. Alids, esta nogio de “efeitos equivalen- tes” & complexa e, por isto mesmo, sus- cita algumas dificuldades. Uma_posi- Gao extrema que, pelo menos aparen- temente, oferece todas as garantias é a que consiste em impedir qualquer ata- que a vegetacio natural. Ipso facto, é preciso renunciar & qualquer explora- cdo dos recursos bioldgicos, o que é cada vez menos admissivel face & pres- séo demografica rapidamente crescen- te que o Planeta sofre. Mesmo que tal solugio seja pouco aplicavel, nosso mé- todo de abordagem permite determinar as dreas onde ela é conveniente. Por exemplo, nas regides drticas, atualmen- te ocupadas por tundras e algumas flo- restas, danificando-se a cobertura ve- getal, modifica-se 0 equilibrio térmico do solo, que degela mais profundamen- te. Desta forma, os processos perigla- ciais sdo intensificados e pode-se pas- sar de uma situacéo de biostasia a uma situagio de instabilidade mais ou me- nos grave. A instalacdo de culturas em regides cobertas de matas em perge- lissolo reliquia desencadeia freqiiente- mente a formacio de um criocarste (Alasca, Sibéria). Mas mesmo as reser- vas integrais nao estéo livres de dese- quilibrios ecolégicos que podem desen- cadear desequilibrios geodindmicos. Nos parques da Africa Oriental, por exemplo, os grandes animais, inteira- mente protegidos, multiplicam-se a ponto de degradar a vegetaciio. O sis. tema morfogenético modifica-se. As trilhas que eles tracam para ir banhar- se transformam-se, as vezes, em ravinas, cortando as margens dos cursos d’agua. O desequilibrio ecolégico, unico estu- dado seriamente, levou ao estabeleci- mento de quotas de caca destinadas a cessar com a rapida multiplicagio dos animais. As vezes a exploracio dos re- cursos naturais tem como conseqiién- cia _modificagdes indiretas do sistema morfogenético, dificeis de estabelecer. Por exemplo, ao sul do lago de Mara- caibo (Venezuela), regio que foi co- lonizada a partir de 1954 gracas A erra- dicagio do impaludismo € & construgio da estrada pan-americana, 0s cursos d'agua do sopé andino tornaram-se ca- da vez mais instdveis. Eles edificam amplos mantos arenosos que cobrem os pastos, as estradas e as casas. Foi deci- dido um programa de ordenagio, que estamos aconselhando, A primeira idéia, a fim de controlar estes cursos d’igua, foi procurar os ravinamentos em suas bacias nas montanhas e fazer a corregio das torrentes. De fato, pu- demos constatar que praticamente nao havia ravinas e poucos cortes por abla- co difusa, excetuando setores pouco extensos e bem delimitados. Os danos ocasionados no sopé explicam-se por um outro mecanismo mais complexo. A floresta umbréfila foi amplamente desmatada e substituida por pastagens. Essas, pouco degradadas, fornecem so- mente material em suspensio e nao contribuem para a alimentagio dos mantos arenosos. Mas as pastagens tem um papel hidroldgico diferente do da floresta densa. A intercepcao das chu- vas é menor neste caso e, sobretudo, a concentracio das Aguas correntes & mais rapida. Os maximos de enchen- te sio mais fortes. Logo, os cursos d’égua solapam mais vigorosamente suas margens e recuperam materiais es- tocados desde o ultimo periodo frio nos terracos baixos. Sio eles que ali- mentam os derramamentos. Estas Bol. Geogr. Rio de Janeiro, 34(251): 15-42, out./dex., 1976 2 observagdes, que atualmente precisam os levantamentos morfodinamicos e pe- dolégicos, permitiram estabelecer os princ{pios de ordenagio. Estes com- portam um tratamento das margens dos principais cursos d’4gua, na regio do sopé dos rontes e da desembocadu- ra dos vales, e uma remodelagem agri- cola das bacias—vertentes com conserva- cio das florestas existentes, refloresta- mento dos terrenos pobres impréprios 4 agricultura, melhoramento das pas tagens a fim de elevar seu rendimento e evitar o superpastoreio. Este exem- plo esclarece as etapas que um estudo de ordenacdo agricola deve comportar € 0s tipos de cooperacio interdiscipli- nar que ela requer. B. Os meios intermediarios (meios intergrade):* Usamos o termo intergrade emprestado do vocabulario dos pedélogos para de- signar uma transi¢lo. Realmente, es- tes meios asseguram a passagem gra- dual entre meios estéveis e meios ins- taveis. Por forga das circunstancias, 0 titulo dado é convencional, porque niio existe nenhuma ruptura; ao contrario, estamos em presenga de um continuo. O que caracteriza estes meios ¢ a inter- feréncia permanente entre morfogénese | e pedogénese. Ambas sio exercidas concomitantemente sobre 0 mesmo es- pago. Mas as modalidades da interferéncia morfogénese—pedogénese variam em fangio de dois critérios, um qualitati- vo outro quantitativo. E eles aparecem na coluna IIL e introduzem subdivi- sées neste tipo de meio geodinamico: — Do ponto de vista qualitative é preciso distinguir os processos morfo- genéticos que afetam unicamente a su- perficie do solo e, portanto, nao alte- Tam a sucessio dos horizontes no perfil, e dos que atuam sobre toda a espessu- ra do solo ou sobre uma parte impor- tante desta espessura, _perturbando, conseqiientemente, a disposicio em horizontes. Os processos _ peliculares, como a decapagem generalizada sob 0 efeito do escoamento superficial insta- vel ou da reptacio, retiram o cimo do perfil pedoldgico; as vezes eles se limitam a afetar a cobertura do solo. Estamos agora no dominio de aplica- 40 do conceito de balanco pedogénese —morfogénese, Esquematicamente, po- de-se dizer que o solo sofre uma ablz ao lenta, mas crénica, em sua parte superior, enquanto que prossegue seu desenvolvimento em profundidade, es- pessando-se até determinados limites ¢ acentuando suas caracterfsticas por di- ferenciacio dos horizontes nos sitios de partida de material. Nos sitios de acumulacio, ao contrario, peliculas su- cessivas vém acrescentar-se ao perfil, au- mentando o solo por cima. Nos dois tipos de sitios a pedogénese interfere na morfodinamica e é parcialmente condicionada por esta. O balinco os- cila e muda seu sentido em fungao das condicées oferecidas pelo meio. A morfodinamica pode acelerarse ao ponto de ultrapassar a pedogénese em velocidade. O balanco pedogénese— morfogéncse torna-se éntio muito ne- gativo. E o que acontece quando a de- capagem, que se tornou muito rapida, reduz gradativamente o horizonte A do solo e introduz, desta forma, uma desproporcio entre seu desenvolvimen- to e o do horizonte B. Nos sitios de acumulacio, por exemplo, no sopé de uma vertente, ocorre a mesma coisa quando 0s depésitos coluviais sio tio abundantes que nao dao tempo & pedo- génese de produzir um horizonte A caracteristico, Tem-se, entao, um hori- zonte A mal desenvolvido e espesso. Todos os termos de transi¢o sio pos- siveis, ¢ claro. O instrumento é ma- ledvel e pode dar conta da complexida- 3 Intergrade — passagem gradativa de um estado a outro. de dos fenémenos naturais com maior eficdcia que a oposi¢o, um pouco ma- niqueista, entre biostasia e resistasia de H. Erhart. Do ponto de vista quantitativo, apoia- mo-nos no balango pedogénese—mor- fogénese. Quando a instabilidade é fraca a pedogénese prevalece, com to- da uma série de termos de transicio, até aos meios estaveis. Como em me- canica dos solos, a distincio entre meios estdveis e meios intergrade sb poderia ser convencional, mas isto exi- giria critérios numéricos que ainda nao foram definidos. Nao é certo que isto seja possivel. Quando a morfogénese predomina, passamos aos meios insta- veis. Ai, também, a transicio é con- tinua e os mesmos problemas aperecem. A aplicagio do conceito de balanco pedogénese/morfogénese ¢ mais apa- rente quando se trata de uma ablacdo superficial do solo, No entanto, ela é possivel, também, para os movimen- tos de massa que afetam o solo em sua espessura. Estes afetam o solo e adqui- rem velocidades diferentes segundo a profundidade, entravando a diferencia- do nos horizontes do solo, Torna-se impossivel considerar 0 solo nos limi- tes estreitos de uma fossa pedoldgica. preciso examindlo substituindo-no no conjunto da vertente, como fizeram os pedélogos ao definir 0 conceito de “Jixiviagdo obliqua”. Porém 0 pro- blema é mais complexo, pois os movi- mentos afetam simultaneamente a fa- se sélida do solo e sua fase liquida, suas solugées. No entanto, como no caso dos processos agindo de forma peli- cular, ha interferéncia entre a pedoge- nese e a morfogénese. Quanto mais intensa for a morfogénese mais a-pe- dogénese sera perturbada, o que faz com que o solo se afaste muito mais dos perfis caracteristicos, como no caso da ablacio pelicular. Estes meios intergrades, como as zonas de transigio biogeograficas, sio parti- cularmente matizados, particularmente sensiveis 4s influéncias que modificam localmente, as vezes somente a alguns metros de distancia, as modalidades dos processos. Os mosaicos predomi- nam tanto do ponto de vista dos ele- mentos menores do relevo quanto do dos solos, O papel da cobertura vege- tal no balango pedogénese /morfogéne- se assume grande importincia. Estes meios intergrades sio delicados e sus- ceptiveis de fendmenos de amplifica- cdo. Transformam-se facilmente em meios instaveis, cuja exploracdo fica comprometida. Quando a instabilida- de geodinamica aumenta, pode ser ne- cessario recorrer 4 implantacio de es- truturas, por exemplo, para estabilizar torrentes cuja atividade aumenta a ins- tabilidade das vertentes. Mas, na maior parte dos casos, o resultado é simplesmente que os controles biolégi- cos sfio os mais eficazes. A preocupa- cao essencial deve ser a de facilitar a manutengio da vegetagio. O caso mais dificil de resolver, para o que nao ha solucio satisfatéria, € o dos meios onde se associam manifestacdes de escoamen- to superficial ¢ movimentos de massa. Realmente, quando se tenta frear o es- coamento superficial por intermédio da vegetacio, aumenta-se a quantidade de agua inflitrada e favorece-se os mo- vimentos de massa No entanto, de uma maneira geral, é importante convencer-se que as migra- Ges de matéria, sob o efeito dos pro- cessos morfogenéticos, afetam, também, o htimus e 0s fertilizantes; a geomorfo- logia nao € totalmente sem interesse para 0s agronomos.. . C. Os meios muito instavei Nestes meios a morfogénese ¢ o ele- mento predominante da dindmica na- tural. Constitui um fator determinan- te do sistema natural, ao qual os ou- tros fatores estio subordinados. Tal situacio pode ter diversas origens, susceptiveis de combinar-se entre si. A Bol. Geogr. Rio de Janeiro, 34(251): 15-42, out.|dez., 1976 [27 28 | geodinamica interna intervém em inw- meros casos, em particular no vulca- nismo, cujos efeitos sio mais imediatos que os das deformacées tecténicas. Um derrame de lavas, uma chuva de cinzas sio manifestagdes brutais, de cardter catastréfico. Um derrame de lavas destréi a vegetacio, qualquer que seja, e edifica uma forma de relevo que per- manece nua durante um certo numero de anos. Os vazamentos escoridceos, que datam de 1859, na Grande Como- ra, sob clima tropical wmido, ainda permanecem nus. Os liquens comeca- tam a colonizé-los somente no flanco oriental da ilha, em altitude, provavel- mente aproveitando a maior abundan- cia de umidade. As chuvas de cinza eliminam 0 estrato herbaceo, com a maxima eficécia do ponto de vista mor- fogenético, e quando sio mais abun- dantes ou mais quentes, ¢liminam to- talmente a vegetagao. Durante alguns anos o solo fica nu, exposto a chuva ¢ © escoamento superficial atua ampla- mente. As deformagées tectonicas comandam todos os processos onde intervém a gra- vidade. Favorecem a dissecagio nas dreas soerguidas, com incisio dos cursos d’4gua e aumento correspondente das inclinagdes das vertentes. Mesmo sob uma floresta densa, as vertentes, sufi- cientemente acentuadas, tornam-se ins~ taveis: é o caso da floresta wmida dos Andes venezuelanos, onde o cristalino, fortemente fissurado pela _tecténica, altera-sc ¢ alimenta as corridas de la- ma, crénicas, carregando a floresta. Os mesmos fendmenos foram descritos em regides como a Nova Guiné, a Nova Zelandia, os Andes peruanos (vertente amazénica). Como em todos os rele. vos de dissecagio, os efeitos da tecténi ca combinam com os da litologia. Nas areas de acumulagio o enfraquecimen- to mantém a tendéncia ao abandono de materiais, que também é acompa- nhado de instabilidade, com divagacoes dos cursos d’4gua, deflivios, os limi- tes incertos dos meios anfibios, sendo que o sudoeste do lago de Maracaibo (Venezuela) oferece um excelente exemplo disto (delta de Catatumbo). A cobertura vegetal intervém, também, introduzindo uma influéncia indireta do clima. A maior instabilidade rea- liza-se nas regiées de forte irregulari- dade climatica. Com efeito, por um lado, a vegetacio adapta-se muito mal as irregularidades climdticas e as in- fluéncias biostdsicas sao reduzidas ao minimo. Por outro lado, as manifesta- es meteorolégicas extremas que ca- racterizam estes climas oferecem um potencial energético consideravel, cujo rendimento é elevado. O trabalho mor fodinamico efetuado nas regides semi aridas, onde chuvas fortes repetem-se um bom muimero de vezes por século, é superior ao que se efetua nas regides hiperdridas, onde tais chuvas sio pr: ticamente desconhecidas. Da mesma maneira, os fenémenos periglaciais sio mais ativos no Spitsberg que nos odsis antarticos, porque as variagdes de tem- peratura acima e abaixo de 0° sio mais freqiientes e mais amplas. Alias, & 0 que esclarece, para as precipitacées, © coeficiente climatico elaborado por F. Fournier: consiste em relacionar o total do més mais chuvoso ao total anual, o que dé, no final das contas, uma imagem da irregularidade sazonal da repartigio das precipitagées. A combinagio de climas semi-dridos ir- regulares ¢ de uma atividade tectonica recente gera meios particularmente ins- taveis nas montanhas da Africa do Norte e da Anatélia, nos altos vales andinos do Peru, na vertente do Paci- fico, a cerca de 3.000 m de altitude A intensidade da morfogénese recente praticamente nao d4 lugar 4 persistén- cia de formas reliquias. A degradagio antrépica acrescenta-se as causas naturais, Ela é particularmen- te eficaz nas regides acidentadas onde o clima opée severos fatores limitado- res A vegetacio. Estas condicées ecold- gicas dificeis tornam a degradacio mais facil e impedem a reconstituicao da co- bertura vegetal quando surge uma oportunidade. Acentuam as retroacées positivas susceptiveis de provocar um verdadeiro amontoado de processos de degradacio. Nestas regides a restaura- cao é to dificil que se torna imperiosa a tomada de medidas de conservagio muito rigidas que impecam o comego da degradagao. & excepcional que elas possam. ser consideradas aptas a uma | produco vegetal ou animal aprecidvel. Portanto, sua conservacio nfo se jus tifica por elas proprias, mas para evi- tar os efeitos induzidos: sio elas que enviam detritos que entulham os cursos d’égua a jusante e permitem a formagio de cheias devastadoras. No caso de uma degradagio antrépica a ativacdo morfodindmica brusca acar- reta a destruigio r4pida dos solos pre- existentes. Estamos face a um caso tipi- co de resistasia, segundo H. Erhart. Pode-se aplicar também, sem muito er- ro, a expresso langada pelos america- nos de “erosio dos solos”. Porém ela é inexata mesmo neste caso, porque trata-se de ablacio ou de liquidacao ¢, além disto, 0 fendmeno nio se limi- ta aos solos; afeta todos os materiais méveis em afloramento: formacées su- perficiais e mesmo rochas. Seria mais correto falar de destruicgao das terras cultivaveis, pois, em muitas regides on- de se produz este fenémeno, nao se cultiva mais solos pedolégicos e sim terras que nfo tém mais solo... En- fim, no é apenas a ablacio que esta em questo. A acumulacio produz tan- tos danos quanto & primeira, submer- gindo as partes baixas do relevo, sopés de vertentes, fundos de vales, planicies aluviais, sob depésitos macicos de ma- terial que nao tém tempo para eda- fizar-se € que constitui o que os pe- délogos chamam de solos (sic) minerais brutos de depésito. As oscilagdes climaticas naturais sé ex- cepcionalmente provocam fenédmenos semelhantes. Elas sio menos brutais, muito menos brutais. Scus efeitos séo menos radicais. Uma piora climatica reduz lentamente a densidade da co- bertura vegetal e, correlativamente, permite que os processos morfodinami- cos se tornem mais ativos, Primeira- mente passa-se por uma situagdo que se enquadra nos meios intergrades e que se caracteriza por uma predominancia da morfogénese sobre a pedogénese. Os solos transformam-se, sofrem uma ablacdo superficial em determinado lo- cal, e€ um soterramento em outro. Mui- to raramente a oscilagio climatica tem efeitos mais evidenciados, como no ca- so de regides congeladas ou das que sofreram sistemas morfogenéticos peri- glaciais de clima rude. Os solos sio entaéo totalmente destruidos. Na bacia de Paris os paleossolos sio excepcio- nais, com excecio dos que foram fossilizados, nas séries de loess, por exemplo. Mas, geralmente, a liquida- cio nio € total e um novo tipo de balango pedogénese/morfogénese esta- belece-se onde a pedogénese é mais re- duzida ¢ esta sujeita a uma morfogéne- se antagénica bastante intensa. Tal si- tuagio pode persistir por milhares e mlihares de anos em regime permanen- te. As regides tropicais com estagio seca _acentuada conhecem-na atualmen- te. Ela pode permitir, nestas condicées, o depésito de séries detriticas Ppossantes, constituidas por materiais modificados por uma edafizacao preliminar. Em nossa opinido, 0 conceito de re- sistasia de H. Erhart é demasiadamen- te extremo. Muitas das séries sedi- mentarias que este autor atribui-lhe formaram-se, ao contrério, em condi- gdes de intergrade que permitem a co- existéncia da pedogénese e da morfo- géncse. Alids, seria imposs{vel explicar séries areno-argilosas possuindo varias centenas de metros de espessura e es- tendendo-se sobre centenas de milha- res de quilémetros quadrados, unica- mente pela liquidagio resistasica de um Bol. Geogr. Rio de Janeiro, 34(251): 15-42, out.{dex., 1976 ls | 80 estoque de solos preliminares. O prin- cipal caso de resistasia é comandado pela degradacio antropica. Nos meios morfoclimaticos, onde a ablagao & intensa, o regime climdtico pode permitir o transporte dos pro- dutos de meteorizacio logo que sio formados, nao Ihes dando tempo de aparecer em um manto de alteracdes ¢, mais ainda, nao deixando formar-se uma cobertura de solos. Desta manei- ra tem-se um regime permanente carac- terizado pela austncia de solos, 0 que é dissimulado na linguagem pedoldgica habitual por intermédio das expresses “solos minerais brutos”, regossolos, li- tossolos. As modalidades_morfodinamicas que acarretam situagdes deste tipo sio va- riadas ¢ oferecem-nos a possibilidade de subdividir os meios muito instaveis. Os fendémenos catastrdficos, isto é, os que associam efeitos importantes ¢ uma ocorréncia esporddica, destroem os solos preexistentes e fazem aflorar materiais virgens de qualquer pedogé- nese: de certa forma eles acarretam uma renovagio brutal e radical. Sio as corridas de lama, os desmoronamentos. A sucessio dos acontecimentos é seme- Thante 4 que se produz quando uma regifio é invadida por uma geleira, mas desenvolve-se mais rapidamente. As re- lacées pedogenese/morfogénese so simples: a pedogénese é interrompida © seus efeitos sfio anulados pelo fené- meno morfogénico. F o que evidencia a palavra “catastréfico”. Quando os fendmenos catastréficos sio crénicos, isto é, repetem-se com bastante fre- giiéncia em uma dada regiio, geram um mosaico heterocrénico. Com efei- to, ha uma justaposicio de superficies afetadas pelas corridas de lama de ida- de diferente sobre as quais desenvolve- ram-se solos desigualmente evoluidos, ja que a pedogénese recomecava de ze- ro cada vez que uma corrida estabili- zava-se. O mosaico de solos resultan- te coincide com © mosaico das formas, pelo menos em um determinado nivel de escala, Se entrarmos ainda mais nos detalhes, podem aparecer diferencas co- mo carta morfolégica, onde figuram cordées sobre uma corrida de lava ou escorregamento de pacotes sedimenta- res de nichos, como também a carta pedolégica onde se distinga séries em fungio de variagdes de textura, fatos estes que nem sempre so necessdria- mente significativos ao nivel geomorfo- légico. Mas so precisamente as unida- des geomérficas que comandam a dis- tribuigio dos diversos solos, e é o de- senvolvimento dos fendmenos morfogé- nicos que comanda a estrutura do mo- saico. Tanto do ponto de vista geo. morfoldgico quanto do ponto de vista pedolégico, € 0 aspecto temporal dos fenémenos que é determinante. £ pre- ciso abrir um paréntese: os mosaicos nao sio muito bem representados gra- ficamente em pedologia. As vezes, cla- TO, representar um mosaico é uma so- lugio facil que poderia ser evitada. Mas o exemplo que acabamos de dar demonstra que 0s mosaicos sio perfei- tamente justificaveis a um determina- do nivel de percepcio, sobretudo aque- le que é exigido pelos anteprojetos de ordenagao regional. O mesmo aconte- ce ao nivel cientifico, desde que se de- fina exatamente a “estrutura” dos mo- saicos. Isto requer uma andlise dos sistemas naturais, que é necessariamen- te interdisciplinar. A dtica que pre- conizamos aqui contribui para fa litala. Em seguida passamos gradativamente a fendmenos menos considerdveis mas de mais alta freqiiéncia. Os barrancos generalizados (bad lands) oferecem-nos um bom exemplo disto. O escoamento superficial, geralmente auxiliado por alguns processos anexos, elimina os de- tritos mobilizaveis logo que estes se formam. A rocha sa é conservada nua permanentemente. O fator limitador, neste sistema morfogenético, é a pre- paraco do material, a alteracdo da ro- cha pela meteorizacio. Como todos os mecanismos de preparacio, esta al- teragéo é, ao mesmo tempo, fungio das propriedades litolégicas e das con- digées climaticas, As rochas fracamente consolidadas, como as argilas endureci- das, as argilas litificadas, as margas la- minadas sao particularmente favoraveis ao estabelecimento de um sistema du- ravel de ravinamentos. Realmente, oferecem péssimas condicdes de germi- nagfio: a raiz dos embrides vegetais no pode penetrar nestas rochas. Uma cs- tagio nitidamente seca ou, pelo me- nos, periodos de seca bastante freqiien- tes tem o mesmo efeito, Ultrapassa-se rapidamente um limite, que faz vigo- rar uma lei de “tudo ou nada”: uma incisio devida ao escoamento superfi- cial atinge a rocha sa e é freada por esta. Entio ela ganha em largura, sob 0 efeito da remocao das formagdes mé- veis de alteragio. Desta forma, a man- cha de rocha nua cresce gradativamen- te. Esta evolugio permite uma incisio cada vez maior das superficies, Os ma- teriais méveis de alteracio so trans- portados, e o solo e a cobertura vegetal passam a fazer parte dos meios estaveis ou dos intergrades, segundo 0 caso. Assim € gerado um mosaico, mas de esséncia dindmica endo temporal, di- ferente do precedente. A tendéncia da evolugio é capital: se a rede de ra- vinas aumenta, passamos a um meio cada vez mais instavel, nao produtivo, ocasionando uma pressio sobre as re- gides situadas a jusante (torrencialida- de do escoamenio de Aguas, depésitos de materiais estéreis). Se, ao contrario, as ravinas tendem a estabilizar-se, a ve- getacio pode recuperar-se e evoluimos em diregio aos meios intergrades, Em ambos 0s casos sdo acionados retroa- ges positivas que tendem a reforcar 0 fendmeno que as ocasiona e, conse- qiientemente, a acelerar a evolucio. O ataque dos restos de alteritos destréi os solos que eles sustentam, influindo nos bordos das manchas de vegetacio. As superficies submetidas ao escoamen- to superficial elevado e brutal permi- tem a incisio dos talvegues ¢ 0 cresci- mento da densidade de sua rede. Um valor muito alto desta densidade é caracteristico das bad lands. Inversa- mente, quando cessa a incisio dos talvegues, a evacuagdo dos detritos nao é tio bem assegurada e aparecem praias de terra, propicias a uma co- lonizag&o por vegetacio pioneira. Co- mega o processo de estabilizagio. Esta vegetacio freia o fluxo de Aguas e, em seguida, o carregamento dos detritos. Uma cobertura de produtos méveis co- mega a reconstituir-se, o que favore- ce a restauragéo da vegetagdo e, com esta, a pedogénese, O desenvolvimen- to dos solos e da vegetacio restringe o escoamento superficial e diminui sua eficdcia morfogénica, Aqui também de- sencadeiam-se retroacées _positivas. Observa-las corretamente € a base in- dispensdvel a qualquer acio de conser- vacio ou de restauracao. Para os meios sujeitos a dissecacio, nossas subdivisdes 1, 2 e 3 permitem chamar a atengio sobre diversas moda- lidades de instabilidade morfogénica. Sao apenas elementos tomados, um pouco artificialmente, de um continuo, Com efeito, passamos, sem solucio de continuidade, das manifestacdes catas- tr6ficas de freqiiéncia muito fraca, aos fendmenos cr6nicos, depois a outros cada vez mais recorrentes, como 0 €s- coamento superficial em um sistema de ravinas generalizadas. Os mesmos as- pectos temporais, que associam intensi- dade e freqiiéncia, atuam também nos sitios de acumulacéo. As corridas de lama e as digitagdes dos derramamen- tos ou dos cones de dejeccio sio mani- festagdes brutais, catastréficas: elas des- troem os solos e os substitutem por um material pedologicamente virgem (“bruto”), exatamente como as corri- das vulcdnicas ou as acumulagées de materiais pirocldsticos. Como foi in- dicado mais acima, a freqiiéncia destas manifestagdes é maior ou menor, o que podemos designar através dos termos Bol. Geogr. Rio de Janeiro, 34(251): 15.42, out.ider. 1976 32| esporddico ou crénico. Esporadico de- ve reservar-se a um fenémeno suficien- temente raro para reproduzir-se periodicamente. Crdnico, ao contra- rio, corresponde a uma manifestacio recorrente, que afeta o mesmo local ou locais bem vizinhos. O termo é geral € pode ser precisado por uma indicagio da freqiiéncia, quando temos os meios para tal. Associando-se 0 estudo dos solos, da vegetacio e da morfogénese, podemos precisar esta freqiiéncia, gra- cas, principalmente, ao exame das se- qiténcias de vegetagio pioneira. Uma colaboragio mais estreita entre a geo- morfologia e a pedologia deveria aju- dar a estabelecer um melhor conheci mento das duragdes exigidas pelos di- versos tipos de pedogénese e, conse- qiientemente, a utilizar com maior pre- cisio os tipos de solos para determinar a duragio dos episddios de relativa es- tabilidade durante os quais formaram- se solos, levando-se em conta as outras condigdes que intervém. Quando passamos a fendmenos de mais alta freqiiéncia, aparece um outro tipo de transi¢io com os meios intergrades. Aqui, também, é preciso apoiar-se, para a andlise, sobre a combinacio das no- Gées de intensidade freqiiéncia dos fendmenos, Sobre uma planicie inun- davel, onde a vegetago desempenha o papel de pente, podem produzir-se de- pésitos esporadicamente, que enterram os solos que nao foram destrufdos pela cheia. Temos aqui um termo de passa- gem como o caso A-2: episédios de ins- tabilidade alternam-se, no tempo, com perfodos mais longos de estabilidade, propicios A pedogénese. Mas os de- pésitos de enchente podem também ser mais freqiientes, ndo dando tempo 2 pedogénese de desenvolver-se no in- tervalo. Estamos entdo em presenga de um meio intergrade que ja foi evoca- do. A mesma natureza de fenémenos encontra-se em regiio coluvial, aos pés de uma vertente sujeita a um remode- lamento generalizado. ¥ a_situacio B.2-b de nosso quadro. Ela passa gra- dativamente, pois nao ha modificagio na natureza dos fendmenos nas situa- Ges C-2-b e C-8b. Solicitamos ao leitor transportar-se ao quadro para examinar mais detalhada- mente as relagGes existentes entre a morfogénese, a pedogénese e os proble- mas de ordenagio. Este quadro é vali- do para grandes e médias escalas. Nés o elaboramos baseando-nos em estu- dos que comportam 0 estabelecimento de mapas nas escalas de 1/20000 — 1/25 000, de 1/50 000 e de 1/250 000. Parece-nos que ele pode inspirar pes- quisas mais detalhadas sem que sejam necessdrias ordenacdes importantes. Por outro lado, nao acreditamos que ele possa guiar utilmente uma abordagem muito mais generalizada, na escala de 1/1000 000, por exemplo. Realmente, seria preciso introduzir outros aspec. tos do meio natural, tais como as re- gides climdticas, os tipos fisionémicos de vegetagio. Mas estas escalas nao correspondem as necessidades da orde- nacio. Agora resta-nos tratar um aspecto: a avaliagio integrada das caracterfsticas regionais. Ill. Avaliagao integrada das caracteristicas regionais A ordenagao do territério demanda um diagnéstico preliminar, destinado a es- clarecer as opgdes. Ainda que nao seja ‘0 unico, as caracteristicas fisicas sio um elemento importante a ser considerado. ¥ 0 caso, na Franca, para o desenvolvi- mento das cidades. Antes dos estudos de zoneamento € preciso conhecer as aptiddes dos terrenos para a cons- trugio, principalmente os obstéculos que eles impéem, a fim de escolher um tipo de ocupacio do solo compativel com estes obstaculos. Nao fazé-lo seria aumentar consideravelmente os custos tanto do equipamento urbano quanto da construgio. No meio rural, o mes mo ocorre no que diz respeito as ter ras. O problema coloca-se tanto para a | reconversio ¢ intensificagio das agri- | culturas dos paises industrializados co- | mo para o desenvolvimento dos paises | insuficientemente equipados. Acrescen- | temos a isto que o meio rural fornece, | além do mais, um recurso cada vez mais apreciado: a 4gua. Sao as regides rurais que permitem a alimentagio dos lengdis freaticos ¢ sua realimentacao. Sio elas, ainda, que permitem a forma- cdo dos débitos dos cursos d’agua. As técnicas de agricultura contribuem para a poluigio das aguas, através dos pesticidas e adubos. A degradacao das terras deteriora também 0s recursos d’4gua aumentando os transportes s6- lidos. Todos os materiais carregados enchem as represas e diminuem a du- | racio na qual podem ser amortizados os investimentos. As perturbacées com- plicam € tornam mais onerosas as ope- ragdes de depuragio das aguas destina- das ao consumo humano e a nume. | rosas industrias. A carga grosseira tor- na os leitos instaveis, dificultando a utilizagio dos canais para a irrigagio ou para outros usudrios. Finalmente, a degradagio do meio aumenta tam- bém a torrencialidade. Ora, os débi- tos mais preciosos sio os dos periodos de estiagem. A redugio do volume dos cursos d’4gua na estiagem ou uma bai- | xa acentuada de seu débito acarreta a | rarefagio da 4gua no momento em que | mais se precisa dela e, simultaneamen- | te, a diminuigio de sua qualidade, com | © aumento da concentracio de poluen- | tes. Inversamente, os débitos de cheia, | raramente utilizados diretamente, oca- sionam danos (inundacées, estragos nas margens e nos trabalhos). Para ti- rar proveito disto é preciso edificar re- | presas tanto mais volumosas, portanto | mais onerosas, quanto maior for a | irregularidade do regime. O vinculo | organismo venezuelano encarregado de estudar Beneficiamo-nos das trocas de idéias com os engenheiros P. P, Azpurua, J. entre 0s aspectos do meio natural que evocamos acima ¢ 0s problemas de or- denagio regional esta evidente. Entretanto, a ordenagio regional, ao nivel da escolha das opcées, exige uma andlise sensivelmente diferente da que acabamos de fazer. Obviamente, ela continua interdisciplinar, mas 0 enfo- que é outro +. O encaminhamento que seguimos, J. C. Griesbach € eu, consiste em juntar e confrontar um determinado grupo de aspectos do meio natural que condi- cionam-se mutuamente, e deduzir dai um primeiro diagnéstico. Entio sio trazidos outros elementos, o que leva a um segundo diagnéstico, mais pre- ciso, ¢ assim por diante. Nossa inte- grado procede por etapas sucessivas, que correspondem, cada uma delas, a um alargamento do Angulo de visio ¢, simultaneamente, ao estabelecimen- to de recomendagées cada ver, mais pre- cisas, portanto cada vex mais operacio- nais. Este encaminhamento é profun- damente diferente daquele que o CSIRO utiliza para alcangar um obje- tivo bastante semelhante. Baseia-se em uma bierarquizacao dos fatores, obtida gracas a uma andlise taxondmica. Uma de suas vantagens é uma articulagio mais facil dos trabalhos setoriais reali- zados pela equipe interdisciplinar, 0 que oferece grande interesse prdtico. As etapas sucessivas que definimos fo- ram as seguintes: A. Definigao do quadro regional: Fste quadro geralmente ultrapassa os limites da regio a ser ordenada, Dois aspectos sio Ievados em consideracio: 1° As condigdes climéticas, analisa- das sob 0 angulo ecolégico ¢ morfodi- 4 Utilizamos aqui os resultados de uma teflexdo feita por solicitagio da COPLANARH, ‘os recursos de terras € Aguas da Venezuela. B. Azpurua ‘¢ Arias, O método apresentado aqui foi parcialmente elaborado por J. C. Griesbach, nosso companheiro de trabalho neste campo. Bol, Geogr. Rio de Janeiro, 34(251): 15-12, out./dex, 1976 33 34| namico. Trata-se de definir o clima regional, habitualmente a partir dos dados disponiveis, isto é, principalmen- te a partir dos que sio fornecidos pela rede climatolégica nacional, apesar de sua muito freqiiente inadequacio. Evidentemente, é preciso explorar tam- bém os estudos que permitam apreciar melhor este clima e, sempre que pos sivel, utilizar as observagdes agrocli- matolégicas. Nas montanhas a_dispo- sigio em camadas coloca problemas particulares. Neste nivel é preciso de- finir seus aspectos gerais, seus princi- pios. Um estudo mais profundo, levan- do em conta nado somente as diversas camadas mas também a_ influéncia da exposigao (topoclimas), intervém quando do estabelecimento do diagnés- tico agrolégico. 2° © quadro morfoestrutural é 0 se- gundo aspecto que se deve conside- rar. Freqiientemente, as unidades morfoestruturais nao coincidem com as regides climaticas. Temos, entao, uma espécie de “quadriculado”, onde sio inseridas as unidades menores. As ca- deias de montanhas constituem, muitas vezes, unidades climaticas e morfoestru- turais, ao mesmo tempo, no interior das quais encontram-se unidades subor- dinadas muito variadas, tanto morfo- estruturais quanto climaticas. O Gresi- vaudan é um bom exemplo disto. O planalto de Valensole também. Devem-se guardar dois aspectos para definir 9 quadro morfoestrutural: a) A tecténica, englobando simulta- neamente as deformagdes recentes € atuais, fonte de instabilidade morfo- dinamica, e as disposigées tectonicas adquiridas mais ou menos antigamen- te que, comandando a disposicio do relevo, determinam as subdivisées do conjunto regional . b) A litologia: devemos nos dedicar a descrever 0$ materiais geoldgicos em funciio de suas propriedades, face as diversas manifestagdes da dindmica ex- terna (alteracdo, morfogénese, pedogé- nese). Devemnos, ainda, insistir nos ti- pos de formagées superficiais, freqiien- temente mais importantes que o subs- trato geoldgico. B. Anéalise morfodinamica: Analise morfodindmica é conduzida partindo do estudo realizado anterior- mente, 0 que permite passar-se facil mente — se for necessdrio — do estudo dos conjuntos bastante vastos e que interessam 2 organizagio do espaco re- gional, aos trabalhos mais particulari- zados, necessirios aos servicos técnicos, que se ocupam de agricultura, da con- servagio, do reflorestamento... Enquanto que na_definigéo do contex- to regional contentamo-nos em justa- por os aspectos climaticos ¢ morfoestru- turais, devemos seguir, neste caso, um encaminhamento definido pela abor- dagem taxonémica. Ele comporta su- cessivamente: 1.° O estudo do sistema morfogenéti- co, que é fungiio das condicées climati- cas do relevo (comandado pelo quadro morfoestrutural) e da litologia (tam- bém fungio do quadro morfoestrutu- ral). Em fungio do sistema morfogené- tico delimitam-se unidades que cons- tituem 0 quadro onde se desenvolve a andlise. Em uma mesma unidade morfoclimatica, 0 fator litolégico in- troduz variantes que podemos chamar “litovariantes”. Quando _ suficiente- mente extensas, elas apatecem nos ma- pas. E 0 caso, por exemplo, de um pla- nalto calcdrio, de uma area de colinas cristalinas, de uma regio de colinas ar- gilosas... O vigor da dissecacio intro- duz outras: as “topovariantes”. Se qui- sermos, podemos introduzir pardmetros morfométricos para precisélas. Mas o essencial é reter os aspectos da topo- grafia que influem na morfodindmica: valor das inclinagées, desnivelamentos, comprimento das vertentes. Litova- riantes ¢ topovariantes nem sempre po- dem ser representadas detalhadamen- te nos mapas de escala média. E pre- ciso, ent@o, construir mosaicos. Sua estrutura deverd ser cuidadosamente definida ¢ ilustrada por meio de cro- quis, perfis ow blocos-diagramas. 2° O estudo dos processos atuais de- ve ser conduzido baseando-se na abor- dagem interdisciplinar que expusemos no estudo das relacdes entre morfogé- nese—pedogénese—ordenacio. Trés as- pectos devem ser lembrado a) A natureza dos processos atuais; isto obriga a analisar mais detalhada- mente o sistema morfogenético defini- do imediatamente antes. Os diversos processos devem ser enumerados ¢ é ne- cessério precisar suas modalidades, eventualmente nas diversas litovarian- tes e topovariantes. Cada processo de- ve figurar sobre uma linha do quadro onde sio consignados 05 diversos elementos do estudo, Os outros dois aspectos dos processos atuais serao colocados sobre esta linha, nas colunas seguintes. b) A intensidade destes processos. O fornecimento deste tipo de informa- gao é bastante delicado. O ideal é po- der dispor de medidas. Isto é raro. Além disto, coloca-se 0 problema de sua representatividade, que é dificil de solucionar. Muitas vezes ser4 pre- ciso contentar-se com observagées qua- litativas, fundadas sobre critérios cui- dadosamente definidos e consignados por escrito, a fim de evitar divergén- cias entre colegas ou um deslize in- consciente nas apreciagdes de um mes- mo observador. As observagées indire- tas séo importantes, sobretudo as que utilizam como indicios a cobertura ve- getal e 0s solos. ) A distribuigio dos diversos pro- cessos na Area caracterizada por um mesmo sistema morfogenético. Sobre a linha correspondente a cada proceso que entra no sistema indicar-se-4 as condicdes de litologia, de inclinagao, de sitio geomérfico, de exposigio... mais favordveis a este proceso. Em outras palavras, definir-se-4, simultaneamente, a estrutura espacial do mosaico ¢ a in- serio morfodinamica de cada processo. 8.° As influéncias antrépicas vem em seguida e merecem uma coluna do quadro. Realmente, é importante co- nhecer as modalidades da dindmica na- tural para compreender os mecanismos da degradagio antrépica e apreciar seu alcance. O ponto de partida légico é, portanto, a andlise dos sistemas morfo- genéticos naturais e os processos que se associam para formé-los. Mas a and- lise das influéncias humanas nfo pode limitar-se unicamente ao aspecto geo- morfolégico. Neste momento impée-se a abertura interdisciplinar. A degrada- io deve ser examinada simultanea- mente sob seus diversos aspectos que se condicionam uns aos outros: cober- tura vegetal, solos, processos morfoge- néticos, condigdes hidricas. & preciso mostrar os mecanismos de degradacio, precisar suas modalidades, apreender sua légica prépria, o que permite, em seguida, definir uma escala de graus de degradagio, que é de capital impor- tancia para determinar as medidas de conservagio ou de restauragio que de- verao estar presentes no programa de ordenagio. O encadeamento dos di- versos estgios da degradacio deve ser cuidadosamente estabelecido e 0 mapa devera colocar em evidéncia sua repar- tigio. As diversas unidades caracterizadas por modalidades ou graus de degradagio diferentes devem servir de quadro ao prosseguimento da andlise. Devem apa- recer sob a forma de linhas no quadro, que se prolongam nas colunas situadas mais adiante, direta. 4.9 O grau de estabilidade morfodina- mica é avaliado a partir dos dados con- signados quando da andlise dos siste- mas morfogenéticos, dos processos e da‘ degradacao antrépica. Utilizar-se-4, Bol. Geogr. Rio de Janeiro, 34(251): 15-42, out./dez., 1976 35 36 | para esta avaliagdo, a abordagem taxv- némica que expusemos anteriormente a_propésito das relagées entre morfo- génese—pedogénese—ordenacio. Uma importancia particular deve ser atr buida as tendéncias evolutivas: perigo de degradagio das regides que ainda nao foram deterioradas, evolucdo re- gressiva. naquelas onde a degradagio j& comecou, estabilizagio progressi- va... Realmente, esta coluna fornece um diagnéstico de grande importancia para a avaliagio regional e para as opgdes em matéria de ordenacio. c. Até.o presente momento nosso esfor- 0 principal dirigiu-se aos fatores limi- tadores, aos obstdculos que restringem a liberdade de ordenagio. Agora, nesta nova etapa, abordamos dados positivos, recursos cuja exploracao deve intervir na ordenagao. Podemos definir inicial- mente trés fatores de recursos ecoldgi- cos, depois apresentar um diagnéstico agrolégico. 1.2 Recursos ¢ regimes hidricos, Sera preciso esclarecer o cardter limitador que este fator desempenha tanto no plano ecoldgico quanto no plano agro- ndmico, pois a ordenacio pode, até certo ponto, atenuar estas limitacdes. Métodos agricolas apropriados podem aumentar a retengio de agua pelos so- los, sobretudo através do melhoramen- to de sua estrutura. A drenagem, o sa- neamento, a protecio contra as enchen- tes, a irrigagao, podem entrar no qua dro de projetos de ordenacao hidraul ca agricola. Recursos ecolégicos: © ‘estudo dos recursos e do regime hidrico deve ser feito no quadro das unidades morfolégicas definidas ante- riormente. A Agua intervém na maior parte dos processos morfogénicos que sio, por isso, indicios dos regimes hidricos. As condig6es morfoestruturais 5° No original, “Ia battance des sols”. comandani os recursos em aguas sub- terraneas e devem ser precisadas aqui Mas € preciso também extrair algumas informacées dos estudos pedologicos, tais como os fenémenos de encharca- mentos crénicos ou permanentes (hidromorfismo), a capacidade de re- teng&o, “compactacio dos solos” 5 2.° As condigdes ecoclimatoldgicas sio um outro aspecto muito importante. Partiremos da andlise das condigées cli- maticas que figuram na apresentacio do contexto regional, mas insistiremos nos dados agroclimatolégicos quando estiverem disponiveis e atribuiremos uma grande importancia aos topocli- mas. O objetivo deste aspecto do es- tudo é permitir a escolha de culturas. £ importante evidenciar os fatores li- mitadores, dentre os quais alguns po- dem ser corrigidos. 8.9 Os solos devem ser estudados tam- bém em um sentido agroldgico. Deste ponto de vista, as fases sio freqiiente- mente mais importantes que as séries. E preciso considerar cuidadosamente as manifestagdes de degradacio, vincula- das ao estudo da degradacao antrépica, que intervém quando da anélise mor- fodinamica. E importante, também, evidenciar as limitagdes impostas pelos solos. De maneira geral, este estudo pe- dolégico nao deve estar voltado para si proprio. Deve ressaltar as relagdes que existem entre os solos € a vegeta- Gio, e as que se estabelecem entre pe- dologia e morfodinamica. 4.° O diagnéstico agrolégico coroa es- ta etapa. Seu objetivo € apreciar, o mais claramente possivel, as limitacdes impostas pelo meio em seu estado atual € suas aptiddes potenciais. Deve ainda definir as possibiJidades técnicas de melhoramento deste meio e ressaltar seu interesse agrolégico . O diagnéstico agroecolégico deve esta- belecer uma espécie de balanco e indi- car as culturas ecologicamente mais adequadas, definir as modalidades de cultura, os tipos de rotagdes deseja- veis... Com efeito, a etapa seguinte do estudo seré a de determinar os ti- pos de organizacio do espaco que se poderia considerar, Portanto, o diag- néstico agrolégico situase na juncao do estudo daquilo que é, ¢ das opcées, da escolha do que se quer. D. Problemas de ordenagao: O diagnéstico agrolégico determina os problemas relativos aos aspectos do meio natural que influem na explora- Gao dos recursos ecoldgicos. Leva em conta as caracteristicas do meio, com suas limitagées e suas possibilidades, as técnicas susceptiveis de atenuar os obstaculos naturais ¢ de aproveitar melhor os recursos, sem destrui-los. O diagnéstico € estabelecido apés uma ordenagao de caracteristicas puramente cientificas e técnicas. Evidentemente, ele é indispensavel para que se possa decidir e aplicar uma politica de or- denag&o com sucesso, mas nfo é sufi- ciente. A quarta etapa comporta uma amplia- cdo a outros campos, indispensdvel & acio. Tem também como objetivo si- tuar os problemas de ordenagio, rela- tivos a uma drea restrita, em um con- junto organico mais extenso. Isto tam- bém é uma integracio que comporta um duplo aspecto: dindmico e espacial. Para permitir ao poder decisério cum- prir seu papel e fazer sua escolha, a equipe de técnicos deve efetuar ainda 08 trés pasos seguintes: 1.0. Apresentar os diversos tipos de or- denagio possiveis, mostrando dlaramen- te suas vantagens e seus inconvenientes. © melhoramento ou, pelo menos, a conservacio do meio natural deve ser a principal preocupacio. Mas nao po- de limitar-se unicamente aos aspectos técnicos. A atitude adotada durante muito tempo por um grupo de espe- cialistas em conservacao, que nés qua- lificaremos de “ultraconservacionistas”, € que consiste em proteger totalmente, “integralmente” a Natureza, é mui- to facil. Mas, sobretudo, ela é inacei- tavel em face de uma humanidade em expanstio exponencial, sendo que 90%, vivem mal ou esto sujeitos a caréncias- As reservas naturais integrais podem ocupar apenas pequenas superficies, dreas de protecdo biolégica que equ valem a museus. O problema maior, do qual os conservacionistas aceitam agora quase todos os termos, € 0 de conseguir ordenar a Natureza de tal forma que ela forneca aos homens o maximo de recursos sem sofrer degra- dacées. Incontestavelmente, a solucio & muito mais dificil de encontrar e pra- ticar que a proibigao intransigente. Um bom conhecimento da dinamica do meio natural é, de qualquer forma, um ponto de partida insubstituivel. Mas é preciso também levar em consideracio outros elementos: fatores humanos € econémicos. Neste ponto de nosso encaminhamento devemos confrontar as solugées clabo- radas a partir do conhecimento do meio natural com as condigées demo- graficas, as aptidées técnicas das popu- lagées, sua capacidade de assimilagio de métodos novos, sua maleabilidade diante da inovacio ¢, obviamente, as possibilidades de financiamento, as re- lagdes custo—beneficio, Outro traba- Iho de equipe exige uma aborda- gem coordenada de economistas, socié- logos, gedgrafos humanos. Deve apoiar- se em uma base cartografica, mas de menor amplitude que a do estudo do meio natural. Deve comportar, princi- palmente: — a repartic’o da populacio, sob for- ma de mapas de pontos permitindo re- conhecer a localizagio exata das cé- lulas familiares ¢ dos individuos per- tencentes as principais classes de idade; Bol. Geogr. Rio de Janeiro, 34(251): 15-42, out./dex, 1976 37 38 - a localizagio das infra-estruturas: vias de comunicacao, servicos de trans- porte, meios de armazenamento e de transformagio dos produtos agricolas € florestais; — a implantagdo dos servicos e dos centros sociais: ambulatérios, escolas, centros de atividades culturais, reli- giosas, recreativas. Recomendamos ha varios anos incluir © levantamento destes mapas nos estu- dos para o desenvolvimento (J. Tri- cart, 1968). O Chile acaba de ado- tar esta concepcio. Para firmar a re- forma agréria radical que acaba de ser feita, e para introduzir a gestdo de- mocratica, no campo, 0 Governo deci- diu enviar 4s municipalidades, recente- mente dotadas de um conselho eleito, uma série de documentos cartogrdfi- cos a grande escala: mapa pedolégico, mapa das limitagdes & utilizagio de terras impostas pela preocupacio de conservagio, mapa das aptidées agrico- las, mapas de reparticgo da populacio, de localizagio das infra-estruturas, de implantaco dos servicos, de estrutura da propriedade e da exploracio (ter- ras redistribufdas pela reforma agraria, propriedades individuais, exploragées cooperativas de diversos tipos). O obje- tivo, de natureza politica, é ajudar os camponeses a conhecer melhor 0 qua- dro onde vivem e trabalham. Os téc- nicos das circunscrigdes administrativas enviam estes documentos aos conse- Ihos municipais recentemente criados, aos responsdveis pelas cooperativas, aos comités de reforma agrdria e explicam- Ihes sua natureza e seu significado, pre- parando-os, desta forma, para utilizd- los. Foi decidido, para criar um senso de responsabilidade que nao pode nas- cer nas estruturas agrarias feudais an- teriores, dar 20s comités municipais uma carta de crédito no quadro do Pla- no ¢ levé-los a decidir por si prdprios, em pleno conhecimento de causa, sobre sua utilizaglo. Um didlogo deve ser estabelecido, nesta ocasiéio, entre os organismos recentemente criados € os servicos regionais e nacionais do Plano. Desta maneira, espera-se poder realizar © desencravamento intelectual e civico das regides rurais. O exemplo chileno demonstra que al- guns governos estio _perfeitamente conscientes de toda espécie de proble- mas colocados pelo desenvolvimento, da necessidade de implantar novas es- truturas administrativas e novos pro- cessos para resolvé-los. Quanto a nés, estamos inteiramente convencidos que nenhuma acio de conservacio, de res- tauracdo ou de exploragio racional dos recursos ecolégicos é susceptivel de su- cesso sem a participacio voluntaria de todos aqueles que habitam a regio on- de ela esté sendo conduzida. O cen- tralismo burocratico no pode resol- ver estes problemas em nenhum re- gime. Muitas ordenagdes podem realizar-se sem grandes investimentos financeiros, gragas a um trabalho corretamente orientado dos camponeses. Cabe aos técnicos definir como este trabalho de- ye ser conduzido e escolher, entre as diversas maneiras possiveis, aquelas que podem ser mais facilmente aceitas pelos interessados, Para chegar ai ¢ preci- so elaborar uma sintese dos estudos re- lativos 4 dinamica do meio natural, 4 tecnologia agricola e As caracteristicas sociais das populagées Outras ordenagées implicam em inves- timentos muito pesados, devido a sua propria natureza, como a construcio de barragens, de grandes equipamentos hidroagricolas. Entio é& preciso, além dos estudos precedentes, efetuar compa- ragoes de rentabilidade em escala na- cional € estudar as modalidades de fi- nanciamento. Mas é preciso evitar um defeito muito comum, cujo efeito é tor- nar pouco eficazes os créditos consagra- dos ao desenvolvimento: o de preferir as grandes ordenagdes, as realizacdes espetaculares que agradam o publico, dando margem a que alguns dirigen- tes facam propaganda e oferecendo também beneficios substanciais a toda uma série de firmas. Uma discussio honesta entre todos os _especialistas competentes deve permitir preparar corretamente as opgdes, ressaltando o que pode ser realizado com a partici- pacio das populagées e as limitacées que isto comporta. Se estes limites sio estreitos demais, 0 papel que podem desempenhar realizacdes exigindo in- vestimentos muito pesados deve ser cuidadosamente definido. E preciso evitar que estas realizacdes nao sejam apenas, como acontece, uma solucao de facilidade imediata, que se pode inau- gurar sem que a populacio interessada tenha participado de sua implantacio. De qualquer maneira, a cooperacio desta populacio é uma condigio de- terminante de sua utilizacio eficaz. Mas € depois da inauguracao que apa- recem as dificuldades para obté-la... Os especialistas tém a responsabilida- de de prever os problemas que surgirdo nas diversas hipoteses e de analisa-los. Mas © passo inicial que acabamos de apresentar constitui apenas uma inte- gracio ldgica ¢ ¢ relativa apenas a uma extensio determinada. Deve ser com- pletada por uma outra: uma integra- Gao espacial. 2.2 Classificagdo das regides em fun- Gio dos problemas de ordenacao, Colocar-nos-emos aqui no ponto de vis- ta do meio natural, sem que isto im- plique que tenhamos antolhos para com os aspectos humanos ¢ econdmicos. Nosso encaminhamento baseia-se em um fato da experiéncia: a ordenacéo de uma porc&o de territério afeta as vezes extensdes vizinhas que no estio compreendidas no perimetro de orde- nacio; ela depende também, freqiien- temente, do que se passa nestas regides exteriores. Em resumo, existe uma cer- ta interdependéncia entre areas mais ou menos vizinhas que estio submeti- das a alguns elementos dindmicos co- muns. As bacias fluviais oferecem um excelente exemplo disto. A dindmica destas bacias cria interdependéncias en- tre suas diversas partes, principalmen- te por intermédio do fluxo de agua e de materiais carregados de diferentes maneiras, que define a propria bacia. Portanto, nao é possivel contentar-se em examinar um territério isolado para ordenar. E preciso examinar se existem vinculos de interdependéncia entre ele e as extensGes vizinhas e, quando tais vinculos existirem, anali- sar sua natureza. Isto & indispensavel para apreciar os efeitos “externos” que uma ordenacio pode ter e preconizar medidas tendo como objetivo limité-los se forem nefastos, aproveitd-los plena- mente, no caso contrario. Em resumo, é preciso integrar o perimetro a orde- nar em um conjunto mais vasto. Com J. C. Griesbach definimos, se- gundo este enfoque, um certo numero de tipos de regides, em fungio das possibilidades de ordenagio que pre- cedem Dois pontos de vista diferentes devem ser considerados: 0 primeiro consiste em apreciar a regiio em si mesma, em fungio de seu préprio potencial; o se- gundo, ao contrario, consiste em ava- liar as repercussdes que a dindmica na- tural de uma regio pode ter sobre a de uma outra regitio, em resumo, a evi- denciar a interdependéncia que existe entre diversas regides. Sublinhemos, de passagem, que estas concepgdes podem ser aplicadas também aos fendmenos sécio-econdmicos. O primeiro ponto de vista (possibilidades intrinsecas de ordenagio das regides) leva-nos a dis- tinguir os tipos a, b e ¢ mencionados abaixo. O segundo ponto de vista (in- fluéncia da dinamica de uma regiaio sobre outras) é levado em consideracao nos tipos de e. Est claro que os dois pontos de vista devem combinar-se for- mando uma espécie de entrelacamento como faremos em seguida. Bol. Geogr. Rio de Janeiro, 34(251): 15-42, out./dex., 1976 39 40 | a) As “regiées de producio”. Carac- terizam-se por condigées naturais per- mitindo valorizar seus recursos de for- ma técnica e economicamente satisfaté- ria. Se preferitmos, sao susceptiveis de garantir o rendimento dos investimen- tos que se tem em vista. Observemos que uma mesma unidade pode perfeitamente oferecer niveis de rentabilidade bastante diferentes se- gundo os tipos de ordenacio lembra- dos. Acontece mesmo que, em dadas condigées, somente alguns destes tipos de ordenagio sejam rentaveis, os ou- tros sendo deficitérios. A andlise deve atribuir grande importancia a este as- pecto. Finalmente, acontecem também casos onde varias solugdes técnicas diferen- tes sio possiveis, por exemplo, desen- volvimento da agricultura ou da cria- Gio, silvicultura. Sua rentabilidade po- de diferir exatamente como suas im- plicagdes nos planos humano e finan- ceiro. O diagnéstico levando a classificar uma regido pelas regides de produgio deve ser variado. Pode comportar toda uma série de variantes qualitativas e quan- titativas. b) As “regides marginais". Sio re- gides onde existem possibilidades téc- nicas de ordenagio, mas que nio sio susceptiveis de garantir uma rentabili- dade aceitével dos investimentos neces- sérios para realizd-las. Se preferirmos, sfio regides que nao valem a pena se- rem ordenadas. Esta definigéo bascia-se em critérios pouco delimitados. Comportam uma Targa margem de apreciacio ¢ sio re- lativos. Deixam uma margem muito grande de apreciacio de natureza po- litica: a pressio demografica, a escas- sez dos capitais, a possibilidade ou nao de escolher investimentos mais atraen- tes, os desequilibrios regionais, os as- pectos geopoliticos que intervém. Mui- tas regides marginais na Argentina pais de fraca pressio demografica, merece- tiam importantes ordenagdes na Co- lémbia, pafs com forte taxa de cresci- mento demografico, A comparagao das regides consideradas como marginais nos diferentes Estados esclarece as dis- paridades existentes entre estes Es- tados, Dado 08 critérios de defini¢io lembra- dos, uma mesma regiio pode ser con- siderada como marginal, ainda que nao o fosse anteriormente, devido a uma mudanga da situagéo econémica ou politica a nivel nacional, O inverso pode produzirse também. A conjun- tura desempenha um papel importante na apreciacio. ©) As “regides compostas” silo mosai- Cos nos quais se justapdem dois tipos de meios que oferecem possibilidades di- ferentes. Estes mosaicos podem ser formados por meios susceptiveis de ordenagées de di- versas naturezas, por exemplo: asso- ciam terrenos préprios 3 silvicultura ¢ outros A criaco ou A agricultura. Po- dem também associar tipos de meios produtivos ¢ tipos de meios marginais em diversos graus, conexos ou nio. Como sempre, 0 tipo de mosaico deve ser analisado e cuidadosamente defi- nido. A proporgio dos diversos com- ponentes deve ser indicada também. Nas regiées compostas & preciso pres- tar muita atengio aos fendmenos de contato. A proximidade e a embri- cacao de pequenas unidades suscepti- veis de serem ordenadas diferentemen- te e de receberem investimentos desi- guais devem ser Ievadas em conside- racio tanto para facilitar a vida de relagio entre elas como para evitar desequilibrios gerados por contrastes muito acentuados. d) As “regides conexas” sto regides interdependentes de alguns pontos de vista. Reservamos a expressio a re gides marginais que influenciam re gides produtivas. Nestas condicdes, a dindmica da regiio conexa comanda alguns aspectos da dindmica da regio de’ producio. Portanto, nao é possivel negligenciar a regiio conexa se se decide uma ordenacio da regio de producao. Fazé-lo seria expor-se a erros que colocariam em perigo esta orde- nagio arriscariam tornla inefic © exemplo mais freqiiente de regides conexas nos é oferecido pelas bacias fluviais. As planicies aluviais prestam- se a ordenagées hidroagricolas, tendo por objetivo o desenvolvimento de uma producdo intensiva. Quer se trate de protecio contra as enchentes, de sa- neamento, ou de irrigagio, a bacia-ver- tente desempenha um papel decisivo. ¥ ela quem fornece as aguas contra as quais é preciso se defender ou que sur- ge como um recurso apreciavel. Dela vém os materiais transportados que permitem colmatar as represas, danifi- cat as minas de 4gua, suscitar solapa- mentos das margens. Todo o mundo esta de acordo quanto a isto. Entre- tanto, geralmente é muito dificil estu- dar ¢ tomar providéncias a tempo, que permitam influir sobre uma bacia-ver- tente quando é decidida uma ordena- co a jusante. Portanto, é importan- te evidenciar esta interdependéncia e fazé-la compreensivel a alguns enge- nheiros, aos financiadores, aos planeja- dores, e) As “regiées neutras”, finalmente, sao regides marginais, mas que nao in- | fluem na dinamica das regides vizi- nhas. Os tipos de regides que acabamos de definir ordenam-se em duas séries com- plementares. Realmente, adotamos dois pontos de vista diferentes, que nio se excluem: apreciamos as diver- sas regides em si mesmas (regides de produgio, regides marginais, regides compostas) e, por outro lado, examina- Bol, Geogr. Rio de Janeiro, 34: mos a influéncia das regides umas so- bre as outras: existem regides conexas que influem sobre uma ou varias re- gides de producio vizinhas, e regides neutras que nao o fazem. Desemboca- mos, desta forma, na seguinte taxo- nomia: — regides de producio, conexas, — regides marginais { neutras, — regides compostas. Eniretanto, nao se pode perder de vis. ta que algumas regides de produgio podem influenciar também outras re- gides de producio, principalmente as que estio situadas abaixo das primei- ras nas bacias fluviais. Isto deve ser levado em consideracio quando do es- tabelecimento das recomendacées. 3.2 Recomendacées: Sio a wltima fase dos estudos prepara- térios e devem mostrar claramente as diversas soluc&es possiveis com suas vantagens, seus inconvenientes e, so- bretudo, suas exigéncias proprias. Al- gumas dentre elas sido internas e refe- rem-se & prépria coesio dos projetos regionais. Outras séo externas e dao conta das solidariedades entre unida- des que entram em um mesmo sistema natural ou sécio-econémico. A condi- Gio de nao forgié-la, pode-se evocar uma certa analogia entre os fluxos de maté- ria (agua, materiais transportados) dos fenémenos naturais e as migracées de populacio. Ambos criam solidarieda- des inter-regionais. O conhecimento das estruturas dos sis- temas naturais e sdcio-econémicos per mite apreciar as dinamicas, prever as modificagées que uma ordenacio pode introduzir. Cada unidade deve tam- bém ser estudada em fungéo de seu principio de coesio interna e em fun- G40 de seus vinculos de interdependén- cia com outras unidades mais ou me- nos afastadas. Em nossa opiniao, sto estes pontos de vista, estas concepcées 1): 15-42, out.[dez,, 1976 que constituem a esséncia dos estudos integrados com vistas 4 ordenagio, Tal ponto de vista é capaz de responder a algumas exigéncias exteriores a pes- quisa, Acreditamos ainda que ele po- de contribuir para renovar a pesquisa, para atenuar o desequilibrio entre as andlises pulverizantes, nas quais a pes- quisa engajou-se, ¢ a necessidade de uma visio de conjunto, estruturada, que é indispensavel 4 acto. Expusemos aqui um encaminhamento metodolégi- co que responde as necessidades priti- cas e que foi elaborado ao longo de trabalhos interdisciplinares com nio- gedgrafos. Desejamos que ele contri- bua para convencer alguns gedgrafos do interesse ¢ da necessidade de uma abordagem interdisciplinar entre os proprios gedgrafos... . Até agora a geomorfologia foi conside- rada como fornecedora de um quadro a diversos fendémenos naturais, princi- palmente a pedogénese e & cobertura vegetal. Somente foi utilizada uma concepcio estdtica da geomorfologia, correspondente as descricées fisiogrAfi- cas, por exemplo, nos levantamentos de terras (land surveys) do CSIRO ow no conceito de toposseqiiéncia (ca- tena) dos peddlogos. Ha uma dezena de anos examinamos as interferéncias entre pedogénese e morfogénese, isto 6, as interac6es entre duas “dindmicas”. O presente artigo tenta dar uma visio sinéptica do problema, sob a forma de um primeiro esboco de anilise de sis- temas. Os relevos so mais ou menos instaveis em func&io dos processos que os mol- dam. Este ponto de vista dindmico, oposto ao ponto de vista estatico da fi- siografia, € 0 ponto de partida de um exame das relacées morfogénese—pe- dogénese, ampliado aos problemas de conservacio € de ordenacio agricola. Estes wltimos séo apresentados em um quadro sinéptico onde é Jevado em conta o grau de instabilidade morfogé- nica, a inserc3o espacial dos processos (generalizados ou localizados), a suces- sio, no tempo, dos periodos de maior ou de menor estabilidade. Este ponto de vista dinamico apro- xima-se do que os biogedgrafos e ecolo- gistas vegetais adotaram. Ele mostra- se indispensdvel para abordar eficaz- mente, de maneira interdisciplinar, os problemas de valorizacio e de ordena- G4o, pois as intervencdes humanas que eles implicam modificam necessaria- mente as dindimicas naturais. Desta maneira, abre-se uma nova via ao ¢s- tudo integrado do meio natural. © estudo da andlise dos padrées de uso da terra agricola néo € somente Preocupacao da geografia. Outras disciplinas tem-se empenhado também ao propor modelos normativos para determinadas aspectos da atividade funcional. Desde os de von Thiinen, basicamente descritivo, aos de equilibrio parcial ou estético, de funcao econdmica dindmica, de tomada de decisées e comportamentais, culminando com os de Hargerstrand, alcangando um deles sucesso significativo por sugerir também sua aplicagdo em outros tipos de problemas geogréficos. 0 autor, David W. Harvey, professor na Universidade de Bristol, Inglaterra, analisa esses aspectos de uma forma concisa, demonstrando como sao aplicados os diversos modelos. Transcrito de Annals, vol. 56 n.2 1, marco de 1966, com autorizago da The Association of American Geographers. Tradugao de Joaquim Quadros Franca Conceitos teoréticos e a andlise dos padrées de uso da terra agricola na geografia Na anilise dos padrées de uso da terra agricola os estudos geogrdfi- cos tém sido principalmente ana- liticos de casos de drea tnicos, Re- centemente os gedgrafos tém mos- trado algum interesse na teoria ge- ral em varios tipos de estudo. Uma revisdo da literatura, como a exa- minada neste artigo, revela que al- gumas outras disciplinas tém estu- dado o uso da terra agricola ao construir modelos que expressam o desempenho normativo de alguns aspectos da atividade funcional. Desde o primitivo e basicamente descritivo modelo de von Thiinen, ampla variedade de outros modelos Da Universidade de Bristol, Bristol, Inglaterra, DAVID W. HARVEY * normativos foi desenvolvida, tais como o equilibrio parcial ou estd- tico, a fungéo econémica dindmica, tomada de deciséio, e modelos com- portamentais. Cada um desses ti- pos, ao se tornar operacional para aplicagéo no mundo atual, enfren- ta problemas que envolvem diver- géncia espacial nas condicdes am- bientais, divergéncia espacial na tecnologia agricola ou pratica pro- dutiva, ¢ mudanga evoluciondria através do tempo. Modelos com- portamentais apresentaram acen- tuada melhoria em anos recentes e um dos modelos de Hargerstrand alcangou sucesso parcial bastante Bol. Geogr. Rio de Janeiro, 34(251): 43-62, out.jdez, 1976 44 significative, o qual sugere sua aplicagio em outros tipos de pr blemas geograficos. O éxito parcial com vdrios tipos de modelos di- ferentes aplicéveis & variacéo espa- cial e & evolucdo dindmica sugere experimentacao continuada com ti- pos de modelos, ao empregar pro- cessos estocdsticos, objetivava @ perfeicéo dos modelos espaciais di- ndmicos que serao titeis aos ged- grafos. A analise dos padrdes de uso da terra tem sido, de ha muito, um dos interes- ses bisicos do gedgrafo. Trabalhos pio- neiros sobre o uso da terra agricola de Baker, Jonasson € Whittlesey? fo- ram seguidos por numerosos estudos empiricos de padrées de uso da terra agricola. Nao considerando os traba- Thos pioneiros, esses estudos tém sido, na maioria das vezes, microanaliticos no sentido de que tém tentado examinar as tinicas causas de padrées dentro de areas especificas. Tentativas mais am- plas sobre generalizagio tém sido ra- ras, cm parte porque os gedgrafos nao as tém considerado como suas fungdes para prover amplas generalizacoes, ¢ em parte porque outras disciplinas se mostram interessadas. com teorias do uso da terra, as quais os geégrafos po- diam se referir quando necessirio. Mas, geralmente falando, tendemos a igno- rar as nogdes teoréticas desenvolvidas em outras disciplinas, principalmente pelo fato de que elas demonstram mui- ta “abstragio” para ajudar na pesqui- sa de causas unicas de acontecimentos especificos. Recentemente, algumas opi- nides tendem a alterar o ponto de vis ta de que devemos estar mais interes- sadus nu busca de yeneralicayoes au plas e “leis” que ajudarao a elucidar as estruturas espaciais, Bunge, por exem- plo, tem atacado a nocao de “impari dade” e sugeriu uma abordagem mais teorética para a andlise das distribui- des geograficas.? Pode ser também argumentado que, mesmo se ainda es- tamos basicamente interessados nas explanacées singulares, é também im- portante ter algumas generalizagées cla- ras contra as quais se possa equiparar tais explanacées. Seja qual for a abordagem que ado- temos para a “explanacio” na geogra- fia, é ainda dtil, portanto, possuir algu- ma compreensio geral das teorias de- senvolvidas nas outras disciplinas. Tal compreensio pode ter um propésito du- plo. Pode atuar como guia daquelas explanagées singulares procuradas e in- dicar 0 tipo de explanacio que pode ser apropriado a qualquer caso espe- cifico, Pode também estabelecer a base para o desenvolvimento de uma teoria geral do uso da terra na geografia. Este artigo diz respeito totalmente ao uso da terra agricola. O objetivo é de- linear teorias desenvolvidas em outras disciplinas ¢ avaliar sua utilidade para os gedgrafos. Claro que outros tipos de uso da terra podiam ser considerados (desenvolvimentos recentes na andlise dos sistemas de uso da terra urbano, por exemplo), mas para os propdsitos deste artigo, uso da terra tem signifi- cado agricola, Caracteristicamente, as andlises de uso da terra desenvolvidas em outras dis- ciplinas tomaram a forma de “mode- los” de atividade agricola. Chorley re- sumiu, recentemente, os diferentes ti- 1 ©, E, Baker, “Agricultural Regions of North America’, Economic Geography, Vol. 2 (1926) pp. 459/98; 0. Jonasson, “Agricultural Regions of Europe”, Economic Geography, Vol. 1 (1925), pp. 277-314, € Vol. 2 (1926) pp. 19-48; D. Whittlesey, “Major Agricultural Regions of the Earth”, Annals, Association of American Geographers, Vol. 26 (1936) pp. 199-240 2 W, Bunge, Theoretical Geography, Lund Studies in Geography, Series C, n° 1 (Lund, Sweden, Gleerup, 1962) . pos de abordagem do modelo que po- dem ser adotados, ¢ 0 presente artigo tenta seguir de perto seu resumo com referéncia apenas a um unico campo de interesse. Seria util, todavia, come- car com algum tipo de resumo de co- mo operar um modelo. Um modelo deve especificar trés gru- pos de varidveis ao lado de um con- junto de caracteristicas em operaco (ou funcées) que liga essas varidveis. As varidveis input sio independentes do modelo e¢ scus valores ou atributos sfio determinados pelas circunstincias externas. O modelo seria designado a mostrar como diferentes outputs resul- tarao de diferentes combinages de va lores ou atributos dado as varidveis input. Temos, assim, uma classe de varidveis output que é inteiramente de- pendente do que possa acontecer den- tro do modelo, O modelo pode tam- bém conter varidveis status que espe- cificam certas condi¢Ses que sto impor- tantes dentro do modelo, mas que per- manecem constantes, Se desejarmos for- mular um modelo simples, explicando como o padriio de uso da terra é ado- tado em uma determinada fazenda, po- derfamos especificar as varidveis como se segue: I — Varidveis input (externas a fa- zenda) 1) Demanda de diferentes produtos em mercados especificados sobre um periodo de tempo especificado; 2) Custos do transporte dos diferentes produtos para cada um dos mercados especificados sobre um periodo de tem- po especificado; 3) Custos dos diferentes fatores inputs (trabalho, fertilizantes, etc.). Il — Varidveis status (caracteristicas internas da fazenda). 1) Reserva de capital © recursos fi nanceiros na fazenda; 2) Rendimento dos diferentes produ: tos sob diferentes combinagées do fa- tor input; 3) Disponibilidade total de terra na fazenda. III — Variavel (eis) output 1) Decisdes sobre o sistema de pro- dugio. | Claro que tal modelo (apenas hipote- ticamente demonstrado aqui) requer um conjunto de relacionamentos para ser estabelecido se se pretende torné-lo operacional. Esses relacionamentos de- vem unir as varidveis input, status ¢ output de um modo especifico. No mo- delo esbocado acima, por exemplo, te- mos de especificar que a decisio foi tomada a fim de maximizar a renda e, em seguida, mostrar como decisées di- ferentes produziria diferentes rendas sob diferentes combinagdes de varid- veis input. Se o modelo for para fun- cionar, portanto, esses _relacionamen- tos devem ser quantificados de algum modo (pelo menos devem ser ordena- dos, embora no necessariamente em valor absoluto). Os relacionamentos es- pecificados podem ser de trés tipos distintos: 1) Relacionamentos — deterministicos que especificam seqiiéncias de causa ¢ efeito; 2) Relacionamentos —_probabilisticos que especificam a probabilidade de 8 Esta avaliagio deriva muito de R. J. Chorley, “Geography and Analogue Theory’’, Annals, Association of American Geographers, Vol. 54 (1964) pp. 127/37; G. HL. Orcutt, M. Greenberger, J. Korbel ¢ A. Rivlin, Microanalysis of Socioeconomic Systems (New York, Harper, 1961) ; R.L. Ackoff, Scientific Method: Optimizing Applied Research Decisions (New York, Wiley, 1962); P. Hagget e R. J. Chorley (Eds), Models in Geography (London: a sair) Bol. Geogr ‘Methuen, prestes Rio de Janeiro, 34(251): 43-62, out./dex., 1976 46 uma causa particular conduzindo a um efeito particular; 3) Relacionamentos funcionais que especificam como duas variaveis so re- lacionadas (ou correlacionadas) sem, necessariamente, indicar qualquer rela- cionamento de causa e¢ efeito. As caracteristicas operacionais sio cru- ciais para a operagio do modelo. Po- dem ser derivadas ou dedutivas como, por exemplo, quando admitimos racio- nalidade da parte do homem “econé- mico”, ou podem ser derivadas induti- vamente de observagdes empiricas ou de uma combinacio de ambos os pro- cessos, Naturalmente, qualquer modelo possui apenas uma correspondéncia limitada com o mundo real. Basicamente um modelo examina um conjunto de re- lacionamentos dentro de um sistema “fechado” e a aplicabilidade do mo- delo dependera do modo pelo qual o modelo tenha sido “fechado”, i. é., as especificagdes € suposigdes feitas no mo- delo, O desenvolvimento da teoria dos sistemas gerais indica, entretanto, que & importante tentar ligar modelos bas- tante limitados dentro de um quadro analitico de referéncia mais amplo. No momento existem muitos modelos di. ferentes que estéo em uso na anialise dos sistemas de uso da terra agricola. A variedade deles nao é, de modo al- gum, uma desvantagem, uma vez que nao consideramos um modelo excluin- do automaticamente outro. Ao mesmo tempo, parece conveniente explorar al- guns dos elos e relacionamentos entre esses modelos, pois somente deste modo podemos esperar que seja desenvolvida qualquer teoria geral de sistemas de uso da terra.* 4 L. von Bertalanffi, “General Systems Theory”, General System Yearbook, vol. 5 pp. 1-10. MODELOS NA AGRICULTURA Podemos agrupar grossciramente mo- delos de atividade agricola conforme ponham énfase sobre os aspectos eco- némicos do problema ou sobre os as pectos comportamentais. Podemos, além disso, subdividir cada grupo con- forme o quadro seja normativo (des- crevendo o que deve estar sob certa suposigio) ou descritivo (descrevendo © que realmente existe). Na pritica os modelos econdmicos desenvolvidos até agora tendem a ser normativos, enquan- to que os modelos comportamentais tendem a ser descritivos. Mas essas sio apenas tendéncias, e 0 quadro do mo- delo nao é, necessariamente, governado por seu contetido, Modelos Econémicos da Distribuigao Espacial da Agricultura O Modelo de von Thiinen O modelo clissico de locagiio agricola desenvolvido por von Thiinen® cor- responde a uma andlise econométrica de suas propriedades em Mecklenburg, das quais muitas das varidveis que afetam a determinagao dos sistemas de uso da terra podem ser derivadas. A analise de von Thiinen é basicamente descritiva, de preferéncia a normativa, e conceitos como o “estado isolado” so introduzidos mais com propésitos txpositivos do que como suposigées para uma teoria formal. Como salien- tou Chisholm, as nogdes de von Thii- nen no constituem uma teoria como tal. Mas escritores posteriores, parti- cularmente Hoover, Lésch, Dunn e (1956) 5 Estou em débito com Peter Hall do Birkbeck College, Londres, pelo empréstimo de uma tadugio manuscrita do trabalho de von Thiinen que esté para ser publicado breve- mente pela Pergamon Press (Londres) . © M. Chisholm, Rural Settlement and Land Use (Londres: Hutchinson, 1962), p. 21 Isard, ? usaram 0 quadro esbogado por von Thiinen como base para um mo- delo normativo. Este modelo no sera descrito em detalhe, uma vez que j4 existem varios relatérios disponiveis, § e a discussio de seus principais aspec- tos se referiré apenas versio norma- tiva dele. © modelo normativo explica como o padrao de uso da terra se desenvolvera sobre a superficie de uma planicie de fertilidade uniforme e de igual faci lidade de transporte, considerando que apenas existe um mercado. A principal varidvel input no modelo é 0 custo do transporte, o qual se admite aumentar com a distancia do mercado e que admite, portanto, determinar um pa- drao de “preco local” para cada mer- cadoria, Isto significaré que o retorno econdmico (ou renda econdmica, como é as vezes chamada) associado a qual- quer uma mercadoria declinaré com a distancia do mercado, Se apenas um produto é cultivado, claro que entio a intensidade da producao daquela mer- cadoria declinaré com a distancia do mercado. Quando varios produtos sio introduzidos no esquema, temos de re- conhecer que diferentes mercadorias terio dado forma, diferentemente, a fungées de renda sobre © espaco, uma vez que 0 custo do transporte variarA de acordo com o volume ¢ a perecibili dade da mercadoria, O relacionamento normativo admitido no modelo é o que se supde querer maximizar a ren- da econémica. Este relacionamento é usado para mostrar como as zonas con- céntricas do uso da terra emergirao das suposicdes dadas. 7 A demonstragio mais simples da teoria foi dada por Hoover.? Suponhamos que a producio leiteira de um dado acre de terra pode ser enviada ao mer- cado na forma de 11 litros de leite, 4,5 quijos de creme ou 450 gramas de manteiga. Pode ser mostrado, rapida- mente, que com o custo unitario de transporte por libra (450 g), 0 produ- to seré enviado, como leite, proximo ao mercado ¢ como manteiga mais além do mercado, com o creme enviado de uma zona entre os dois. Usando este tipo de andlise, os tedricos da locali- zacio agricola’ demonstraram como uma diferenciacio regional no uso da terra ocorrerd sobre o espago, de acor- do com a distancia do mercado central. Desvios deste padrio simples “espera- do” pode, entao, ser considerado. Von Thiinen mostrou a importincia de tais fatores como combinacées de culturas, diferenciais na facilidade de transporte, a existéncia de varios mercados, varia- Go no custo da produgo (particular- mente diferencas devidas a variacdes na fertilidade natural e no custo dos fatores inputs que nao seja a terra), assim como fatores externos que po- diam interferir com a estrutura espa- cial dos precos (tais como tarifas). ‘Todos esses aspectos foram considera- dos e elaborados nos trabalhos subse- qiientes de Brinkmann, Hoover, Lésch e Dunn.1° A base normativa do modelo de von Thiinen reside na aplicagio da eco- nomia marginal em problemas de subs- tituigéo de custos sobre a distancia Mas a despeito da introdugiio de mui E. M. Hoover, Location Theory and the Shoe and Leather Industries (Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1937); A. Lisch, The Economics of Location, traduzido por W. H, Woglom e W. F. Stolper (New Haven: Yale University Press, 1954); E. S. Dunn, ‘The Location of Agricultural Production (Gainesville: University of Florida Press, 1954) ; W. Isard, Location and Space-Economy (New York: Wiley, 1956). 8 Veja particularmente Chisholm, op. cit, nota 6 Isard, op. cit, nota 7. ® Hoover, op. cit, nota 7, pp. 30/3. 10 E. T. Benedict (Ed), Theodor Brinkmann’s Economic of the Farm Business (Berkeley: University of California Press, 1935); Hoover, of. cit., nota 7; Lésch, op. cit, nota 7; Dunn, op. cit., nota 7 Bol. Geogr. Rio de Janeiro, 34(251): 43-62, out.[dez., 1976 48 tas outras varidveis no modelo, este contém diversas suposicées “built in” que limita sua aplicabilidade a situa- oes da vida real. Admite completa disponibilidade de informacdo, ou me- Thor, admite que falta de informacées é apenas um problema a curto termo, sem efeitos a longo termo, Admite com portamento “econdmico” completamen- te racional da parte de individuos que devem estar preparados para mudar seu sistema de uso da terra para tirar proveito mesmo com pequeno ganho liquido na renda econdmica. Essas su- posicées nZo constituem deficiéncia no modelo como tal, mas sua natureza in- dica, de fato, onde deviamos olhar para compreender as diferengas entre. mo- delo e a realidade. Rejeitar o modelc por essas razdes deixaria de se obter o essencial da economia normativa. Mas existem dois pontos onde amplia- ¢Ges do modelo sem 0 cuidadoso exame das suposicées implicitas podem levar a erros de predicio a respeito dos sis- temas de uso da terra. Primeiro, 0 modelo é 0 de equilibrio parcial (Garrison e Marble fornecem uma especificagio do modelo que po- de ser resolvido por um sistema de equagées simultaneas)..** Von Thiinen nao estava interessado no “confuso fendmeno de transicZo” e es- qitores posteriores tém se inclinado a ignorar os problemas de modificagio através do tempo. A maior parte admi- tiu que qualquer modificagio na tec- nologia, demanda, custo de transporte, etc. seria acompanh-da por um ajuste automatico no sistema de uso da ter- ra. O essencial aqui nao é que isto seja improvavel de acontecer na rea- lidade, mas que podia bem ser um mau pensamento econémico normativo. A transigio de um modelo de equili- brio estatico em economia para um mo- delo de crescimento dinamico nao é, de modo algum, facil, e 6, portanto, com alguma justificativa que Garrison critica a apresentacio de Dunn pelo fato de que ela: 1 no vai muito além de uma and- lise de equilibrio estatico em nivel de indistia. Discusses em nivel de empresa e a discussio dos fatores di- namicos so superficiais, embora estimulante em espagos ocupados. No momento a pergunta de como o modelo teorético consideraria, sob su- posigdes de continua modificacdo tec- nolégica € alteragio de demanda, per- manece n@o somente sem resposta co- mo amplamente desconsiderada. Segundo, a extensio da técnica da and- lise marginal para uma situacio de mercados miultiplos falha ao se fazer questiio de que sistemas de producio podem ter seus custos alterados de acor- do com sua amplitude de desenvol mento. Admitimos, por exemplo, que o sistema de producao desenvolvide em torno de um grande mercado metropo- litano nao possui uma escala de van- tagens sobre um sistema de produgio desenvolvido em torno de um esta- belecimento mais modesto. Claro que isso é improvavel. Podemos achar que economias de escala em torno de um grande mercado significard, substancial- mente, custos de produgio mais baixos em relacio ao pequeno mercado. Se esta vantagem de custos € mais com- pensadora do que o custo do transpor- te para alcancar o pequeno mercado, entdo esperarfamos, logicamente, que © sistema de produgio em torno do pequeno mercado fosse suprimido. Isto pode bem explicar porque cidades de iL W, L, Garrison e D, F, Marble, “The Spatial Structure of Agricultuial Activities", Annals, (1957), pp. 137/44. Association of American Geographers, vol. 47 12 W. L. Garrison, Geographers, Vol. 49 (1959), p. 284. ‘The Spatial Structure of the Economy”, Annals, Association of American tamanho intermediario nZo desenvol- vem um sistema especial de produgio em torno delas. Nesses dois aspectos 0 modelo de von ‘Thiinen se apresenta carente de algu- ma revisio teorética e, indubitavel- mente, revises nessas linhas tornario 0 modelo bem mais realistico. Modelos de Equilibrio Inter-regional da Locagio Agricola O modelo de von Thiinen possui a vantagem de que pode ser visto ope- rando continuamente sobre 0 espaco, e por meio do uso da andlise marginal mostra como os sistemas de uso da terra se transformario gradativamente em um outro sobre uma série continua. Existem outras abordagens para a and- lise do equilibrio espacial que sio de- duzidas ao conceptualizar areas como pontos. Esta abordagem tem suas rai- zes na teoria classica do comércio in- ternacional. Produtores, fatores de produgio, produtos ¢ consumidores sio tratados como se estivessem loca- dos em uma série de pontos discretos, com o custo de transporte zero sepa- rando-os, Uma aniilise da vantagem comparativa, entio, “explica” diferen- ¢as no tipo de producio em diferentes pontos (desde que ocorra o comércio). Um trabalho posterior de Ohlin e os tedricos da locagéo, ampliou este qua- dro para um modelo de equilibrio es- pacial geral no qual 0s custos do trans. porte foram incluidos especificamen- te, No periodo apés a Il Guerra Mundial novas técnicas de compu- tagio (em particular aquelas associa- das 4 analise de atividade) conduziram a um modelo mais precisamente defini- do de equilibrio espacial, e Enke, Sa- muelson ¢ Beckmann tentaram tornar © modelo operacional,!* O. problema geral é formulado por Enke da seguinte maneira: 16 Ha trés regides comerciando uma mercadoria homogénea. Cada regidio constitui um unico e distinto mer- cado. As regides de cada possivel par de regides sto separadas — mas nao isoladas — por um custo de transpor- te... Para cada regio -as fungées que relacionam producio local e uso local de preco sio conhecidas e, con- seqiientemente, a magnitude da di- ferenca que sera exportada ou im- portada em cada preco local é tam- bém conhecida. Dadas essas fungées de comércio e custos de transporte, desejamos averiguar: 1) 0 preco li- quido em cada regiio; 2) 0 volume de importacdo e exportaco de cada regio; 8) que regides exportam, im- portam ou fazem ambas as coisas; 4) © comércio associado 4 mercadoria; 5) © volume e direcéo do comércio entre cada possivel par de regides. Enke demonstrou como o problema po- dia ser tratado por meio de compu- tagio eletrénica, mas Samuelson, poste- riormente, lidou com ele matematica- | mente.1? O problema é, naturalmente, bastante limitado, Nao leva em consi- | deracao, por exemplo, a tendéncia dos | fatores méveis de prdoucio de se mo- | verem em resposta aos diferenciais re- | gionais no fator custo, Capital, traba- 48 Este aspecto era caracteristico da Inglaterra durante 0 século dezenove. MB. Ohlin, Interregional and International Trade (Cambridge, Mass: Harvard University Press, 1933) ; E, O. Heady, Economics of Agricultural Production and Resource Use (Englewood Cliffs, N. J: Prentice Hail, 1952) . 15 §. Enke, “Equilibrium among Spatially Separated Marke (1951), pp. 40/7; P. A. Samuelson, inear Programming”, American Economie Review, vol. 42 (1952), pp. 283-803; M. Beckmann, Econometrica, vol. 19 : Solution by Electric Analogue”, ‘Spatial Price Equilibrium and “A Continuous Model of Transportation’, Econometrica, vol. 20 (1952), pp. 643/60. 16 Enke, op. cit, nota 15, p. 41. 17 Samuelson, op. cit., nota 15. Rol. Geogr. Rio de Janeiro, 34{251): 43-62, out,|dez., 1976 49 50 lho, habilidade empresarial, etc., sio todos parcialmente méveis, ¢ deve ser uma das suposicées bdsicas de um mo- delo de equilfbrio espacial que nao haja diferencas geograticas no retorno dos recursos ou que tais diferencas es- tejam presentes, mas totalmente esta- veis sobre o tempo. Neste ponto, entre- tanto, o problema relativamente limi. tado proposto por Enke se torna em- butido em um problema bem mais complicado de equilibrio regional no crescimento econédmico como um todo. Mas fora destes estudos teoréticos an- teriores, diversos modelos operacionais foram desenvolvidos. Esses modelos sio, basicamente, de dois tipos: 1) Mo- delos input-output; e 2) modelos de equilibrio espacial. Modelos Input-Output Esses modelos foram, inicialmente, de- senvolvidos por Leontieff como um ins- trumento para examinar os_ inter- relacionamentos estruturais dentro de uma economia nacional, mas a técnica foi, posteriormente, desenvolvida a ni- vel regional por Isard, Moses, Chenery outros."* Na anélise da produgio agricola, Peterson e Heady, Schnittkar e Heady, e Carter e Heady usaram tam- bém o modelo: 1° quantificar os inter-relacionamentos € graus de interdependéncia entre os diversos sctores regionais e de mer- cadorias da agricultura, assim como entre esses setores € o do industrial da economia. 18 W. W. Leontieff, Studies in the Structure of the American Economy (New York: O modelo é fundamentalmente descri- tivo dos inter-relacionamentos existen- tes, mas admitindo a estabilidade dos coeficientes tecnolégicos pode ser usa- do para projetar o impacto das modi- ficagdes econdmicas globais (ou modi- ficagdes politicas) no padro de pro- dugio dos diferentes setores de produ- gio dentro das diferentes regides. Esses modelos sio muitos generalizados ¢ es- tJo estreitamente relacionados a ou- tros modelos de equilibrio espacial, mas sio dificeis de operar por causa das diversas regides e mercadorias que tém de ser especificadas se se pretender que o modelo tena algum significado, Nao sero, portanto, mais discutidos aqui. Modelos de Equilibrio Espacial Sem dhivida, a técnica mais operacional para examinar o equilibrio espacial na produgio agricola € através da aplica- (0 da programacio linear para deter- minar 0 padrao de producio étimo de uma ou talvez de diversas culturas. Conquanto que certas informagdes se- jam conhecidas, ou possam ser razoa- velmente estimadas, é possivel determi- nar onde a produgio deve ser locada e se certos objetivos serio alcancados. O objetivo a ser alcangado pode ser a mais alta taxa de lucro entre todos os pro- dutores, ou alguma outra medida de “utilidade”, Estudos anteriores de Fox, Fox e Taeuber, Judge e Wallace, Hen- derson e outros tém sido seguido de perto por estudos intensivos de Heady e seus colegas do Estado de Iowa ¢ Oxford University Press, 1958); W. Isard, Methods of Regional Analysis (New York: Wiley, 1960) , capitulo 8; H, B. Chenery, “Interregional and International Input-Output Analysis”, in T. Barna (Ed), Structural Interdependence of the Economy (New York: Wiley, 1954) ; L. Moses, “A General Equilibrium Model of Production, International Trade, and Location of Industry”, Review of Economics and Statistics, vol. 212 (1960), pp. 373/97. 19 G, H. Peterson e E, O. Heady, Application of Input-Output Analysis to a Simple Model Emphasizing Agriculture; J. A. Schnittkar ¢ E, O. Heady, Application of Input-Output Analysis to a Regional Model Stressing Agriculture; e H. A. Carter ¢ E. O. Heady, An Input- Output Analysis Emphasizing Regional and Commodity Sectors of Agriculture, towa Agricultural and Home Economics Experiment Station Research Bulletins n.° 427 (1956), 454° (1958) 469 (1959) (Ames, Iowa) . outros estudos em Illinois. Seria di- ficil resumir este trabalho aqui, pois cada modelo desenvolvido varia de acordo com 0 problema a ser resolvido € 0s dados disponiveis, Mas parece con- veniente descrever uma contribui¢io com algum detalhe. Egbert, Heady e Brokken descreveram recentemente trés modelos de_produ- Go de cereais nos Estados Unidos, dos quais os padrées regionais de pro- duo de cereais étimos podem ser de- duzidos de certas suposicdes. O obje- tivo basico do estudo era: 24 determinar como a producgio para satisfazer a demanda de cereais podia ser melhor distribuida entre as regies para maximizar retornos liquidos aos fazendeiros, coletivamen- te, ou maximizar os custos das neces- sidades de alimento para os consu- midores. Para fazer isto os Estados Unidos fo- ram divididos em 104 regides produ- toras de cereais (respondendo por noventa por cento da produgio total dos U.S.) e para cada uma dessas re- gides foram coligidos dados concernen- tes a custos de produgio e rendimento por acre. A Area total com cereais em 1953 era considerada como a maxima disponivel possivel para a produgio em cada regio. Os trés modelos, entao, se diferem. Os dois primeiros modelos admitem que os precos regionais cons- tituem um reflexo preciso do custo do transporte para 0 mercado (raciocinio similar para a forma de von Thiinen pode ser aplicado aqui) e o problema se torna o de calcular como os fazen- deiros devem distribuir sua producio para maximizar o Iucro com referéncia aos precos regionais. O modelo de pro- ducio-distribuicio, entretanto, tenta es- pecificar . nao somente onde o trigo e os graos forrageiros seriam produzi- dos... mas para qual destino se es- coariam... Tanto os custos da pro- ducgio priméria como os custos da distribuicio comporiam o objetivo a ser minimizado no modelo. A fim de fazer isto, a demanda nacio- nal de cereais foi distribuida em dez regides de consumo, e o custo do trans- porte foi medido como taxa de frete do centro de cada regido produtora para o centro de cada regidio consumi- dora. Usando a programacio linear, um padrio étimo de fluxo de trans- 20 Existem muitos estudos sobre o equilibrio espacial na agricultura e a relagio a seguir € apenas uma selecio: K. Fox, “A Spatial Equilibrium Model of the Livestock-Feed Economy in the Unted States”, Econometrica, vol. 2 (1958), pp. 547/66; K. Fox and R. Taeuber, “Spatial Equilibrium Models of the Livestock-Feed Economy", American Economic Review, vol. 45 (1955), pp. 584-608; G. T. Judge e T. D. Wallace, “Estimation of Spatial Price Equilibrium Models”, Journal of Farm Economic, vol. 50 (1958) , pp. 801/20; J. M. Henderson, “The Utilization of Agricultural Land: A Theoretical and Empirical Inquiry”, Review of Economics and Statistics, vol. 41 (1959), pp. 242/60; E. ©, Heady (Ed), Agricultural Supply Functions (Ames: Iowa State University Press, 1961); A. S. Mane and H. M. Markowitz (Eds.), Studies in Process Analysis, Cowles Foundation Research Monograph n.° 18 (New York: Wiley, 1963); A. S. Egbert and E, O. Heady, Regional Adjustments in Grain Production: A Linear Programming Analysis, U.S. Department of Agriculture, Technical Bulletin n° 1.241 (Washington: Government Printing Office, 1961) ; A. S. Egbert, E. O. Heady e R. F. Brokken, Regional Changes in Grain Production, lowa Agricultural and Home Economics Experiment Station Research Bulletin n.° 521 (1964) (Ames Iowa); E. O. Heady ¢ A. S. Egbert, “Regional Programming of Efficient Agricultural Production Patterns”, Econometrica, vol. 32 (1964) , pp. 374/86; T. A. Hertsgaard, Optimum Patterns of Production and Distribution of Livestock and Poultry Products, Upper Midwest Economic Study, Technical Paper n° 10 (1964) (Minneapolis: University of Minnesota) ; Interregional Analysis of the Soybean Sector, Depart ment of Agricultural Economics, University of Llinois, Reports n° “AERR-67 (1963) ¢ .° AERR-55. (1962) (Urbana, Illinois) . 21 Egbert, Heady, e Brokken, op. cit., nota 20. Bol. Geogr. Rio de Janeiro, 34(251): 43-62, out./dez., 1976 51 porte ¢ um padrdo de produgio étimo foi entao determinado, © interesse pelo terceiro modelo nao esté tanto nos resultados empiricos (embora estes sejam interessantes em si), como no modo pelo qual “explica” 08 padrées de locagio agricola ao exa- minar a interagaéo entre os custos de produgio regional, distribuicio de custos entre regides e demanda regio- nal. Naturalmente que ha muitos de- feitos bem reconhecidos no modelo. Admite homogeneidade de produtos entre regiées, coeficientes de’ produ- Gao constante dentro das regides, e ha problemas de, simultaneamente, exa- minar a competigio entre diversas culturas ao mesmo tempo. Esses problemas estao todos delineados na li- teratura.?? Mas existem dois pontos in- teressantes a respeito desse modelo, Primeiro, o método de avaliar as va- riaces do custo de producio entre re- gides em jogo. No artigo acima men- cionado, insumos como trabalho, ma- quinaria, fertilizantes, ‘sementes, pes- ticidas e outros itens variados sao re- lacionados. Ao adotar esta abordagem empirica, esté inclufdo o impacto do ambiente: sobre os padrées do custo de producio. O método pode, assim, ser melhor aplicado ao problema da ¢s- pecializacao inter-regional sem conside- rar o impacto direto do fator fisico. Mas para propésitos especfficos 0 mo- delo pode ser um instrumento pode- roso, como Wolpert e outros tém mos- trado. 8 Segundo, 0 problema de retorno para escalas a nivel inter-regional nao é es- pecificamente tratado, Variagdes no custo da produgio e quantidade pro- duzida sio dificeis de introduzir dire- tamente no modelo por questdes técni- cas ¢ como com o modelo de von Thii- nen, condigées dinamicas podem ape- nas ser examinadas por ajustamentos ad hoc para-os dados input do modelo através do tempo. Em geral, este tipo de método de equilibrio espacial, toda- via, apresenta destacadas vantagens so- bre a abordagem de von Thiinen co- mo um procedimento operacional. Ao usar dados empiricos sobre precos, custo de transporte para o mercado, estima tiva da demanda regional e estimativa do custo de produgio regional, 0 mo- delo introduz sélida base descritiva em- pirica. O uso da programagio linear para determinar uma solugéo étima situa 0 modelo como normative, mas muitas das desvantagens dos modelos completamente normativos sio elimi- nadas ao langar mao de dados empi- ricos. Uma das maiores dificuldades aqui, naturalmente, € obter os dados empiricos certos para manter o mo- delo. Modelos Econémicos Dindmicos Os modelos discutidos até agora tém sido os de equilibrio parcial ¢ sugere, naturalmente, a questo de como sa- tisfatérios séo esses modelos ao inter- pretar os padrdes de locacio sujeitos a rapidas e, com freqiiéncia, bruscas modificacées na tecnologia e demanda através do tempo. A dificuldade de in- corporar retornos em escala nos mode- los de equilibrio parcial ja tem sido observado, ¢ somente solugdes ad hoc para este problema parece exeqiiivel. Do ponto de vista da teoria econémica © debate deve depender de até onde as conclusées tiradas da andlise do equi- librio parcial pode ser aplicado a si- tuagées dinamicas, Myrdal argumentou eficazmente que os fatores siginficativos 22 Veja, em particular, as discussdes em Manne € Markowitz, op. cit., nota 20. 23 J. Wolpert, “The Decision Process in Spatial Context”, Annals, Association of American Geographers, vol. 54 (1964), pp. 537/58; e R. L. Morril ¢ W. L. Garrison, “Projections of Interregional Patterns of Trade in Wheat and Flour”, Economic Geography, vol. 36 (1960) , pp. 116/26. em uma situagio dindmica sio tao radi- calmente diferentes dos fatores deter- minantes numa situacao estatica que é melhor no associar os dois tipos de modelo. Bort ¢ Stein, por outro lado, discordam com o ponto de vista de Myrdal na medida em que eles se re- ferem ao equilibrio econdmico dentro clos paises.2# Este argumento concernente a tealiza- gio ou nao realizacio do equilibrio no retorno dos recursos dentro de um pais, conhecida a livre interagio das forcas econdémicas, é relevante para a geogra- fia. Os fatores de producgio, trabalho € capital sio méveis e os modelos de equilibrio espacial desenvolvidos até agora nfo podem incorporar neles qualquer ajuste a longo prazo no des- dobramento desses fatores de producio. Igualmente, retornos de escala podem resultar em modificagdes crescentes dentro do sistema agricola que pode apenas se tornar sem importancia de- pois de um periodo muito longo de tempo. E sob condigées modernas é extremamente improvdvel que uma mudanga techoldgica abandonard os relacionamentos estdveis através de uma década, se tanto. Isto significa, implesmente, que o equilibrio é im- provavel de ser conseguido, e conhe- cida a importincia destas répidas mudangas externas, tanto na demanda como na tecnologia, resta mostrar quiio importante é a tendéncia para o equi- Lbrio, como postulado nos modelos considerados até agora, para explicar mesmo os principais elementos em qualquer padrfio de locacio agricola. Nogdes de equilibrio econdmico dind- mico criam todos os tipos de dificulda- des conceptivas se ¢ quando tentamos demonstrar sua operagao através do es- pago. E talvez conveniente salientar que esta dificuldade se estenda a to- das outras formas da teoria da loca- cao © nao seja simplesmente confinada a agricultura.2 O crescimento econd- mico envolver4, quase invariavelmen- te, os ajustamentos espaciais nos siste- mas agricolas, e esses ajustamentos con- duzirao, por sua vez, a modificagées na taxa € direcdo do crescimento econémi- co. O modelo de von Thiinen, conten- do nogées explicitas de comportamento A margem (embora essas nogées pare- cam irreais), tem alguma aplicabilida- de no avanco e movimento de frontei- ras da atividade agricola nos paises em desenvolvimento, Ha ampla analogia entre a idé¢ia de fronteira de coloni- zagio deslocando-se através de um pais ¢ 0 modelo dinamico de von Thiinen onde, por exemplo, a regido costeira é considerada como mercado central. Em paises como Argentina, Brasil, Austra- lia e os Estados Unidos no século de- zenove, 0 modelo dindmico de yon Thiinen pode ser uma generalizacio apropriada para cada processo compli- cado de expansio colonizadora 2° Os modelos de equilibrio espacial po- dem também ser adaptados para levar em considera stos reais da mo- dificacao de um sistema de agricultura para outro. Assim, Henderson tratou © sistema de uso da terra em qualquer ano como uma funcdo do sistema de 24 G. Myrdal, Economic Theory and Underdeveloped Regions (London: Duckworth, 1957); c G. University Press, 1964) . 25 L. Curry, “The Geography of Service Centres within Towns: Operational Approach’, in K. Geography, Lund 1960 (Lund, 26 Para uma excelente revisto da H. Bort e R. L. Stein, Economic Growth in a Free Market (New York: Columbia The Elements of an Norborg (Ed.), Proceedings of the IGU Symposium in Urban eden: Gleerup, 1962), pp. 31/53 tese da fronteira” veja J. L. M. Gulley, “The ‘urnerian Frontier: A Study in the Migration of Ideas”, Tijdschrift voor Economische en Sociale Geografie, vol. 50 (1959), pp. 65/71 e 81/91; veja também W. D, Wyman ¢ C. B. Krocber, The Frontier in Perspective (Madison: University of Wisconsin Press, 1957) Rol, Geogr. Rio de Janeiro, 34(251): 43-62, oul.jdex., 1976 53 54 uso da terra no ano anterior mais al- guns componentes de modificagdes de- terminados pelos resultados da progra- macao linear para o equilibrio inter- regional .27 Deste modo, alguns pontos de fric- cdo envolvidos na transferéncia de recursos de um tipo de sistema de pro- dugio para outro foi introduzido no modelo, Contudo, a dificuldade de de- senvolver modelos dinamicos normati- vos adequados reside, principalmente, nas suposigées que se é forcado a fazer a respeito do comportamento de toma- da de decisées. Isto pode ser parcial- mente superado ao desenvolver mode- Jos dindmicos que usam relacionamen- tos estocisticos de preferéncia aos de- terministicos.28 Mas necessitamos real- mente definir esses relacionamentos em. termos de comportamento de tomada de decis6es por parte do empresariado, pois somente entéo um modelo dinami- co que descreva a evolucio de um sis- tema de uso da terra sera baseado em - nogGes realisticas dos processos que con- trolam essa evolugio.2 Tais modelos sao destinados a ser com- plexos e quase com certeza envolverd processos de simulacio se se dispuse- rem a ser testados.# Modelos de Tomada de Decisées Tanto o modelo de von Thiinen como © do equilibrio inter-regional tendem a agregar unidades individuais e ana- lisar os padrées de uso da terra a nivel de “industria”. 21 Henderson, op. cit, nota 20. 28 Chorley, op. cit., nota 3; M.S, Bartlett, dn University Press, 1960) . 29D, W. Harvey, “Models of the Evolution Haggett and Chorley, op. cit., nota 3. Mas quando lida com estruturas .¢- gionais este tratamento sc torna tanto menos apropriado quanto menor for a regio, a menos que seja admitido que © que seja “étimo” a nivel de fazenda seja também “timo” a nivel de indus- tia. A maior parte dos textos sobre economia agricola trata do problema da unidade do estabelecimento agrico- Ja individualmente, e resta mostrar co- mo este tratamento pode ser dispensa- do as andlises acumulativas dos ted- ricos da locacio. No final das contas, um padrio de locacio agricola é 0 re- sultado de numerosas decis6es indivi- duais. Um exame das teorias de toma- da de decisées traz & luz alguns pro- blemas interessantes em relac3o aos padrées agricolas. Uma das suposigdes dos modelos nor- mativos até agora discutidos é a de que informacées completas estejam 2 dis- posigio dos fazendeitos. Mas o fazen- deiro tem de tomar uma decisio “ra- cional” sem conhecimento prévio de lucros ou, na maioria dos casos, de precos. A teoria da tomada de decisio foi desenvolvida para lidar com o pro- blema de otimizar decisées em face do risco ou incerteza, ¢ talvez valha a pena dar uma olhada mais apurada na “Teo- ria do Jogo” na medida em que se relaciona 4 tomada de decisao dos fa- zendeiros. O texto basico sobre a Teoria do Jogo de von Neumann e Morgenstern apare- ceu apenas em 1944, mas desde esta data a teoria passou a ter amplas apli- Introduction do Stochastic Processes (Cambridge: of Spatial Patterns in Human Geography”, in 30 T, Haigerstrand, Innovationsforloppet ur Korologiska Synpunkt, Meddelanden, Lunds Universitets: Geografiska Institutionen, n° 25 (1953); R. L. Morrill, Migration and the Spread and Growth of Urban Settlement, (1965) - Lund Studies in Geography, Serie B. n.° 26 cagées.*! Como procedimento operacio- nal a aplicagdo da teoria a situagdes da vida real requer técnicas computacio- nais sofisticadas. Mas as nogdes basicas contidas na teoria podem ser demons- trada com muita simplicidade. Supo- nha-se que um fazendeiro tenha de es- colher entre trés sistemas de cultivo e que pode apenas escolher um dos trés sistemas (excluida escolha mista). E suponha-se que a renda derivada de cada sistema de cultivo dependa das condicées do tempo e que apenas qua- tro tipos diferentes de condigoes de tempo podem ocorrer. Podemos, ent&o, construir uma matriz (chamada matriz de pagamento) que mostra o retorno em potencial: Sistema de Gondigdes de tempo Cultivo 1 2 6 4 (nivel de renda em libra) A 450 550 600 500 B 700 300 900 «840 c 0 1.000 0 3.000 © problema é determinar a “melhor” solucio. Existe uma variedade de cri- térios que pode ser usada. Podiamos, por exemplo, admitir a solugio de “méximo-minimo” onde adotamos o sistema de cultura que maximiza a renda minima. O sistema A no exem- plo acima d4 a renda minima mais alta de £ 450. Por outro lado, se po- demos admitir que cada conjunto de condigées de tempo ocorrera com a mesma freqiéncia relativa sobre um periodo de tempo, entZo a média glo- bal de retorno do sistema C_ seria £ 1.000 por ano, que é bem maior do que a média de retorno dos outros sis- temas (£ 528 ¢ 560, respectivamente). Estas duas solucdes divergentes apre- 31 J. von Neumann e ©, Morgensten Theory of Games and Economic Behavior (Princeto: sentam uma dificuldade, uma vez que © tipo de critério usado para avaliar a matriz de pagamento afetard a deci- so sobre o sistema de cultivo. E a questZio que surge é a de quais crité- rios sio compativeis com os modelos de von Thiinen e o de equilibrio espa- cial da agricultura. Von Thiinen consi- derou as’ flutuagées nos precos e lu- cros como sendo distiirbios a curto ter- mo, que nao exerciam impacto basico sobre o resultado da realizagao do equi- Mbrio, Mas a partir da Teoria do Jogo é evidente que isto nao pode ser o caso, mesmo se tentamos solugées nor- mativas. Ambas as solugdes para a matriz de pa- gamento apresentadas acima sio nor- mativas no sentido de que se espera do fazendeiro otimizar sua renda, em- bora a primeira diga respeito a uma otimizagao a curto termo € a ultima a longo termo. Mas ha desvantagens com referéncia a tomada de decisio de um simples pon- to de vista normativo. E da mesma for- ma que existe conflito entre as teo- rias normativas de equilibrio espacial e os modelos normativos de tomada de decisdo, existe também conflito en- tre os modelos normativos de tomada de decisio e os modelos € teorias de comportamento. Admite-se, por exem- plo, que um fazendeiro obtera informa- g6es suficientes para ser capaz de org: nizar uma matriz da Teoria do Jogo na forma acima. Somente se essa su- posicao for valida podemos usar mode- los normativos de tomada de decisio com qualquer preciso. E é neste ponto que temos de considerar teorias de comportamento ¢ informagio em re- lagio a tomada de decisio. Princeton University Press, 1944). Na literatura geogrdfica os estudos de Wolpert, of. cit., nota 28, ¢ P. Gould, “Man against his Environment: A Game Theoretic Framework", Annals, Association of American Geographers, vol. 53 (1968), pp. 290/97, compensarfo a leitura Bol. Geogr. Rio de Janeiro, 34(251): 43-62, out,jdes., 1976 55 56 | Modelos de Comportamento ¢ Padréo de Agricultura Talvez uma das maiores censuras que os gedgrafos fazem do uso dos modelos econémicos normativos na geografia seja a de que estes falham ao respon- der pela multiplicidade de fatores que determina o padr4o de uso da terra. Esses fatores, quando estudados em um conjunto nico, variam desde os acon- tecimentos probabilisticos em algum periodo remoto da histéria até as deci- sdes em curso tomadas por razdes com- preensiveis mas ndo econémicas. ‘Teo- rias econémicas normativas sao, fre- qiientemente, imaginadas como muito vastas para serem iiteis na compreen- sio ue padrées resultantes de tais con- juntos tinicos de acontecimentos. Esta visio ignora o progresso extraor- dindrio que vem se verificando nas ciéncias comportamentais nestes ulti- mos anos ¢ 08 lagos que se desenvolve- ram entre economia, sociologia € psico- logia. No momento esses lacos sio fré- geis, mas resistem ao aspecto excitante da construcio de modelos de sistemas agricolas que levam em consideracao as realidades sociolégicas e psicolégicas. Os padrdes de uso da terra sio, no final das contas, 0 produto final (ou expresso geogrdfica) de numerosas de- cis6es individuais feitas em diferentes ocasides ¢ muitissimas vezes por dife- rentes razées (ou talvez por nenhuma razio plausivel). A unica maneira que podemos compreender as variacdes re- gionais na agricultura serd, conseqiien- temente, através do entendimento do processo de tomada de decisdes; ¢ de- cisdes nfo sao, jamais, simplesmente econémicas. A avaliagio de uma matriz de pagamento exemplo. fornece interessante Se & para se aveliar uma matriz de pagamento, isto pode apenas ser feito desde que certos critérios tenham sido definidos. Dillon e Heady relacionaram sete conjuntos de critérios que variam desde a solugio de madximo-minimo, através de uma solucio que € destina- da a levar em conta o grau de otimis- mo ou pessimismo da parte do fazen- deiro, para a solucio do “satisfazedor” proposta por Simon, na qual o fazen- deiro procura apenas uma solucio que seja bastante boa.*? Os critérios va- riam, assim, desde 0 econémico ao de comportamento. Simon levantou esta questio em muitas ocasides e propos que devemos usar a nocio de “racio- nalidade compelida” como substituta da supostamente onisciente racionali- dade do “homem econémico” .** Os economistas nao tém se mostrado surdos a esses apelos, € recentemente tem havido uma tendéncia de retirar “da nocio crua da tomada de decisio econdmica como um proceso no qual 0 empresirio percebe instantaneamente e adota a melhor linha de acio em qualquer situagio dada”. A’ econo- mia tem sempre enfrentado 0 proble- ma de definir a “melhor linha de aco”. Na maioria dos casos isto € vis to como um problema de otimizar o “proveito” ou o “bem-estar social’, ambos os conceitos bastante dificeis de definir com precisio. Mas do ponto de vista individual do tomador de de- cisdes, € considerado muitas vezes co- mo uma simples questio de maximizar lucros ¢/ou. minimizar custos. Mas um fazendeiro pode desejar otimizar em varias direcdes diferentes ao mes- 82 J. L, Dillon e E. O. Heady, Theories of Choice in Relation to Farmer Decisions, lowa Agricultural and Home Economics Experiment Station Research, Bulletin n° 485 (1960) (Ames, Towa) . 88H. A, Simon, Models of Man (New York: Wiley, 1957), capitulos 14 € 15 8% F,H. Hahn e R. C, O. Mathews, “Ihe Theory of Economic Growth: A Survey", Economic Journal, vol. 74 (1964) , pp. 779-902. mo tempo (renda, conforto, prazer, la | encontrado um sistema satisfatérie, po- zer e assim por diante), e é dificil en- | de nao haver nenhuma tentativa para contrar uma escala comum de medida | se dirigir a uma solugio dtima, em par- para tais itens dispares, Podia fazer | t¢ porque o fazendeiro ndo possui co- melhor sentido ao tentar compreender | Hhecimento para calcular qual seja a © desenvolvimento dos padrées de uso | Solugio, em parte porque tera pouco da terra, usar a nogéo de “satisfagio” | icentivo para aprender ¢ em parte de Simons como um substituto para a | Porque um custo especifico esté conti- | __ nal. A utilidade dessa nogio para a | S0lucio cee a modificacio pesquisa geografica tem sido demons. | Part uma solucio relativamente, ren- trada, de maneira interessante, por | “084 pode conduzir a uma solucdo me: Wolper, em seu estudo sobre fazendas enone & oe na Suécia central . 5 oO ‘0 se el motivagio para executéla, uma ques- Mas na vida real o tomador de deci- to | que sera examinada mais tarde. soee é também um “aprendiz que pro: | A literatura sobre aprendizagem e pro- cura melhorar suas escolhas", um em- | “Ura da teoria € agora consideravel € presario que esta “‘cternamente tatean- | Possui implicagdes Sbvias para a and- do nas névoas da incetteza, gradual e | lise dos padrées geograficos.** Assim: * imperfeitamente aprendendo seu ca- minho na base da experiéncia que Ihe advém”.6 Diante do problema da in- certeza, um empresdrio tem de apren- der a calcular suas chances. Ser4 ape- nas capaz de comecar a avaliar um pro- blema da Teoria do Jogo depois de al- guma experiéncia. E, deste modo, pro- vavelmente mais certo pensar na Teo- ria do Jogo em associagio com a teoria do aprendizado, uma questio que vé- | Na maioria das situagdes da vida real rios psicolégos tem abordado.** Pode, | este processo de pesquisa traz forte portanto, ser wil pensar de um fazen- | componente de casualidade, ¢ alguns deiro como “tateando seu caminho” | sugeririam que podia ser considerado para um sistema de uso da terra sa- | como “pesquisando ‘ao acaso’ num da- tisfatério através do tempo. Uma vez | do grupo de alternativas”.*° Ainda Simon ¢ outros tem discutido que a informagio nao ¢ fornecida a em- presa, mas deve ser obtida, que as alternativas sio procuradas e desco- bertas consecutivamente € que a or- dem na qual o ambiente é pesquisado determina, em substancial amplitu- de, as decisdes que deverao ser toma- das. 85 Wolpert, op. cit., nota 23 36 Hahn e Mathews, op. cit, nota 34, p. 845; C. W. Churchman, “Decision and Value Theory”, in R. L. Ackoff (Ed.), Progress in Operations Research (New York: Wiley, 1964), p. 44 " 31 Veja Simon, op. cit., nota 33, capitulo 16; M. L. Flood, “On Game Learning Theory and Some Decision Making Experiments”, in R. M. Thrall, C. H. Coombs e R. L. Davis (Eds.) , Decision Process (New York, Wiley, 1954); Suppes e R. C. Atkinson, Markov Learning Models for Multiperson Interactions (Stanford: Stanford University Press, 1960) . 88 P, Gould, “A Bibliography of Space Searching Procedures for Geographers”, Research Note, Department of Geography, Pennsylvania State University, setembro, 1965 (University Park, Pa.) ; M. W. Chelly e G. L.’ Bryan (Eds), Human Judgements and Optimality (New | York: Wiley, 1964) . 89 R. M, Gyert € J. G. March, A Behavioral Theory of the Firm (Englewood Cliffs, N. J.: Prentice-Hall, 1968) , p. 10. 49 Veja, por exemplo, R. Radner, “Mathematical Specification of Goals for Decision Problems", in Shelly and Bryan (Eds), op. cit, nota 38 Bol. Geogr. Rio de Janeiro, 34(251): 43-62, out./dez., 1976 = uma das suposigées inéditas em porgio aprecidvel da literatura geografica com referéncia ao ajuste do sistema de uso da terra com o ambiente é de que | todos os sistemas foram tentados e que apenas o melhor subsistiu. Isto é obviamente falso tanto como uma re- gra geral quanto como um guia para © que acontece em casos especificos, Pode bem ser que todos os padrées de uso da terra sejam subdtimos simples mente porque a solucio étima, dado a tecnologia em curso, ambiente e de- manda, jamais foi encontrada. Trazen- do isto na mente, seria util tratar do relacionamento entre padrao de culti- vo e ambiente. Em época de depres- sio na agricultura, soluces anterior- mente satisfatérias se tornaram insatis- fatérias, suprindo, assim, incentivo econémico para aprender. Indubitavel- mente, o indice de modificagéo regio- nal do uso da terra na Inglaterra des- de 1800 tem sido muito mais rapido durante 0s periodos de depressio do que durante os perfodos de prosperi dade. Qualquer modelo de evolugao dos sis- temas de uso da terra através do tempo deve incorporar nogées de aprendiza- do e pesquisa da terra. Implicita em tais teorias “estd uma suposicéo moti- vacional — i.é., que o aprendizado consiste na aquisicio de um padrao de comportamento apropriado para ‘con- cluir um empreendimento’, ‘reducio de necessidade’ ou coisa parecida”.2 Nes- te ponto 0 aprendizado da teoria deve estar firmemente embutido no enten- dimento de processos mais amplos as- sociados & “motivacio”, “comunica- cdo” ¢ “informagio”. 41 Simon, of. cit., nota 33, p. 274. «2 ‘ “4 A inspecdo geral de McClellands da “necessidade de empreendimento” nas diferentes sociedades determina com precisio a conexao entre todo o com- plexo dos valores sociais aceitos por uma sociedade e a atitude individual para a atividade econémica e, a par- tir daqui, o indice ¢ 0 tipo de desen- volvimento econémico.*? Numa escala de amplitude mundial sua andlise é de extrema relevancia para o entendimen- to do padrio mundial da atividade agricola, Mas essas nogdes podem ser aplicadas dentro dos paises, pois po- de _haver i variagdes regionais nos “objetivos” que os fazendeiros desejam alcangar. Barzini_ argumentou, ‘por exemplo, que as diferencas nos valores sociais entre o norte e o sul da Itdlia explica muitas das diferengas no pa- dro de vida e, por implicagio, essas atitudes sociais significam, fundamen- talmente, atitudes diferentes para o aprendizado, para a produtividade e modificacdes.48 Os gedgrafos ja estio, de ha muito, cientes desses tipos de di- ferencas, mas a questio importante aqui € que tais diferencas no sio im- proprias para serem tratadas teoreti- camente.*# E podem, eventualmente, ser combinadas com a teoria econdmica para prover um poderoso modelo de locagao agricola. Mas 0 aprendizado nio depende sim- plesmente dos valores sociais, depen- de também da disponibilidade de in- formacdo. Meier j4 tem salientado co- mo o crescimento urbano deve ser acompanhado por um crecsimento no fluxo de informagio ¢ 0 conceito é igualmente relevante para a agricultu- ra.4 A informagio é difundida entre D. McClelland, The Achieving Society (Princeton: Van Nostrand, 1961) . L. Barzini, “The Diferrence in the South", Encounter, n.° 105 (junho, 1962), pp. 7-17. W. Isard e M. Dacey, “On the Projection of Individual Behavior in Regional Analysis”, partes Ie II, Journal of Regional Science, vol. 4, n° 1 (1962), pp. 1-84, e n° 2 (1962), pp. 51-83. 45 R. L, Meier, A Communication Theory of Urban Growth (Cambridge, Mass: M I Press, 1962) .

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