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Secretaria de Planejamento da Presidéncia da Republica Fundacao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica Diretoria de Divulgagao — Centro Editorial Boletim Geogrdfico 255 out./dez, de 1977 — ano 35 1 — A GEOGRAFIA E OS FENOMENOS DE DOMINACAO 2 — ESTUDO MORFOLOGICO DO LITORAL E DAS BAIXADAS DO NORDESTE BRASILEIRO 3 — A MACROFLORA DO GONDWANA BRASILEIRO 4 — OCEANOGRAFIA FISICA — A IMPORTANCIA DO SEU CONHECI- MENTO NA EXPLORACAO DOS RECURSOS DO MAR 5 — O DESENVOLVIMENTO HIDRENERGETICO DO BRASIL 6 — O CLIMA DO ESTADO DO ACRE 7 — CLIMATOLOGIA DO BRASIL — 13 8 — BIBLIOGRAFIA 9 — NOTICIARIO O Boletim Geografico nao insere matéria remunerada nem aceita qualquer espécie de publicidade comercial, nao se responsabilizando também pelos conceitos emi- tidos em artigos assinados. 106 112 142 164 173 Roletim geografico | Fundacao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica . — Rio de Janeiro : IBGE, 1943, abr. (A. 1, n. 1)- Trimestral. Mensal até 1951 ; Bimestral de 1952-1974, Os 3 primeiros fasciculos (1943, v, 1, n. 1-3) publicados sob o titulo “Boletim do Conselho Nacional de Geografia". Variagoes na denominagso do editor : Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica, Conselho Nacional de Geografia, Seco Cultural, 1943-1954 Instituto Brasileiro de Geogratia © Estatistica, Conselno Nacional de. Geograt jo Cultural, 1954-196; Estatistica, Instituto Brasileiro de Geogr Fundagdo Instituto Brasileiro de Geografia e ‘Estatistica, Instituto Bra Geografia, Departamento de Documentacao e Divulgaco Geogratica gratica, 1969-1973 . — Fundaco Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica, Bepartamento de Documentagéo © Divulgacdo Geogratica e Cartogratica, 1973- 1977 a leiro de Geografia e Estatistica, Diretoria de Divulgagso, Centro Editorial. ‘Numeraggo irregular : 0 V, 21 abrange 0 periodo de jan.-jun. 1963 . — v. 22, jul. 1963-jun, 1964. — v. 23, jul-dez. 1964, Apresenta indices anuais e Indices acumulados. 1. Geografia — Periddicos. |. IBGE. IBGE. Biblioteca Central CDD 910.5 RJ — IBGE/78-19 CDU 91(05) w= Fundacao Instituto. Brasileiro de Geografia e Diviséo Cultural 1967-1969. — 3 de A _GEOGRAFIA E OS FENOMENOS DE DOMINAGAO sumario PAUL CLAVAL 5 ESTUDO MORFOLOGICO DO LITORAL E DAS BAIXADAS. DO NORDESTE BRASILEIRO CELESTE RODRIGUES MAIO 20 A MACROFLORA DO GONDWANA BRASILEIRO JORGE HENRIQUE MILLAN 80 OCEANOGRAFIA FISICA — A IMPORTANCIA DO SEU CONHECIMENTO NA EXPLORACAO DOS RECURSOS DO MAR AFRANIO RUBENS DE MESQUITA 4 0 DESENVOLVIMENTO HIDRENERGETICO DO FLAVIO H. LYRA BRASIL FLAVIO MIGUEZ DE MELLO 106 0 CLIMA DO ESTADO DO ACRE ANTONIO GIACOMINI RIBEIRO 112 CLIMATOLOGIA DO BRASIL — 13 TROVOADA E NEVOA SECA ADALBERTO SERRA 142 BIBLIOGRAFIA A Vegetacdo no Rio Grande do Sul LINDMAN, C. A. M. e FERRI, M. G, 164 The Geography of Economic Systems BRIAN J. L. BERRY, EDGAR C. CONKLING e D. MICHAEL RAY 168 Migraciones Internas — Teoria, Método e Factores Socioldgicos JUAN C. ELIZAGA e JOHN J. MACISCO JR, 170 Paises y Ciudades — Comparacién de Estra- tegias para el crecimiento urbano LLOYD RODWIN 170 EI Estudio de la Poblacién PHILIP M, HAUSER e OTIS D, DUNCAN 170 A Humanizacao do Meio Ambiente — Sim- pésio do Instituto Smithsoniano (EUA) im Weather Forecasting for Agriculture and Industry JAMES A. TAYLOR m Society and Population DAVID M. HEER m NOTICIARIO CNPq promove ampliagéo da gravimetria no 3 als 1. IX Conferéncia Cartografica Internacional 173 Estude da Bacia Sedimentar do Jatoba 174 Inventario Hidrolégico do Nordeste 174 Mapeamento do Estado de Minas Gerais 174 Bol. Geogr. | Rio de Janeiro | Ano 35 | n° 255 | p. 1476 | out/dez. | 1977 A ocupagao do espago e sua melhor distribuigdo vém sendo objeto de constantes estudos por parte dos gedgrafos. Apés a Segunda Guerra Mundial, passaram a dedicar maior atenco ao assunto “sob a influéncia de novas pesquisas sociolégicas e econémicas, a desigualdade dos estatutos, o exercicio do poder e iéncias para a organizagao 7 tentativa de encontrar uma diretriz sirva de base para a implantacéo de uma politica espacial visando a formago de um quadro equilibrado do que aquele em que vivemos, onde as estruturas capitalistas drenam a mais-valia para as reas j4 desenvolvidas”, 0 professor Paul Glaval, da Universidade de Paris, apresenta este valioso trabalho que, sem davida, constituird importante subsidio para a discussdo deste problema que afeta quase toda a humanidade. A Geografia e os fendmenos de dominacgao RESUMO Durante muito tempo a Geografia negligenciou os fenémenos de domi- nagio. Os marxistas foram os primeiros a analisd-los, sem se basearem, entre- tanto, em qualquer teoria rigorosa. Uma abordagem moderna deve distin. guir o jogo do poder do jogo da auto- ridade e do jogo da influéncia: suas caracteristicas espaciais no sao idén- ticas. De modo geral, os efeitos de do- minacio esto intimamente ligados & arquitetura dos fluxos de informacio e aos. diferentes tipos de exteriorida- des. Hé uma relagio profunda entre a organizagio espacial das sociedades € as formas de poder por elas geradas. PAUL CLAVAL * I. A origem da reflexdo sobre dominagao e espaco Durante muito tempo a Geografia nao deu atengio aos fendmenos de do- minagio, Seu objetivo era explicar a diversidade regional da terra, limi- tando-se, assim, 4 paisagem; as relacdes de subordinacio, de autoridade e de influéncia nao séo percebidas direta- mente no espaco, mas sim no tamanho e luxo das casas e na hierarquia dos sinais exteriores de riqueza que fre- qiientemente resulta de relacdes desi- guais. A maioria dos autores no ousa- va ir além de algumas sugestdes sobre as causas das tens6es percebidas dire- tamente na propria aparéncia das * © autor € professor da Universidade de Paris. Transcrito com autorizagio de L’Espace Géographique, n° 8, tomo V, 1976. Bol. Geogr., Rio de Janeiro, 35(255): 5-19, out./dez., 1977 coisas: nfo correriam’o tisto de esque- cer 0 propésito da Geografia se se aventurassem a-ir mais adiante na busca da explicagio? Em comparagio como método regio- nal, a reflexdo geral ocupava uma po- sigao modesta, Existia, entretanto, um corpo de Geogtafia Econémica e um corpo de Geografia Politica, enquanto que a Gcografia Social revelava-se co- mo desejavel, embora nZo se soubesse por onde comecar a organizé-la. Nes- ses campos mais abstratos, a pesquisa poderia deter-se mais nos efeitos de comando e na diversidade das possi- Dilidades de aco de que dispdem os agentes geograficos. Ela dispunha de um instrumental tedrico adequado. Na tentativa de ser algo mais do que simples levantamento de recursos e de sistemas espaciais de exploragio, a Geografia Econdmica se servia parcial ou totalmente dos instrumentos da Economia Politica. Esta havia-se cons- tituido como um dominio teérico, a partir de um certo mimero de hipd- teses simplificadoras, podendo, assim, formalizar facilmente suas interpreta- Ges. O modelo do homem econdmico e do mercado de concorréncia pura € perfeita eliminam intencionalmente os fatos de influéncia. As condig6es reais sio feqiientemente muito diferentes das condigées fixadas pelas hipéteses de base, o que se leva em consideracio ao tornar flexivel e alterar 0 quadro teérico. Organiza-se 0 quadro da di- mensio. desigual dos agentes, falase das grandes empresas, dos trustes, dos cartéis e dos acordos. Os modelos. do oligopélio, do. monopélio e da con- corréncia monopolista corrigem 0 que era demasiadamente ‘simplista no es- quema clissico. Entretanto, cles no passam de retoques'e nao formam um conjunto coerente, englobando todos os-aspectos da vida econdmica em um 86 sistema. Os empréstimos da economia politica levaram os geégrafos a insistirem no papel dos mercados no funcionamento do sistema econdmico global: 0 essen- cial da economia espacial baseava-se no modelo classico. Conhecia-se muito bem a fungio das grandes concentra- GOes, falava-se da cartelizagio no de- senvolvimento da industria alem’ no fim do século XIX e no inicio do século XX, ou ainda da importincia dos trustes na América da mesma épo- ca — mas, nesse campo, utilizava-se muito mais a Histéria do que a Eco- nomia, ficando-se, assim, a nivel de descrigao ¢ de interpretacio elementar. A Geografia Politica teve um destino diferente. Apés um inicio promissor, ela se deixou comprometer, algumas vezes, em aventuras duvidosas, por nao se ter aprofundado suficientemente nas origens dos fendmenos de poder e de autoridade. Ao fugir das tenta- GOes oferecidas pelos sistemas impreg- nados de ideologias nao cientificas, tornava-se prisioneira de um formalis- mo que cra compartilhado pela maio- ria dos especialistas em Direito e em fatos politicos, pois nao se distanciava © bastante da definicao legal das estru- turas de autoridade para que surgisse como um campo de pesquisa auténo- mo. Em muitas obras do fim do século passado ¢ do inicio deste, a parte con- sagrada & andlise das estruturas poli- ticas se ocupa inteiramente da expo- sigio da constituiggo e das: grandes linhas da organizacio administrativa do pais. A idéia de que possa haver matéria de estudo além das normas € dentro do jogo real da autoridade quase nao atinge a maioria dos auto- res. As conseqiiéncias deste estado de espirito so evidentes: o interesse pelo funcionamento das instituigdes nos territérios nacionais desaparece, pois presume-se que ndo mais exista qual: quer diferenciagao ‘nos estatutos ¢ no exercicio da liberdade. Os problemas ligados as fronteiras so os.xinicos que parecem persistir. Depois da Segunda Guerra Mundial a posigio dos gedgrafos se modificou. Sob a influéncia de novas pesquisas sociolégicas e econdmicas, a desigual- dade dos estatutos, 0 exercicio do po- der © suas conseqiiéncias para a orga- nizagio do espago atrafram cada vez mais a atengio, Na Franca, Francois Perroux da énfase aos fendmenos de dominagio que modelam a Economia desde o inicio da década de 50, moti- vado pela influéncia do pensamento socioldgico e, a0 mesmo tempo, pela preocupagio de explicar evolugées, até entdo negligenciadas: as que acentua- ram progressivamente as disparidades entre as regides no plano nacional, ou entre as nagées no nivel internacional. Quanto aos fendmenos de polarizacio, ele descreve situacdes espaciais cuja explicaco deve ser procurada nas con- dig6es que originam uma crescente desigualdade, isto é, nos efeitos do poder. Os gedgrafos também se_interessam pelos desequilibrios regionais (Gra- vier, 1947) internacionais: eles os descrevem e denunciam, mas nao di: poem de instrumentos para interpre- télos; a intensificacio das oposigdes nao tem qualquer relacio com as dife- rengas em termos de fatores naturais a que se reduz a interpretagio da Gco- grafia Econémica classica, A analise das relagées na cidade e no campo constitui o dominio onde eles se sen- tem mais 4 vontade, pois entre as massas camponesas pobres e as burgue- sias urbanas as tensdes sio multiplas, A opuléncia de uns se alimenta da miséria dos outros; muitas cidades do mundo tradicional vivem da ren- da fundidria retirada das terras que controlam nas circunvizinhancas (Dugrand, 1963) . Durante muito tempo a explicacio no mundo industrial ficou mais com- plicada do que no mundo rural: as grandes empresas tém direcées longin- quas que escapam ao investigador lo- cal. Além disso, que perguntas hes seriam feitas se por acaso fossem en- contradas? O gedgrafo nao esté pre- parado para compreender as decisies a maneira pela qual elas sio toma- das, mas ele percebe que o poder & extremamente concentrado. Para in- terpretar corretamente os fenémenos da Geografia Industrial, nado conviria, em primeiro lugar, organizar 0 qua- dro dos que dispéem de autoridade? No decorrer da década de 50, os pes- quisadores descobrem a funcio dos conselhos de administracdo. Eles esta- belecem, com a mesma mimicia que 0s economistas, 0 jogo das participa- gOes, ¢ assinalam’ as transformagées que fazem com que © controle passe de um grupo para o outro. Dessa for- ma, eles tém a sensagio de estarem explicando uma parte do que, até en- tio, Thes havia escapado. Em grande parte, esta mudanca de atitude foi, sem divida, motivada pelo marxismo. Muitos jovens gedgrafos, especialmente na Franca, se deixam seduzir pelo comunismo e sao, freqiien- temente, os primeiros a se interessa~ rem pelos fenémenos de dominacio, desempenhando um papel decisivo na anilise das relages nas cidades e nos campos. Entretanto, nao sio os tinicos e nem sempre os iniciadores: ainda que 0 meio intelectual dos paises an- glo-saxdes, impregnado da ideologia Iiberal, hesite diante de modelos que ressaltam os conflitos, as lutas ¢ as ten- sdes, os intelectuais na Franca deixam- se influenciar facilmente por modelos que néio sio tio mecinicos quanto os Propostos pelos economistas e sim mais realistas, pois esto mais proximos da observagio imediata. Talvez 0 mar- xismo tenha atuado em segundo plano, exercendo uma influéncia geral sobre © espitito da época — afinal, nao é ver- dade que, j4 ha muito tempo o ensino da histéria deu lugar a luta de classes, mesmo entre os professores contrérios a qualquer idéia comunista ou socia- lista? Bol. Geogr, Rio de Janeiro, 35(255): 5-19, out.{dez., 1977 © interesse pelos fendmenos de do- minagio se desenvolveu com bastante rapidez em outros paises latinos onde as condig6es sociolégicas eram bem parecidas com as da Franga, Na Itdlia, esse processo foi mais lento em virtu- de do conservadorismo de alguns pro- fessores nomeados durante 0 periodo anterior, e na Espanha ele foi freado pela ideologia dominante. Entretanto, desde 1955, as idéias francesas sio co- nhecidas na Itélia, gracas a autores como Lucio Gambi e Aldo Pecora; os estudos sobre o Mezzogiorno, referen- tes as reformas agrérias, concentram- se nas desigualdades préprias da so- ciedade italiana e nas condigées que as criaram e as mantiveram. Nos paises latino-americanos a tomada de cons- ciéncia do. subdesenvolvimento segue © mesmo caminho. Raul Prebisch é um dos primeiros a responsabilizar a agio das grandes poténcias pela degra- dagio das condicées econémicas que caracteriza a América Latina. Tais po- téncias sio a origem da deterioracio das relagdes de troca que anula qual- quer esforco que possa ser feito no sentido de promover o crescimento. Os gedgrafos aderem rapidamente a essa linha de pensamento. A revolu- cdo cubana acelera 0 movimento. Até 1965, aproximadamente, a Geo- grafia anglo-sax@ nao participa do movimento: a profunda renovacio que conduz & nova Geografia inspira- se na mais classica das economias — especialmente nas reflexdes dos econo- mistas espaciais. Mesmo quando os pesquisadores tentam mostrar-se mais realistas, é para a economia que eles se voltam, adotando os modelos be- havioristas de Kenneth Boulding, Herbert Simon ou James March. Isto permite introduzir ‘novas idéias, res- saltar o papel das drvores hierarquicas e das estruturas de autoridade na ela- boracio das decisdes, sem modificar, entretanto, a orientacao geral dos es- tudes, O desenvolvimento do movimento ra- dical modifica progressivamente esta situagio. A América descobre a po- breza em 1962 com a publicagio da obra de Michael Harrington. Os jo- vens pesquisadores j4 nao conseguem deixar de assinalar problemas que co- locam em questio o sistema america- no. Qs estudos sobre os guetos, sobre a formacio de zonas de pobreza e s0- bre a dominacao do sistema por uma minoria de homens de negécio se mul- tiplicam, Tais estudos utilizam, em grande parte, meios de formalizacio da nova Geografia, empregam com habilidade andlises fatoriais, e se Zpdiam nos métodos da ecologia fa- torial, tomados de empréstimo a So- ciologia, enriquecendo-os. Em tudo isso a reflexao tedrica é bem fraca, mas entre os economistas e 0s socidlo- gos ha exemplos que devem ser con- siderados. Os antropdlogos america- nos foram os primeitos a conceber 0 homem como produto da_aculturacio, que é uma fungio do sistema social pelo qual ele é condicionado. A idéia se propagou entre os socidlogos atra- vés dos trabalkos de David Riesman e de William Whyte. Entre os econo- mistas essa idéia se revine as nocdes € aos esquemas propostos por Torstein Veblen no infcio do século. Os ensaios de Vance Packard ressaltam a impor- tancia dos consumos irracionais do dia-a-dia dos americanos, Como John Kenneth Galbraith nao tarda em de- monstrar, & preciso apelar para efeitos de dominagio muito mais importan- tes, até entdo nem cogitados, para compreender a sociedade americana contemporfnea: o poder da tecnoes- trutura é totalmente preponderante na medida em que ela seja capaz de suscitar, através do condicionamento publicitério, uma demanda tal que assegure 0 equilibrio e o crescimento do sistema. Depois de alguns anos, a situagao da pesquisa geografica nos paises anglo- saxdes se assemelha & das nacées con- tinentais da Europa; a influéncia das idéias marxistas cresce: ela se faz notar nas tomadas de posi¢éo de William Bunge (1971), tornando-se explicita nos wiltimos trabalhos de David Harvey (1973). Ela é mais in- direta, e também mais discreta, nas publicagdes que Henry Brookfield (1971, 1972) consagra aos problemas da Melanésia e ao subdesenvolvimen- to, mas sua interpretacio se apdia em esquemas do imperialismo tirados do pensamento marxista contemporaneo. Até agora, em suas novas diretrizes, a Geografia. americana tem-se aprovei- tado sobretudo da contribuigio dos socidlogos e dos economistas, Além disso, por intermédio dos _primeiros, ela vem incorporando freqiientemente boa parte do pensamento antropold- gico. As idéias propostas pelos polité- Jogos ocupam um lugar muito mais modesto que sé comeca a se afitmar nas pesquuisas voltadas para a compre- enstio das organizagées politicas (Soja, 1971), ou em certos trabalhos relati- vos a arquitetura dos espacos urbanos (Cox, 1972). Assim, em menos de 20 anos os fend- menos de dominagio tornaram-se ob- jeto de curiosidade geral dos gedgrafos. No inicio o objetivo era esclarecer cer- tos aspects da distribuigéo da produ. do que a teoria econdmica classica nao consegue explicar. Com 0 tempo o campo de investigacio se ampliou: aprendeu-se a reconhecer as imposi- g6es da dominacio nas. escolhas dos consumidores, na organizagio do es- paco habitado e nos fenémenos de zo- neamento’ e de segregacio no interior das aglomeragées urbanas. Nas cién- cias sociais a atengio se fixa cada vez mais na andlise das estruturas hierdr- quicas e da autoridade, assim como na andlise da influéncia e da_repressio que clas ocasionam. A partir do mo- mento em que se deixa de considerar o individuo como dotado de uma na- tureza que Ihe confere autonomia e constancia, a formacio do carater in- dividual torna-se um dos maiores pro- blemas, pois resulta da pressio e da repressio que 0 grupo exerce sobre instintos e comportamentos que se desviam dos padrdes _estabelecidos. Isso sé acontece quando o conheci mento psicolégico passa a contribuir para a compreensio dos mecanismos da dominacio: a fronteira entre as ciéncias sociais e as ciéncias humanas desaparece. Percebe-se, ento, a pro- funda semelhanca entre _princfpios marxistas e alguns princ{pios freu- dianos. li. Os esquemas atuais de interpretagdo E, assim, perfeitamente normal que a anilise dos efeitos do poder ocupe na Geografia contemporanea um lugar cada vez mais importante, 0 que tra- duz a profunda transformagio do conjunto das ciéncias sociais e huma- nas, 0 cuidado de construt-las sobre um corpo de hipéteses mais realistas ea vontade de utilizé-las para formar um quadro mais equilibrado do que aquele em que viveos. Os gedgrafos crrariam em nao aderir a este movi- mento. Julgaremos desde o interesse de sua disciplina até a originalidade do que poderao explicar nesse domi- nio, que se apresenta como fundamen- tal para a inquietagdo contemporinea. Quando sao examinados os funda- mentos da reflexdo sobre os efeitos de dominagio, a situagio da pesquisa geogrifica parece pouco animadora. Os pesquisadores recorreram a disci- plinas vizinhas e utilizaram os instru- mentos que Ihes pareciam indispensa- veis, Eles nao se preocuparam em sa- ber se tais instrumentos seriam ade- quados para que se considerasse 0 es- pago e nem tentaram saber até que ponto o afastamento, a distincia e a dificuldade de comunicag’o eram fa- Bol. Geogr, Rio de Janeiro, 35(255): 5-19, out,/dez., 1977 *| 10 tores-chaves na dialética da liberdade e da dominacio, Portanto, na maioria dos casos, as teorias da dominagio sao fundamen- talmente a-espaciais. Tomemos por exemplo a reflexdo marxista: ela nas ce do estudo de situagdes concretas e da analise de evolugées histéricas. Nesse sentido, o livro que Henri Le- febvre (1972) consagrou a La pensée marxiste et la ville é exemplar: a par- | tir de La situation de la classe ou- | vriére en Angleterre até O Capital, | véem-se diminuir as referéncias 4 rea- lidade geogratica. A_ medida que os principios ex- plicativos se tornam mais precisos, a investigagio espacial perde sua uti dade: embora ela possibilite a formu- lagio de problemas, a solugio nao é procurada. nos fenédmenos de distribui- cio ¢ de localizacio, Os problemas essenciais estiio mais além, no apare- cimento das classes, na Iuta que elas desencadeiam ¢ nas contradigées que explicam as constantes transformagoes da sociedade. A Geografia s6 aparece, entao, como um dominio secundario da_investigacéo. Exige-se que ela espe- | cifique as condigdes proprias & evolu- | cao de cada sociedade, para que se sai- | ba a que parte do esquema de inter- pretagéo ¢ preciso apelar. Assim, este esquema é aplicado sem ser jamais co- locado em questio pela. diversidade das distribuigdes e das sociedades. No fim do século XIX, a evolucéo do capitalismo mostra o aumento de ten- sfio entre os paises industriais e 0 resto do mundo. As grandes poténcias se langam em politicas de conquista colo- nial, Nao se deve, portanto, encarar esta situagio como um sinal de cres- centes contradicées dentro do sistema capitalista e de um esforco para supe- ra-las? Assim nasceram as teorias do imperialismo, Sabe-se de sua sorte a partir dos estudos de Rosa Luxemburg, de sua recente proliferagio e também das oposigées que as caracterizam: se- gundo A. Emmanuel (1969), a desi- gualdade das trocas resulta, em parte, do aumento dos saldrios no sistema in- dustrial e, segundo os pontos de vista classicos, 0 efeito de dominagio ¢ atri- buido a criagio de estruturas capita- listas que drenam a mais-valia para as areas ja desenvolvidas. Em todo este florescer de estudos, sé os de Samir Amin (1970) consideram 0 es- paco, porém de maneira muito parcial € incompleta. As nogées de centro e de periferia nao se definem por situa- Ges topoldgicas; clas sao explicadas pelo jogo dos fatores histéricos do de- senvolvimento da economia capitalista. O espaco nao é, portanto, um fator explicativo, pois apenas facilita a des- ctigio. A representacio de areas afas- tadas do principal foco de atividade, da diregio ¢ do progresso mostra o dinamismo desigual dos parceiros. # evidente que nos diversos esquema: de dominagao atuais hé uma grande parcela de verdade, pois seu sucesso nao é fortuito e eles permitem uma interpretacao muito mais fiel do mun- do contemporaneo, ao contrério dos modelos de harmonia por eles substi- tuidos. Entretanto, pode-se perguntar se nZo estado sendo usados, indiscrimi: nadamente, meios de explicagio dema- siado eficazes. Em matéria de pesquisa, ha regras a serem respeitadas, como, por exemplo, apresentagio de causas restritas; é perigoso empregar mecanis- mos demasiadamente gerais. Toda vez que se puder escolher entre dois mo- delos, um que apresente principios frageis ¢ outro principios sdlidos, deve- se preferir o primeiro se ele abarcar a totalidade do fenémeno observado. Por qué? Porque se as condigdes se modificarem ou a interpretacio nao estiver boa, haverd grandes possibili- dades de que surja alguma parte inex- plicada que leve a uma reconsideragio do problema ¢ a um avanco no conhe- cimento. Escolhendo, logo de inicio, um principio excessivamente eficaz, evitase esse risco de tal modo que se pode, durante muito tempo, ter como base um fundamento falso, sem que disso se tenha consciéncia. Esta é a objecio que se pode fazer a maioria dos esquemas de dominacio atuais. A partir do momento em que sejam atri- buidos poderes desiguais aos agentes geogrdficos, todos os fatos de distribui- io. podem ser explicados: para- que tudo se integre, basta alterar 0 equi- librio dos poderes atribuidos aos agen- alegar as contradices e a im- de seus comportamentos. Portanto, se o objetivo ¢ atingir expli- cagées que satisfacam aos cientistas € se a Geografia € considerada como.algo diferente de uma simples ilustragio de principios definidos pelas outras disci- plinas sociais, parece-nos, entio, indis- pensavel um esforgo no sentido de maior rigor: por que nio avaliar o jogo do poder, da autoridade ¢ da in- fluéncia ao introduzir varidveis espa- ciais? Sob essa condicao é que a Geo- grafia, em vias de se aperfeigoar, sera diferente de uma simples aplicagio de temas grosseiros de andlise. Ill. Elementos para uma teoria geografica da dominagao Até aqui empregamos; indiferente- mente, os termos poder, autoridade, influéncia e dominancia. Se quisermos elaborar uma teoria valida da domi- nagio sera necessdrio distingui-los. 1. Exercer poder sobre alguem é ter a possibilidade de Ihe impor sua von- tade, de obrigé-lo a ajustarse a um modelo de comportamento que, por si. mesmo, ele nao teria escolhido. Quando se_possui autoridade, 0 exer- cicio do poder tornase mais ficil na medida em que os que a ele estio sujeitos aceitam o principio da sub- missio a. uma vontade exterior, con- ferindo-lhe 0 direito ou a_possibili- dade de interferir em alguns dominios de sua existéncia. A influéncia toma formas mais diver- sas e muitas vezes mais indiretas do que o poder e a autoridade: ela nao implica em. anulacio, imposta ou aceita, da capacidade de escolha da pessoa influenciada, resultando ape- nas de uma modificagio de regras ¢ valores que torna mais provaveis as solugdes convenientes aos desejos ou anseios do beneficidrio. Ela marca, portanto, uma reducéo do campo das decisées, pois as precede e prepara através. de toda uma série de condi- cionamentos. © termo dominagio é mais vago do que os anteriores. E evidente que ele os engloba (eu domino as pessoas so- bre as quais exerco poder, autoridade e influéncia), mas designa situacdes um pouco diferentes, Posso dominar uma pessoa agindo sobre 0 contexto em que ela se encontra, de tal maneira que-as possibilidades a ela oferecidas se reduzam: as escolhas que me desagra- dam ou que ameagariam minha posicio passam a ser, para ela, impossiveis. As- sim, limitando os rendimentos de cer- tas classes da populacao, eu as domino e impeco © seu acesso a gastos que me desejo reservar. Os meios de domina- Gio sio mais diversos e indiretos que os de influéncia: podem ser econémi- cos, como no exemplo anterior, € so- is, pois os mecanismos atuais per- mitem que uma elite modele os. gostos e as necessidades de uma populacio. A critica moderna dos psicossocidlogos habituou-se a reconhecer em tais efei- tos de dominagao.o papel do incons- ciente e a exploracio voluntéria das tendéncias profundas do ser por parte daquele que procura organizar 0 sis- tema social em sea proprio beneficio. Todos 0s aspectos da dominacio im- plicam em comunicacio entre os indi- viduos: assim, vé-se, pela primeira vez, a intervengio das limitagdes espaciais Bol. Geogr., Rio de Janeiro, 35/255): 5-19, out,/dez., 1977 ll 12 (Claval, 1973). A medida que au- menta a distancia entre o emissor e 0 receptor de uma mensagem, a infor- macéo transmitida se empobrece: ela é filtrada no momento da codificagao e da descodificagao, e perturbada na transmissio pelo conjunto de rufdos. Depois de um certo limite, a comuni- cacao torna-se impossivel: trata-se do alcance mdximo da mensagem. Este limite pode variar de acordo com o contetido, a importancia da informa. cio a ser transmitida e a tecnologia utilizada. De modo geral, ainda que sejam usados instrumentos modernos de telecomunicacao, as relagdes a dis- tancia sio inferiores as relagdes face a face no sentido de que sio mais lentas, no se prestam tanto ao did- logo ¢ sdo enfraquecidas pelas perdas na transmissao. Portanto, a distancia afeta sensivelmente a dominagio, mas © faz de diversas maneiras, segundo as modalidades desta. © exercicio do poder nao exige inves- tidas preliminares em matéria de co- municacées, pois nao implica em esforgo para convencer as pessoas a se- rem dominadas pelos bons propésitos de sua acio, A primeira vista, isto mi- nimiza as presses exercidas sobre 0 sistema de comunicacio e deveria fa- cilitar a aco a distancia. Entretanto, apés certa reflexdo, percebe-se que a funcio principal do sistema esta sendo esquecida, isto é, o controle das instru- Bes e das ordens dadas. Se os agentes no participam do mesmo sistema de valores, nfo ha nada que garanta a execucdo das ordens, a nao ser 0 medo de punigées, represdlias ou sancées. O funcionamento do aparelho repressivo pressupde um fluxo de informacées constantes ¢ de grande valor: a vigi- Tincia no pode relaxar; ela requer uma ligagio permanente entre os de- tentores da autoridade e os que sio responsiveis pelas operagdes policiais. | © alcance da relagio de poder puro | é geralmente pequeno, como prova o exemplo dos sistemas politicos primi- tivos. A autoridade exige uma acio prévia, de natureza pedagdgica: ela se funda. menta na condi¢&o de que 0 conjunto das pessoas dominadas aceite uma re- gra segundo a qual confiem certas decis6es a um centro exterior. Para tal, nem sempre a acio da propaganda é suficiente, pois sé quando se submete a estrutura dos valores aceitos por todos € que atinge os grupos aos quais se dirige. Uma vez bem firme, a auto- ridade encontra condicdes mais faceis de agio, 0 que nao acontece com o poder puro: a aco da vigilancia se relaxa & medida que as regras sao interiorizadas pelos protagonistas, Nu- ma area cultural homogénea, dentro de um sistema de forte coesio, a agio da autoridade ¢ pouco influenciada pela distancia. O exercicio da influéncia encontra condig6es ainda menos vigorosas: nao é mais necessétio, como no caso an- terior, obter o consentimento formal das pessoas a serem dominadas. Basta persuadi-las, muitas vezes sem que percebam, a modificarem seu sistema de valores, a aceitarem novas regras ou a rejeitarem as antigas. Para tal, podemos utilizar canais naturais de comunicagio, ter como base 0s efeitos de contagio social e centrar toda a acio da propaganda sobre os elemen- tos que desempenham um papel estra- tégico na evolugio das atitudes do grupo. Conquistando a confianga das elites e contando com 0 apoio das fi- guras importantes das sociedades alta- mente hierarquizadas, chega-se facil- mente a uma profunda atuagio. A dominagao sera difusa e talvez também mais imprecisa em seus resultados do que quando baseada no exercicio aber- to de um poder ou de uma autoridade; porém o custo do funcionamento do sistema, em termos de informagées, seré muito menor, o que significa um alcance nitidamente maior. ‘As vias mais indiretas da dominagio sio as que levam & modificagio do campo das possibilidades a partir das quais so feitas as escolhas. A propria natureza.da assimetria explica 0 fato de que tal assimetria seja muitas vezes provocada por transformagées nao in- tencionais, isto é, involuntarias. As- sim, os efeitos de demonstracio resul- tam da livre difusio das técnicas de consumo através dos meios de comu- nicagio de massa: apreende-se espon- tanea e muito rapidamente os compor- tamentos indispensaveis para tirar pro- veito de novos bens que passam a ser desejados. Desse modo, amplia-se o campo das possiveis escolhas em maté- ria de consumo, o que significa, numa sociedade de recursos limitados, uma redugio da poupancga e uma maior dificuldade de investimentos, Nesse caso, a limitagao da liberdade dos do- minados passa, primeiramente, por um aumento das tentacées com as quais eles se defrontam; essa limitacio nao resulta de um cdlculo maquiavélico dos ricos, mas sim da facilidade desi- gual de difusio dos conhecimentos: os que abrem novos caminhos & producio demoram mais a ser assimilados do que os que levam a aumentos da des- pesa. Se 0 efeito de dominagio for conscien- te, como no caso em que nasce: no exercicio do poder e da autoridade, ou inconsciente, como as vezes acon- tece quando apenas a influéncia e a dominagio indireta estio em jogo, a fungdo da distancia é sempre tao per- ceptivel que os limites de cada moda- lidade podem ser assinalados. O' exer- cicio direto do poder sé € possivel na area imediata, onde ha facilidade de controle. Ele nfo pode atuar além dessa rea, a nfo ser sob a forma de autoridade ou sob a forma de siste- mas compostos que combinem exer cio. de poder e de autoridade, Para dirigir uma empresa em um pais dis- tante, dé-se, de bom grado, a.essa em- presa a forma de uma organizacio moderna, ou-seja, de uma burocracia, termo de conotagdes desagradavelmen- te negativo, mas menos ambiguo: uti- liza-se um enquadramento que aceita a autoridade da direcio, o que per- mite reparti-lo entre pontos afastados sem prejudicar a eficiéncia do sistema; sua tarefa ¢ fiscalizar as operacées lo- cais e exercer um poder direto sobre os escalées interiores da hierarquia. Na época histérica, a expansio das estruturas territoriais no dominio po- litico sempre se baseou em tais prin- cipios. Para a vida econémica, as condigées sio andlogas. Antes do de- senvolvimento da maquinaria agricola, isto é, antes das primeiras décadas do nosso século, as grandes exploracées no trouxeram qualquer vaniagem di- reta ao dominio da produgio agricola, Entretanto, desempenhavam um papel fundamental sempre que era preciso visar a um mercado distante: Roma na Antigiiidade, ¢ a Europa Ocidental em relagio as plantagdes que se multipli- cam a partir do fim do século XVI no mundo tropical. A invengao de téc- nicas de dominacio é a causa da am- pliacio da area organizada pela Eu- ropa ou a conseqiiéncia da descoberta de novas terras ¢ de novas oportuni- dades de lucro? Sem duvida, tanto uma como outra. Vé-se neste exemplo a dificuldade encontrada na maioria dos estudos que tratam desses proble: mas: em muito casos a assimetria das relagdes é antes uma defesa contra os efeitos do mal funcionamento causado pela distancia do que a causa do apa- recimento de grandes sistemas. Sem 0 controle das técnicas de enquadra- mento social, a criagdo de grandes es- pagds seria impossivel; porém, sem a preexisténcia de grandes espacos, as motivagées para utilizar tais técnicas seriam fracas ou nulas, Por outro lado, quando os efeitos di- retos do poder sio bloqueados como, por exemplo, por uma ruptura_poli- ica. que quebre os. clos de dependén- Bol. Geogr., Rio de Janeiro, 35(255): 5-19, out./dez., 1977 13 cE cia entre um pais e 0 estrangeiro, os efeitos indiretos de dominagio nao tardam a ser procurados ou a apare cer: eles ‘iveis com _niveis bem mais fracos. de troca de informa- gOes. A légica da independéncia exige que esta independéncia nao seja total, a no ser que © pais esteja cercado por uma cortina intransponivel — seja de ferro ou de bambu. $6 a este preco & que poderdo ser reduzidos os niveis de comunicagio, até que deixem de ser portadores de efeitos de dominacio. 2. Para estudar os da_dominagio nao todos os obstaculos tancia 20 exercicio seus substitutos; aspectos espaciais basta considerar ctiados pela dis- do poder e dos devese _considerar também 0 papel do espaco nas possi bilidades de escolha oferecidas aos agentes econdmicos ¢ ressaltar os efei- tos de contagio que, ao criarem soli- dariedades entre localidades vizinhas, introduzem mecanismos hd muito tem- po negligenciados pelos politélogos e pelos gedgrafos. A liberdade de viver e de agir é limitada pela possibilidade de usar recursos estratégicos. Nas eco- nomias pré.industriais a maioria des- ses recursos é tirado da terra, de modo que o sistema sé pode ser igua- Hitdrio “se os solos cultiy4veis forem répartidos entre os parceiros tio regu: larmente quanto possivel. Dai surgiu 0 ideal jeffersoniano de democracia: para evitar os perigos criados pela de- sigualdade de bens, convém estabelecer © regime politico sobre uma democra- cia social de pequenos proprietarios, como se pode ver em certas regides do este dos Estados Unidos. Por outro lado, nas civilizagGes tradicionais 0 poder e a dominacio tém como ins- frumento o dominio da terra pclas classes dirigentes. © aparecimento das economia indus: tiais modifica o problema: o capital torna-se fator estratégico da producio; aquele que o possui pode organizar a seu. modo toda a economia, Aqui, em geral, a andlise se detém, ficando in- completa. Ela, aparentemente, nao mais considera © espaco: o capital é movel e.a ordem se define em relagio a elementos nio. localizados. No momento da escolha, a capacidade de usar informacées precisas ¢ exten- sas € a habilidade de empregar todos os conhecimentos técnicos para resol- ver um novo problema pesam consi- deravelmente. As informagdes e os conhecimentos técnicos que determi. nama transparéncia do meio ¢ permi tem prever o futuro com maior segu- ranca sio indispensdveis a elaboracao de decisées eficazes. Num universo onde as mudancas séo cada vez mais freqiientes e profundas, 0 acesso & informacdo parece ser, muitas vezes, mais importante como fonte de in- fluéncia e dominacio do que o con- trole dos bens de equipamento, A sociedade industrial torna-se rapi- damente uma sociedade afluente. A atividade produtiva ocupa apenas uma parte do tempo de cada individuo. As horas de lazer se prolongam. Para des- frutar a vida é importante encontrar num horizonte préximo um conjunto de oportunidades esportivas, sociais ou culturais que a valorizem. O poder ¢ a influéncia encontram ocasiio de se manifestarem em tais aspectos da in- teracio coletiva, que se tornam cada ver mais importantes, Neste dominio © acesso aos bens desejados depende da organizacéo dos fluxos que trans portam a novidade, a arte e o valor, e de sua -acessibilidade: nesses fatores encontram-se as condigdes que fixam os limites efetivos da liberdade. Em nossa civilizagio © direita ao en- sino (Bourdieu e Passeron, 1964) ¢ 0 direito 4 cidade (Lefebvre, 1968) cor- respondem ao reconhecimento dessa aspiracdo fundamental a liberdade ¢ ao desenvolvimento pessoal, mas nao garantem o exercicio efetivo da auto- nomia se a publicidade e a instrucao forem orientadas no sentido de favo- recerem o interesse de minorias e se a organizacio do espaco nao correspon- der as expectativas e as necessidades da maioria. Nesse caso, os efeitos de dominagio sio freqiientemente dissi- mulados, indiretos ¢, portanto, dificeis de serem descobertos, podendo-se, as vezes, imagind-los onde nao existem. Este € 0 setor em que os instrumentos de andlise sio mais escassos: até que ponto a estruturagio das redes de in- formagio e dos espacos de relacio afeta a liberdade individual? Até que ponto o individuo fica condicionado pelo contexto em que se encontra imerso, sem té-lo construido ou mesmo desejado? A andlise das formas da do- minagio tornase cada vez mais com- plexa quando o interesse pelo controle das forcgas produtivas deixa de ser unico e quando so considerados todos 0s outros instrumentos que podem criar ou transmitir influéncia. 3. Entretanto, diante de tais ques- tes, a situagio dos gedgrafos nio ¢ inferior & dos outros pesquisadores em ciéncias sociais. Na medida em que © espaco seja um fator-chave, eles po- dem trazer elementos originais de so- lugio. As recentes pesquisas sobre os efeitos externos o mostram. Em termos de uso da terra, em escala microgeo- grafica, raramente é possivel restringir os efeitos de determinada utilizagao aos limites de uma pequena proprie- dade: 0 terreno que serve para cons- truir uma usina, uma casa de campo ou uma praca de esportes nao fica totalmente isolado de seus vizinhos. Ele é 0 ponto de partida ou de che- gada de uma grande quantidade de fluxos como, por exemplo, bens, pes- soas e informacées. A maioria desses fluxos sio canalizados pelo sistema de vias que permitem que as propried: des tenham acesso a circulacéo geral; mas nem sempre isso acontece. Os flu- xos materiais seguem, as vezes, outros caminhos: assim, as efluéncias gasosas se espalham na atmosfera e afetam a vizinhanga tanto mais intensamente quanto mais fracos forem os ventos. Nao é facil, também, canalizar fluxos de informagées: constroem-se_ muros para escapar da visio, mas cria-se, a0 mesmo tempo, um transtorno para os vizinhos ao limitar o seu horizonte; é quase impossivel diminuir 0 incémodo causado pelo barulho, a nio ser pela distancia. Quanto ao uso da terra, a existéncia desses fluxos multiplos dé origem, portanto, a economias e dese- conomias externas, isto é, a efeitos que atingem os outros. As decisdes da pes- soa que ocupa um terreno tém reper- cussdes entre os vizinhos que gostariam de obter apenas vantagens ¢ evitar todas as desvantagens da coabitagio. Ha 10 anos atrdés, Davis « Whinston (1963, 1964, 1965) tentaram descobrir como se resolviam os conflitos de loca- lizacio, Para tal utilizaram a teoria dos jogos, considerando dois jogadores, Te II, que podem se instalar em dois locais, A e B, isolados ou lado a lado (fig. 1). Gada um pode criar uma van- tagem, uma desvantagem ou deixar seu parceiro indiferente; todas as si- tuacdes sio apresentadas em matriz de dupla entrada; as posicdes de cada jogador figuram, respectivamente, em linha horizontal e vertical; as trés pos- sibilidades referentes ao valor das exterioridades (positiva, nula ou ne- gativa) definem as 9 grandes divisbes do quadro; em cada uma delas figu- ram os ganhos e perdas acarretados pela localizagio no mesmo lugar ou pela localizagio independente: no to- tal, 0 quadro compreende, portanto, 36 divisdes de ganhos e perdas. No caso em que as exterioridades sfio nulas (divisio central), 0 mecanismo do mercado ¢ suficiente para resolver todos os problemas da localizagio. Nos outros casos 0 mesmo nfo acontece. Quando os atores criam mutuamente vantagens ou desvantagens, a soluco é automatica: no primeiro caso (divi- Bol. Geogr., Rio de Janeiro, 35(255): 5-19, out./dez., 1977 16) 16 JOGADOR I EXTERIORIDADES AUSRNCIA DE EXTERIORIDADES POSITIVAS EXTERIORTDADES NEGATIVAS n A B A B A B B Ze as aes 22 0.0 2.0 0.0 242 0.0 Se é ¢ 1 2 a B B 0.0 22 0.0 20 0.0 2-2 g oi A] | 02 0.0 0.0 0.0 0.-2 0.0 As gw) 62 B| #3 : ; 4| 32 % 81 6 = 5 # |p] [oo 02 0.0 00 0.0 0. B = A| | 22 0.0 “2.0 00 2-2 0.0 az 23 6 7 8 Ha 2 4 B 0.0 2.2 0.0 2.0 0.0 -2.-2 sfio 1 do quadro) eles se aglomeran no segundo caso (divisio 8) eles pre- ferem se afastar e se instalar indepen- dentemente um do outro. Da mesma forma, se um cria vantagens e 0 outro fica neutro (divisdes 2, 4, 5 e 7) es- tabelece-se um equilibrio. © mesmo nao acontece nas divisdes em que se vé um dos jogadores oferecer vanta- gens € 0 outro desvantagens (divisdes 3 e 6 do quadro), pois, nesse caso, 0 jogador que cria uma vantagem (II na divisio 8) nfo tem qualquer inte- resse em se colocar ao lado do outro. O comportamento de I é inverso. Nao ha solugio aceitavel para os dois, pois as vantagens e desvantagens nao sio repartidas equitativamente, um di e nao recebe, 0 outro recebe e nfo da. ‘A partir dai, compreendese como se definem certas estratégias espaciais, de que modo a ordem territorial e a ordem hierdrquica surgem como siste- mas complementares e, em parte, sub: tituiveis. Se realmente existir um sis- tema de autoridade em que o primeiro jogador possa se apoiar, ele consegue obter de seu vizinho importuno uma compensagio pelas perdas sofridas. O mesmo nao acontece na auséncia de uma organizacio hierarquica que obri- gue o causador de problemas ou de inconvenientes a pagar. O primeiro jo- gador pode tentar negociar com 0 se- gundo c exigir uma indenizacio; mas na auséncia de um 4rbitro ou de um poder impositivo, o segundo jogador tende a recusar. Assim, a situacao con- tinua a mesma. A unica possibilidade razodvel para o primeiro jogador é retirarse e escolher outra localizagio, supondo que o importunador demore algum tempo para fazer 0 mesmo. O sistema gera, portanto, uma instabili- dade generalizada dos jogadores: os que criam vantagens sio substitutdos pelos que criam desvantagens. Quando explorades, os primeiros tentam insta- lar-se num espago em que disponham de autoridade para que se precave- nham contra 0 constante aparecimento dos que criam desvantagens. Este € 0 mesmo mecanismo que da origem aos guetos e & maioria das se- gregacées nas cidades norte-americanas e, em menor escala, nas grandes cida- des da Europa atual (Cox, 1972; Har- vey, 1973). Ao vé-lo assim desmontado, compreende-se porque esses fatos se generalizam nas sociedades em vias de democratizacio, e porque eram mais raros nas sociedades aristocraticas an- tigas. Estas eram estruturadas segundo uma ordem hierérquica independente do espago, 0 que protegia as figuras mais importantes contra os causadores de problemas e de desexterioridades: elas podiam se precaver contra esses importunadores, fazer com que eles respeitassem as normas gerais ¢ evitar que eles perturbassem o ambiente em que eram tolerados. A partir do mo- mento em que se renuncie a uma or- dem hierdrquica independente, as con- digdes mudam. Por incrivel que pa- re¢a, justamente os importunadores — os que, de maneira geral, tém os ren- dimentos mais baixos por serem os é que so capazes de exercer, no espago local, um efeito de dominacio: fato descrito pelos membros da escola de ecologia humana de Chicago, ao ana- lisarem, um pouco ao acaso, a génese da zona de transicZo, j4 que o termo dominancia sé era usado quando toma- vam como modelo a sociologia bota- nica, Para escaparem desses efeitos indesejados de dominacdes, 0s ricos, geralmente, s6 encontram dois meios: um transitério, a fuga, que sempre se repete diante da chegada de novos criadores de exterioridades; 0 outro, definitivo, o desmembramento do es- Pago, a segregacHio: gracas as normas de zoneamento, os importunadores sio eliminados de certos territérios. Assim, encontram-se no dominio das sociedades humanas as penetrantes observacées que Layhausen (1965) ja havia feito sobre certas sociedades ani- mais: 0 papel do espaco nos fatos de hierarquizagio_é€ complexo e funda- mental. As sociedades raramente esca- pam ao estabelecimento de uma ordem de prioridade. Esta ordem pode ser absoluta e independente das condi- Bes de localizacio, como é 0 caso de muitos animais gregdrios entre os quais a dominancia resulta de ataques espacados, que no sio constantemente contestados; ela também pode ser re- lativa, como é 0 caso da maioria das espécies territoriais: dentro de seu do- minio, o macho desafiado por um con- corrente é geralmente vencedor da disputa, ainda que, fora dele, seja qua- se sempre derrotado. Assim se formam tantas hierarquias quantos forem os territérios, Vé-se, assim, que sentido pode ter a territorialidade entre os grupos so- ciais. As andlises de Davis e Whinston mostram que, entre os homens, as con- digées nao sio muito diferentes das que existem entre os animais: a tnica pequena diferenga é que 0 homem par- ticipa dos dois sistemas (mas nio se menos integrados no corpo social — | trata de uma originalidade total, tendo Bol. Geogr, Rio de Janeiro, 35(255): 5-19, out.[dez., 1977 VW [s| 18 em vista 0 caso do gato que esté sendo estudado pelo etdlogo alemao) e, so- bretudo, que ele pode passar de um para o outro, A existéncia de uma ordem hierarquica fixa, sem davida, facilita a. vida para grupos aglomera- dos, As hierarquias méveis sio respon- sdveis pelo desenvolvimento individual ou de cada subgrupo que se isola den- tro de uma drea. 4. Até que ponto a hierarquia é an- tes um produto direto do equilibrio territorial do grupo do que um meca- nismo independente que fixaria a au- toridade a partir de outras bases? Esta é a questo que se € levado a colocar, ao analisar a formacio dos sistemas de comunicagio no ‘centro de uma populacio dispersa. A interagio social supde uma troca incessante, isto é, a passagem rapida de um interlocutor para outro, Nos sistemas de telecomunicacées isto s6 é possivel se todas as linhas passarem por um mesmo ponto. Quando é vasto © e€spaco sobre o qual deve ser esta- belecida a transparéncia, a convergén- cia de todas as linhas para um mesmo ponto implica em gastos considerdveis. A experiéncia mostra que as trocas so numerosas, sobretudo entre os par- ceiros mais préximos. Portanto, é mais econémico dotar 0 pafs de uma rede de centrais elementares de comutacao que assegurem, sem grandes despesas, uma transparéncia clevada nas dreas | préximas, Para passar de uma central a outra convém estabelecer postos de nivel superior, isto é, criar uma hie- rarquia, Dessa forma, a estrutura pira- midal corresponde, antes de tudo, a uma preocupagio com a eficiéncia na solugio de um problema de organi- zagiio do espaco. Uma vex criada, esta hierarquia, a servico da informacio, pode tornar-se um dos fundamentos da dominagio e do poder: os que atin. gem mais facilmente a transparéncia sobre grandes espacos levam vantagem sobre os outros e ocupam, natural- mente, posicdes mais fortes no conjun- to da rede de relades sociais. Conclusao Com os poucos dados apresentados, no temos a pretensio de dar uma vi- so sistematica e ordenada desse domi- nio imenso ¢ mal explorado; 0 obje- tivo & mostrar que 0 espago nao é um elemento indiferente, como que acres- centado ao sistema social; ele faz parte desse sistema, condiciona seu funcio- namento, facilita ou retarda os fatos de difusio dirigida gerados pelo exer- cicio do poder, da autoridade e da in- fluéncia. Ele € um dos instrumentos indispensaveis através do qual se defi- nem as estruturas hierdrquicas, permi- tindo dar-Thes certa _flexibilidade: quando as hierarquias estaveis mos- tram-se demasiadamente sobrecarrega- das, pode-se optar por hierarquias par- ciais e variveis segundo os lugares; elas dio a cada um_possibilidades relativamente equivalentes de desen- volvimento, Assim, a Geografia dos efeitos de dominagio explica a din mica dos sistemas sociais contempora- neos, mostrando a relagio necessiria entre a multiplicacio das organizacdes de forte estrutura interna e a expansio progressiva dos espacos de relagio; res- salta, também, a parcela de irrealismo que existe no fato de se querer lutar, simultaneamente, contra as estruturas de autoridade, contra as forcas de se- gregacdo € contra as hierarquias per- manentes. Hé, sem duvida, possibili- dades de conciliagio que ainda nio foram descobertas; convém pesquisé- las seriamente, Por enquanto, tem-se a impressio de que, por falta de uma reflexio mais profunda sobre 0 papel do espace na vida social, o pensamento ocidental segue um caminho que con- duz, sem que se perceba, a conflitos insoliveis. Parece-nos ser da compe- téncia da Geografia fazer 0 esforco necessirio de andlise e de divulgacio no sentido de esclarecer a sociedade contempordnea sobre as condig6es a serem respeitadas, em matéria de orga- nizagio do espaco, para que 0 jogo social nfo presencie a multiplicacao de tensées intiteis. Os trabalhos conduzidos pelos socié- logos e economistas ressaltam a com- plexidade dos caminhos percorridos pela dominacio: ha muitos desvios dos quais ainda no tomamos consciéncia. Isto promete novos problemas para a andlise espacial: ela ainda nao esti preparada para solucionar os proble- mas de autoridade. A medida que esta andlise abandonar, mais decisiva- mente, a ética naturalista tradicional e se aproximar das outras disciplinas sociais, € natural que seja levada a considerar, com maior profundidade, os elementos fundamentais de qualquer andlise referente a grupos humanos. 19 Estudo morfoldégico do do nordeste brasileiro 1. INTRODUGAO A morfologia litoranea do Nordeste brasileiro caracteriza-se pela seqiiéncia do modelado macigo, interrompida apenas em alguns trechos por unida- des particularizadas por perfis si- NUOSOS. A linha de costa tem duas orientacgées gerais divergentes: uma, aproximada- mente WNW-ESE, abrange os Estados do Maranhio, Piaui, Ceara e Rio Grande do Norte, outra, NE-S, inicia- da no litoral oriental deste ultimo estado, encontra os extremos meridio- nais no Estado da Bahia. Este fato constitui uma das condicées essenciais que rege a variabilidade dos processos atuantes nas paisagens costeiras. Os estudos geomorfoldgicos da costa do Nordeste brasileiro tém-se constituido em motivo de inusitado interesse por parte dos universitdrios. 0 press trabalho apresenta uma reformulacao dos tratamentos sistematico e regional expostos dissociadamente em trabalhos anteriores e visa a aspectos significativos da evolucdo paleogeogréfica e das condigées atuais dos seus processos. A autora, gedgrafa da SUPREN (IBGE), haseia suas interpratacées em observacées locais, analise de cartas topogratis @ nduticas e fotografias aé litoral e das baixadas CELESTE RODRIGUES MAIO No Estado do Maranhio e, em parte, no Piaui os vales de regime perene, afetados pelas caracteristicas do clima quente ¢ timido, sio portadores de possante carga aluvial que contribui para a sedimentacio crescente do li- toral. A leste destes estados a rede hidro- gréfica alcanga a costa, impossibilitada de se lancar, exorreicamente, ao mar. Os cursos d’égua que ai chegam apre- sentam reflexos das interferéncias do clima semi-arido peculiar ao interior, divagando entre as planuras se con- vertendo em canais anastomosados. Essas amplas extensdes arenosas ten- dem a se expandir, consecutivamente, em tratos fluviomarinhos, seqiiencia- dos ora por faixas arenosas ora por setores lacustres interditados dunas. por A morfogénese desenvolvida ao longo do litoral oriental nordestino contra- poese a do primeiro mencionado, por- que os ventos que ai atuam sao inte- grantes do quadrante leste e dotados de umidade. A natureza dos processos intempéricos, caracterizada dominan- temente pelo desenvolvimento quimi- co, age sobre minerais e rochas, de- compondo-os. Apés a desagregacio, as alteragbes diagenéticas trocam os elementos. j2- zentes nas planuras, convertendo-os em faixas paralelas — as restingas. Quanto & extensio do planalto conti- nental, outro fator de expressiio con- sideravel como apoio aos estudos de evolugio costeira, apresenta-se redu- zida nas proximidades do cabo de Sio Roque (Estado do Rio Grande do Norte) ¢ cabo de Santo Agostinho (Estado de Pernambuco), mas ampla a0 norte, oeste e sul desses dois aci- dentes. As correntes maritimas constituem agente transportador e influentes na acumulacg3o dos sedimentos costeiros. No Nordeste elas se desdobram da corrente Equatorial nas imediagées do cabo de Sao Roque — uma toma a diregio setentrional e outra segue para SSW (corrente do Brasil), com velo- cidade mais moderada do que a pri meira e, ao impacto dos acidentes lito- raneos, assume carater local. Perde in- fluéncia nos trechos onde incide nor- malmente a costa, sobretudo a partir da cidade de Maceié (Estado de Ala- goas) para o sul. Fenémeno altamente__significativo, conquanto nao genéralizado, é 0 rela- tivo as marés. Seus efeitos maiores es- tGéo no litoral setentrional, em torno do golfa0 maranhense, onde chegam a atingir até 7,40 metros de altura, Bol. Geogr., Rio de Janeiro, 35(255) Por este fato, a pororoca ai é evidente, até mesmo em alguns furos e igarapés; esses fenédmenos raream, entretanto, para leste, apesar de se registrarem, ai também, marés altas. As formas de relevo sedimentar domi- nantes no litoral norte cingem-se a am- plas baixadas fossilizadas pela invasio dos depésitos cenozdicos, mormente os arenosos, que motivam a contorcio das embocaduras fluviais, e a terragos fluviais. Os sedimentos silicosos no litoral ori ental estdo intensamente associados as argilas € aos scixos. O meio ambiente enseja a génese de sucessivas restingas, praias consolidadas ¢ recifes. A multiplicidade dos fatores morfoge- néticos que originaram a diferenga da natureza e freqiiéncia das formas do relevo, entre os dois litorais conside- rados, parece ter sido heranga de pre- téritas épocas geolégicas. Os diversos regimes das bacias fluviais refletem-se sobre alguns remanescentes que permaneceram esculturados na paisagem. A contribuigéo sedimentar causada por paleoclimas diversos propiciou aos rios condicées genéticas para a elabo- ragio e evolugio das formas litorancas atuais. © dominio sedimentar, acentuada- mente arenoso, desenvolve-se a leste da ilha de Sio Luis, na area dos “len- gois”. Nesse local as areias carreadas pelo rio Parnaiba sdo deslocadas para oeste, envolvendo os baixos cursos flu- viais e ilhas. Restingas e dunas repre- sam as embocaduras que se transfor- mam numa complexa rede labirintica lagunar, como ocorre, por excmplo, com o rio das Preguicas. Os ventos alisios de diregio nordeste movem 0s gros arenosos que, tangi- dos pelas vagas, passam a se depositar : 20-79, out./dez., 1977 21 | a sota-vento, constituindo bancos, res- tingas e dunas, Esses processos de as- soreamento so evidentes na baia de Cumi, no irecho compreendido entre a ponta de Itacolomi ¢ a cidade de Alcantara. Perdem expresso, no en- tanto, em algumas reentrincias costei- ras, onde © fluxo e refluxo das marés misturam areias e argilas continentais. Os Cepésitos sedimentares articulados pelas correntes internas dirigem-se, as veres, para locais onde se acumulam em grandes proporgées, a ponto de acarretarem sérios problemas de comu- nicagio entre o mar e © continente. Eo que se processa na colmatagem costeira, evidente a leste do golfa0 ma- ranhense, entre a ponta dos Mangues ea bala das Preguicas. A este a paisagem cinge-se 4 justapo- sigio das barras arenosas, alternadas com setores lacustres, porque 0s cursos finais dos rios divagam, meandrica- mente, ante o impulso das areias que se acumulam a oeste. No litoral oriental a convergéncia de fatores ambientais especificos dota a paisagem periférica litoranea de carac- teristicas peculiares como restingas ¢ recifes. 2. LITORAL 2.1. Significado paleogeografico das restingas e recifes nordestinos Retomados pelas vagas e depositados na faixa litorinea, os sedimentos se acumulam ao longo da costa, consti- tuindo as restingas. Alguns cordées arenosos interioranos, ja litificados pelos alidsios, sio hoje testemunhos das influéncias eustaticas passadas, afigurando-se a paleorrestin- gas, que podem corresponder a antigas posigoes da linha costeira. A ocorréncia de acidentes periféricos litoraneos pode ser correlacionada ao relevo submerso, como se conclui da anidlise e interpretacio das cartas topo- graficas e nduticas. ‘A comparagio entre a costa 0 conti- nente permite estabelecer uma tenta- tiva de reconstituicio paleogeogratica do litoral do Nordeste. As formas de restingas evoluem facil- mente em alguns trechos, como domi- nio dos processos quimicos, A litifica- Glo, através da halmirélise, converte-se, gradativamente, nas peculiares linhas de pedras — os recifes. Dispostos sob a forma de bancos ou em faixas paralelas, os recifes s40 mor- fologicamente assimétricos em suas vertentes a barlavento e sota-vento. Uma classificagio topoldgica acompa- nha, portanto, o seu estudo. Emersos ou imersos, apoiados nas praias ou localizados a grande distin- cia destas, os recifes podem reconsti- tuir as antigas posicdes das linhas cos- teiras. Restingas e recifes definem muito bem © litoral nordestino nao sé como aci- dentes mas também porque a sua pre senga exerce grande influéncia no mo- delado do interior — a sua retaguarda hd sempre represamento de areias € vasas, contornando trechos lacustres. Constituem, ademais, obstéculos natu- rais 2 navegacio que se comunica pre- cariamente com o interior através das barretas, isto é, aberturas transversais as linhas de pedra, nas proximidades das embocaduras fluviais. A ocorréncia dos recifes verificada no mundo inteiro por varios cientistas tem valido, segundo as posicdes em que se encontram, como trechos referen- ciais para provar a oscilaczo do equa- dor térmico, Para se conhecer a génese desses rele- vos é indispensavel penetrarse na in- teragio das condigées naturais ineren- tes 4 sua existéncia. A linha de costa que bordeja o mar nas imediagées da ponta do Calcanhar (Estado do Rio Grande do Norte) tem direcio NW-SE até a ponta dos Seixas (Estado da Paraiba), donde se inflete para SW até o Recéncavo baiano. Excetuando-se este ultimo aci- dente, o litoral oriental nordestino caracterizase pela linealidade. © perfil retilineo da costa ¢ explicado pela correlagio estreita entre a locali- zacio dos cordées arenosos ¢ os tipos de’ cursos fluviais. ‘As praias desenvolvemse gracas a carga aluvial dos rios perenes, mais significativa do que em certos trechos do litoral norte. Os recifes, constituidos essencialmente por arenitos, ou contendo corais, sio os acidentes externos do nosso litoral que defendem as formas localizadas a retaguarda contra a acio abrasiva marinha. Apresentam-se morfologica- mente diferenciados entre os dois lito- rais, Enquanto ao norte formam ban- cos rarefeitos, no setor oriental se su- cedem, paralelamente, uns aos outros ou ao préprio continente, como se fora réplicas, em estégio mais evoluido, das restingas fronteiricas. A anilise das Cartas Nauticas (1945- 1949 ¢ 1950) deixa transparecer a correspondéncia entre os feixes de areia e a presenca e natureza dos cursos fluviais, No litoral oriental do Nordeste essas referéncias falham nos trechos onde a hidrografia apresenta caracteristicas intermitentes como, por exemplo, en- tre o Estado do Rio Grande do Norte e setor setentrional do Estado da Pa- raiba. Ao se comparar mapas hidrograficos climaticos, para se elaborar o estudo da morfologia litoranea do Nordeste, notase que a maior concentracio de umidade coincide com 08 locais de rios perenes e mais forte incidéncia de re- Cifes, isto é, entre 680° ¢ 9°40" de lati- tude sul. Para esse trecho convergem cursos agua, tais como Goiana, Ipojuca, Igaragu, Serinhaém, Formoso, Una, Persinunga e Porto Calvo, com nas- centes nas zonas da Mata e do Agrest¢ © Capibaribe, 0 mais longo de todos, nasce no sertio semi-arido. © trecho de maior freqiiéncia e exten- sio dos recifes situa-se entre as proxi- midades do rio Tabatinga (sul do Es- tado da Paraiba) ¢ norte da cidade de Maceié. Sua presenga ¢ tio significa. tiva que influi sobre a vida humana ribeirmha, conforme se depreende da interpretagio das fotografias aéreas contidas neste trabalho. A regularidade de ocorréncia dos reci- fes € inerente, por conseguinte, ao re- gime hidrografico. “os. rios Segundo Ab'Saber (1957) : do Nordeste formam um magro si tema de cursos d’4gua de dreas semi- dridas, intermitentes e irregulares, dotados de fraquissimo poder energé- tico. Isto porque as cabeceiras dos rios nordestinos, ao contrario do que acon- tece com os do Brasil Sudeste, nascem onde as precipitagdes, em geral, sio mediocres, e onde os vales, em vastos trechos de suas porcées superiores ¢ médias, sio desprovidos do “quorum” de precipitagdes anuais suficientes para os alimentar permanentemente”. A associagéo que se procura efetuar entre clima e comportamento da rede fluvial € notavel para elucidar 0 pro- blema genético e evolutivo dos recifes, Os depésitos arenosos e argilosos origi nados dos morros, tabuleiros ¢ terracos Bol. Geogr., Rio de Janeiro, 35(255): 20-79, out.[dex., 1977 23 Foto 1 — Fotomontagem mostrando a posicio dos “recifes-barreira” & vanguarda da capital Pernambucana. Notar a retilinidade desse acidente, concordante com a direcio da costa. O Obstdeulo que ele impée a cldade faz com que a comunicacdo maritima se efetue paralelamente, eandicionada as. posicdes das “barretas”. Em direcio 4 planicle a ocupacio fez-se entre os ‘ragos do rio Capibaribe, facilitada pelas numerosas pontes, (Serv. Aereofot. Cruzeiro do Sul S.A. O A 2075 — ns. 322 e 323) sfio carreados pelos rios de direcdo nordeste. As suas dguas, impregnadas de acidos organicos, concentram-se nas praias, onde o carbonato de calcio ma- rinho cimenta as areias depositadas, esbocandose ai a litificagio das faixas. As Aguas de infiltragio superficial sub- metidas ao efeito de capilaridade se alteram no novo ambiente, concen- trando éxidos ferruginosos sob a forma de crosta. Essas transformacées, sub- metidas pelas restingas através da halmirélise, promovem sobre os coldi des e sedimentos recém-depositados, decorrentes, inclusive, de um ambiente onde domina PH diverso, um enrije- cimento de setores de estratificacao cruzada (fotos 2 e 8). A. cimentagio provém dos elementos dissolvidos nas solugdes que se deposi- tam entre os gros arenosos. Estes, mis- | turando-se ao calcdrio ou ao éxido de | ferro, transformam-se em arenito, com | cimento calcdrio ou limonitico. Conseqiiente das temperaturas relati- vamente clevadas do Nordeste, os de- pésitos marinhos perdem umidade e as dguas de infiltragio liberam o cl reto de sédio, modificando as propr dades das rochas, por conterem calc: rio, pelo gis carbénico (fotos 3 ¢ 4). Essas linhas petrificadas ainda sio evi- dentes, considerando a sua presenga relacionada aos rios, no Estado do Rio Foto 2 — Municipio de Natal — Rio Grande do Norte — Aspecto tomado da linha interna dos recifes areniticos, proximo 2 Natal. Observe-se a. estratificact cruzada das camadas depo- sitadas em épocas femotas e visivels devido a. erosdo diferencial provecada pelo mar. Na ‘cimentacdo verificada posteriormente influiram varios agentes, entre os quals sobressai o cal- cario. Algumas pequenas depressées, espalhadas entre os recifes ‘‘em franja” acham-se preen- chidas pela agua salgada, onde se encontram moluscos, crusticeos ¢ algas calearlas. Grande do Norte, constituindo os cha- | mados recifes “Cearé-Mirim” nas pro- ximidades do rio do mesmo nome. No Estado da Paraiba, em frente aos | trios Mamanguape e Paratha, eles se | repetem e, neste Ultimo, seguem a res- | tinga que abriga a foz do rio homé- nimo. (Foto IBGE) Os recifes, quando ainda em evolugio € presos as restingas, sio denominados “recifesem-franja” (fotos 4 e 5). No predominio litoldgico e bioldgico, aliado 4 peculiar maneira de sua dis- posicio, reside o fato generalizado de se atribuir aos recifes, na costa _brasi- leira, denominacées de “recifes de are- Bol. Geogr., Rio de Janeiro, 35(255): 20-79, out.jdez, 1977 Foto 3,— Municipio de Natal — Rio Grande do Norte — Exemplo tfpico de um recife “em franja” (arenito) nas praias de Natal. A consolidacdo desse cord4o rochoso provém da cimen- taco sofrida pelas arcias e outros sedimentos. Em virtude de ser protegido por outros recifes do. tipo barreira, as vagas do mar o tocam apenas brandamente. A sua dissolucéo 6 conse- qiiéncia da agio das aguas salgadas e arelas recentes em movimento que, aproveitando os Pontos menos resistentes, atacam os arenitos, caledrios, destacando-se, portanto, séries continuas de delgadas laminas. Algumas pequenas marmitas decorrem do movimento turbilhonar elabo- rado elas vagas que, em certos pontos, atravessam as “harretas” dos recifes externos. 840, como os demais recifes “emersos”, testemunhos eustiticos, pols representam antiga linha de costa aflorada em virtude da instabilidade do nivel do mar, presenciado no litoral brasileiro. As praias arenosas onde eles se apdiam sio dominadas, como vemos na foto, por barreiras ¢ dunas, num marcante contraste com a alvura da paisagem mals baixa. (Foto IBGE) nito” ou “de pedra" ¢ “recifes de coral”, quando, na realidade, estes Ultimos identificam-se com os primei- Tos nos quais se apoiam, lugdo devido aos movimentos recentes das areias que atacam os arenitos cal- cdrios, destacando a estrutura laminar. As estratificagées cruzadas, j4 referidas, Os recifes mostram dissimetria nitida — a vertente externa, voltada ao im- pacto das dguas marinha, apresenta-se com falésias, cristas de Lithotha- mnium, contrapondo-se a vertente interna, de declive suave, que se limita com as praias ou com as 4guas que 0 separa de outro recife. Nesse ambiente as cavernas sio povoadas de animais © as lagoas retém cardumes de peixes. Em alguns trechos as aguas salinas penetram, originando formas de disso- refletem as fases ¢ ambientes variados durante 0s quais os minerais se con- centram, Os recifes aparentemente deslocados da costa e, por conseguinte, denomi- nados “recifes-barreira”, estao em si- tuacdo diferente entre os dois litorais. No litoral setentrional encontram-se rarefeitos. O afundamento desse tre- cho costeiro, maior do que o verificado a leste, parece ser argumento para a sua presenga, apenas sob forma de bancos. Sondagens realizadas por Rush (1952) entre as duas costas nordestinas asse- guram maiores abalos sofridos pelo itoral setentrional, mormente no tre- cho compreendido entre Touros Areia Branca. #, por conseguinte, no litoral oriental que-as faixas de recifes se sucedem, as veres, em ordem de duas ou trés faixas paralelas entre si € & costa. As que se localizam mais externamente tém acio | defensora nfo s6 das internas como também da prépria costa contra a agio abrasiva marinha. Funcionando como quebramares, es- ses “recifes-barreira” _apresentam-se, por exemplo, como “duplos” no Es- tado de Alagoas, entre os rios dos Paus ¢ Porto de Pedras e entre os rios Ca- marajibe e Sapucai (foto 6). Ao sul de Camarajibe ordenam-se tés recifes paralelos, um deles, localizado a 80 quilémetros a nordeste de Ma- ceid, & constituido por arenitos super- postos a bancos de corais. Tal ocor- réncia pode oferecer argumentos para a hipotese da oscilagio marinha quan- do numa fase, ndéo muito distante da atual, no Quaternario, a linha de costa variou, sendo depositada grande uantidade de areias, em funcio de um nivel de base diferente do atual. Nas imediagdes do rio Santo Anténio- Mirim os “recifes duplos” sio eviden- tes, escasseando-se, entretanto, em di- reco & capital alagoana. Foto 4 — Municipio de Natal — Rio Grande do Norte — Entre o primeiro plano e 0 diltimo pota-se 0 plantio de palmeiras que defende o casatio contra a acio edlia constante. Uma 0 frea_alagadica ao fun corresponde 20 baixo curso do rio Poten; ‘Ao longo do estirancio, em proceso evolutivo crescente sobre as aguas do maior, est4o restingas paralelas. Os. sedi- nizam-se em contate com a praia, formando quebra-mares naturals — (Foto IBGE) Bol. Geogr., Rio de Janeiro, 35(255): 20-79, out.jdez., 1977 27 Foto 5 — Municipio de Natal — Rio Grande do Norte — Aspectos de um recife “em franja” nas proximidades de Natal, onde se percebe as duas formacoes diferentes que o constituem. Na periferia, em contato direto com a agua do mar, esta a superficle enrugada, dominio dos corais, enquanto na face interna a parte rochosa se ‘acha proeminente. Separando esses recifes das areias da praia, encontra-se uma zona deprimida coberta pelas Aguas. No Estado de Pernambuco h4 outros recifes paralelos, fronteirigos 4 foz do rio Una. O mais externo é também © mais longo de todos, situado entre © extremo sul da embocadura do rio mencionado ¢ 0 norte de Maragoji um dos mais extensos e nitidos reci- fes do litoral nordestino. Ainda nesse Estado, envolvendo a “ria” do rio Formoso, ha dois recifes curtos. Na altura da cidade de Salvador exis. tem outros recifes, como os de Baixa Verde, Sio Miguel, Jequid ¢ Cururipe. Ao norte do cabo de Sio Roque, onde se divisam os primeiros acidentes indi- cadores da mudanga do litoral para oeste, os recifes diminuem de impor- tancia, As correntes dirigidas para oes- te ou noroeste, sob efeito dos ventos (Foto IBGE) predominantes do nordeste, chocam-se ao impacto das aguas do litoral norte, Conclui-se, dai, 0 desaparecimento das condigées propicias 4 presenga dos re- cifes que sé reaparecem a oeste, no Estado do Ceara. Ai os efeitos clima- ticos umidos assemelham-se aos do li- toral oriental. Na grande flexura costeira nordestina que da a configuracio geral ao Brasil desenvolvem-se colénias de corais. A auséncia de correntes frias e grande luminosidade reinante concorrem para a existéncia de corais, como é obser- vavel nas bordas ocidentais ocednicas do mundo tropical. Derruau (1956) engloba as. influ. éncias grandes ou pequenas da natu- reza das correntes sobre esses edificios calcirios nas paginas $54 e 355, assim distribuindo-as: “On ne trouve des récifs vivants que dans les mers tro- picales non visitées par un courant froid, ni affetées par des remountées d'eau de fond froides, c’est-a-dire quills sont absents sur la plus grande partie des cétes orientales des océans (Californie, Chili, Pérou, Sud-Ouest africain, céte saharinne). En révanche, ils sont frequents, en dehors des eaux trop boueuses (comme celles que vien- nent polluer les fleuves de l’Asic ae moussons), sur les cétes occidentales | des océans tropicaux (Australie orien- | tale, Brésil orientale), dans le Pacific Central et en mer Rouge”. | De outro modo, a corrente quente — maritima sul equatorial — proveni- ente de Benguela (Africa) passa, no Brasil, na direcio sudeste € tem tempe- ratura mais elevada, que beneficia as costas brasileiras, favorecendo o meio hioldgico dos recifes. Andrade (1958), em estudo recente, observou que, a altura das Rocas, essa corrente esta muito modificada em suas proprieda- des, pois como diz na pagina 11 do mencionado trabalho, “encontra-se af © ambiente étimo para 0 desenvolvi- mento dos corais, embora no haja importancia nesse reparo, porque o re- cife das Rocas, como os de Fernando Foto 6 — Munlcipio de Cabo — Pernambuco — Os “recifes-barreiras” indlcam os afloramentos Gan’ antigas Unias de rata. Reflotem 's° topogratia stomersss acompushunds, ‘portantar a Stbaideneta moderna da fhlaa costelra, As vaganimpelidas pelos Ventos, alcangam’ of obsticilos Hibmarinos, Avperda de forga oeasionada pelo-airito motive a: deposicao de sedimentos segundo Mimorfologia ‘sloseten, 6 c°modsiago dor” recites passe ‘tcorresronder: a ‘da propria ‘castes Ob tacraton aio acamadon’ em épocas aiversas &, contotme a" mosificagho aa ditegio das wags, Superpgem em pianos cruzadie: come se noth no recite Yom franje* no primelro plano’ Gx £0. AeKsiados “aeate"estio os “recitéacharroita”” eulas vertentes & pariavento, ao se expor.Trancamients aNdodo ‘mcciniea’ das ondasy- propiela cmblente pars’ a proliferagaa de“ eolenisy de’ corals, Mas fertentes ‘a solaewenton entrelantor as wages. peacttam "pelas” Soarretas’> atingindo as praias Com vigor ‘ntenuado, Misas aberturas tepresentam os antlgos locals das eimbocaduras. dos Gursos fluvial hoje, afogadas pela, ditima’ tansgressio. marina: ‘Constitueta, asotey og recites testes unos eustétioos que videnciam antigay linhas costeltas evide & instabilldade da" mivel do mn (Foto IGE) Bol, Geogr., Rio de Janeiro, 35(255): 20-79, out.jde:., 1977 80 | de Noronha, é dominantemente cons truido por algas calcarias do género Lithothamnium, familia das coralina- ceas”, As condicées naturais referidas favo- recem as algas unicelulares (Zooxan- telas) porque clas vivem facilmente com os polipeiros até a profundidade maxima de 30 metros, sendo impossi- vel existirem a 40 metros. As tempera- turas médias anuais do ar atmosférico, aproximadamente a 26°, enquadram. se no “otimum” exigido por esses seres para construirem 0s edificios .cora- lineos. O desenvolvimento das colénias exige, inclusive, aguas limpidas e oxigena- do, dai proliferarem a barlavento dos recifes, onde se encontra o habitat dos Millepora alcicornia, Linneu, que, se- gregando carbonato de célcio, pren- dem-se aos arenitos e uns aos outros, constituindo 0 dominio dos gastrépo- dos, crindides, equinodermos, deca- podos, esponjas e algas calcdrias, Nas vertentes caledrias dos recifes formam-se estruturas bréchicas, cons- tituidas por pélipos, alciondrios, brio- zodrios € algas. Quanto aos primeiros, correspondem a laminas de aragonita (carbonato de calcio que se recristaliza em calcita) . As algas, predominantemente Litho- thamnium, caracterizam os recifes nor- destinos e desempenham o papel de fixadora dos calcdrios, precipitando os carbonatos a partir da 4gua do mar e edificando degraus ¢ estruturas caver- nosas. © trabalho mecinico das vagas modela, nessas vertentes, plataformas de abrasio cujos blocos jazem nas pro- ximidades, constituindo sérios entraves as embarcagées, Aludindo-se aquelas trocas minerald- gicas, Artini (1919, p. 458) fala, a respeito do meio quimico-biolégico, 0 seguinte: “Dal punto di vista petrografico cio che ha di pid notevole é la relativa ricchezza im Mg/CO# di alcuni depo- siti medreporici, e particolarmente di quelli formati dalle alghe calcaree; inoltre, la presenza di carbonato di calcio in forma non di calcite, ma di aragonite, ciot della modificazione meno stabile pitt atta ad entrare in reazone di scambio metasomatico com soluzione magnesiache per formare della dolomite. Geologicamente, le formazioni a scogliere sono caracceriz- zate dalla mancanza di vera stratifi- cazione, e dal loro divilluppo locale, mente i depositi contemporanei_pre- sentano una facies tutta diversa”. De fato, as formas madrepéricas tém sido encontradas nos recifes a0 longo das praias nordestinas. Mattews Harrison (1926), examinando os reci- fes de Pernambuco, dizem existirem, nos lugares abrigados das lagoas, ma- dréporas, Siderastraes stellata e Favia leptophylla. Incluem-se nessas ocorrén- cias os radiolirios, freqiientes nos cor- dées litificados do Nordeste e que, depositando carapacas silicosas, cons- tituem o mais comum dos processos metassomaticos, Jung (1958), lembrando os recifes coralineos do Jurdssico superior de Lorena, diz que os recifes em banco silo construfdos por calcdrios micro- granulares, representados por um actimulo de sedimentos reduzidos a es- tado pulverulento. As vertentes internas desses recifes deslizam gradativamente sob as Aguas, em perfil suave, desaparecendo ligadas a bancos e “croas” arenosas; nesses lo- cais as Sguas do “canal de embarca- cio”, carreando a areia, desfavorece 0 meio ambiente para a vida dos corais. Um dos agentes destruidores dos re- cifes é, sem duivida, as vagas, Quando impulsionadas por fortes ventos po- dem solapar as vertentes expostas e provocar interrupgdes nos pontos mais fracos, As aguas pluviais, também, quando caidas em profusio, diluem as salgadas, reduzindo as condicdes de vida dos animais e plantas marinhas. ‘A ago mecanica das aguas pluviais aliada & decomposicéo quimica pro- voca aberturas nos cordées petrifica- dos por onde penetram as iguas do mar, nos locais denominados “barre- tas”. Isto se verifica em quase todos 0s recifes, podendo-se analisar, através de seus perfis, as reentrancias ou inter- rupcées localizadas em frente das em- bocaduras dos rios. A descarga fluvial desfavorece de tal forma a presenca desses acidentes que eles desaparecem ao sul da foz do rio $40 Francisco, cujos sedimentos, muito argilosos, to- mam direcio sudeste. E a que atesta © Prof. Delgado de Carvalho: “esta auséncia se verifica porque as Aguas do rio $io Francisco sio impelidas para o sul através das correntes gerais que geram junto s costas sul de Ala- goas e da Bahia condicdes adversas”. Se condicées paleoclimdticas alterna- das, influentes sobre a hidrografia, dotando-a de carter endorréico ou exorréico, desde o Plioceno até o Pleistoceno, “os vales, no dizer de Ab’Saber (1957), foram delineados em época de prolongada umidade que substituin a fase acentuadamente semi- arida, na passagem do Tercidrio para o Quaterndrio”. E, completando a ex. plicagio, torna o autor: “As condigées atuais de semi-aridez no permitem a rede hidrografica tocando o litoral, se no fossem os seus vales previamente formados”, As sondagens efetuadas na plataforma submarina do Nordeste indicam o soerguimento do bloco continental no Plioceno, A drenagem, obedecendo a inclinagio das camadas para nordeste, impdsse as estruturas sedimentares e cristalinas. Os tabuleiros inclinam-se em direcao aos recifes e nos trechos onde os primeiros formam falésias pode-se reconstituir a paleotopografia do Tercidrio, uma vex que a sua con- tinuidade deveria atingir os locais onde hoje se estabelecem os recifes. Tal hi- pétese se apdia no fato de ambas as formas de relevo apresentarem idénti- cos angulos de inclinacio. importante considerarse, na expli- cagio destes tltimos fatos, os argumen- tos que tdo bem tém sido aplicados as numerosas e¢ variadas formas da paisagem litoranea do Brasil — os movimentos eustaticos. Os recifes areniticos emersos parecem, conseqiientemente, corresponder a an- tigas linhas de praia, hoje inundadas e afetadas pela primeira transgressio marinha no inicio do Plioceno (Branner, 1904). Nos trechos onde existem varios reci- fes paralelos, cada um deles se associa a uma antiga orla maritima, invadida, posteriormente, pelo mar em diversas fases alternadas até o Pleistoceno. Esses cordées litificados tiveram génese em fases exorréicas, quando os rios disse- caram os tabuleiros, 0s morros € atin- giram a orla maritima numa distancia maior do que a atual. Nos recifes emersos existem aberturas — “barretas” — até mesmo nos mais afastados da costa, correspondentes as posicées antigas das embocaduras flu- viais, situadas na mesma latitude, na costa atual, Outro registro paleogeografico é a ocorréncia de seixos inseridos nos reci- fes de Mamanguape e Paraiba que, Bol. Geogr., Rio de Janeiro, 35(255): 20-79, out./dez., 1977 31 32 por certo, prolongarse-iam quiléme- tros sob o mar. O solapamento pelas vagas motivou a redistribuicio dos seixos ao longo da antiga praia, sob condigio de clima torrencial. E recifes emersos é dificil estabelecer-se classificagio tipolégica porque as pes- quisas efetuadas nesse campo de tra- balho tém se limitado a observagdes locais ou mesmo confundindo recifes de arenito com aqueles capeados por corais, nas vertentes a barlavento, An- drade (1955), em estudo sobre a ilha de Ttamaraca, relere-se a freqiiéncia das “barretas” nos cordées, como se tendo formado “sobe a aco das cor rentes de maré, penetrando a laguna retornando ao mar, durante a for- macio do cordao”. Os recifes que contém coral, situados entre a ponta do Calcanhar e 0 cabo de Santo Agostino, estio localizados a 3,5 milhas distantes da costa. ‘A aniilise batimétrica indica a presen- ca de corais nesse local até profundi- dades de 6,4 metros, Sabendo-se que as condicées naturais nao permitem 0 desenvolvimento cesses seres além de 40 metros, a sua existéncia ai explicase | através da histéria geoldgica. A mesma | | isébata de 40 metros é encontrada no paralelo da ponta dos Moleques (Es- tado do Rio Grande do Norte), en- quanto se constatam niveis mais pro- fundos, a 75 metros, na altura do porto de Cabedelo (Estado da Pa- raiba) . ituados sob o mar continuidade, Os recifes paralelos 5 apresentam, As vezes, asemelhando-se, segundo Guilcher (1954), a “barreirasimersas” e apli- cadas a0 “presente estudo em virtude das cotas se repetirem a pequenas dis- tancias, lembrando a mesma forma dos recifes quando emersos e afastados da linha costeira, Outros exemplos citados sio os da isébata de 46 metros, entre 0 cabo de Santo Agostinho e a ilha de Itamaracd; a 30 metros esté outra faixa de recifes submersos, entre ponta da Tabatinga e a ponta Lu- cena, A. questio do eustatismos formulada parece ter tido enorme influéncia nos rios, formas, niveis de erosiio e apa- recimento dos recifes. Para 0 nosso itoral, em que no se encontram for- magées coraligenas além de 100 me- tros de profundidade, 2 teoria conven- ce em parte. As falésias, os abruptos das barreiras, os vales afogados, guir- landados por esses corddes, exigem outras explicagdes — a subsidéncia. Para tanto, pode-se anexar as argumen- tacées de Kuenen ¢ Stearns, incluindo as duas diferentes teorias. Terrenos terciirios, marcados por tabuleiros ¢ barreiras, certamento do Cenozéico, sofreram, no Brasil, basculamentos de pequena amplitude, muito _lentos, compensados facilmente pela continua construgio coraligena, e suficientes para as colénias nfo parecerem afo- gadas nas dguas marinhas. No Brasil as oscilagdes eustaticas de maior alcance que 0 movimento do solo sucederam-se alternadamente, re- modelando, através de transgressdes, a atual paisagem submersa do litoral oriental do Nordeste. A instabilidade do nivel do mar deu origem & wansformacio atual dos an- tigos “recifes em franja” em “recifes- barreiras-imersos”. A Gltima wansgressio _quaternaria ocorrida no Holoceno foi muito ré- pida, encontrando 0s corais dificulda- des em compensé-la, Foi nessa época que surgiram as “barretas”, réplicas de locais atingidos pelas aguas das antigas embocaduras. Afundamentos mais notaveis ¢ invasio de Aguas marinhas observam-se no meionorte, ja sob condicdes adversas as exigidas para o desenvolvimento dos recifes. Dos resultados cientificos dos estudos acerca dos recifes, realizados em varias regises da Terra, concluise que eles se disseminaram em grande escala na ‘Terra de Grimel, na Sibéria e na Aus- trélia, desaparecendo nas cercanias dos pélos ¢ vindo a ocupar, atualmente, as regides tropicais. Os recifes, pelo fato de serem habitados por seres especiais, parecem acompanhar a oscilacio do equador térmico, nas diversas eras geo- | logicas. Seu estudo, mesmo daqueles que se acham fora das condigdes apontadas como, por exemplo, os existentes no litoral sul do Brasil ¢ outros dos quais | ha indicios no interior do continente, | representa magnifica oportunidade para se reconstituir a evolucio dos climas_ passados. Cordées arenosos e recifes definem | maravilhosamente as costas litoraneas onde se alojam. Isto nao se verifica somente no tocante ao seu proprio modelado mas também ao que podem proporcionar A paisagem situada no interior. Os trechos ribeirinhos, 4 reta- guarda dessas formacées, estdo, geral- mente, no Nordeste oriental, represa- dos ¢ preenchidos por lagunas ou mes- mo protegendo e favorecendo a con- tinua deposigio arenosa € vasosa. E. 0 modelado atual dos recifes, de co- ral ou arenito, obedece sempre as li- nhas batimétricas, acompanhando a si- nuosidade da presente faixa costeira. As vagas impelidas pelos ventos eshar- ram primeiro nos obstéculos subma nos, quase ao nivel do mar atual. Per- dendo a forca pelo atrito, depositam | material segundo a sua morfologia sub- mersa, conforme se pode observar nas isébtaas mais préximas que copiam a linha de costa emersa, Portanto, 0 con- | torno das linhas dos recifes, seguindo | © da costa, nao deixa de ser reflexo da paisagem submarina. { Bol. Geogr., Rio de Janeiro, 35(25: 2.2. Morfogénese das baixadas costeiras A superficie liquida que se estende na retaguarda dos recifes e restingas se- gue-se uma faixa anfibia dominada por Iengdis arenosos, constituindo as carac- teristicas praias nordestinas orladas por coqueirais. As formas altas que as interrompem — tabuleiros ou morros ctistalinos — proporcionam-lhe, a um sé tempo, pontos de apoio e material para sua evolugio, Arcias e argilas provenientes da desintegracao das ele- vacoes da série “Barreiras” (Pliocénio) ‘ou dos gnaisses e granitos do complexo cvistalino sao conduzidas ao_litoral para posterior elaboracio dos cordées de restingas, dunas, alagadicos, varzeas, lagunas e mangues. Em trechos desa- brigados daquelas alongadas formas externas 0 mar exerce vigorosa agio abrasiva nos costées, esculpindo falé- sias que vem a fornecer sedimentos aos modelados recentes. ‘A extensio das baixadas varia, por conseguinte, conforme a posicao’assu- mida pelos acidentes mencionados em relaco a sua distancia do mar, & cons. tituigio petrografica, 2 contribuigio aluvial e & ago abrasiva das vagas. As baixadas associam-se diretamente 4 morfologia costeira, remodelando, com os sedimentos recentes, as saliéncias ou colmatando as reentrancias. Os processos fluviomarinhos, expressos por varios agentes, conferem as bai- xadas aspectos morfoldgicos que_pro- movem, em alguns trechos, a existén- cia de unidades geogrificas individua- lizadas. Desde 0 Estado do Maranhio até o Estado da Bahia essas formas sio cons- tituidas ota por material de origem fluvial ora marinho e, por vezes, de ambos, refletindo os eventos da his- toria geomorfoldgica e geolégica que © interior do. continente e 0 trabalho |: 20-79, out.jdez, 1977 33 34 do mar thes imprimiram. Neste parti- cular, nfo se pode deixar de lembrar a importincia dos terragos de abrasio marinha, constituidos por material diverso dos referidos e que terfo me- lhor referéncia no capitulo a eles de- dicado, As baixadas representam areas de transicio entre o oceano e os niveis elevados que se situam mais para o interior, Em outros locais, todavia, ocupam reduzidas dreas separadas por unidades morfoldgicas diversas, ou se prolongam em faixas cuja largura se apresenta varidvel na regio costeira. As baixadas nordestinas setentrionais € orientais apresentam caracteristicas evidentemente diferenciadas entre si. 2.2.1. Baixadas Setentrionais Ao norte as baixadas atingem tio grandes extensdes em diregio ao inte- rior que chegam a constituir subuni- dades regionais, como a existente entre os Estados do Maranhio e Piaui. Do- mingues (1957, pp. 35/36) assim as limita entre os referidos estados: “desde 0 rio Turiagu, a oeste, até o limite Piaui—Cearé, ao sul, limita-se com a regiio amazénica; seus limites correspondem & linha que inclui_as cidades de Pinheiro, Pindaré, Vitorino Freire e Lago de Pedra. Mais abaixo, ao sul, as cidades de Barra do Corda e Buriti Bravo marcam contato com a regio das chapadas, estabelecido pela presenca dos primeiros remanes- centes daquele relevo tabular. A leste a planicie penetra em territério piaui- ense até encontrar os primeiros rever- sos das formas monoclinais da regido das “cuestas”, incluindo parte dos Mu- nicipios de Batalha ¢ Barras”. Dos limites ocidentais da baixada maranhense até a ponta dos Mangues a orla maritima segue sobressaindo-se por um rendilhado que se limita a leste com a extenstio de formas conti- nuamente baixas, prolongadas até as porgdes mais orientais da costa seten- trional, has — como a de Sio Luis — baias, canais, mangues formam contras- tes com a costa arenosa e retificada, desenvolvida a leste. Alguns acidentes insulares acham-se proximos ao continente e separados destes por vatios canais, Outros afigu- ram-se a promontérios, submersos par- cialmente, como sucede 2 ponta Turi, fronteira & ilha de Sio Sebastido, que defende a baia dos Lengéis contra a abrasio marinha. Hi, por conseguinte, acidentes insu- lares ligados as formas continentais ¢ outros j4 libertados deles. Isto se da porque a erosfio no modelou novas formas particularmente, quer pelo solapamento das margens quer pela agregacao dos sedimentos a irregulari- dade de seus perfis. Exemplo esté na ilha de Mangunga, separada do conti- nente por uma baja. © papel desempenhado pelos canais é significative para a morfologia cos- teira, como se percebe em torno das ilhas maiores como as de So Luis ¢ dos Caranguejos. Enquanto a primeira constitui o acidente insular de maior realce, ligada ao continente por canais Jongitudinais, a segunda, situada no fundo da baia de Sio Marcos, deixa visivel 0 plano que a libertou do con- tinente. A presenca das ilhas, aliada as nume- rosas embocaduras afogadas, entulha- das de aluvides, oferece aspectos de “rias” que se grupam, com maior fre- qiiéncia, no litoral compreendido entre os limites ocidentais com o Estado do Para e a baia de Cuma. E um trecho muito recortado, cumulado de ilhas, baias, coroas, atrematadas pelos sedi- mentos fluviomarinhos, _resultando numa costa de origem predominante- mente marinha. Os depésitos de areia projetamse, na baixada, em franco avango segundo a periferia maritima, enquanto os sedi- mentos fluviomarinhos, predominan- temente fluviais, acomodam-se nos fundées das reentrancias. Séries de ca- nais se entrelagcam em seus trajetos, procurando saida para 0 oceano. ‘A deposigao de areias, de muito maior significagio a leste da bafa de Sio Marcos, retifica o litoral desde a ponta dos Mangues (Maranhdo) , em direcio a0 Piaui, cobrindo trechos caracteriza- dos pelos “Lengéis Grandes”, até a baia das Preguicas e dai As proximi- dades de Tutdia; em menor extensio, os “Lengéis Pequenos” estendem-se interrompidos a leste pelos acidentes que compéem o delta do Parnatba. As formacées arenosas nas regides dos “Lengéis” deslocam-se, _consecutiva- mente, para oeste, provindas, em par- te, dos sedimentos transportados pelo rio Parnaiba. Restingas e dunas difi- cultam, neste trecho, os cursos d’4gua de atingirem diretamente o mar. Os bancos arenosos, tanto af quanto no trecho anteriormente referido, ficam ao largo; dunas se formam no somen- te sobre eles como também mascaram, nas ilhas, as deposicdes subjacentes. Qs rios mais importantes carream os sedimentos para 0 litoral onde, traba- Thados pelas vagas, depositam-se de preferéncia em diregio oeste. Isto se verifica até mesmo nas ilhas. Assim, a partir da ilha de Sio Luis, notamse formagées arenosas a NW dos aciden- tes insulares onde, na prépria baia de Turiacu, penetram em cunha pela em- bocadura, acomodando-se & forma que esta apresenta, Nesses trechos, os “pontos mortos”, onde as correntes se anulam, o fluxo deposita material argilo-arenoso; o re- fluxo arrasta para o largo as areias finas e argilas. Muitos sedimentos se instalam nas reentrancias das costas, abrigadas pelos cabos, onde as corren- tes morrem. Sob as plataformas areno- sas desses litorais as altas vagas recon- duzem os sedimentos maiores ao limi- te extremo da praia. Nas marés se- guintes as vagas menos fortes deposi- tam material mais fino, completando, assim, 0 trabalho de regularizacio costeira, As areias, dispostas em restingas, ban- cos e dunas, margeiam as faces das ilhas e do continente a barlavento das correntes aéreas dos alisios de nordes- te, Tangidas, entio, pelas vagas elas se acumulam a noroeste dos principais acidentes. £ 0 que se observa em redor das ilhas de Sio Lucas, Mangunca, baia Cum’ e do trecho que se estende da ponta de Itacolomi 4 cidade de Alcdntata. Idéntico fenémeno se ve- rifica nas ilhas de S40 Luis e Santana, a nordeste da baixada. Os depésitos arenosos se reduzem a entrada das bafas onde sdo interrom- pidos pelo fluxo ¢ refluxo das marés que, mobilizando os sedimentos, dio como resultado alternancia de leitos arenosos e argilosos. As areias se acumulam em proporgées diferentes no fundo de algumas reentrancias, im- pelidas pelas correntes internas e cons- tituindo graves problemas para a na- vegacio. Esses actimulos arénosos, sob a forma de “secos”, esto nos baixos cursos dos rios maranhenses. “Sao numerosos € pouco extensos, situando- se em quase todos os estirées (espago de rio compreendido entre duas vol- tas do mesmo curso) do rio Itapicuru e, de modo geral, nos primeiros qui- Iémetros a jusante das embocaduras dos seus afluentes, rios, riachos, igara- pés, cérregos, regatos” (Cunha, p. 169). No trecho noroeste da baia de Sio Marcos as vagas, impelidas pelo vento nordeste e reforgadas pelas correntes de maré montante dirigidas para NW, arrastam as areias que disfarcam a to- pogratia do estudrio, emprestando, Bol. Geogr., Rio de Janeiro, 35(255): 20-79, out./dez, 1977 35 36 antes de tudo, aspecto de enseadas, bafas, cercadas por cordées de barra- gem. Ligada por furos e igarapés, a costa nordeste pertence 4 denominada mesopotimia maranhense. A colmatagem prossegue em evolugio, também ocasionada pelos manguezais, no dominio das vagas; sio mais noté- veis a SE e § da bala de Sio José, SW da ilha de Sao Luis e em torno da baia de Si0 Marcos. O entulhamento das embocaduras no | trecho das “rias” dé-se principalmente pela deposicio consecutiva dos ele- | mentos coloidais, Os cursos fluviais | encontrando af o ambiente salino, con- trario As suas condigées salobras, de- posita ao redor o material muito argi- loso. Porgées de fldculos vasosos ai se espalham, favorecendo 0 dominio dos manguezais. i Em alguns locais da baixada mara- nhense esses vegetais acham-se tio | perfeitamente decompostos que for- | mam associagdes semelhantes as tur- feires. E 0 processo de decomposicao consecutiva do material organico dé ensejo a formagio de humus. Isto apresenta especial realce na costa NW do Maranhio, através do “vale” do Pericum’, abrangendo uma extensio que engloba os Municipios de Guima- raes, Pinheiro, Sio Bento ¢ Santa He- Jena. Essas ocorréncias representam testemunhos de antigos lagos que so- ) brevivem hoje sob a forma de depres- sdes contendo agua. Trata-se de uma drea resultante, tal- vez, da coalescéncia de antigos estud- rios, semelhantes a outros existentes no golfio maranhense que, pela col- matagem, isolaram largos tratos de Agua doce. Em quase toda a costa maranhense | ‘ocorrem esses depésitos de natureza | muito dcida, pois resultam da decom- | posigio das plantas aquaticas que ai se acumulam. Muitos desses lagos seriam, lembrando a opinido de Ab’Saber (1956), as pro- prias embocaduras dos rios que af desaguaram no Pleistoceno e que pelo trabalho de transgressio marinha se converteram em “rias”. Os rios ligam-se, geralmente, as lagoas na costa nordeste por meio de igarapés e furos, originando o fendmeno das “4guas emendadas”, _principalmente entre os meses de abril a julho. Muitos bracos, pela sua forma de representa- Go quando observados nas cartas € mapas, podem dar idéia de regime pe- rene, quando, na realidade, sio lagos que se ligam ao rio principal. Na costa que se desenvolve a leste desse trecho, lagoas e lagunas tém ori- gens diversas das apresentadas no outro trecho, O rio das Preguicas é bem uma prova do que sucede com a sedimen: taco eminentemente arenosa desse trecho retificado. Quanto ao afogamento desses baixos cursos, decorre, segundo Ab'Saber (1955/56), também "dos efeitos das superimposices a que foi submetida « baixada apés o levantamento tercidrio Conseqiientemente, no Pleistoceno, os estudrios passaram a constituir as “rias” mencionadas. ‘A rede hidrogréfica atual € dotada de caracteristicas meandricas com os cursos d’dgua divagando indecisamente ante extensdes amplas e inundaveis. Na maioria eles provém de superficies muito afastadas do litoral onde che- gam, apés longo percurso, proporcio- nando uma descarga poderosa. Os seus afluentes ¢ os cursos menores passam por regides essencialmente colmatadas, provocando acentuagio dos problemas de inundagio ao coincidirem com as marés que remontam os vales” ‘A esses fatos actescese 0 do regime pluviométrico de dlima semixmido, favorecendo a decomposigio quimica das rochas e 0 conseqiiente aluviona- mento. A colmatagem da baixada ¢, sobretudo, acelerada por ocasio das | maiores chuvas, quando os rios pro. venientes de diversas Areas atingem- na, modificando os talvegues através de longos percursos. Nos trechos infe- riores serpenteiam de tal forma as pla- nuras que nelas deixam engastados | diversos trechos de leitos abandona. | dos. Inimeras lagoas decorrem desses fendmenos, fazendo confundir as suas | aguas com as dos rios menores € das marés. E por ocasiio das cheias, também, que aparecem os canais, ori- undos da oscilagao dos baixos cursos, principalmente na periferia costeira, cercando as embocaduras ¢ ilhas. Ao cessarem as chuvas, o panorama reflete-se como um conjunto de de- pressdes colmatadas. Nos trechos maranhenses_ circunvizi- nhos ao Estado do Piaui a baixada reduzse consideravelmente em largu- ra, tornandose uma planicie quase paralela & linha costeira. E a partir deste trecho, em diregio ao litoral oriental, no se verifica mais a mesma sinuosidade ¢ a costa pro- longa-se maciga até o Recdncavo baiano. | Nos Estados do Ceard, Rio Grande do Norte, Paraiba, Pernambuco, Alagoas, | Sergipe e Bahia as superficies abran. | gidas pelas baixadas limitam-se ao li- toral. Ao contrério, portanto, do que sucede no Maranhio e Piaus, esses trechos acompanham a diregio da costa. Nao se observa af, por conse- | guinte, areas cujas_ particularidades genéticas e morfoldgicas sejam indivi- | dualizadas ao ponto de as separar como nticleos ou unidades geograficas nitidas, excegio feita ao Recéncavo | baiano. Nao se observa, também, nes- ses locais, uma seqiiéncia clara de aci- dentes capaz de estabelecer limites | Bol. Geogr-, seguros com o interior. Acham-se dis- seminadas entre 0 mar ¢ 0 interior, muito interrompidas ora pelos niveis sedimentares de tabuleiros € terragos ora pelos esporées cristalinos. Do predominio ¢ natureza de seus sedimentos, as baixadas apresentam carater local, decorrentes das condigdes geogrificas diversamente atuantes so- bre elas. Arenosas ou argilosas, expdem planos de inundagao que motivam um complexo. morfoldgico — diversificado entre a orla maritima e o interior. A profusio de formas, dentro dos pré- prios terrenos quaternirios, define a costa que tem diante de si uma rica contribuicio aluvionar a combinar e a se ajustar aos recifes e corddes are- nosos. Um verdadeiro jogo de inter- Tigacdes nota-se entre estes € os diver- sos planos das baixadas. No litoral setentrional (Estado do Geard e norte do Estado do Rio Gran- de do Norte) esas formas planas alcangam amplitudes _consideraveis, mas no litoral leste a baixada se es teita muito. Nas cercanias da cidade de Jo%o Pessoa (Paraiba) cla se ex- pande e toma largura também em Pernambuco, ao norte da cidade de Recife, dominando as praias, por exemplo, do rio Doce, Conceicao, Ma- ria Farinha € bordejando o litoral de Itamaraca, cerca mangues € terrenos alagadicos. Nesse trecho os sedimentos invadem as embocaduras fluviais, penetrando pela bacia do rio Goiana, em extensas areas colmatadas. Ao sul da capital pernambucana a redugio da largura se mantém até 0 Estado de Alagoas, donde somente pré- ximo do Estado de Sergipe retoma largura em demanda ao territério baiano. A natureza das baixadas nordestinas provém, em parte, das condigdes cli- Rio de Janeiro, 35(253): 20-79, out.jdez, 1977 87 38 maticas que determinam outros fatores a elas inerentes. Desde o Estado do Ceara até a Paraiba, onde sio caracterizadas por maiores Jarguras, acham-se no dominio das formacées arenosas. No primeiro estado _mencionado a baixada se reduz sensivelmente e sob melhores condigées oferecidas pelo rio Jaguaribe, principalmente entre Arnei- 76s e 0 rio Poti, apresentase como destacada _planura, A jusante da cidade de Limoeiro, no curso inferior daquele rio cearense, principalmente na margem esquerda, as planicies aluviais tem muito maior expansio, isto porque na margem di- reita do referido leito encontram-se as ondulagées da “cuesta” do Apodi. O movimento geral da sedimentagio na costa setentrional se verifica sempre em sentido oeste. A oeste, em dreas do Estado do Rio Grande do Norte, a baixada diverge em caracteristicas, intrometendo-se pe- los niveis de 100 a 300 metros de alti- tude e refletindo efeitos semi-aridos sobre a paisagem, Na area da cidade de Macau se am- pliam pela presenga de maior mimero de rios que vém’ em direcao norte, perdendo-se antes de chegar ao mar. Observagées feitas por Kegel (1957, p. 40) demonstram que “as extensdes pleistocénicas e holocénicas se esten- dem de leste das falésias 20 longo da praia das Barreiras até as do Rosado e ponta do Mel, sendo encerradas entre afloramentos da formacio Barreiras naquelas falésias”, Mariano Feio (1958) denominou esse conjunto de formas semelhantes de “baixo sertéo”. No litoral oriental as baixadas repe- tem alguns aspectos das anteriores quanto ao dominio climatico de con- digées mais wmidas que as da costa leste-oeste, $0 planicies inundadas acompanhando a fimbria litoranea e insinuandose entre as elevagées ter- ciérias espordes cristalinos da Bor- borema. £ a partir do Estado da Paraiba para o sul que se notam os mantos de de- composicéo provenientes dos tabulei- ros ¢ morros cristalinos carreados pelas Aguas em direcio ao mar. No Estado de Pernambuco, notada- mente nos baixos cursos dos rios e durante as cheias, quando no inverno 0s alisios atuam com mais intensidade induzidos pela massa fria polar antér- tica é que a contribuigzo aluvial tem muito maior importancia. Esses fendmenos sao tio evidentes que Andrade (1955, p. 27) diz: “enquanto 0s processos mecinicos siio_refrea- dos, 0s quimicos e bioquimicos, pelo contrario, aceleram-se. Com tem- peraturas mais elevadas do que nas regides temperadas ¢ frias, tem a agua maior poder dissolvente, intensificado, aliés, pelo anidrido carbénico, forma- do pela cobertura vegetal”. Andrade (1959, p. 1) diz que: “o trecho compreendido entre a ilha de Itamaracd e a baia do rio Goiana & uma seccio de costa baixa, mista e epigénica, policiclicamente retificada no Quaterndrio pela reiterada forma- cdo de cordées litorancos, restingas, témbolos e flechas. A esquerda desses témbolos operouse a colmatagem re- cente de uma grande area, desde muito antes (Plioceno?), deprimida por basculamento da estrutura e degrada- ¢4o provavelmente carstica: nessas dreas as transgressdes continentais dos ciclos interglaciais e interestagiais do Pleistoceno tinham alagado um golfao hoje testemunhado pela ampla bacia de aluvides fliviomarinhas onde se anastomosam os rios Catuama, Carra- picho, Botafogo, diante do povoado de Atapus” ae Para o interior da regiio em estudo expandese a imensa superficie plana, alagadica, revestida de campos e co. nhecida pela denominagio de baixada ou campo dos Perises. A topografia, herdada dos fenédmenos ocorridos numa antiga drea existente entre a ilha de Sio Luis e o continente, é cor tada por cursos d’égua que sofrem # influéncia da maré até muito aléw das embocaduras. E a montante ainda se encontram lagos bordando as mar- gens dos principais rios, como 0 Tu- riagu, Pindaré, Mearim e Grajau, com formas lacustres semelhantes as refe- ridas no vale do Pericuma. Golfo maranhense A presenca desses acidentes é¢ impor- tante para se reconstituir a antiga fisiografia regional que correspondeu, outrora, nesses trechos, 2 um golfiio. E, mais uma vez, pode-se transcrever as explicagées de Ab’Saber (1958, p. 71): “o antigo golfo marinho que se ini- ciava a partir da baia de Sio Marcos atingia dreas situadas a 10-15 quild- metros da confluéncia atual do Pin- daré-Mearim. As lagoas de barragem fluvial situadas no Angulo interno da confluéncia do Grajai e do Mearim constituem, nesse sentido, étimo pon- to de baliza para a reconstrugio do tracado antigo do litoral do fundo do golfio pleistocénico”. Adianta ainda o autor que “é fa cil chegar-se A condlusio de que os rios Pindaré, Grajai e Mearim tenham tido embocaduras isoladas ao Jongo de um arco irregular que pas- saria entre o Pindaré, Mearim e Mon- cio, infletindose para sudeste, até Foto 7 — Municipio através de nivels de de Rosirio — Maranhio — 0 rio Itapicuru, no terragos, carreia os sedimentos para as baivadas. seu curso para jusante, (Poto da autora) Bol. Geogr., Rio de Janeiro, 35(255): 20-79, out./dez, 1977 [e_ 40 passar a alguns quilémetros ao norte de Bacabal, dirigindo-se, depois, para nordeste até Perises. O Itapicuru, jun- tamente com o Monim, por seu turno, estava separado dessa grande “ria” antiga, indo diretamente a baia de Sio José ou de Guaxanduva, constituindo outra grande “ria” em scus derradeiros quilémetros de curso”. Hoje a influéncia da maré prossegue, fazendose sentir, por exemplo, nas proximidades da foz do rio Itapicuru, onde se faz notar até 184 quilémetros a montante. De Caxias para jusante © rio torna-se de planicie (foto 7). Existe, entretanto, alguma diferenga na sedimentacio efetuada no contato com o mar e o interior da baixada. Isto se verifica, como diz Ab'Saber (1958, p. 2), nos “processos de aluviona- mento t(picos das planicies do nivel de base, em contraste com a sedimentacio fluvio-marinha existente pouco mais 20 norte, na zona que precede de ime. diato a ilha de So Luis. Nessa area semideltaica do baixo curso dos rios maranhenses aparecem tesos, lagoas € barragem fluvial nas indecisas areas que se concentram no fundo do antigo golfio regional” (foto 8). Foto § — Baixada dos Perises — Estado do Marmhio — Vista parcial de uma grande 4rea que fol entulhada por sedimentos flu- viomarinhos. Durante grande parte do ano Cneontra-se coberta pelas aguas, dificultando, assim, a3 atividades humanas. (Foto da autora) Com muita razio, fruto de suas obser- vacées locais, 0 referide gedgrafo con- sidera “esse conjunto de baixadas flu- viais e fluvio-marinhas da regido sub- litoranea do Maranho uma espécie de paysbas da fachada atlintica daquele Estado brasileiro”, 2.2.1.2. Delta do Rio Parnaiba A morfologia de caracteristicas del- taicas expée-se, no Maranhio e Piaui, em funcdo do comportamento de um dos mais importantes cursos fluviais do Brasil — o rio Parnaiba. No seu conjunto topografico notam-se, entio, trés setores principais, a saber: Da baia de Tutdia 4 baia do Caju — onde se acham grupadas ilhas como as do Paulino, Grande, Papagaio, Caju, Carrapato, separadas por canais. £ um trecho muito recortado que so- mente encontra semelhancga no oeste maranhense; 2. Da baia do Caju A bafa das Ca narias — com diregio L-W — é 0 trecho retificado, contendo pequenas ilhas; 3. Da baia das Candrias & cidade de ‘Amarragio ou Luis Correia — trecho que encerra a ilha Grande entre as barras das Candrias, a oeste, ¢ Igaracu, a leste. Tratase de um acidente onde a abrasio marinha parece mais sensi- vel, evitando que ai se acumulem sedimentos, A direcio, aproximada- mente NW-SE, corresponde a formas retificadas, formando Angulo com 0 outro acidente insular a oeste — a ilha das Canarias. Os ventos ai so de direcio NE ¢ as vagas se voltam para NW. Em conseqiiéncia, a maior parte do interior deltaico é pantanosa, enquanto sua periferia é arenosa. Hi, por conseguinte, no conjunto del- taico diversidade morfologica; na ver- tente ocidental dominam canais, veios, dependentes da sedimentacdo fluvial, enquanto na outra vertente existe a aco abrasiva marinha. Examinando-se as cartas batimétricas, nos trechos do delta, percebe-se, atra- vés da distribuicio das isébatas, as diyersidades de cotas entre as duas di- reges gerais apontadas para leste. Essas linhas aproximam-se considera- velmente da patte emersa, a leste, en- quanto a oeste se distanciam pela sedi- mentagio da plataforma mais rasa que proporciona diferenciagées quanto ao talude submarino. As lobulagées mais acentuadas a oeste resultam das con- secutivas deposigées aluvionais. Se para leste predominam formas de abrasio e deposi¢io marinha, para oeste do delta nota-se 0 predominio do trabalho de aluviamento. © carreamento das aluvides dirigido para NW se processa em razio do re- presamento, a este, por intermédio das areias que retém os cursos onde um dos mais possantes — 0 Igaracu — consegue dominar esses processos, em- bora com dificuldade. Por isto o setor NW do delta (ilha Grande de Santa Isabel) toma a forma triangular. As feigdes deltaicas nesses trechos pa- recem evidentes. Os trabalhos de construgio superam os de abrasio, seccionando os cursos d’égua. Os rios principais ou secundérios constituem, também, planos de inundagées. Avo- Iumam-se por ocasido das cheias, emendando os diversos setores. Alguns bracos do delta do rio Parnaiba insta- bilizam-se e outros, mais recentes, abandonam definitivamente as_ posi- Ges primitivas em conseqiiéncia da progtessio dos cordées e bancos are- n0s0s. A sedimentagio crescente acarreta problemas sérios ao movimento dos navios porque as barras permanecem entulhadas. Somente a barra de Tu- téia oferece passagens mais accessiveis por estar abrigada pela ilha Grande do Paulino, © comportamento dos __ principais cursos fluviais influi sobre o delta. O rio Parnaiba tem a maioria dos cursos sob regime tempordrio (margem di- reita) ¢ rios perenes (margem esquer- da) em pequena minoria. Esta dissimetria reflete-se sobre o re- gime do rio principal da bacia, toman- do caracteristicas também intermiten- tes, © rio Parnaiba nasce na “serra” de Tabatinga, no Estado do Piaui, ¢ atinge 1450 qulémetros de extensio até a barra de Tutdia. Deste wltimo local até a barra do Longé sio mais 90 quilémetros na area deltaica; este Ultimo rio é intermitente, apresentan- do lagoa situada em um nivel de base muito abaixo do curso fluvial. O rio Longa, bem como outros aflu- entes, concorre para o actimulo de se- dimentos de tal modo que seus cursos desaparecem durante as cheias. Durante as fases de inundagdes das margens as coroas se deslocam. Dodt, & pigina 62, transcreve as ob- servacdes: “tendo.se derrubado em toda parte a mata de beirario, ficaram ribanceiras expostas As agdes das enchentes a que no podem resistir, visto se comporem de um barro muito fridvel ¢ arenoso. Isto produz um inconveniente porque se, por um lado, o rio ganha mais largura, perdendo a forca de sua cor- renteza, por outro lado, aumenta dire- tamente o volume da areia que se acha dentro do leito do rio e dificulta, desta forma, seu transporte para o mar”, De grande importancia é a existéncia dos “‘terragos de cheia” apés as va- zantes. Bol. Geogr., Rio de Janeiro, 35(255): 20-79, out.jlez., 1977 41 42 © rio Parnaiba, depois da inflexio que sofre para ocste no scu baixo curso, na latitude da cidade de Par- naibz, ruma para o norte, em mean- dros de grandes raios, deixando na planicie bancos arenosos, amplos iga- rapés ¢ canais que se anastomosam nas diferentes seccdes do rio, sempre na diregio tomada por este, que desdgua na baia das Candrias, Na altura da ilha das Pogées subdivide-se e 0 rio Santa Rosa é 0 braco mais impor- tante, tomando, inicialmente, diregio W e depois NE, para desaguar na baia do Caju. © Parnaiba ligase ao Igaracu pelo igarapé Sio José e a0 Santa Rosa pelo rio Santo Estevdo ¢ igarapé Santa Cruz. © Santa Rosa, mais sinuoso, deixa uma planicie muito alagada; com seu afluente esquerdo, Mow, ‘contribui para a drea mais pantanosa que se estende pela ilha Grande de Santa Isabel, formada nesse conjunto, que abrange o rio Parnaiba, direcio NE- sw. A morfologia do delta do Parnaiba, do interior em diregio ao mar, comeca a se definir, segundo Dodt (p. 65), “Jogo abaixo da ilha dos Tucuns, onde © rio Parnaiba se divide pela primeira vez, emitindo um brago para oeste (Sania Rosa) que segue depois para- lelamente ao mar, deixando diferentes ilhas até alcangar Tutéia, onde esta a sua principal’ saida”. Esses fatos explicam porque a planicie deltaica se expande para o interior, seguindo os cursos d’égua pressionados pelo fluxo da maré. Tanto assim que ‘os canais, ao chegarem a Tutdia e & bafa do Caju, tém a cor azulada na estiagem. Entre as baias de Mantible e Tutdia as dguas de todos os canais correm em sentido oposto sob a influéncia das marés enchentes, percebendose o seu movimento dos extremos para o inte- rior, Esses canais sio destituidos de caracteristicas Muviais, porquanto nas maximas preamares as vagas da maré remontante atingem a ilha das Pocées. A barra mais importante do delta do Parnaiba é a de Tutdia, enquanto a do Caju é muito mais estreita e su- jeita a forte arrebentagio, separando, assim, a ilha das Candrias, por séries de canais tortuosos. No dizer de Ab’Saber (1956, p. 67), “os rios Parnaiba—Longa formam um vasto leque de sedimentos num largo desvio aberto pela erosio pés-plioce- nica, na fase de afogamento eustatico moderado que criou intimeras “rias” conhecidas 20 longo da costa brasi- leira”. © delta é considerado ainda pelo mesmo autor como “a mais perfeita regio deltaica da costa brasileira, por- que as outras tém contra si o trabalho de areias diferentes emitindo suas fle- chas, tombolos ¢ restingas que barram sua for”. Apesar de se ter apresentado algumas condigdes de formacio deltaica do Parnaiba, sabe-se que sua forma ainda nio se consumou, Assim, segundo Aziz Ab’Saber (1956), embora consi- dere o delta também conseqiiéncia do rio Longa, portanto, para o referido autor, delta’ Parnaiba—Longé, 0s pro- cessos_morfogenéticos desenvolvem-se com certa complexidade. Esses fend- menos de aluvionamento para definir © delta, conquistando melhor o mar, sofrem retardamento na sedimentagio por causa da presenca de obstaculos naturais ao longo dos cursos que fun- cionam a{ como verdadeiras barras, dificultando 0 carreamento durante o refluxo das marés. Procurando-se, mais uma vez, justifi- car essa formacio, completa a nossa interpretacio a apreciacio de Ab’Saber (1959, p. 51): “O delta do Parnaiba— Longa comporta-se, superficialmente, mais como uma grande planicie de ni- vel de base de génese complexa do que como um delta, nio possuindo, sobretudo, um padrio de drenagem bem tipico de um labirinto deltaico”. Esta planicie cenozdica limita-se com a grande bacia sedimentar do Parnafba em cujos bordos se encontram facies marinhas. Dir-se-ia tratar-se de uma superposicio de terrenos cenozdicos, capeando e preenchendo as sinuosida- des dos terrenos mais elevados e os fundos dos vales. As maiores deforma- Ges esto nos bordos orientais da ba- cia, coincidindo com as formacées neriticas (arenitos _conglomeraticos, argilas, calcdrios, folhelhos devonia- nos) que representam transgressdes marinhas paleozdicas. Do Devoniano aos terrenos mais recentes sucederam- se fases de tectonismo pouco acentua- do, ocasionando dobras suaves. Sobre esses depésitos devonianos exis- tem, na bacia, depésitos carboniferos reveladores da seqiiéncia de varios mo- vimentos de balanco do continente que deram como resultado as transgressdes marinhas sobre a planicie, deltas e dunas costeiras. O préprio Carboni- fero superior (formacio Piaui) seria produto da coalescéncia de deltas que deveriam tomar grande expansio nos terrenos, pois que a profundidade das dguas era insignificante. A presenca dos arcézios, folhelhos, xistos betumi- nosos na formacéo Poti (Carbonifero inferior) comprova que nesta ocasiio o meio era maritimo e costeiro, reco- brindo as bacias, lagos, em contribui- cdo também terrigena que se tornou continental na parte superior. Os depésitos devonianos superiores (formaco Longa) contendo folhelhos, siltitos e arenitos intercalados corres- pondem a mar raso e movimento al- ternado com mar tranqiilo, Kegel W. | (1956, p. 89) diz que “neste sentido é interessante observar que, por vezes, ha delgadas (2 a 8 centimetros) cama- das consecutivas de siltito com ripple marks de diversidade da direcio em cada camada, havendo perturbacées mtituas destes sinais de ondas, mar- cando-se, assim, didstemas de expressfio local”. O entulhamento da bacia prosseguiu pelo Permiano quando, apés a forma- Gao Pedra de Fogo (inferior) , sucede- ram-se outros movimentos. No Ter- cidrio os niveis mais elevados limitam- se ao litoral baixo, “sendo possivel- mente idénticos as do Maranhio” (Oliveira e Lonardos, 1948). 2.2.2, Baixadas Orientais As baixadas costeiras do litoral orien- tal apresentam aspectos diferenciados, morfologicamente, das _setentrionais quer pela largura varidvel, em fungio da posiczo dos acidentes sedimentares cristalinos dos niveis de piemonte da Borborema, quer pela influéncia do dominio climatico umido. A largura dessas baixadas é maior no Estado do Rio Grande do Norte onde 0s acidentes se mascaram pelos depé- sitos sedimentares recentes. Nas imediagdes da cidade de Natal a baixada se estende de 19 a 28 quild- metros, largura esta que se amplia no Estado da Parafba a partir, principal- mente, da cidade de Joo Pessoa e se reduz a 10 quilémetros no Estado de Pernambuco. A colmatagem revela processos avan- gados de evolugio, e 0s rios como Po- tenji, Trairi, Curimatat, Cearé-Mirim, Paraiba ¢ Mamanguape tem, na pla- nicie, os cursos baixos divagando entre lagoas ¢ leitos abandonados e termi- nando por embocaduras afogadas. No Estado da Paraiba a descarga mais poderosa é causada pelo rio do mesmo nome, Formaram-se varias ilhas em Bol. Geogr., Rio de Janeiro, 35(255): 20-79, out.jdex, 1977 43 frente a sua embocadura. A ilha da Restinga, a maior de todas, est4 em- butida entre o continente e uma gran. de restinga sinuosamente infletida em diregio a0 norte (porto de Cabedelo) que parece tentar ligar-se ao conti- nente. Numa grande planicie inun- dada o rio Paraiba deixa mais nitidas as impresses do afogamento de sua foz, Destaca-se esse rio entre os dois estados pela amplitude e meandrici- dade do seu curso. Os meandros, com grandes € pequenos raios de curvatura, confundem-se nesse intenso emaranha- do de Aguas ligadas. Rios como o Jacuipe ai também che- gam alimentando a riqueza aluvional. Na embocadura do Paraiba uma “ria” alongada no sentido sudoeste-nordeste propende a um entulhamento quase total. No Mamanguape repetem-se as mesmas caracteristicas, porém muito menos complexas que no anterior. Foto 9 — Municipio de Goiana — Pernambuco — Exemplo de “ria” no rio Goiana, ‘Tal como se observa ao longo do baixo curso do Paraiba, sobretudo nas. vai zeas enxutas, 0 Cearé-Mirim, no Rio Grande do Norte, é acompanhado de engenhos e usinas de cana-de-acicar que se beneficiam das riquezas. alu- viais. Em Pernambuco sobressaem-se dessas planicies afloramentos cristalinos como 0s do cabo de Santo Agostinho e Pedra do Conde. Mergulham no mar, em pontées, estreitando consideravelmen- te lengéis arenosos. No Estado de Ala- goas a reducio explica-se pela presenca quase continua das barreiras que per- mitem apenas um delgado cordio de areias separando-as do oceano. © trabalho consecutive das praias, através desses aspectos, provém, inclu- sive, da natureza hidrogrifica e agio das correntes sobre as formas de de- posicio. Observar a extensa planura aluvial coberta de manguezais desenvolvida apés a formacio da “ria”, Em Primeiro plano uma pequena elevagdo correspondente ao nivel dos tabulelros. (Foto Umberto de Souza) Foto 10 — Municipio de Recife — Pernambuco — Vista parcial do rio Capibaribe cujas cabecelras se encontram nos terrenos cristalinos. Percorrendo gtande extensio, esse rio, come numerosos outros no estado, no seu baixo curso, carream grande carga de sedimentos que alimentam a larga regiio a’ jusante. A divagacéo do curso nesses terrenos baixos motiva zonas cujo entulhamento aos ‘poucos se processa, A direita da foto vé-se um desses nivels inundavels; acima deste o nivel de 2 a 3 metros: eo de 7 metros mal disfarcado, Este altimo, bem como alguns mais elevados, tem sido relacionado a outros trechos do Nordeste, refletindo os’ movimentos eustaticos no Brasil. No ultimo plano aparecem colinas modeladas diretamente no cristalino com seus classicos perfig convexos. Alguns cursos d’dgua que atingem o litoral nordestino oriental tém nascen- tes no sertZo semi-drido onde o regime de chuvas é torrencial. Os rios mais caudalosos, dissecando os niveis cristalinos e sedimentares, acar- retam sérios problemas as baixadas (fotos 9 ¢ 10). As aluvides carreadas por esses cursos colmatam os trechos baixos dos rios que divagam sinuosamente nas planu- ras. Os rios de regime perene, como ocorre em alguns do Estado de Per- nambuco, acentuam esses processos, mormente no inverno, Formam-se logo baixos niveis inundados, serpenteados (Foto IBGE) por cursos que avancam para o mar, com depésitos argilosos cuja carga sobrepuja a dos demais trechos lito- raneos. Os leitos desses rios emendam- se a jusante (foto 11). Ao norte do Estado de Pernambuco os rios S40 Lourengo, Carrapicho, Ara- taca, Botafogo, Congo, Igaragu e Des- terro concorrem para a sedimentagaio em torno da ilha de Itamaracd, onde alguns niveis de “barreiras’ acham-se represados por esses depésitos. A. baixada litoranea ampliase em torno da cidade de Recife, seccionada por canais, ilhas e amparada pelos recifes. Bol. Geogr., Rio de Janeiro, 35(255): 20-79, out.|dex., 1977 45 Foto 11 — Municipio de Natal — Rio Grande do Norte — Paisagem litoranea recente, muito tipiea na vertente oriental do Rio Grande do Norte, proximo a Natal, Os sedimentos arenosos provenientes dos ros que ai correm tem Sido distribufdes ao longo do mar, num trabalho Continuo de crescimento dessas praias, O avanco contra as Aguas salgadas 'é acompanhado pelo crescimento das restingas onde os ventos Fegulares que ai sopram formam as dunas que Avancam na direcko do interior, Essas observacées indicam terem elas se formado em épocas Gominadas por semi-arldez mais forte que a atual, No momento do seu aparecimento o litoral nio devia ocupar a posi¢go atual. A linha de costa se localizava no trecho representado A esquerda, Foi deste ponto, talvez, que salu a area que deu origem is dunas. Posteriormente a planiele litoranea parece ter sido destrufda pelas vagas, permanecendo, entretanto, o aliésio da antiga praia, Hoje essa formacho € representada por uma faixa de recifes. Ao sul a baixada se interrompe ante as formas dos tabuleiros ¢ a faixa sedi- mentar recente passa a ter menor im- portancia ao norte do Estado de ‘Alagoas. Planicies de Inundagdo e Comportamento da Rede Hidrografica Opondo-se ao litoral oriental do Nor- deste, onde as feicdes principais do modelado se referem predominante- mente as restingas, recifes ¢ tmbolos, no litoral setentrional a morfologia ressilta a incidéncia das dunas. As areias que as formam desviam a dre- nagem de sua diregio normal em de- (Foto IBGE) manda ao oceano, apresentando embo- caduras contorcidas. As dunas caracterizam o litoral com- preendido principalmente entre o Estado do Rio Grande do Norte e o trecho oriental cearense. Sdo conse- qiientes dos ventos de diregio nordeste que as projetam para o interior, a mais de dez quilémetros de distancia do mar, como se observa a sudoeste da cidade de Natal. ‘As dunas podem dar uma idéia irreal de suas alturas porque se encontram capeando restingas, dunas fésseis € os niveis sedimentares ¢ cristalinos. A acho célia fazse notar, inclusive, sobre 0s baixios, no costio nordestino, onde se di a mudanga de direcio do continente, como, por exemplo, em Maracaju, Rio do Fogo, Sioba. As du- nas relacionam-se, algumas veres, 3s saliéncias do perfil litoraneo, capeando parcialmente as restingas, como se ob- serva nas pontas do Pitangui, Jacum’, Jenipabu, Negra, Tabatinga, Maman- guape, nos Estados do Rio Grande do Norte e Paraiba. © trecho caracterizado pelo dominio das dunas situa-se entre o extremo se- tentrional do litoral e o rio Camara. tuba, no Estado da Paraiba. Formam ai colinas cujas alturas oscilam entre 40 € 60 metros. A agio edlia constante projeta para o interior, rio acima, a areia que vai se confundir com os sedi- mentos fluviais recém-depositados. Por isto sobrevém a fossilizagéo dos estua- rios, mormente nos rios do Estado do Rio Grande do Norte, onde entulham baias e “rias”. As areias, em mistura com as argilas fluviais, recobrem-se de manguezais, embocadura acima, até onde se faz sentir a influéncia da maré. Nesses locais os rios se reduzem, du- rante a estiagem, a verdadeiros leitos secos, recobertos pelas camadas de areia, Nao raro as dunas se superpdem, isto é, dunas recentes podem capear as mais antigas. As primeiras, quando méveis, apresentam crescimento gradativo e podem deslocar as barcanas, dai serem chamadas “vivas", tal como se observa no trecho do abaulamento costeiro. Nas dunas antigas denominadas “fés- seis” ou “mortas”, pelo fato de ja estarem fixadas, podem existir estra- tos cruzados que expressam a variacio das diregées dos ventos em épocas diferentes. Entre esses dois tipos de dunas, a colo- ragio das areias varia dos tons ama- relado, para as atuais, ao avermelhado, para as antigas. A fixagio das dunas pela diagénese se processa, entéo, pelos efeitos da ca- pilaridade, sob condico_ paleoclim tica mais seca do que a reinante atual- mente, A concentragio do éxido de ferro se faz presente pela limonita que retém os griios arenosos (Foto 12 e 18) . A esses tipos de dunas, no Estado de Pernambuco, Osério (1955) a elas se refere, segundo a hipétese paleoclimé- tica, como “reflexes desérticos quando a regiio fora submetida a clima quente”. Esses fatos talvez possam ser posicio- nados no Eo-Pleistoceno, quando a regio nordestina fora acometida por aquelas caracteristicas climaticas. As dunas apresentam-se também fixa- das pela vegetacio e as efémeras se formam nos dias de ventos mais fortes e podem ser destruidas, posteriormen- te, por ocasidio das marés equinociais ou das tempestades. ‘A ago dos ventos alisios de sudeste pode espalhar as areias a muitos qui- Iémetros para o norte, em direcéo oposta a dos rios, como se verifica até Tabatinga, no Estado do Rio Grande do Norte. Os cursos finais dos rios mostram niveis esculpidos nas areias, testemunhando o deslocamento de suas posiges em épocas passadas. Alguns meandros abandonados, em locais arenosos, na atualidade, podem vir a constituir, no futuro, as provas de suas antigas direcdes. Nesses trechos litoraneos, onde as areias represam as dguas doces, as du- nas limitam-se com lagunas. Os trechos finais dos rios acompanbam paralela- mente a costa, desviando-se do seu percurso normal para o mar, impostos pela acko eélia. & o que se observa com o rio Parawi, com a lagoa do mes- mo nome e 0 rio do Meio, ambos no Estado do Rio Grande do Norte. Bol. Geogr., Rio de Janeiro, 35(255): 20-79, out.[dez., 1977 48 Foto 12 — Munieiplo de Fortaleza — Ceara — No litoral setentrional nordestino agrupam-se grandes colinas de areia de granulagio muito fina cuja altura atinge varias dezenas de Metros. A oeste da ponta de Mucuripe encontra-se uma baia onde esta o porto do mesmo nome, que devera ser um dos escoadouros da capital cearense, Os ventos do quadrante leste, pela sua atuagio constante na mesma direcio, levam os graos de arela a se depositarem maneira_a que as elevacdes se disponham em extensos alinhamentos. ‘Trabalhos de fixacao das dunas por meio de vegetacto de raizes profundas tém tornado mais transitavel a ferrovia entre 0 porto e Fortaleza. (Foto TBGE) Foto 13 — Municfpio de Natal — Rio Grande do Norte — Exemplo de dunas “fixas” no litoral do Rio Grande do Norte. Estando localizado fora do contato direto com o mar, esse tipo de duna se acha quase totaimente recoberto pela vegetagio que a retém gradativamente. No sopé das" colinas, entretanto, limitando-se com as depress0es, desenvolvem-se arbustos, mercé da taior umidade reinante. A esquerda pode-se observar as encostas de uma colina moldada em rochas da série Barrelras, (Foto IBGE) ‘As divagacées dos rios acentuam-se mais nos locais da costa anteparados pelas restingas ou recifes que consti- tuem ai pontos de barragem. Os cursos, conseqiientemente, sao forgados a se interligarem até determinado local por onde eles conseguem fluir ao longo dos cordées arenosos. Esses locais onde as Aguas se emendam sio denominados “olheiros”, como os observados por Andrade (1957) entre os rios Riacho Mudo e Ceard-Mirim, no Estado do Rio Grande do Norte. Outro exemplo € 0 relativo aos rios Abiai e Goiana, no Estado de Pernambuco, interliga- dos por uma depressiio alongada, Nos Estados do Rio Grande do Norte e Paraiba, onde os rios fluem entre cordées sinuosos, as embocaduras se expandem e, geralmente, 0 contato com 0 mar nfo pode ser realizado de modo direto. O fluxo e refluxo das marés obstruem de tal maneira as barras que conseguem fossilizar a “ria” do rio Ceard-Mirim, no Estado do Rio Grande do Norte. Deve-se este fato, em grande parte, ao trabalho das dunas. Tornando-se mais locais, as dunas em Pernambuco escasseiam, perdem alti- tude e espessura, limitando-se apenas aos estudrios, como na baia Formosa. Nas costas norte alagoanas se proje- tam sobre os tabuleiros, reaparecendo aqueles tipos encontrados nos Estados do Rio Grande do Norte e Paraiba, isto é, as “dunas fdsseis”. © litoral sul-paraibano e pernambu- cano é dominado pelas restingas, sendo poucas as dunas que as recobrem. As sucessivas faixas arenosas separam-se, As vezes, por depressées ainda em vias de colmatagem. As ilhas desse litoral basculado sdo interligadas por varios cordées, Assim, nos terrenos contiguos do mar, as zonas deprimidas ainda funcionam como lagoas. Andrade, G. (1955, p. 56) diz que nos trechos circunvizinhos da ilha de Ita- maracd “as areias das coroas vém de longe, prolongadamente _trabalhadas ao longo da costa ¢ tangidas como du- nas submarinas pelas correntes litora- neas. Em grande parte descobertos na baixa-mar das dguas vivas, os ripple- marks destas “croas” permitem deter- minar a direcio que leva seu deslo- camento emigrado para 0 norte, Sao essas “croas” que formam as barras, bancos de acumulacio de areia nas bocas de estudrios e canais. Esses ban- cos, que nao so deltas de marés, esto sempre vagarosamente cortados pelo vaivém das correntes de maré e é atra- vés deles que a navegacao costeira tem acesso aos portos interiores”. Ao sul de Recife, onde os rios séo divagantes, as embocaduras tendem a se fechar quando se trata de cursos que caminham quase paralelamente entre si: rios Jaboatiio—Pirapama; Suapi—Tatuoca; Ipojuca—Merepe. Entre essas duas porgées litoraneas e ao norte de Alagoas as areias no de- sempenham 0 mesmo papel obstruidor, em virtude da presenca dos terrenos elevados préximos as praias ¢ também porque os rios apresentam fraco vo- lume a montante. £ de suma importancia o predominio dos ventos do mesmo quadrante na diregéo e incidéncia das vagas, condi- cionando-se as areias, nos diversos pontos da costa, 4 variagdo dos alisios durante todo o ano, Ao norte do lito- ral, entre a Ponta do Calcanhar e o. rio Ceard-Mirim, no Rio Grande do Norte, é notavel o trabalho dos ventos alisios, aglutinando areias na diregio sudeste e desviando as embocaduras dos rios nessa mesma direcio (rios Fogo, Parati e Ceara-Mirim) . No litoral, onde sobressai a atuagio dos alisios de sudeste, 0 trabalho so- bre as vagas resulta na deposicao sedi- mentar para nordeste. Esse fato, ob- Bol. Geogr., Rio de Janeiro, 35(255): 20-79, out.|dez., 1977 | 49

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