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Resenha bibliografica 1 Smith, Ricardo e¢ Marx: consideragdes sobre a histéria do pensamento econdmico Napoleon, Claudio, Smith, Ricardo © Mar sidevagdes sobre a Histiria do Pensamento Feond ico, Rio de Janeiro: Ealighes Graal, 1978. 239 pp. Ricanoo Touras * Umma qualidade esencial do livro de Napoleoni é sua modernidacte, carter que ele préptio anuncia dese 2 abertura, Ser moderno & sccitar retletir sobre a reabidade econémice a partir da crise do pensamento econdmieo atual. Iso obriga a um movimento reixos pectivo, pois os fimdamentos que conformam hoje a nanureza © 0 esting desta crise datam de aproximadamente 200 anos e se enon: tram na forwagto da Escola Clissiea de pensamento. Assim, pensar a partir da crise € de certa maneisa fazer o esforgo de reconsttuir o ‘objeto da Economia Politica Napoleoni abre a discussio pelo recorte de dois eixos epistemo ligicos. De am lado, distinguese o pensamento burgués © 0 pense ‘mento marxista em tcoria econdmica, isto 6, delinese 0 eixo te6rico presente ma crise. Hfctivamente, ambas as correntes assim definidas enfrentam diticuldades logieas de produgio, ambas estio em crise Por outro Indo, aléi de casas formais, internas ao exo tesrieo, a ‘aise tem cates objetivas, ou seja, proprias da rise pratica do capt talismo. No pode, portanto, ser definida como um fato auténomo +o Gentio de Eston e Pesquisas ds Financiadont de Estudos © Projeten FFINED) © dh Prvgrama de Mestrado aa Faculdade de Beonomit ¢ Ndminise ho dla CER aor dee 28) do pensamento, mas reflete também as “condigies objetivas” em que se produz conhecimento na atualidade. Estamos diante do receituitio epistemolégico matxista clissico. Esquematizado em excssso, € verdade, pois sua apresentacio serve apenas dle pano de fundo inicial pms o que se segue, mas sem ai vida ele estari operando ao longo de texto, De toda maneira, um pequeno matestar pode dese logo aflorar Refirome wo fato de que a dicotomia do eixo tedrico, a0 polarizar dois adjetivos de ordens diferentes (burguésmarxista), um de na turem sociolégica, outro de natureva ideoldgica, nfo deixa alterna: tiva & exitica da posigio burguesa que nio seja por definigao deter minada ideologicamente, Isto tem, pelo menos, dois inconvenientes: ificulta @ priori a démarche, proposta pelo proprio Napoleon, de proservar a especificidade da teoria marxista €, por outro lado, iden: tifiea como necessariamence “burguesa” toda a evitica ndo-marxista em teoria econdmica. Em ambos os casos, tomase como dado 0 pro- blema a resolver, isto é, precisar em que Marx é diferente das elis- sicos. Dai que a dicotomia que poderia ser aceita como wm simples dispositive ldgico de classificagio representa, a rigor, um imperative categorico de anslise, ¢ @ recurso & dialéti The garante, neces sariamente, uma base racional, 0 outro cixo, real-ideal, € também clissica, € deixaremos de dis cutilo porque parece ter menos efeitos diretos sobre a conducio do texto de Napoleoni € porque, afinal, é quase a epistemologia do senso comum, variando apenas 9 sentido da determinacio que se escolhe, se do real para o ideal ou vice-versa. Napoleoni é, sem diivida, partidirio do primeiro sentido; sua modulagio é inegavel mente “realista”” e todos reconhecem sem problema onde reside forga deste ponto de vista, Napoleoni prosegue para distinguir as modalidades da crise no espaco tedrico. No Ambito do pensamento burgués, esta surge como a crise de tuma hegemonia; « teoria neocldssica que, depois le nio poder “pen sar os fatos", vai ser abalada em sua estrntura Iigica, Ela tende hoje a ser substitulda por uma corrente neo-ricardiana de pensanento econdmico, E 0 movimento contlituoso de substituicio de hegemo- a0 pensamemo burgués, a mudanca de “paral que define sua rise, 900, Pesg. Plan. Reon, 93) des. 1979 No Ambito do pensamento marxisia, ¢ sobretudo a patalisia teé viea diamte de wis questBeschave — a teoria do valor, a crises € a necessdade dle pensar a partir delas 0 neoea aque se apresenta como obsticulo 4 produgio teérica € que const © Lundamento de sua crise. Assim, se no espago tedrico burgués a histéria se conta como a possbilidade estratégica de pensar © capitalismo € se resolve pelo jogo perpctuo de “paradigmas”, no ambito do marxismo é maito mais a irvesolugio temitica, 0 fato de que ainda nio se resolveram ertos problemas, que comanda a impossibilidade apenas titica de pensar 0 capitalism. Uma caracterfstiea comum a ambos os campos € que o vigor de produgio neo-ricardiana atual ameaga penetrar o pensamento mai xista tanto quanto o pensamento burgués, numa atirmagio hegemé- nica sem patsielo na histdria do pensamento econdmico. A fronteira salirioluero | W (R) de tipo vicardiano se candidata a substicuir tanto a fronteira de pregos de fatores neoeléssicos quanto a teoria da exploragio de Mars, como paradigma xinico de todo espaco de dliscurso em teoria econémica, Isto sugerivia uma final & possivel “coexisténcia pacifica”” entre 0s dois campos na base da hegemonia jana; a teoria da convergéncia se realizando no econimica. © equilibrio geral walrasiano pelo mesmo movimento, tratado como uma matemitica especial, um algoritmo para a economia, lugar reservado e assumido com prazer mas proprio de uma “outra ciéneia”, A partir deste arcabougo € estas insinuacées, o programa do texto de Napoleoni se impée naturalmente. Reler os classicos para reen- contrar as fontes do vigor da corrente neo-ticardiana ¢ reler Marx no sentido dle, em confronto com os clissicos, recuperar € dar sentido produtivo “especificidade” do discurso marxista Ora, € claro que tal empresa pée no centro da andlise de seu texto uma teoria da leitura, ou, se preferirem, da interpretagio, Napoleoni se obriga — se quiser definir a diferenca de Marx visd-uis os clissicos ou, para simplilicar, visdé-vis Ricardo — a examinar como 0 proprio Marx produziu esta diferenga. Vai se obrigar 20 movimento ext ‘mamente complexo da leitura de Ricardo, de Marx ¢ da leitura de Marx sobre Ricartlo, Movimento que tem todo o ar de exegese mas ‘que € necessétio ao objetivo a que cle se propis. Ete tem, atém mbito da eiénci Resenha Bibliogritca 1 oo disto, que dist iwuir ente o Marx te6rico (prodmor de conheci mnenvo) © @ Mars leitor (eritico «le Ricardo). Ao mesmo tempo, tem que manter presen: a relagio orginica entre 0s dois polos da. pr lugio teétice de Marx, isto & controlar em que medida a exposigio posisva de sua tcoria & o produto critics de sua leitura, ¢ vieever Napolconi cumpre © programa nos limites da imeligéneia, cit cultura na matéria ¢ até onde permite caminhar sua intiigio. mo derma das questées envolvidas. Esses limites podem ser resumidos num certo “zelo ortodoxo” que inda o obriga a nao explicitar a diferenca emtre a sua propria lei tura dos clissicos © aqucla redlizada por Marx, Methor slizendo, Napoleoni, porque silencia a critica ao Marx leitor, deixa precis Imente eseapar uma das condigdes basicas de se gaantir x especitic dade do discurso marxista. E isto por twa rario fundamental: o fato de que 0 préprio Marx ndo consegue controlar teovieamente « diferenea que esti produzindo com velagio a Ricardo. Av tentar projetar em Ricardo (como de resto em Smith ¢ Quesniy) sua pré: prin tcoria do valor, Marx autoriza a leitwra “economists” de -mesmio, E por esta razio que os obstieulos que paralisam a producio teétiea marxista se condensam e sempre se condensaram em torno do famoso “problema da tvanslormagio”, A clara percepgio disto 36 6 possivel devido uo lato também mo: demo de uma outta grande Ieitura de Ricardo realizada pelo eco: nomista italiano Pieto Staffa. Ao “par de pe” a teoria de Ricardo, contra a deformacio neockissiea que @ tata como um twérico dos rendimentos dleerescentes © contra a deformagio marxista que o trata rome um tedrico da exploragio (wn pré-marsista), a leitura de Sraffa petmitc, ao mesmo tempo, analisar rigoro‘amemte a dilerenca especttica que representa Marx para a Eoonomia Politica, £ a esta Jeitura que me releria quando atribui a Napoleoni uma intuicio moderna, £, com cleito, a ela que reeorre Napoleoni quando 1é correte mente em Smith um tedtico do yalorrabalho comandado, conus ura de Marx, que ve no escocts um tedrieo “confuse”, porte dor de duss tworias, servidor de dois patrdes ideoldgicos © que, in- conscientemente, seria um teérico do valortrabalho.incorporado! Leitura, portamto, ervuda de Smith e que Napoleoni passa em silén. cio, deixanclo assim funcionar seu “velo ortodaxo™ (politico?) E sw Pest. Plan, Reon. 93) des, 1978 também a esta intwigio moderna, a que recorre Napoleoni quando percebe que « nogio de erabslho incorporule de Ricardo no é 3 mesma que a de Marx: neste se trata de trabalho abstrato © em Ri cardo de trabalho concreto assalariado; muito mais préxino da idéia smithiana de wal socialmente necessinio, Mas € ainda seu “zelo ortodoxo” que extiti ay consegiigneias disto © continua a pensar que 0 texto de Ricardo é “confuso” ou que Ricardo aprsenta a coria co valor trabalho de modo “singular”. Na verdade, “contuso” v “singular” & insistir que o problema para Ricardo seria outro que nav o da me: didi dos valores relutivos e que sua medida invariante tose dit mesma natureza que a “substincia da valor” de Marx, quando em Ricardo o invariante do valor ¢ claramente, ele mesmo, u relative, isto € uma mercadoria, A impossibilidade de confundir isto com @ nogio m: le trabalho abstrato é reatirmad por Na poleoni no final do texto (p. 12 Sua reconstituicio da pensamento de Ricardo & correta ¢ veprodu ficlmente « andilise de Sralfa na introdugio aos “Principios". independe do recurso 2 leitura de Mars, que a rigor s6 tora a inuerpretagio ambigua ao sugerir, devido a0 uso do mesmo nowe, uma identidade entre 2 quantidade do crabalho asswlariado de Ri cardo ¢ « quantidade do trabalho abstrato de Marx Para linalizar, am pequeno comentivio sobre a digressio liloss lica ye, no testo de Napoleoni, antecede a apresentagao da tworia ccondmiea cle Smith, O autor pée em rslevo a importincia das Glasgow Lectures para & compreensio do pensam mente, ai jl estaria elaborado 0 conceito de “divisio do Fste estaria determinado pelo mereado seria a causa do auprento da produtividade do trabalho, ‘Yeria sido interessante examiner como Smith trata a proptia nocio do merealo c estabelever a rela: ‘gio entre a ideia de “tendéncia a persuadin” das Cunferéncias © a idéin da “mio invisivel” da Rigueza das Naches como a agio de toma racionalidade @ priori, natural, que Lunda scu conceite de mer. cadlo, Um cco desta ratio ex machina se encontya em Ricardo quando este sugere a existéncia de uum superior genius para afinmar a tet Aéncin do mercado aos precos de produgio, .\ relacio é interessante porque ela parce apreender uma das caracteristicas constantes do pensa jurgués"; também em Walras € uma cn: tidade deste tipo, 0 Auctioneer, que garante 4 formagio dos precos aiho comandado que da idéia marxista de trabalho yento econsmico “ Reve ibtiopitica 1 | De todo modo, o exercicio de intuigio moderna permite a Napo- leoni apontar 0 lugar correto das questdes a tratar, extrair um pro rama genérico de reeuperacio do objeto da Economia Politica ¢, ais veres, trata com preciso no detalhe as questées tedricas relevantes para este programa, Este programa e estis questdes constituem, realmente, 2 tarefa int hudivel da teoria moderna se cla quiser ser outra coisa além do dis- curso sobre as “evidéncias empiricas” ou a frase banal de que no prego do cachorro-quente se resume o universo das preferéncias ind programa proposto, editando, em anexo, textos de dificil acesso rela fo do discws0 chissica tivos aos U8 marcos decisivos na construg nalisida por Napoleon, E por todas as ravdes, inclusive as que podem ter tido conotagdes negativas no meu comentario, um livre obrigatério para quem qui ser compreender o “estado atual das artes” em teoria ccondmies Ur reparo sobre a tadugio © 0 euidado gritico. Além de por vezes truncar a Tinguagem de Marx, 0 tadutor se embaraga cm certos termes especializados do discurso classi. 0 caso notada- tente de “trabalho comandado” em Smith, tradwido alter mente por “trabalho demandivel” ¢ “trabalho ordenado”. Isto ocor- re apesar de uma nota explicativa (ela n fina 59 Também “taxa de luero” & seguidamente uaduzida por “ipo de Tuero”, e 0 conceito de “trabalho simples” em Marx & trae duzido como “simples trabalho". vada sma equiverada) ma pi Além disso, © texto fiea intimeras vezes interrompiddo por Irases que faltam, ‘Também certos desenvolvimentos tem seu sentido inver Lido, mio sei se por ma tradugio ou por incorrecio tipografica: © caso de, por exemplo, na pigina 96, quando o autor mosira que Ricardo conclui pela necessidade de uma teoria do valor e que no texto em portugues fier “a teoria do valor afigura-se como preju- dicial {sic} ao estudo... da taxa de Iuero”! E também o caso dt impressdo grifiea das equagdes nas paginas 104-105, que deformou bastante as equagdes originais. Um maior cuidado editorial com estes aspectos evitaria reparos unt iniciativa do maior bom goste. oor Peug. los, Bean. 912) des, 1978

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