zai homemracional O homem é um ser racional? Olirio Plinio Colombo O ser humano é um ser racional. As pessoas concordam e querem confirmar essa verdade, Mas sera que, de fato, 0 ser humano 6 sempre racional? De que modo ele confirma isso no dia-a-dia? Se a racionalidade pertence a sua estrutura, ela se manifesta também em seus comportamentos? A histéria é testemunha da racionalidade humana? Ou sera o ser humano to racional que utiliza sua razdo para aquilo que nos parece itracional? Racionalidade-instrumento Nao seriam muitas de suas agbes racionais, porém dominadas pelas paixes? E certo que o homem calcula muito bem seus objetivos, ajunta-lhes motives convincentes, Profundamente, porém, 0 que ele almeja no ¢ ético e nem humano, embora muito bem estudado e planejado. Diriamos que esta é a raz4o enquanto instrumento que serve para enganar ¢ dominar o outro, destruir a natureza e explorar o semelhante. Nao podemos dizer, portanto, que se trata de irracionalidade pura e simples. Ela coloca o subjetivismo como valor maior e justifica tudo com tranqiilidade aparentemente profunda. Para nés, ser racional é ter a capacidade de pensar, de raciocinar, de decidir, de escolher o melhor, de ver as coisas com clareza, de distinguir, de buscar a objetividade nas questées discutidas e de viver, portanto, sua estrutura espiritual interna com transparéncia e autenticidade. E a potencialidade da agao racional e consciente, embora admitamos a racionalidade instrumental ¢ a existéncia das paixdes (6dio, ressentimento, raiva etc, onde @ iracionalidade 6, muitas vezes, pelo menos momentaneamente, total). E assim que entendemos a racionalidade humana: de um lado ela & verifcavel na histéria ©, de outro, € verificdvel na barbarie (guerra, ‘genocidio, exploragao etc) Algumas vezes € moral, outras sere como instrumento e, no caso da paixao violenta, 6 totalmente cega (no momento). Principios éticos Mas como podemos falar em racionalidade quando praticamos 0 mal, a injustiga e o roubo do trabalho? & que ai também somos racionais, mas nossa razo no coincide com os principios éticos e sim com interesses particulares, Ou ser que os maus nao so racionais? Chesterton (escritor pensador inglés) afirmou que 0 louco é 0 tinico ser humano que nao perdeu a razao. Perdeu somente a possibilidade de se questionar. Nao seria esse 0 nosso caso? Nao teriamos deixado de lado 0 debate sobre a nossa racionalidade? Nesse sentido seriamos loucos perigosos fora dos hospicios. E 6 claro, a partir disso, 6 que a nossa racionalidade nao deve ser considerada como dado feito e acabado. Deve ser debatida @ atualizada, tendo como base certos valores morais. Dizer que 0 ser humano 6 um ser racional & tomar a afirmagéio um pouco abstrata, O ser humano é capaz de uma racionalidade ética, de uma racionalidade instrumento e de irracionalidade total ou parcial ((oucura, paixao etc). E claro que nossa racionalidade é humana, corpérea, ligada as paixdes, aos instintos e aos problemas comuns, a existéncia humana filoséficos, psicolégicos, socials, familiares, econémicos etc). Mas a questéo que nés colocamos agora é a da radical ambiglidade (boa ou ma em seus meios ¢ fins) da racionalidade humana. E que por isso 0 problema da racionalidade esté intimamente ligado a questo ética Esse problema nao ocorre do mesmo modo nos animais. Os animais possuem certa racionalidade, mas essa nao é ambigua, pois 6 condicionada ao aprendizado e mais raramente é criativa. O animal ndo se vé © nao se mede pelo espelho. O elemento dominante é 0 instinto. O ser humano, embora também dotado de instinto, pode refletir sua racionalidade, possui consciéncia reflexa, E capaz (sendo muito honesto) de ver sua racionalidade. Por isso, o debate sobre esse tema tende a tomar-se sempre histérico, cultural e concreto. N&o seria interessante debater a nossa racionalidade brasileira? Nao seria mais uma racionalidade- instrumento para 0 roubo do patriménio piblico @ do trabalho? E de outro lado, nao existiria uma racionalidade- Condicionamento, formada pela cultura dominante sobre os segmentos menos favorecidos que os impede de se olharem no espelho, de realizarem sua auto-andlise. Sob esse aspecto, eles nao pensam a ndo ser em termos de condicionamento e se comportam no mesmo nivel, E a racionalidade do malandro? E aquela do marginal? ‘Assim poderiamos passar para outra questo. Viverios em sociedade e esta é determinada. O alemao eo chinés so racionais, mas raciocinam dentro de uma racionalidade cultural. Embora sempre a racionalidade humana se manifeste na autoconsciéncia, na ciéncia de seus conhecimentos, no uso de sua tecnologia (instrumentalizagao de seus conhecimentos) e, sobretudo, pela consciéncia de valores éticos, estéticos religiosos. Sob esse aspecto, a racionalidade, seja alema ou chinesa, é igual Retomando 0 tema do desgaste da racionalidade brasileira, pola auséncia do embasamento ético coneretiza-se a barbérie. A aco da racionalidade, instrumento do poder, riqueza e dominag&o 6 tao forte que 0 restante da populagao tende passivdade, ao auto-aniquilamento. Desaparecem a esperanga e as utopias. sar.ilabol.uol.com.brihomemvacional him wezai homemracional © mesmo acontece, de modo geral, quando um grupo domina o outro pelas armas, embora sendo uma provocagao, suscita uma reagao positiva da racionalidade dos dominados. ‘Também, referente a racionalidade, podem ser debatidas varias questoes: a) Existem diferengas entre a racionalidade masculina e feminina? S existem, suas causas so biolégicas, psicolégicas, sociais e religiosas ou trata-se simplesmente de uma questéo cultural? Se se trata de uma diferenga cultural, qual é a sua consisténcia ou peso? b) Como compreender as diferencas entre a racionalidade oriental e a ocidental? ) Como identificar as caracteristicas de dois tipos de racionalidade: a grega e a da cristandade? d) Como entender a euforia do homem do século 18, sua total confianga na razo e no progresso da humanidade, enquanto o que a isso se seguiu foram duas guerras mundiais, o empobrecimento radical de dois tergos da humanidade e a destruigao do habitat humano? ) Como conjugar a pretensa modemidade, atingida pela huma’ tecnologia? 1) Como julgar 0 homem modemo (que se diz racional e superior) com o narcisismo, a megalomania, a injustiga social, 0 individualismo e 0 relativismo moral? Para responder a tais questées devemos ter sempre em mente a distingdo entre a racionalidade fundada em principios éticos e a racionalidade-instrumento. bh: COLOMBO, Citio Pinio. Pistas para flosofar()). Porto Alegre, Evangraf, 1992. pg.21-24 sar.ilabol.uol.com.brihomemvacional him 22