You are on page 1of 11
Pe. Iglesias 6 orientador de Exercicios e coordenador do “Projeto Espiritualidade” no Centro Cultural de Brasilia, Publicou, entre outros livios: "Subindo a Jerusalém’ (esgotado, com nova edigao em preparacao pela Loyola) "Um Retiro com 0 Peregrino” (Loyola). Os Exercicios na Vida Cotidiana Manuet Eouaroo Ictesias, SJ Introducio nos atrds escrevi um artigo nesta mesma revista sobre uma experiéncia que estava acompanhando, a respeito dos Exer- cicios Espirituais (E.E.) completos de Santo Indcio de Loyola, feitos na vida cotidiana (EVC). Foi-me pedido agora um novo artigo sobre o mesmo tema, s6 que apés uma experiéncia con- firmada pelo transcurso do tempo. Recém chegado a Belo Horizonte, no final do ano 1982, fiquei surpreendido quando as Irmas do Cendculo me comunicaram que elas estavam utilizando um livro meu, “Um Retiro com Sao Joao 0 Exodo”, como subsfdio para os EVC. Confessei que nao sabia de que se tratava. Af elas estranharam que eu nao soubesse o que eram os EE segundo a anotagao [19] do livro dos Exercicios. Esta modalidade tinha cafdo em desuso e estava voltando. A seguir, fui convidado para um encontro com senhoras que tinham feito a experiéncia em grupos da periferia e fiquei admirado com o aproveitamento que tinham obtido. No ano seguinte, acompanhei os EVC para operarios de um bairro da cidade. Visto o fruto conseguido, escrevi o livto “Subindo para Jerusalém”, que serviu de subsidio para muitas pessoas e grupos de exercitantes. O préprio Santo Inacio logo percebeu que a maioria das pessoas, especialmente leigas, dificilmente poderiam reservar trinta dias para se retirar e fazer os EE em siléncio. Para ele esta seria a modalidade preferida. Ele mesmo deu durante a sua vida a modalidade dos EVC a pessoas muito ocupadas. Para Inacio, os EE s6 eram dados individualmente, tanto em retiro de trinta dias como na vida cotidiana. MTAICL= REVISTA DE ESPIRITUALIDADE INACIANA, n. 85 (Setembro/2011) [47 Apés a morte do santo, os EVC foram aos poucos caindo em desuso. Temos noticia de que um famoso jesuita, o Padre Anténio Possevino os fez em Roma sob a diregao do Padre Diego Mirén. Ele tinha sido secretério do cardeal Hércules Gonzaga e ingressou na Companhia de Jesus no ano de 1559. Apés umas semanas de Noviciado passou a estudar teologia, sendo ordenado sacerdote em 1561. Apés doze anos na Franga, participou da Congregagio Geral que elegeu Superior Geral o padre Everardo Mercuriano (1573), de quem foi nomeado se- cretario. Ele fez os EVC, pois suas ocupagdes nao lhe deixavam tempo para fazer os EE de trinta dias em retiro. Tendo experi- mentado a validade desta modalidade chegou a dar os EVC a diversas pessoas, até durante as numerosas viagens que fez como legado pontificio em paises como Suécia, Polénia e Russia. Por que se perdeu a pratica dos EVC? Ha um inexplicavel siléncio, S6 temos noticia de que o Padre Pontlevoy os deu ao embaixador espanhol em Paris, Donoso Cortés, no século XIX. A retomada dos EVC: Minha experiéncia Como foram retomados os EVC? Eu tive o privilégio de conhecer a pessoa que primeiro teve a idéia de voltar a praticar os EVC. Encontrei-me com o padre belga Jean Pierre van Schoote por ocasiaio do COMLA V' realizado em Belo Hori- zonte no ano de 1975. Era uma pessoa extremamente animada e tive a oportunidade de conversar e ouvi-lo como iniciou essa experiéncia. Fazia tempo que lendo a anotagao [19] se pergun- tava por que nao era posta em pratica, pois parecia algo provi- dencial para os nossos tempos. Quando fez a Terceira provagio em Gandia mencionou o assunto ao Instrutor padre Calveras que muito o incentivou. Voltando a Lovaina comegou a dar os EVC individualmente a jovens jesuitas e a universitarios leigos em 1960. Expds a sua experiéncia no Congresso sobre EE rea- lizado em Loyola no ano de 1966. Pouco tempo mais tarde, pelo ano de 1966, o padre cana- dense Gilles Cusson teve a mesma iniciativa e promoveu cursos para acompanhar os EVC nos Estados Unidos, Itélia, Suiga e Franga (1971-1973); publicou o livro “Conduzi-me pelo caminho da eternidade” traduzido pelas Edigdes Loyola. Os EVC foram se 48 | ITAICI = REVISTA DE ESPIRITUALIDADE INACIANA, n. 85 (Setembro/2011) 5° Congresso Missions Latino-Am Pe. Iglesias, SJ na Assembléia da Provincia BRC, julho de 2011, espalhando por diversos paises, sendo o padre Spencer Custédio Filho um dos pioneiros no Brasil. A minha experiéncia, iniciada em Belo Horizonte em 1983, teve conti- nuidade até hoje em Brasilia a partir do ano de 1998. Muitos estudantes je- suitas, assim como leigos e leigas, passaram a orientar os EVC, individual- mente e em grupos. A modalidade de EE em grupo nfo estava prevista por Santo Inacio, e foi esquecida em varios paises, principalmente, por falta de pessoas preparadas para este ministério. Os EVC em grupo dao chance a um ntimero maior de pessoas. Apesar de alguns inconvenientes, eu nao duvido do proveito que pode ser alcangado, além da descoberta da riqueza que tem a partilha comunitaria da orago e da vida. Isto prepara as pessoas para se tornarem animadoras de EVC e de uma convivéncia comunitéria, algo que a Igreja esta precisando hoje. Testemunhos A seguir, dou a palavra a alguns acompanhantes que fizeram a experiéncia dos EVC e estéio agora ajudando a outras pessoas. Da minha parte quero deixar claro a importancia da divul- gacao e preparagao dos EVC. Santo Inacio achava que os me- lhores promotores dos EE s&o as pessoas que os fizeram. Acre- dito na importancia do convite a pessoas que esto vivendo um processo de busca, com desejos de crescer na vida crista. As desisténcias durante a caminhada € algo que o proprio Inacio experimentou e deu orientagdes para que os iniciantes que nao esto em condigées de ir adiante, possam aproveitar de alguns exercfcios mais leves. Tomara que este artigo possa animar algumas pessoas inte- ressadas a procurarem informagoes sobre os EE. Vale a pena investir na formagao de acompanhantes. Uma experiéncia co- ITAICL= REVISTA DE ESPIRITUALIDADE INACIANA, n. 85 (Setembro/2011) [49 mum € 0 quanto os acompanhantes aproveitam ajudando os outros neste servico apostélico. Vejam a seguir os depoimentos de varias pessoas leigas e de uma religiosa. O que moveu as pessoas a fazer os EVC Cada pessoa € tinica. O convite na hora certa e para muitos € um sinal da mao de Deus. “Minha experiéncia com os EVC foi motivada em razdo de estar passando uma fase dificil pelo falecimento de um filho. Foi a oportunidade que eu tive aten- dendo um convite. Ali encontrei a paz e foi o momento certo para estar mais proxima de Deus e entender o meu sofrimento”. Outra pessoa recebeu o convite quando “tive a percep¢ao de que estava percorrendo um caminho equivocado”. “Eu sentia uma grande necessidade de quietude. De ficar comigo mesma. De entender © que estava acontecendo comigo. Mais tarde compreendi que havia um desejo de estar com Deus”. A espiritualidade de Santo Indcio atraiu outras pessoas. “O interesse em conhecer o carisma de Santo Inacio e buscar um encontro com Deus”. “Ter descoberto a Presenga de Deus em minha vida, e ter descoberto Indcio e sua vida, foi o motor que me moveu nio sé a fazer os EVC, mas a seguir o caminho de Inacio”. A motivagio mais freqiiente é o desejo de intimidade com o Senhor. “Sentia necessidade de uma experiéncia mais pessoal de Deus, de uma espiritualidade mais libertadora, mais encar- nada e mais madura. Senti-me tocada em um retiro pela frase de Santo Inacio: Nao é 0 muito saber que sacia a alma, mas o sentir e saborear as coisas internamente. Ao ouvir falar das mogdes interiores despertou-me para os movimentos que j4 sentia havia algum tempo, mas nao sabia nomed-los. A partir deste retiro quis fazer os EVC”. “Comecei a sentir necessidade de saber mais sobre Deus, entao, buscava aprofundar-me no conhecimento teolégico através dos livros. Sentia, também, o desejo de enga- jar-me em algum trabalho na Igreja. Nao sabia da existéncia dos EE de Santo Inacio. Em um retiro soube da existéncia da meditagao cristé semanal e das comunidades de vida crista (CVX). Decidi fazer os EVC e vejo agora que quem me moveu foi Deus, nao fui eu”. “Precisava aumentar minha espiritualida- de, minha intimidade com Deus, conhecer cada vez mais Jesus, 50 | ITAICI = REVISTA DE ESPIRITUALIDADE INACIANA, n. 85 (Setembro/2011) suas atitudes, sua vontade e sabia que esses eram os objetivos dos EVC”. Os frutos dos EVC Depoimento de uma formadora de jovens religiosas: “O que mais me chama a atengao é perceber como a experiéncia de Deus muda a vida das pessoas. Percebo com freqiiéncia a dinamica da gratuidade, da leveza, do comprometimento com as pessoas que se encontram em situagao de menos vida. Também percebo a alegria, o encantamento e a percepgao da presenga de Deus no cotidiano. Quanto mais vamos mergulhando na experiéncia de Deus, mais vamos nos descentrando, porque o foco passa a ser 0 outro. E isso é visivel na pessoa de Jesus. A vida ganha um novo sentido, um colorido diferente. Nao ha mais nada profano, pois Deus esta presente em tudo e em todos”. “Os EVC me fizeram um bem enorme, nao sé para mim, mas também para os que esto ao meu redor, por meio da pra- tica da oragao diaria, de parar, rever os acontecimentos € a vida. Tenho aprendido a ouvir os meus sentidos e a perceber a minha relacdo com o meu universo interior e exterior. Tem sido um tsunami de percepgdes. Aprendi a discernir. Agradego a Deus estar neste processo, pois desinstalar-me e sentir-me viva é muito bom e eficaz”. “Cheguei ao final com 0 coragao agradecido por ter desco- berto o Deus sempre presente, operante, pedagogo, com profun- do respeito pelo tempo de amadurecimento de cada um de seus filhos, por quebrar © circulo vicioso no qual fiquei presa por tantos anos. A esperanca renasceu. Foram muitos e duradouros os frutos. Tantos que se tornou impossivel nao desejar que outros pudessem experimentar 0 amor incondicional do Pai”. “Os EVC me mostraram um Jesus misericordioso, pude experimentar o enorme amor de Deus por mim, mesmo sendo pecadora. Isto me fez mais feliz e responsavel, me coloquei a partir dai em um caminhar constante na busca de uma expe- riéncia cada vez maior de Deus, e uma imensa vontade de em tudo amar e servir a partir da vontade de Deus”. “Aos poucos senti a esperanca renovada e mais vontade de viver. Aprendi a estar na presenga de Deus, procurando, na medida do possivel té-lo presente em qualquer situagio. A ITAICL= REVISTA DE ESPIRITUALIDADE INACIANA, n. 85 (Setembro/2011) | 51 tranqitilidade passou a fazer parte da minha vida. Renovei-me”. “Melhor conhecimento de mim mesma, de minhas falhas como pessoa, e rezar pelos textos da Biblia”. “Oragao didria, ou o mais freqiiente que puder. Pensamento sempre voltado para usar a mem6ria e a vontade para o servigo. Sentimento sempre traba- Ihado para o discernimento”. “Minha vida mudou completa- mente. Oragao didria, atengéio ao aqui e agora, sentimento de alegria com as descobertas feitas. O quanto 0 outro € importan- te. A presenga de Deus em cada momento do meu dia e em cada coisa 4 minha volta. Aumento de crenga na vida. Espe- rangas renovadas”. “Perceber a presenga concreta de Deus na minha vida. Desejar cada vez mais aprofundar-me no conhecimento de Deus. Ajudar 0 outro a conhecer Deus. Compreender mais 0 outro”. “Os EVC me ajudaram a sentir a presenca de um Deus encar- nado: Jesus, Alguém que caminha comigo, vai ao meu lado, iluminando as decisées da vida e dando forgas para realizé-la”. “Mudanca de vida para tentar ordené-la. Encontrar Deus em todas as coisas”. As dificuldades “Eu fiz os EE na modalidade de retiro de trinta dias como novigo jesuita, com toda uma estrutura de apoio. Fico admirado ao me deparar com pessoas que optaram pelos EVC. Isso porque € muito exigente dispor de um tempo diério para oragdo em meio Acorreria didria e conseguir conciliar tantos afazeres com os EVC. Por isso quando passei a acompanhar pessoas nos EVC sempre as olho com muito respeito, pois superam todo o contexto dificil”. “Nao foi uma experiéncia facil. Tudo me parecia dificil: a perseveranga no tempo de oragao, 0 abandono de minhas pré- prias percepgdes e vontades para deixar o Senhor me conduzir. Houve momentos em que questionava a possibilidade de inter- romper os EE. Mas no fundo da minha alma sabia que este era o caminho e preferi continuar”. “A dificuldade encontrada é nao silenciar, escutar e aceitar as minhas limitagdes”. “Fazer as leituras didrias com regularidade e com qualidade”. “No inicio, achei dificuldade para interpretar a linguagem da época de Santo Inacio”. “No inicio, achar hordrio e lugar adequado; fazer as leituras de forma pausada e atenta; assimilar a propria expe- 52 | ITAICI = REVISTA DE ESPIRITUALIDADE INACIANA, n. 85 (Setembro/2011) riéncia, porque era tudo tio novo”. “Concentragao para ficar o tempo que havia determinado para rezar”. “Parar para rezar. Siléncio e olhar interior”. “A maior dificuldade que encontrei foi conseguir firmar o habito de rezar sempre no mesmo hordrio e também entrar na cena e perceber as mogdes internas”. “Para mim o mais dificil foi cessar os barulhos internos e fazer o si- léncio para Deus falar e eu 0 escutar”. “Pensar nas dificuldades encontradas é extrair dos EE 0 que lhes da forga: as dificuldades do caminho. Cada um teré as suas, mas qualquer dificuldade é sempre algo a mais a ser conhecido e integrado, para que ‘se ordenem os afetos’ e se possa ‘em tudo amar e servir’. Assim que, com ‘animo e generosidade’ segue-se em frente, aproveitando toda e qualquer dificuldade. Parti- cularmente, a dificuldade maior foi ter passado por dois diferen- tes grupos de EVC, sem conseguir ir em frente. Terminei con- cluindo que os EVC devem ser feitos individualmente, como fazia Inacio ao da-los”. Os desafios “Comecei a me preparar para ajudar outras pessoas a realiza- rem esta experiéncia. Estudos, partilhas, cursos... e, principal- mente, a oragdo didria. Dediquei-me ao acompanhamento indi- vidual e de grupos € aos poucos fui me inserindo em outras ati- vidades voltadas para a espiritualidade. Af descobri a minha missao, a alegria de servir, de abandonar-me nas maos de Deus”. “O desafio para o acompanhante, falo a partir de mim, é uma busca continua de um encontro com Cristo, para ser ins- trumento nesta missao tao sagrada. Pedir o dom e a graga de Deus para escutar com o coragao a partilha da experiéncia de oragao do exercitante”. “O desafio de saber nao interferir na caminhada dos acompanhados, saber dosar suas falas, e contri- buir para facilitar sua busca de Deus pela oragio”. “O desafio maior é ‘acompanhar’ o ritmo daquele que recebe e faz os EE. Como Santo Inacio muito alertou: € preciso ‘seguir’ a pessoa naquilo que a caracteriza, mas sem deixar de ‘seguir’ o processo dos EE. E isso porque eles tém uma ordem e sequéncia que lhes so necessdrias, para que os EE possam alcangar aquilo que se propdem, que é ‘ordenar os afetos’, para em tudo amar e servir a Deus Nosso Senhor. Outro desafio € encontrar a distancia ITAICL= REVISTA DE ESPIRITUALIDADE INACIANA, n. 85 (Setembro/2011) | 53 ideal entre ele e 0 exercitante. E preciso estar ‘proximo’ o sufi- ciente para que ele se sinta acompanhado, mas ‘distante’ o s ficiente para que a relagao se dé entre Criador e criatura, e nao com énfase entre o que dé e o que recebe os EE”. “Escuta, aten- io, acolher, aprofundar”. “Que as pessoas que fazem os EE percebam a presenca de Deus em suas vidas”. “Criar um clima de acolhimento e escuta do outro e percebé-lo em sua singula- tidade dentro do grupo. A formagio permanente: cursos, estudo, leitura de artigos e de livros”. “Manter a energia e a chama de orago acesa nos acompanhados. Estar apta para responder aos exercitantes”. Sobre 0 pés-EVC “fiquei surpresa com o meu relacionamen- to com Deus. Vi crescer uma maior confianga em um Deus bondoso, paciente e carinhoso que conheci no decorrer dos exercicios. Foi uma descoberta sensacional, e até hoje descubro coisas novas deste Deus misericordioso”. “Manter 0 habito dia- tio de oragiio, atengdio as agdes no dia a dia para que sejam do agrado do Senhor”. “Creio que os frutos e 0 pés-EVC se super poem. Os frutos vao sendo colhidos e vividos também durante © processo, em seus diferentes momentos. No entanto, é apés © término que a colheita se mostra mais farta e saborosa, sobre- tudo porque o momento final do processo dos EE, nesta ou em outra modalidade, implica na ‘Contemplagao para alcangar Amor; ¢ ela é a experiéncia interna e externa do ‘todas as coisas em Deus e Deus em todas as coisas”. Atualidade dos EVC “A atualidade dos EVC é indiscutivel. Diante do estilo de vida atual, da perda ou mutagiio de valores, do frenesi em busca do imediato, da quantidade, da perda de sentido da prépria vida, € essencial que 0 cristo encontre meios que o ajudem a encon- trar seu caminho, a percorré-lo na fé, na esperanga e no com- promisso com os demais que seguem ao lado. E meio privilegia- do, principalmente para os leigos que nao dispéem de tempo suficiente para realizar a experiéncia nas outras modalidades. Mais ainda: € oportunidade de vivenciar a Palavra no seu dia, ser interpelado e responder aos desafios concretos quando eles se apresentam. E uma forma de viver a fé e a vida, com fé na vida, sem dicotomias. E quem assim experimenta o amor de Deus, 54 | ITAICI = REVISTA DE ESPIRITUALIDADE INACIANA, n. 85 (Setembro/2011) no vé outro caminho senao o de partilhar a sua experiéncia, colocar-se a servico do Reino, inserindo-se em sua pardquia, pastoral, grupos sociais e outras formas de participagao”. “O mundo atual nos impée diferentes situagdes, com refle- xos desastrosos, pois € mais facil viver sem espiritualidade”. “A insatisfagdo das pessoas com uma vida superficial, os diversos desafios que a sociedade coloca para os individuos, para os varios grupos sociais, para as familias, tornam os EVC uma possibili- dade de pausa para tentar enxergar o que estd acontecendo e, na medida necessaria de cada um, aprofundar e chegar a um encontro consigo mesmo e com Deus”. “O mundo em que vivemos é barulhento, competitivo e a todo momento langa-nos propostas variadas e precisamos nos ot situar diante delas, refletir sobre elas para poder discernir O discernimento sy e 7 e tomar decisdes mais acertadas. Para perceber a vontade € muito necessario ge Deus e realizé-la, precisamos fazer a leitura das mogdes no mundo atual —e discernir, o que € um ponto de suma importancia na espiritualidade inaciana. Sem diivida, o discernimento € um tema muito necessario no mundo atual”. “Indcio viveu os EE antes de poder transforma-los em mé- todo e virem a ser transmitidos e dados a outros, desejo que nutriu e deu sentido a toda a sua vida. Os EE so um profundo processo pessoal de busca da intimidade e proximidade com Deus, que passa pela descoberta da prépria intimidade consigo mesmo. Em sendo assim, nao deixou de ter atualidade, atraves- sando tantos séculos e diferentes culturas, gracas justamente a essa possibilidade de ir ao encontro do ser humano que ha dentro de cada um de nds. E ser humano, é ‘ser humano’ em qualquer tempo e lugar. Tratando especificamente da modali- dade dos EVC, vemos essa atualidade ainda mais viva, pois eles podem alcangar o ser humano, de fato e concretamente, em seu tempo e lugar, no qual ele se ‘retira’, mas sem dele se afastar”. Visio de Igreja e de mundo “Creio que de certa forma os EVC iniciam o discipulo mis- siondrio na caminhada; favorecem a experiéncia de Deus, a partilha comunitéria e a oragao”. “A oracao nos EE propicia olhar para dentro de si, bem como para fora de si, para o que esté acon- tecendo no mundo e a importancia da presenga de uma Igreja ITAICL= REVISTA DE ESPIRITUALIDADE INACIANA, n. 85 (Setembro/2011) | 55 acolhedora, solidaria e fraterna”. “Prepara discfpulos missiondrios como deseja o documento de Aparecida e observo isso pela minha propria experiéncia e. ao término de cada grupo de EVC, pela motivagao dos exercitantes de se engajar em alguma ago apos- t6lica. Para mim, a experiéncia dos EE foi e continua sendo uma viagem ao interior de mim mesmo, uma descoberta de um Deus prdximo, um desejo de vida compartilhada em comunidade e a construgao de um mundo mais justo e igualitario”. “Faz-nos mudar o olhar. Passamos a ver com o olhar de Jesus € af o nosso coragiio se abre para dialogar e acolher o diferente, © outro. Favorece a experiéncia de Deus, 0 auto-conhecimento, a partilha e a participagao”. “Os EE abrem e ampliam a cons- ciéncia da pessoa para perceber a realidade em que ela vive: a familia, o trabalho, a comunidade. Brota o desejo de levar essa experiéncia de Deus para todos”. “Os EE nos mobilizam para a experiéncia do encontro com Deus e conosco. Confrontamo-nos com a pessoa de Jesus: seus sentimentos, seus pensamentos € a forma de se relacionar com o Pai, consigo © com os demais, 0 que nos leva a perceber como somos e atuamos no mundo”. “Qs EE no sé abrem para uma visio de Igreja presente no mundo, como eles foram ‘feitos’ por Inacio e inspirados por Deus para isso: para levar 0 homem ao encontro de seu préximo, inserido em um tempo e lugar. Assim, é privilegiado 0 auto- conhecimento, justamente para que a experiéncia de Deus se faca com o Deus que é Deus, e nio com um Deus ‘a medida de cada um’. Conhecendo-se, o exercitante é levado a discernir 0 que deseja, para que possa distingui-lo do que Deus deseja para ele, razao tiltima dos EE. Em sendo possivel alcangar 0 que € 0 desejo de Deus, 0 exercitante sera levado & partilha e a parti- cipagao na vida de um mundo que € maior que ele, e que se faz para além dele. E assim ele sai de si, para ir ao encontro do outro, em um profundo e continuo discernimento de si e da vontade do Pai”. Conclusio Vou concluir este artigo com dois apelos bem atuais: O Documento do CELAM em Aparecida do Norte evidencia a urgéncia de cultivar entre os batizados a experiéncia do amor 56 | ITAICI = REVISTA DE ESPIRITUALIDADE INACIANA, n. 85 (Setembro/2011) de Deus revelado em Jesus Cristo. O documento recolhe estas palavras de Bento XVI na sua enefclica “Deus é Amor”: Nao se comeca a ser cristdio por uma decisdo ética ou uma grande idéia, mas através do encontro com um acontecimento, com uma Pessoa, que dé um novo horizonte a vida e, com isso, uma orientagdo decisiva. Isso é justamente 0 que, com apresentagées diferentes, todo o evan- gelho nos tem conservado como sendo o inicio do cristianismo: um encontro de fé com a pessoa de Jesus (cf. Jo 1,35-39) (n. 243). A alocugao do Papa Bento XVI aos membros da 35 Congre- gacdo Geral, dia 21 de fevereito do ano 2008: Convido-vos, finalmente, a dar uma atengdo especial aquele ministério dos Exercicios Espirituais que, desde as origens, foi carac- teristico de vossa Companhia. Os Exercicios sao a fonte da vossa espiritualidade e a matriz das vossas Constituigdes, mas so também um dom que o Espirito do Senhor concedeu a Igreja inteira: compe- te-vos a vds continuar a fazer deles um instrumento precioso e eficaz para o crescimento espiritual das almas, para a sua iniciagdo a ora- ¢do e a meditagdo, neste mundo secularizado, no qual Deus parece estar ausente. Precisamente na semana passada, também eu apro- veitei dos Exercicios Espirituais, juntamente com meus mais estreitos colaboradores da Ctiria Romana, sob a orientagéo de um vosso exfmio companheiro, o cardeal Albert Vanhoye. Em um tempo como o de hoje, em que a confusdo e a multiplicidade das mensagens e a rapidez das mudangas e das situagdes tornam particularmente dificil dos nossos contemporaneos pér ordem na prépria vida e responder, com decisdo e alegria, ao chamamento que o Senhor dirige a cada um de nés, os Exercicios Espivituais representam uma via e um método particularmente preciosos para procurar e encontrar Deus em nds, & nossa volta e em todas as coisas, com a finalidade de conhecer a Sua vontade e pé-la em pratica. ITAICL= REVISTA DE ESPIRITUALIDADE INACIANA, n. 85 (Setembro/2011) | 57

You might also like